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Políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Volume 12, Edição n o 4 2015

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Page 1: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Global

Policy

Uma publicaccedilatildeo doCentro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPrograma das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento Volume 12 Ediccedilatildeo no 4 2015

Sumaacuterio

Policy in Focus

O Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) eacute uma parceria entre as Naccedilotildees Unidas e o Governo do Brasil para promover o aprendizado Sul-Sul sobre poliacuteticas sociais O Centro especializa-se em recomendaccedilotildees poliacuteticas com base em pesquisa para fomentar a reduccedilatildeo da pobreza e desigualdade bem como promover o crescimento inclusivo O IPC-IG estaacute ligado ao Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil ao Ministeacuterio do Planejamento Orccedilamento e Gestatildeo (MPOG) e ao Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) do Governo do Brasil

Diretor Niky Fabiancic

Coordenadores de Pesquisa IPC-IGPNUD Diana Sawyer Faacutebio Veras Soares e Rafael Guerreiro Osoacuterio (Ipea)

A Policy in Focus eacute uma publicaccedilatildeo regular do IPC-IG Esta ediccedilatildeo foi desenvolvia em parceria com o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA) e a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO) explorando as perspectivas singulares sobre as experiecircncias em agricultura familiar

Editor-Chefe Michael MacLennan PNUDCentro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo

Editores Especialistas Convidados Thomas Cooper Patriota Institute of Development Studies (IDS) Universidade de Sussex bolsista CapesBrasil e Francesco Maria Pierri (FAO)

Gerecircncia de Publicaccedilotildees Roberto Astorino

Traduccedilatildeo Leonardo Padovani

Revisatildeo Valdinea Pereira da Silva

Produccedilatildeo Editorial e Arte Rosa Maria Banuth e Flaacutevia Amaral

Assistente Editorial Manoel Salles

Foto da Capa Joseacute Reynaldo da Fonseca

Algumas das fotografias usadas nesta ediccedilatildeo foram usadas sob licenccedila Creative Commons creacuteditos completos e links para as licenccedilas individuais satildeo fornecidas para cada uma

Nota do Editor Em nome do IPC-IGPNUD sou grato ao MDA e agrave FAO pela colaboraccedilatildeo para o desenvolvimento dessa ediccedilatildeo especial Em especial agradecemos aos editores especialistas convidados Thomas Cooper Patriota e Francesco Maria Pierri pela dedicaccedilatildeo a essa publicaccedilatildeo Finalmente agradecemos sinceramente a todos os autores pelas contribuiccedilotildees perceptivas e generosas sem as quais essa ediccedilatildeo natildeo teria sido possiacutevel

Essa ediccedilatildeo especial eacute dedicada agrave memoacuteria do Professor Sam Moyo que faleceu em novembro de 2015 Sam era um acadecircmico de ponta na aacuterea de questotildees agraacuterias na Aacutefrica e no Sul Global Geraccedilotildees inteiras aprenderam com o seu trabalho e continuaratildeo a aprender uma vez que os temas que ele abordou continuam a ocupar um espaccedilo central nas naccedilotildees do Sul Global Ele seraacute lembrado por combinar o rigor acadecircmico e o comprometimento com a justiccedila social e o ativismo tenaz Nossos pensamentos estatildeo com sua parceira Beatrice Mtetwa e toda a sua famiacutelia

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000ipcipc-undporg wwwipc-undporg

copy 2015 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

ISSN 2318-8995

As opiniotildees expressas nas publicaccedilotildees do IPC-IG satildeo as dos autores e natildeo necessariamente aquelas do Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento ou do Governo do Brasil

Direitos e Permissotildees ndash Todos os direitos reservados O texto e os dados nessa publicaccedilatildeo podem ser reproduzidos desde que a permissatildeo por escrito seja obtida do IPC-IG e a fonte seja citada Reproduccedilotildees para fins comerciais satildeo proibidas

EDIT

ORI

AL

O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobal

A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos

As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguai

Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticas

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa

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sta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus pretende dar continuidade agraves discussotildees e aos debates instigados pelo Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) destacando os casos especiacuteficos e as recomendaccedilotildees gerais de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura familiar em paiacuteses do Sul Global Eacute fruto

de uma colaboraccedilatildeo entre o Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO) e o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

O AIAF foi o primeiro ano internacional das Naccedilotildees Unidas (NU) que resultou de uma campanha da sociedade civil em 2008 pelo Foacuterum Rural Mundial (WRF) durante o aacutepice da crise internacional de preccedilos de alimentos exatamente quando a mobilizaccedilatildeo popular em dezenas de paiacuteses em desenvolvimento havia acabado de trazer a questatildeo de seguranccedila alimentar agrave tona da agenda de poliacutetica internacional Com o apoio de governos nacionais e organizaccedilotildees internacionais a campanha do AIAF adquiriu forccedila mobilizando mais de 360 organizaccedilotildees civis em 60 paiacuteses de cinco continentes e eventualmente obtendo aprovaccedilatildeo unacircnime dos estados-membros na Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2011 a favor da celebraccedilatildeo de um ano comemorativo em 2014

A organizaccedilatildeo simultacircnea da campanha em acircmbitos nacional regional e internacional refletiu-se na criaccedilatildeo de mais de 50 comitecircs AIAF ndash principalmente plataformas angariando organizaccedilotildees da sociedade civil bem como em muitos casos instituiccedilotildees governamentais e organizaccedilotildees internacionais ndash com o intuito de deliberar sobre as prioridades das poliacuteticas voltadas agrave agricultura familiar de um paiacutes Em muitas situaccedilotildees particularmente onde tais plataformas natildeo existiam comitecircs nacionais foram sucedidos por novas legislaccedilotildees poliacuteticas orccedilamentos e de maneira geral dando maior visibilidade para a agricultura familiar em seus diversos contextos nacionais

As vaacuterias demandas articuladas por organizaccedilotildees da sociedade civil ao longo da campanha do AIAF podem ser sintetizadas em trecircs ldquolinhas de accedilatildeordquo assim identificadas pela FAO na 38ordf Conferecircncia de junho de 2013 a saber i) a promoccedilatildeo do diaacutelogo entre partes interessadas nas poliacuteticas puacuteblicas ii) a criaccedilatildeo e o compartilhamento de liccedilotildees aprendidas acerca dessas poliacuteticas e iii) a melhor comunicaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo das muitas contribuiccedilotildees da agricultura familiar para a sociedade

Apesar de um crescente consenso global quanto ao papel crucial da agricultura familiar assim como exemplificado pelo AIAF ainda haacute pouco conhecimento entre decisores poliacuteticos e acadecircmicos sobre poliacuteticas especiacuteficas que estatildeo sendo implementadas nos paiacuteses em desenvolvimento Com o objetivo de reverter esse quadro o IPC-IG vem contribuindo de forma significativa para expandir o conhecimento global em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas sociais no mundo em desenvolvimento durante a uacuteltima deacutecada Aleacutem disso sua atual parceria com a FAO e o governo brasileiro datildeo testemunho agrave sua missatildeo e ao crescente trabalho para reduzir o deficit de conhecimento das poliacuteticas direcionadas ao apoio da agricultura familiar por meio de diferentes contextos em paiacuteses em desenvolvimento

A agricultura familiar comeccedilou a ocupar maior espaccedilo nos ciacuterculos de decisores poliacuteticos desde o lanccedilamento da campanha do AIAF em 2008 ateacute as comemoraccedilotildees poacutes-AIAF em 2014 no contexto do ldquoLegado do AIAF 2014 e o Caminho Adianterdquo da FAO O apoio aos produtores rurais de pequena escala eacute um objetivo fundamental para que se obtenham aumentos sustentaacuteveis em produtividade e seguranccedila alimentar

Esperamos que essa ediccedilatildeo especial que compartilha experiecircncias distintas e perspectivas sobre a agricultura familiar por meio de artigos de pesquisadores servidores puacuteblicos e representantes da sociedade civil no Sul Global contribua para este crescente diaacutelogo

por Cristina Timponi Cambiaghi Thomas Cooper Patriota Francesco Maria Pierri e

Michael MacLennan

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O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes por Thomas Cooper Patriota1 Francesco Maria Perri2 Michael MacLennan3 e Manoel Salles3

Da crise global dos preccedilos dos alimentos agrave Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 Esta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus segue as comemoraccedilotildees mundiais do Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) e mais recentemente a adoccedilatildeo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) na 70ordf Sessatildeo da Assembleia Geral da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) A relativa proximidade desses dois eventos implica uma reflexatildeo sobre sua relevacircncia para a construccedilatildeo de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura e ao desenvolvimento rural nos paiacuteses de hoje

O AIAF representou um reconhecimento histoacuterico da contribuiccedilatildeo potencial e efetiva de cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial bem como da maioria da populaccedilatildeo do mundo em desenvolvimento para a erradicaccedilatildeo da pobreza a seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem do manejo sustentaacutevel dos recursos naturais Esse fato estaacute ligado diretamente agraves trecircs dimensotildees do desenvolvimento sustentaacutevel ndash econocircmica social e ambiental ndash estabelecidas no documento resultante da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento Sustentaacutevel (UNCSD) ndash Rio+20 O futuro que queremos que forma as bases conceituais dos ODS recentemente adotados

Natildeo obstante essas dimensotildees serem representativas das aacutereas nas quais a agricultura familiar pode contribuir de maneira fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel em escala mundial elas tambeacutem revelam alguns de seus mais urgentes desafios Apesar de a agricultura ser a maior fonte empregadora do mundo quase trecircs quartos do 14 bilhatildeo de pessoas que vivem em condiccedilotildees de extrema pobreza residem em aacutereas rurais e a maioria delas depende da agricultura para sobreviver (HLPE 2013)

Da mesma forma enquanto a maior parte dos alimentos eacute produzida por agricultores familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em aacutereas rurais Ademais apesar de esses agricultores terem sido os principais contribuintes para o manejo sustentaacutevel dos recursos naturais por inuacutemeras geraccedilotildees tambeacutem estatildeo entre os grupos mais vulneraacuteveis a eventos climaacuteticos extremos agrave perda da biodiversidade e agrave degradaccedilatildeo dos solos

Esse paradoxo pode ser parcialmente explicado por deacutecadas de insuficiecircncias nos investimentos para a agricultura familiar por uma seacuterie de razotildees desde a dificuldade de se criar poliacuteticas sob medida para setores com pouca ou nenhuma representaccedilatildeo nos ciacuterculos de formulaccedilotildees de poliacuteticas ateacute vieses conceituais e ideoloacutegicos Aleacutem desses motivos haacute de se considerar ainda uma subapreciaccedilatildeo das capacidades da agricultura de pequena escala em gerar tanto crescimento econocircmico quanto externalidades sociais e ambientais positivas

Do mesmo modo medidas de austeridade em nome do ldquoajuste estruturalrdquo particular- mente nos anos de 1980 e 1990 enfraqueceram consideravelmente ou ateacute desmantelaram os ateacute entatildeo nascentes sistemas de apoio puacuteblico direcionados agrave agricultura de pequena escala em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento Natildeo obstante experiecircncias em muitos paiacuteses demonstram que a agricultura familiar pode ser uma forccedila motriz ao inveacutes de um fardo para que se alcancem tais objetivos desde que para tanto sejam dadas as condiccedilotildees adequadas O melhor entendimento dessas condiccedilotildees eacute talvez o questionamento principal que o AIAF ajudou a levantar Em outras palavras como podem as poliacuteticas puacuteblicas fortalecer os agricultores familiares

de forma que estes se tornem parte crescente da soluccedilatildeo para o alcance do desenvolvimento sustentaacutevel

Se forem considerados os conjuntos de objetivos de desenvolvimento acordados nos foacuteruns multilaterais como indicadores representativos de mudanccedilas gerais no discurso e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas no acircmbito internacional a atual transiccedilatildeo de Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) para os ODS apresenta sinais promissores Apesar do foco do ODM 1 em eliminar a extrema pobreza e a fome ter contribuiacutedo significativamente para uma melhor coordenaccedilatildeo e maior priorizaccedilatildeo de accedilotildees pelas agecircncias de desenvolvimento governamentais e internacionais as metas e indicadores especiacuteficos do Objetivo natildeo chegaram a incorporar a dimensatildeo predominantemente rural da extrema pobreza e fome no mundo em desenvolvimento4 Esse fato talvez seja reflexo de uma concepccedilatildeo ainda prevalente de desenvolvimento segundo a qual a grande parte das populaccedilotildees rurais eacute vista como um ldquoexeacutercito de reservardquo de matildeo de obra barata destinado a ser absorvido pelos setores urbanos industriais e de serviccedilos

Os ODS por sua vez tiveram origem a partir de um processo de elaboraccedilatildeo muito mais inclusivo e democraacutetico Ademais foram formulados durante um periacuteodo caracterizado pela crescente importacircncia atribuiacuteda agrave agricultura familiar para a seguranccedila alimentar a partir da crise de preccedilos de 2007-2008 ateacute a comemoraccedilatildeo do AIAF em 2014 Portanto os ODS possibilitaram um papel muito maior agrave agricultura familiar em comparaccedilatildeo com os ODM como evidenciado por boa parte dos objetivos e metas aprovados especialmente o segundo objetivo ldquoacabar com a fome alcanccedilar a seguranccedila alimentar e melhoria da nutriccedilatildeo e

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 5

ldquo Enquanto a maior

parte dos alimentos eacute produzida por agricultores

familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em

aacutereas rurais

promover a agricultura sustentaacutevelrdquo E mais especificamente a meta 23 que preconiza explicitamente dobrar a produtividade agriacutecola e a renda dos produtores de alimentos em pequena escala particularmente das mulheres povos indiacutegenas agricultores familiares pastores e pescadores inclusive por meio de acesso seguro e equitativo agrave terra outros recursos produtivos e insumos conhecimento serviccedilos financeiros mercados e oportunidades de agregaccedilatildeo de valor e de emprego natildeo agriacutecola ateacute 2030

Ao mesmo tempo em que se elaboram os indicadores dos ODS surge uma questatildeo a respeito do grau de comparabilidade futura entre o progresso de diferentes paiacuteses e os resultados alcanccedilados que se relaciona com a necessidade de se adotar um conjunto miacutenimo de criteacuterios comuns para definir a agricultura familiar sem prejuiacutezo de uma justa representaccedilatildeo de sua diversidade5

Conceitualizando e medindo a agricultura familiar em uma escala global A agricultura familiar eacute uma categoria de anaacutelise socioeconocircmica contestada Eacute agraves vezes definida por seus diversos constituintes em subcategorias que incluem pastores pescadores artesanais povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outras Tem sido reivindicada por movimentos camponeses natildeo apenas como parte de uma estrateacutegia para fortalecer a proteccedilatildeo de sua autonomia e dos seus meios de vida diante de sistemas alimentares globalizados mas tambeacutem por seu papel crucial em construir consensos em prol de um marco normativo no sentido de promover poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso estudiosos vecircm utilizando o conceito para fins teacutecnicos ou acadecircmicos e em alguns paiacuteses eacute inclusive utilizado como termo legalmente definido e incluiacutedo em estatiacutesticas nacionais com implicaccedilotildees concretas para a definiccedilatildeo de poliacuteticas

No contexto do AIAF 2014 a FAO propocircs uma definiccedilatildeo oficial de agricultura familiar6 Apesar de essa acepccedilatildeo ser suficientemente ampla para abranger os elementos supracitados eacute tambeacutem fundamentada em pelo menos dois criteacuterios cruciais a gestatildeo e operaccedilatildeo pela unidade familiar e a predominacircncia da matildeo de obra familiar Dos mais de 570

milhotildees de estabelecimentos mundiais quase 500 milhotildees satildeo operados por indiviacuteduos ou famiacutelias que principalmente dependem da matildeo de obra familiar 475 milhotildees das quais possuem 2 hectares ou menos e que coletivamente representam apenas 12 por cento das terras agriacutecolas totais (LOWDER et al 2014)

Desde outra perspectiva estatiacutestica estabelecimentos com menos de 5 hectares representam 94 por cento de todos os estabelecimentos mas controlam apenas 19 por cento de todas as terras agriacutecolas (FAO 2014b) Por outro lado apenas 1 por cento dos estabelecimentos no mundo satildeo maiores que 50 hectares Contudo estes representam 65 por cento de todas as terras agriacutecolas Muitas dessas fazendas maiores contam principalmente com o trabalho assalariado mesmo quando pertencem e satildeo operadas por famiacutelias Portanto a gestatildeo e a operaccedilatildeo familiar satildeo condiccedilotildees necessaacuterias poreacutem natildeo suficientes para definir a agricultura familiar visto que escondem grandes diferenccedilas em outras variaacuteveis tais como tamanho do estabelecimento e intensidade do capital O uso predominante de matildeo de obra familiar em contraponto funciona como um criteacuterio adicional fundamental pois tende a representar melhor a realidade dos pequenos e meacutedios estabelecimentos ao redor do mundo

Natildeo obstante a diversidade das definiccedilotildees de agricultura familiar inclusive aquelas que incorporam perspectivas adicionais tais como o grau de relativa autonomia ou dependecircncia com relaccedilatildeo a mercados agriacutecolas e cadeias alimentares haacute um amplo consenso de que ela ainda eacute a forma de agricultura preponderante no mundo bem como representa o principal setor responsaacutevel pela seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem da sustentabilidade ambiental no meio rural

Na medida em que o AIAF se encerrou e a corrida para se alcanccedilarem os ODS se iniciou a questatildeo principal passou de ldquodeveriacuteamos apoiar a agricultura familiarrdquo para ldquocomo podemos apoiar a agricultura familiarrdquo conforme evidenciado pelo discurso e pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas em diversos lugares do mundo hoje Paiacuteses do Sul Global podem adquirir valiosas liccedilotildees a partir de

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 7

ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

BOBP-IGO Annual Report of the BOBP- IGO 2012-13 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2013

CHOWDHURY A Present Status of Legal Support to Implement Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries Sector in Bangladesh In Report of the National Workshop on Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries ndash Bangladesh 91ndash99 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2009 Disponiacutevel em lthttpbobpigoorghtml_site pdfMCS-Bangladesh-REP110pdfgt Acesso em 18 nov 2015

CENTRAL MARINE FISHERIES RESEARCH INSTITUTE (CMFRI) National Marine Fisheries Censuses 2005 e 2010 Disponiacutevel em lthttpeprintscmfriorgin552211_Marine_Fisheries_Census_ India_Part-Ipdfgt e lthttpeprintscmfriorg in89981India_report_fullpdfgt

_______ National Marine Fisheries Census Kochi India Central Institute of Marine Fisheries Research 2010

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REEFBASE Maldives 2015 Disponiacutevel em lthttpboblme reefbaseorgcountriesaspxcountry=MDVgt Acesso em 4 nov 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

26

1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 2: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Sumaacuterio

Policy in Focus

O Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) eacute uma parceria entre as Naccedilotildees Unidas e o Governo do Brasil para promover o aprendizado Sul-Sul sobre poliacuteticas sociais O Centro especializa-se em recomendaccedilotildees poliacuteticas com base em pesquisa para fomentar a reduccedilatildeo da pobreza e desigualdade bem como promover o crescimento inclusivo O IPC-IG estaacute ligado ao Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil ao Ministeacuterio do Planejamento Orccedilamento e Gestatildeo (MPOG) e ao Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) do Governo do Brasil

Diretor Niky Fabiancic

Coordenadores de Pesquisa IPC-IGPNUD Diana Sawyer Faacutebio Veras Soares e Rafael Guerreiro Osoacuterio (Ipea)

A Policy in Focus eacute uma publicaccedilatildeo regular do IPC-IG Esta ediccedilatildeo foi desenvolvia em parceria com o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA) e a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO) explorando as perspectivas singulares sobre as experiecircncias em agricultura familiar

Editor-Chefe Michael MacLennan PNUDCentro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo

Editores Especialistas Convidados Thomas Cooper Patriota Institute of Development Studies (IDS) Universidade de Sussex bolsista CapesBrasil e Francesco Maria Pierri (FAO)

Gerecircncia de Publicaccedilotildees Roberto Astorino

Traduccedilatildeo Leonardo Padovani

Revisatildeo Valdinea Pereira da Silva

Produccedilatildeo Editorial e Arte Rosa Maria Banuth e Flaacutevia Amaral

Assistente Editorial Manoel Salles

Foto da Capa Joseacute Reynaldo da Fonseca

Algumas das fotografias usadas nesta ediccedilatildeo foram usadas sob licenccedila Creative Commons creacuteditos completos e links para as licenccedilas individuais satildeo fornecidas para cada uma

Nota do Editor Em nome do IPC-IGPNUD sou grato ao MDA e agrave FAO pela colaboraccedilatildeo para o desenvolvimento dessa ediccedilatildeo especial Em especial agradecemos aos editores especialistas convidados Thomas Cooper Patriota e Francesco Maria Pierri pela dedicaccedilatildeo a essa publicaccedilatildeo Finalmente agradecemos sinceramente a todos os autores pelas contribuiccedilotildees perceptivas e generosas sem as quais essa ediccedilatildeo natildeo teria sido possiacutevel

Essa ediccedilatildeo especial eacute dedicada agrave memoacuteria do Professor Sam Moyo que faleceu em novembro de 2015 Sam era um acadecircmico de ponta na aacuterea de questotildees agraacuterias na Aacutefrica e no Sul Global Geraccedilotildees inteiras aprenderam com o seu trabalho e continuaratildeo a aprender uma vez que os temas que ele abordou continuam a ocupar um espaccedilo central nas naccedilotildees do Sul Global Ele seraacute lembrado por combinar o rigor acadecircmico e o comprometimento com a justiccedila social e o ativismo tenaz Nossos pensamentos estatildeo com sua parceira Beatrice Mtetwa e toda a sua famiacutelia

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000ipcipc-undporg wwwipc-undporg

copy 2015 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

ISSN 2318-8995

As opiniotildees expressas nas publicaccedilotildees do IPC-IG satildeo as dos autores e natildeo necessariamente aquelas do Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento ou do Governo do Brasil

Direitos e Permissotildees ndash Todos os direitos reservados O texto e os dados nessa publicaccedilatildeo podem ser reproduzidos desde que a permissatildeo por escrito seja obtida do IPC-IG e a fonte seja citada Reproduccedilotildees para fins comerciais satildeo proibidas

EDIT

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O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobal

A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos

As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguai

Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticas

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa

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sta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus pretende dar continuidade agraves discussotildees e aos debates instigados pelo Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) destacando os casos especiacuteficos e as recomendaccedilotildees gerais de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura familiar em paiacuteses do Sul Global Eacute fruto

de uma colaboraccedilatildeo entre o Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO) e o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

O AIAF foi o primeiro ano internacional das Naccedilotildees Unidas (NU) que resultou de uma campanha da sociedade civil em 2008 pelo Foacuterum Rural Mundial (WRF) durante o aacutepice da crise internacional de preccedilos de alimentos exatamente quando a mobilizaccedilatildeo popular em dezenas de paiacuteses em desenvolvimento havia acabado de trazer a questatildeo de seguranccedila alimentar agrave tona da agenda de poliacutetica internacional Com o apoio de governos nacionais e organizaccedilotildees internacionais a campanha do AIAF adquiriu forccedila mobilizando mais de 360 organizaccedilotildees civis em 60 paiacuteses de cinco continentes e eventualmente obtendo aprovaccedilatildeo unacircnime dos estados-membros na Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2011 a favor da celebraccedilatildeo de um ano comemorativo em 2014

A organizaccedilatildeo simultacircnea da campanha em acircmbitos nacional regional e internacional refletiu-se na criaccedilatildeo de mais de 50 comitecircs AIAF ndash principalmente plataformas angariando organizaccedilotildees da sociedade civil bem como em muitos casos instituiccedilotildees governamentais e organizaccedilotildees internacionais ndash com o intuito de deliberar sobre as prioridades das poliacuteticas voltadas agrave agricultura familiar de um paiacutes Em muitas situaccedilotildees particularmente onde tais plataformas natildeo existiam comitecircs nacionais foram sucedidos por novas legislaccedilotildees poliacuteticas orccedilamentos e de maneira geral dando maior visibilidade para a agricultura familiar em seus diversos contextos nacionais

As vaacuterias demandas articuladas por organizaccedilotildees da sociedade civil ao longo da campanha do AIAF podem ser sintetizadas em trecircs ldquolinhas de accedilatildeordquo assim identificadas pela FAO na 38ordf Conferecircncia de junho de 2013 a saber i) a promoccedilatildeo do diaacutelogo entre partes interessadas nas poliacuteticas puacuteblicas ii) a criaccedilatildeo e o compartilhamento de liccedilotildees aprendidas acerca dessas poliacuteticas e iii) a melhor comunicaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo das muitas contribuiccedilotildees da agricultura familiar para a sociedade

Apesar de um crescente consenso global quanto ao papel crucial da agricultura familiar assim como exemplificado pelo AIAF ainda haacute pouco conhecimento entre decisores poliacuteticos e acadecircmicos sobre poliacuteticas especiacuteficas que estatildeo sendo implementadas nos paiacuteses em desenvolvimento Com o objetivo de reverter esse quadro o IPC-IG vem contribuindo de forma significativa para expandir o conhecimento global em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas sociais no mundo em desenvolvimento durante a uacuteltima deacutecada Aleacutem disso sua atual parceria com a FAO e o governo brasileiro datildeo testemunho agrave sua missatildeo e ao crescente trabalho para reduzir o deficit de conhecimento das poliacuteticas direcionadas ao apoio da agricultura familiar por meio de diferentes contextos em paiacuteses em desenvolvimento

A agricultura familiar comeccedilou a ocupar maior espaccedilo nos ciacuterculos de decisores poliacuteticos desde o lanccedilamento da campanha do AIAF em 2008 ateacute as comemoraccedilotildees poacutes-AIAF em 2014 no contexto do ldquoLegado do AIAF 2014 e o Caminho Adianterdquo da FAO O apoio aos produtores rurais de pequena escala eacute um objetivo fundamental para que se obtenham aumentos sustentaacuteveis em produtividade e seguranccedila alimentar

Esperamos que essa ediccedilatildeo especial que compartilha experiecircncias distintas e perspectivas sobre a agricultura familiar por meio de artigos de pesquisadores servidores puacuteblicos e representantes da sociedade civil no Sul Global contribua para este crescente diaacutelogo

por Cristina Timponi Cambiaghi Thomas Cooper Patriota Francesco Maria Pierri e

Michael MacLennan

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O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes por Thomas Cooper Patriota1 Francesco Maria Perri2 Michael MacLennan3 e Manoel Salles3

Da crise global dos preccedilos dos alimentos agrave Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 Esta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus segue as comemoraccedilotildees mundiais do Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) e mais recentemente a adoccedilatildeo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) na 70ordf Sessatildeo da Assembleia Geral da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) A relativa proximidade desses dois eventos implica uma reflexatildeo sobre sua relevacircncia para a construccedilatildeo de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura e ao desenvolvimento rural nos paiacuteses de hoje

O AIAF representou um reconhecimento histoacuterico da contribuiccedilatildeo potencial e efetiva de cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial bem como da maioria da populaccedilatildeo do mundo em desenvolvimento para a erradicaccedilatildeo da pobreza a seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem do manejo sustentaacutevel dos recursos naturais Esse fato estaacute ligado diretamente agraves trecircs dimensotildees do desenvolvimento sustentaacutevel ndash econocircmica social e ambiental ndash estabelecidas no documento resultante da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento Sustentaacutevel (UNCSD) ndash Rio+20 O futuro que queremos que forma as bases conceituais dos ODS recentemente adotados

Natildeo obstante essas dimensotildees serem representativas das aacutereas nas quais a agricultura familiar pode contribuir de maneira fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel em escala mundial elas tambeacutem revelam alguns de seus mais urgentes desafios Apesar de a agricultura ser a maior fonte empregadora do mundo quase trecircs quartos do 14 bilhatildeo de pessoas que vivem em condiccedilotildees de extrema pobreza residem em aacutereas rurais e a maioria delas depende da agricultura para sobreviver (HLPE 2013)

Da mesma forma enquanto a maior parte dos alimentos eacute produzida por agricultores familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em aacutereas rurais Ademais apesar de esses agricultores terem sido os principais contribuintes para o manejo sustentaacutevel dos recursos naturais por inuacutemeras geraccedilotildees tambeacutem estatildeo entre os grupos mais vulneraacuteveis a eventos climaacuteticos extremos agrave perda da biodiversidade e agrave degradaccedilatildeo dos solos

Esse paradoxo pode ser parcialmente explicado por deacutecadas de insuficiecircncias nos investimentos para a agricultura familiar por uma seacuterie de razotildees desde a dificuldade de se criar poliacuteticas sob medida para setores com pouca ou nenhuma representaccedilatildeo nos ciacuterculos de formulaccedilotildees de poliacuteticas ateacute vieses conceituais e ideoloacutegicos Aleacutem desses motivos haacute de se considerar ainda uma subapreciaccedilatildeo das capacidades da agricultura de pequena escala em gerar tanto crescimento econocircmico quanto externalidades sociais e ambientais positivas

Do mesmo modo medidas de austeridade em nome do ldquoajuste estruturalrdquo particular- mente nos anos de 1980 e 1990 enfraqueceram consideravelmente ou ateacute desmantelaram os ateacute entatildeo nascentes sistemas de apoio puacuteblico direcionados agrave agricultura de pequena escala em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento Natildeo obstante experiecircncias em muitos paiacuteses demonstram que a agricultura familiar pode ser uma forccedila motriz ao inveacutes de um fardo para que se alcancem tais objetivos desde que para tanto sejam dadas as condiccedilotildees adequadas O melhor entendimento dessas condiccedilotildees eacute talvez o questionamento principal que o AIAF ajudou a levantar Em outras palavras como podem as poliacuteticas puacuteblicas fortalecer os agricultores familiares

de forma que estes se tornem parte crescente da soluccedilatildeo para o alcance do desenvolvimento sustentaacutevel

Se forem considerados os conjuntos de objetivos de desenvolvimento acordados nos foacuteruns multilaterais como indicadores representativos de mudanccedilas gerais no discurso e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas no acircmbito internacional a atual transiccedilatildeo de Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) para os ODS apresenta sinais promissores Apesar do foco do ODM 1 em eliminar a extrema pobreza e a fome ter contribuiacutedo significativamente para uma melhor coordenaccedilatildeo e maior priorizaccedilatildeo de accedilotildees pelas agecircncias de desenvolvimento governamentais e internacionais as metas e indicadores especiacuteficos do Objetivo natildeo chegaram a incorporar a dimensatildeo predominantemente rural da extrema pobreza e fome no mundo em desenvolvimento4 Esse fato talvez seja reflexo de uma concepccedilatildeo ainda prevalente de desenvolvimento segundo a qual a grande parte das populaccedilotildees rurais eacute vista como um ldquoexeacutercito de reservardquo de matildeo de obra barata destinado a ser absorvido pelos setores urbanos industriais e de serviccedilos

Os ODS por sua vez tiveram origem a partir de um processo de elaboraccedilatildeo muito mais inclusivo e democraacutetico Ademais foram formulados durante um periacuteodo caracterizado pela crescente importacircncia atribuiacuteda agrave agricultura familiar para a seguranccedila alimentar a partir da crise de preccedilos de 2007-2008 ateacute a comemoraccedilatildeo do AIAF em 2014 Portanto os ODS possibilitaram um papel muito maior agrave agricultura familiar em comparaccedilatildeo com os ODM como evidenciado por boa parte dos objetivos e metas aprovados especialmente o segundo objetivo ldquoacabar com a fome alcanccedilar a seguranccedila alimentar e melhoria da nutriccedilatildeo e

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ldquo Enquanto a maior

parte dos alimentos eacute produzida por agricultores

familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em

aacutereas rurais

promover a agricultura sustentaacutevelrdquo E mais especificamente a meta 23 que preconiza explicitamente dobrar a produtividade agriacutecola e a renda dos produtores de alimentos em pequena escala particularmente das mulheres povos indiacutegenas agricultores familiares pastores e pescadores inclusive por meio de acesso seguro e equitativo agrave terra outros recursos produtivos e insumos conhecimento serviccedilos financeiros mercados e oportunidades de agregaccedilatildeo de valor e de emprego natildeo agriacutecola ateacute 2030

Ao mesmo tempo em que se elaboram os indicadores dos ODS surge uma questatildeo a respeito do grau de comparabilidade futura entre o progresso de diferentes paiacuteses e os resultados alcanccedilados que se relaciona com a necessidade de se adotar um conjunto miacutenimo de criteacuterios comuns para definir a agricultura familiar sem prejuiacutezo de uma justa representaccedilatildeo de sua diversidade5

Conceitualizando e medindo a agricultura familiar em uma escala global A agricultura familiar eacute uma categoria de anaacutelise socioeconocircmica contestada Eacute agraves vezes definida por seus diversos constituintes em subcategorias que incluem pastores pescadores artesanais povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outras Tem sido reivindicada por movimentos camponeses natildeo apenas como parte de uma estrateacutegia para fortalecer a proteccedilatildeo de sua autonomia e dos seus meios de vida diante de sistemas alimentares globalizados mas tambeacutem por seu papel crucial em construir consensos em prol de um marco normativo no sentido de promover poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso estudiosos vecircm utilizando o conceito para fins teacutecnicos ou acadecircmicos e em alguns paiacuteses eacute inclusive utilizado como termo legalmente definido e incluiacutedo em estatiacutesticas nacionais com implicaccedilotildees concretas para a definiccedilatildeo de poliacuteticas

No contexto do AIAF 2014 a FAO propocircs uma definiccedilatildeo oficial de agricultura familiar6 Apesar de essa acepccedilatildeo ser suficientemente ampla para abranger os elementos supracitados eacute tambeacutem fundamentada em pelo menos dois criteacuterios cruciais a gestatildeo e operaccedilatildeo pela unidade familiar e a predominacircncia da matildeo de obra familiar Dos mais de 570

milhotildees de estabelecimentos mundiais quase 500 milhotildees satildeo operados por indiviacuteduos ou famiacutelias que principalmente dependem da matildeo de obra familiar 475 milhotildees das quais possuem 2 hectares ou menos e que coletivamente representam apenas 12 por cento das terras agriacutecolas totais (LOWDER et al 2014)

Desde outra perspectiva estatiacutestica estabelecimentos com menos de 5 hectares representam 94 por cento de todos os estabelecimentos mas controlam apenas 19 por cento de todas as terras agriacutecolas (FAO 2014b) Por outro lado apenas 1 por cento dos estabelecimentos no mundo satildeo maiores que 50 hectares Contudo estes representam 65 por cento de todas as terras agriacutecolas Muitas dessas fazendas maiores contam principalmente com o trabalho assalariado mesmo quando pertencem e satildeo operadas por famiacutelias Portanto a gestatildeo e a operaccedilatildeo familiar satildeo condiccedilotildees necessaacuterias poreacutem natildeo suficientes para definir a agricultura familiar visto que escondem grandes diferenccedilas em outras variaacuteveis tais como tamanho do estabelecimento e intensidade do capital O uso predominante de matildeo de obra familiar em contraponto funciona como um criteacuterio adicional fundamental pois tende a representar melhor a realidade dos pequenos e meacutedios estabelecimentos ao redor do mundo

Natildeo obstante a diversidade das definiccedilotildees de agricultura familiar inclusive aquelas que incorporam perspectivas adicionais tais como o grau de relativa autonomia ou dependecircncia com relaccedilatildeo a mercados agriacutecolas e cadeias alimentares haacute um amplo consenso de que ela ainda eacute a forma de agricultura preponderante no mundo bem como representa o principal setor responsaacutevel pela seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem da sustentabilidade ambiental no meio rural

Na medida em que o AIAF se encerrou e a corrida para se alcanccedilarem os ODS se iniciou a questatildeo principal passou de ldquodeveriacuteamos apoiar a agricultura familiarrdquo para ldquocomo podemos apoiar a agricultura familiarrdquo conforme evidenciado pelo discurso e pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas em diversos lugares do mundo hoje Paiacuteses do Sul Global podem adquirir valiosas liccedilotildees a partir de

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

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ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

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vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

BOBP-IGO Annual Report of the BOBP- IGO 2012-13 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2013

CHOWDHURY A Present Status of Legal Support to Implement Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries Sector in Bangladesh In Report of the National Workshop on Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries ndash Bangladesh 91ndash99 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2009 Disponiacutevel em lthttpbobpigoorghtml_site pdfMCS-Bangladesh-REP110pdfgt Acesso em 18 nov 2015

CENTRAL MARINE FISHERIES RESEARCH INSTITUTE (CMFRI) National Marine Fisheries Censuses 2005 e 2010 Disponiacutevel em lthttpeprintscmfriorgin552211_Marine_Fisheries_Census_ India_Part-Ipdfgt e lthttpeprintscmfriorg in89981India_report_fullpdfgt

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Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

ipcipc-undporg wwwipc-undporg

Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 3: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

sta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus pretende dar continuidade agraves discussotildees e aos debates instigados pelo Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) destacando os casos especiacuteficos e as recomendaccedilotildees gerais de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura familiar em paiacuteses do Sul Global Eacute fruto

de uma colaboraccedilatildeo entre o Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) a Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO) e o Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

O AIAF foi o primeiro ano internacional das Naccedilotildees Unidas (NU) que resultou de uma campanha da sociedade civil em 2008 pelo Foacuterum Rural Mundial (WRF) durante o aacutepice da crise internacional de preccedilos de alimentos exatamente quando a mobilizaccedilatildeo popular em dezenas de paiacuteses em desenvolvimento havia acabado de trazer a questatildeo de seguranccedila alimentar agrave tona da agenda de poliacutetica internacional Com o apoio de governos nacionais e organizaccedilotildees internacionais a campanha do AIAF adquiriu forccedila mobilizando mais de 360 organizaccedilotildees civis em 60 paiacuteses de cinco continentes e eventualmente obtendo aprovaccedilatildeo unacircnime dos estados-membros na Assembleia Geral da ONU em dezembro de 2011 a favor da celebraccedilatildeo de um ano comemorativo em 2014

A organizaccedilatildeo simultacircnea da campanha em acircmbitos nacional regional e internacional refletiu-se na criaccedilatildeo de mais de 50 comitecircs AIAF ndash principalmente plataformas angariando organizaccedilotildees da sociedade civil bem como em muitos casos instituiccedilotildees governamentais e organizaccedilotildees internacionais ndash com o intuito de deliberar sobre as prioridades das poliacuteticas voltadas agrave agricultura familiar de um paiacutes Em muitas situaccedilotildees particularmente onde tais plataformas natildeo existiam comitecircs nacionais foram sucedidos por novas legislaccedilotildees poliacuteticas orccedilamentos e de maneira geral dando maior visibilidade para a agricultura familiar em seus diversos contextos nacionais

As vaacuterias demandas articuladas por organizaccedilotildees da sociedade civil ao longo da campanha do AIAF podem ser sintetizadas em trecircs ldquolinhas de accedilatildeordquo assim identificadas pela FAO na 38ordf Conferecircncia de junho de 2013 a saber i) a promoccedilatildeo do diaacutelogo entre partes interessadas nas poliacuteticas puacuteblicas ii) a criaccedilatildeo e o compartilhamento de liccedilotildees aprendidas acerca dessas poliacuteticas e iii) a melhor comunicaccedilatildeo e a disseminaccedilatildeo das muitas contribuiccedilotildees da agricultura familiar para a sociedade

Apesar de um crescente consenso global quanto ao papel crucial da agricultura familiar assim como exemplificado pelo AIAF ainda haacute pouco conhecimento entre decisores poliacuteticos e acadecircmicos sobre poliacuteticas especiacuteficas que estatildeo sendo implementadas nos paiacuteses em desenvolvimento Com o objetivo de reverter esse quadro o IPC-IG vem contribuindo de forma significativa para expandir o conhecimento global em relaccedilatildeo agraves poliacuteticas sociais no mundo em desenvolvimento durante a uacuteltima deacutecada Aleacutem disso sua atual parceria com a FAO e o governo brasileiro datildeo testemunho agrave sua missatildeo e ao crescente trabalho para reduzir o deficit de conhecimento das poliacuteticas direcionadas ao apoio da agricultura familiar por meio de diferentes contextos em paiacuteses em desenvolvimento

A agricultura familiar comeccedilou a ocupar maior espaccedilo nos ciacuterculos de decisores poliacuteticos desde o lanccedilamento da campanha do AIAF em 2008 ateacute as comemoraccedilotildees poacutes-AIAF em 2014 no contexto do ldquoLegado do AIAF 2014 e o Caminho Adianterdquo da FAO O apoio aos produtores rurais de pequena escala eacute um objetivo fundamental para que se obtenham aumentos sustentaacuteveis em produtividade e seguranccedila alimentar

Esperamos que essa ediccedilatildeo especial que compartilha experiecircncias distintas e perspectivas sobre a agricultura familiar por meio de artigos de pesquisadores servidores puacuteblicos e representantes da sociedade civil no Sul Global contribua para este crescente diaacutelogo

por Cristina Timponi Cambiaghi Thomas Cooper Patriota Francesco Maria Pierri e

Michael MacLennan

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O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes por Thomas Cooper Patriota1 Francesco Maria Perri2 Michael MacLennan3 e Manoel Salles3

Da crise global dos preccedilos dos alimentos agrave Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 Esta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus segue as comemoraccedilotildees mundiais do Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) e mais recentemente a adoccedilatildeo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) na 70ordf Sessatildeo da Assembleia Geral da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) A relativa proximidade desses dois eventos implica uma reflexatildeo sobre sua relevacircncia para a construccedilatildeo de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura e ao desenvolvimento rural nos paiacuteses de hoje

O AIAF representou um reconhecimento histoacuterico da contribuiccedilatildeo potencial e efetiva de cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial bem como da maioria da populaccedilatildeo do mundo em desenvolvimento para a erradicaccedilatildeo da pobreza a seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem do manejo sustentaacutevel dos recursos naturais Esse fato estaacute ligado diretamente agraves trecircs dimensotildees do desenvolvimento sustentaacutevel ndash econocircmica social e ambiental ndash estabelecidas no documento resultante da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento Sustentaacutevel (UNCSD) ndash Rio+20 O futuro que queremos que forma as bases conceituais dos ODS recentemente adotados

Natildeo obstante essas dimensotildees serem representativas das aacutereas nas quais a agricultura familiar pode contribuir de maneira fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel em escala mundial elas tambeacutem revelam alguns de seus mais urgentes desafios Apesar de a agricultura ser a maior fonte empregadora do mundo quase trecircs quartos do 14 bilhatildeo de pessoas que vivem em condiccedilotildees de extrema pobreza residem em aacutereas rurais e a maioria delas depende da agricultura para sobreviver (HLPE 2013)

Da mesma forma enquanto a maior parte dos alimentos eacute produzida por agricultores familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em aacutereas rurais Ademais apesar de esses agricultores terem sido os principais contribuintes para o manejo sustentaacutevel dos recursos naturais por inuacutemeras geraccedilotildees tambeacutem estatildeo entre os grupos mais vulneraacuteveis a eventos climaacuteticos extremos agrave perda da biodiversidade e agrave degradaccedilatildeo dos solos

Esse paradoxo pode ser parcialmente explicado por deacutecadas de insuficiecircncias nos investimentos para a agricultura familiar por uma seacuterie de razotildees desde a dificuldade de se criar poliacuteticas sob medida para setores com pouca ou nenhuma representaccedilatildeo nos ciacuterculos de formulaccedilotildees de poliacuteticas ateacute vieses conceituais e ideoloacutegicos Aleacutem desses motivos haacute de se considerar ainda uma subapreciaccedilatildeo das capacidades da agricultura de pequena escala em gerar tanto crescimento econocircmico quanto externalidades sociais e ambientais positivas

Do mesmo modo medidas de austeridade em nome do ldquoajuste estruturalrdquo particular- mente nos anos de 1980 e 1990 enfraqueceram consideravelmente ou ateacute desmantelaram os ateacute entatildeo nascentes sistemas de apoio puacuteblico direcionados agrave agricultura de pequena escala em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento Natildeo obstante experiecircncias em muitos paiacuteses demonstram que a agricultura familiar pode ser uma forccedila motriz ao inveacutes de um fardo para que se alcancem tais objetivos desde que para tanto sejam dadas as condiccedilotildees adequadas O melhor entendimento dessas condiccedilotildees eacute talvez o questionamento principal que o AIAF ajudou a levantar Em outras palavras como podem as poliacuteticas puacuteblicas fortalecer os agricultores familiares

de forma que estes se tornem parte crescente da soluccedilatildeo para o alcance do desenvolvimento sustentaacutevel

Se forem considerados os conjuntos de objetivos de desenvolvimento acordados nos foacuteruns multilaterais como indicadores representativos de mudanccedilas gerais no discurso e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas no acircmbito internacional a atual transiccedilatildeo de Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) para os ODS apresenta sinais promissores Apesar do foco do ODM 1 em eliminar a extrema pobreza e a fome ter contribuiacutedo significativamente para uma melhor coordenaccedilatildeo e maior priorizaccedilatildeo de accedilotildees pelas agecircncias de desenvolvimento governamentais e internacionais as metas e indicadores especiacuteficos do Objetivo natildeo chegaram a incorporar a dimensatildeo predominantemente rural da extrema pobreza e fome no mundo em desenvolvimento4 Esse fato talvez seja reflexo de uma concepccedilatildeo ainda prevalente de desenvolvimento segundo a qual a grande parte das populaccedilotildees rurais eacute vista como um ldquoexeacutercito de reservardquo de matildeo de obra barata destinado a ser absorvido pelos setores urbanos industriais e de serviccedilos

Os ODS por sua vez tiveram origem a partir de um processo de elaboraccedilatildeo muito mais inclusivo e democraacutetico Ademais foram formulados durante um periacuteodo caracterizado pela crescente importacircncia atribuiacuteda agrave agricultura familiar para a seguranccedila alimentar a partir da crise de preccedilos de 2007-2008 ateacute a comemoraccedilatildeo do AIAF em 2014 Portanto os ODS possibilitaram um papel muito maior agrave agricultura familiar em comparaccedilatildeo com os ODM como evidenciado por boa parte dos objetivos e metas aprovados especialmente o segundo objetivo ldquoacabar com a fome alcanccedilar a seguranccedila alimentar e melhoria da nutriccedilatildeo e

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 5

ldquo Enquanto a maior

parte dos alimentos eacute produzida por agricultores

familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em

aacutereas rurais

promover a agricultura sustentaacutevelrdquo E mais especificamente a meta 23 que preconiza explicitamente dobrar a produtividade agriacutecola e a renda dos produtores de alimentos em pequena escala particularmente das mulheres povos indiacutegenas agricultores familiares pastores e pescadores inclusive por meio de acesso seguro e equitativo agrave terra outros recursos produtivos e insumos conhecimento serviccedilos financeiros mercados e oportunidades de agregaccedilatildeo de valor e de emprego natildeo agriacutecola ateacute 2030

Ao mesmo tempo em que se elaboram os indicadores dos ODS surge uma questatildeo a respeito do grau de comparabilidade futura entre o progresso de diferentes paiacuteses e os resultados alcanccedilados que se relaciona com a necessidade de se adotar um conjunto miacutenimo de criteacuterios comuns para definir a agricultura familiar sem prejuiacutezo de uma justa representaccedilatildeo de sua diversidade5

Conceitualizando e medindo a agricultura familiar em uma escala global A agricultura familiar eacute uma categoria de anaacutelise socioeconocircmica contestada Eacute agraves vezes definida por seus diversos constituintes em subcategorias que incluem pastores pescadores artesanais povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outras Tem sido reivindicada por movimentos camponeses natildeo apenas como parte de uma estrateacutegia para fortalecer a proteccedilatildeo de sua autonomia e dos seus meios de vida diante de sistemas alimentares globalizados mas tambeacutem por seu papel crucial em construir consensos em prol de um marco normativo no sentido de promover poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso estudiosos vecircm utilizando o conceito para fins teacutecnicos ou acadecircmicos e em alguns paiacuteses eacute inclusive utilizado como termo legalmente definido e incluiacutedo em estatiacutesticas nacionais com implicaccedilotildees concretas para a definiccedilatildeo de poliacuteticas

No contexto do AIAF 2014 a FAO propocircs uma definiccedilatildeo oficial de agricultura familiar6 Apesar de essa acepccedilatildeo ser suficientemente ampla para abranger os elementos supracitados eacute tambeacutem fundamentada em pelo menos dois criteacuterios cruciais a gestatildeo e operaccedilatildeo pela unidade familiar e a predominacircncia da matildeo de obra familiar Dos mais de 570

milhotildees de estabelecimentos mundiais quase 500 milhotildees satildeo operados por indiviacuteduos ou famiacutelias que principalmente dependem da matildeo de obra familiar 475 milhotildees das quais possuem 2 hectares ou menos e que coletivamente representam apenas 12 por cento das terras agriacutecolas totais (LOWDER et al 2014)

Desde outra perspectiva estatiacutestica estabelecimentos com menos de 5 hectares representam 94 por cento de todos os estabelecimentos mas controlam apenas 19 por cento de todas as terras agriacutecolas (FAO 2014b) Por outro lado apenas 1 por cento dos estabelecimentos no mundo satildeo maiores que 50 hectares Contudo estes representam 65 por cento de todas as terras agriacutecolas Muitas dessas fazendas maiores contam principalmente com o trabalho assalariado mesmo quando pertencem e satildeo operadas por famiacutelias Portanto a gestatildeo e a operaccedilatildeo familiar satildeo condiccedilotildees necessaacuterias poreacutem natildeo suficientes para definir a agricultura familiar visto que escondem grandes diferenccedilas em outras variaacuteveis tais como tamanho do estabelecimento e intensidade do capital O uso predominante de matildeo de obra familiar em contraponto funciona como um criteacuterio adicional fundamental pois tende a representar melhor a realidade dos pequenos e meacutedios estabelecimentos ao redor do mundo

Natildeo obstante a diversidade das definiccedilotildees de agricultura familiar inclusive aquelas que incorporam perspectivas adicionais tais como o grau de relativa autonomia ou dependecircncia com relaccedilatildeo a mercados agriacutecolas e cadeias alimentares haacute um amplo consenso de que ela ainda eacute a forma de agricultura preponderante no mundo bem como representa o principal setor responsaacutevel pela seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem da sustentabilidade ambiental no meio rural

Na medida em que o AIAF se encerrou e a corrida para se alcanccedilarem os ODS se iniciou a questatildeo principal passou de ldquodeveriacuteamos apoiar a agricultura familiarrdquo para ldquocomo podemos apoiar a agricultura familiarrdquo conforme evidenciado pelo discurso e pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas em diversos lugares do mundo hoje Paiacuteses do Sul Global podem adquirir valiosas liccedilotildees a partir de

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

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ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 4: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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O crescente reconhecimento da agricultura familiar como parte da soluccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel evidecircncia a partir de evoluccedilotildees recentes por Thomas Cooper Patriota1 Francesco Maria Perri2 Michael MacLennan3 e Manoel Salles3

Da crise global dos preccedilos dos alimentos agrave Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 Esta ediccedilatildeo especial da Policy in Focus segue as comemoraccedilotildees mundiais do Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF 2014) e mais recentemente a adoccedilatildeo dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) na 70ordf Sessatildeo da Assembleia Geral da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) A relativa proximidade desses dois eventos implica uma reflexatildeo sobre sua relevacircncia para a construccedilatildeo de poliacuteticas relacionadas agrave agricultura e ao desenvolvimento rural nos paiacuteses de hoje

O AIAF representou um reconhecimento histoacuterico da contribuiccedilatildeo potencial e efetiva de cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial bem como da maioria da populaccedilatildeo do mundo em desenvolvimento para a erradicaccedilatildeo da pobreza a seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem do manejo sustentaacutevel dos recursos naturais Esse fato estaacute ligado diretamente agraves trecircs dimensotildees do desenvolvimento sustentaacutevel ndash econocircmica social e ambiental ndash estabelecidas no documento resultante da Conferecircncia das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento Sustentaacutevel (UNCSD) ndash Rio+20 O futuro que queremos que forma as bases conceituais dos ODS recentemente adotados

Natildeo obstante essas dimensotildees serem representativas das aacutereas nas quais a agricultura familiar pode contribuir de maneira fundamental para o desenvolvimento sustentaacutevel em escala mundial elas tambeacutem revelam alguns de seus mais urgentes desafios Apesar de a agricultura ser a maior fonte empregadora do mundo quase trecircs quartos do 14 bilhatildeo de pessoas que vivem em condiccedilotildees de extrema pobreza residem em aacutereas rurais e a maioria delas depende da agricultura para sobreviver (HLPE 2013)

Da mesma forma enquanto a maior parte dos alimentos eacute produzida por agricultores familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em aacutereas rurais Ademais apesar de esses agricultores terem sido os principais contribuintes para o manejo sustentaacutevel dos recursos naturais por inuacutemeras geraccedilotildees tambeacutem estatildeo entre os grupos mais vulneraacuteveis a eventos climaacuteticos extremos agrave perda da biodiversidade e agrave degradaccedilatildeo dos solos

Esse paradoxo pode ser parcialmente explicado por deacutecadas de insuficiecircncias nos investimentos para a agricultura familiar por uma seacuterie de razotildees desde a dificuldade de se criar poliacuteticas sob medida para setores com pouca ou nenhuma representaccedilatildeo nos ciacuterculos de formulaccedilotildees de poliacuteticas ateacute vieses conceituais e ideoloacutegicos Aleacutem desses motivos haacute de se considerar ainda uma subapreciaccedilatildeo das capacidades da agricultura de pequena escala em gerar tanto crescimento econocircmico quanto externalidades sociais e ambientais positivas

Do mesmo modo medidas de austeridade em nome do ldquoajuste estruturalrdquo particular- mente nos anos de 1980 e 1990 enfraqueceram consideravelmente ou ateacute desmantelaram os ateacute entatildeo nascentes sistemas de apoio puacuteblico direcionados agrave agricultura de pequena escala em vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento Natildeo obstante experiecircncias em muitos paiacuteses demonstram que a agricultura familiar pode ser uma forccedila motriz ao inveacutes de um fardo para que se alcancem tais objetivos desde que para tanto sejam dadas as condiccedilotildees adequadas O melhor entendimento dessas condiccedilotildees eacute talvez o questionamento principal que o AIAF ajudou a levantar Em outras palavras como podem as poliacuteticas puacuteblicas fortalecer os agricultores familiares

de forma que estes se tornem parte crescente da soluccedilatildeo para o alcance do desenvolvimento sustentaacutevel

Se forem considerados os conjuntos de objetivos de desenvolvimento acordados nos foacuteruns multilaterais como indicadores representativos de mudanccedilas gerais no discurso e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas no acircmbito internacional a atual transiccedilatildeo de Objetivos de Desenvolvimento do Milecircnio (ODM) para os ODS apresenta sinais promissores Apesar do foco do ODM 1 em eliminar a extrema pobreza e a fome ter contribuiacutedo significativamente para uma melhor coordenaccedilatildeo e maior priorizaccedilatildeo de accedilotildees pelas agecircncias de desenvolvimento governamentais e internacionais as metas e indicadores especiacuteficos do Objetivo natildeo chegaram a incorporar a dimensatildeo predominantemente rural da extrema pobreza e fome no mundo em desenvolvimento4 Esse fato talvez seja reflexo de uma concepccedilatildeo ainda prevalente de desenvolvimento segundo a qual a grande parte das populaccedilotildees rurais eacute vista como um ldquoexeacutercito de reservardquo de matildeo de obra barata destinado a ser absorvido pelos setores urbanos industriais e de serviccedilos

Os ODS por sua vez tiveram origem a partir de um processo de elaboraccedilatildeo muito mais inclusivo e democraacutetico Ademais foram formulados durante um periacuteodo caracterizado pela crescente importacircncia atribuiacuteda agrave agricultura familiar para a seguranccedila alimentar a partir da crise de preccedilos de 2007-2008 ateacute a comemoraccedilatildeo do AIAF em 2014 Portanto os ODS possibilitaram um papel muito maior agrave agricultura familiar em comparaccedilatildeo com os ODM como evidenciado por boa parte dos objetivos e metas aprovados especialmente o segundo objetivo ldquoacabar com a fome alcanccedilar a seguranccedila alimentar e melhoria da nutriccedilatildeo e

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 5

ldquo Enquanto a maior

parte dos alimentos eacute produzida por agricultores

familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em

aacutereas rurais

promover a agricultura sustentaacutevelrdquo E mais especificamente a meta 23 que preconiza explicitamente dobrar a produtividade agriacutecola e a renda dos produtores de alimentos em pequena escala particularmente das mulheres povos indiacutegenas agricultores familiares pastores e pescadores inclusive por meio de acesso seguro e equitativo agrave terra outros recursos produtivos e insumos conhecimento serviccedilos financeiros mercados e oportunidades de agregaccedilatildeo de valor e de emprego natildeo agriacutecola ateacute 2030

Ao mesmo tempo em que se elaboram os indicadores dos ODS surge uma questatildeo a respeito do grau de comparabilidade futura entre o progresso de diferentes paiacuteses e os resultados alcanccedilados que se relaciona com a necessidade de se adotar um conjunto miacutenimo de criteacuterios comuns para definir a agricultura familiar sem prejuiacutezo de uma justa representaccedilatildeo de sua diversidade5

Conceitualizando e medindo a agricultura familiar em uma escala global A agricultura familiar eacute uma categoria de anaacutelise socioeconocircmica contestada Eacute agraves vezes definida por seus diversos constituintes em subcategorias que incluem pastores pescadores artesanais povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outras Tem sido reivindicada por movimentos camponeses natildeo apenas como parte de uma estrateacutegia para fortalecer a proteccedilatildeo de sua autonomia e dos seus meios de vida diante de sistemas alimentares globalizados mas tambeacutem por seu papel crucial em construir consensos em prol de um marco normativo no sentido de promover poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso estudiosos vecircm utilizando o conceito para fins teacutecnicos ou acadecircmicos e em alguns paiacuteses eacute inclusive utilizado como termo legalmente definido e incluiacutedo em estatiacutesticas nacionais com implicaccedilotildees concretas para a definiccedilatildeo de poliacuteticas

No contexto do AIAF 2014 a FAO propocircs uma definiccedilatildeo oficial de agricultura familiar6 Apesar de essa acepccedilatildeo ser suficientemente ampla para abranger os elementos supracitados eacute tambeacutem fundamentada em pelo menos dois criteacuterios cruciais a gestatildeo e operaccedilatildeo pela unidade familiar e a predominacircncia da matildeo de obra familiar Dos mais de 570

milhotildees de estabelecimentos mundiais quase 500 milhotildees satildeo operados por indiviacuteduos ou famiacutelias que principalmente dependem da matildeo de obra familiar 475 milhotildees das quais possuem 2 hectares ou menos e que coletivamente representam apenas 12 por cento das terras agriacutecolas totais (LOWDER et al 2014)

Desde outra perspectiva estatiacutestica estabelecimentos com menos de 5 hectares representam 94 por cento de todos os estabelecimentos mas controlam apenas 19 por cento de todas as terras agriacutecolas (FAO 2014b) Por outro lado apenas 1 por cento dos estabelecimentos no mundo satildeo maiores que 50 hectares Contudo estes representam 65 por cento de todas as terras agriacutecolas Muitas dessas fazendas maiores contam principalmente com o trabalho assalariado mesmo quando pertencem e satildeo operadas por famiacutelias Portanto a gestatildeo e a operaccedilatildeo familiar satildeo condiccedilotildees necessaacuterias poreacutem natildeo suficientes para definir a agricultura familiar visto que escondem grandes diferenccedilas em outras variaacuteveis tais como tamanho do estabelecimento e intensidade do capital O uso predominante de matildeo de obra familiar em contraponto funciona como um criteacuterio adicional fundamental pois tende a representar melhor a realidade dos pequenos e meacutedios estabelecimentos ao redor do mundo

Natildeo obstante a diversidade das definiccedilotildees de agricultura familiar inclusive aquelas que incorporam perspectivas adicionais tais como o grau de relativa autonomia ou dependecircncia com relaccedilatildeo a mercados agriacutecolas e cadeias alimentares haacute um amplo consenso de que ela ainda eacute a forma de agricultura preponderante no mundo bem como representa o principal setor responsaacutevel pela seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem da sustentabilidade ambiental no meio rural

Na medida em que o AIAF se encerrou e a corrida para se alcanccedilarem os ODS se iniciou a questatildeo principal passou de ldquodeveriacuteamos apoiar a agricultura familiarrdquo para ldquocomo podemos apoiar a agricultura familiarrdquo conforme evidenciado pelo discurso e pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas em diversos lugares do mundo hoje Paiacuteses do Sul Global podem adquirir valiosas liccedilotildees a partir de

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 7

ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

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vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 5: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 5

ldquo Enquanto a maior

parte dos alimentos eacute produzida por agricultores

familiares a maioria da populaccedilatildeo mundial em

situaccedilatildeo de inseguranccedila alimentar vive tambeacutem em

aacutereas rurais

promover a agricultura sustentaacutevelrdquo E mais especificamente a meta 23 que preconiza explicitamente dobrar a produtividade agriacutecola e a renda dos produtores de alimentos em pequena escala particularmente das mulheres povos indiacutegenas agricultores familiares pastores e pescadores inclusive por meio de acesso seguro e equitativo agrave terra outros recursos produtivos e insumos conhecimento serviccedilos financeiros mercados e oportunidades de agregaccedilatildeo de valor e de emprego natildeo agriacutecola ateacute 2030

Ao mesmo tempo em que se elaboram os indicadores dos ODS surge uma questatildeo a respeito do grau de comparabilidade futura entre o progresso de diferentes paiacuteses e os resultados alcanccedilados que se relaciona com a necessidade de se adotar um conjunto miacutenimo de criteacuterios comuns para definir a agricultura familiar sem prejuiacutezo de uma justa representaccedilatildeo de sua diversidade5

Conceitualizando e medindo a agricultura familiar em uma escala global A agricultura familiar eacute uma categoria de anaacutelise socioeconocircmica contestada Eacute agraves vezes definida por seus diversos constituintes em subcategorias que incluem pastores pescadores artesanais povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outras Tem sido reivindicada por movimentos camponeses natildeo apenas como parte de uma estrateacutegia para fortalecer a proteccedilatildeo de sua autonomia e dos seus meios de vida diante de sistemas alimentares globalizados mas tambeacutem por seu papel crucial em construir consensos em prol de um marco normativo no sentido de promover poliacuteticas puacuteblicas Aleacutem disso estudiosos vecircm utilizando o conceito para fins teacutecnicos ou acadecircmicos e em alguns paiacuteses eacute inclusive utilizado como termo legalmente definido e incluiacutedo em estatiacutesticas nacionais com implicaccedilotildees concretas para a definiccedilatildeo de poliacuteticas

No contexto do AIAF 2014 a FAO propocircs uma definiccedilatildeo oficial de agricultura familiar6 Apesar de essa acepccedilatildeo ser suficientemente ampla para abranger os elementos supracitados eacute tambeacutem fundamentada em pelo menos dois criteacuterios cruciais a gestatildeo e operaccedilatildeo pela unidade familiar e a predominacircncia da matildeo de obra familiar Dos mais de 570

milhotildees de estabelecimentos mundiais quase 500 milhotildees satildeo operados por indiviacuteduos ou famiacutelias que principalmente dependem da matildeo de obra familiar 475 milhotildees das quais possuem 2 hectares ou menos e que coletivamente representam apenas 12 por cento das terras agriacutecolas totais (LOWDER et al 2014)

Desde outra perspectiva estatiacutestica estabelecimentos com menos de 5 hectares representam 94 por cento de todos os estabelecimentos mas controlam apenas 19 por cento de todas as terras agriacutecolas (FAO 2014b) Por outro lado apenas 1 por cento dos estabelecimentos no mundo satildeo maiores que 50 hectares Contudo estes representam 65 por cento de todas as terras agriacutecolas Muitas dessas fazendas maiores contam principalmente com o trabalho assalariado mesmo quando pertencem e satildeo operadas por famiacutelias Portanto a gestatildeo e a operaccedilatildeo familiar satildeo condiccedilotildees necessaacuterias poreacutem natildeo suficientes para definir a agricultura familiar visto que escondem grandes diferenccedilas em outras variaacuteveis tais como tamanho do estabelecimento e intensidade do capital O uso predominante de matildeo de obra familiar em contraponto funciona como um criteacuterio adicional fundamental pois tende a representar melhor a realidade dos pequenos e meacutedios estabelecimentos ao redor do mundo

Natildeo obstante a diversidade das definiccedilotildees de agricultura familiar inclusive aquelas que incorporam perspectivas adicionais tais como o grau de relativa autonomia ou dependecircncia com relaccedilatildeo a mercados agriacutecolas e cadeias alimentares haacute um amplo consenso de que ela ainda eacute a forma de agricultura preponderante no mundo bem como representa o principal setor responsaacutevel pela seguranccedila alimentar e nutricional aleacutem da sustentabilidade ambiental no meio rural

Na medida em que o AIAF se encerrou e a corrida para se alcanccedilarem os ODS se iniciou a questatildeo principal passou de ldquodeveriacuteamos apoiar a agricultura familiarrdquo para ldquocomo podemos apoiar a agricultura familiarrdquo conforme evidenciado pelo discurso e pela implementaccedilatildeo de poliacuteticas em diversos lugares do mundo hoje Paiacuteses do Sul Global podem adquirir valiosas liccedilotildees a partir de

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 7

ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

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A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

BOBP-IGO Annual Report of the BOBP- IGO 2012-13 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2013

CHOWDHURY A Present Status of Legal Support to Implement Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries Sector in Bangladesh In Report of the National Workshop on Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries ndash Bangladesh 91ndash99 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2009 Disponiacutevel em lthttpbobpigoorghtml_site pdfMCS-Bangladesh-REP110pdfgt Acesso em 18 nov 2015

CENTRAL MARINE FISHERIES RESEARCH INSTITUTE (CMFRI) National Marine Fisheries Censuses 2005 e 2010 Disponiacutevel em lthttpeprintscmfriorgin552211_Marine_Fisheries_Census_ India_Part-Ipdfgt e lthttpeprintscmfriorg in89981India_report_fullpdfgt

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REEFBASE Maldives 2015 Disponiacutevel em lthttpboblme reefbaseorgcountriesaspxcountry=MDVgt Acesso em 4 nov 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

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POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

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VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 6: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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suas experiecircncias coletivas no intuito de melhor equipar-se para responder agrave pergunta anterior o que nos remete aos artigos individuais que compotildeem essa ediccedilatildeo especial da Policy in Focus

Poliacuteticas puacuteblicas de apoio agrave agricultura familiar uma visatildeo geral dessa ediccedilatildeo especial O artigo de abertura eacute de autoria da Coordenadora-Geral do movimento social transnacional La Via Campesina (LVC) que conta com cerca de 200 milhotildees de membros A sede da organizaccedilatildeo mudou haacute dois anos de Jakarta na Indoneacutesia para Harare no Zimbaacutebue com a liacuteder da ZIMSOFF7 Elizabeth Mpofu assumindo o papel de Coordenadora-Geral primeira africana e primeira mulher a fazecirc-lo Mpofu toma como ponto de partida para a discussatildeo sobre poliacuteticas puacuteblicas de agricultura familiar o conceito de ldquosoberania alimentarrdquo termo criado pela LVC em 1996

Ao mesmo tempo em que destaca as dificuldades provocadas por deacutecadas de poliacuteticas neoliberais nos paiacuteses em desenvolvimento Mpofu indica ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas por movimentos sociais em mobilizaccedilotildees que vatildeo da escala local agrave global Na esfera multilateral tais alternativas se traduzem por accedilotildees concretas no sentido de moldar regras da governanccedila global por meio de uma postura proativa tanto a favor da adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo de tratados internacionais especiacuteficos sobre questotildees fundiaacuterias ou recursos fitogeneacuteticos quanto contra a aprovaccedilatildeo de acordos comerciais internacionais liberalizantes

Em acircmbito nacional ecircnfase especial eacute dada agrave necessidade de empoderar as populaccedilotildees rurais para que poliacuteticas possam ser formuladas com o objetivo de refletir prioridades locais respeitando-se direitos humanos fundamentais Esse fato implica aumentos em investimentos puacuteblicos que apoiam os meios de vida dos agricultores familiares que tecircm sido historicamente provedores essenciais de alimentos saudaacuteveis Em talvez um dos argumentos mais interessantes sugeridos pela autora o protecionismo eacute mencionado neste artigo desassociado de suas conotaccedilotildees frequentemente negativas como uma medida crucial de apoio segundo a qual paiacuteses do Sul

podem ateacute aprender com os do Norte emulando alguns de seus mecanismos eficientes de apoio agrave renda mas tambeacutem rejeitando firmemente o seu vieacutes a favor da agricultura de larga escala

Experiecircncias positivas podem tambeacutem ser observadas em paiacuteses do Sul Global contemporacircneo como constatado por Mpofu no caso da maioria das naccedilotildees Sul-Americanas que formam parte da inovadora e participativa Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul (REAFMercosul) um dos mecanismos mencionados por Caio Franccedila e Adoniram Sanches autores do artigo subsequente Neste artigo o conceito de agricultura familiar vai aleacutem de uma perspectiva meramente teacutecnica e eacute revelado como uma categoria de siacutentese poliacutetica que tem contribuiacutedo para que camponeses povos indiacutegenas mulheres e jovens rurais entre outros somem esforccedilos e pressionem governos quanto ao objetivo comum de se criarem instituiccedilotildees e poliacuteticas adaptadas agraves suas necessidades

Os potenciais impactos positivos da agricultura familiar nas economias em que operam incluem natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes por exemplo no controle de pressotildees inflacionaacuterias mediante um maior suprimento de produtos essenciais e amplamente consumidos ou ainda pelos agricultores familiares constituiacuterem uma importante fonte de demanda para setores nacionais de induacutestrias e serviccedilos

Apesar da diversidade de contextos na regiatildeo Latino-Americana paiacuteses tecircm demonstrado um grau significativo de convergecircncia especialmente na Ameacuterica do Sul onde mais de uma deacutecada de diaacutelogo poliacutetico participativo em vaacuterias escalas de governanccedila tem resultado em ganhos tais como processos de aprendizado muacutetuo e aumento de forccedila poliacutetica no sentido de criar e expandir o repertoacuterio institucional de accedilotildees governamentais visando fortalecer a agricultura familiar

Ainda assim os autores frisam que esses fatos ocorrem dentro do modelo produtivo atual paralelamente a uma contiacutenua

expansatildeo do agronegoacutecio de larga escala e devem ser vistos como esforccedilos de longo prazo que por meio de uma acumulaccedilatildeo gradual de forccedila poliacutetica e econocircmica podem gerar mudanccedilas estruturais mais profundas inclusive no sentido de alterar os padrotildees historicamente desiguais de concentraccedilatildeo fundiaacuteria nos paiacuteses da regiatildeo por meio de uma maior democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra

O artigo seguinte de Mauro del Grossi e Vicente Marques trata justamente dos esforccedilos do Governo brasileiro no sentido de gerar uma distribuiccedilatildeo de terras mais equitativa desde o processo de democratizaccedilatildeo na deacutecada de 1980 e sobretudo a aceleraccedilatildeo intensificaccedilatildeo e natureza mais inclusiva e abrangente desse processo a partir de 2003 Este artigo representa importante contribuiccedilatildeo ao debate internacional sobre o tema da reforma agraacuteria tendo em vista que a maior parte da literatura referente ao assunto tende a frisar apenas as limitaccedilotildees do processo de reforma agraacuteria brasileiro (eg sua contribuiccedilatildeo limitada agrave reduccedilatildeo do iacutendice de Gini de distribuiccedilatildeo de terras) e em alguns casos ateacute qualifica tal processo erroneamente como mero exemplo de ldquoreforma agraacuteria liderada pelo mercadordquo sem fazer jus agraves suas muacuteltiplas dimensotildees e aos avanccedilos significativos que tecircm ocorrido

O nuacutemero impressionante de famiacutelias assentadas assim como a ampla variedade de poliacuteticas sociais e produtivas integradas a este processo ou ainda as provisotildees especiacuteficas para o acesso agrave terra para mulheres rurais jovens povos indiacutegenas e comunidades quilombolas de fato revelam uma perspectiva mais vasta e complexa do processo de reforma agraacuteria no Brasil

Assim coomo ocorre no caso das instituiccedilotildees de integraccedilatildeo regional mencionadas no artigo de Franccedila e Sanches a participaccedilatildeo institucionalizada da sociedade civil tem sido um elemento-chave para permitir que poliacuteticas sejam melhor elaboradas e ganhem traccedilatildeo nos seus processos de implementaccedilatildeo em diversos contextos As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo uruguaias figuram entre as diversas inovaccedilotildees dos anos recentes na Ameacuterica Latina parcialmente como resultado de interaccedilotildees entre

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 7

ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

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HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

UNITED NATIONS (UN) General Assembly resolution 701 Transforming our world the 2030 Agenda for Sustainable Development ARES701 United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwunorggasearchview_docaspsymbol=ARES701ampLang=Egt Acesso em 9 dez 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

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vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 7: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 7

ldquo A variedade de

impactos positivos da agricultura familiar em economias nas quais

elas operam inclui natildeo apenas a provisatildeo de alimentos saudaacuteveis e

nutritivos mas tambeacutem efeitos em objetivos macroeconocircmicos mais abrangentes

formuladores de poliacuteticas e representantes da sociedade civil no acircmbito sub-regional na Ameacuterica do Sul Joseacute Ignacio Olascuaga e Clara Villalba Clavijo revelam como tais comitecircs no Uruguai representam formas anaacutelogas de interaccedilatildeo mutuamente beneacutefica entre setores de governo e da sociedade civil neste caso no acircmbito do territoacuterio em niacutevel local

Apesar de serem uma inovaccedilatildeo institucional recente as Mesas de Desenvolvimento Rural tecircm sido instrumentais ao favorecerem contatos sistemaacuteticos entre as autoridades governamentais uruguaias nos niacuteveis central e local e ampla gama de organizaccedilotildees da sociedade civil em diaacutelogos construtivos sobre poliacuteticas permitindo assim uma melhor integraccedilatildeo das diferentes poliacuteticas de desenvolvimento rural e o fornecimento de respostas mais adequadas e melhor direcionadas agraves prioridades dos agricultores familiares

O foco regional dessa ediccedilatildeo passa entatildeo da Ameacuterica Latina para a Aacutesia continente que possui de longe o maior nuacutemero de agricultores familiares e especialmente agrave sub-regiatildeo do Sul da Aacutesia com dois artigos que se concentram em duas formas especiacuteficas de agricultura familiar caracterizadas pela variedade de biomas e meios de vida correspondentes que se desenvolveram ali a pesca familiar de pequena escala e agricultura familiar de montanha A respeito do setor de pesca do Sul da Aacutesia Yugraj Yadava e Rajdeep Mukherjee descrevem como o advento de formas de pesca intensivas em capital culminou em uma seacuterie de desafios econocircmicos sociais e ambientais interligados decorrentes da crescente mecanizaccedilatildeo da produccedilatildeo do aumento na escala das operaccedilotildees pesqueiras e de uma maior concentraccedilatildeo das redes de distribuiccedilatildeo colocando em risco as praacuteticas tradicionais de pesca familiar

A despeito de esforccedilos relevantes por parte dos governos da regiatildeo para apoiar o setor da pesca artesanal mediante diversas poliacuteticas desde reservas pesqueiras protegidas por lei ateacute o apoio agrave renda dos pescadores seguros e melhorias em infraestrutura os autores frisam que faltam accedilotildees governamentais destinadas a aumentar a capacidade

de produccedilatildeo dos pescadores artesanais em contraste com outras jaacute existentes que favorecem desproporcionalmente as grandes unidades pesqueiras Yadava e Mukherjee defendem de forma convincente a intensificaccedilatildeo do apoio governamental ao setor de pesca artesanal destacando como ele pode levar agrave geraccedilatildeo de empregos ao empoderamento social e econocircmico de mulheres rurais e a uma gestatildeo mais sustentaacutevel dos ecossistemas marinhos

Desafios semelhantes existem na outra extremidade da Aacutesia Meridional na regiatildeo montanhosa dos Himalaias no norte da Iacutendia onde os meios de vida dos agricultores familiares tradicionais tecircm desempenhado papel fundamental na gestatildeo da agrobiodiversidade local de forma integrada com os ecossistemas pecuaacuterios e florestais ao mesmo tempo em que contribuem para a seguranccedila alimentar e nutricional e bem-estar econocircmico da populaccedilatildeo R K Maikhuri R C Sundriyal G C S Negi e P P Dhyani mostram que as poliacuteticas infelizmente tecircm optado por pacotes tecnoloacutegicos e incentivos econocircmicos que se concentram demasiadamente em um pequeno nuacutemero de lavouras e nas parcelas minoritaacuterias de planiacutecies dessas regiotildees gerando formas de agricultura intensivas em capital inadequadas agrave agricultura familiar tradicional de montanha e colocando em risco a coesatildeo social dos vilarejos da regiatildeo (fenocircmeno ilustrado por exemplo pelo aumento da migraccedilatildeo masculina para centros urbanos)

Os autores tambeacutem mostram que esses desafios podem e devem ser enfrentados e fazem uma seacuterie de recomendaccedilotildees de poliacuteticas nesse sentido incluindo intervenccedilotildees governamentais que vatildeo desde pesquisa e desenvolvimento adaptados aos contextos locais no apoio agrave produccedilatildeo ateacute incentivos para a venda de produtos orgacircnicos das montanhas no apoio agrave distribuiccedilatildeo

O potencial ainda relativamente pouco explorado das Cadeias Curtas de Abastecimento Alimentar (CCAA) no Sul Global eacute explorado no artigo final dessa ediccedilatildeo com a descriccedilatildeo esclarecedora de Abdourahmane Ndiaye sobre como a reduccedilatildeo dos intermediaacuterios entre produtores e consumidores de alimentos

pode ter efeitos transformadores natildeo apenas dando maior autonomia econocircmica aos agricultores familiares e aumentando o acesso a alimentos mais saudaacuteveis e nutritivos para os consumidores mas tambeacutem nas implicaccedilotildees mais amplas da ldquoproximidade organizadardquo em mateacuteria de bem-estar social no acircmbito local

Principais constataccedilotildees As consideraccedilotildees sobre poliacuteticas delineadas nessa ediccedilatildeo variam da esfera global (como as recomendaccedilotildees de Mpofu para accedilotildees em acircmbito multilateral) ateacute a local (como exemplificadas pelas Mesas de Desenvolvimento Rural no Uruguai bem como o apelo de Ndiaye para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo das relaccedilotildees entre produtores e consumidores por meio do apoio agraves CCAA) passando por contextos regionais (como nos casos da Ameacuterica Latina e Sul da Aacutesia) e nacionais (poliacuteticas de reforma agraacuteria no Brasil ou aquelas voltadas para a agricultura familiar de montanha na Iacutendia) Tambeacutem englobam amplo leque de poliacuteticas da produccedilatildeo (tal como o acesso agrave terra no caso do Brasil) ateacute a distribuiccedilatildeo (como na reduccedilatildeo de intermediaacuterios pela promoccedilatildeo das CCAA) e diferentes tipos de biomas como pescas marinhas montanhas e florestas

Apesar de esta coletacircnea de artigos abordar aspectos bastante diferentes da elaboraccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas sobre agricultura familiar em diversos contextos pode-se tirar algumas conclusotildees principais para as quais o conjunto parece apontar Uma primeira constataccedilatildeo importante

8

diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO) Committee on Agriculture 24th Session Family Farmers Feeding the World Caring for the Earth Roma jul 2014a Disponiacutevel em lthttpwwwfao org3a-ml163epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Innovation in family farming Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2014b Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

_______ The State of Food and Agriculture Social protection and agriculture breaking the cycle of rural poverty Food and Agriculture Organization of the United Nations Roma 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorg3a-i4040epdfgt Acesso em 9 dez 2015

HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

LOWDER Sarah K SKOET Jakob SINGH Saumya What do we really know about the number and distribution of farms and family farms worldwide Background paper for The State of Food and Agriculture 2014 ESA WorkingPaper n 14-02 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgdocrep019i3729ei3729epdfgt Acesso em 9 dez 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

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Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

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A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

ipcipc-undporg wwwipc-undporg

Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 8: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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diz respeito agrave necessidade de combinar poliacuteticas que forneccedilam serviccedilos sociais com a criaccedilatildeo e o fortalecimento das condiccedilotildees necessaacuterias para que os agricultores familiares aumentem sua capacidade produtiva Na maioria dos casos a mecanizaccedilatildeo e os ganhos de produtividade tecircm ocorrido apenas entre uma minoria de produtores rurais (como os pescadores marinhos mecanizados da Aacutesia Meridional ou os produtores das planiacutecies nos Himalaias) portanto concentrando a renda e a riqueza nas aacutereas rurais em detrimento da maioria dos agricultores familiares

A provisatildeo de ativos econocircmicos aos agricultores familiares mais vulneraacuteveis (como a terra de acordo com o descrito no caso do Brasil) e de maior acesso aos mercados (conforme possibilitado pelas CCAA) assim como a proteccedilatildeo diante da competiccedilatildeo exercida pelo setor agro-exportador de larga escala (por exemplo mediante formas direcionadas de protecionismo que formam parte das medidas defendidas por Mpofu) formam parte de um repertoacuterio de poliacuteticas que lidam diretamente com a dimensatildeo produtiva

Apesar dos avanccedilos significativos conquistados durante a uacuteltima deacutecada na criaccedilatildeo e expansatildeo de poliacuteticas sociais desde programas de apoio agrave renda ateacute a ampliaccedilatildeo no acesso a serviccedilos de sauacutede e educaccedilatildeo muito menos atenccedilatildeo tem sido dada agrave criaccedilatildeo de melhores condiccedilotildees para que as proacuteprias populaccedilotildees mais pobres e marginalizadas do mundo possam elas mesmas tornar-se uma forccedila motriz do crescimento econocircmico Ainda assim existem sinais encorajadores de mudanccedilas no sentido de um maior reconhecimento dessa necessidade em acircmbito multilateral como revela o Relatoacuterio sobre o Estado da Alimentaccedilatildeo e Agricultura da FAO ao reconhecer que a proteccedilatildeo social por si soacute natildeo eacute suficiente para retirar as pessoas de uma situaccedilatildeo de pobreza enquanto a criaccedilatildeo de viacutenculos entre poliacuteticas sociais e agriacutecolas pode ser uma ldquoferramenta potencialmente determinante para romper o ciclo da pobreza ruralrdquo (FAO 2015) Essas mudanccedilas tambeacutem satildeo exemplificadas pela agenda mais abrangente dos ODS mencionada anteriormente

Uma segunda constataccedilatildeo relevante eacute que existem diversas experiecircncias positivas concretas ocorrendo a partir das quais podem ser extraiacutedos ensinamentos para subsidiar a criaccedilatildeo de novas poliacuteticas Autores diferentes nessa ediccedilatildeo parecem concordar que a Ameacuterica Latina tem sido a regiatildeo que mais consistentemente orientou as suas instituiccedilotildees puacuteblicas no sentido de fornecer melhores condiccedilotildees para o fortalecimento da agricultura familiar Como Mpofu e Ndiaye destacam poliacuteticas passadas ou atuais promovidas por paiacuteses do Norte podem tambeacutem trazer ensinamentos relevantes para governos do Sul Global desde que esses se orientem primeiramente pelas especificidades dos proacuteprios contextos nacionais

Esse fato nos traz a uma terceira conclusatildeo fundamental sobre a qual o conjunto dos autores desta ediccedilatildeo parecem convergir a participaccedilatildeo significativa de agricultores familiares em deliberaccedilotildees e consultas com oficiais de governo tem se revelado um elemento-chave para a criaccedilatildeo e o aperfeiccediloamento de poliacuteticas puacuteblicas que visam promover o desenvolvimento rural

Essa coleccedilatildeo de artigos representa uma contribuiccedilatildeo a um debate em franca expansatildeo sobre as melhores formas de prover apoio agrave agricultura familiar em paiacuteses em desenvolvimento de diferentes regiotildees do mundo e a partir da qual esperamos que leitores possam obter novos e uacuteteis discernimentos a respeito do tema

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HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS (HLPE) Investing in smallholder Agriculture for Food Security A report by the High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition of the Committee on World Food Security Roma 2013 Disponiacutevel em

1 Instituto de Estudos em Desenvolvimento (IDS) Universidade de Sussex Bolsista da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal de Niacutevel Superior (Capes) Brasil2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (FAO)3 Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (PNUDIPC-IG)4 O ODM 1 eacute medido por trecircs metas i) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas cuja renda seja menor que USD 1 por dia ii) alcanccedilar emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos inclusive mulheres e jovens e iii) reduzir pela metade entre 1990 e 2015 a proporccedilatildeo de pessoas que sofrem com a fome5 O Comitecirc Internacional de Apoio do AIAF estabeleceu um grupo de trabalho especiacutefico com o objetivo de desenvolver ldquocriteacuterios e orientaccedilotildees para apoiar paiacuteses a estabelecer e caracterizar definiccedilotildees e tipologias da agricultura familiar claras em niacuteveis nacional e regionalrdquo (FAO 2014a) A iniciativa World Agriculture Watch (WAW) foi fundada pela FAO pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) e pelo Centro Francecircs de Pesquisas Agronocircmicas e de Cooperaccedilatildeo Internacional (CIRAD) ldquopara subsidiar o diaacutelogo de poliacuteticas em acircmbitos nacional e internacional A WAW desenvolveu um marco internacional para apoiar paiacuteses na construccedilatildeo de classificaccedilotildees comparaacuteveis de estabelecimentos e apreender especificidades e transformaccedilotildees de diferentes tipos de estabelecimentos para melhor direcionar e adaptar investimentos e poliacuteticas6 ldquoA Agricultura Familiar (que inclui todas as atividades agriacutecolas desempenhadas pela famiacutelia) eacute um meio de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola silviacutecola das pescarias pastoral e aquiacutecola que eacute gerida e operada por uma famiacutelia e cuja matildeo-de-obra eacute predominantemente familiar incluindo tanto a de mulheres quanto a de homens A famiacutelia e o estabelecimento estatildeo interligados co-evoluem e combinam funccedilotildees econocircmicas ambientais sociais e culturaisrdquo (FAO 2014b)7 Foacuterum Orgacircnico dos Pequenos Produtores Rurais de Zimbabwe (Zimbabwe Organic Smallholder Forum)

lthttpwwwfaoorgfileadminuser_uploadhlpehlpe_documentsHLPE_ReportsHLPE-Report-6_Investing_in_smallholder_agriculturepdf gt Acesso em 9 dez 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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SUNDRIYAL R C NEGI G C S MAIKHURI R K RAWAT D S RAWAL R S DHYANI P P Family and smallholder farming in Himalayan communities In Deep Roots 105-108 253 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations and Tudor Rose 2014

SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

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WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 9: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 9

A soberania alimentar como marco essencial das poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar no Sul Gobalpor Elizabeth Mpofu1

As uacuteltimas quatro deacutecadas foram caracterizadas pelo aprofundamento da integraccedilatildeo da maioria das economias do Sul Global nos sistemas do capital global e dos mercados liberalizados com consequecircncias seacuterias para a agricultura familiar Esse fato aconteceu e ainda continua ocorrendo por uma incessante promoccedilatildeo do paradigma neoliberal sob a tutela de seus principais promotores internacionais isto eacute as instituiccedilotildees de Bretton Woods e governos do Norte Global Estes compeliram os paiacuteses do Sul a abrirem suas fronteiras nacionais levando agrave recuada do Estado diante de sua agenda desenvolvimentista na qual as poliacuteticas puacuteblicas historicamente desempenhavam papel central Consequentemente poliacuteticas nacionais e legislaccedilotildees foram modificadas para servir os interesses do capital financeiro global e de companhias transnacionais De acordo com Ha-Joon Chang (2009 p 478)

[A] retirada do Estado afetou negativamente o investimento em bens puacuteblicos tais como pesquisa agriacutecola educaccedilatildeo extensatildeo e infraestrutura consequentemente reduzindo a produtividade agriacutecola Ademais reformas orientadas para o mercado promovidas por instituiccedilotildees financeiras deixaram a agricultura com menos acesso ao creacutedito do que nunca A liberalizaccedilatildeo do comeacutercio levou ao aumento da penetraccedilatildeo das importaccedilotildees o que ameaccedilou os meios de vida de muitos agricultores Uma pressatildeo simultacircnea em prol da promoccedilatildeo das exportaccedilotildees agriacutecolas em grande nuacutemero de paiacuteses que se especializam nos mesmos produtos tem frequentemente resultando na queda dos preccedilos e ateacute nas suas receitas de exportaccedilatildeo

Natildeo obstante a agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da

economia de aacutereas rurais em paiacuteses do Sul Global Segundo a Via Campesina e a GRAIN (2014) propriedades rurais familiares produzem a maior parte dos alimentos do mundo sustentando cerca de 70 por cento da populaccedilatildeo mundial apesar de seu acesso proporcionalmente decrescente a terras agriacutecolas

A agricultura familiar natildeo soacute conserva a biodiversidade e reduz riscos relacionados ao clima como tambeacutem eacute a principal fonte de emprego no mundo e emprega a maioria da forccedila de trabalho no Sul Global As Naccedilotildees Unidas portanto declararam 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) em reconhecimento ao papel fundamental desempenhado pelo setor Contudo apesar do desenvolvimento de poliacuteticas a favor da agricultura familiar em alguns paiacuteses o apoio ao setor natildeo tem melhorado de forma significativa no Sul Global como um todo enquanto a maior parte das poliacuteticas agriacutecolas continuam com forte vieacutes a favor do agronegoacutecio de grande escala destinado agrave exportaccedilatildeo

Conformidade agrave agenda neoliberal o calcanhar de Aquiles do Sul Global Os paiacuteses do Sul Global no contexto atual de globalizaccedilatildeo ndash em que o capital financeiro reina com supremacia ndash tecircm sobretudo envidado esforccedilos para se tornarem ldquocompetitivosrdquo no sentido de atrair investimentos estrangeiros Tal preocupaccedilatildeo com o investimento externo tambeacutem acarretou mudanccedila nas poliacuteticas puacuteblicas com subsiacutedios agrave infraestrutura e agrave agricultura redirecionados para apoiar o setor do agronegoacutecio o qual produz principalmente para mercados de exportaccedilatildeo

Essas mudanccedilas nas poliacuteticas do Sul Global deixaram o setor da agricultura familiar natildeo soacute enfraquecido como tambeacutem exposto e vulneraacutevel Assim a crise de preccedilos de alimentos recente de 2007-2008 levou agrave desapropriaccedilatildeo e ao deslocamento

de milhares de pequenos agricultores abrindo caminho para investimentos na compra ou arrendamento de terras em grande escala que visam ao respectivo uso para a exportaccedilatildeo de commodities

Consequentemente a desnutriccedilatildeo e a fome satildeo mais predominantes no Sul Global sobretudo em aacutereas rurais nas quais reside a maior parte dos agricultores familiares A inseguranccedila alimentar que assola a maioria dos paiacuteses do Sul Global vem revelando as limitaccedilotildees dessas mudanccedilas nas poliacuteticas Esperava-se uma mudanccedila de atitude da parte dos decisores poliacuteticos durante a crise mundial de preccedilos de alimentos no sentido de revisar as poliacuteticas puacuteblicas existentes em prol da agricultura familiar para garantir a seguranccedila alimentar nacional No entanto vieses nas poliacuteticas contra o setor (eg poliacuteticas de preccedilos agriacutecolas inadequadas poliacuteticas fundiaacuterias que discriminam contra o acesso e o controle das mulheres agrave terra poliacuteticas precaacuterias de desenvolvimento de infraestrutura na maioria dos paiacuteses da Aacutefrica subsaariana etc) natildeo apenas em termos de redistribuiccedilatildeo de terras mas tambeacutem quanto ao apoio orccedilamentaacuterio seja para pesquisa e extensatildeo ou para instituiccedilotildees financeiras relevantes tecircm impedido que tal mudanccedila aconteccedila

Cegueira em relaccedilatildeo aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte Global A acircnsia de alguns paiacuteses em se adequar agrave agenda neoliberal natildeo apenas implicou uma ldquocomodificaccedilatildeordquo da natureza e o enfraquecimento de abordagens mais coletivas e unificadas a respeito dos problemas e das estrateacutegias a serem adotadas para a prosperidade no Sul Global mas tambeacutem eacute reveladora de uma cegueira quanto aos caminhos histoacutericos de desenvolvimento agriacutecola dos paiacuteses do Norte A maioria dos paiacuteses ricos de hoje passaram pela mesma situaccedilatildeo atualmente enfrentada pelo setor agriacutecola em paiacuteses do Sul

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 10: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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Foto Sergio AmaralMDS Agricultor familiar em Planaltina Distrito Federal Brasil 2014

Tais paiacuteses (Alemanha Holanda Japatildeo EUA Beacutelgica etc) experimentaram com vaacuterias poliacuteticas e instituiccedilotildees no fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do seacuteculo XX aprendendo com as experiecircncias de outros paiacuteses para por sua vez eventualmente se tornarem histoacuterias de sucesso agriacutecola (HA-JOON 2009) Contudo nos paiacuteses contemporacircneos do Sul Global uma disposiccedilatildeo de implementar poliacuteticas equivalentes em escalas comparaacuteveis ainda eacute infelizmente insuficiente Entretanto alguns paiacuteses na Ameacuterica Latina ndash principalmente Argentina Boliacutevia Brasil Chile Equador Paraguai Uruguai e Venezuela todos membros plenos ou associados ao Mercosul ndash tecircm se esforccedilado para criar e melhorar o desenho de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar (MARQUEZ RAMOS 2010) obtendo relativo grau de ecircxito

Em relaccedilatildeo agrave Aacutefrica o continente ainda padece de uma contiacutenua regressatildeo nas poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave agricultura familiar Aleacutem de alguns paiacuteses ndash como Zacircmbia Moccedilambique Tanzacircnia Quecircnia Etioacutepia etc ndash terem disponibilizado suas terras produtivas a investidores estrangeiros a agricultura familiar na Aacutefrica subsaariana tem sofrido de forma mais geral com reduccedilotildees orccedilamentaacuterias no setor agriacutecola De fato muito menos que a meta ndash estabelecida pelo Programa Abrangente para o Desenvolvimento da Agricultura Africana (CAADP) ndash de 10 por cento dos orccedilamentos nacionais eacute alocada pela maior parte dos governos (NACcedilOtildeES UNIDAS 2014) A agricultura familiar enfrenta desafios similares em muitas partes da Aacutesia embora de forma menos acentuada Tal negligecircncia em termos de poliacuteticas puacuteblicas leva cada vez mais a ldquoalternativas vindas de baixordquo lideradas principalmente por movimentos sociais como a Via Campesina2 e organizaccedilotildees natildeo governamentais aliadas em apoio aos pequenos agricultores

ldquoAlternativas vindas de baixordquo soberania alimentar como marco para fortalecer a agricultura familiar A Via Campesina e seus aliados tecircm reivindicado a adoccedilatildeo da soberania alimentar3 ndash um conceito construiacutedo por camponeses ndash como base para o apoio e a proteccedilatildeo da agricultura familiar

O movimento tambeacutem vem colocando diversas propostas poliacuteticas e de poliacuteticas puacuteblicas no acircmbito da soberania alimentar para o fortalecimento da agricultura familiar Isto inclui reivindicar aos governos (A Via Campesina 2014a) a implementaccedilatildeo das Diretrizes Voluntaacuterias sobre a Governanccedila Responsaacutevel da Terra dos Recursos Pesqueiros e Florestais (DVGT) a aplicaccedilatildeo de decisotildees-chave do Comitecirc de Seguranccedila Alimentar Mundial (CSA) a adoccedilatildeo e implementaccedilatildeo do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogeneacuteticos para a Alimentaccedilatildeo e Agricultura (TIRFAA) o apoio agraves negociaccedilotildees atuais para a aprovaccedilatildeo da Declaraccedilatildeo sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Aacutereas Rurais no Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas (CDH) e pressionar contra novas negociaccedilotildees para acordos de livre comeacutercio (LA VIA CAMPESINA 2014b) tais como a Parceria Transatlacircntica de Comeacutercio e Investimento (APTTTIP) e a Parceria Transpaciacutefico (TTP) entre outras

Tais propostas se adotadas e implementadas poderiam levar ao fortalecimento de milhotildees de agricultores familiares natildeo apenas nos paiacuteses do Sul mas em escala mundial A Via Campesina e seus aliados continuam engajados com diversos atores de organizaccedilotildees multilaterais tais como a FAO e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agriacutecola (FIDA) visando apoiar as agriculturas familiar camponesa e

indiacutegena bem como poliacuteticas puacuteblicas para se alcanccedilar a soberania alimentar

Qual o caminho adiante para as poliacuteticas puacuteblicas no Sul Global Paiacuteses do Sul Global devem tomar medidas que fortaleccedilam a agricultura familiar utilizando a soberania alimentar como marco orientador para as poliacuteticas adotadas A experiecircncia com os mercados nas deacutecadas recentes mostrou que o neoliberalismo natildeo foi capaz de fornecer medidas de apoio econocircmico e social adequadas para fortalecer a agricultura familiar Medidas padronizadas que natildeo levam em consideraccedilatildeo as especificidades locais devem ser descartadas no apoio ao setor Com efeito a soberania alimentar trata do empoderamento das pessoas para que estas possam autodeterminar seu curso de desenvolvimento nos seus respectivos contextos locais assegurando-lhes o pleno gozo e realizaccedilatildeo de todos os direitos humanos

Em razatildeo de a maioria dos serviccedilos necessaacuterios agrave agricultura familiar ter uma dimensatildeo de ldquobens puacuteblicosrdquo (pesquisa extensatildeo educaccedilatildeo e informaccedilatildeo) as poliacuteticas puacuteblicas (providas diretamente pelo Estado ou indiretamente por meio de subsiacutedios) devem lidar com o desafio do subinvestimento por parte dos mecanismos de mercado eliminando vieses e ampliando o seu alcance geograacutefico

Se for considerada a contribuiccedilatildeo feita pela agricultura familiar para

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

HA-JOON Chang Rethinking public policy in agriculture lessons from history distant and recent Journal of Peasant Studies 36(3) 477-515 2009

LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

_______ Rome Stop TTIP CETA and other free trade agreements 2014b lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpactions-and-events-mainmenu-26stop-freetrade-agreements-mainmenu-611683-stopttip- ceta-and-other-destructive-trade-policiesgt Acesso em 18 nov 2015

LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

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A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

BOBP-IGO Annual Report of the BOBP- IGO 2012-13 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2013

CHOWDHURY A Present Status of Legal Support to Implement Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries Sector in Bangladesh In Report of the National Workshop on Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries ndash Bangladesh 91ndash99 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2009 Disponiacutevel em lthttpbobpigoorghtml_site pdfMCS-Bangladesh-REP110pdfgt Acesso em 18 nov 2015

CENTRAL MARINE FISHERIES RESEARCH INSTITUTE (CMFRI) National Marine Fisheries Censuses 2005 e 2010 Disponiacutevel em lthttpeprintscmfriorgin552211_Marine_Fisheries_Census_ India_Part-Ipdfgt e lthttpeprintscmfriorg in89981India_report_fullpdfgt

_______ National Marine Fisheries Census Kochi India Central Institute of Marine Fisheries Research 2010

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DEPARTMENT OF ANIMAL HUSBANDRY DAIRYING AND FISHERIES

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DEVRAJ M VIVEKANANDAN E Marine capture fisheries of India Challenges and opportunities Current Science 76(3) 314-322 1999

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Matsya Sampad Unnyan Aviyan 2008 and 2014 (in Bangla) Department of Fisheries Government of Bangladesh Disponiacutevel em lthttpswwwfisheriesgovbdsitesdefault filesSankala202008Part_02PDFgt e lthttpswwwfisheriesgovbdsites default filesBinder1_1pdfgt

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MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT Summary Statistics at a Glance Government of Sri Lanka Disponiacutevel em lthttpwwwfisheriegovlkelfinder-20-rc1filesstatFisheries20 StatisticesWeb20pdf20Documentpdfgt

REEFBASE Maldives 2015 Disponiacutevel em lthttpboblme reefbaseorgcountriesaspxcountry=MDVgt Acesso em 4 nov 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 11: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 11

Foto Eduardo AignerMDA Agricultores familiares complementam refeiccedilotildees com a proacutepria produccedilatildeo Mato Grosso Brasil 2010

ldquo A agricultura

familiar ao inveacutes de desaparecer permanece

como setor-chave da agricultura e da economia

de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

o desenvolvimento nacional nos paiacuteses do Sul por meio da manutenccedilatildeo de um suprimento constante de alimentos tradicionais diversos apropriados e saudaacuteveis e a concomitante proteccedilatildeo da biodiversidade e diversidade cultural faz-se imperativa a necessidade de intervenccedilotildees puacuteblicas focalizadas em todas as aacutereas que afetem a renda e as capacidades da agricultura familiar Tais medidas devem ser especiacuteficas a cada contexto e adaptadas aos niacuteveis de desenvolvimento econocircmico de cada paiacutes

Os paiacuteses do Sul Global devem manter de forma permanente algumas medidas de apoio ndash especialmente programas de estabilizaccedilatildeo de renda Tambeacutem deve sempre permanecer certo niacutevel de protecionismo conforme ocorre em paiacuteses do Norte Global como os EUA e os paiacuteses membros da Uniatildeo Europeia (UE) ndash que tecircm mantido subsiacutedios agriacutecolas e protecionismo comercial direcionados de maneira consistente Essas medidas satildeo imprescindiacuteveis para proteger os processos de fortalecimento da agricultura familiar da volatilidade dos mercados internacionais a fim de produzir ganhos mais duraacuteveis e concretos a meacutedio e longo prazo tais como aumentos na produtividade da terra e a estabilizaccedilatildeo da renda No entanto quando aplicadas aos contextos da agricultura familiar nos paiacuteses do Sul tais medidas deveriam -

diferentemente dos casos dos EUA e da UE ndash remover os vieses em favor da agricultura de larga escala

Para movimentos sociais tais como a Via Campesina as poliacuteticas puacuteblicas natildeo satildeo fins em si mas sim meios de fortalecimento da luta camponesa para alcanccedilar mudanccedilas estruturais reais a partir de uma abordagem sistecircmica que enfrente as inadequaccedilotildees e ineficiecircncias agraves quais deve fazer face a agricultura familiar

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LA VIA CAMPESINA CFS in Rome The majority of governments remain blind to the challenges of the global food security 2014a lthttpwwwviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27food-sovereigntyand-trade-mainmenu-381684-cfs-in-rome-themajority-of-governments-remain-blind-to-thechallenges-of-global-food-securitygt Acesso em 18 nov 2015

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LA VIA CAMPESINA GRAIN Hungry for land Small farmers feed the world with less than a quarter of all farmland 2014 Disponiacutevel em lthttpwwwlaviacampesinaorgenindexphpmain-issues-mainmenu-27 agrarian-reform-mainmenu-361615-hungryfor-land-small-farmers-feed-the-worldwith-less-than-a-quarter-of-all-farmlandgt Acesso em 18 nov 2015

MARQUEZ Susana RAMOS Aacutelvaro Differential policies for Family Farming in MERCOSUR Contribution of Political Dialogue in the Design of Public Policies and Institutionalisation Rome International Fund for Agricultural Development 2010 lthttpswwwifadorgdocuments10180407bcbf5-cf38-4e15-9726-c7ea1a253e8cgt Acesso em 18 nov 2015

NYEacuteLEacuteNI Village Declaration of the forum for food sovereignty Seacutelingueacute Mali 2007

UNITED NATIONS Biennial report on the review of the implementation of the commitments made towards Africarsquos development Report of the Secretary-General A69163 New York United Nations 2014

1 Zimbabwe Organic Smallholder Farmers Forum (ZIMSOFF) e a Via Campesina

2 A Via Campesina conta com 164 organizaccedilotildees-membro em 73 paiacuteses representando mais de 200 milhotildees de camponeses agricultores de pequeno e meacutedio porte mulheres agricultoras sem-terra povos indiacutegenas migrantes trabalhadores agriacutecolas e jovens

3 Soberania alimentar eacute o direito das pessoas agrave alimentaccedilatildeo saudaacutevel e culturalmente adequada produzida por meacutetodos ecoloacutegicos e sustentaacuteveis bem como seu direito de definir os proacuteprios sistemas alimentares e agriacutecolas O conceito coloca as expectativas e as necessidades daqueles que produzem distribuem e consumem alimentos no coraccedilatildeo dos sistemas e poliacuteticas alimentares ao inveacutes das demandas dos mercados e das corporaccedilotildees Defende os interesses e a inclusatildeo da proacutexima geraccedilatildeo oferecendo uma estrateacutegia para resistir e desmontar o atual regime corporativo de comeacutercio e alimentos e as diretivas para sistemas alimentares agriacutecolas pastorais e pesqueiros determinadas por produtores e consumidores locais (NYEacuteLEacuteNI 2007)

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

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vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 12: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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A agricultura familiar na nova agenda latino-americana de integraccedilatildeo regional e desenvolvimento por Caio Galvatildeo de Franccedila1 e Adoniram Peraci Sanches2

A decisatildeo das Naccedilotildees Unidas de declarar 2014 como Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) representa um marco na longa jornada rumo a um crescente reconhecimento da importacircncia estrateacutegica desse setor Eacute o resultado da convergecircncia de lutas sociais dos avanccedilos institucionais em diversos paiacuteses da produccedilatildeo acadecircmica e do debate intelectual

Durante o curso do AIAF mais de 300 eventos representaram ocasiotildees para reflexotildees criacuteticas acerca do desenvolvimento rural e seus principais protagonistas que atualmente perfazem cerca de 40 por cento da populaccedilatildeo mundial A agricultura familiar ganhou relevacircncia e protagonismo como ator poliacutetico por diferentes caminhos em vaacuterias regiotildees do mundo impulsionando uma agenda de democratizaccedilatildeo econocircmica e poliacutetica do meio rural

Parte de sua forccedila deriva de sua condiccedilatildeo de categoria-siacutentese que representa uma ampla diversidade de identidades formas de agricultura e de acesso e manejo dos recursos naturais O fortalecimento da agricultura familiar portanto natildeo se deu em detrimento da afirmaccedilatildeo de identidades mais especiacuteficas abrangidas por esse amplo conceito (tais como mulheres e jovens rurais populaccedilotildees indiacutegenas comunidades rurais afrodescendentes outras populaccedilotildees e comunidades tradicionais etc) pelo contraacuterio expressa a capacidade deste setor de construir laccedilos de solidariedade e alianccedilas em torno de objetivos em comum como eacute o caso das poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas

O dinamismo e a vitalidade da agricultura familiar na Ameacuterica Latina atualmente estatildeo ligados inextricavelmente de um lado ao comprometimento contiacutenuo tanto da parte dos paiacuteses e instituiccedilotildees supranacionais da regiatildeo a erradicar a fome

e a pobreza e garantir a seguranccedila alimentar e nutricional para todos e de outro a mudanccedilas significativas nas poliacuteticas econocircmicas da regiatildeo desde seus princiacutepios orientadores ateacute a sua implementaccedilatildeo

Apesar de existirem exemplos de conquistas importantes alcanccediladas pela agricultura familiar mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo que exibe os resultados mais promissores

Esses resultados ajudaram a ampliar o reconhecimento das contribuiccedilotildees da agricultura familiar para o crescimento econocircmico inclusivo Natildeo apenas desempenhando papel fundamental na criaccedilatildeo de postos de trabalho e no suprimento da maior parte dos alimentos para mercados domeacutesticos em expansatildeo ndash ajudando portanto a controlar pressotildees inflacionaacuterias e a reduzir a dependecircncia de importaccedilotildees ndash esse setor tambeacutem contribui como consumidor de produtos industriais (maquinaacuterio insumos fertilizantes etc) e serviccedilos (infraestrutura moradia extensatildeo rural etc) em alguns casos ateacute potencialmente gerando efeitos econocircmicos anticiacuteclicos3

A agricultura familiar entretanto estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial a sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e manejo sustentaacutevel dos recursos naturais

No acircmbito multilateral global compromissos internacionais recentes destacam a crescente e persistente relevacircncia da agricultura familiar no enfrentamento de desafios globais Por exemplo durante a Segunda Conferecircncia Internacional sobre Nutriccedilatildeo

(ICN2) em 2014 a Organizaccedilatildeo Mundial de Sauacutede se manifestou em prol de uma agricultura que pode e deve ser mais sensiacutevel agraves questotildees de sauacutede puacuteblica considerando o fato de que a agricultura familiar oferece alimentos especialmente saudaacuteveis e dietas mais ricas comparados com as formas mais tradicionais de agricultura contribuindo assim para reduzir niacuteveis de sobrepeso e de obesidade infantil Da mesma forma os Objetivos de Desenvolvimento Sustentaacutevel (ODS) da Agenda de Desenvolvimento Poacutes-2015 recentemente adotados pela Assembleia Geral das Naccedilotildees Unidas tambeacutem reconhecem as contribuiccedilotildees fundamentais da agricultura familiar nas trecircs dimensotildees de sustentabilidade econocircmica social e ambiental

No acircmbito da integraccedilatildeo regional a experiecircncia Latino-Americana recente demonstrou um grau singular de alinhamento e sinergia entre planos programas e poliacuteticas domeacutesticos sub-regionais e continentais relativos agrave agricultura familiar Um bom exemplo que se tornou referecircncia na regiatildeo e em outras partes eacute a experiecircncia adquirida durante os mais de dez anos de reuniotildees em acircmbito sub-regional e nacional e atividades associadas da Reuniatildeo Especializada sobre Agricultura Familiar (REAF) do Mercosul uma plataforma de diaacutelogo poliacutetico que congrega delegaccedilotildees compostas por oficiais de governo e representantes da sociedade civil

Os paiacuteses que participam da REAF foram capazes de chegar a um acordo a respeito de um conjunto de criteacuterios comuns para identificar uma definiccedilatildeo regional de agricultura familiar que englobe a diversidade de cada paiacutes membro logrando tambeacutem a subsequente incorporaccedilatildeo de tais criteacuterios como parte da normativa oficial do Mercosul Esses criteacuterios tambeacutem se desdobraram em marcos legais nacionais e em sistemas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

28

ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 13: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 13

Foto Decircnio SimotildeesAgecircncia Brasiacutelia CEASA Distrito Federal Brasil 2015 lthttpsgooglsZ7V7xgt

ldquo Apesar de existirem

exemplos de conquistas importantes alcanccedilados pela agricultura familiar

mundialmente a Ameacuterica Latina vem sendo a regiatildeo

que exibe os resultados mais promissores

de registros apropriados a cada realidade O preenchimento dos criteacuterios constitui requisito para que indiviacuteduos sejam considerados agricultores familiares e por meio de sua incorporaccedilatildeo ao registro nacional tenham acesso a poliacuteticas agriacutecolas diferenciadas A REAF vem promovendo uma forma inovadora de diaacutelogo poliacutetico sobre poliacuteticas puacuteblicas que se beneficiou da participaccedilatildeo intensa e permanente de movimentos sociais do campo A REAF tambeacutem contribuiu para a criaccedilatildeo de poliacuteticas em acircmbito nacional fundamentadas em orientaccedilotildees regionais comuns no que diz respeito ao fortalecimento de agricultores familiares inclusive populaccedilotildees indiacutegenas e outros povos e comunidades tradicionais Entre as poliacuteticas discutidas em reuniotildees oficinas cursos de treinamento e programas de cooperaccedilatildeo ligados agrave REAF cabe mencionar o acesso agrave terra as compras puacuteblicas de alimentos produzidos por agricultores familiares e o apoio agrave produccedilatildeo das mulheres rurais

A expressatildeo dos interesses da agricultura familiar passou tambeacutem a fazer parte de uma agenda mais ampla de integraccedilatildeo regional como evidenciado pela priorizaccedilatildeo do tema no acircmbito da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) especialmente apoacutes o reconhecimento de seu papel central no Plano para a Seguranccedila Alimentar Nutriccedilatildeo e Erradicaccedilatildeo da Fome 2025 Aleacutem disso criou-se um Grupo de Trabalho sobre

Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural que se reporta diretamente a uma Reuniatildeo Ministerial sobre Agricultura Familiar

Os paiacuteses que participam da REAF tambeacutem estabeleceram mecanismos de diaacutelogo e cooperaccedilatildeo com outros foacuteruns tais como o Conselho de Seguranccedila Alimentar e Nutricional (CONSAN) da Comunidade dos Paiacuteses de Liacutengua Portuguesa (CPLP) e o seu Grupo de Trabalho sobre Agricultura Familiar

A expansatildeo da agenda referente agrave agricultura familiar natildeo tem sido restrita apenas aos espaccedilos do poder executivo e dos movimentos sociais mas tambeacutem alcanccedilou a esfera legislativa ndash como demonstrado pela criaccedilatildeo de uma Frente Parlamentar da Ameacuterica Latina e Caribe contra a Fome que desempenhou papel fundamental na elaboraccedilatildeo e aprovaccedilatildeo de leis nacionais relativas agrave seguranccedila alimentar na maioria dos paiacuteses da regiatildeo e propocircs uma lei-marco sobre agricultura familiar ao Parlamento Latino-Americano (Parlatino)

Tal reconhecimento e visibilidade dentro e para aleacutem da Ameacuterica Latina e do Caribe revitalizam as possibilidades para a agenda democratizante do meio rural impulsionada pela agricultura familiar Nos esforccedilos contiacutenuos por um maior reconhecimento de sua contribuiccedilatildeo para o desenvolvimento sustentaacutevel a agricultura familiar na Ameacuterica

14

1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 14: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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1 Ministeacuterio do Desenvolvimento Agraacuterio do Brasil (MDA)

2 Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para a Alimentaccedilatildeo e a Agricultura (FAO)

3 O Programa Mais Alimentos do Brasil eacute um exemplo dado que suas linhas de creacutedito concessionais dirigidas a agricultores familiares tiveram um impacto significativo nas vendas nacionais de tratores sendo responsaacuteveis por 61 por cento delas entre janeiro e maio de 2009 contribuindo portanto para o sustento da induacutestria nacional durante o aacutepice da crise financeira e econocircmica global (MUumlLLER 2014)

ldquo A Ameacuterica Latina

mostrou que o conceito de agricultura familiar eacute uma

categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito

pertinente e uacutetil

Latina estaacute de uma vez soacute resistindo e conquistando espaccedilo em contraposiccedilatildeo a mecanismos tradicionais de dominaccedilatildeo e subordinaccedilatildeo profundamente enraizados ao mesmo tempo em que exercita novas formas de viver e produzir no meio rural

A agricultura familiar portanto expressa seu potencial contra-hegemocircnico por meio de sua capacidade de combinar resistecircncia organizada com alternativas criacuteveis E por contar com alianccedilas sociais mais amplas ela pode ganhar impulso em seus esforccedilos para superar o atual modelo de produccedilatildeo agropecuaacuterio dominante e contribuir para a criaccedilatildeo de novos projetos de desenvolvimento nacional

A agenda da agricultura familiar na Ameacuterica Latina representa um esforccedilo combinado gradual e cumulativo orientado por um sentido de transiccedilatildeo e por uma accedilatildeo permanente em muacuteltiplas frentes Esse esforccedilo consiste em um conjunto de poliacuteticas e iniciativas de fortalecimento social e econocircmico da agricultura familiar que apesar de ocorrerem em paralelo eou sob o atual padratildeo produtivo ainda podem resultar em aumentos consideraacuteveis de produccedilatildeo produtividade e renda assim como em mudanccedilas qualitativas de mais longo prazo tais como a transiccedilatildeo agroecoloacutegica a democratizaccedilatildeo da estrutura fundiaacuteria e formas mais cooperativas e solidaacuterias de organizaccedilatildeo socioeconocircmica

Entre as accedilotildees imprescindiacuteveis para essas mudanccedilas podemos destacar a necessaacuteria ampliaccedilatildeo da reforma agraacuteria e o reconhecimento dos territoacuterios dos povos e comunidades tradicionais aleacutem de uma profunda transformaccedilatildeo no sistema agroalimentar que pode articular processos de produccedilatildeo industrial e padrotildees de consumo com impactos potencialmente significativos nos haacutebitos alimentares e na sauacutede da populaccedilatildeo

A Ameacuterica Latina tem demonstrado que o conceito de agricultura familiar eacute uma categoria contemporacircnea poliacutetica e social muito pertinente e uacutetil Universalizar ainda mais o seu uso poderaacute contribuir para inserir a agricultura familiar em outros contextos internacionais nos quais termos como ldquopequeno agricultorrdquo satildeo atualmente preponderantes apesar de seu escopo

mais restrito e suas conotaccedilotildees potencialmente negativas

A liccedilatildeo que a Ameacuterica Latina tem a oferecer eacute clara o fortalecimento da agricultura familiar eacute um processo poliacutetico que se constroacutei no diaacutelogo democraacutetico participativo nas lutas sociais na criaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas na compreensatildeo e na valorizaccedilatildeo da grande diversidade do setor e nos esforccedilos para forjar alianccedilas entre diversos setores e alcanccedilar objetivos em comum

Assim a agricultura familiar demonstra que eacute capaz de fazer contribuiccedilotildees importantes para o desenvolvimento das naccedilotildees fundamentadas na democracia na justiccedila social e no compromisso com a reduccedilatildeo da desigualdade

MUumlLLER Laudemir Public policies for family farming in Brazil towards a sustainable development model In Deep Roots 222-226 Roma Food and Agriculture Organization of the United Nations 2014

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 15: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 15

A democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra para agricultores familiares brasileiros nos uacuteltimos anos por Vicente P M de Azevedo Marques1 e Mauro Eduardo del Grossi2

As poliacuteticas fundiaacuterias no Brasil tecircm envolvido um conjunto significativo de accedilotildees com o objetivo de democratizar o acesso agrave terra e o fortalecimento da agricultura familiar especialmente desde o iniacutecio dos anos 2000 Essas poliacuteticas tecircm sido implementadas dentro de um cenaacuterio de elevada concentraccedilatildeo fundiaacuteria e dos recursos naturais bem como de disputas frequentes pela terra e violecircncia rural decorrente destas entre outras caracteriacutesticas predominantes da estrutura agraacuteria brasileira

As origens da concentraccedilatildeo fundiaacuteria remetem ao iniacutecio dos anos de 1500 quando o Brasil era governado pela Coroa Portuguesa e o processo colonial de ocupaccedilatildeo de terras estava fundamentado na concessatildeo imprecisa de aacutereas grandes e remotas o que deixou grande parte do territoacuterio brasileiro sem mapeamento demarcaccedilatildeo ou documentos de registro

A propriedade privada da terra no paiacutes foi reconhecida somente em 18503 deacutecadas apoacutes a independecircncia formal do Brasil quando foi consolidada a distribuiccedilatildeo da maior parte das terras a um pequeno grupo de pessoas excluindo os povos indiacutegenas e comunidades tradicionais de qualquer direito de propriedade

Foi necessaacuterio um seacuteculo e meio para que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 e suas respectivas emendas4 reafirmassem inteiramente o direito agrave propriedade da terra (condicionada ao desempenho de sua funccedilatildeo social) consagrando esse princiacutepio como parte de seus direitos e garantias fundamentais e reconhecendo formalmente os direitos fundiaacuterios dos povos indiacutegenas e das comunidades quilombolas5

Reforma agraacuteria A partir de 2003 o Governo Federal iniciou um esforccedilo para criar e expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao mesmo tempo

para o assentamento de milhares de famiacutelias sem-terra Desde entatildeo mais de 52 milhotildees de hectares ndash incluindo cerca de 4 mil novos projetos que assentaram mais de 798 mil famiacutelias ndash foram incorporados ao processo mais amplo de reforma agraacuteria iniciado durante o periacuteodo de democratizaccedilatildeo dos anos de 1980 representando dois terccedilos deste processo tanto em nuacutemeros de famiacutelias assentadas quanto em aacuterea

De fato segundo o Instituto de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (INCRA) em abril de 2015 havia 969129 famiacutelias assentadas em 9263 projetos de reforma agraacuteria (MDA 2015) perfazendo uma aacuterea total de 88 milhotildees de hectares ndash cerca de 10 por cento do territoacuterio brasileiro Essas famiacutelias foram distribuiacutedas principalmente em regiotildees da Amazocircnia Legal (621 mil famiacutelias assentadas em 34 mil projetos) e em aacutereas semiaacuteridas (117 mil famiacutelias em 22 mil projetos)

Os assentamentos de reforma agraacuteria satildeo de vaacuterios tipos e incluem modalidades ambientalmente diferenciadas tais como florestas reservas extrativistas e unidades de desenvolvimento sustentaacutevel (INCRA 2015) Os projetos visam atender agraves demandas de grupos especiacuteficos especialmente mulheres cujos nomes tecircm sido sistematicamente incluiacutedos nos tiacutetulos de domiacutenio das aacutereas e na concessatildeo de uso nos projetos de reforma agraacuteria independentemente de seu estado civil

Aleacutem das poliacuteticas focadas no acesso agrave terra grande esforccedilo foi feito para articular poliacuteticas puacuteblicas (DEL GROSSI MARQUES 2015) visando assegurar que os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tenham acesso a outras iniciativas governamentais tais como infraestrutura (moradia aacutegua energia eleacutetrica e estradas) assistecircncia social (principalmente no que diz respeito agrave documentaccedilatildeo civil) previdecircncia social apoio a famiacutelias em situaccedilatildeo de extrema pobreza por meio de transferecircncias de renda (Programa Bolsa Famiacutelia ndash PBF)

bem como a famiacutelias cujos meios de vida contribuem para a conservaccedilatildeo ambiental (Bolsa Verde) assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural (ATER) e creacutedito para a produccedilatildeo (creacutedito rural do Pronaf6 com taxas subsidiadas) Quando registrados no Pronaf os beneficiaacuterios da reforma agraacuteria tambeacutem tecircm acesso a seguros de clima e programas de garantia de preccedilos (Seguro da Agricultura Familiar ndash SEAF e Programa de Garantia de Preccedilos para a Agricultura Familiar ndash PGPAF) enquanto aqueles assentados em aacutereas semiaacuteridas tecircm acesso a um seguro de clima especiacutefico para a regiatildeo (Garantia Safra)

Na esfera da comercializaccedilatildeo o governo incentiva a instalaccedilatildeo e a modernizaccedilatildeo de empreendimentos coletivos agroindustriais ndash mediante os programas Terra Sol7 e Terra Forte8 que tecircm beneficiado 209 mil famiacutelias assentadas desde 2004 (MDA 2015) Parte da produccedilatildeo dos assentados tambeacutem eacute destinada a mercados institucionais (por meio do Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos ndash PAA e o Programa Nacional de Alimentaccedilatildeo Escolar ndash PNAE)

Aleacutem do acesso facilitado agraves redes de ensino puacuteblico fundamental e profissionalizante (Pronatec Campo) as famiacutelias assentadas tambeacutem podem acessar o Programa Nacional de Educaccedilatildeo na Reforma Agraacuteria (Pronera)9 criado em 1988 com o objetivo de ampliar os niacuteveis de escolarizaccedilatildeo formal dos beneficiaacuterios da reforma agraacuteria O Pronera oferece cursos de niacuteveis baacutesico meacutedio e superior inclusive para alfabetizaccedilatildeo profissionalizaccedilatildeo teacutecnica e especializaccedilatildeo utilizando uma abordagem pedagoacutegica adequada aos contextos dos assentados

De forma complementar ao programa de reforma agraacuteria e agraves poliacuteticas relacionadas descritos o Programa Nacional de Creacutedito Fundiaacuterio (PNCF)10 fornece creacutedito subsidiado para financiar a aquisiccedilatildeo

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 16: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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Foto Eduardo AignerMDA Agricultores junto a motocultivador comprado pelo Programa Mais Alimentos Acre Brasil 2010

Foto Eduardo AignerMDA Programa de Aquisiccedilatildeo de Alimentos (PAA) no Municiacutepio de General Sampaio Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

de terras por agricultores familiares e tem beneficiado cerca de 97 mil famiacutelias desde 2003 Ademais o PCNF oferece recursos para a instalaccedilatildeo de infraestrutura social e produtiva e custeia a contrataccedilatildeo de oficiais de assistecircncia teacutecnica e extensatildeo rural O programa tambeacutem inclui modalidades especiacuteficas para o atendimento a agricultores de mais baixa renda e a jovens rurais que desejem adquirir terras e se instalar como agricultores familiares

Regularizaccedilatildeo fundiaacuteria na Amazocircnia Legal O Programa Terra Legal tem como objetivo conceder o direito de uso de terras federais anteriormente ocupadas ou informalmente assentadas por agricultores familiares na regiatildeo da Amazocircnia Legal (estados do Acre Amapaacute Amazonas Maranhatildeo Mato Grosso Rondocircnia Roraima e Tocantins)11 dando celeridade aos processos de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria de ocupaccedilotildees legiacutetimas em aacutereas rurais e urbanas Os montantes cobrados por terras recentemente tituladas e prazos para pagamento variam de acordo com o seu tamanho enquanto a gratuidade eacute assegurada para aacutereas muito pequenas A concessatildeo de tiacutetulos estaacute condicionada ao uso sustentaacutevel dos recursos naturais e agrave preservaccedilatildeo do meio ambiente

Ateacute marccedilo de 2015 o Programa Terra Legal havia georreferenciado mais de 10 milhotildees de hectares e emitido cerca de 18 mil tiacutetulos em aacutereas rurais e 292 tiacutetulos em aacutereas urbanas abrangendo uma aacuterea total de 14 milhatildeo de hectares (MDA 2015)

O Programa Brasil Quilombola e outros programas fundiaacuterios destinados aos povos e agraves comunidades tradicionais A Constituiccedilatildeo Federal Brasileira de 1988 reconheceu os direitos das comunidades quilombolas remanescentes agrave sua terra como forma de reparaccedilatildeo aos afrodescendentes com uma histoacuteria social de resistecircncia contra a opressatildeo da escravatura vigente no periacuteodo colonial brasileiro Mais de 2 mil comunidades jaacute foram identificadas e certificadas (SEPPIR 2015) O Programa Brasil Quilombola inaugurado em 2004 objetiva consolidar uma poliacutetica de Estado para estas comunidades contemplando os seguintes eixos acesso agrave terra (delimitaccedilatildeo certificaccedilatildeo e titulaccedilatildeo das terras) infraestrutura e qualidade de vida

(moradia saneamento eletrificaccedilatildeo comunicaccedilatildeo e vias de acesso aleacutem do acesso agrave sauacutede educaccedilatildeo e assistecircncia social) inclusatildeo produtiva e desenvolvimento local (assistecircncia teacutecnica e demais poliacuteticas puacuteblicas para a agricultura familiar especificamente diferenciadas para comunidades quilombolas) e direitos e cidadania De acordo com a Secretaria de Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial (SEPPIR) 168 aacutereas quilombolas tiveram seus respectivos relatoacuterios de identificaccedilatildeo e delimitaccedilatildeo concluiacutedos ateacute 2014 beneficiando 23 mil famiacutelias em uma aacuterea de aproximadamente 17 milhatildeo de hectares

Os direitos originaacuterios sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indiacutegenas satildeo garantidos por meio de um programa especiacutefico que regularizou mais de 100 milhotildees de hectares de 434 comunidades desde a sua criaccedilatildeo (FUNAI 2015)

Outras iniciativas de regularizaccedilatildeo fundiaacuteria com foco em povos e comunidades tradicionais estatildeo em curso como o Projeto Nossa Vaacuterzea Cidadania e Sustentabilidade na Amazocircnia Brasileira que garante agraves famiacutelias e agraves comunidades ribeirinhas o reconhecimento da sua posse tradicional aleacutem de seus papeacuteis como agentes promotores da conservaccedilatildeo ambiental

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

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REEFBASE Maldives 2015 Disponiacutevel em lthttpboblme reefbaseorgcountriesaspxcountry=MDVgt Acesso em 4 nov 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

MAIKHURI R K RAO K S SAXENA K G Traditional crop diversity for sustainable development of Central Himalayan agroecosystems International Journal of Sustainable Development amp World Ecology 3 8-31 1996

MAIKHURI R K RAO K S SEMWAL R L Changing scenario of Himalayan agroecosystems loss of agrobiodiversity an indicator of environmental change in Central Himalaya India The Environmentalist 20 23-39 2001

MAIKHURI R K NEGI V S RAWAT L S SAHNI A K SUNDRIYAL R C DHYANIP P Traditional agriculture systems Current Science 108(9) 1581-1583 2015

PALNI L M S MAIKHURI R K RAO K S Conservation of the Himalayan agroecosytstems Issues and priorities Technical Paper V In Eco-regional Co-operation for Biodiversity Conservation in the Himalaya 253-290 New York United Nations Development Programme 1998

SUNDRIYAL R C NEGI G C S MAIKHURI R K RAWAT D S RAWAL R S DHYANI P P Family and smallholder farming in Himalayan communities In Deep Roots 105-108 253 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations and Tudor Rose 2014

SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 17: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 17

Foto Eduardo AignerMDA Escola Agroteacutecnica Federal de Crato no Municiacutepio de Umirim Sertatildeo Central Cearaacute Brasil 2010

1 Instituto Nacional de Colonizaccedilatildeo e Reforma Agraacuteria (Incra)2 Universidade de Brasiacutelia Brasil (UnB)3 Lei nordm 601 de 18 de setembro de 1850 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03LEISL0601-1850htmgt4 Constituiccedilatildeo Federal do Brasil 1988 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03ConstituicaoConstituicaoCompiladohtmgt5 Descendentes de afro-brasileiros que resistiram eou escaparam de seus senhores de escravos durante o periacuteodo de escravidatildeo e formaram quilombos assentamentos rurais independentes muitos dos quais ainda existem6 O Programa Nacional para o Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) eacute um programa de creacutedito rural exclusivo para agricultores familiares Na safra 20132014 o Programa financiou a produccedilatildeo de 19 milhatildeo de agricultores7 Ver lthttpwwwincragovbr programa_terra_solgt8 Ver lthttpwwwincragovbrterraforteprogramagt 9 Ver lthttpwwwincragovbr educacao_proneragt10 Ver lthttpwwwmdagovbrsistemdasecretariasra-crefunsobre-o-programagt11 Ver Lei nordm 11952 de 25 de junho de 2009 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102009leil11952htmgt

ldquo Em 2003 o

Governo Federal comeccedilou um esforccedilo para criar e

expandir poliacuteticas puacuteblicas para o fortalecimento da agricultura familiar e ao

mesmo tempo para o assentamento de milhares

de famiacutelias sem-terra

e do desenvolvimento local (MPOGSPU 2015) Destaca-se ainda a existecircncia de programas estaduais para a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria adequados agraves necessidades de cada unidade da federaccedilatildeo

Gestatildeo do territoacuterio Por meio do aumento do uso de sistemas de georreferenciamento o Governo Federal tem procurado melhorar a cobertura a confiabilidade e a integraccedilatildeo de cadastros de imoacuteveis considerados fundamentais para a governanccedila e para os processos de redistribuiccedilatildeo e regularizaccedilatildeo fundiaacuteria nas aacutereas rurais

Apesar de tais mecanismos e dos avanccedilos alcanccedilados nos uacuteltimos anos o Brasil ainda permanece com extensas aacutereas de terras natildeo regularizadas bem como desafios significativos para a integraccedilatildeo de registros de terra frequentemente conflitantes e duplicados

Consideraccedilotildees finais A partir de 2003 o Governo Federal brasileiro tem feito grandes esforccedilos para garantir a realizaccedilatildeo de direitos constitucionais e uma vida digna aos habitantes rurais Na busca pela democratizaccedilatildeo do acesso agrave terra assim como pela reduccedilatildeo da violecircncia no campo as poliacuteticas fundiaacuterias tecircm sido ampliadas de modo significativo e melhor articuladas com outras poliacuteticas puacuteblicas durante a uacuteltima deacutecada visando criar condiccedilotildees necessaacuterias para a garantia de direitos e a

produccedilatildeo dos agricultores familiares e povos e comunidades tradicionais

Essas accedilotildees tiveram resultados concretos como confirmam as mais de 798 mil famiacutelias assentadas em 52 milhotildees de hectares de terras desde 2003 De fato o processo de reforma agraacuteria iniciado nos anos de 1980 natildeo apenas se acelerou e se intensificou apoacutes 2003 como tambeacutem se tornou mais transparente e inclusivo com maior voz e participaccedilatildeo dos movimentos sociais do campo em comparaccedilatildeo com administraccedilotildees anteriores ndash sem duacutevida uma das razotildees centrais para as importantes conquistas desse mais recente capiacutetulo do processo de reforma agraacuteria no Brasil

DEL GROSSI Mauro Eduardo MARQUES Vicente P M de Azevedo An in-depth review of the evolution of integrated public policies to strengthen family farms in Brazil ESA Working Paper n 15-01 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfaoorgpublicationscard enc081e4416-dcdf-4981-a488-47f6a659c81bgt Acesso em 5 nov 2015

FUNDACcedilAtildeO NACIONAL DO IacuteNDIO (FUNAI) Modalidades de Terras Indiacutegenas 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwfunaigovbrindexphpindios-no-brasilterras-indigenasgt Acesso em ago 2015

INSTITUTO DE COLONIZACcedilAtildeO E REFORMA AGRAacuteRIA (INCRA) Criaccedilatildeo de assentamentos 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwincragovbrassentamentoscriacaogt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRAacuteRIO (MDA) MDA and INCRA Information 2015 Disponiacutevel em lthttpwwwmdagovbrsitemdapagina acompanhe-aC3A7C3B5es-do-mda-e-incragt Acesso em 19 ago 2015

MINISTEacuteRIO DO PLANEJAMENTO ORCcedilAMENTO E GESTAtildeO (MPOG)SUPERINTENDEcircNCIA DO PATRIMOcircNIO DA UNIAtildeO (SPU) Projeto nossa vaacuterzea sustentabilidade e cidadania na Amazocircnia 2015 Disponiacutevel em lthttppatrimoniodetodosgovbrprogramas-e-acoes-da-spuamazonia-legalprojeto- nossa-varzea-sustentabilidade-e-cidadania- na-amazonia-1gt Acesso em 19 ago 2015

SECRETARIA DE POLIacuteTICAS DE PROMOCcedilAtildeO DA IGUALDADE RACIAL (SEPPIR) Sistema de Monitoramento das Poliacuteticas de Promoccedilatildeo da Igualdade Racial 2015 Disponiacutevel em lthttpmonitoramentoseppirgovbrgt Acesso em 19 ago 2015

18

As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

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VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 18: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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As lsquoMesas de Desenvolvimento Ruralrsquo inovaccedilatildeo institucional para o diaacutelogo poliacutetico e a inclusatildeo da agricultura familiar no Uruguaipor Joseacute Ignacio Olascuaga1 e Clara Villalba Clavijo2

No Uruguai o Estado tem ganhado proeminecircncia no desenho e na implementaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas desde 2005 Simultaneamente os governos deste periacuteodo tecircm fortemente promovido a descentralizaccedilatildeo poliacutetica e administrativa em conjunto com a participaccedilatildeo cidadatilde como motor de inclusatildeo poliacutetica social e econocircmica

Neste acircmbito o Ministeacuterio de Pecuaacuteria Agricultura e Pesca (Ministerio de Ganaderia Agricultura y Pesca ndash MGAP) tem desenvolvido vaacuterias inovaccedilotildees institucionais que vecircm contribuindo para o reconhecimento e a validaccedilatildeo da agricultura familiar fornecendo ferramentas de intervenccedilatildeo adequadas para a inclusatildeo efetiva desse setor Entre essas inovaccedilotildees encontram-se a criaccedilatildeo da Diretoria-Geral para o Desenvolvimento Rural (DGDR)3 e a institucionalizaccedilatildeo dos Comitecircs ou lsquoMesasrsquo de Desenvolvimento Rural (Mesas de Desarollo Rural ndash MDR)

A DGDR foi criada com o objetivo de alcanccedilar o desenvolvimento rural sob um novo tipo de modelo produtivo fundamentado na sustentabilidade econocircmica social e ambiental e contando com a participaccedilatildeo ativa dos atores das aacutereas rurais Tambeacutem eacute responsaacutevel pelo desenho de poliacuteticas diferenciadas para a agricultura familiar

Seus objetivos estrateacutegicos satildeo Promover atividades para apoiar a

integraccedilatildeo a associaccedilatildeo e a organizaccedilatildeo da populaccedilatildeo produtiva rural

Fortalecer as organizaccedilotildees de produtores e trabalhadores rurais

Promover o desenvolvimento rural nas suas muacuteltiplas dimensotildees

Organizar a produccedilatildeo familiar e promover sua integraccedilatildeo nas cadeias e complexos agroindustriais

Facilitar o acesso ao financiamento e aos recursos financeiros mediante a criaccedilatildeo de ferramentas adequadas

Facilitar o acesso da populaccedilatildeo rural agrave formaccedilatildeo agraves tecnologias adequadas e aos avanccedilos em pesquisa e inovaccedilatildeo

Promover a coordenaccedilatildeo interinstitucional entre atores puacuteblicos e privados para se alcanccedilar o desenvolvimento rural

Ademais a Lei nordm 18126 ndash para a Descentralizaccedilatildeo e Coordenaccedilatildeo de Poliacuteticas Agropecuaacuterias com Base Departamental ndash promulgada em 12 maio de 20074 estabeleceu a criaccedilatildeo dos Conselhos Agropecuaacuterios Departamentais e das MDR bem como a integraccedilatildeo e as funccedilotildees desses instrumentos5

As MDR foram estabelecidas como um espaccedilo de participaccedilatildeo social e diaacutelogo puacuteblico-privado reunindo representantes de organizaccedilotildees de produtores (especialmente aquelas compostas na maior parte por agricultores familiares) trabalhadores assalariados mulheres e jovens representantes do MGAP oficiais de extensatildeo rural puacuteblica (as chamadas Equipes Territoriais de Desenvolvimento Rural ndash Equipos Territoriales de Desarollo Rural ndash ETDR)6 e outros atores rurais (eg professores rurais) Outras instituiccedilotildees puacuteblicas (eg eletrificaccedilatildeo rural sauacutede comunicaccedilotildees infraestrutura ou educaccedilatildeo) tambeacutem estatildeo frequentemente envolvidas de acordo com as necessidades e os interesses identificados pelas organizaccedilotildees participantes

Nas MDR todos os atores participam enquanto membros de suas organizaccedilotildees e instituiccedilotildees e natildeo a tiacutetulo individual As reuniotildees ocorrem mensalmente e satildeo convocadas por funcionaacuterios das ETDR geralmente por correio eletrocircnico ou telefone celular

De acordo com o MGAP7 haacute atualmente 40 MDRs em funcionamento no paiacutes com a participaccedilatildeo de entre 370 e 480 organizaccedilotildees da sociedade civil

A participaccedilatildeo eacute dinacircmica significando que algumas organizaccedilotildees estatildeo permanentemente envolvidas enquanto outras apenas de forma intermitente uma vez que os Comitecircs satildeo espaccedilos institucionais abertos e ainda em construccedilatildeo Os MDR satildeo categorizados como ldquofixosrdquo ndash cujas reuniotildees sempre ocorrem no mesmo lugar ou ldquoitinerantesrdquo ndash quando a local das reuniotildees muda periodicamente no sentido de facilitar a acessibilidade para alguns participantes

As organizaccedilotildees sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos grupos de produtores cooperativas sociedades de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos de trabalhadores rurais A dinacircmica de cada sessatildeo inclui a retomada de discussotildees sobre temas pendentes o acolhimento de propostas das organizaccedilotildees sociais relatos sobre ferramentas e poliacuteticas puacuteblicas em implementaccedilatildeo e o registro das discussotildees para a elaboraccedilatildeo de minutas das reuniotildees Os participantes apresentam suas reivindicaccedilotildees e ideias as ETDR relatam os planos do MGAP e os delegados de outras instituiccedilotildees puacuteblicas escutam as demandas as registram e articulam accedilotildees para encontrar soluccedilotildees apropriadas

As ETDR estatildeo radicadas nos territoacuterios em que conduzem suas respectivas atividades Apresentam diferentes graus de funcionamento sistecircmico que por sua vez dependem grandemente do tipo de lideranccedila exercido dentro de cada equipe De fato o Diretor Departamental de cada ETDR costuma ter papel decisivo natildeo apenas influenciando a dinacircmica de trabalho da equipe mas potencialmente deixando uma marca mais duradoura em ao menos duas dimensotildees i) promovendo (ou natildeo) a aquisiccedilatildeo de habilidades e conhecimento pela equipe territorial

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

BASIC FISHERIES STATISTICS 2003 AND 2013 Fisheries Management Agency Ministry of Fisheries and Agriculture various years Disponiacutevel em lthttpwwwfishagrigovmv indexphpenstatisticsfisheries-statisticsgt

BOBP-IGO Annual Report of the BOBP- IGO 2012-13 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2013

CHOWDHURY A Present Status of Legal Support to Implement Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries Sector in Bangladesh In Report of the National Workshop on Monitoring Control and Surveillance in Marine Fisheries ndash Bangladesh 91ndash99 Chennai India Bay of Bengal Programme Inter-Governmental Organisation 2009 Disponiacutevel em lthttpbobpigoorghtml_site pdfMCS-Bangladesh-REP110pdfgt Acesso em 18 nov 2015

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REEFBASE Maldives 2015 Disponiacutevel em lthttpboblme reefbaseorgcountriesaspxcountry=MDVgt Acesso em 4 nov 2015

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

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ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 19: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 19

Foto Eduardo Arraes Caixas para escoamento de produccedilatildeo agriacutecola em Canelones Uguruai 2013 lthttpsgooglcefU8gt

1 Ministeacuterio da Pecuaacuteria Agricultura e Pesca do Uruguai (MGAP)

2 Instituto Interamericano de Cooperaccedilatildeo para a Agricultura (IICA)Universidade de la Repuacuteblica ndash Uruguai (UdelaR)

3 A Lei nordm 17930 criou a DGDR em 19 de dezembro de 2005 Essa Diretoria iniciou suas operaccedilotildees em abril de 2008 e foi completamente institucionalizada em 2010

4 Essa Lei prevecirc a criaccedilatildeo de uma Mesa de Desenvolvimento Rural em cada Departamento contando em cada Mesa com um membro do Conselho Agropecuaacuterio Departamental um representante de cada cooperativa agriacutecola do Departamento um de cada uma das respectivas organizaccedilotildees sindicais agriacutecolas e um representante da Comissatildeo de Agricultura da cacircmara legislativa em niacutevel departamental (Junta Departamental)

5 As funccedilotildees das MDR incluem i) promover maior envolvimento e participaccedilatildeo da sociedade civil agropecuaacuteria na formulaccedilatildeo e implementaccedilatildeo de poliacuteticas setoriais ii) identificar as demandas e preocupaccedilotildees dos produtores rurais do Departamento iii) encaminhar os vaacuterios projetos de desenvolvimento iv) promover a melhor articulaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo entre os setores puacuteblico e privado nas cadeias produtivas agriacutecolas e v) direcionar seus esforccedilos para os objetivos de maior equidade desenvolvimento local e preservaccedilatildeo ambiental

6 Os ETDR satildeo grupos de teacutecnicos vinculados agrave DGDR assim como agrave Unidade de Descentralizaccedilatildeo e agrave Diretoria-Geral de Fazenda do MGAP Esses teacutecnicos tecircm formaccedilatildeo nas ciecircncias agraacuterias tecnoloacutegicas e sociais e trabalham em conjunto e de maneira integrada em cada territoacuterio contribuindo assim com os processos de participaccedilatildeo democraacutetica nos Comitecircs

7 Informaccedilatildeo fornecida pela Unidade de Descentralizaccedilatildeo do MGAP novembro de 2014

por meio de processos de aprendizagem pela praacutetica (ldquolearning by doingrdquo) e ii) favorecendo (ou natildeo) a construccedilatildeo de capital poliacutetico e social entre as organizaccedilotildees de produtores rurais e as instituiccedilotildees puacuteblicas

Essas equipes territoriais articulam os interesses e as demandas manifestadas pelos representantes das organizaccedilotildees que participam nas MDR com os atores relevantes das instituiccedilotildees puacuteblicas encarregadas de fornecer os serviccedilos correspondentes agrave populaccedilatildeo Esse processo permite que os oacutergatildeos e instituiccedilotildees nacionais possam compreender melhor as necessidades das populaccedilotildees rurais mais vulneraacuteveis e dispersas De fato mesmo quando as instituiccedilotildees puacuteblicas satildeo movidas pelo objetivo da inclusatildeo social ainda se deparam com dificuldades de percepccedilatildeo visibilidade desenho e implementaccedilatildeo de estrateacutegias e programas quando lidam com a marginalizaccedilatildeo e a exclusatildeo rural

As caracteriacutesticas territoriais (tais como o capital natural cultural social ou combinaccedilotildees desses) estatildeo correlacionadas com o nuacutemero de MDR em funcionamento em cada Departamento a presenccedila ou a ausecircncia de diferentes organizaccedilotildees em cada Mesa e as dinacircmicas de trabalho particulares a cada uma delas A construccedilatildeo da agenda eacute um processo colaborativo em que o envio de documentos por correio eletrocircnico (normalmente duas semanas

antes de cada reuniatildeo) permite um periacuteodo de maturaccedilatildeo durante o qual as organizaccedilotildees participantes podem coletivamente absorver informaccedilotildees sobre as questotildees em pauta e elaborar respostas conjuntas

As MDR podem ser interpretadas do ponto de vista teoacuterico alternadamente como territoacuterios intangiacuteveis organizaccedilotildees limiacutetrofes noacutedulos de rede espaccedilos para a construccedilatildeo de cidadania instituiccedilotildees inclusivas parte do ambiente e dos arranjos institucionais e espaccedilos para alavancar diferentes formas de capital e mecanismos institucionais que em uacuteltima anaacutelise contribuem para manter o espiacuterito de vanguarda das MDR

As MDR enquanto espaccedilos de diaacutelogo poliacutetico tecircm expandido o espaccedilo estrateacutegico tanto das organizaccedilotildees sociais quanto do Estado Contudo existem ainda outras conexotildees interinstitucionais a serem feitas para que se continue explorando os usos potenciais dessa ferramenta

URUGUAY Lei n 17930 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=17930ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

_______ Law n 18126 Disponiacutevel em lthttpwww parlamentogubuyleyesAccesoTextoLey aspLey=18126ampAnchor=gt Acesso em 24 nov 2015

VILLALBA CLAVIJO Clara Estudio de las Mesas de Desarrollo Rural en Uruguay como innovacioacuten institucional para la participacioacuten y la inclusioacuten Montevideo IICA ndash MGAP 2015

ldquo As organizaccedilotildees

sociais participantes satildeo de natureza diversa sindicatos

grupos de produtores cooperativas sociedades

de fomento rural ligas trabalhistas organizaccedilotildees comunitaacuterias e sindicatos

de trabalhadores rurais

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

MAIKHURI R K RAO K S SAXENA K G Traditional crop diversity for sustainable development of Central Himalayan agroecosystems International Journal of Sustainable Development amp World Ecology 3 8-31 1996

MAIKHURI R K RAO K S SEMWAL R L Changing scenario of Himalayan agroecosystems loss of agrobiodiversity an indicator of environmental change in Central Himalaya India The Environmentalist 20 23-39 2001

MAIKHURI R K NEGI V S RAWAT L S SAHNI A K SUNDRIYAL R C DHYANIP P Traditional agriculture systems Current Science 108(9) 1581-1583 2015

PALNI L M S MAIKHURI R K RAO K S Conservation of the Himalayan agroecosytstems Issues and priorities Technical Paper V In Eco-regional Co-operation for Biodiversity Conservation in the Himalaya 253-290 New York United Nations Development Programme 1998

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 20: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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Desafios no sustento da pesca familiar no Sul da Aacutesia por Yugraj Singh Yadava1 e Rajdeep Mukherjee1

1 Aumento no nuacutemero de pescadores ativos no sul da Aacutesia

Paiacutes Ano-base Nuacutemero Uacuteltimo ano Nuacutemero Crescimento anual meacutedio4

Bangladesh 2007 510000 2012 516000 02

Iacutendia (continente) 2005 889528 2010 990083 23

Maldivas 2003 14891 2013 9554 -36

Sri Lanka 2003 148830 2014 221350 44

Sul da Aacutesia 2003 156324 2014 173698 10

Fonte Elaboraccedilatildeo dos autores com base em Matsya Sampad Unnyan Aviyan 20082014 National Marine Fisheries Censuses of India 20052010 Maldives Basic Fisheries Statistics 20032013 e Sri Lanka Department of Fisheries and Aquatic Resources

Tabela

Agricultura Familiar no contexto da pesca A agricultura familiar pode ser definida de maneira geral como a organizaccedilatildeo de atividades do setor primaacuterio geridas e operacionalizadas por famiacutelias que predominantemente contam com matildeo de obra familiar incluindo ambos os gecircneros No setor de pesca e captura marinha (doravante ldquopesca marinhardquo) no Sul da Aacutesia as atividades de pesca artesanal satildeo efetuadas por uma unidade familiar que utiliza equipamento sem motor eou pequenas embarcaccedilotildees

Entretanto avanccedilos tecnoloacutegicos na pesca marinha e mercados em expansatildeo tecircm resultado no aumento do uso de embarcaccedilotildees maiores e mecanizadas gerando tensotildees entre dois setores ndash mecanizado e artesanal ndash no acesso aos recursos pesqueiros

A importacircncia de sustentar a pesca artesanal hoje reconhecida como um grande desafio tem recebido destaque nos diaacutelogos globais sobre pesca Sua importacircncia se coloca natildeo apenas do ponto de vista da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem porque diversos estudos apontam que os impactos ambientais negativos da pesca (eg rejeitos) tendem a ser insignificantes na pesca artesanal quando comparados agrave pesca mecanizada

Pesca artesanal no Sul da Aacutesia Esse artigo concentra-se na pesca artesanal

marinha no Sul da Aacutesia abrangendo Bangladesh Iacutendia as Maldivas e o Sri Lanka A pesca marinha eacute uma importante fonte de sustento nessa regiatildeo que tambeacutem possui uma das maiores concentraccedilotildees de pescadores em pequena escala do mundo com cerca de 173 milhatildeo de pessoas ativamente engajadas na pesca

O nuacutemero de pescadores ativos2 na regiatildeo cresceu cerca de 1 por cento por ano entre 2003 e 2014 embora essa meacutedia natildeo revele tendecircncias contrastantes entre cada paiacutes da regiatildeo De fato durante o periacuteodo o nuacutemero de pescadores familiares ativos cresceu cerca de 44 por cento por ano no Sri Lanka e 23 por cento por ano na Iacutendia continental3 Em Bangladesh todavia o aumento no nuacutemero de pescadores ativos foi miacutenimo de 510 mil para 516 mil entre 2007 e 2012 (ver Tabela 1)

No caso das Maldivas o nuacutemero de pescadores ativos caiu gradualmente (em 36 por cento por ano) em razatildeo de mudanccedilas estruturais na economia (eg a expansatildeo do setor de serviccedilos) e mudanccedilas demograacuteficas (melhor acesso agrave educaccedilatildeo levando a geraccedilatildeo mais jovem a buscar meios de vida alternativos) (BOBP-IGO 2013)

No caso da populaccedilatildeo mais ampla de pescadores na Iacutendia continental cerca de 864550 famiacutelias estatildeo envolvidas com a pesca marinha (CMFRI 2010) O Censo Indiano de 2010 tambeacutem

registrou uma populaccedilatildeo total de 3999 milhotildees de pescadores dos quais 91 por cento satildeo oriundos de famiacutelias tradicionais de pescadores (ibid) No Sri Lanka aproximadamente 190780 famiacutelias estatildeo engajadas na pesca marinha representando uma populaccedilatildeo de 825120 pescadores em 2014 (MINISTRY AND DEPARTMENT OF FISHERIES AND AQUATIC RESOURCES DEVELOPMENT 2015) O nuacutemero total de famiacutelias engajadas na pesca marinha em Bangladesh e nas Maldivas natildeo estaacute disponiacutevel

A pesca marinha na regiatildeo eacute composta de trecircs atividades baacutesicas preparaccedilatildeo pesca e comercializaccedilatildeo Famiacutelias engajadas em atividades de pesca agem como uma unidade produtiva com os homens envolvidos no proacuteprio processo da pesca e as mulheres desempenhando importante papel no reparo das redes ajudando os homens com o preparo para a pesca e mais tarde na comercializaccedilatildeo

Entretanto com o advento de atividades pesqueiras intensivas em capital a pesca estaacute sendo reformada seguindo modelos de empreendimentos comerciais com a criaccedilatildeo e atribuiccedilatildeo de papeacuteis especiacuteficos tais como financiadores provedores de serviccedilos (barcos e equipamentos) operadores e membros de tripulaccedilatildeo de embarcaccedilotildees leiloeiros agentes de marketing e unidades de processamento Essas mudanccedilas

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

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CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 21: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 21

vecircm cada vez mais marginalizando as mulheres pescadoras

Apesar do fato de grandes nuacutemeros de mulheres ainda estarem envolvidas na venda local no processamento primaacuterio e na embalagem seu papel diminuiacutedo no sistema de produccedilatildeo pesqueiro eacute preocupante com implicaccedilotildees para o seu papel na tomada de decisotildees domeacutesticas na seguranccedila alimentar e nas percepccedilotildees sociais acerca das mulheres Esse aspecto exige atenccedilatildeo redobrada por parte dos decisores poliacuteticos e deve ser tratado com medidas de poliacutetica puacuteblica adequadas

O desenvolvimento da pesca marinha e questotildees relacionadas na regiatildeo Ateacute os anos de 1960 a pesca artesanal era predominante na regiatildeo Naquela eacutepoca uma seacuterie de fatores havia contribuiacutedo para essa situaccedilatildeo Primeiro aacuteguas costeiras ricas em recursos pesqueiros garantiam operaccedilotildees lucrativas de pesca perto das margens Segundo atividades pesqueiras realizadas ao longo dos litorais em muacuteltiplos locais permitiam que os pescadores trabalhassem diretamente das suas proacuteprias vilas Terceiro a falta de conectividade nas regiotildees costeiras contribuiacutea para a autossuficiecircncia dos povoados locais com uma base consumidora pequena poreacutem estaacutevel Quarto a falta de acesso agrave tecnologia e agraves financcedilas garantia a homogeneizaccedilatildeo da eficiecircncia da captura

No entanto esses fatores certamente tambeacutem atrasaram a transformaccedilatildeo de unidades familiares de subsistecircncia em empreendimentos familiares por meio da formaccedilatildeo de capital

A introduccedilatildeo de tecnologias pesqueiras avanccediladas (eg barcos e equipamentos motorizados) iniciada nos anos 1950 em caraacuteter experimental cresceu e se fortaleceu nas duas deacutecadas seguintes com a identificaccedilatildeo do setor pesqueiro pelos governos da regiatildeo como uma alavanca para garantir a seguranccedila alimentar gerar empregos assim como divisas (por meio de exportaccedilotildees) Agecircncias internacionais e multilaterais tambeacutem tiveram papel importante durante essa fase mediante financiamento e transferecircncia de tecnologias (DEVRAJ VIVEKANANDAN 1999)

O setor sofreu raacutepidas mudanccedilas nas operaccedilotildees de colheita e poacutes-colheita Infraestrutura nova melhores instalaccedilotildees de comunicaccedilatildeo e a abertura de mercados maiores tanto nacionais quanto internacionais levaram agrave consolidaccedilatildeo dos centros de produccedilatildeo Assim os portos pesqueiros satildeo hoje responsaacuteveis por dois terccedilos da produccedilatildeo total de peixe da regiatildeo e consequentemente controlam grande parte do mercado e dos sistemas de distribuiccedilatildeo do setor5

Tradicionalmente na pesca artesanal as famiacutelias constituiacuteam unidades produtivas completas com posse plena das embarcaccedilotildees e equipamentos Entretanto com a crescente capitalizaccedilatildeo a posse de embarcaccedilotildees estaacute lentamente saindo de seu controle Por exemplo dados sobre a posse de embarcaccedilotildees pesqueiras na Iacutendia (CMFRI 2010) revelam que no setor artesanal as famiacutelias pesqueiras possuem cerca de 80 por cento das embarcaccedilotildees poreacutem no caso do setor mecanizado a posse de embarcaccedilotildees por famiacutelias pesqueiras varia entre 30 e 80 por cento dependendo do tipo de embarcaccedilatildeo

O crescente potencial comercial de produtos da pesca na regiatildeo tambeacutem resultou no surgimento de companhias pesqueiras especialmente nas Maldivas e no Sri Lanka fornecendo soluccedilotildees completas desde a colheita ateacute a comercializaccedilatildeo

Poliacuteticas governamentais As poliacuteticas governamentais dos paiacuteses da regiatildeo a respeito da pesca artesanal podem ser consideradas a partir de dois acircngulos primeiro o apoio fornecido pelas poliacuteticas ao setor e segundo os objetivos das poliacuteticas

O setor pesqueiro recebe apoio dos governos do Sul da Aacutesia por meio de vaacuterios programas Contudo a proteccedilatildeo legal fornecida agrave pescaria artesanal eacute de especial importacircncia Na Iacutendia atividades pesqueiras ateacute 12 milhas naacuteuticas da costa entram na jurisdiccedilatildeo das proviacutencias As proviacutencias costeiras sob a sua Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA)6 demarcaram 3 a 5 milhas naacuteuticas a partir da costa como reservadas para a pesca artesanal Nessa aacuterea a pesca por meio de embarcaccedilotildees mecanizadas eacute proibida Em Bangladesh arrastotildees satildeo proibidos de pescar em aacuteguas com menos de 40 metros

de profundidade (CHOWDURY 2009) Nas Maldivas fornece-se proteccedilatildeo aos recifes de coral (REEFBASE 2015)

Aleacutem do apoio legal os governos tambeacutem fornecem benefiacutecios monetaacuterios Entretanto tais benefiacutecios natildeo satildeo particularmente destinados a promover ou a sustentar as atividades pesqueiras familiares e sim para melhorar a renda e o bem-estar dos pescadores Na Iacutendia o governo fornece apoio para a melhoria de veiacuteculos para a pesca (inclusive para a compra de motores) de condiccedilotildees habitacionais incentivos para a educaccedilatildeo infantil apoio financeiro durante proibiccedilotildees de pesca e cobertura por seguro (DAHDF 2015)

Em Bangladesh fornece-se apoio nos periacuteodos em que a pesca eacute proibida como durante o mecircs de ldquoAshwinrdquo do calendaacuterio bengali (setembro-outubro) quando a pesca da hilsa (Tenualosa ilisha) o principal peixe de Bangladesh eacute proibida pela Lei de Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes de 19507

Entretanto traccedilar uma rota para o setor artesanal no processo de desenvolvimento da pesca ainda estaacute por ser feito Os governos parecem contentar-se com a transferecircncia de tecnologia e o desenvolvimento de infraestrutura de apoio Ainda natildeo houve espaccedilo suficiente dedicado agrave garantia do maior acesso a essas tecnologias ao equiliacutebrio entre as tecnologias e a sustentabilidade da pesca e agrave gestatildeo dos impactos distributivos gerados pelos avanccedilos tecnoloacutegicos nas abordagens

ldquo A importacircncia

de sustentar a pesca artesanal tem recebido destaque nos diaacutelogos

globais sobre pesca natildeo apenas do ponto de vista

da sustentaccedilatildeo dos meios de vida mas tambeacutem

porque diversos estudos apontam que os impactos

ambientais negativos tendem a ser insignificantes

quando comparados agrave pesca mecanizada

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

26

1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 22: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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1 Organizaccedilatildeo Intergovernamental do Programa do Golfo de Bengala (BOBP)

2 A categoria de ldquopescadores ativosrdquo inclui pessoas que utilizam a maioria do seu tempo eou derivam a maior parte de sua renda da pesca Famiacutelias pesqueiras satildeo aquelas com um ou mais pescadores ativos Entretanto no caso da Iacutendia agrave parte dessa definiccedilatildeo funcional famiacutelias pesqueiras tambeacutem incluem pessoas e famiacutelias que satildeo pescadores por casta (como os pescadores Hindus) ou estiveram engajadas em atividades pesqueiras por vaacuterias geraccedilotildees e satildeo portanto reconhecidas socialmente como pescadores (como os pescadores muccedilulmanos ou cristatildeos) Essa identidade social eacute mais relevante para sua inclusatildeo no censo como famiacutelias pesqueiras do que sua dependecircncia econocircmica na pesca

3 Excluindo as ilhas de Andamatildeo Nicobar e Lakshadweep

4 Crescimento percentual dividido pelo nuacutemero de anos entre o ano-base e o ano atual para o qual dados estatildeo disponiacuteveis Nuacutemero de Pescadores Ativos (Ano Atual menos Ano-Base)Ano-Base x100(Ano atual-Ano-Base)

5 Na Iacutendia por exemplo as embarcaccedilotildees pesqueiras mecanizadas (sobretudo compostos de arrastotildees e barcos com redes de emalhar e cercadores) em operaccedilatildeo a partir de portos de pesca contribuem com cerca de 75 por cento dos desembarques anuais (CMFRI 2015) No Sri Lanka desembarques provenientes da pesca de alto mar aumentaram de 4 por cento de toda a produccedilatildeo marinha de peixes em 1960 para 60 por cento em 2013 (MFARD 2015) Nas Maldivas graccedilas agrave topologia local todas as embarcaccedilotildees com salto e vara e palangreiros operam a partir de portos de pesca especialmente designados Em Bangladesh como os portos de pesca satildeo limitados a maioria dos desembarques ocorre em locais desorganizados

6 No contexto indiano as proviacutencias costeiras administram a pesca nos limites territoriais de 12 milhas naacuteuticas de acordo com a Lei de Regulaccedilatildeo da Pesca Marinha (MFRA) Esta eacute fundamentada em projeto de lei preparado pelo Ministeacuterio da Agricultura do Governo da Iacutendia em 1979 em resposta ao entatildeo conflito crescente entre diferentes grupos de usuaacuterios de maquinaacuterio Com base no referido projeto todas as proviacutencias costeiras adotaram o MFRA e suas regulamentaccedilotildees As proviacutencias costeiras de Goa Karnataka e Kerala foram as primeiras a adotarem o MFRA em 1980 Algumas das medidas de gestatildeo importantes adotadas em conformidade com o MFRA incluem proibiccedilotildees de certos equipamentos de pesca regulamentaccedilotildees sobre o tamanho das redes estabelecimento de aacutereas fechadas e proibiccedilatildeo da pesca em certas estaccedilotildees aleacutem da demarcaccedilatildeo de zonas livres da pesca de arrasto em conjunto com outras medidas como o uso de dispositivos de exclusatildeo de tartarugas e a designaccedilatildeo de zonas de pesca proibida (International Collective in Support of Fishworkers ndash Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca 2015)

7 Sob a Regulamentaccedilatildeo sobre a Proteccedilatildeo e Conservaccedilatildeo de Peixes (1985) o Governo de Bangladesh proiacutebe a captura de todos os tipos de peixe nos criadouros da Hilsa por trecircs dias antes e 11 dias apoacutes a lua cheia incluindo o dia da lua cheia em si durante setembro e outubro todos os anos

das poliacuteticas implementadas por diferentes paiacuteses da regiatildeo O setor da pesca marinha e seus diferentes estratos estatildeo agora em grande parte entregues a si proacuteprios Consequentemente uma parcela crescente de capital estaacute sendo investida para a promoccedilatildeo de unidades de pesca maiores prejudicando desta forma a sustentabilidade dos recursos naturais

Conclusatildeo Dadas as suas contribuiccedilotildees reduzidas agrave receita da pesca nacional o setor artesanal parece estar perdendo sua dimensatildeo estrateacutegica no desenvolvimento geral do setor pesqueiro no Sul da Aacutesia Como as unidades familiares pesqueiras natildeo conseguiram se expandir nem se tornarem empresas familiares o conceito da famiacutelia como unidade produtiva uacutenica estaacute desaparecendo agrave luz de redes de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo mais concentradas Em termos de poliacuteticas as medidas tomadas para apoiar a pesca artesanal parecem insuficientes e de forma geral ineficazes

Portanto a questatildeo que se apresenta agora eacute se a pesca artesanal pode continuar a ser relevante nos contextos regionais e nacionais Dois fatores um econocircmico e outro ambiental justificam um novo olhar sobre a pesca artesanal e a respectiva priorizaccedilatildeo que ela merece Enquanto sua importacircncia tem caiacutedo em termos de contribuiccedilatildeo ao produto interno bruto (PIB) o setor artesanal ainda eacute uma fonte significativa de sustento para os meios de vida dos pescadores

Dado o fato de que o Sul da Aacutesia eacute uma das regiotildees mais populosas do mundo com taxas de pobreza e desemprego significativas o decliacutenio da pesca artesanal poderia resultar na destituiccedilatildeo de inuacutemeras famiacutelias Eacute pouco provaacutevel que o setor mecanizado seria capaz de absorver um setor de matildeo de obra intensiva como a pesca artesanal

Ademais com os recursos da pesca costeira na regiatildeo sendo atualmente sobre-explorados a pesca artesanal poderia ser incentivada a continuar sua produccedilatildeo pesqueira a partir de aacuteguas proacuteximas da costa com impactos ambientais negativos miacutenimos ndash uma iniciativa que tanto apoiaria os meios de vida de pescadores vulneraacuteveis como contribuiria para a regulamentaccedilatildeo e o

controle de estoques de peixe ajudando a prevenir a sobrepesca

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 23: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 23

Pequenos agricultores e agricultura familiar na regiatildeo dos Himalaias da Iacutendia consideraccedilotildees sobre poliacuteticaspor R K Maikhuri1 R C Sundriyal1 G C S Negi1 e P P Dhyani1

A agricultura eacute a principal atividade de sustento para mais de 70 por cento dos habitantes da regiatildeo dos Himalaias Nessa regiatildeo sistemas agriacutecolas tradicionais satildeo ilustrativos do conceito mais geral de agricultura familiar segundo o qual as famiacutelias satildeo ao mesmo tempo as principais gestoras e trabalhadoras nas proacuteprias terras e consequentemente satildeo responsaacuteveis pelas decisotildees relacionadas aos estabelecimentos agraves lavouras e agraves suas respectivas gestotildees (SUNDRIYAL et al 2014) Na regiatildeo do Himalaia Ocidental da Iacutendia os sistemas agriacutecolas mais predominantes podem ser caracterizados de forma geral como pecuaacuteria cultivo misto pecuaacuterio-agriacutecola e agriacutecola-pecuaacuterio refletindo praacuteticas agriacutecolas nocircmades seminocircmades e estabelecidas respectivamente Condiccedilotildees ambientais bioloacutegicas socioculturais e econocircmicas diversas na regiatildeo levaram ao desenvolvimento de vaacuterios sistemas de cultivo compondo diversas lavouras e padrotildees de colheita

Uttarakhand eacute um dos maiores estados indianos da regiatildeo Central do Himalaia com uma populaccedilatildeo de cerca de 101 milhotildees de pessoas de acordo com o censo de 2011 (CENSUS ORGANIZATION OF INDIA 2010) Apenas cerca de 10 por cento da aacuterea geograacutefica total eacute composta por planiacutecies nas quais a agricultura moderna eacute possiacutevel Os sistemas agriacutecolas tradicionais possuem laccedilos estreitos e interdependecircncias com a criaccedilatildeo de animais e ecossistemas florestais (MAIKHURI et al 2015) A maioria das terras satildeo pequenas e fragmentadas com tamanho meacutedio de 068 hectares e parcelas iacutenfimas de terra distribuiacutedas em terreno acidentado Os socalcos ndash que perfazem 85 por cento da aacuterea agriacutecola total de Uttarakhand ndash satildeo na maior parte cultivados com aacutegua de chuva enquanto os vales ndash os 15 por cento restantes ndash satildeo irrigados (SWAMINATHAN 2010)

A agricultura irrigada eacute caracterizada pela alta diversidade de lavouras com mais de 40 variedades de cereais painccedilos pseudocereais legumes sementes oleaginosas tubeacuterculos bulbos e especiarias que satildeo plantadas em estabelecimentos em funccedilatildeo de gradiente altitudinal de diversidade Algumas das culturas tradicionais satildeo arroz trigo milho cevada painccedilo de dedo trigo mourisco cebola batata ervilha aboacutebora pepino mostarda soja lentilhas feijatildeo vermelho feijatildeo-de- -corda feijatildeo-arroz amaranto e quiabo

Essa diversidade eacute mantida em fazendas com a ajuda de vaacuterias combinaccedilotildees e rotaccedilotildees de cultivo Ademais vaacuterias espeacutecies de aacutervores multifuncionais que produzem forragem lenha fibra frutos etc satildeo mantidas nas aacutereas natildeo agricultaacuteveis dos estabelecimentos

O sistema agriacutecola tradicional portanto contribui significativamente para a seguranccedila alimentar e nutricional para os meios de vida a seguranccedila social e o bem-estar das comunidades de agricultores familiares (SUNDRIYAL et al 2014)

Entretanto o papel dos pequenos estabelecimentos em mitigar a fome e a pobreza infelizmente natildeo recebe o reconhecimento que merece Recentemente a agricultura de montanha vem sofrendo transformaccedilotildees pela influecircncia das forccedilas de mercado da variabilidade climaacutetica e de mudanccedilas nos estilos de vida e nos haacutebitos alimentares As instituiccedilotildees locais tradicionais tambeacutem estatildeo se deteriorando o que acaba afetando negativamente a seguranccedila econocircmica e ecoloacutegica de tais agricultores bem como a agrobiodiversidade da regiatildeo

Algumas das mudanccedilas enfrentadas pelos pequenos agricultores incluem os desafios da diminuiccedilatildeo na produtividade das lavouras a expansatildeo da agricultura em terras marginais sobre-exploraccedilatildeo

de florestas e pastagens infestaccedilotildees de ervas daninhas perda de diversidade nas lavouras erosatildeo do solo desequiliacutebrios hidroloacutegicos e desintegraccedilatildeo social (MAIKHURI et al 2015) Essas mudanccedilas tecircm trazido agrave tona interrogaccedilotildees sobre a sustentabilidade dos pequenos produtores que vivem nas montanhas limitando as opccedilotildees disponiacuteveis agraves comunidades e levando os agricultores ndash sobretudo os homens das famiacutelias ndash a migrar para centros urbanos em busca de empregos natildeo-agriacutecolas Para romper esse ciacuterculo vicioso satildeo necessaacuterias instituiccedilotildees robustas poliacuteticas justas e incentivos adequados que melhorem a qualidade dos meios de vida assim como tecnologias e inovaccedilotildees adequadas fundamentadas em pesquisas no sentido de recuperar os sistemas agriacutecolas tradicionais

Principais desafios nas poliacuteticas e lacunas no sistema agriacutecola dos Himalaias Apesar do grande nuacutemero de planos e poliacuteticas o desempenho do setor agriacutecola de montanha continua diminuindo A ecircnfase desproporcional em planiacutecies com terras cultivaacuteveis mais ldquoviaacuteveisrdquo assim como a falta de pesquisa de desenvolvimento tecnoloacutegico e de planejamento nas poliacuteticas acerca da agricultura de montanha tecircm marginalizado ainda mais os pequenos agricultores Por exemplo a promoccedilatildeo de variedades de lavouras de alto rendimento requer irrigaccedilatildeo e fertilizantes os quais satildeo de aplicaccedilatildeo extremamente limitada na agricultura de montanha Aleacutem disso viacutenculos tecnoloacutegicos e com mercados permanecem extremamente fraacutegeis e insuficientes para a modernizaccedilatildeo da agricultura O foco tem sido em um nuacutemero limitado de lavouras que dependem de um niacutevel elevado de insumos externos

As principais poliacuteticas apoiam a agricultura de grande escala natildeo satildeo ecologicamente adequadas nem economicamente viaacuteveis

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 24: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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ldquo Eacute preciso adotar

uma abordagem holiacutestica para melhorar

os meios de vida dos pequenos produtores

Foto RC Sundriyal Paisagem mostrando assentamentos e pequenas propriedades na regiatildeo do Himalaia 2007

para os sistemas agriacutecolas de subsistecircncia praticados nas montanhas Isso tem resultado em um crescimento lento na produccedilatildeo de gratildeos alimentares e levado | a uma fragilizaccedilatildeo da seguranccedila alimentar e da base econocircmica dos agricultores de montanha Em decorrecircncia dessas poliacuteticas a agricultura tradicional com suas lavouras e padrotildees de cultivo diversificados estaacute sob grande ameaccedila nessa regiatildeo (WYMANN VON DACH et al 2013)

Portanto para recolocar a agricultura de montanha em um caminho sustentaacutevel no futuro poliacuteticas agriacutecolas e instituiccedilotildees de planejamento devem ser mais adaptadas agraves necessidades especiacuteficas ambientais dos Himalaias e de seus recursos naturais Eacute preciso adotar uma abordagem holiacutestica para melhorar os meios de vida dos pequenos produtores Tal abordagem deve abranger o desenvolvimento simultacircneo dos setores agriacutecola e hortiacutecola aleacutem das florestas dos pastos e do manejo de pastagem assim como o cultivo e a preservaccedilatildeo de plantas medicinais uma vez que todos esses setores compotildeem uma parte integral dos meios de vida dos produtores da regiatildeo dos Himalaias

Elencamos a seguir alguns dos principais desafios no que diz respeito aos sistemas agriacutecolas dos pequenos produtores

Vieses na pesquisa apesar da importacircncia da agrobiodiversidade de montanha na regiatildeo rica em biodiversidade dos Himalaias as lavouras alimentares das

montanhas tecircm sido historicamente negligenciadas tanto nas poliacuteticas agriacutecolas quanto em relaccedilatildeo agrave pesquisa e ao desenvolvimento Pelo contraacuterio as pesquisas e poliacuteticas referentes ao desenvolvimento agriacutecola tecircm se concentrado em apenas um punhado de lavouras tais como trigo arroz milho e cana-de-accediluacutecar O potencial de adaptabilidade agrave variabilidade e agraves mudanccedilas climaacuteticas das variedades tradicionais natildeo pode ser ignorado e requer mais pesquisa no sentido de beneficiar os pequenos produtores dos Himalaias que as tecircm utilizado tradicionalmente Ademais tais lavouras tambeacutem satildeo bem adaptadas ao meio ambiente montanhoso e podem gerar rendimentos otimizados com poucos insumos

Poliacuteticas de uso da terra grandes propriedades especialmente aquelas dedicadas ao cultivo de sementes hiacutebridas e de frutas tecircm sido promovidas por incentivos e subsiacutedios No entanto ignora-se a promoccedilatildeo de lavouras tradicionais em terras marginais resultando em reduccedilatildeo na diversidade de lavouras e nos niacuteveis de seguranccedila alimentar

Desafios referentes aos riscos agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente mantida por agricultores familiares precisam ser enfrentados por poliacuteticas ligadas ao uso da terra que priorizem as aacutereas montanhosas predominantes em vez das planiacutecies minoritaacuterias

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

26

1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 25: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 25

ldquo Preocupaccedilotildees

referentes agrave enorme agrobiodiversidade da regiatildeo historicamente

mantida por agricultores familiares precisam ser

abordadas por poliacuteticas ligadas ao uso da terra

que priorizem as ubiacutequas aacutereas montanhosas

em relaccedilatildeo agraves escarccedilas planiacutecies

Subsiacutedios agrave importaccedilatildeo de alimentos e as poliacuteticas de creacutedito o governo desenvolveu um mecanismo para importar alimentos e subsidiaacute-lo a preccedilos baixos por meio de um sistema puacuteblico de distribuiccedilatildeo Isto resultou natildeo apenas em mudanccedilas nos haacutebitos alimentares das populaccedilotildees de montanha mas tambeacutem as levou essas a abandonar modos de agricultura e variedades tradicionais de maior diversidade e valor nutricional

Poliacuteticas de conservaccedilatildeo florestal e da vida selvagem Recentemente vaacuterias partes da regiatildeo dos Himalaias vecircm enfrentando uma recrudescecircncia de animais selvagens (tais como macacos javalis selvagens elefantes porcos-espinhos etc) que podem gravemente prejudicar as lavouras

A Lei de Proteccedilatildeo da Vida Selvagem (1972) a Lei de Conservaccedilatildeo Florestal (1986) e as crenccedilas locais impedem que os fazendeiros da regiatildeo matem os animais que diretamente prejudicam seus cultivos Apesar de existirem poliacuteticas de compensaccedilatildeo para danos provocados aos rebanhos e agrave vida humana por leopardos e elefantes haacute compensaccedilatildeo miacutenima para danos provocados a lavouras por macacos javalis selvagens nilgoacutes e outros animais (WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE 2010)

Aleacutem disso o procedimento para se obter compensaccedilatildeo eacute muito difiacutecil o que leva os agricultores a reduzirem a intensidade de cultivo ou mesmo a abandonarem as terras cultivadas Portanto seguros para perda de colheita e pacotes de compensaccedilatildeo adequados no caso de lavouras prejudicadas por animais selvagens devem ser garantidos pelas poliacuteticas agriacutecolas na regiatildeo Os seguros devem tambeacutem abranger danos causados por condiccedilotildees climaacuteticas adversas como chuvas de granizo assim como por pragas dentre outros

Subsiacutedios a insumos agriacutecolas o custo de insumos como fertilizantes quiacutemicos aacutegua pesticidas e sementes foi reduzido em grande parte para promover lavouras exoacuteticas e de alto desempenho ndash especialmente em terras irrigadas ndash agraves custas da agricultura tradicional de montanha que conta com uma enorme variedade de lavouras locais que tambeacutem poderiam ter se beneficiado com tais subsiacutedios

Intervenccedilotildees poliacuteticas prioritaacuterias para a agricultura de montanha sustentaacutevel Promover o cultivo orgacircnico e a agregaccedilatildeo de valor nas lavouras tradicionais Eacute amplamente reconhecido que a agricultura de montanha tende a ser por necessidade orgacircnica (Maikhuri et al 1996 Wymann von Dach et al 2013) Eacute adequada para mitigar mudanccedilas climaacuteticas pois produz miacutenimas emissotildees de gaacutes de efeito estufa e possui uma capacidade consideraacutevel para sequestrar carbono Tais caracteriacutesticas podem resultar em aumentos na renda para agricultores familiares dado que a demanda do mercado para alimentos orgacircnicos vem crescendo consideravelmente ndash tanto nacional quanto internacionalmente

Governos locais tambeacutem estatildeo promovendo os alimentos orgacircnicos por meio de mecanismos de apoio aos preccedilos tanto pela atribuiccedilatildeo de preccedilos maiores a produtos orgacircnicos vendidos no mercado quanto pela permissatildeo aos produtores de vender produtos orgacircnicos (a preccedilos maiores que os demais) para autoridades do governo que compram alimentos a serem destinados ao sistema de distribuiccedilatildeo puacuteblico Para dar maior impulso agrave agricultura orgacircnica assim como agrave seguranccedila alimentar local haacute necessidade de se expandir a cesta baacutesica para incluir alimentos orgacircnicos cultivados localmente e ricos do ponto de vista nutricional (MAIKHURI et al 2001)

Implementaccedilatildeo adequada de sistemas de apoio e extensatildeo Recentemente vaacuterios serviccedilos de apoio agrave agricultura foram implantados na regiatildeo (eg Horticulture Mission Livelihood Programme Agriculture Technology Management Agency ndash ATMA e Uttarakhand Decentralized Watershed Development Project ndash GRAMYA) Entretanto poucos conseguiram alcanccedilar seus puacuteblicos-alvo Serviccedilos de extensatildeo e apoio permanecem fracos e inadequados para os sistemas agriacutecolas tradicionais Um forte compromisso eacute necessaacuterio para enfrentar as complexas questotildees sociais econocircmicas ambientais e poliacuteticas que afetam os pequenos produtores e seus sistemas agriacutecolas na regiatildeo O Box 1 delineia as accedilotildees que consideramos prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na Regiatildeo Central dos Himalaias na Iacutendia

26

1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

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SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

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CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

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DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 26: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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1 G B Pant Institute of Himalayan Environment amp Development (Instituto G B Pant para o Meio Ambiente e Desenvolvimento nos Himalaias)

bull Desenvolver abordagens decentralizadas para a mobilizaccedilatildeo e fortalecimento de mecanismos institucionais de decisatildeo formais e informais

bull Redenir prioridades de pesquisa e desenvolvimento (PampD) com um foco regional

bull Desenvolver viacutenculos entre instituiccedilotildees de PampD universidadesONGs agriacutecolas e o setor privado

bull Melhorar a integraccedilatildeo de viacutenculos intersetoriais e interdependecircncias entre diferentes poliacuteticas

bull Replicar casos exitosos e identicar liccedilotildees a partir dos fracassos

bull Transferir tecnologias agriacutecolas adequadas e especiacutecas agrave regiatildeo de montanha

bull Enfrentar questotildees de desenvolvimento de recursos humanos nas poliacuteticas

bull Implementar adequadamente sistemas com serviccedilos de extensatildeo e apoio

bull Garantir a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional e o conhecimento tradicional relacionado

bull Melhorar a efetividade os arranjos e capacidades das instituiccedilotildees agriacutecolas existentes

bull Promover o cultivo orgacircnico priorizando lavouras tradicionais de montanha e a agregaccedilatildeo de valor

Accedilotildees prioritaacuterias no planejamento de poliacuteticas para o desenvolvimento sustentaacutevel da agricultura de montanha na regiatildeo dos Himalaias na Iacutendia

BOX 1Consideraccedilotildees finais O aumento da sustentabilidade social dos sistemas agriacutecolas pode ser alcanccedilado com a geraccedilatildeo de oportunidades de emprego por meio de iniciativas tais como programas de desenvolvimento de capacidades e habilidades em agrotecnologias simples especiacuteficas agraves aacutereas montanhosas fornecimento de acesso a recursos e oportunidades agraves mulheres e atrair os jovens agrave agricultura por meio da criaccedilatildeo de empregos economicamente remuneradores Haacute amplo leque de potenciais iniciativas a serem tomadas para empoderar as mulheres rurais nas decisotildees relacionadas ao cultivo da produccedilatildeo agrave distribuiccedilatildeo melhorando seu controle sobre os recursos por meio de poliacuteticas e instituiccedilotildees que promovam igualdade social e de gecircnero com sustentabilidade ambiental e econocircmica (PALNI et al 1998)

Se os planos e poliacuteticas domeacutesticos natildeo forem ajustados agrave luz das mudanccedilas no ambiente socioeconocircmico a regiatildeo dos Himalaias certamente iraacute sofrer os efeitos da perda de biodiversidade e reduccedilatildeo da seguranccedila alimentar e nutricional resultantes da falta de condiccedilotildees para competir com mercados globais Portanto esforccedilos no sentido de preservar os sistemas agriacutecolas tradicionais e de cultivos variados dos Himalaias precisaratildeo da criaccedilatildeo de novos incentivos do desenvolvimento de poliacuteticas adequadas e da negociaccedilatildeo de arranjos institucionais especialmente aqueles que promovam um maior envolvimento de povos locais no planejamento de poliacuteticas Esse fato pode possibilitar que os sistemas agriacutecolas de montanha alcancem sustentabilidade econocircmica social e ambiental

O empoderamento econocircmico e social das mulheres e as dimensotildees de gecircnero relativas agrave conservaccedilatildeo e ao manejo da biodiversidade devem tambeacutem ser abordados visto que as mulheres satildeo as principais conservacionistas e guardiatildes da agrobiodiversidade e dos sistemas agriacutecolas dos Himalaias (MAIKHURI et al 2015) De fato como descrito antes uma parcela significativa da populaccedilatildeo masculina vem migrando em busca de emprego deixando mulheres crianccedilas e idosos nos seus vilarejos de origem e consequentemente transferindo para as mulheres as responsabilidades de gestatildeo dos recursos

naturais A valorizaccedilatildeo do conhecimento e sabedoria tradicionais dos agricultores familiares pode da mesma forma ser de suma importacircncia para a adaptaccedilatildeo especialmente em tempos de mudanccedilas climaacuteticas (SWAMINATHAN 1992)

Haacute portanto uma necessidade de implementar poliacuteticas adequadas e iniciativas institucionais soacutelidas desenvolver pesquisas e estudos especiacuteficos sobre a agricultura familiar de montanha e incorporar alguns de seus resultados para a populaccedilatildeo do estado indiano de Uttarakhand e mais amplamente agrave regiatildeo dos Himalaias como um todo com o objetivo maior de alcanccedilar a seguranccedila alimentar e econocircmica em conjunto com a conservaccedilatildeo da agrobiodiversidade tradicional

ORGANIZACcedilAtildeO CENSO DA IacuteNDIA Uttarakhand population census data 2011 2012 Acesso em 18 nov 2015

MAIKHURI R K RAO K S SAXENA K G Traditional crop diversity for sustainable development of Central Himalayan agroecosystems International Journal of Sustainable Development amp World Ecology 3 8-31 1996

MAIKHURI R K RAO K S SEMWAL R L Changing scenario of Himalayan agroecosystems loss of agrobiodiversity an indicator of environmental change in Central Himalaya India The Environmentalist 20 23-39 2001

MAIKHURI R K NEGI V S RAWAT L S SAHNI A K SUNDRIYAL R C DHYANIP P Traditional agriculture systems Current Science 108(9) 1581-1583 2015

PALNI L M S MAIKHURI R K RAO K S Conservation of the Himalayan agroecosytstems Issues and priorities Technical Paper V In Eco-regional Co-operation for Biodiversity Conservation in the Himalaya 253-290 New York United Nations Development Programme 1998

SUNDRIYAL R C NEGI G C S MAIKHURI R K RAWAT D S RAWAL R S DHYANI P P Family and smallholder farming in Himalayan communities In Deep Roots 105-108 253 Rome Food and Agriculture Organization of the United Nations and Tudor Rose 2014

SWAMINATHAN M S Cultivating food for a developing world Environmental Science and Technology 26(110) 4-7

WATERSHED MANAGEMENT DIRECTORATE Uttarakahnd state Perspective and strategic plan 2009-2027 Dehradun India Watershed Management Directorate 2010

WYMANN VON DACH S ROMEO R VITA A WURZINGER M KOHLER T (Eds) Mountain farming is family farming A contribution from mountain areas to the International Year of Family Farming 2014 Rome FAO CDE BOKU 100 2013

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

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LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

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Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 27: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 27

Como poderiam cadeias curtas de abastecimento alimentar alavancar o desenvolvimento de uma economia local com base na agricultura familiar camponesa por Abdourahmane Ndiaye1

As agriculturas familiares camponesas satildeo sistemas de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo agriacutecola desenvolvidos a partir de um conjunto de estabelecimentos familiares camponeses individuais sendo cada um destes uma unidade de produccedilatildeo agriacutecola familiar visando suprir as necessidades de seus membros Estes natildeo satildeo portanto necessariamente gerenciados de acordo apenas com consideraccedilotildees de mercado De fato por natildeo considerarem o lucro como um fim podem ser caracterizados como pertencentes ao acircmbito da economia social e solidaacuteria tal como organizaccedilotildees sem fins lucrativos Mais que o simples retorno do investimento esse tipo de organizaccedilatildeo busca a reproduccedilatildeo da unidade familiar

Tal como estudado por autores como Marcel Mauss ou Karl Polanyi as relaccedilotildees de mercado satildeo reincorporadas nas relaccedilotildees sociais (POLANYI 1944) O mercado portanto natildeo desempenha o papel principal de socializaccedilatildeo que a teoria econocircmica liberal lhe atribui Os empreendimentos familiares camponeses satildeo analisados aqui enquanto organizaccedilotildees sistecircmicas que derivam sua legitimidade da unidade familiar e moldam suas atividades em um ambiente axioloacutegico institucional sociopoliacutetico e econocircmico que eacute ao mesmo tempo um recurso uma oportunidade e uma ameaccedila

Poderia a agricultura familiar camponesa tornar-se a alavanca para um modelo de desenvolvimento alternativo centralizado nos camponeses e impulsionado pelo objetivo de responder a necessidades locais mediante empregos ldquonatildeo deslocalizaacuteveisrdquo Responder a esse desafio eacute urgente considerando que a agricultura familiar camponesa eacute ldquorefeacutemrdquo de uma cadeia de valor capitalista e globalizada e se encontra presa entre a jusante os produtores de sementes do agronegoacutecio (Monsanto Dupont Syngenta Bayer

Sakata etc) e os industriais e a montante os oligopoacutelios da distribuiccedilatildeo em larga escala Com o desaparecimento do autoconsumo os agricultores tornaram-se empresaacuterios que dedicam a maior parte ou toda a sua produccedilatildeo ao mercado Nesse contexto identifica-se a globalizaccedilatildeo como um dos principais fatores que colocam os sistemas das agriculturas familiares camponesas em risco e em perigo (AMIN 2012) Como portanto poderia se reverter este processo e ldquodesglobalizarrdquo

Uma soluccedilatildeo possiacutevel poderia ser o apoio agraves chamadas lsquoCadeias Curtas de Abastecimento Alimentarrsquo (CCAA) servindo como alavanca para a ldquorelocalizaccedilatildeordquo de atividades econocircmicas e um estiacutemulo para um novo modelo de desenvolvimento As CCAA podem ser consideradas com efeito um ldquocaminho para a libertaccedilatildeordquo ou ldquopara a independecircnciardquo Com suas formas atuais rastreaacuteveis aos teikei2 japoneses que surgiram no iniacutecio dos anos de 1960 as CCAA podem ser definidas como um sistema de comercializaccedilatildeo de produtos agriacutecolas que opera por meio de vendas diretas dos produtores aos consumidores ou por vendas indiretas (com poucos intermediaacuterios) Uma definiccedilatildeo mais estrita as entende como iniciativas que mobilizam natildeo mais que um intermediaacuterio entre produtor e consumidor (CHAFFOTTE CHIFFOLEAU 2007) para reforccedilar o conceito de ldquovendas diretasrdquo e portanto melhorar as margens do produtor na venda de produtos As CCAA satildeo tambeacutem definidas pela reduccedilatildeo da distacircncia geograacutefica entre produtores e consumidores ou ainda mais estritamente pela necessidade de interaccedilotildees presenciais entre os dois concebidas como passo essencial para um maior enraizamento do sistema alimentar local (HINRICHS 2000)

As CCAA satildeo de qualquer forma fundamentadas na proximidade

organizada que eacute fortemente correlacionada ao nuacutemero de intermediaacuterios entre o produtor e o consumidor final Reduccedilotildees no nuacutemero de intermediaacuterios de qualquer jeito que possam ocorrer almejam fornecer uma renda justa aos produtores bem como dar maior transparecircncia ao processo de distribuiccedilatildeo e rastreabilidade dos produtos destinados ao consumo

Proximidade transparecircncia rastreabilidade e equidade satildeo elementos necessaacuterios para que as CCAA contribuam com a manutenccedilatildeo de uma ldquoeconomia do conhecimentordquo local agregando valor econocircmico e gerando processos de treinamento e aprendizado Padrotildees de consumo mais localizados podem contribuir tambeacutem para a reduccedilatildeo de emissotildees de gases de efeito estufa tendo em vista que os alimentos percorrem distacircncias menores entre produtores e consumidores que em cadeias de abastecimento tradicionais Ademais tambeacutem facilitam a rastreabilidade dos alimentos as interaccedilotildees presenciais entre produtores e consumidores e a construccedilatildeo de laccedilos de solidariedade entre aacutereas de produccedilatildeo (rurais ou periurbanas) e zonas de consumo (urbanas)

Aleacutem disso agrave luz dos escacircndalos frequentes de contaminaccedilatildeo alimentar que atormentam as cadeias agroindustriais de grande escala (como a encefalopatia espongiforme bovina ndash mais comumente conhecida como ldquosiacutendrome da vaca loucardquo ndash ou gratildeos de soja contaminados) a promoccedilatildeo das CCAA pode levar a melhoras na sanidade agropecuaacuteria e potencialmente agrave valorizaccedilatildeo renovada dos alimentos locais e sazonais

As CCAA vecircm adquirindo cada vez mais diversas formas e nomenclaturas ndash agricultura de proximidade agricultura camponesa

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

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_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

ipcipc-undporg wwwipc-undporg

Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Page 28: Políticas públicas para o fortalecimento da ... - IPC IG · da agricultura familiar no Sul Global Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento

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ldquo A agricultura familiar

camponesa e se encontra presa entre a jusante

produtores de sementes e a induacutestria e a montante

oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de grande escala

Foto FAO Mercado proveniente de agricultura familiar Gana 2012

agricultura local agricultura orgacircnica mercados de produtores mercados camponeses agricultura apoiada pela comunidade (AAC) feiras de troca mercados de produccedilatildeo local ligados a movimentos locavore etc ndash ante agraves expressotildees igualmente diversas de uma demanda crescente por alimentos produzidos localmente Essas muacuteltiplas variaccedilotildees a partir de um soacute conceito ilustram uma dispersatildeo consideraacutevel no movimento de consumo sustentaacutevel mas as igualmente muacuteltiplas formas de engajamento e accedilatildeo tambeacutem revelam o seu dinamismo

Apesar de o papel das CCAA em encurtar o vatildeo entre produtores e consumidores ter atraiacutedo atenccedilatildeo consideraacutevel da miacutedia em paiacuteses como a Franccedila (MAREacuteCHAL 2008 CHIFFOLEAU 2012) elas permanecem praticamente desconhecidas na Aacutefrica onde poderiam natildeo obstante desempenhar um papel decisivo na reduccedilatildeo da pegada de carbono da cadeia de consumo alimentar assim como dos altos niacuteveis de dependecircncia agrave importaccedilatildeo de alimentos da maioria dos paiacuteses africanos

As CCAA natildeo satildeo apenas redes de comeacutercio alternativas diferentes do mercado convencional mas tambeacutem representam um novo modo de organizaccedilatildeo de territoacuterios e setores (AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) Nesse sentido satildeo identificadas como um subconjunto de um campo maior a que frequentemente se refere como ldquosistemas alimentares alternativosrdquo ou ldquoredes agroalimentares alternativasrdquo ndash ldquoAlternative

Agri-Food Networksrdquo (AAFN) (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008) especialmente no mundo angloacutefono Enquanto outros termos aproximadamente equivalentes tais como ldquoS3Ardquo tambeacutem foram usados no passado (DEVERRE LAMINE 2010) na Franccedila e em outros lugares o termo circuits courts (literalmente significando ldquocurto circuitosrdquo) eacute amplamente predominante3 (MAREacuteCHAL 2008)

As inovaccedilotildees introduzidas por esses sistemas ou essas redes alternativas podem ser observadas em termos de convivialidade das relaccedilotildees sociais e a autenticidade do contato presencial Seu objetivo eacute uma ruptura completa com os ambientes frios anocircnimos e impessoais das grandes cadeias de abastecimento representados por oligopoacutelios de distribuiccedilatildeo de larga escala e em especial seu principal ponto de venda ndash o supermercado (HINRICHS 2003) Essa anaacutelise encaixa-se com a ideia de reciprocidade desenvolvida por Polanyi (1944) que considera as trocas comerciais uma extensatildeo das relaccedilotildees sociais na qual os mercados formam parte das instituiccedilotildees sociais As CCAA podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de desenvolvimento em forte contraste com paradigmas intensivos altamente especializados e intermediados E ainda como parte de esforccedilos estruturais no sentido de uma ldquorelocalizaccedilatildeordquo de mercados uma reorientaccedilatildeo da geraccedilatildeo de valor no proacuteprio estabelecimento e a escolha de modelos produtivos eficientes ecoloacutegicos e autocircnomos (VAN DER PLOEG et al 2000)

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

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HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

ipcipc-undporg wwwipc-undporg

Policy in Focus - Dezembro 2015

ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

Caio Galvatildeo de Franccedila e Adoniram Peraci Sanches

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Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 29

Foto Mercy CorpsUSAID Beneficiaacuterio em horta comunitaacuteria Nigeacuteria 2014 lthttpsgoogluk4xosgt

ldquo As CCAA

podem ser identificadas portanto como um pilar de um novo modelo de

desenvolvimento em forte contraste com paradigmas

intensivos altamente especializados

e intermediados

Na medida em que forem capazes de contribuir com esses esforccedilos as CCAA podem de fato representar uma via importante para o desenvolvimento (MUNDLER JAUNEAU GUERMONPREZ PLUVINAGE 2009)

As cadeias curtas tambeacutem representam a reativaccedilatildeo de modos antigos de distribuiccedilatildeo que foram fortemente minados pela modernizaccedilatildeo das economias e pelo advento da distribuiccedilatildeo em massa4 Utilizam uma seacuterie de instrumentos inovadores como sistemas de entrega a consumidores urbanos que queiram apoiar a agricultura local Portanto aleacutem da reduccedilatildeo ou da ausecircncia de intermediaacuterios eacute tambeacutem a natureza coletiva ou individual das diferentes iniciativas para o avanccedilo das CCAA que permite o estabelecimento de uma tipologia de suas diversas formas (CHAFFOTTE 2006)

Logo as CCAA possibilitam aos produtores que se libertem de relaccedilotildees de mercado assimeacutetricas com intermediaacuterios (atacadistas induacutestrias de processamento etc) tendo um controle maior sobre os proacuteprios preccedilos aleacutem de que ldquorelocalizemrdquo a agricultura visto que a proximidade geograacutefica entre produccedilatildeo e consumo eacute uma de suas caracteriacutesticas fundamentais No entanto as CCAA parecem se apresentar mais como hibridizaccedilotildees com sistemas predominantes de mercado e distribuiccedilatildeo ao inveacutes de alternativas completamente autocircnomas (ILBERY MAYE 2006 AMEMIYA BEacuteNEacuteZECH RENAULT 2008) De fato os preccedilos

das CCAA natildeo apenas refletem os custos de produccedilatildeo como tambeacutem satildeo determinados pelos produtores levando-se em consideraccedilatildeo os preccedilos de outros canais de mercado e distribuiccedilatildeo

Essa estrateacutegia almeja abordar um desafio duplo primeiro a necessidade de manter os clientes desses mercados locais neutralizando competidores potenciais por meio de preccedilos que sejam suficientemente competitivos e segundo a necessidade para as CCAA serem coerentes fornecendo preccedilos suficientemente uniformes em canais distintos de mercado e distribuiccedilatildeo (DUBUISSON-QUELLIER LE VELLY 2008)5

A antiacutetese da ldquomatildeo invisiacutevelrdquo de Adam Smith tal sistema de regulamentaccedilatildeo de mercado eacute portanto organizado em um dado territoacuterio por um grupo de atores com o objetivo de negociar novos acordos sociais que valorizem o recurso territorial sendo este uacuteltimo a chave para este tipo de rearranjo distributivo

Eacute esse fato que justifica uma concepccedilatildeo de territoacuterio que vai aleacutem de consideraccedilotildees econocircmicas tradicionais ligadas agrave proximidade geograacutefica (tais como economias de escala custos de transaccedilatildeo ou economias de aglomeraccedilatildeo) introduzindo uma dimensatildeo relacional (COURLET 2008 REMY VOYEacute 1992) O territoacuterio pode assim ser concebido como um sistema de atores interligados por relaccedilotildees sociais que evoluem em um dado espaccedilo-tempo que por sua vez

30

Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 31

Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

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SBS Quadra 1 Bloco J Ed BNDES 13ordm andar 70076-900 Brasiacutelia DF ndash Brasil Telefone +55 61 2105 5000

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ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

Abdourahmane Ndiaye

ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

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Foto FAO Agricultor participante do Programa para o Desenvolvimento da Horticultura Urbana e Peri-Urbana Repuacuteblica Democraacutetica do Congo 2008

ldquo A criaccedilatildeo e o

desenvolvimento futuro de CCAA satildeo de

importacircncia significativa para o fomento de

economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

eacute constantemente transformado pelas mudanccedilas ocorridas dentro e fora deste e pelo (re)posicionamento destes atores

O territoacuterio eacute portanto uma estrutura ativa na qual a participaccedilatildeo individual e a capacidade de agir de cada ator se encontram e por meio de suas interaccedilotildees nesse espaccedilo moldam o conjunto de instituiccedilotildees ndash com o termo ldquoinstituiccedilotildeesrdquo concebido no seu sentido mais amplo isto eacute ldquoum conjunto de coacutedigos regras formais e restriccedilotildees informaisrdquo tal como definido por North (1990)

No acircmbito destas dinacircmicas territoriais e relacionais que moldam e regulam as CCAA podem ser identificadas ao menos quatro categorias de atores envolvidos com o desenvolvimento dessas cadeias nos seus respectivos territoacuterios (LANCIANO E SALEILLES 2010) i) consumidores individuais ou coletivos ii) produtores individuais ou coletivamente associados iii) intermediaacuterios logiacutesticos (armazenadores processadores transportadores etc) e comerciais (responsaacuteveis por pontos e sistemas de venda etc) e iv) atores institucionais tais como governos centrais e locais organizaccedilotildees de agricultores e produtores organismos de consulta agrave sociedade civil etc

Uma quinta categoria pode ser adicionada agrave lista os atores da economia social e solidaacuteria que criam espaccedilos para a accedilatildeo coletiva em prol de ldquoecocidadatildeosrdquo cooperativos e solidaacuterios

Em conclusatildeo a criaccedilatildeo e o desenvolvimento futuro de CCAA eacute de importacircncia significativa para o fomento de economias locais mais autocircnomas e autossuficientes fundamentadas na agricultura familiar camponesa em paiacuteses do mundo em desenvolvimento particularmente no continente africano Entretanto um determinante crucial de sua capacidade transformativa depende do grau de organizaccedilatildeo social coletiva entre as vaacuterias categorias de atores envolvidos em niacutevel territorial

AMEMIYA H BEacuteNEacuteZECH D RENAULT M Les circuits courts un monde de commercialisation interpersonnel In MARECHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008 p 113-123

AMIN S Preacuteface Agriculture paysanne agriculture familiale moderne Agricultures capitalistes ou agricultures dans le capitalisme les reacuteformes fonciegraveres neacutecessaires en Asie et en Afrique In FOUNOU-TCHUIGOUA B NDIAYE A (Ed) Reacuteponses radicales agrave la crise agraire et rurale en Afrique Agriculture paysanne deacutemocratisation des socieacuteteacutes rurales et souveraineteacute alimentaire Dakar CODESRIA 2012 p xiiindashxxxiii

CHAFFOTTE L Typologie des circuits courts et circuits de vente directe Typologie issue des fiches de commercialisation CROC et cahiers de lrsquoObservatoire Training tool Montpellier INRA 2006

CHAFFOTTE L CHIFFOLEAU Y Vente directe et circuits courts eacutevaluations deacutefinitions et typologie Cahier de lrsquoObservatoire n 1 Montpellier INRA 2007

CHIFFOLEAU Y Circuits courts alimentaires dynamiques relationnelles et lutte contre lrsquoexclusion en agriculture Eacuteconomie rurale 62012 n 332 2012 p 88-101

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Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

NORTH D Institutions Institutional Change and Economic Performance Cambridge Cambridge University Press 1990

POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

Centro Internacional de Poliacuteticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento

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ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

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ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

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Foto Amir Jina Comunidade envolvida com a conservaccedilatildeo ambiental em Kimende Nairoacutebi 2009 lthttpsgooglcefU8gt

1 Universidade de Bordeaux Montaigne2 Um sistema japonecircs de produccedilatildeo agriacutecola liderado e apoiado pela comunidade por meio do qual os consumidores compram alimentos diretamente dos produtores3 Tambeacutem satildeo referidos como ldquoiniciativas alimentares alternativasrdquo ou ldquosistemas alimentares locaisrdquo A principal diferenccedila entre a literatura francoacutefona e angloacutefona diz respeito ao foco da uacuteltima dedicado a roacutetulos ligando a produccedilatildeo a um territoacuterio (IGP AOC ldquoslow foodrdquo) enquanto da perspectiva francesa roacutetulos e selos de qualidade foram desenvolvidos para valorizar produtos para consumidores que podem ser locais mas na maioria dos casos satildeo distantes (DEVERRE LAMINE 2010)4 Algumas das primeiras cadeias curtas alimentares podem ser rastreadas agraves experiecircncias utoacutepicas do seacuteculo 19 como a Sociedade Equitativa dos Pioneiros de Rochdale ou os Falansteacuterios franceses (Fourieristas) e Familisteacuterios (Fourieristas e Godinistas) entre outros tipos de comunidades O objetivo das CCAA nesse contexto era prevenir as atividades de especulaccedilatildeo e exploraccedilatildeo por parte de empresaacuterios capitalistas ganhando maior controle sobre os preccedilos de bens de consumo e evitando os intermediaacuterios 5 Nesse aspecto CCAA podem ser consideradas formas disfarccediladas de protecionismo Podem de fato se tornar barreiras natildeo tarifaacuterias invisiacuteveis Essas podem contribuir para tanto a proximidade geograacutefica (reduccedilotildees da distacircncia fiacutesica ou uma infraestrutura logiacutestica mais eficiente ligando pontos de produccedilatildeo e distribuiccedilatildeo etc) como a proximidade organizada (relaccedilotildees sociais e redes que possam ajudar a fortalecer laccedilos sociais culturais e outros entre produtores e consumidores)

ldquo Enfim a criaccedilatildeo

e o desenvolvimento futuro de CCAA

satildeo de importacircncia significativa para o

fomento de economias locais mais autocircnomas

e autossuficientes fundamentadas na

agricultura familiar camponesa em

paiacuteses do mundo em desenvolvimento

particularmente no continente africano

COURLET C Lrsquoeacuteconomie territorial Grenoble Presses Universitaires de Grenoble 2008

DEVERRE C LAMINE C Les systegravemes agroalimentaires alternatifs Une revue de travaux anglophones en sciences sociales Economie rurale n 317 2010 p 57-73

DUBUISSON-QUELLIER S LE VELLY R Les circuits courts entre alternative et hybridation In Les circuits courts alimentaires MARECHAL G (Ed) Bien manger dans les territoires Dijon Educagri 2008 p 105-112

HINRICHS C Embeddedness and local food systems notes on two types of direct agricultural market Journal of Rural Studies v 16 n 1 p 295-303 2000

_______ 2003 The practice and politics of food system localization Journal of Rural Studies v 19 n 1 33-35

ILBERY B MAYE D Retailing local food in the Scottish-English border a supply chain perspective Geoforum v 37 n 3 p 352-367 2006

LANCIANO E SALEILLES S Le deacuteveloppement des circuits courts alimentaires Un nouveau souffle entrepreneurial dans lrsquoagriculture Congregraves international francophone sur lrsquoentrepreneuriat et la PME Bordeaux 2010

MAREacuteCHAL G (Ed) Les circuits courts alimentaires Dijon Educagri 2008

MUNDLER P JAUNEAU J-C GUERMONPREZ B PLUVINAGE J The sustainability of small dairy farms in six regions of France The roles of resources and local institutions EAAE-IAAE seminar Small farms Decline or persistence University of Kent Canterbury UK 2009

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POLANYI K La Grande transformation Aux origines politiques et eacuteconomiques de notre temps Traduzido por Maurice Angeno e Catherine Malamoud Paris Eacuteditions Gallimard Collection Bibliothegraveque des Sciences humaines 1944

REMY J VOYEacute L La ville vers une nouvelle deacutefinition Paris Eacuteditions LrsquoHarmattan 1992

VAN DER PLOEG J-D RENTING H BRUNORI G KNICKEL K MANNION J MARSDEN T ROEST K SEVILLA-GUZMAacuteN E VENTURA F Rural development From practices and policies towards theory Sociologia ruralis v 40 n 4 p 391-408 2000

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ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

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ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

Elizabeth Mpofu

ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

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ldquo A agricultura familiar camponesa se encontra presa entre a jusante produtores de sementes e a induacutestria e a montante oligopoacutelios de

distribuiccedilatildeo de grande escala

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ldquo A agricultura familiar ao inveacutes de desaparecer permanece como setor-chave da agricultura e da economia de aacutereas rurais em paiacuteses no Sul Global

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ldquo A agricultura familiar estaacute atualmente no centro de uma agenda muito mais ampla que transcende consideraccedilotildees meramente setoriais ou produtivas por

integrar outras dimensotildees incluindo o desenvolvimento regional e territorial sauacutede puacuteblica e nutriccedilatildeo a promoccedilatildeo da autonomia e igualdade das mulheres

rurais e a conservaccedilatildeo da biodiversidade e gestatildeo sustentaacutevel de recursos naturais

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