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Desenvolvimento sem Desmatamento Policy Uma publicação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agosto de 2014 No. 29

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Os projetos de conservação ambiental do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil apresentam um forte componente de desenvolvimento local e inclusivo e contemplam iniciativas inovadoras de uso sustentável da biodiversidade. Vários são os exemplos de projetos nos manguezais, na Caatinga e no Cerrado, que conciliam a produção de bens e serviços com a geração de emprego, de renda e com o aumento da qualidade de vida. (...)

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Desenvolvimento sem Desmatamento

Policy

Uma publicação doCentro Internacional de Políticas para o Crescimento InclusivoPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento Agosto de 2014 No. 29

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Sumário

Policy in Focus

O Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) é um projeto conjunto das Nações Unidas e do Brasil para promover o aprendizado Sul-Sul sobre políticas sociais. O Centro especializa-se na produção de recomendações de políticas, fundamentadas em pesquisas e voltadas para a redução da pobreza e da desigualdade e ampliação do desenvolvimento inclusivo. O IPC-IG é ligado à Representação do PNUD no Brasil, à Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e ao Instituto de Economia Aplicada (IPEA) do Governo brasileiro.

Diretor: Jorge Chediek

Pesquisadora Sênior: Diana Oya Sawyer

A Policy in Focus é uma publicação regular do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG). Esta edição especial foi produzida em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil, explorando o seu trabalho junto ao Fundo Mundial para o Meio Ambiente (Global Environment Facility – GEF). Gostaríamos de reconhecer as valiosas contribuições de muitos parceiros ao projeto implementado pelo PNUD Brasil no noroeste do Mato Grosso, delineadas nesta publicação, e também agradecer ao GEF (www.thegef.org) por sua contribuição financeira a essa iniciativa.

Editor-Chefe: Michael MacLennan Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, PNUD

Editores Especialistas Convidados: Carlos Ferreira de Abreu Castro Coordenador da Unidade de Desenvolvimento Sustentável, PNUD Brasil e Guilherme B. R. Lambais, Consultor

Gerência de Publicações: Roberto Astorino

Tradução: Leonardo Padovani

Revisão: Valdinea Pereira da Silva

Editoração Eletrônica e Arte: Rosa Maria Banuth e Paula Simone

Arte da Capa: Genesis, por Daniel Malta

Nota do Editor: Esta edição especial apresenta algumas das discussões atuais em torno das regiões de fronteiras florestais na Amazônia e nos Himalaias, abordando temas como desmatamento, degradação e o seu relacionamento justaposto ou complementar com o desenvolvimento. Os autores contribuintes foram capazes de levantar questões pertinentes sobre o futuro do crescimento econômico, bem como a biodiversidade e comunidades que existem em tais regiões nos dias de hoje. Ao mesmo tempo, tendo como base as experiências do projeto do PNUD Brasil financiado pelo GEF, este grupo de artigos destaca casos de desenvolvimento bem-sucedido sem desmatamento, proporcionando uma perspectiva única para regiões de fronteiras florestais ao redor do mundo.

Em nome do IPC-IG estou grato ao PNUD Brasil por seu apoio ao desenvolvimento desta edição especial, destacando nossos Editores Especialistas Convidados, Carlos Ferreira de Abreu Castro e Guilherme Lambais, bem como Manoel Salles, por sua dedicação à publicação deste volume. Por fim, gostaria de expressar meu profundo agradecimento aos autores por suas generosas e perspicazes contribuições, sem as quais esse número simplesmente não teria sido possível.

Esta edição especial é dedicada a Jorge Luis Vivan, que faleceu durante a produção deste volume. Nossos pensamentos estão com sua família e amigos.

Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SBS, Quadra 1, Bloco J, Ed. BNDES, 13º andar 70076-900 Brasília, DF – Brasil Telefone: +55 61 2105 5000

E-mail: [email protected] URL: www.ipc-undp.org Editoria E-mail: [email protected]

© 2014 Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ISSN: 2318-8995

As opiniões expressas nas publicações do IPC-IG são dos autores e não refletem necessariamente as opiniões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento ou do Governo do Brasil.

Direitos e Permissões – Todos os direitos reservados. O texto e os dados desta publicação podem ser reproduzidos, desde que seja obtida permissão, por escrito, do IPC-IG e que a fonte seja citada. Reproduções para fins comerciais são proibidas.

EDIT

ORI

AL

Fronteiras da Pesquisa Interdisciplinar sobre Desenvolvimento sem Desmatamento

Sobre o Conceito de Fronteira

Projetos Integrados de Conservação e Desenvolvimento na Amazônia: uma Avaliação Interdisciplinar com Lições para Fronteiras Florestais

Um Policymix: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade com Redução da Pobreza na Amazônia

Desenvolvendo Governança para o Setor Florestal e o REDD+: uma Abordagem Multinível, Multiestágio e Multi-stakeholder no Nepal

O Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Requer Governança Fundiária

Integrando Modos de Vivência e Mudanças no Uso da Terra nas Fronteiras do Desmatamento

Para Além da Panaceia: Análise Crítica dos Instrumentos de Controle do Desmatamento

Desmatamento no Himalaia: Mitos e Realidade

Direitos de Propriedade, Desmatamento e Violência: Problemas para o Desenvolvimento da Amazônia

Políticas Sociais e Fronteiras Florestais: Consequências para o Uso Agrícola da Terra na Amazônia Brasileira

Assentamentos Sustentáveis na Amazônia

Comercialização de Produtos Agroextrativistas: Problemas e Soluções

Modelagem de Cenários de Desmatamento para o Noroeste do Mato Grosso

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s projetos de conservação ambiental do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil apresentam um forte componente de desenvolvimento local e inclusivo e contemplam iniciativas inovadoras de uso sustentável da biodiversidade. Vários são os exemplos de projetos nos

manguezais, na Caatinga e no Cerrado, que conciliam a produção de bens e serviços com a geração de emprego, de renda e com o aumento da qualidade de vida.

É sempre um grande desafio garantir oportunidades às populações mais pobres e vulneráveis, respeitando os seus meios de vida e protegendo a natureza, em regiões de grande expansão da agricultura de produtos de exportação como a soja, a cana e a pecuária.

Na Amazônia brasileira este desafio é ainda maior. Como propor alternativas de produção agrícola e florestal com baixo impacto ambiental, que se contraponham ao modelo dominante de “derrubada e queima”? Como implementar projetos de conservação da biodiversidade em áreas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas nas quais interagem, de forma conflituosa e violenta, madeireiros, garimpeiros, agricultores familiares, assentados da reforma agrária, grandes pecuaristas e produtores de commodities agrícolas?

As cidades da região do Noroeste do Mato Grosso encabeçaram por muitos anos a lista de municípios com o maior número de assassinatos per capita e com a maior taxa de desmatamento do país. Foi nessa região que o PNUD e a Secretaria de Meio Ambiente do Estado, financiados pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente – GEF, desenvolveram um projeto que conseguiu demonstrar a viabilidade de outros caminhos na Amazônia, que simultaneamente conservem e produzam bens e serviços. Este é o caso da produção de castanha do Brasil por populações indígenas, agricultores familiares e assentados, que vêm tirando renda da floresta em pé superior a obtida em áreas desmatadas.

Como sempre frisou Jorge Vivan, a quem dedicamos este número, a produção agroflorestal é outro exemplo gritante de modelos de produção com renda muito superior à da pecuária e a de outros usos do solo e que não recebe a devida atenção dos órgãos governamentais de financiamento, pesquisa e fomento. A falta de politicas publicas sólidas e coerentes, de crédito e de assistência técnica voltadas à produção sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros torna o desmatamento uma atividade que, por si só, aumenta grandemente o preço da terra em áreas de fronteiras, como pode ser visto em artigos neste número da Policy in Focus.

Nosso objetivo é estimular a discussão dessas questões e dos desafios que nos são colocados. Desejamos com isso entender melhor os obstáculos para um desenvolvimento que respeite a diversidade humana e a imensa diversidade biológica e de ecossistemas. A transformação e degradação do espaço amazônico é extremamente veloz e intensiva e requer das agências de cooperação técnica, dos bancos de desenvolvimento e dos fundos de financiamento ambientais investimentos coordenados e de longo prazo, no sentido de contrapor os vetores da degradação ambiental e socio-cultural da Amazônia.

por Carlos Ferreira de Abreu Castro

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Fronteiras da Pesquisa Interdisciplinar sobre Desenvolvimento sem Desmatamentopor Guilherme B. R. Lambais

Estabelecer as bases do desenvolvimento humano sem desmatamento é, inegavelmente, um dos pilares para a manutenção do sistema econômico e a preservação das espécies. Sabe-se, hoje, que a vida na Terra é um sistema complexo e, portanto, no limiar da ordem e da desordem. Se o desmatamento desenfreado continuar a ocorrer e esse limiar for ultrapassado, colocando em risco inúmeras espécies, também serão criados novos riscos para o meio ambiente e para o próprio processo de evolução, incluindo a continuidade da vida humana.

Pode ser dito que a Terra possui nove limiares, os quais juntos formam os limites planetários em relação a um espaço operacional seguro para a humanidade. São eles: 1) mudança climática; 2) taxa de perda da biodiversidade (terrestre e marinha); 3) interferência com os ciclos de nitrogênio e fósforo; 4) destruição do ozônio estratosférico; 5) acidificação dos oceanos; 6) uso global de água doce; 7) mudança no uso do solo; 8) poluição química; 9) carga atmosférica de aerossol. Os limites em três sistemas – a taxa de perda da biodiversidade, mudança climática e a interferência humana com o ciclo de nitrogênio – já foram excedidos (ROCKSTRÖM et al., 2009). O desmatamento é considerado uma das principais causas para exceder taislimites.

Esta edição da Policy in Focus contribui para a crescente literatura que visa analisar o desenvolvimento humano e, ao mesmo tempo, preservar as florestas no Sul Global. Esse fato significa examinar como criar valor, conservar e usar sustentavelmente a biodiversidade que as áreas de floresta têm a oferecer e como estabelecer as condições de longo prazo para que as florestas sejam consideradas mais valiosas em pé que derrubadas e comoditizadas. As áreas de fronteira das florestas são um dos principais locais de interação entre os elementos humanos e biofísicos, o que, por sua vez, determina a taxa de transformação

da paisagem. Regiões de fronteira florestal são peculiares, pois também demarcam as áreas de expansão interna de um país, dado que as fronteiras externas (políticas) geralmente já estão bem definidas.

É útil, portanto, delinear o conceito de fronteira. Esta é uma questão na maioria das vezes esquecida, apesar da sua importância para o entendimento da realidade de tais áreas, permitindo a proposição de políticas factíveis. Os autores Vitor Fernandes e Bastiaan Reydon empreendem esta tarefa no primeiro artigo desta edição. Apesar das consideráveis especificidades históricas e geográficas desse conceito, a análise dos autores leva em consideração os principais fundamentos teóricos para o entendimento do conceito de fronteira, o qual pode ser aplicado à maior parte das regiões de fronteira do mundo. Em uma definição ampla, a fronteira pode ser concebida como a frente de expansão no sentido antropológico da colisão de sociedades (populações indígenas, agricultores familiares, madeireiros, grandes proprietários, etc.), combinado com a zona pioneira no sentido econômico da mudança no uso da terra direcionada por estruturas capitalistas modernas.

A organização do espaço geográfico nessas áreas permanece um grande desafio, em razão do amplo espectro de questões envolvidas. Essas fronteiras florestais são:

�� as áreas de maior biodiversidade no mundo;

�� a casa de populações indígenas estabelecidas;

�� a principal rota de migração para os pequenos agricultores pobres em busca de oportunidades;

�� as zonas pioneiras, em que as forças de mercado domésticas e internacionais buscam na esperança de altos lucros provenientes de recursos naturais (mineração, agricultura e energia); e

�� os locais em que grandes proprietários definem para expandir suas atividades (criação de gado e agricultura).

Na sequência da Conferência Rio 1992, a região Noroeste do Estado do Mato Grosso foi escolhida para ser um ponto focal para os projetos-piloto, como o projeto financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (Global Environment Facility– GEF), com um conjunto de atividades lidando com o desenvolvimento sustentável local e alternativas para o desmatamento, sob a coordenação do Carlos Castro do PNUD Brasil. O segundo artigo de Jorge Luis Vivan (in memoriam) et al. analisa o projeto do PNUD (com financiamento do GEF) empregando dados primários e secundários sobre parâmetros biofísicos, socioeconômicos e institucionais em relação às pequenas propriedades e assentamentos de reforma agrária. Como uma das principais conclusões, os autores afirmam que certas pequenas propriedades individuais, com o uso da terra agroflorestal intensivo, demonstram até 63 vezes a receita por hectare do que com atividade pecuária – um feito impressionante do ponto de vista socioeconômico. Contudo, os projetos que melhor demonstraram a preservação da floresta o fizeram através do apoio à infra-estrutura cooperativa e arranjos institucionais, incluindo certificação, para cadeias de fornecimento de produtos de origem agroflorestal ou extrativista. Ao invés de criar incentivos em torno de propriedades individuais, tais intervenções na cadeia de fornecimento aconteceram ao longo de períodos de tempo maiores e envolveram um assentamento de reforma agrária inteiro, bem como vários territórios indígenas na região.

Da mesma forma, Peter May et al. voltam-se para os mesmos projetos do artigo anterior, mas de uma perspectiva analítica do policymix. Este quadro analítico pretende analisar as políticas existentes

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de forma integrada e dinâmica, porque um nível de política se liga a outro, tanto na horizontal (políticas agrícolas, ambientais e econômicas) como na vertical (os níveis de governo municipal, estadual e federal, bem como ao nível do projeto e da paisagem). Os autores destacam os efeitos positivos dos projetos no nível da paisagem e municipal, tais como a redução do desmatamento e o estabelecimento de governança comunitária, apesar de ressaltar que ainda existe trabalho a ser feito neste campo. As análises demonstram que a governança adequada é fundamental para o estabelecimento da possibilidade de desenvolvimento sem desmatamento.

O quarto artigo, por Frederico López-Casero et al., oferece uma abordagem inovadora ao desenvolvimento de governança para o setor florestal e a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal(REDD+). Os autores exploram, por meio de pesquisa prática no Nepal, como o desenvolvimento de um processo multiestágio, multi-stakeholder e multinível pode garantir uma governança eficaz e legítima para o comércio de carbono de emissões florestais. Fundamental para a governança adequada do REDD+ e para reduzir o desmatamento é a própria governança da terra. Bastiaan Reydon e Vitor Fernandes, no quinto artigo, demonstram claramente porque a governança fundiária é essencial para o desenvolvimento sustentável da Amazônia: a pesquisa mostra que, em média, áreas desmatadas valem quatro vezes mais que valeriam aquelas com a floresta em pé. Esse fato indica que a governança fundiária deve ser uma das primeiras medidas a serem tomadas ao se implementarem quaisquer tipos de políticas que visem à prevenção do desmatamento, porque, em primeiro lugar, qualquer possibilidade de lucrar ilegalmente sobre terras desmatadas, por meio da exploração madeireira e da especulação com ativos fundiários, tem de ser eliminada.

Em discussão relacionada, Aldicir Scariot descreve o debate internacional sobre a oposição de políticas poupadoras da terra – isto é, a total proteção de algumas áreas, que proíbe qualquer forma de uso do solo – e sobre o compartilhamento da terra, que é o compartilhamento de atividades, incluindo a proteção, em determinada área. Scariot

assume a posição de que a preservação total da terra não é viável em áreas de populações indígenas, visto que eles seriam os mais penalizados por esse tipo de política. Portanto, é desejável que ambas as políticas sejam integradas em uma estratégia mista, como propõe o autor.

Deve ser evidente, até o momento, que existem muitos instrumentos para a concretização do desenvolvimento humano, sem recorrer ao desmatamento. O sétimo artigo – por Raoni Rajão et al. – indica uma avaliação crítica dos instrumentos para o controle do desmatamento. O objetivo é ir além da “panaceia” da busca de um instrumento “ótimo”. O mais provável é que não existe tal coisa como uma política ótima em relação ao problema e que estamos mais bem servidos ao engajar um mix de vários tipos de políticas, descritos pelos autores.

No oitavo artigo, Jean-Marie Baland e Dilip Mookherjee levam o foco do desmatamento de volta ao Himalaia, para a região de florestas que se estende pelo Nepal e Índia. Os autores fornecem uma avaliação crítica do problema no local, proporcionando uma revisão da teoria e evidência, usando uma variedade extensa e detalhada de conjuntos de dados ao nível micro, a fim de avaliar as causas e a taxa de degradação florestal na região, proporcionando assim recomendações de políticas de curto e longo prazo.

Algumas questões socioeconômicas referentes às regiões de fronteira são tratadas a partir da nono até o décimo segundo artigo, respectivamente. O nono artigo, de André Sant’ Anna e Carlos Young, analisa o antigo problema da inter-relação entre direitos de propriedade, desmatamento e violência. Os autores, por meio de uma análise rigorosa, apontam para a necessidade imediata de lidar com a questão dos direitos de propriedade, com o objetivo de reduzir o desmatamento e a violência nas regiões de fronteira. O décimo artigo, por Gabriel Lui, descreve as consequências das políticas sociais, principalmente o Bolsa Família e a previdência social, para as decisões a respeito do uso da terra na Amazônia. O autor encontra evidências de que as políticas sociais contribuem para o controle do desmatamento, alterando tais decisões.

No décimo primeiro artigo, Mauro Soave Jr. et al. adotam a defesa de uma política social alternativa: o estabelecimento de assentamentos sustentáveis na região amazônica. Os autores argumentam que em razão da maioria de os novos assentamentos no Brasil estarem na região amazônica, a evidência aponta para a necessidade de conter o desmatamento nos próprios assentamentos. Os autores, portanto, propõem o estabelecimento de um modelo de agricultura de baixo carbono para tais assentamentos. Indo além, o décimo segundo artigo, por Donald Sawyer, introduz uma questão que é importante para todas as outras recomendações de políticas estabelecidas nesta edição – qual seja, a comercialização de produtos agroextrativistas, delineando os seus problemas e propondo algumas soluções.

Por fim, o décimo terceiro artigo apresenta a volta de Britaldo Soares-Filho e Raoni Rajão com a modelagem de cenários de desmatamento para a região Noroeste do Mato Grosso. Os autores comparam três cenários: business-as-usual, tendência histórica e com o estabelecimento de governança. Como resultado, demonstram que se uma governança aperfeiçoada não for adotada, a região irá apresentar severas perdas.

Esperamos que esta edição da Policy in Focus possa ajudar a fomentar novas discussões em torno da eliminação do desmatamento, ao mesmo tempo em que se contribui para o desenvolvimento humano e para a melhoria das políticas públicas, a fim de evitar que quaisquer cenários pessimistas venham a ocorrer no mundo.

ROCKSTRÖM, J. et al. A safe operating space for

humanity, Nature, 461 (7263), p. 472-475, 2009.

“ Esta edição da

Policy in Focus contribui para a crescente literatura

que visa analisar o desenvolvimento humano

e, ao mesmo tempo, preservar as florestas

no Sul Global.

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Sobre o Conceito de Fronteirapor Vitor Bukvar Fernandes1 e Bastiaan Philip Reydon1

O Brasil é um dos únicos países do mundo que ainda tem uma fronteira de floresta aberta no seu território. A preocupação com o avanço da fronteira econômica interna se recoloca de forma cada vez mais intensa, em razão da vasta gama de conflitos entre os atores envolvidos. Algumas das questões presentes incluem a democratização da terra, a apropriação privada de terras públicas, a espoliação das terras indígenas e os conflitos rurais, assim como a forma que se dá a expansão da agropecuária produtiva sobre áreas significativas de vegetação nativa. Neste contexto, será feita uma exposição tentativa de pensadores que trataram sobre a temática da fronteira, visando confrontá-las para avançarmos na apreensão do que se possa chamar de movimento da fronteira interna no Brasil.

É interessante começar pela exposição do trabalho de Frederick Jackson Turner (1861-1932) e sua hipótese da fronteira como explicação da forma de sociedade engendrada nos Estados Unidos. Segundo Machado (1992), Turner propôs-se a explicar a gênese da nação norte-americana como um processo autônomo, com base na hipótese de que a interação entre um ambiente com características geográficas excepcionais e o esforço coletivo de pequenos proprietários de terra independentes foi responsável pelo desenvolvimento de instituições políticas democráticas nos Estados Unidos. A disponibilidade de “terras livres” significava que existiam terras passíveis de serem apropriadas e transformadas em propriedade privada. Mais ainda, a fronteira teria atuado como “válvula de escape” para as populações pauperizadas vindas do leste dos Estados Unidos e da Europa, que podiam adquirir direitos de propriedade sobre a terra e se tornarem independentes.

As duas ressalvas às quais Machado chama atenção são que nem as terras se encontravam vazias – visto que eram territórios indígenas – nem o acesso à terra no oeste norte-americano era tão livre assim. Pois, apesar do Homestead Act,2 o próprio avanço do povoamento e das vias

de transporte atuaram como reguladores da apropriação privada do território.

José de Souza Martins também se coloca contra a assimilação acrítica das ideias norte-americanas ao dizer que, “justamente por ter omitido a luta pela terra e a invasão dos territórios indígenas em sua própria sociedade, Turner, certamente, não é a melhor referência para pensarmos a complicada conflitividade da fronteira” (MARTINS, 2012).

Contudo, a aplicação desses conceitos no Brasil não foi mecânica. Primeiro, porque a continuidade da expansão cafeeira no Sudeste nas primeiras décadas do Século XX atraiu a atenção dos cientistas socais nacionais e estrangeiros, dada a especificidade dessa expansão relativa às anteriores ondas de povoamento do interior. Em segundo lugar, em razão de uma combinação particular de circunstâncias que favoreceu a permanência de cientistas sociais europeus no país durante períodos relativamente extensos, em especial os geógrafos Pierre Monbeig e Leo Waibel, que fizeram contribuições decisivas à conceituação de frentes e zonas pioneiras no Brasil.

Leo Waibel (1888-1951) foi um geógrafo formado na Alemanha e especializado em geografia agrária da América Tropical. Partindo das ideias de Turner, de que a fronteira, no sentido econômico, constitui zonas de diferentes tamanhos que se intercalam entre a floresta virgem e a região com populações estabelecidas – zonas pioneiras –, afirma que é preciso redefinir o conceito de “fronteira” e o de “pioneiro”. Nessa perspectiva, é o cultivo da terra que constitui fundamento econômico da zona pioneira, e não a pecuária extensiva (WAIBEL, 1979).

Em seus estudos comparativos entre a Marcha para o Oeste norte-americana e a possibilidade de identificação de uma Marcha para o Oeste no Brasil, Waibel tratou de salientar as diferenças entre a marcha de povoamento brasileira até 1950. Diferentemente da que ocorreu nos EUA, a marcha brasileira teve uma expansão linear ou em núcleos, sem formação de uma

faixa contínua, destacando a agricultura itinerante como fenômeno permanente. Waibel centra-se no caráter itinerante da agricultura brasileira – visto que o sistema agrícola caracterizado por técnicas não intensivas de cultivo era motivo para a facilidade com que se vendiam às propriedades – e na crítica ao padrão brasileiro de expandir o povoamento de forma dispersa, fundamentado nos grandes latifúndios improdutivos e no domínio dos especuladores de terras.

Ao se deparar com a expansão cafeeira no Sudeste, Pierre Monbeig (1908-1987), geógrafo francês, notou que o povoamento obedecia a uma concepção moderna de colonização. A “marcha pioneira do café” trazia a construção de vias de circulação, o aparecimento de pequenos centros urbanos, os sistemas de comercialização. A prática do loteamento urbano e rural distinguiam o movimento pioneiro das anteriores formas de ocupação, o que significava que era irrelevante se os espaços haviam sido apropriados anteriormente ou se fossem habitados ou não.

Em síntese, “o dinamismo das zonas pioneiras era produto de um novo tipo de financiamento, de organização e de escala dos empreendimentos, configurando uma economia capitalista moderna […] Sem embargo, não era o bastante afirmar que a “conquista de novas terras” significava a integração do campo a uma economia de tipo capitalista […] o que é distinto na zona pioneira é a noção de propriedade da terra (MACHADO, 1992).

Monbeig observou que no Brasil os grandes latifúndios pastoris já haviam sido instituídos no passado em vastas extensões de terra no interior do país, muitos com titulação legal. Estas terras, entretanto, não tinham valor de mercado quando a atividade se aproveitava dos campos e savanas, alterando pouco a paisagem “natural”. Já nas zonas pioneiras, cuja atividade principal era a agricultura, sua expansão se fazia à custa de um investimento de capital necessário para o desmatamento e a preparação do solo, ou seja, o trabalho responsável pela

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“ A fronteira pode

ser definida simplesmente como a síntese que se

encontra entre o que os antropólogos definem

como frentes de expansão e a zona pioneira

de definição econômica, articulada diretamente

pelo modo de produção capitalista.

Foto: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Plantação de café, próxima ao Município de Aripuanâ, Noroeste do Mato Grosso.

alteração da paisagem natural era o mesmo que atribuía valor à terra e, portanto, à propriedade.

Desse modo, ao descrever a “marcha pioneira” que consistia na expansão das fronteiras do café, Monbeig enfatizou precisamente o grande salto do preço da terra provocado pela chegada dessa cultura, possibilitando intensa especulação fundiária. Tão intenso era o comércio de terras no Sudeste da época que “foi levado a afirmar que a colonização era uma questão de segundo plano, vindo antes o desejo de especular” (MACHADO, 1992). Isso só era possível visto que a dinâmica da expansão do café era feita por extensão da área cultivada, portanto através de sucessivos deslocamentos da fronteira agrícola com poucos investimentos diretamente produtivos. Daí resulta que o acesso à terra e a concentração fundiária constituíam uma “condição”– e não um aspecto secundário – da agricultura cafeeira.

Assim, enquanto as zonas pioneiras se expandiam, o preço da terra se valorizava, gerando forte especulação e a criação de um mercado de terras controlado por grandes proprietários, comerciantes de café e sociedades imobiliárias. O controle do acesso à terra por meio do preço contribuía para a formação de um mercado de trabalho “livre” e com excesso de oferta de mão de obra, configurando uma disponibilidade apenas relativa de terras nessas áreas pioneiras.

Analogamente, pode-se pensar o movimento de expansão do café no

Sudeste no começo do século XX em relação ao recente avanço da agricultura na região amazônica, centrada principalmente no Mato Grosso, Pará e Piauí. Esta ligação ocorre pela figura da “posse”, inicialmente adaptada à agricultura móvel, predatória e rudimentar, mas que aos poucos se tornou a forma principal de apropriação territorial, conforme Ligia Osório Silva (2008). Mais adiante, também se coaduna com a explicação dos determinantes do desmatamento amazônico em Reydon (2011, p. 145), no qual se explicita a sequência de ocupação de terras virgens (privadas ou públicas), extração de madeira de lei, instalação da pecuária e, por fim, o desenvolvimento de uma forma mais moderna de agropecuária. Este proce sso de desenvolvimento serve para gerar renda e legitimar a ocupação de novos proprietários no curto prazo, quase sem necessidade de recursos.

Antropólogos entendem a noção de fronteira diferentemente. As assim chamadas “frentes de expansão” representam fronteiras caracterizadas pelas “frentes de deslocamento da população civilizada e das atividades econômicas de algum modo reguladas pelo mercado […] como sugere Darcy Ribeiro […] elas constituem as fronteiras da civilização” (MARTINS, 2012). O contraste entre as zonas pioneiras e o conceito antropológico de frente de expansão fica mais evidente em Os Índios e a Civilização, de Darcy Ribeiro: “aqui a terra em si mesma não tem qualquer valor […] Não se cogita, por

isto, de assegurar a posse legal das terras […] E este domínio não assume, senão acidentalmente a forma de propriedade fundiária” (1977, apud MARTINS, 2012).

Na designação de Martins, existem dois modos de interpretar a fronteira: a designação de “frente de expansão” expressa uma concepção de ocupação do espaço de quem tem como referência as populações indígenas, enquanto a concepção de “zona pioneira” não leva em conta os índios e tem como referência o empresário, o fazendeiro, o comerciante e o pequeno agricultor moderno e empreendedor. Nesse sentido, Monbeig, por exemplo, define os índios alcançados (e massacrados) pelo avanço da zona pioneira no oeste de São Paulo como percursores dessa mesma Fronteira, “como se estivessem ali transitoriamente, à espera da civilização que acabaria com eles” (MARTINS, 2012).

Partilhando do modo de ver de Martins, o desencontro entre o que foi visto pelos geógrafos (e também economistas) e o que foi visto pelos antropólogos é resultado de observações feitas em lugares sociais desiguais. No entanto, o desencontro de perspectivas é, nesse caso, essencialmente expressão da contraditória diversidade da fronteira, mais que produto da diversidade de pontos de vista sobre a fronteira.

Martins (2012) busca atentar para as diferentes temporalidades históricas na fronteira, enquanto zona pioneira, ressaltando a importância da urbanização,

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das modernas vias de comunicação e empreendimentos econômicos, da mentalidade moderna e, principalmente, da conversão da terra em mercadoria. Já na frente de expansão, o ponto focal ocorre na concepção das frentes de deslocamento da população civilizada sobre os territórios tribais, “os antropólogos, quando falam de frente de expansão, fazem-no basicamente para poupar palavras na definição daquilo com que se defronta o índio” (MARTINS, 2012). Uma definição interessante é a de Roberto Cardoso de Oliveira, citada por Martins, que a define pela “situação de contato, isto é, pelo pressuposto metodológico da totalidade, como é próprio da tradição dialética” (ibid.). É então, nesse momento das relações de “fricção inter-étnica”, que a frente de expansão ocorre como um momento de contradição e conflito.

Neste local, a forma de expansão do capital, que não pode ser qualificada como caracteristicamente capitalista, é uma expansão de rede de trocas e comércio em que, via de regra, o dinheiro está ausente, aparecendo somente, ainda de acordo com Martins (2012), como “referência nominal arbitrada por quem tem o poder pessoal e o controle dos recursos materiais na sua relação com os que exploram índios ou

camponeses”. O mercado opera aí por meio de comerciantes dos povoados, de forma monopolista e mediado por “violentas relações de dominação pessoal” (ibid.), seja na comercialização dos produtos ou nas relações de trabalho, sendo característica a peonagem ou escravidão por dívida.

Portanto, a fronteira pode ser definida simplesmente como a síntese que se encontra entre o que os antropólogos definem como frentes de expansão e a zona pioneira de definição econômica, articulada diretamente pelo modo de produção capitalista. É nesse meio-termo que podemos encontrar a alteridade de diversos tempos históricos, todos em interação: desde o camponês dedicado à agricultura de excedentes, o pequeno agricultor próspero, o empresário rural, o índio integrado e o não integrado, até o pistoleiro a serviço do grande latifundiário.

Em conclusão, foi visto que a análise do movimento da fronteira é complexa e pode ser facilmente permeada por preconceitos e distorções que, em uma análise científica, são extremamente maléficas, dado o potencial reducionismo que podem incorrer. Assim, longe de esgotar os estudos já escritos sobre o tema da fronteira, tentou-se resgatar importantes formas de definir o que

1. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Brasil.

2. O Homestead Act é uma legislação agrária assinada por Abraham Lincoln em 1862 dentro do esforço de ocupação do oeste americano. Em troca de uma recompensa monetária simbólica, aqueles que se aventuravam para o oeste podiam receber lotes de terras federais (65 acres/26,3 hectares) que já estavam demarcadas. Essa flexibilidade nunca existiu no Brasil. Até o dia de hoje, o governo do Brasil não controla grande parte de suas terras públicas.

seja a fronteira com o objetivo de que em estudos que tratam desse tema seja possível, senão uma definição mais aprimorada, ao menos alertar para que seja assumida qual definição de fronteira se está utilizando e quais são suas consequências metodológicas.

MACHADO, L. “A fronteira agrícola na Amazônia brasileira”, Revista Brasileira de Geografia, v. 54, n. 2. Rio de Janeiro, 1992.

MARTINS, J. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

MONBEIG, P. “A zona pioneira do Norte-Paraná”, Boletim geográfico, 7, n. 78, 1945.

REYDON, B. “O desmatamento da floresta amazônica: causas e soluções”, Economia Verde, n. 8, junho 2011.

SILVA, L. Terras devolutas e latifúndio. 2. ed. Campinas: Editora Unicamp, 2008.

WAIBEL, L. Capítulos de geografia tropical e do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.

Projetos Integrados de Conservação e Desenvolvimento na Amazônia: uma Avaliação Interdisciplinar com Lições para Fronteiras Florestais* por Jorge Luis Vivan,1 Rob Davenport,2 Peter. H. May,3 Paulo César Nunes4 e Cornelius Prins5

Como uma das fronteiras florestais mais ativas do mundo, o Noroeste do Mato Grosso (NO MT), no Brasil, tem sido o ponto focal de vários projetos-piloto para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e da floresta após a Conferência Rio 1992. Esses projetos-piloto incluem o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais no Brasil (PPG7) e um grande projeto financiado pelo Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), implementado

pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).6

Estes projetos incorporaram o apoio a medidas agroambientais, com foco em mosaicos de agroecossistemas de florestas privadas as quais envolvem comunidades vivendo em zonas fronteiriças ou dentro de áreas protegidas. Essas medidas agroambientais eram compostas por assistência técnica para a conservação do solo e dos

recursos hídricos, recuperação de áreas degradadas, plantio de árvores e sistemas agroflorestais, tecnologias apropriadas, produtos florestais não madeireiros e manejo florestal de baixo impacto.

Tal combinação de intervenções encaixa-se no molde de Projetos Integrados de Conservação e Desenvolvimento (PICDs). A abordagem PICD tem sido criticada ao longo da última década, muitas vezes em razão da falta de evidência empírica sobre

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seus impactos biofísicos, socioeconômicos e institucionais (MINANG; NOORDWIJK, 2013; cf. FERRARO; KISS, 2002). Com a devida consideração a essa crítica e uma oportunidade prática singular, decidiu-se realizar uma avaliação interdisciplinar sobre os resultados dos pilotos PICD no NO do MT.

Metodologia Este estudo de caso empregou dados primários e secundários sobre parâmetros biofísicos, socioeconômicos e institucionais de pequenas propriedades e assentamentos da reforma agrária no NO MT, de 1995 a 2012, nos Municípios de Juína, Juruena e Cotriguaçu. Foram usados bancos de dados gerados durante os três projetos PICD feitos naquele período, bem como dados do trabalho de campo realizado entre 2012-2013.

Primeiramente, para avaliar os impactos biofísicos, os estoques e as taxas de sequestro de carbono foram comparados aos índices de diversidade vegetal em sistemas agroflorestais. Partiu-se do pressuposto de que os índices de diversidade de plantas constituem uma

proxy significativa para a qualidade do hábitat e as condições da biodiversidade (DECLERCK; SALINAS, 2011; LAURANCE; VASCONCELOS, 2004). Em segundo lugar, com relação aos efeitos sobre o uso da terra em lotes individuais, Vivan (2010) compilou informações de 62 propriedades em Juína e Cotriguaçu, na forma de dados e mapas ao nível da propriedade. Terceiro, quanto ao desempenho socioeconômico, os dados foram extraídos a partir de um conjunto de 55 propriedades, variando de 4 a 250 hectares, que foram avaliadas em relação ao uso da terra em Juína e Cotriguaçu por Vivan (2010), bem como em Juruena por Nunes e Rugnitz (2011).

Em quarto lugar, foi conduzida uma análise da dinâmica do desmatamento na escala da paisagem para três assentamentos de reforma agrária nos quais os projetos PICD poderiam demonstrar impactos, dependendo dos diferentes níveis de engajamento dos assentados (INCRA, 2011): (1) Projeto de Assentamento Nova Cotriguaçu, de 99.988,5 hectares e 1.234 famílias assentadas em 1995; (2) Projeto de Assentamento Iracema, em Juína, de

18.120 hectares e 343 famílias assentadas em 1996; e (3) Projeto de Assentamento Vale do Amanhecer, em Juruena, de 14.400 hectares e 243 famílias assentadas em 1998. Para estes assentamentos, imagens Landsat foram localizadas e comparadas entre 1995 e 2011.

Por fim, a análise institucional utilizou-se de questionários aplicados a domicílios e entrevistas semiestruturadas realizadas com 29 produtores destes assentamentos de reforma agrária. Além disso, realizou-se o referenciamento cruzado de tais dados em uma oficina feita com os assentados do Vale do Amanhecer, para melhor entendimento da evolução histórica da tomada de decisões sobre o uso da terra e arranjos institucionais.

Resultados e discussão Ao nível da propriedade individual, as análises biofísicas revelaram que os sistemas agroflorestais permitiram o aumento dos estoques de carbono de 5 para 8 toneladas de carbono/hectare por ano, ao longo de ciclos com durações de três a treze anos, para uma média de 2,5 hectares por propriedade. A análise também demonstrou índices favoráveis de diversidade de árvores e potencial conectividade de hábitats. Em termos do uso da terra nas propriedades individuais, os participantes dos PICDs apresentaram 13 por cento mais cobertura florestal do que os não participantes.

Levando-se em conta as condições socioeconômicas, identificou-se uma linha de base de uso do solo em pequenas propriedades combinando gado de corte e leiteiro, as quais utilizam uma média de 33 hectares de pasto e obtêm uma receita bruta de USD212/hectare por ano ou USD6.996/ano por família. Em contraste, os sistemas agroflorestais induzidos por PICDs utilizam, em média, 2,3 hectares e obtêm uma receita bruta de USD4.000/hectare por ano para o cacau sombreado ou uma renda total de USD9.200/ano por família. Este é um ganho de 56,5 por cento, enquanto são utilizados menos de 7 por cento da área de terra necessária para operações mistas de gado de corte e leiteiro (ver Tabela 1).

Ao nível da paisagem – ou seja, considerando todo o assentamento – o desmatamento no Projeto Vale do Amanhecer não ocorreu na mesma

Fonte: Elaboração do autor. *Síntese dos indicadores econômicos estimados para 55 propriedades de 4 a 250 hectares, avaliadas nos Municípios de Juína e Cotriguaçu, Mato Grosso, Brasil, 2010.

Notas: Sistemas Agroflorestais (SAF); produto florestal não madeireiro (PFNM); retorno em USD por pessoa por dia (USD/PD); área em hectares de sistema manejável por um ano de trabalho por pessoa (Hectare/ATP). O trabalho não está incluído nos custos, uma vez que os produtores em geral não contratam mão de obra externa; sem indicador (S.i).

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proporção que nos de Iracema e Nova Cotriguaçu. Os três assentamentos foram estabelecidos em meados da década de 1990; mas, em 2011, o Vale do Amanhecer tinha 22 por cento mais florestas remanescentes que Nova Cotriguaçu e 39 por cento mais que Iracema.

Existe aqui um interesse particular nesse resultado, dado que a floresta conservada do Vale do Amanhecer – 57 por cento da área total – é resultado da combinação de uma série de intervenções PICD. Essas intervenções focaram em fatores regulatórios, de gestão de recursos e de fatores econômicos do uso da terra relevantes para a produção cooperativa e, mais especificamente, para a comercialização de produtos florestais não madeireiros. Além disso, a área florestal está sendo gerida como floresta de reserva legal coletiva, com o manejo de 800 castanheiras (Bertholletia excelsa) georreferenciadas em 7.200 hectares. A certificação de produtos florestais não madeireiros está condicionada à manutenção e ao monitoramento dessa reserva legal coletiva.

Duas cooperativas estabelecidas nos assentamentos em 2008 e 2010 – uma de propriedade e gerenciamento exclusivo por mulheres – processam óleo, massas, farinha e biscoitos que utilizam a castanha-do-pará extraída da reserva florestal. Para atender à demanda do mercado, as castanhas também são compradas de agricultores vizinhos, de cinco territórios indígenas e de uma reserva extrativista da região. Em 2013, o Programa Nacional de Alimentação Escolar disponibilizou USD1.160.000 em crédito antecipado. Esta compra antecipada permitiu que os produtos chegassem a 33.000 pessoas ao longo de sete municípios.

Um trabalho de campo institucional revelou que tais cooperativas surgiram em circunstâncias socioeconômicas e ecológicas adversas, em que diversos fatores favoreciam o desmatamento ao longo da história do assentamento do Vale do Amanhecer. Esses fatores incluem alianças políticas complexas, uso generalizado de queimadas, construção de estradas, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), uma invasão ilegal do assentamento durante uma corrida do ouro em 2004, e variação nos preços das

commodities agrícolas versus produtos florestais não madeireiros.

O programa PRONAF7 foi percebido como um dos fatores mais fortes que impulsiona o desmatamento da floresta: o desmatamento durante a operação do PRONAF em 2000-2001 foi quase quatro vezes maior que em 2008. Além disso, os PICDs foram obrigados a cessar as operações no Vale do Amanhecer em 2004 em razão de ameaças violentas vindas dos garimpeiros. Contudo, após a retirada forçada dos mineiros da área pela Polícia Federal em 2005, as atividades de incentivo à conservação da floresta foram retomadas.

Os assentados observaram que as práticas de queimada de pastagens foram contínuas desde o início do assentamento até 2012. No entanto, ao contrário dos outros assentamentos aqui considerados, o do Vale do Amanhecer reconheceram o valor social e a legitimidade do licenciamento ambiental, visto que esse instrumento legalizava os negócios das cooperativas e estabelecia a documentação necessária para que os produtos do assentamento fossem formalmente certificados.

Esses achados reforçaram a hipótese de que seria possível identificar impactos derivados dos PICDs no Noroeste do MT, através do uso de escalas espaciais menores e escalas temporais mais longas. Um hectare de sistema agroflorestal é invisível na perspectiva analítica de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). No entanto, na escala das propriedades individuais, um hectare de sistema agroflorestal tem o potencial de empregar quase 20 vezes mais mão de obra e de produzir uma receita 63 vezes maior que a da pecuária.

Ao nível da paisagem, no Vale do Amanhecer, foram observados ganhos biofísicos, econômicos e institucionais significativos, uma vez que os PICDs conectaram as cooperativas a instituições e infraestrutura que apoiam meios de subsistência alternativos. Contudo, os assentados no Vale do Amanhecer interagiram com os PICDs consistentemente, ao longo de pelo menos oito anos, em comparação com dois a três anos no assentamento de Iracema e apenas esporadicamente em Nova Cotriguaçu.

“ Um hectare de

sistema agroflorestal tem o potencial de empregar

quase 20 vezes mais mão de obra e de produzir

uma receita 63 vezes maior que

a da pecuária.

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Recomendações e observações finais Propõe-se pesquisa adicional ao nível da paisagem para avaliar os impactos e a efetividade de intervenções dos PICDs, com base na escala temporal da aplicação. As sinergias produzidas pelo sequenciamento e combinação de instrumentos específicos também devem ser avaliadas. Se os produtores tiverem que depender de pagamentos individuais diretos para acessar serviços e mercados, correm o risco de serem desconectados das alternativas de subsistência e conservação proporcionadas pelas cooperativas promovidas pelos PICDs e dos processos de longo prazo que elas envolvem. As escalas temporais mais longas devem ser cruciais para a eficácia dos projetos e programas que buscam a sustentabilidade para economias locais e para o uso da terra através de toda paisagem.

Assim, a persistência dos impactos dos PICDs pode depender de como e se os atores locais serão capazes de acessar políticas e incentivos de forma integrada. Os projetos PICDs no NO MT ocorrem em um cenário político-econômico antagônico e em um contexto de apoio frágil por parte das agências federais e estaduais. Entretanto, os resultados do Projeto Vale do Amanhecer indicam que uma combinação de instrumentos poderia superar essas limitações, se aplicados em uma sequência de sobreposição:

�� definição de prioridades a partir do mapeamento do potencial da floresta remanescente;

�� capacitação e assistência técnica;

�� organização social cooperativa;

�� certificação legal de produção sustentável;

�� investimentos materiais em infraestrutura;

�� desenvolvimento do mercado, financiamento de crédito e elaboração de contratos com áreas indígenas vizinhas;

�� contratos com empresas privadas e com o Programa Nacional de Alimentação Escolar;

�� exposição pública e política por meio do reconhecimento nacional e internacional de eficácia; e

�� esforços para expandir a produção de castanha-do-pará.

Não é inevitável que todas as fronteiras florestais passem pelas fases de transição de “expansão e colapso” descritas por Rodrigues et al. (2009).8 Então, sugere-se que as florestas manejadas, como as reservas legais dentro de assentamentos da reforma agrária e em pequenas e médias propriedades agrícolas privadas, representam um componente importante para a sustentabilidade das economias regionais. Os projetos analisados podem oferecer oportunidades para abordagens bem-sucedidas de incentivos coletivos e individuais para a constituição de florestas manejadas enquanto um contínuo entre as áreas protegidas e os agroecossistemas, que têm se revelado eficazes ao nível dos assentamentos da reforma agrária e das pequenas propriedades de agricultura familiar (WEIRSUM, 2004), proporcionando, assim, um mosaico desejado de uso sustentável da terra em zonas fronteiriças, em torno de áreas protegidas das fronteiras florestais.

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NUNES, P. C.; RÜGNITZ, M. T. Semeando esperança, colhendo bens e serviços ambientais. Resultados do Projeto Poço de Carbono Juruena. 1. ed. Juruena: Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena (ADERJUR) Projeto Poço de Carbono, 2011.

RODRIGUES, A.; EWERS, R.; PARRY, L.; SOUZA JR., C.; VERÍSSIMO, A.; BALMFORD, A. Boom-and-bust development patterns across the Amazon

*Agradecimentos especiais a: André Gonçalves, Pattrikk John Martins, Luis Henrique da Cunha (consultores); equipe da AJOPAM e Ildamir Teixeira em Juína e ao Projeto Policymix (http://policymix.nina.no), financiado pela Diretoria Geral de Pesquisa da Comissão Europeia,9 Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED); Dr. Carlos Castro (PNUD Brasil); Rosane Beatriz Aguiar e Ana Cristina Balogh Tripodi (Petrobras); e, é claro, produtores e lideranças de associações, sindicatos e reservas indígenas. 1. Universidade Federal de Santa Catarina e Univerisdade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil (in memorium).2. University of California, Santa Cruz, Estados Unidos e CATIE (Centro de Pesquisa e Educação em Agricultural Tropical), Costa Rica.3. Univerisidade Federal Rural do Rio de Janeiro e REDES.4. Poço de Carbono Juruena, Mato Grosso, Brasil.5. CATIE, Costa Rica.6. A) Programa Piloto para Proteção de Florestas Tropicais no Brasil, especialmente Projetos Demonstrativos Tipo A, com impactos esperados em Juína; B) “Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade nas Florestas de Fronteira do Noroeste do Mato Grosso”, com impactos esperados concentrados em Juruena, Juína e Cotriguaçú; e C) Projeto Poço de Carbono de Juruena/ADERJUR, com impactos concentrados no assentamento de reforma agrária do Vale do Amanhecer.7. PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar. Trata-sede um programa federal de crédito para agricultores familiares.8. Rodrigues et al. (2009) descreveram um padrão de desenvolvimento da fronteira florestal Amazônica em que os indicadores de desenvolvimento são maiores para paisagens em transição de alta (> 70 por cento) para baixa (<30 por cento) cobertura florestal. Nesse padrão, eventualmente, uma “expansão” de desenvolvimento da fronteira, apoiada por recursos abundantes, transforma-se em um “colapso” de uma “pós-fronteira” pobre em recursos.9. O projeto Policymix <http://policymix.nina.no> é financiado pela Comissão Europeia, Diretoria Geral para Pesquisa.

deforestation frontier, Science, 324(5933), p. 1435-7, 2009.

VIVAN, J. L. Desenvolvimento de instrumentos e parâmetros para recuperação produtiva de passivo ambiental em assentamentos e propriedades rurais no entorno de UCs nos Municípios de Juína e Cotriguaçú, Noroeste do Estado de Mato Grosso. 2010.

WIERSUM, K. F. Forest gardens as an “intermediate” land use system in the nature-culture continuum: characteristics and future potential, Agroforestry Systems, 61, p. 123-134, 2004.

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Um Policymix: Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade com Redução da Pobreza na Amazônia* por Peter H. May,1 Jorge Luis Vivan,2 João Andrade,3 Maria Fernanda Gebara4 e Pablo del Arco5

Este artigo discute a questão urgente de como atingir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, ao mesmo tempo em que se reduz a pobreza na Amazônia brasileira. O atual mix de políticas de proteção floretas e conservação da biodiversidade, fundamenta-se nas tradicionais políticas de comando e controle e nos instrumentos econômicos e institucionais, tais como Projetos Integrados de Conservação e Desenvolvimento (PICDs), as Transferências Fiscais Ecológicas (TFE) e o pagamento por serviços ambientais. Questiona-se como definir um policymix que permita alcançar ambas metas ambientais e sociais, ou seja, como eliminar a degradação dos recursos naturais e assegurar o seu uso sustentável, sem deixar de reduzir a pobreza nas comunidades onde estão localizados esses recursos.

Para abordar uma questão de uma perspectiva do policymix, é preciso considerar todos níveis de políticas (federal, estadual e municipal). Pois embora as políticas de comando e controle sejam estabelecidas ao nível nacional, elas interagem com outras políticas, sobretudo ao nível regional e local.

Este estudo abrange uma região de fronteira na Amazônia, no nordeste do Mato Grosso. Ao nível local, o foco é nos impactos biofísicos e socioeconômicos dos PICDs gerados pela iniciativa do Programa Nacional de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD)/Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), especificamente dos que envolvem assentamentos da reforma agrária. Ao nível regional, é analisado como as TFE afetam as áreas de execução dos projetos, as quais fazem fronteira com territórios indígenas e unidades de conservação.

O desmatamento continuará avançando ou estabilizará nos níveis atuais? Qual foi o papel do policymix existente na redução do desmatamento? O policymix prevalecente é suficiente para atingir as metas ambientais e sociais esperadas ou são necessários novos instrumentos?

Políticas atuais de conservação da biodiversidade A principal política de conservação da biodiversidade adotada no Brasil está relacionada, sobretudo, às restrições ao uso da terra elencadas no Código Florestal de 1965. As terras públicas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), os direitos dos povos florestais sobre os territórios indígenas e as reservas extrativistas constituem o atual marco de proteção da biodiversidade e da cultura tradicional. A Constituição Federal atribui a cada Unidade da Federação a responsabilidade pela emissão de licenças de uso da terra e autorizações de manejo florestal.

A Constituição permite, ainda, o compartilhamento entre autoridades estaduais e municipais de receitas obtidas por meio de impostos de valor agregado. Em alguns estados – incluindo o Mato Grosso – tais receitas são, em parte, alocadas mediante um instrumento de TFE, o ICMS-Ecológico (ICMS-E), a título de compensação pela proteção da biodiversidade.6 O ICMS-E é, portanto, um instrumento econômico que favorece a conservação da biodiversidade e o equilíbrio fiscal entre os municípios.

Em relação aos PICDs, outra política praticada atualmente no Brasil, observadores recentes opinam que esse tipo de projeto com frequência se baseou em expectativas pouco realistas (MINANG; NOORDWIJK, 2012). As parcas evidências empíricas quanto à efetiva capacidade dos PICDs de reduzir o desmatamento tornam necessário demonstrar sua efetividade, bem como a de instrumentos econômicos alternativos e mais direcionados, a exemplo do pagamento por serviços ambientais (FERRARO; KISS, 2002).

Além disso, restrições ao crédito e aos subsídios governamentais para os municípios com baixo desempenho na

redução do desmatamento têm motivado os governos locais a se preparar para a “governança verde” com mais proatividade. Em algumas regiões, a desoneração fiscal para indústrias de produtos naturais e os instrumentos voluntários de mercado, como a certificação de práticas sustentáveis e uma moratória à produção de soja em áreas florestais, parecem ter sido eficazes.

Interação multinível entre instrumentos no Policymix Apesar da potencial complementaridade dos instrumentos à disposição dos tomadores de decisão que trabalham na interface entre a expansão do agronegócio e a conservação da biodiversidade na Amazônia, tais instrumentos exigem ampla articulação institucional em todos os níveis para efetivamente evitar o avanço das mudanças adversas e de grande escala no uso do solo. Contudo, os sinais emitidos pelo governo federal quanto à prioridade de acelerar o crescimento do país pelo financiamento de uma grande expansão da infraestrutura de transporte e de energia adentro da Amazônia contradizem os compromissos voluntários de redução de emissões de gases de efeito estufa, a serem alcançados principalmente pela redução do desmatamento. E apesar dos recentes compromissos de financiamento assumidos no âmbito da agenda de “baixo carbono”, as políticas de crédito que incentivam o crescimento dos rebanhos e da capacidade dos abatedouros em áreas de fronteira florestal mostram-se igualmente contraditórias.

O gerenciamento do uso da terra obtém melhores resultados quando implementado no nível de governança mais próximo do local onde os recursos são utilizados (OSTROM, 1990). Considerando que a política ambiental brasileira é uma responsabilidade compartilhada entre os vários níveis de governo, uma análise rigorosa deve prestar atenção especial nas capacidades municipais e locais necessárias para implementar estratégias mais amplas,

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respaldadas por acordos intersetoriais quanto ao alcance desejável do controle e da fiscalização do uso da terra. A gestão ambiental nessa escala é uma atribuição muito recente dos governos locais. Além disso, a vontade política de assumir o desafio de controlar o uso da terra depende de compromissos extraordinários por parte de prefeitos e Conselhos Municipais, o que resulta em diferenças consideráveis entre as diversas instituições municipais e o desempenho ambiental que apresentam.

Agindo proativamente, alguns governos municipais vêm assumindo compromissos locais de atingir metas de redução do desmatamento, melhorando a governança e adotando melhores práticas de produção em distintas escalas.

Experiências muito semelhantes podem ser vistas nas medidas agroambientais adotadas no sul da Europa (SANTOS et al., 2013). Contudo, nas fronteiras florestais do Noroeste do Mato Grosso será necessário superar a fraqueza das instituições públicas

e as falhas no planejamento e focalização territoriais para alcançar impactos positivos de larga escala. Nesse sentido, o uso de TFE para estimular e compensar os esforços locais para proteger espécies em perigo de extinção por meio de índices de qualidade de gestão é uma experiência válida em todos os continentes (RING et al., 2013).

A eficácia do ICMS-E O estudo de caso do policymix do Mato Grosso buscou avaliar a eficácia da TFE, particularmente o papel do ICMS-E, na conservação da biodiversidade ao nível local. Ou seja, buscou determinar se o instrumento de fato levou a um aumento no tamanho da área sob proteção. A primeira hipótese é que ao nível municipal – em que a discriminação da receita tributária é obrigatória por lei –, o instrumento deveria ter sido muito efetivo em estimular ações locais de conservação.

Apesar da insuficiência de dados nacionais sobre a criação de unidades de conservação municipais para testar

essa hipótese, no Estado do Mato Grosso houve um nítido aumento no número de unidades de conservação criadas imediatamente após a entrada em vigor do instrumento, em 2002.

No entanto, a retomada do controle governo estadual via lobby do agronegócio pouco após essa data, as unidades de conservação foram colocadas sob fogo cruzado. Essa situação sugere a necessidade de realizar uma avaliação detalhada da efetividade desses instrumentos ao nível municipal, o que orientou a seleção do local e das questões levantadas em entrevistas com autoridades e stakeholders locais.

Em seguida, o foco passou a ser nos mecanismos adotados localmente para melhorar a alocação de recursos, a fim de que reflitam e reforcem os benefícios obtidos com tal conservação. Em Cotriguaçu, por exemplo, apesar do vultoso aporte do ICMS-E, os membros do Conselho Municipal do Meio Ambiente mostraram-se mais interessados em utilizar os recursos para manter as estradas abertas no período de chuva, para promover o escoamento da produção agrícola, do que para melhorar a gestão das unidades de conservação.

Ao examinar a lógica econômica que fundamenta a distribuição das receitas do ICMS-E entre os municípios, nota-se que, em alguns casos, as receitas por hectare de terra sob conservação na verdade superam aquelas geradas pelo valor agregado da pecuária e da exploração madeireira (MAY et al., 2013). O fracasso em vincular essas receitas tributárias a propósitos ambientais nitidamente prejudica a efetividade da política. Assim, é promissor o fato de um número crescente de governos locais ter criado fundos ambientais locais aos quais vincularam as receitas do ICMS-E. Esses recursos também poderiam ajudar a fortalecer a governança ambiental local por meio da capacitação de membros do Conselho e autoridades municipais.

Equidade e legitimidade do ICMS-E Considerando que no Mato Grosso o ICMS-E também inclui terras indígenas, este estudo defende que o aumento das receitas desse instrumento poderia melhorar as relações dos governos locais com os grupos indígenas e fortalecer seus esforços de gestão ambiental. Os achados a respeito são promissores.

Fonte: Elaboração dos autores.

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recuperação florestal, investimentos em unidades de processamento e criação de canais de mercado para produtos florestais não madeireiros.

A metodologia de pesquisa utilizada consistiu em uma análise de três assentamentos atendidos pelo governo federal em três municípios no Noroeste do Mato Grosso, incluindo uma análise qualitativa-quantitativa de dados ecológicos e econômicos em lotes individuais, comparando o uso da terra, estoques de carbono, diversidade dos empreendimentos e receita líquida entre participantes e não participantes das atividades dos PICDs, tanto dentro como nos arredores dos assentamentos. Além disso, foram usadas imagens de satélite para avaliar a resposta das paisagens, tendo o assentamento como unidade de paisagem, a fim de identificar possíveis efeitos cascata sobre as taxas de desmatamento em decorrência das ações dos participantes dos PICDs.

Em assentamentos da reforma agrária, a integração de objetivos ambientais com objetivos de produção pressupõe uma grande participação dos atores, tornando necessário melhorar a compreensão dos ganhos potenciais das propriedades individuais e coletivas e daqueles gerados pelo licenciamento ambiental. No caso do licenciamento ambiental coletivo, também devem ser considerados os possíveis custos associados à vulnerabilidade derivada do maior rigor da fiscalização. Não é fácil capturar essa informação usando técnicas convencionais de entrevista. Em resposta às limitações metodológicas e temporais, foi construída com participação dos assentados uma linha do tempo das intervenções-piloto como referência das práticas que conseguiram elevar a qualidade da performance econômica dos usuários individuais da terra vis-à-vis a conservação da floresta remanescente (VIVIAN et al., 2013).

Até pouco tempo atrás, os assentados da reforma agrária na Amazônia eram incentivados pelo governo a desmatar a metade dos seus lotes, caso quisessem permanecer na terra. Nessas condições, seria surpreendente encontrar florestas conservadas em lotes individuais. Porém, notou-se que os assentados participantes mantêm em média 13 por cento mais floresta nativa em pé do que os não participantes, mesmo que o tamanho

médio das suas terras seja menor. Ao nível da paisagem, realizou-se uma diferença entre os assentamentos de acordo com a área de floresta remanescente, com uma área 39 por cento maior proporcionalmente no assentamento de Juruena em comparação ao com a menor área (o assentamento em Juína).

Entre outros vetores sinergéticos, os melhores desempenhos estão associados ao fato de a reserva florestal ter sido estabelecida como uma propriedade coletiva, não dividida em lotes individuais. Em Juruena, assentados da reforma agrária criaram uma cooperativa para destinar os remanescentes florestais ao manejo da castanha-do-pará, a base da indústria local. Isso sugere que os assentados respondem bem às restrições jurídicas desde que exista um conjunto completo de incentivos econômicos para tanto. Nos outros assentamentos, a falta desses elementos levou os agricultores a se renderem às forças econômicas dominantes na região e promover mudanças no uso da terra, o que praticamente zerou o efeito demonstrativo dos PICDs. A existência ao nível macro de políticas contraditórias e em constante transformação enfraqueceu ainda mais os já fracos vínculos entre os atores locais, levando os assentados a aderir ao uso da terra predominante na Amazônia e a se identificar com a “cultura pecuarista”.

Análise de custo–benefício para a pecuária sustentável Visando estabelecer uma racionalidade econômica para que assentados e pecuaristas retenham a floresta em suas terras, foram realizadas pesquisas para determinar até que ponto a proximidade com a floresta aumenta o controle biológico da cigarrinha das pastagens (Homóptera: Cercopidae), uma praga do setor pecuarista na Amazônia. Neste trabalho, buscou-se valorizar esse serviço ecossistêmico como uma maneira de convencer os usuários da terra a cumprir as limitações impostas pelo Código Florestal. Os prováveis valores envolvidos são substanciais. Com as altas taxas de infestação de cigarrinha (mais de 50 ninfas por metro quadrado), a mortalidade das pastagens é alta, com uma queda acentuada na capacidade animal para até 25 por cento do nível sem infestação (GALLO et al., 2002). Nessa situação, pecuaristas com altas taxas de infestação têm simplesmente abandonado seus empreendimentos,

Em Juína, onde 60 por cento do território encontra-se em terras indígenas, o ICMS-E trouxe um acréscimo significativo de receita, respondendo por 20 por cento do total anual de recursos municipais de todas as fontes. Como consequência, um ex-prefeito progressista proativamente fez acordos com líderes indígenas para transferir cinco por cento da receita adicional do ICMS-E para projetos direcionados a reforçar a integridade das terras indígenas e fortalecer fontes de renda sustentáveis. Apesar de ancorado na legislação ambiental, o procedimento precisava ser renovado anualmente e terminou sendo extinto quando o prefeito da oposição tomou posse, em 2013.

Além disso, a opinião geral de autoridades entrevistadas do governo municipal foi de que o ICMS-E é um instrumento de cima para baixo que não reflete as necessidades locais. Por tal motivo, recursos adicionais foram realocados às atividades que beneficiassem à população como um todo (manutenção de estradas, saúde e educação), em vez de premiar os esforços particulares de conservação da natureza ou a gestão coletiva de recursos naturais, como tem sido feito em outros estados, notoriamente no Paraná na região Sul do Brasil. Esse resultado reflete a natureza geral do rateio fiscal do mecanismo de distribuição, e não o uso de transferências condicionais.

A eficácia dos PICDs O presente trabalho sobre a eficácia de uma série de PICDs enfocou estudos comparativos de assentamentos da reforma agrária ao nível da paisagem e das propriedades. Os projetos abrangiam uma combinação de assistência técnica, capacitação em governança, fornecimento de mudas para sistemas agroflorestais e

“ Questiona-se como

definir um policymix que permita alcançar ambas

metas ambientais e sociais, ou seja, como eliminar a

degradação dos recursos naturais e assegurar o seu uso sustentável, sem deixar

de reduzir a pobreza nas comunidades onde estão localizados esses recursos.

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podendo ser induzidos a desmatar outras áreas na esperança de evitar esse custo ao estabelecer novas áreas de pastagem.

O método usado neste trabalho combinou pesquisa econômica e biológica sobre a relação entre a proximidade da floresta e as taxas de infestação de cigarrinha em diferentes configurações florestais (corredores, grandes manchas de floresta, pequenos remanescentes florestais, etc.) em Cotriguaçu. Dados sobre a infestação de cigarrinha nas pastagens foram coletados no começo da estação de chuva em blocos aleatórios de amostragem, em cinco propriedades com diversas configurações florestais. A distância entre os blocos e o remanescente florestal mais próximo foi medido com imagens de satélite de alta resolução.

Os resultados sugerem que, em todos os mosaicos estudados, os benefícios da floresta retida no controle de pragas foram superiores aos custos de oportunidade do desmatamento evitado nessas áreas. As perdas líquidas por infestação de cigarrinha chegaram em média a USD120 por hectare ao ano. Os serviços de controle biológicos correspondentes fornecidos pela proximidade das florestas foram estimados entre USD65 e USD117 por hectare/ano, tendo em alguns casos reduzido as perdas das pastagens quase que totalmente (DEL ARCO et al., 2013). Esses benefícios foram consideravelmente maiores que os custos de oportunidade da conversão da floresta em pastagem adicional.

Outras pesquisas realizadas em um grupo maior de pecuaristas de Cotriguaçu apontaram para fatores que têm minado os esforços para evitar o desmatamento. Apesar de reticentes em aceitar pagamentos para tal fim, os pecuaristas mostraram-se suscetíveis a argumentos quanto aos serviços agroecossistêmicos fornecidos pela manutenção da floresta. Esses argumentos foram reforçados mostrando as experiências de produtores locais, cujas baixas taxas de infestação estavam associadas à presença da floresta. Atualmente existe um grande interesse em expandir a pesquisa para incluir outras propriedades e aumentar o tamanho da amostra.

Conclusão: restrições e oportunidades institucionais para os instrumentos econômicos No Noroeste do Mato Grosso, os entrevistadas no âmbito deste estudo

de caso questionaram a capacidade institucional de implementar uma série complexa de instrumentos de políticas interligados ao nível municipal. Embora o arcabouço de políticas federais e estaduais voltadas para o controle das taxas e o direcionamento das mudanças do uso da terra devesse, em princípio, orientar os processos decisórios locais, os governos locais raramente conseguem perceber as contradições entre políticas, investimentos em infraestrutura pública e sinais dos preço das commodities e tomar a liderança na regularização do uso de terras privadas.

Mesmo que a estrutura federal permita que os municípios se responsabilizem pelos processos de licenciamento e regulação ambiental, é mais provável que emitam outorgas para empreendimentos de grande porte, como os abatedouros, do que impor restrições ambientais. Os interesses políticos locais costumam estar mais alinhados com empreendimentos extrativistas de curto prazo que com empreendimentos sustentáveis criados para beneficiar os assentados e os povos da floresta.

Considerando essas limitações, é de se surpreender que, no decorrer desse estudo, tenha-se conseguido documentar várias estratégias inovadoras que aplicaram efetivamente os elementos do atual policymix:

�� desde a determinação de um prefeito progressista em Juína que destinou uma fatia da receita do ICMS-E à promoção da integridade territorial dos povos indígenas;

�� até o tempo e os recursos investidos por um exército informal de adeptos dos sistemas agroflorestais e de sequestradores de carbono (mais de 1.000 famílias no Noroeste do Mato Grosso já contam com lotes destinados aos sistemas agroflorestais em suas propriedades); e

�� o empreendimento não madeireiro, que conseguiu orquestrar preços mínimos, compras para o programa de alimentação escolar, isenções de impostos de valor agregado e o mercado voluntário de carbono, para incentivar a resiliência e dissuadir o desmatamento por parte dos assentados.

Uma das principais conclusões é que a fundação de um policymix eficaz depende de um conselho municipal e de um

fundo do meio ambiente constituídos localmente, com a capacidade necessária para implementar a série de instrumentos detalhada no novo Código Florestal constitucional. Além disso, a criação de instalações locais de monitoramento por SIG e a capacitação em gestão da informação tornariam mais fácil ajudar os proprietários rurais com passivos ambientais a identificar e negociar reservas florestais excedentes e vice-versa. Finalmente, é de fundamental importância que tais desenvolvimentos sejam atrelados ao registro de posse da terra no recém-criado Cadastro Ambiental Rural.

DEL ARCO, P.; MAY, P. H.; FLORENCE, E.; SILGUEIRO, V. F. The effect of forest proximity on biological control of pasture in Northwest Mato Grosso, Brazil: a cost-benefit analysis for land use policy. Apresentado na Conferência da Sociedade Europeia de Economia Ecológica, Lille, França, 19 de junho de 2013.

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Desenvolvendo Governança para o Setor Florestal e o REDD+: uma Abordagem Multinível, Multiestágio e Multi-stakeholder no Nepalpor Frederico Lopéz-Casero,1 Timothy Cadman2 e Tek Maraseni3

Este artigo enfoca a governança de projetos e políticas de emissões de carbono florestal, explorando como o desenvolvimento de padrões, por meio de processos multinível, multiestágio e multi-skateholder, podem contribuir para garantir uma governança de qualidade. O artigo argumenta que o padrão de governança – desenvolvido mediante um processo que envolve múltiplas partes interessadas (stakeholders) em diferentes níveis (local, nacional e internacional) e em várias etapas – confere legitimidade ao comércio de emissões de carbono florestal.

Fonte: Cadman (2011).

for assessing instruments in policy mixes for biodiversity and ecosystem governance. Policymix Technical Brief, n. 5, 2011. Disponível em: <http://policymix.nina.no/News/Newsarticle/tabid/3574/ArticleId/1621/POLICYMIX-Technical-Brief-Recommendations-for-assessing-instruments-in-policy-mixes-for-biodiversity.aspx>. Acesso em: 28 abr. 2014.

VIVAN, J. L.; NUNES, P. C.; ABAD, R. et al. Pilot projects and agroenvironmental measures in northwest Mato Grosso, Brazil: impacts and lessons for REDD+ policy “mixes”. Apresentado na Conferência da Sociedade Europeia de Economia Ecológica, Lille, França, 19 de junho de 2013.

Essa abordagem é ilustrada ao apresentar o desenvolvimento de um projeto voluntário de padrão nacional de qualidade de governança para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal e conservação, manejo sustentável de florestas e aumento dos estoques de carbono advindos das florestas nos países em desenvolvimento (REDD+), por meio de uma pesquisa prática realizada no Nepal.

Governança pode ser definida como a “interação dinâmica entre as sociedades civil e empresarial e o setor público”

(RUGGIE, 2003). A governança precisa tratar da crescente complexidade decorrente dessa natureza com múltiplos atores, níveis (local, nacional e internacional) e significados: as diferentes partes interessadas podem ter valores, interesses e pontos de vista distintos (VAN BODEGOM et al., 2008). Portanto, são necessários processos envolvendo os diversos stakeholders e aprendizagem social para que a governança possa guiar e melhorar a situação social de forma eficaz.

A importância da governança no setor florestal e no REDD+ Uma governança fraca no setor florestal é um dos principais fatores subjacentes ou geradores do desmatamento. Os baixos níveis de participação, transparência e prestação de contas aumentam o risco de corrupção, má gestão financeira e captura de benefícios por parte das elites – resultando em conflitos pelos recursos florestais e extração ilegal de madeira (WRI, 2009; MENZIES, 2007). Essas falhas de governança resultam em perdas de receitas públicas estimadas em cerca de USD10-15 bilhões por ano no mundo todo (ITTO, 2010).

Garantir uma boa governança é particularmente importante para o desenvolvimento de um mecanismo financeiro global para o REDD+. A maioria dos países é da opinião de que os mercados de carbono darão uma contribuição importante para o REDD+,

* Os autores reconhecem o financiamento recebido do Projeto Policymix <http://policymix.nina.no/> financiado pela Comissão Europeia, Direção-Geral da Investigação e da Inovação, bem como do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Gostaríamos ainda de expressar a nossa gratidão ao Projeto BRA/00/G31 do PNUD/GEF. 1. Univerisidade Federal Rural do Rio de Janeiro.2. Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal

Rural do Rio de Janeiro, Brasil (in memoriam).

3. Instituto Centro de Vida (ICV), Mato Grosso, Brasil.

4. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e Fundação Getúlio Vargas (Rio), Brasil.

5. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

6. O ICMS-E fundamenta-se na realocação para os municípios das receitas do ICMS, o qual é um tributo que incide sobre as vendas de bens de consumo e serviços.

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Fonte: Elaboração dos autores.

oferecendo pagamentos baeados em desempenho aos proprietários e gestores florestais em países em desenvolvimento que protegem e/ou aumentam seus estoques de carbono florestal. Em âmbito global, existem milhões de pessoas vivendo nas florestas e suas redondezas e a participação dessas no desenvolvimento, na implementação e na gestão do REDD+ é fundamental para o seu sucesso.

A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, United Nations Framework Convention on Climate Change) já reconheceu a importância da boa governança florestal para o REDD+. Em 2010, nos Acordos de Cancun (Decisão 1/CP.16), a 16a Conferência das Partes (COP 16) adotou salvaguardas sociais e ambientais como parte do REDD+, que “devem ser promovidas e apoiadas” – incluindo “estruturas nacionais transparentes e eficazes de governança florestal” (COP 16 UNFCCC, 2011). No entanto, o desenvolvimento, a operacionalização e a institucionalização das definições de governança florestal são, em grande parte, lideradas pelos países em resposta às condições, prioridades, necessidades e oportunidades específicas a esses países. Padrões de governança internacionalmente consistentes devem assistir os governos a garantirem instituições florestais eficazes ao nível nacional.

Qualidade da governança do REDD+ Globalmente, houveram duas respostas políticas aos problemas de governança frente ao REDD+. Uma delas foi o acordo sobre as “salvaguardas” sociais e ambientais na COP 16, em Cancun, gerando requisitos de consulta aos stakeholders (FCPF e UN-REDD, 2012). A outra resposta foi a expansão de “avaliações participativas de governança” (PGA, Participatory Governance Assessments), que visam realizar consultas para identificar os custos e os benefícios do REDD+ para os stakeholders e para desenvolver salvaguardas (UN-REDD, 2011).

Está em desenvolvimento uma série de padrões sociais e ambientais para o REDD+. Eles incluem iniciativas facilitadas pelo Forest Carbon Partnership Facility (FCPF), o Banco Mundial, UN-REDD e a Climate, Community & Biodiversity Alliance (CCBA), em conjunto com a CARE Internacional.

Devem ser reconhecidos os esforços que tais iniciativas têm envidado no desenvolvimento de critérios para garantir certos elementos da boa governança. Porém, esses são contrabalançados pelo nível de comprometimento dos países com as consultas e/ou sua capacidade de realizá-las. No Panamá, por exemplo, os povos indígenas recentemente se retiraram do programa nacional do REDD+

porque não houve uma participação plena e efetiva, isto é, significativa (Lang, 2013).

Projeto Nepal: objetivos, questões de pesquisa e metodologia O projeto de pesquisa no Nepal está desenvolvendo um padrão de qualidade de governança para ajudar na eficácia da negociação, desenvolvimento e implementação do REDD+, mas que também seja relevante para a gestão florestal e para os sistemas de comércio de emissões de modo geral. A característica-chave do processo de desenvolvimento de padrões é ser multi-estágio, multi-nível e multi-stakeholder. O projeto utiliza um quadro comum de princípios, critérios e indicadores (PC&I) de governança que:

�� garante uma governança ampla e consistente no desenvolvimento e implementação do REDD+; e

�� reflete as circunstâncias nacionais e os requisitos dos stakeholders (ver Tabela 1).

O método principal do projeto de desenvolvimento do padrão deve envolver os principais stakeholders do setor florestal e do REDD+, que tipicamente inclui o governo, os grupos de usuários de florestas, outras organizações da sociedade civil, as minorias e os programas de ajuda internacional. A abordagem de múltiplos stakeholders garante a representação e envolvimento de todos os principais setores florestais e do REDD+ no desenvolvimento do padrão. Os stakeholders participam de uma série de etapas para identificar verificadores da qualidade da governança aos níveis local, subnacional e nacional, específicos a cada área e contexto.

O envolvimento e a participação ativa de uma vasta gama de stakeholders demonstram que muitos grupos e indivíduos-chave já experimentaram o valor de se desenvolver tal padrão em um ambiente colaborativo. Esse fato fomentou uma participação significativa e culminou na deliberação produtiva acerca dos desafios de governança, com inclusividade, equidade, transparência, prestação de contas, tomada de decisão e implementação. Deu-se ênfase especial à participação de grupos marginalizados, que raramente têm a oportunidade de participar de tais processos. A abordagem cria padrões de governança que, muito provavelmente, desfrutarão de alto grau de relevância e propriedade local (ver Figura 1).

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Cada vez mais, a necessidade de se adotar um quadro ou arcabouço analítico e abrangente para avaliar, monitorar e informar a governança florestal em países REDD+ é crescentemente reconhecida internacionalmente, inclusive pela UNFCCC. Garantir a redução das emissões por meio de uma boa governança é vital para a viabilidade do REDD+ a longo prazo.

Várias iniciativas já desenvolveram padrões de governança para o REDD +, contudo eles não surgiram por processos multi-stakeholders genuínos, no sentido dos stakeholders fornecerem o conteúdo dos padrões de forma ativa em todas os estágios do processo.

Ao invés de tratar os stakeholders como “sujeitos” da governança, o projeto no Nepal garantiu que os principais stakeholders tivessem a oportunidade de identificar o que acreditavam ser necessário para garantir uma governança de boa qualidade. Os padrões específicos nesse contexto têm a vantagem de facilitar que todos os participantes determinem o que requisitam em dada situação local, subnacional ou nacional antes que políticas e projetos sejam desenvolvidos. O quadro de governança e

a metodologia de envolvimento utilizados, no entanto, também podem ser aplicados no desenvolvimento de padrões de governança em outras partes do mundo.

CADMAN, T. Quality and legitimacy of global governance. Case lessons from forestry, International Political Economy Series. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2011.

CONFERÊNCIA DAS PARTES 16 (COP16), CONVENÇÃO-QUADRO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (UNFCCC). Decisões adotadas pela Conferência das Partes 1/CP.16: Acordos de Cancun: Resultados do trabalho do Grupo de Trabalho Ad Hoc sobre Ação Cooperativa de Longo Prazo no âmbito da Convenção, Relatório da Conferência das Partes sobre sua décima sexta sessão, Cancun, de 29 novembro a 10 dezembro de 2010. 2011. Disponível em: <http://unfccc.int/resource/docs/2010/cop16/eng/07a01.pdf#page=2>. Acesso em: 7 abr. 2014.

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ITTO. Getting a lock on governance, Tropical Forest Update, v. 19, n. 1. Yokohama: International Tropical Timber Organization, 2010. Disponível em: <http://www.itto.int/tfu/id=2250>. Acesso em: 24 abr. 2014.

LANG, C. COONAPIP, Panama’s Indigenous Peoples Coordinating Body, Withdraws from UN-REDD, redd-monitor.org website, 6 March 2013. Disponível em: <http://www.redd-monitor.org/2013/03/06/coonapip-panamas-indigenous-peoples-coordinating-body-withdraws-from-un-redd/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+Redd-monitor+%28REDD-Monitor%29>. Acesso em: 24 abr. 2014.

MENZIES, N. Our Forest, Your Ecosystem, Their Timber. Communities, Conservation, and the State in Community-Based Forest Management. New York: Columbia University Press, 2007.

RUGGIE, J. G. Taking Embedded Liberalism Global: The Corporate Connection. In: HELD, D.; KOENIG-ARCHIBUGI, M. (Eds.).Taming Globalisation: Frontiers of Governance. Cambridge: Polity Press, 2003. p. 93.

UN-REDD (2011). REDD+ Participatory Governance Assessments Piloted in Indonesia and Nigeria. Programme Newsletter, n. 20, July. Disponível em: <http://www.un-redd.org/Newsletter20/ParticipatoryGovernanceAssessments/tabid/54365/Default.aspx>. Acesso em: 24 abr. 2014.

O Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Requer Governança Fundiária por Bastiaan Philip Reydon1 e Vitor Bukvar Fernandes1

O desenvolvimento sustentável na Amazônia tem várias facetas, mas inegavelmente evitar o desmatamento da floresta primária é a principal. A recente polêmica e a aprovação do Código Florestal têm mostrado que o País não consegue estabelecer políticas claras e que o seu debate se caracterizou pela superficialidade e pelo caráter ideológico. A preservação da floresta na Amazônia requer mudanças mais significativas e profundas que leis e regulamentações difíceis de serem cumpridas.

É inegável que as fortes políticas de comando e controle,2 implementadas nos últimos anos, tiveram um papel crucial na redução do desmatamento. As políticas de comando e controle, pelo seu caráter,

dependem da intervenção direta do Estado e dificilmente podem ser mantidas no longo prazo, especialmente porque os principais indutores produtivos do desmatamento – desde a pecuária passando pela produção de grãos e chegando à produção de energia –, persistirão, e as soluções perenes têm de ser encontradas.

A maior utilização de políticas de incentivo econômico3 para evitar o desmatamento, como as propostas no próprio Código Florestal, é uma das alternativas mais discutidas tanto pela literatura quanto pelos movimentos sociais.4 O principal instrumento econômico nesse sentido é o pagamento por serviços ambientais (PSA).

Estudos indicam que o principal custo de oportunidade a ser compensado pelo

PSA são os ganhos produtivos associados à terra.5 Andrade (2007), com base na revisão de literatura e Fasiben (2008), a partir de estudos no Acre, chega a um valor aproximado de USD100,00 por hectare como valor médio a ser pago por ano, como compensação ao desmatamento evitado.

Wunder et al. (2009) propõem o custo de oportunidade a partir do uso alternativo da floresta (segundo a tradição: madeira, pecuária e grãos) convertidos em equivalente de CO2 a partir do mercado de carbono, chegando a valores que variam até BRL671 por hectare. Contudo, Fasiaben (2008) e Wunder (2008) destacam a importância de uma adequada regulação/controle da propriedade da terra para a utilização do PSA com a finalidade de preservação da floresta.

1. Natural Resources and Ecosystem Services Area, Institute for Global Environmental Strategies, Hayama, Japão. 2. Institute for Ethics, Governance and Law, Griffith University, Queensland, Austrália.3. Australian Centre for Sustainable Catchments, University of Southern Queensland, Queensland Austrália.

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Conforme mostrado em Reydon (2007), um dos principais incentivadores do desmatamento é a grande valorização que a terra sofre com o processo de desmatá-la. Na Tabela 1, nota-se, inicialmente, com base em dados da AGRAFNP,6 que os preços da terra com mata nos diferentes estados variam entre BRL108,00 no Acre a BRL546,00 no Estado do Mato Grosso. Observa-se, também, como os estados menos desmatados (Acre, Amapá e Amazonas) têm os preços mais baixos de terra, enquanto os do Mato Grosso, Pará e Rondônia, que têm maiores taxas de desmatamento, possuem os preços mais elevados.

No entanto, a conclusão mais importante que se tira da Tabela 1 é que, em todos os estados, o desmatamento sempre valoriza a propriedade significativamente e, na média desses estados, o desmatamento mais que quadruplica o valor da terra. Isto ocorre porque o preço da terra ainda é fundamentalmente fruto das expectativas dos ganhos produtivos decorrentes das atividades agropecuárias associadas a ela. Essa racionalidade é baseada no fato de que, nas terras desmatadas, seu uso pode ocorrer imediatamente e sem custos adicionais, os quais já foram incorridos com o desmate da área.

No caso mais extremo, que é do Acre, o desmatamento multiplica o valor da terra por mais de 14 vezes, enquanto no Estado do Amazonas o valor da terra é multiplicado por quase 10 vezes. Poucos investimentos têm retornos tão elevados quanto esses.

Em Reydon e Fernandes (2011), a partir de um estudo de caso com levantamento

primário de dados no município de Cotriguaçu, no Mato Grosso, foram obtidos altas taxas de valorização que a terra sofre em razão do desmatamento, chegando a valores oscilando ao redor de BRL878,12 nos dados primários e mais de BRL1.000,00, em relação aos secundários. Isto é, a proibição do desmatamento por meio das leis em vigor (Código Florestal e Lei dos Crimes Ambientais) não vem exercendo efeito, pois o próprio desmatamento existe e gera ganho extraordinário com a valorização, dada a impunidade existente, particularmente nessa área.

Assim, o principal mecanismo para evitar o desmatamento é o fim da especulação com terras, quer as já desmatadas quer no processo de desmatamento. Isto requer um Estado com políticas fundiárias claras, que controle o uso da terra e iniba o seu uso predatório e especulativo, como mostram Deininger (2003), Reydon (2007) e FAO (2009), entre outros. No caso brasileiro, como também destaca Reydon (2011), o aspecto inicial da concretização de uma política fundiária consiste na integração e melhora dos vários cadastros de imóveis mantidas por uma diversidade de instituições nos país.

A existência de apenas um sistema de governança fundiária integrando todos os órgãos – os cartórios, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), os institutos estaduais de terras e demais órgãos como a Receita Federal – poderá iniciar um processo de controlar a propriedade e o uso da terra no país, inclusive o desmatamento e a apropriação ilegal de terras públicas, particularmente na floresta Amazônica.

Portanto, além do pagamento por serviços ambientais, que deve ser o foco para a redução do desmatamento, a questão é de como coibir o uso da terra de forma arbitrária e evitar que seus proprietários a desmatem para a obtenção de lucros ilegais.

Conclui-se que o primeiro passo para a aplicação de qualquer política para a valorização da floresta em pé é a regulação/governança fundiária. Nesse sentido, o caminho a ser seguido é o da criação de mecanismos claros e objetivos de regulação/governança fundiária para a redução do uso especulativo da terra para, após isto, serem organizados os mecanismos para o pagamento por serviços ambientais.

ANDRADE, J. P. S. A implantação do pagamento por serviços ecossistêmicos no Território Portal da Amazônia: uma análise econômico-ecológica. Dissertação (Mestrado). São Paulo: Instituto de Economia/Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2007.

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Fonte: AGRAFNP (2009).

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1. Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Brasil.

2. As principais políticas de comando e controle, intervenções diretas do Estado que modificam o comportamento dos desmatadores, foram as operações: a) Curupira (2005) e Arco de Fogo (2008), que combateram a extração ilegal de madeira; b) Decreto nº 6.321/07, que restringe a concessão de crédito pelos bancos e obriga os proprietários dos municípios que mais desmatam a se recadastrarem; c) a criação de unidades de conservação (UC), somando mais 20 milhões de hectares (ha) aos mais de

80 milhões ha já existentes, totalizando 273 UC; d) homologação de 87 terras indígenas e, aproximadamente, 18 milhões de ha; e) restrição aos produtos agropecuários advindos de propriedades nos municípios com maior incidência de desmatamento.

3. As políticas de incentivo econômico, que usam mecanismos econômicos (preços ou outros) para incentivarem ou os agentes econômicos a diminuir o desmatamento, ou restringirem suas ações, foram as seguintes: a) operação Arco Verde (2008), linha especial de crédito avindos de fundos de desenvolvimento

regional para as regiões nordeste (FNE), norte (FNO) e centro-oeste (FCO) para a recuperação de áreas degradadas, reflorestamento, manejo e regularização ambiental na Amazônia Legal.

4. Vide Andrade (2007), Fasiaben (2008) e Wunder (2008), entre outros, para boa revisão dessa literatura.

5. Margulis (2002 e 2003) mostra que atividades de pecuária geram uma renda expressiva na Amazônia e, portanto, uma das principais causas do desmatamento.

6. Uma das principais consultorias especializadas em agricultura e política agrícola.

Integrando Modos de Vivência e Mudanças no Uso da Terra nas Fronteiras do Desmatamento por Aldicir Scariot1

A conversão de áreas de vegetação nativa em terras agrícolas é a principal força por trás das mudanças imediatas no uso da terra que, por sua vez, afetam negativamente a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e os recursos hídricos e contribuem para as mudanças climáticas.

A degradação ambiental afeta a capacidade do ambiente natural de se recuperar e sustentar processos futuros de produção – o que, em última instância, depende do bom funcionamento dos ecossistemas. Pequenos agricultores, povos indígenas e populações tradicionais, os quais dependem principalmente de bens e serviços naturais para sua subsistência e renda, são os mais afetados. Nesse contexto de perda rápida e intensa da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos, o debate sobre estratégias que conciliam a produção de alimentos e a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos se concentrou em duas alternativas, tratadas como incompatíveis.

Os defensores de uma estratégia de compartilhamento da terra (land sharing) argumentam que a produção de alimentos e a conservação da biodiversidade podem ser integradas na mesma área, utilizando métodos agrícolas mais favoráveis ao meio ambiente. Em contraste, a alternativa seria a preservação da terra (land sparing), que

prega a separação das áreas usadas para produção e das áreas de conservação. Na estratégia de preservação da terra, a agricultura seria intensificada, visando aos altos rendimentos e ao aumento da produtividade. Nessa estratégia, a agricultura seria intensificada tendo como meta a elevada produção com o aumento da produtividade. Essa estratégia necessitaria de áreas de produção menores, poupando da expansão agrícola às áreas remanescentes de proteção de hábitats naturais.

Este debate tem focado, principalmente, na conservação da biodiversidade versus a produção de alimentos, mas não leva em consideração a existência de povos indígenas, extrativistas tradicionais e agricultores familiares. Os povos indígenas ocupam 22 por cento da superfície terrestre da Terra e 11 por cento das áreas florestais (SOBREVILA, 2008).

Os pequenos agricultores e povos tradicionais e indígenas suprem suas necessidades de subsistência e geração de renda por meio da agricultura familiar e da colheita de produtos florestais, bem como atividades de caça e pesca. Esses povos dependem do funcionamento dos ecossistemas e de áreas naturais com as quais interagem e afetam.

As propostas de gestão que afirmam que preservar a terra é algo mais

adequado nos trópicos, onde há vastas áreas florestais intactas e ameaçadas pela expansão agrícola, ignoram as pessoas que vivem nessas florestas e aquelas que, embora não vivam nas florestas, dependem delas para sua sobrevivência. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas em áreas rurais têm algum grau de dependência das florestas (FPP, 2012). De acordo com a Comissão Mundial sobre Florestas e Desenvolvimento Sustentável, 350 milhões das pessoas mais pobres do mundo dependem quase inteiramente de florestas para sua subsistência e sobrevivência. Mais de 1 bilhão de pessoas pobres dependem de florestas remanescentes, árvores em jardins e sistemas agroflorestais para suprir suas demandas por lenha, alimentos e forragens. No mundo inteiro, 60 milhões de pessoas indígenas e de outras comunidades vivem em florestas e dependem delas para sua subsistência (KRISHNASWAMY; HANSON, 1999).

No Brasil, o maior país tropical onde os povos indígenas representam uma parcela pequena da população, as terras indígenas – que coletivamente cobrem 12,5 por cento (106,7 milhões de hectares) da superfície do país – são o lar de mais de 300 etnias indígenas, com mais de 250 idiomas diferentes. Nessas regiões, a maioria dos hábitats de terras indígenas é preservada, geralmente

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caracterizada por grande biodiversidade e parte da área gerida e usada para cultivo, caça e extração de produtos florestais madeireiros e não madeireiros.

Os governos estão começando a reconhecer que pessoas diferentes têm diferentes formas de interagir com o meio ambiente. Dessa forma, estão implementando ações para garantir que tais diferenças sejam reconhecidas nas políticas públicas, por meio do acesso e do uso de recursos e da terra. No Brasil, as políticas públicas reconhecem a existência de mais de uma dúzia de povos tradicionais, com regimes especiais de concessão e posse de terra. Os povos tradicionais são definidos de acordo com a maneira como ocupam o território e usam os recursos naturais como parte de sua identidade, bem como se a exploração dos recursos naturais é sustentável e adaptada às condições ecológicas locais.

Mais de 17 por cento do território brasileiro é dedicado à conservação da biodiversidade, por meio do sistema nacional de conservação. Desta área, 51,6 milhões de hectares (6,1 por cento) são poupados em regime de proteção integral, que proíbe atividades comerciais ou de extração de recursos naturais.

A categoria de uso sustentável abrange 11,1 por cento (94,4 milhões de hectares) do país, definindo as áreas nas quais os povos tradicionais podem caçar, pescar,

cultivar e colher produtos florestais não madeireiros e conservando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos. Além disso, 5,2 milhões de fazendas particulares no país – ao todo, 330.200.000 hectares – devem, por lei, alocar 20-80 por cento de sua área para uso e conservação sustentáveis, de acordo com o ecossistema local, com atividades de agricultura intensiva permitidas na área restante.

Essa combinação de uso compartilhado da terra, representada pela conservação e pelo uso sustentável da terra e áreas de proteção integral, configura a base do uso da terra no Brasil. Considerando sua grande disponibilidade de terras aráveis e seu potencial de aumento da produtividade, o Brasil tem a possibilidade de prestar grande contribuição ao aumento da produção necessária para atender à demanda mundial por alimentos até 2050 (LAPOLA et al., 2014). Além disso, o Brasil tem a oportunidade de promover um novo paradigma de uso da terra entre os países tropicais altamente dependentes da agricultura, resguardando e mantendo intacta uma parcela considerável da biodiversidade mundial em florestas e savanas e, ao mesmo tempo, garantindo uma produção elevada de alimentos para suprir a demanda mundial. É, portanto, fundamental que a mudança no uso da terra seja orientada por princípios sólidos de sustentabilidade.

Em lugar algum esse desafio é mais difícil do que nas fronteiras do

desenvolvimento, como o Noroeste do Estado do Mato Grosso, no Brasil, onde as rápidas mudanças no uso da terra são associadas à intensa degradação ambiental e aos conflitos sociais. Porém, como se dará o uso sustentável da terra no futuro se esse desafio não for enfrentado em seu ponto mais intenso?

A proteção e o compartilhamento da terra são igualmente importantes e devem ser utilizados como estratégias complementares. O reconhecimento da relação complexa das comunidades rurais com as áreas naturais nos trópicos é fundamental para o sucesso do planejamento e da implementação de políticas públicas que visam conservar a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos e respeitar os meios de subsistência das comunidades tradicionais e indígenas e dos agricultores familiares. A conservação da biodiversidade em áreas tropicais agrícolas requer uma combinação de estratégias de proteção da terra e de compartilhamento da terra moldadas pelas condições socioculturais relevantes. Por conseguinte, é dependente do contexto. Esta estratégia mista é de suma importância em áreas de fronteira, nas quais existem oportunidades para a gestão inteligente da terra, integrando as diversas atividades econômicas e de conservação e respeitando modos de vida locais.

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Foto: Laercio Miranda. Vila do Barranco Vermelho, terra indígena Erikbaktsa; Triagem da Castanha-do-Pará e armazenagem ao fundo.

1. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Brasília, Brasil.

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Para Além da Panaceia: Análise Crítica dos Instrumentos de Controle do Desmatamentopor Raoni Rajão,1 Britaldo Soares-Filho,2 Camila Marcolino,1 Richard van der Hoff1 e Marcelo Costa1

Desde a entrada do desmatamento na Amazônia na agenda política nacional no fim da década de 1980, o governo brasileiro adotou diferentes instrumentos com o objetivo de controlar o desmatamento na Amazônia. Apesar de diferenças marcantes do ponto de vista conceitual e prático, no momento da introdução, esses instrumentos são muitas vezes propostos como uma solução efetiva e inerentemente superior aos instrumentos até então utilizados para o controle do desmatamento. Nesse artigo, será feita uma avaliação crítica desses instrumentos, de modo a enfatizar os seus resultados, potencialidades e limites. Essa análise fundamenta-se em 84 entrevistas e extensivas observações diretas dos procedimentos de diferentes órgãos do governo brasileiro realizadas entre junho de 2007 e julho de 2009. Além desse enfoque qualitativo, o estudo também utilizou dados geográficos quantitativos fornecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA-MT).

Nas próximas três seções serão apresentados e avaliados os instrumentos de comando e controle, institucionais e econômicos, respectivamente. Na conclusão do artigo, será argumentado sobre a necessidade de serem utilizados tais instrumentos de forma integrada, de modo a somar as forças e mitigar as fraquezas de cada modalidade de controle do desmatamento.

Instrumentos de comando e controle Os instrumentos de comando e controle são, sem dúvida, a modalidade de governança ambiental mais utilizada na Amazônia. Além de ser o principal norteador das atividades do IBAMA desde sua criação, eles também foram adotados por diferentes Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAS). Pode-se dizer que o mecanismo é considerado de comando e

controle quando o governo primeiramente “comanda” (ordena) certa lei ambiental e em seguida “controla”, por atividades de fiscalização, o seu comprimento (STEWART, 1996). Apesar de amplamente usado para o controle do desmatamento da Amazônia, desde o Programa Nossa Natureza de 1988, foi somente a partir do ano 2000 que esses instrumentos atingiram a escala necessária para surtir efeito na redução do desmatamento (MELLO, 2006). Para isso, tiveram um papel central a expansão do quadro do IBAMA com a contratação de analistas ambientais com curso superior e a criação do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER) pelo INPE (RAJÃO; VURDUBAKIS, 2013).

De acordo com os dados fornecidos pelo INPE, o período entre 2004 e 2012 registrou uma queda de 83 por cento no desmatamento da Amazônia. Apesar de essa queda ter ocorrido em concomitância com a realização das duas edições do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), ainda não foi possível estabelecer precisamente o papel dessa política na queda do desmatamento. De qualquer forma, nos resultados preliminares desse estudo sobre o impacto das ações do IBAMA na queda do desmatamento, foi possível observar uma correlação, estatisticamente significativa, entre o número de multas aplicadas pelo IBAMA em um dado município e a queda do desmatamento no mesmo local no ano seguinte.

Não obstante esses resultados positivos, é importante ressaltar os limites financeiros e normativos dos instrumentos de comando e controle na região. Do ponto de vista financeiro, as ações de fiscalização do IBAMA envolvem um alto custo operacional e dependem da perícia dos agentes para o seu sucesso (RAJÃO; VURDUBAKIS, 2013). Por exemplo, para se obter um indicador aproximado, pode-se considerar o total de autos de infração emitidos pelo IBAMA em todo país entre 2004 e 2007 e o orçamento executado pelo

instituto. Com isso, obtém-se o valor de BRL204,805 por auto de infração (IBAMA, 2008). Apesar de esse valor ser apenas uma aproximação, e não incluir as demais atividades realizadas pelo IBAMA (ex. licenciamento, educação ambiental, etc.), a ordem de grandeza desse número sugere a presença de um alto custo de transação relativo às ações de comando e controle.

Consequentemente, qualquer aumento nessas atividades deverão esbarrar em limitações orçamentárias e de infraestrutura e se refletir na inabilidade dos órgãos de fiscalização de cobrir todo o território. Por exemplo, a somatória das áreas multadas pelo IBAMA por desmatamento ilegal chega a somente 17,21 por cento do total desmatado entre 2004 e 2008. Uma vez que somente um pequeno número de infratores eventualmente sofre sanções, as atividades de fiscalização são vistas pelo produtor rural, que foi multado, como “arbitrárias e injustas”. Isso significa que os instrumentos de comando e controle entram em conflito com as noções de justiça e imparcialidade consideradas centrais para a constituição de formas modernas de governança (FOUCAULT, 1977; WEBER, 1922/1968).

Ademais, como o número de pessoas autuadas é muito baixo, o efeito de dissuasão que essas ações deveriam ter não se manifesta satisfatoriamente. Como consequência, torna-se inviável a construção de uma ordem legítima e estável em torno da gestão territorial da Amazônia com base somente em comando e controle.

Instrumentos institucionais Os instrumentos institucionais são outra família de mecanismos de governança ambiental amplamente discutida no contexto amazônico. Esse tipo de instrumento tem uma definição ampla que muitas vezes se sobrepõe, quer seja aos mecanismos de comando e controle ou aos econômicos. Apesar dessa dificuldade, pode-se caracterizar os mecanismos institucionais como uma tipologia de governança ambiental

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Foto: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD). Rio Aripuanâ, Noroeste do Mato Grosso.

“ A criação de áreas

de proteção ambiental foi uma das medidas de

controle do desmatamento que surtiu mais efeito na

última década.

realizada por meio de um conjunto de regras, estruturas políticas e administrativas que contribuem indiretamente para os objetivos da política em questão. Assim, enquanto os mecanismos de comando e controle aplicam a lei ambiental de forma direta e punem a posteriori aqueles que a desobedecem, os mecanismos institucionais tentam oferecer um contexto legal e administrativo que favoreça a obediência à lei, evitando assim a infração antes que ela ocorra. Exemplos desses mecanismos no contexto da Amazônia incluem programas de regularização fundiária (ex. Terra Legal, Decreto nº 6.992/2009), zoneamento socioeconômico ambiental (AB’SABER, 1989) e o estabelecimento de áreas de proteção especial, como reservas indígenas, extrativistas e de conservação ambiental.

A criação de áreas de proteção ambiental foi uma das medidas de controle do desmatamento que surtiu mais efeito na última década (NEPSTAD et al., 2006). Considerada como um dos pilares principais do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento mencionado, o governo criou um grande número de áreas de proteção entre 2004 e 2009, alcançando a cobertura de 54 por cento das florestas remanescentes na Amazônia. Em consequência disso, Soares-Filho et al. (2010) estimam que a criação de áreas de proteção foi responsável por 37 por cento da redução do desmatamento entre 2004 e 2006.

O licenciamento e o cadastro ambiental são outros tipos de instrumento institucional utilizados na Amazônia nos últimos anos. Esses instrumentos partem do georreferenciamento e do uso de imagens de satélite para estabelecer a situação ambiental das propriedades rurais. A partir desse registro, espera-se que os órgãos de controle governamentais possam realizar a fiscalização das propriedades rurais por meio de imagens de satélite e que se possa obter uma responsabilização pelos crimes ambientais.

Em termos conceituais, os instrumentos de licenciamento e cadastro ambiental podem ser considerados formas de controle social ideais pelo seu potencial em obter uma fiscalização que é ao mesmo tempo universal (i. e. todos dentro do sistema podem ser submetidas a ela) e com baixo custo de transação (i. e. com o uso de imagens de satélite, torna-se desnecessária a visita in loco para a realização do auto de infração por desmatamento ilegal). Assim, esses sistemas em teoria poderiam oferecer a base para a construção de uma governança ambiental de tipo disciplinar e por isso tida como moderna e legítima pela população (FOUCAULT, 1977).

Porém, uma análise da eficácia do Sistema de Licenciamento de Propriedades Rurais (SLAPR) do Mato Grosso mostrou que nem sempre esses objetivos são alcançados. Em particular, uma comparação entre o desmatamento ocorrido dentro e fora

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do sistema sugere que esse instrumento contribuiu para o aumento – ao invés da redução – do desmatamento nas propriedades licenciadas. Entre os motivos para isso, pode-se indicar a estratégia de cadastramento, que coloca na mão dos proprietários a escolha de quais propriedades podem ser incluídas no sistema, dando margem para a exclusão de propriedades com passivo ambiental e inclusão de propriedades com cobertura vegetal para fins de obtenção de autorização de desmatamento. Além disso, é possível observar que a capacidade de controle do desmatamento a distância não foi utilizada de modo sistemático pelo órgão estadual no período do estudo (RAJÃO; AZEVEDO; STABILE, 2012).

Instrumentos econômicos Finalmente, o terceiro tipo de mecanismo caracteriza-se pelo incentivo a comportamentos ambientalmente sustentáveis pelos incentivos positivos, normalmente de caráter financeiro (JURAS; DE ARAÚJO, 2008). Entre as políticas que usam mecanismos econômicos, destacam-se: o ICMS ecológico, que repassa recursos aos municípios de acordo com indicadores ecológicos (RING, 2008); mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL) criados dentro do protocolo de Quito em 1997 (AUSTIN et al., 1999); o crédito de carbono por desmatamento e degradação evitados, comumente conhecido como UN-REDD3 (LEDERER, 2011); e programas de incentivo à produção sustentável (LE TOURNEAU; GREISSING, 2010). A fundação desses mecanismos é de que o ator econômico que deliberadamente decidir por diminuir seu impacto ambiental deve ser compensado financeiramente de modo direto e indireto (FEARNSIDE, 1997; KAIMOWITZ, 2008; OLSEN, 2007).

Já existem na literatura casos em que incentivos econômicos ao desenvolvimento sustentável foram capazes de oferecer alternativas viáveis e de longo prazo para as populações locais (LE TOURNEAU; GREISSING, 2010). Por exemplo, o Projeto de Conservação e Uso Sustentável das Florestas do Noroeste do Mato Grosso (Projeto PNUD/GEF) mostra a capacidade multiplicadora dessas iniciativas ao envolver um número crescente de atores locais e difundir práticas econômicas sustentáveis ligadas à extração de látex e castanha-do-pará

(TITO; NUNES; VIVAN, 2011).4 Porém, duas limitações importantes dessas iniciativas são sua escala relativamente reduzida e a pressão exercida nessas áreas pelo mercado nacional e internacional para o aumento, principalmente, da produção de carne bovina e soja, os quais historicamente estiveram vinculados ao desmatamento (HARGRAVE; KIS-KATOS, 2013). Nesse contexto, o REDD foi visto por um grande número de atores como uma forma de obter recursos financeiros em volume suficiente para contrabalancear essas pressões econômicas e fomentar a preservação das florestas (KAIMOWITZ, 2008; NEPSTAD et al., 2009).

Entretanto, a expectativa de se obter grandes volumes de recurso por meio de REDD até agora não se concretizou. Existem vários fatores que explicam as dificuldades encontradas pelo REDD, e os mais aparentes a falta de um consenso dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) sobre o mecanismo e a crise econômica na Europa e Estados Unidos. Mas além disso, pode-se também verificar incoerências internas ao mecanismo, visto que enquanto alguns atores observam REDD como um instrumento de mercado economicamente eficiente, outros o veem como uma política governamental desvinculada do mercado. Além disso, é possível observar divergências profundas em torno de questões ligadas à metodologia de cálculo de créditos e monitoramento, distribuição dos recursos, e a proteção dos direitos indígenas e da biodiversidade (IPAM, 2011).

Mesmo nos projetos REDD ligados ao mercado voluntário de carbono já em funcionamento, é possível observar problemas ligados aos critérios adotados para calcular os créditos, visto que a metodologia de linha de base futura usada por esses projetos tende a projetar o desmatamento futuro bem acima dos valores históricos de modo a obter um desmatamento “evitado” superior, e por consequência aumentar o ganho financeiro com a venda de créditos (LANG, 2013; LEACH; SCOONES, 2013). Além disso, os modelos aplicados não consideram que trajetórias de desmatamento podem mudar drasticamente em função de contextos nacionais e internacionais (SOARES-FILHO; LIMA; BOWMAN; VIANA, 2012). A essas

controvérsias metodológicas, se soma também o surgimento de movimentos locais contra REDD, o que reflete a existência de preocupações mais profundas ligadas às consequências negativas desse mecanismo, como aumento da inequidade social, por exemplo (ARSEL; BÜSCHER, 2012).

Conclusão Em suma, os instrumentos de controle do desmatamento atualmente adotados, em maior ou menor medida, pelo governo brasileiro possuem limitações. Em particular, os instrumentos de comando e controle, ao aumentarem sua escala, rapidamente esbarram em limites logísticos, financeiros e de legitimidade. Da mesma forma, os instrumentos institucionais não podem garantir por si só a mudança de comportamento dos atores locais, podendo ser inclusive utilizados para fins adversos. Apesar da grande ênfase que receberam nos últimos anos, os instrumentos econômicos também têm dificuldades para ampliar em escala regional as atividades de desenvolvimento sustentável locais e de obter recursos financeiro substanciais – por meio do REDD ou outros mecanismos. Por outro lado, cada um dos instrumentos mencionados têm sido importantes para o avanço positivo. Por exemplo, foi possível observar um efeito significativo das atividades de fiscalização do IBAMA na queda do desmatamento. Igualmente, a criação de áreas de proteção ambiental contribuiu para frear o desmatamento ao criar obstáculos para posse de terras públicas sem destinação definida. Mais ainda, os projetos locais de fomento à produção de látex e castanha-do-pará, mesmo em pequena escala, mostraram a possibilidade de aliar aumento de renda e melhoria de qualidade de vida com conservação ambiental.

Deste modo, ao combinar diferentes abordagens para o controle do desmatamento, é possível obter um “policymix” em que os pontos fracos de cada instrumento possam ser mitigados e assim construir sinergias. Em particular, em um contexto no qual exista uma estrutura de comando e controle eficaz, pode-se observar também uma redução no custo de oportunidade à preservação ambiental. Da mesma forma, mesmo que o licenciamento de propriedades rurais não tenha surtido o efeito esperado, esse registro facilita o trabalho de fiscalização e

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1. Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.2. Centro de Sensoriamento Remoto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.3. A iniciativa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal da Organização das Nações Unidas (UN-REDD) serve para produzir um valor financeiro ao carbono que é estocado nas florestas, por meio do provimento de incentivos a países para que estes reduzam suas emissões de áreas de florestas e para que invistam em trajetórias de desenvolvimento de baixo carbono.4. Ver também, nesta edição, Vivan et al. e May et al.

Foto: Laercio Miranda. Vila do Barranco Vermelho, terra indígena Erikbaktsa; Programa Integrado da Castanha-do-Pará (PIC). Reunião de intercâmbio de experiências.

reduz o custo de transação ligado à fiscalização. Finalmente, a presença de alternativas economicamente viáveis ao desmatamento – juntamente com a melhoria da capacidade de comando e controle – modifica a relação entre risco e recompensa dos crimes ambientais, contribuindo para o estabelecimento de práticas sustentáveis. Essa análise sugere que a busca por uma solução “ótima” para o desmatamento é um projeto que está fadado ao fracasso, sendo, portanto, necessária a adoção de uma estratégia ampla que considere a necessidade de se integrar um conjunto heterogêneo de políticas públicas.

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Desmatamento no Himalaia: Mitos e Realidadepor Jean-Marie Baland1 e Dilip Mookherjee2

O desmatamento em países em desenvolvimento e de renda média é um problema global urgente, afetando as mudanças climáticas, erosão do solo, mudanças nas principais bacias hidrográficas e nos modos de vivência das famílias pobres que vivem nas proximidadesde áreas florestais. Frequentemente, as discussões públicas relacionadas ao problema são dominadas por crenças amplamente difundidas sobre o nível de desmatamento –elevado e em crescimento – e seus impactos – adversos e também expressivos – sobre os meios de vida das populações locais. Os pontos de vista sobre os determinantes do desmatamento incluem o crescimento econômico, a pobreza e a desigualdade locais quegeralmente sãotidos como fatores que aceleram o processo. Entre as possíveis soluções, a mais amplamente discutida inclui os direitos de propriedade sobre as florestas: as comunidades locais devem receber a propriedade da terra e a autonomia desua gestão, a fim de interromper adequadamente o desmatamento.

Existem várias (e boas) razões que apontam para a veracidade de tais proposições, informadas tanto pela teoria econômica quanto pelo empirismo casual. As populações humanas usam as florestas para geração doméstica de energia, como recursos excedentes para a pecuária e como lenha e produtos madeireiros. As áreas florestais costumam ser desmatadas para aumentar a exploração de minérios, estender o cultivo agrícola, executar projetos residenciais ou expandir áreas urbanas e periurbanas. Assim, o crescimento econômico – que aumenta a demanda por alimentos, energia, recursos minerais, móveis e habitações – poderia, naturalmente, gerar um aumento do desmatamento. Entre os que vivem perto das florestas, as famílias mais pobres são as que mais dependem delas para lenha, forragem e outros produtos. Elas dependem mais da pastagem de gado e são menos capazes de adquirir combustíveis comerciais ou lenha e as famílias têm, em sua composição, muitos integrantes

(especialmente mulheres e crianças) com baixo custo de oportunidade em relação ao tempo e que podem coletar produtos florestais. Assim, o agravamento da pobreza entre as populações vizinhas pode aumentar a pressão humana sobre as florestas.3

Portanto, o aumento do desmatamento pode ter um grave impacto sobre a pobreza local, possivelmente gerando um ciclo vicioso no qual o aumento da pobreza, por sua vez, pode acelerar o desmatamento. É provável que mulheres e crianças – as principais coletoras – sejam os mais adversamente afetados. Uma maior desigualdade socioeconômica nas comunidades locais poderia minar sua capacidade de participação em ações coletivas para aplicar e impor limitações quanto ao uso da floresta. Por conseguinte, a transferência dos direitos de propriedade sobre as florestas do Estado para as comunidades locais pode, portanto, aumentar o alcance e o poder dessas ações coletivas.

Esses pontos de vista costumam ser expressos em inúmeras anedotas, relatos da mídia, trabalhos acadêmicos e documentos de política dos governos nacionais e organizações internacionais. No entanto, até que ponto eles são sustentados por resultados de pesquisas empíricas realizadas no campo? Será que se aplicam igualmente a diferentes países ou continentes?

Em colaboração com vários pesquisadores, ao longo da última década, realizou-se um estudo da região do meio do Himalaia, abrangendo o Nepal e o norte da Índia e usando uma variade de conjuntos de microdados detalhados. No caso do Nepal, contou-se com três rodadas sucessivas da Pesquisa Domiciliar de Medição dos Padrões de Vida (Living Standards Measurement Survey – LSMS), com representatividade nacional, entre 1995 e 2010. Para os estados indianos de Himachal Pradesh e Uttaranchal, localizados na mesma zona geoclimática que o Nepal, foram realizadas pesquisas detalhadas sobre as famílias, as comunidades e as

florestas entre 2001 e 2004. Os resultados são semelhantes entre o Nepal e os dois estados indianos, o que também ocorre em estudos efetuados nessas regiões por outros pesquisadores.

Desmatamento em ascensão? Não há provas claras de que o desmatamento nessa parte do mundo esteja acelerando. Para a Índia, Foster e Rosenzweig (2003) utilizam dados aéreos de satélites referentes à biomassa florestal e constatam o fenômeno oposto ao reflorestamento. Tais pesquisas florestais detalhadas realizadas em solo nos estados de Himachal e Uttaranchal indicam que o problema fundamental é a degradação, não o desmatamento. Os galhos das árvores são demasiadamente podados, prejudicando o crescimento das árvores e limitando suas folhagens. Cerca de 61 por cento das áreas florestais que serviram de amostrasexibiram coberturas do dossel abaixo do limite ecologicamente sustentável, de 40 por cento. Em contraste, os níveis de biomassa das árvores não estavam alarmantemente baixos: a média de área basal ultrapassou o limiar de sustentabilidade, de 40 m2 por hectare. As áreas florestais têm diminuído em razão dos crescentes deslocamentos floresta a dentro, o que representa uma fração relativamente pequena do aumento do tempo gasto pelas famílias com a coleta de lenha. Ao longo dos últimos 25 anos, o tempo de coleta de lenha aumentou 60 por cento, em média, mas o tempo de caminhada até a floresta aumentou apenas 10 por cento. A maior parte do aumento do tempo de coleta deveu-se ao declínio da qualidade da floresta, fazendo com que as famílias demorem mais tempo para encontrar lenha em decorrência da poda mais acentuada das árvores.

Esses fatos sugerem que uma estratégia de pesquisa viável para testar várias hipóteses sobre os determinantes da degradação florestal seria o estudo de seus efeitos sobre o uso doméstico de lenha e forragem e sobre a qualidade das florestas vizinhas.

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Nesse sentido, as conclusões principais são apresentadas a seguir.

Efeitos do crescimento econômico Aqui as conclusões dependem do modo como se mede o “crescimento”. Se ele for medido em termos do nível de consumo das famílias, as evidências, fundamentadas nas curvas de Engel estimadas para as famílias, mostram que o crescimento econômico agrava a degradação: o aumento do nível de consumo até o 95º percentil está associado ao aumento da coleta/uso de lenha. No entanto, esse fato não acontece quando o crescimento é medido em termos dos ativos produtivos da família ao invés dos níveis de consumo. Só o crescimento dos ativos pecuários parece ter forte impacto positivo sobre a demanda por lenha. O efeito da propriedade da terra é insignificante, e a educação e os ativos não agrícolas têm um efeito negativo na demanda. De fato, nos vilarejos do Nepal, a coleta de lenha por família caiu entre 1995 e 2010 – o que é explicado, principalmente, pelo aumento da educação e dos ativos não agrícolas, pela redução dos números do rebanho animal e pela maior emigração. Portanto, a natureza do crescimento importa. Se o crescimento for acompanhado por mudanças ocupacionais – em que há uma transição das populações locais, de ocupações relacionadas ao uso da terra ou à pecuária tradicional para ocupações modernas e não agrícolas – pode ocorrer uma redução da degradação florestal. O oposto pode acontecer se o aumento do padrão de vida for impulsionado pela transferências de renda do governo e das remessas dos migrantes ou pelo aumento dos ativos de rebanho animal.

Muito mais importantes que o crescimento econômico na explicação das tendências de degradação florestal na região do Himalaia foram os fatores demográficos, tais como o aumento da população e a crescente fragmentação das famílias rurais. A redução do tamanho das famílias, a população em crescimento e as baixas taxas de emigração permanente se traduziram em um rápido crescimento do número de famílias rurais, aumentando a degradação florestal. Estima-se que um crescimento de 10 por cento dos bens de produção nos dois estados do norte da Índia eleve o índice de uso de lenha pelas famílias em menos de 0,2 por cento, enquanto se estima que um crescimento

populacional de 10 por cento aumente o índice em 9,9 por cento.

Os efeitos da pobreza local Não há evidências de que as famílias pobres coletem mais lenha que as não pobres. Na realidade, é o contrário. As famílias não pobres têm maiores necessidades energéticas – relacionadas ao tamanho da casa, ao consumo de alimentos cozidos e ao aquecimento durante o inverno. Este resultado conta com uma metodologia de estimação sólida e se aplica tanto ao Nepal quanto ao norte da Índia. Portanto, é improvável que o declínio da pobreza detenha a degradação das florestas.

Efeitos da degradação florestal sobre a pobreza local Os dados também oferecem evidências muito limitadas da relação inversa entre a degradação da floresta e os padrões de vida atuais das populações que vivem no entorno das florestas. No norte da Índia, foi estimado que um aumento de uma hora no tempo de coleta de lenha – comparável à medida observada ao longo dos últimos 25 anos – reduz o consumo das famílias em menos de 1 por cento, de forma uniforme entre as famílias pobres e não pobres. A razão é o baixo custo de oportunidade do tempodas famílias, uma vez que acumulam lenha nas temporadas de baixa atividade agrícola. Contudo, é possível que haja efeitos adversos sobre os meios locais de vida a longo prazo, caso as tendências atuais de degradação continuem.

Efeitos da desigualdade local ou ação coletiva Também não há qualquer evidência de que

o aumento da desigualdade no consumo ou na propriedade da terra em vilarejos próximos às florestas esteja associado a uma pressão maior sobre as florestas adjacentes. Notavelmente, não existem ações coletivas informais para regular o uso da floresta no norte da Índia, exceto em alguns locais. Isso não reflete uma incapacidade geral de participação em ações coletivas, como é demonstrado pela existência de cooperativas informais em funcionamento no contexto de outros bens públicos locais, como a irrigação ou os templos. Parte da razão pode ser o fato citado anteriormente: uma floresta mais degradada tem um impacto insignificante sobre os meios de subsistência no padrão de vida atual das famílias. Assim, as comunidades locais não se preocupam com o estado das florestas vizinhas e tampouco buscam regular o uso de produtos florestais.

Os efeitos da posse e gestão da terra nas mãos das comunidades locais Tanto o Nepal quanto a Índia têm transferido a propriedade e a responsabilidade pela gestão das florestas para as comunidades locais, na forma de grupos de usuários das florestas (Forest-User-Groups – FUGs) no Nepal e de Van Panchayats (VPs) no norte da Índia. Essas organizações locais criam e aplicam regras de utilização de lenha e forragem a serem seguidas por seus membros e participam de programas de reflorestamento. Embora a estimação do impacto dessas mudanças suscite uma série de problemas metodológicos, os estudos mais detalhados disponíveis concluem que há uma redução de 10-20

Foto: Sandesh Timilsina. Coletando forragem. Rokuwa, Nawalparasi, Nepal.

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Direitos de Propriedade, Desmatamento e Violência: Problemas para o Desenvolvimento da Amazôniapor André Albuquerque Sant’Anna1 e Carlos Eduardo Frickmann Young2

No Brasil, a perda de áreas florestadas está historicamente relacionada à forma de ocupação territorial e ao modo de produção estabelecidos desde o início da era colonial (YOUNG, 2006). Nessa perspectiva histórica, apesar da alternância da mercadoria geradora da dinâmica da economia colonial e, posteriormente, imperial e republicana, percebe-se um padrão de “auge e crise” a partir da exploração direta ou indireta dos recursos naturais encontrados. A abundância do recurso em questão induz à sua rápida exploração predatória, o que leva

por cento no uso doméstico de lenha, em ambas as regiões. No norte da Índia, tais resultados são corroborados por uma poda reduzida das florestas transferidas para as VPs, em comparação às florestas estaduais e de livre acesso em regiões vizinhas.

Os efeitos dos custos variáveis dos substitutos de energia doméstica Os estudos no norte da Índia mostram que o uso doméstico da lenha é sensível ao custo dos combustíveis alternativos modernos, especialmente o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). Para os cilindros de GLP, estimou-seque um subsídio de INR 100 (aproximadamente USD2, um terço do custo no início do ano 2000) reduz o uso de lenha doméstica em cerca de 20-27 por cento.

Em resumo, muitos dos pontos de vista comumente aceitos – como os efeitos do crescimento econômico, da redução da pobreza e da desigualdade local sobre as florestas, ou os efeitos reversos de degradação da floresta sobre os meios locais de subsistência – provam-se inválidos ou precisamseriamente de mais qualificação no contexto do Himalaia.

Em vez disso, o que parece ser verdadeiro é o seguinte. A degradação da floresta é um problema grave, do ponto de vista de seus impactos mais amplos e não locais – ecológicos e referentes às mudanças

climáticas –, bem como dos possíveis impactos de longo prazo sobre os meios locais de subsistência. Esse fato resulta, principalmente, do uso doméstico de lenha e forragem pelas famílias que vivem perto das florestas. Há pouca probabilidade das ações coletivas e informais realizadas pelas comunidades locais vizinhas oferecerem uma solução significativa para o problema. A transferência da propriedade e da gestão para as comunidades locais, no entanto, pode ajudar a moderar o uso da lenha e estimular a regeneração da floresta. Os subsídios e o aumento da disponibilidade de substitutos energéticos modernos irão reduzir a dependência das famílias da floresta.

No longo prazo, a forma mais eficaz de limitar a degradação é por meio de políticas que controlem o crescimento da população e promovam a educação, o crescimento das ocupações nãoagrícolas e a emigração permanente.

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1. Centre for Research in the Economics of Development, University of Namur, Bélgica.2. Department of Economics, Boston University, Estados Unidos.3. Nota do editor: Deve-se ter em mente que essa é uma questão saliente nas fronteiras florestais da Ásia discutida neste artigo, as quais têm uma densidade populacional muito elevada. Portanto, algumas das questões discutidas aqui não devem ser aplicadas automaticamente a todas as fronteiras florestais, especialmente no caso da fronteira amazônica, que tem uma densidade populacional muito baixa e é dominada por commodities agrícolas.

ao declínio de longo prazo, seja por escassez crescente do que antes era farto, seja porque o aumento abrupto de oferta da mercadoria em questão resulta em uma tendência de depreciação contínua do seu preço nos mercados doméstico e internacional.

Portanto, sob essa perspectiva analítica, pode-se construir uma teoria comum aos ciclos econômicos do Século XV ao início do XX (pau-brasil, açúcar, gado, ouro e café), apesar das enormes diferenças nas formas de produção e distribuição desses produtos.

Todas essas atividades estiveram ligadas ao uso predatório de recursos naturais, com graves danos ao meio ambiente, mas sem constituir formas sustentáveis que possibilitassem a superação das contradições econômicas e sociais.3

Apesar disso, ainda persiste nos grupos mais conservadores, com forte expressão no Congresso Nacional e outras instâncias de poder, a visão de que a expansão da fronteira agrícola é condição fundamental para o desenvolvimento das áreas mais

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remotas do país. Segundo essa visão, a conversão de floresta em áreas de pasto ou plantio possibilitaria um ganho econômico, com o aumento da atividade agropecuária. Além disso, o próprio processo de ocupação do território levaria consigo o desenvolvimento das funções do Estado a uma parte do país ainda carente de bens públicos.

A visão de que a expansão da fronteira agrícola conduz ao desenvolvimento não é nova e tampouco exclusiva do Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, argumenta-se que a expansão da fronteira na Marcha para o Oeste teve papel fundamental não apenas para o crescimento econômico do país, mas também para a promoção de uma sociedade democrática. De fato, de acordo com Turner (1920), “A democracia americana é fudamentalmente um resultado das experiencias do povo americano ao lidar com o Oeste”.

Nessa visão, denominada “Tese de Turner” ou “Tese da Fronteira”, o sucesso ou o fracasso da política de expansão da fronteira é condicional ao grau de desenvolvimento institucional do país. O exercício empírico de García-Jimeno e Robinson (2009) corrobora a hipótese de “fronteira condicional”. De um lado, em países onde as instituições políticas eram piores à época da expansão da fronteira, encontra-se uma relação negativa entre fronteira e renda per capita contemporânea. Por outro, países que já dispunham de instituições políticas mais avançadas, como os casos dos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, o resultado é justamente o inverso: há uma associação positiva entre expansão da fronteira e renda per capita. Assim, deve-se notar que esses países ainda mantêm elevado percentual de cobertura florestal (54 por cento do território canadense e 33 por cento dos EUA), indicando que a funcionalidade do desmatamento para o crescimento nesses países, se de fato existiu, ficou restrita até meados do Século XIX.

Diante disso, é fundamental compreender o papel das instituições, em particular a definição de direitos de propriedade, para o avanço do desmatamento no Brasil e suas consequências para o desenvolvimento. Nossa perspectiva está fundamentada na premissa de que a má-definição dos direitos de propriedade sobre a terra é um fator-chave para a dinâmica de

desmatamento e seus efeitos perversos do ponto de vista social e econômico.

Nas terras de fronteira, não há uma definição formal a respeito da propriedade da terra. Associado a isso, há uma tradição no Brasil de se estabelecer a necessidade de um uso produtivo da terra para que se possa pedir o direito à sua posse. Nesse contexto, o ato de desmatar a terra é imperioso para aumentar as chances de se conquistar o direito de propriedade. No entanto, na medida em que cresce o valor da terra, logo surgem grileiros que reclamam para si o direito à posse. Muitas vezes, essa disputa entre posseiros e grileiros resulta em intensos conflitos de terra: a literatura mostra que nos municípios em que o desmatamento é maior, a violência, medida pela taxa de homicídios, é também maior (SANT’ANNA; YOUNG, 2010). Assim, pode-se dizer que o resultado mais evidente da má- definição de direitos de propriedade na expansão da fronteira agrícola reflete-se no fato de ser fonte de contínua violência.

Em um contexto de ampla concentração fundiária, a expansão da fronteira agrícola em áreas de floresta tem sido usada historicamente como válvula de escape para acomodar o excedente populacional que acaba sendo gerado pela mecanização e desestruturação da agricultura familiar (SANT’ANNA, 2012). Desse modo, inicialmente a Mata Atlântica, depois o Cerrado e a Floresta Amazônica têm sido reduzidos para que os conflitos de terra possam ser acomodados sem que uma reforma agrária seja efetuada nas áreas já ocupadas. Contudo, nas novas áreas ocupadas reproduz-se o mesmo padrão de concentração fundiária. Assim, após algum tempo, a incapacidade de absorção de novos excedentes recria as condições para que um novo fluxo de migração se direcione para áreas de floresta ainda não convertidas (YOUNG, 2006).

Como há limites para a capacidade de se obterem excedentes “naturais” de terra para acomodar os problemas sociais da forma pela qual a economia agrária é organizada no Brasil, o uso das terras de fronteira como atenuante do problema está longe de ser uma solução definitiva. Trata-se, portanto, de um padrão de expansão, que leva, inequivocamente, a desmatamento, violência e concentração fundiária. No entanto, a expansão das

áreas de pastagem e cultivo tem impacto devastador sobre as florestas nativas, sem alcançar uma situação socialmente desejável. Grande parte dos bolsões de pobreza no país estão em áreas rurais em que o desmatamento foi consolidado. Estudos empíricos demonstram que o desmatamento não está associado ao aumento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Young e Neves (2009) destacam que, nos municípios onde ocorreu mais desmatamento na Mata Atlântica no período 1985-1996, o IDH cresceu menos do que na maioria dos demais municípios. Celetano et al. (2009) mostram que, na Amazônia, não há correlação entre percentual de área desmatada no município e aumento do seu IDH.

A instabilidade social e a ausência de estrutura adequada de serviços básicos, como educação e saúde, são também consequências da forma desequilibrada de expansão por meio da “produção de direitos de propriedade” via desmatamento. Os problemas de saúde são particularmente graves visto que a perda e a degradação da vegetação nativa aumentam o risco de disseminação de doenças (PNUD, 2010). A literatura aponta que o desmatamento contribui para o alastramento de doenças infecciosas como a malária, dengue, mal de Chagas, leishmaniose e os hantavírus, e a situação será agravada pelas mudanças climáticas. Como consequência, ocorre um aumento direto nas despesas públicas, visto que os custos da mitigação e das estratégias de erradicação são maiores do que os das ações preventivas. Estima-se que as despesas só com a malária nas Américas superaram os USD500 milhões de 2004 até 2007 (PNUD, 2010).

Diante do quadro apresentado, fica claro que a organização dos direitos de propriedade sobre a terra no Brasil, de forma mais especial na Amazônia, é perversa. O processo de concentração fundiária, historicamente elevada no Brasil, associado à mecanização da agricultura reduz a disponibilidade de terras já consolidadas, empurrando um importante contingente populacional para a fronteira agrícola. Na fronteira, o confuso arcabouço institucional leva a um processo de busca por “produção” de direitos de propriedade, cujas principais características são o

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1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O autor é exclusivamente responsável pelas opiniões expressas neste artigo.

2. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil.

3. Para uma descrição do processo de ocupação do território brasileiro e seus impactos socioambientais, ver Dean (2004).

Políticas Sociais e Fronteiras Florestais: Consequências para o Uso Agrícola da Terra na Amazônia Brasileirapor Gabriel Henrique Lui1

As populações rurais em todo o mundo vivenciam, atualmente, um processo de transição de modos de vivência. Especialmente para os pequenos produtores, esse processo é caracterizado pela diversificação e por uma desconexão entre os meios de vivência rurais e a produção agrícola. Em geral, esse cenário é resultado de fatores como: 1) a concorrência desigual com os produtores de grande escala; 2) a baixa rentabilidade da agricultura de subsistência; 3) as novas oportunidades de trabalho e atividades não agrícolas; 4) a proximidade das cidades e da cultura urbana; 5) a falta de interesse em continuar as atividades agrícolas entre as gerações mais jovens; 6) a degradação ambiental; e 7) a falta de terra disponível (BRYCESON, 1996; GRAZIANO DA SILVA, 1997; RIGG et al., 2001; RIGG, 2006).

Como consequência, tem-se demonstrado que a renda advinda das atividades agrícolas está diminuindo em importância entre os pequenos produtores, enquanto a renda de outras atividades, como empregos em tempo parcial, serviços, empregos públicos, remessas familiares e outros benefícios, estão se tornando mais significativas. Na América Latina, por exemplo, Reardon et

contínuo desmatamento e a violência associada aos conflitos de terra. Há, portanto, a necessidade de se aprimorar as políticas públicas, de modo a se reduzir os incentivos a desmatar e a se fazer melhor uso das terras já consolidadas.

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al. (2001) indicaram que até 40 por cento da renda das famílias rurais advêm de atividades não agrícolas. No sul da Ásia, Gordon (1999) mostrou que esse número pode chegar a mais de 60 por cento.

No Brasil, existem duas variáveis significativas nesse cenário de diversificação de meios de vida entre os pequenos produtores de baixa renda: o Programa Bolsa Família (PBF) e os esquemas de aposentadoria rural. O PBF é um programa do governo federal que realiza transferências condicionadas de renda para 13 milhões de famílias – cerca de 53 milhões de pessoas ou 27 por cento da população brasileira. O principal objetivo do PBF é reduzir a pobreza e garantir a segurança alimentar entre os beneficiários do Programa. Os beneficiários do PBF são famílias com renda mensal per capita de até BRL140 (cerca de USD62), e as condicionalidades para recebimento do benefício estão ligadas à atenção, saúde e frequência escolar. O valor recebido por família pode variar entre BRL32 e BRL306 por mês, dependendo do número e da idade dos filhos (BRASIL, 2012a).

Além da grande proporção da população atendida pelo PBF, o impacto dos recursos

adicionais torna-se mais claro quando se consideram as mudanças na renda. As famílias inseridas no Programa têm experimentado um aumento médio de 48,7 por cento na renda per capita (BRL48,69 para BRL72,42), e o benefício representa, em média, cerca de 33 por cento da renda total do agregado familiar (ibid.).

Outro fator que tem provocado mudanças significativas na renda em áreas rurais do Brasil é o maior acesso a benefícios de seguridade social, como planos de aposentadoria, pensões e assistência temporária (maternidade, morte, desemprego, etc.). O número desses beneficiários no país cresceu de 22 milhões em 2003 para 28 milhões em 2010 (BRASIL, 2012b).

Especificamente nas áreas rurais, o número de beneficiários cresceu de 7 milhões para 8,4 milhões no mesmo período. Mais do que o número de indivíduos atendidos por programas de segurança social, é interessante notar o volume de recursos disponíveis para tais benefícios. O salário-mínimo, que é a base para o cálculo dos pagamentos, aumentou de BRL240 por mês, em 2003, para BRL545 por mês, em

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2011, o que representa um crescimento real de 49 por cento. O maior número de beneficiários, juntamente com o aumento do valor dos benefícios, amplia a importância econômica dessas fontes de renda. Por exemplo, na região de Santarém, no leste da Amazônia, o montante anual de recursos transferidos para aposentadorias e pensões cresceu de BRL96 milhões, em 2003, para BRL242 milhões em 2010 (ibid.), o que representa mais de 13 por cento do PIB naquela área.

Diante de novas fontes de renda, como o PBF e as aposentadorias rurais, que não exigem a mobilização de mão de obra, que tipo de lógica de tomada de decisão as famílias seguiriam? Haveria um movimento de reinvestir a renda adicional em atividades agrícolas? Ou essas fontes de renda externas contribuiriam para o distanciamento das famílias da agricultura? Consequentemente, como tais decisões afetam o uso da terra?

Para abordar essas questões, dois levantamentos de dados primários foram realizados por pesquisadores da Universidade de Indiana nos Estados Unidos e da Universidade de São Paulo no Brasil, na região de Santarém, no Estado do Pará. As pesquisas foram realizadas em 2003 (n = 488) e 2011 (n = 83), em busca

de informações demográficas, econômicas e espaciais para as mesmas propriedades em ambas as ocasiões. Os dados foram coletados por questionários e entrevistas semiestruturadas. A mudança no uso da terra foi analisada por meio de imagens de satélite de 1997, 2001, 2005 e 2010. Os dados quantitativos foram analisados por meio de estatística descritiva, análise de correlação e testes de hipóteses. Além disso, os dados qualitativos foram analisados por categorização do conteúdo das respostas dos entrevistados (D’ ANTONA et al., 2006; LUI, 2013; LUI; MOLINA, 2013).

Os resultados mostram alterações significativas entre os dois períodos, como redução no tamanho médio do domicílio (de 4,6 para 3,86 pessoas), crescimento da renda mensal (de BRL443,97 para BRL1.463,17) e das despesas (de BRL344,12 para BRL933,60), diminuição na produção de culturas anuais, especialmente de arroz (-82 por cento), feijão (-73 por cento) e milho (-63 por cento) e uma aceleração na taxa de desmatamento em grandes propriedades, especialmente após a chegada de produtores de soja em larga escala.

A demonstração da crescente importância das fontes de renda não agrícolas para as famílias, especialmente de benefícios de aposentadoria e pensões, foi um dos

resultados mais importantes do trabalho. Além de ser uma fonte essencial para a subsistência familiar, como evidenciado pelos dados sobre a renda (Figura 1), o movimento de recursos gerados por aposentados e pensionistas tem consequências fundamentais para a economia local e representa parte significativa do PIB municipal.

O aumento contínuo do salário-mínimo e do valor das aposentadorias tende a reduzir ainda mais a participação da agricultura na composição da renda familiar. A mesma lógica aplica-se aos empregos não agrícolas, uma vez que o aumento do salário-mínimo os torna mais atraentes do que a renda gerada pelas atividades agrícolas.

Os efeitos do PBF e da aposentadoria rural surgiram, portanto, como um dos componentes que contribuem para o fenômeno mais amplo da redução nas atividades agrícolas de subsistência na região amazônica. No entanto, esse fenômeno também é fortemente influenciado pela dinâmica interna, como a reduzida disponibilidade de mão de obra familiar, a desvalorização do trabalho agrícola, a busca de oportunidades educacionais em outros lugares e trabalhos externos. Ele também é afetado pela dinâmica externa, como o baixo retorno proporcionado pelas principais culturas anuais produzidas pela agricultura de subsistência, a concorrência com grandes propriedades mecanizadas, o aumento da ocorrência de pragas agrícolas, os custos de transporte da produção e o papel de intermediários no processo de comercialização.

A maioria das famílias entrevistadas não observou vantagens em continuar as atividades agrícolas. Faz mais sentido escolher outras atividades, uma vez que o custo de oportunidade do trabalho aumenta diante das possibilidades de emprego formal, o que, por sua vez, reduz a possibilidade de escolha da agricultura como principal fonte de renda. Para as famílias que ainda estão envolvidas na agricultura, a assistência técnica eficaz parece ser a diferença, pois é capaz de aumentar o potencial de retorno, possivelmente para o mesmo nível que os salários do emprego formal. O papel da assistência técnica foi destacado nos

Fonte: Elaboração do autor. Nota: *Composição da renda familiar em 2003 e 2011, mostrando uma inversão na proporção de aposentadorias/pensões e agricultura no período.

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resultados dos testes estatísticos, bem como pelos entrevistados.

Apesar desse cenário de distanciamento da agricultura, as melhorias na infraestrutura, em especial o aumento do acesso à energia e água, têm incentivado as famílias a continuarem vivendo em áreas rurais. Há também um sentimento de pertencimento e de apreciação da vida rural, especialmente entre os idosos. A maioria dos proprietários rurais não demonstrou nenhum interesse em se mudar para áreas urbanas. Novas fontes de renda e melhoria da infraestrutura nas áreas rurais têm levado a uma desconexão entre os padrões de vida e as atividades agrícolas.

Considerando-se os processos em andamento, as perspectivas de curto e médio prazo para pequenos produtores dependerão de um cenário de crescimento econômico, especialização da agricultura e da influência da cultura e dos valores urbanos, especialmente entre os indivíduos mais jovens. Será necessário promover uma assistência técnica eficaz, visando à redução de custos, ao aumento da eficiência de produção e do valor agregado para que as famílias possam permanecer proprietárias de terra. Além disso, é

importante ter em conta o papel social e econômico dos pequenos produtores na oferta de alimentos para a população em geral e do seu papel ambiental na resistência à “comodificação” completa dessas regiões rurais, o que certamente aceleraria o desmatamento. No entanto, não se pode ignorar que as atividades não agrícolas sejam parte fundamental dos meios de vida da população rural no Brasil, ressaltando-se que os interesses e o bem-estar das famílias não podem ser subestimados.

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1. Ministério do Meio Ambiente – Brasil.

Assentamentos Sustentáveis na Amazônia por Mauro Angelo Soave Junior,1 Osvaldo Stella Martins,1 Paulo Roberto de Souza Moutinho1 e Simone Mazer Rodrigues1

O Desafio da Produção Familiar em direção a uma Economia de Baixo Carbono As emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) causadas por mudanças no uso do solo são responsáveis por, aproximadamente, 12 por cento das emissões globais ou 1,2 bilhões de toneladas por ano (LE QUÉRÉ et al., 2009). No Brasil, 55 por cento das emissões de GEE estão vinculadas a mudanças no uso do solo e ocorrem predominantemente na Amazônia (MCTI, 2013). Essas emissões estão ligadas principalmente ao processo de conversão das áreas de floresta em áreas de cultivo agrícola.

Embora o desmatamento na Amazônia tenha diminuído drasticamente na última década, ainda existe uma dificuldade evidente em garantir a preservação

da floresta. Nesse sentido, a Amazônia apresenta um grande desafio: construir um modelo de desenvolvimento rural que esteja alinhado à perspectiva de desmatamento zero e à melhoria na qualidade de vida dos produtores. Um dos setores-chave desse processo referem-se aos assentamentos de reforma agrária.

O desmatamento nos assentamentos de reforma agrária na Amazônia Atualmente, cerca de 78 por cento das áreas de assentamentos no Brasil encontram-se na Amazônia. Esses assentamentos ocupam uma área de 35,7 milhões de hectares e têm capacidade de abrigar, aproximadamente, 400 mil famílias (IPAM, 2012). Vale ressaltar que a criação de assentamentos na região amazônica cresceu fortemente a partir de 2005.

No oeste do Estado do Pará, até 2010, havia 216 projetos de assentamento reconhecidos, sendo 212 federais e 4 estaduais. Tais assentamentos são coordenados pela Superintendência do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) de Santarém e suas três unidades avançadas (Altamira, Itaituba e Monte Alegre) e pelo Instituto de Terras do Estado do Pará (ITERPA) e têm capacidade para abrigar até 108,3 mil família, ocupando uma superfície total de 97,8 mil km2 de áreas de floresta e várzea.

Um estudo realizado pelo IPAM, em parceria com o Incra comparou os dados de desmatamento do Prodes2 (INPE, 2012) com os dados de 1.868 assentamentos do bioma Amazônia. O IPAM considerou esses assentamentos como um único

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grande lote, sem levar em conta os limites internos, uma vez que tais dados não foram disponibilizados. Até 2012, 36 por cento da área dos assentamentos (12,8 milhões de hectares) encontravam-se desmatadas. No entanto, boa parte dessas áreas já estava assim antes de se tornar projetos de reforma agrária. Na média, os assentamentos criados a partir de 1997 já possuíam 38 por cento de sua área desmatada (IPAM, 2012). O estudo também mostrou que a tendência de redução de desmatamento observada na região também é identificada nos assentamentos de reforma agrária (Figura 1).

O desafio da transição produtiva para uma economia de baixo carbono De forma geral, os assentamentos na Amazônia são espaços abundantes em recursos florestais e, por isso, são permanentemente alvo de disputa pela apropriação de seus recursos madeireiros e não madeireiros. Para o setor florestal, a exploração madeireira nos assentamentos é uma alternativa fácil de obtenção de madeira regularizada, considerando-se que, a cada ano, as ações de comando e controle têm restringido a oferta de madeira ilegal no mercado local e a política de concessões florestais tem avançado de forma lenta na região.

No contexto do desenvolvimento sustentável da região, existe atualmente um grande desafio, que é o de consolidar uma política de assentamentos sustentáveis. Para tanto, é necessária a adoção de estratégias voltadas para combater os vetores do desmatamento e a degradação florestal a partir da implementação de um novo modelo produtivo de baixa pressão sobre a floresta remanescente e de maior potencial econômico. Dois vetores destacam-se na dinâmica do desmatamento nos assentamentos da Amazônia: a exploração florestal desordenada e a produção agropecuária extensiva.

A ameaça de mau uso e esgotamento dos recursos florestais dos assentamentos, causados pela sua exploração madeireira desordenada (ilegal e de alto impacto ambiental), quer seja antes da instalação das famílias, quando as áreas são saqueadas por madeireiros clandestinos, ou até mesmo depois de sua instalação. Em razão das condições precárias de infraestrutura, das instalações e da falta de planejamento do assentamento, as famílias não encontram condições básicas para viver e, diante dessa situação, realizam a venda ou a troca dos seus recursos florestais por estradas e outros benefícios ou ainda abandonam as áreas por completo.

Por sua vez, as práticas agropecuárias que predominam nos assentamentos, sobretudo naqueles convencionais, que são a maioria, são marcadas pela baixa produtividade da pecuária extensiva e pelo sistema de corte-e-queima. Em tais sistemas de produção “primitivos” que ainda predominam em grande parte da Amazônia, a floresta cumpre um papel de “subsídio agrícola”, fornecendo nutrientes e servindo de mecanismo de controle de pragas, doenças e ervas daninhas dos cultivos.

Portanto, incentivar o manejo florestal e intensificar a produção agropecuária nas áreas que já foram desmatadas e que se encontram abandonadas, ou sob sistemas de produção extensivos, são ações estratégicas para combater a degradação florestal e o desmatamento nos assentamentos da Amazônia.

O projeto “Assentamentos Sustentáveis na Amazônia: o desafio da transição da produção familiar de fronteira para uma economia de baixo carbono”, fruto de uma parceria entre o IPAM, a Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) e o INCRA, visa promover uma transformação da base produtiva dos assentamentos de reforma agrária da Amazônia. O objetivo é que os sistemas produtivos predominantes, caracterizados por altas emissões de carbono e baixa rentabilidade, se convertam em sistemas de baixas emissões e, ao mesmo tempo, rentáveis para os produtores locais. Busca-se implementar sistemas que mantenham o estoque de carbono da cobertura florestal nos assentamentos, aumentem a rentabilidade das áreas já abertas e promovam a melhoria na qualidade socioambiental da região.

O projeto, que recebe apoio financeiro do Fundo Amazônia, atua em três projetos de assentamentos de reforma agrária localizados na região oeste do Pará (PA Bom Jardim, PA Moju e PA Cristalino II), atendendo a, aproximadamente, 2.700 famílias distribuídas em uma área de 230.000 hectares (Mapa 1).

O projeto tem seu término previsto para 2017. Para atingir seus objetivos, as atividades estão fundamentadas nos seguintes eixos: regularização ambiental e fundiária; fortalecimento da gestão compartilhada (cogestão); transição de sistemas produtivos; beneficiamento e comercialização de

Fonte: Elaboração dos autores.

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produtos; pagamento pelo desmatamento evitado; monitoramento e indicadores de sustentabilidade; disseminação das atividades do projeto.

A legalização da situação ambiental, contemplada pelo eixo para regularização fundiária, aliada ao fortalecimento da capacidade dos assentados de gerir os próprios bens, meios e recursos é um caminho para promover sua emancipação, fazendo com que, no momento em que o projeto chegar ao fim, os resultados sejam replicados e melhorados ao longo do tempo, possibilitando o início de uma mudança para os modelos de implementação de assentamentos de reforma agrária na Amazônia e sua relação com o desmatamento.

BRASIL. Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006. Brasília, 2006.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (INCRA). Boletim Assentamentos Verdes, n. 1, Brasília, 2012. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/reforma-agraria-2/analise-balanco-e-diagnosticos/boletins-assentamentos-verdes/file/1441-boletim-assentamentos-verdes-n-1>. Acesso em: 2 set. 2013.

1. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Brasil.

2. Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, que produz taxas anuais de desmatamento desde 1988.

INSTITUTO DE PESQUISA AMBIENTAL DA AMAZÔNIA (IPAM). Amazônia em Pauta, n. 1, Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.ipam.org.br/biblioteca/livro/Amazonia-em-Pauta-N-1/699>. Acesso em: 2 set. 2013.

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Fonte: Elaboração dos autores.

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Comercialização de Produtos Agroextrativistas: Problemas e Soluçõespor Donald Sawyer1

A análise e as recomendações a seguir fundamentam-se na experiência do Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS) que, ao longo dos últimos 20 anos, vêm oferecendo pequenas doações a comunidades locais para empreendimentos de aproveitamento sustentável da biodiversidade no cerrado, na caatinga e na Amazônia do Brasil.2

O artigo identifica os principais problemas e propõe soluções práticas para apoiar a formulação adequada de novas iniciativas de promoção à comercialização de produtos agroextrativistas em regiões de fronteira nos trópicos. Fazem parte das atividades agroextrativistas a colheita silvestre, os produtos florestais não madeireiros, o manejo florestal, os sistemas agroflorestais e as agroindústrias de pequeno porte.

Até o momento, as experiências mais bem-sucedidas do PPP-ECOS têm sido com frutas nativas, flores secas, babaçu, castanhas, baru, ervas medicinais, especiarias, artesanato, mel de abelhas nativas e exóticas, piscicultura e criação de animais silvestres (CARRAZZA; LUIS; FIGUEIREDO, 2010). Alternativas promissoras são a pesca, as plantas ornamentais e os pequenos objetos de maneira.

Entre os produtores, estão pequenos agricultores, assentados de projetos da reforma agrária, quilombolas e povos indígenas.

Aplicando uma abordagem de meios de vivência sustentáveis, o Programa visa aliviar a pobreza e melhorar a qualidade de vida usando o meio ambiente para promover a inclusão social, ao mesmo tempo em que busca alternativas para a destruição causada pelo desmatamento, pela pecuária, monocultura, erosão e poluição. Manter as funções ecossistêmicas dos recursos hídricos, da biodiversidade e do clima, assegurando simultaneamente a viabilidade econômica e a justiça social, requer um trabalho em escala mais ampla. É preciso ir além das famílias e das comunidades, mesmo que elas sejam

seu alvo imediato. A comercialização de produtos agroextrativistas costuma ser uma atividade sazonal e complementar que, por si só, é insuficiente, mas que possibilita que as pessoas permaneçam no interior ao invés de migrar para as cidades o que abre espaço para a pecuária e a monocultura. Somente as macro-paisagens de pequenos agricultores, com pessoas e produção, podem levar ao desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável ao nível do sistema. Para se atingir esse objetivo, é necessário influenciar as políticas públicas, os sistemas formais e informais de educação e as práticas de produtores, intermediários e consumidores.

Quase todas as experiências apoiadas até o momento continuam gerando resultados positivos. Nenhuma alternativa foi descartada. Contudo, nenhuma das experiências alcançou a escala necessária para gerar impactos positivos de forma permanente. A produção de polpa de fruta congelada poderia ser considerada uma exceção, embora as fábricas que existem em Minas Gerais (MG), Maranhão (MA) e Mato Grosso (MT) ainda dependam de subsídios governamentais que não seriam replicáveis em outros lugares em uma maior escala.

Problemas Muitas lições são aprendidas com as experiências práticas. Não são só os pesquisadores geram conhecimentos úteis, mas também as comunidades, as organizações de apoio e os órgãos governamentais envolvidos. Os principais problemas encontrados até o momento nas experiências práticas estão relacionados aos seguintes fatores:

�� Deficiências de escala, qualidade e regularidade: há muitos mercados, mas faltam produtos. Alguns compradores até gostariam de receber contêineres todos os meses, mas as comunidades mal conseguem abastecer os supermercados locais. As variações naturais e contingências sociais

frequentes dificultam o cumprimento dos contratos.

�� Pequena escala dos impactos sociais e ambientais: a produção doméstica para consumo próprio nas comunidades locais contribui para a segurança alimentar e nutricional, mas os impactos são muito localizados.

�� Amadorismo na produção e na comercialização: mais do que uma forte liderança política e social, o beneficiamento de produtos e a interação com mercados para além do nível comunitário requer profissionalismo.

�� Falta de empreendedorismo: poucos agricultores familiares e líderes comunitários têm tino comercial. Além disso, os movimentos sociais caracterizam-se por metas e processos que não são dificilmente compatíveis com as negociações ágeis exigidas pelo mercado.

�� Necessidade de investimentos: a formalização da produção e da comercialização exige investimentos em equipamentos e mão de obra qualificada, o que também aumenta os custos de produção. A escala possível para produtos que crescem dispersos ao invés de densamente concentrados raramente justifica a realização de grandes investimentos.

�� Regulações governamentais desfavoráveis: as normas de saúde e as regulações ambientais, tributárias e profissionais favorecem a produção e a comercialização industrial e agrícola, dificultando ou impossibilitando a formalização dos empreendimentos familiares (SIMONE; SAWYER; ALMEIDA, 2011).

A despeito das boas intenções, nem os projetos de cooperação internacional com consultores fortemente comprometidos com causas sociais e ambientais nem o desenvolvimento de bancos de dados e a preparação de planos de negócios conseguiram resolver tais problemas.

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“ Novas iniciativas

de promoção da comercialização

de produtos agroextrativistas precisam se concentrar fortemente

nas necessidades reais dos camponeses e artesãos,

dos ecossistemas e da sociedade.

1. Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e professor apostendo do Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília.O autor agradece aos colegas pelos comentários. 2. Este Programa, originalmente a versão brasileira do Programa de Pequenas Doações do Fundo Mundial do Meio Ambiente (Global Environment Fund) e do PNUD, também recebe ou recebeu apoio da Comissão Europeia e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o arco de desmatamento da Amazônia. Nenhum dos doadores é responsável pelas opiniões expressas nesse documento.

Possíveis soluções A experiência prática do PPP-ECOS sugere que os problemas anteriormente identificados poderiam ser resolvidos pela adoção ou adaptação das seguintes abordagens:

�� Apoio por meio da venda de produtos e serviços: com a crescente escassez de recursos de doadores e a dificuldade de gastar os recursos governamentais e prestar contas de acordo com as novas normas e regulamentos, as organizações comunitárias terão de encontrar o seu sustento, pelo menos parcialmente, na venda de produtos e serviços e na participação em mercados, mesmo sendo organizações sem fins lucrativos.

�� Necessidade de subsídios e incentivos: todo empreendimento agroextrativista requer algum nível de subsídios e incentivos, quer sejam diretos ou indiretos, explícitos ou não, oferecidos pelo governo ou por doadores, especialmente na fase de investimento. Esses subsídios e incentivos justificam-se pela multifuncionalidade ambiental, que gera benefícios em escala macro.

�� Nível adequado de beneficiamento: considerando que o beneficiamento final para os consumidores obedecendo às normas

governamentais costuma exigir operações em grande escala, as iniciativas locais devem buscar um nível intermediário de beneficiamento, que seja viável com a infraestrutura e os recursos humanos e financeiros disponíveis.

�� Priorização de mercados próximos: inicialmente, os produtores devem concentrar seus esforços nos mercados locais, progredindo para os mercados regional, nacional e internacional, nessa ordem. A entrada em mercados distantes, quando viável, exige melhorias na qualidade, porém aumenta a visibilidade.

�� Busca de oportunidades no comércio normal: além do comércio justo e solidário, que pode oferecer alguns nichos importantes para pequenos produtores, para alcançar uma escala maior, as comunidades locais devem buscar a inclusão em segmentos cada vez maiores de mercados convencionais.

�� Treinamento e orientação: é preciso que os compradores de produtos agroextrativistas deem seu feedback aos produtores sobre os procedimentos apropriados, as percepções dos consumidores e os requisitos dos órgãos reguladores.

�� Diversificação e especialização: cada comunidade deve buscar uma combinação de três a cinco produtos complementares, porém diferentes, sem uma variedade excessiva, mas também sem acúmulo de riscos.

�� Organização de produtores: é fundamental que os produtores se organizem socialmente para aumentar tanto o seu poder de barganha em negociações com compradores quanto o controle social, a fim de evitar abusos por parte de produtores desinformados ou irresponsáveis agindo por conta própria. Não devem, porém, esperar uma coesão perfeita, visto que sempre existirão divisões internas em qualquer comunidade. As associações não deve ser impostas.

�� Negociação coletiva com apoio externo: organizações sociais locais devem buscar apoio externo de organizações regionais ou nacionais que tenham maior poder de barganha com os compradores.

�� Reconhecimento de benefícios mútuos: os compradores precisam reconhecer as vantagens competitivas de oferecer produtos agroextrativistas aos consumidores, sem passar a impressão de estar fazendo caridade.

�� Organização de compradores: a organização de compradores de produtos agroextrativistas movidos por princípios éticos e pela busca da sustentabilidade é importante para assegurar a existência de controle social no setor de comércio.

�� Isenção para produtos artesanais: os produtos originais feitos por camponeses e artesãos em pequena escala devem receber isenção de normas aplicadas à produção e à comercialização em grande escala.

Conclusão As novas iniciativas de promoção da comercialização de produtos agroextrativistas precisam se concentrar fortemente nas necessidades reais dos camponeses e artesãos, dos ecossistemas e da sociedade. Com as políticas certas, a produção agroextrativista pode satisfazer todas essas necessidades a baixo custo. As comunidades locais precisam de cooperação e apoio, sem imposições pouco realistas que poderiam derrotar o seu propósito.

CARRAZZA, L.; FIGUEIREDO, I. (Orgs.). Cerrado que te quero vivo! Produtos e meios de vida sustentáveis apoiados pelo Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-ECOS). Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza. 2010.

SIMONE, J.; SAWYER, D; ALMEIDA, F. V. R. Entraves regulatórios na produção agroextrativista. Brasília: Instituto Sociedade, População e Natureza, 2012. Disponível em: <http://www.ispn.org.br/arquivos/entraves005_r1eWeb.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2014.

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Modelagem de Cenários de Desmatamento para o Noroeste do Mato Grossopor Britaldo Soares-Filho1 e Raoni Rajão2

A região noroeste do Mato Grosso, distante 740 km de Cuiabá, ocupa uma extensão de 112 mil km2, que engloba os Municípios de Aripuanã, Colniza, Cotriguaçu, Juruena, Castanheira, Rondolândia e porções de Brasnorte e Juará, que são polarizados pela cidade de Juína, principal centro econômico da região. Essa região destaca-se por dois aspectos contrastantes. O primeiro consiste na derradeira fronteira de florestas amazônicas no Mato Grosso, com uma expressiva cobertura florestal que alcança 87 por cento de sua extensão. Desse total, 93 mil km2 são cobertos por florestas ombrófilas densas e abertas (MME, 1973), tornando-a de relevante interesse tanto para fins de conservação como para o aproveitamento econômico de seus importantes recursos florestais. Nesse sentido, a região tem sido alvo de esforços, visando à criação de unidades de conservação e à consolidação de sua vasta rede de reservas indígenas que, ocupadas por uma multiplicidade de povos e culturas, compreendem 34 por cento da região.

Segundo, apesar de sua pequena população, cerca de 100 mil habitantes, a região chama a atenção por ser hoje um dos principais focos de desmatamento e de conflitos, como a exploração madeireira ilegal e assassinatos rurais, os quais atribuem à cidade de Colniza o triste título de campeã brasileira de homicídio per capita. Negativamente, esse município também se destacou recentemente como um dos principais focos de desmatamento na Amazônia (INPE, 2008). Esse fato é bem ilustrado pela análise da dinâmica espacial do desmatamento no Estado do Mato Grosso, que mostra o deslocamento da fronteira de desmatamento nos últimos anos em direção a essa região.

O presente artigo incorpora os principais resultados de um estudo realizado no contexto do programa de conservação e uso sustentável da biodiversidade nas Fonte: Elaboração dos autores.

florestas de fronteira do Noroeste do Mato Grosso, um projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e do Global Enviromental Fund (GEF). Em particular, esse trabalho apresenta a análise da dinâmica recente do desmatamento no Noroeste e calcula trajetórias modeladas de desmatamento na região até 2035 sob cenários tendenciais, bussines-as-usual e de governança.

Cenários de desmatamento Um primeiro passo no desenvolvimento para a modelagem da trajetória do desmatamento consiste na análise de sua tendência histórica. Para tanto, foram confrontados dados da série temporal do PRODES3 (INPE, 2008) com os da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso (SEMA).

O desmatamento realizado até 2005 para a região Noroeste representa um total de 13 por cento dos seus 112 mil km2 – ou 21

por cento, se desse total forem subtraídas as áreas protegidas que totalizam 40 por cento da região. As séries mostram uma aceleração do desmatamento no início dessa década, chegando alcançar, em 2004-2005, o máximo de 300.000 hectares por ano, segundo PRODES, ou 180.000 hectares por ano, de acordo com SEMA (INPE, 2008). Contudo, no biênio 2005-2006, observa-se forte queda na taxa do desmatamento no Noroeste do Mato Grosso. As causas dessa queda ainda são motivo de discussão, e são, em geral, reconhecidas como a conjunção de dois fatores:

�� quebra nas safras de soja em razão da apreciação do real e da redução de seu preço internacional, com consequente impacto nos investimentos agrícolas, incluindo não só a agricultura, mas também a pecuária, e resultante diminuição da abertura de novas áreas.

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“ A região tem sido

alvo de esforços, visando à criação de unidades de

conservação e à consolidação de sua

vasta rede de reservas indígenas que, ocupadas

por uma multiplicidade de povos e culturas,

compreendem 34 por cento da região.

Todavia, essa tendência se reverteu após 2007;

�� aumento do combate do desmatamento e exploração madeireira ilegais pelo Estado, com a detonação de várias campanhas de campo em áreas de conflito e operações de devassa em redes de corrupção (por exemplo, a Operação Curupira).

Em relação às possíveis tendências futuras de desmatamento, três cenários foram modelados: a) TEND (cenário tendencial); b) BAU (business-as-usual); e c) GOV (governança). O cenário TEND é conhecido assim por empregar a taxa histórica, estimada pela SEMA, para o ano de 2005-2006, com o objetivo de se projetar o desmatamento futuro nos próximos 30 anos, ou seja ao redor de 125 mil hectares por ano ou equivalente à taxa líquida de 1,33 por cento por ano. Esse cenário pode ser considerado conservador, haja vista a trajetória recente de aceleração do desmatamento. O cenário TEND foi calibrado para a região noroeste, usando-se a série de mapas de desmatamento da SEMA sobre um conjunto de variáveis empregadas para representar os determinantes espaciais do desmatamento, por exemplo: altitude, distâncias às estradas, aos rios, manchas urbanas e ao desmatamento prévio, efeito histórico das áreas protegidas e das classes de licenciamento, declividade e pedologia. A metodologia utilizada encontra-se descrita em Soares-Filho et al. (2006). Em síntese, ela consiste em calibrar o

efeito desses determinantes na alocação espacial do desmatamento, usando-se o método de pesos de evidência. Em seguida, a arquitetura do modelo de simulação foi ajustada para a resolução de um hectare e configurada para reproduzir o padrão espacial resultante do arranjo dos diferentes atores – grandes pecuaristas e pequenos colonos –, distribuindo a taxa de desmatamento histórica, segundo a proporção que ocupam na paisagem, e ajustando as funções de transição para formarem manchas com tamanhos variando em média desde 10 a mais de 100 hectares. Pode-se, então, dizer que o desmatamento na região constitui um processo combinado de pequenos e grandes fazendeiros. Os primeiros ocupam 55 por cento e os últimos, 45 por cento da porção já desmatada fora das áreas protegidas. Como resultado, enquanto os pequenos colonos desmatam manchas menores que dez hectares por ano, os grandes são capazes de desmatar em apenas um ano parcelas superiores a cem hectares.

Já as trajetórias de desmatamento sob os cenários BAU e GOV foram definidas com base na arquitetura de modelagem descrita em Soares-Filho et al. (2008), respondendo aos principais condicionantes do desmatamento, ou seja, por um lado às expansões da pecuária e agricultura, movimentos migratórios, pavimentação de estradas regionais e, pelo outro, à criação e implementação de áreas protegidas e ao cumprimento do código florestal (Figura 1). Tanto GOV e quanto BAU empregam o mesmo cenário de crescimento populacional. Já em relação à expansão da pecuária, o BAU estima que há um forte investimento em infraestrutura, como previsto pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Plano MT+204 (SEPLAM-MT, 2005), com o asfaltamento das MTs 170, 208 e 206 e mais outras estradas federais vizinhas à região. Já o rebanho bovino, atualmente em 1,8 milhões de cabeças, cresce a uma média de 8,7 por cento ao ano, chegando em 2035 a 15 milhões de cabeças. Além disso, no cenário GOV, haveria uma expansão das áreas protegidas na região dos atuais 40 por cento para 60 por cento. Por fim, no cenário GOV, assume-se o aumento da efetividade dos Sistemas Municipais de Licenciamento Ambiental (SILAM) em 18 por cento por ano, enquanto no BAU a taxa do desmatamento

ilegal é mantida constante e equivalente à taxa do ano de 2005. Tanto o modelo de simulação de desmatamento como todos os outros apresentados aqui foram implementados sobre a plataforma computacional Dinâmica EGO (RODRIGUES et al., 2007; SOARES-FILHO et al. 2013).

A partir dos resultados do modelo, na Figura 1, é possível observar trajetórias muito distintas para esses três cenários. No cenário BAU, haveria uma expansão das áreas agrícolas que ocupam hoje cerca de 300 km2 da região para mais de 10.000 km2 com um crescimento anual médio de 14,4 por cento, o que praticamente levará à ocupação da fração apta à agricultura mecanizada. Por outro lado, no cenário GOV, a expansão do rebanho bovino seria de 2,1 por cento ano, resultando em um rebanho bovino de 3,1 milhões de cabeça em 2035. Já as áreas agrícolas chegariam a 850 km2 em um ritmo de expansão de 4,4 por cento ao ano. Assim, no cenário TREND há uma ligeira queda do desmatamento bruto anual em função da taxa líquida anual mantida fixa. No cenário GOV, o desmatamento praticamente tende a zero ao fim de 2013. Em contraste, no BAU ele se torna ascendente, podendo ultrapassar o patamar anual de 200,000 hectares por ano. Esse valor já foi alcançado em um passado recente quando chegou a 300,000 hectares por ano entre 2004 e 2005, segundo dados do PRODES (INPE, 2008). Enquanto, no cenário de GOV, haverá apenas um aumento adicional de praticamente 5 mil km2 de desmatamento; no TREND, será de 40 mil km2; e no BAU, de 58 mil km2. Esses dois últimos cenários implicam, respectivamente, reduções de 33 por cento e 52 por cento dos atuais 93 mil km2 de florestas da região.

A prevalência quer seja do cenário TREND ou do BAU para região terá consequências devastadoras com o extermínio, quase por completo, das áreas florestais fora das protegidas (Mapa 1). Observe que o TREND foi considerado conservador por utilizar a taxa de desmatamento de 2005, bem menor que as dos anos precedentes. Caso o cenário BAU passe a prevalecer – o que de fato já vinha acontecendo – as áreas protegidas perderão substancialmente suas coberturas florestais, especialmente as terras indígenas Escondido, Jaruíra, Arara do Rio Branco, Serra Morena e Sete de Setembro, que são as mais ameaçadas. Portanto, a menos que se

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Fonte: Elaboração dos autores.

Centro Internacional de Políticas para o Crescimento InclusivoPolicy in Focus 39

“ O desmatamento

na região constitui um processo combinado

de pequenos e grandes fazendeiros.

Enquanto os pequenos

colonos desmatam manchas menores que

dez hectares por ano, os grandes são capazes de

desmatar em apenas um ano parcelas superiores

a cem hectares.

1. Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.

2. Centro de Sensoriamento Remoto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

3. O PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) é um sistema de monitoramento por satélite cujo objetivo é a auferição do desmatamento na Amazônia. Este projeto está em andamento há 25 anos aproximadamente.4. O MT+20 é um Plano de Desenvolvimento para o Estado do Mato Grosso (se estendendo por 20 anos, 2006 – 2026.

adotem medidas para que um estado de governança passe a ser estabelecido na região, as consequências quanto às perdas de seus serviços e recursos ambientais serão graves.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE). Monitoramento da Floresta Amazônica brasileira por satélite – Projeto PRODES. Disponível em: <http://www.obt.inpe.br/prodes>. Acesso em: 1º mar. 2008.

MINISTÉRIO DAS MINAS E ENERGIA (MME). Projeto Radam – levantamento de recursos naturais. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Produção Mineral, 1973.

RODRIGUES, H.; SOARES-FILHO, B. S.; LELES, W. “Dinâmica EGO, uma Plataforma para Modelagem de Sistemas Ambientais.” In: Anais XIII Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto. Florianópolis: INPE, 21-26 abril, 2007. p. 1-8.

SECRETARIA DE ESTADO DE PLANEJAMENTO, MATO GROSSO (SEPLAM-MT). Plano de Desenvolvimento do Estado do Mato Grosso – MT+20. Região Noroeste 1 – Juína. Cuiabá, 2005.

SOARES-FILHO, B. S.; GARCIA, R. A.; RODRIGUES, H. O.; MORO, S.; NEPSTAD, D. Nexos entre as dimensões socioeconômicas e o desmatamento: A caminho de um modelo integrado. In: BATISTELLA, M; MORAN, E.; ALVES, D.

(Ed.). Amazônia: Natureza e Sociedade em Transformação. São Paulo: EdUSP, 2008

SOARES-FILHO, B. S.; NEPSTAD, D; CURRAN, L.; VOLL, E.; CERQUEIRA, G.; GARCIA, R. A.; RAMOS, C. A.; MCDONALD, A; LEFEBVRE, P. SCHLESINGER, P. Modeling Conservation in the Amazon Basin. Nature, 440, p. 520-523. 2006.

SOARES-FILHO, B. S.; NEPSTAD, D; CURRAN, L.;VOLL, E.; CERQUEIRA, G.; GARCIA, R. A.; RAMOS, C. A.; MCDONALD, A; LEFEBVRE, P. SCHLESINGER, P. M. A hybrid analytical-heuristic method for calibrating land-use change models. Environmental Modelling & Software, v. 43, p. 80-87, 2013.

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Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SBS, Quadra 1, Bloco J, Ed. BNDES, 13º andar 70076-900 Brasília, DF – Brasil Telefone: +55 61 2105 5000

E-mail: [email protected] URL: www.ipc-undp.org

“ A presença de alternativas economicamente viáveis ao desmatamento – juntamente com a melhoria da capacidade de comando e controle – modifica a relação entre risco e recompensa dos crimes ambientais, contribuindo para o

estabelecimento de práticas sustentáveis.

Raoni Rajão, Britaldo Soares-Filho, Camilla Marcolino, Richard van der Hoff e Marcelo Costa

“ É sempre um grande desafio garantir oportunidades às populações mais pobres e vulneráveis, respeitando os seus meios de vida e protegendo

a natureza, em regiões de grande expansão da agricultura de produtos de exportação como a soja, a cana e a pecuária.

Carlos Ferreira de Abreu Castro

“ Esta edição contribui para a crescente literatura que visa analisar o desenvolvimento humano e, ao mesmo tempo, preservar as florestas no Sul Global.

Guilherme B. R. Lambais