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III Seminário de Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais 29 e 30 de Setembro de 2016 Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis Santa Catarina Brasil História das Relações Internacionais e História da Política Externa POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA ATRAVÉS DE SEUS CHANCELERES Luiz Eduardo Garcia da Silva Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Page 1: POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA · PDF filePolítica Externa da Primeira República através de seus chanceleres Luiz Eduardo Garcia da Silva1 RESUMO O trabalho tem por objetivo

III Seminário de Graduação e Pós-Graduação em Relações Internacionais

29 e 30 de Setembro de 2016 – Universidade Federal de Santa Catarina

Florianópolis – Santa Catarina – Brasil

História das Relações Internacionais e História da Política Externa

POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA ATRAVÉS DE

SEUS CHANCELERES

Luiz Eduardo Garcia da Silva

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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Política Externa da Primeira República através de seus chanceleres

Luiz Eduardo Garcia da Silva1

RESUMO

O trabalho tem por objetivo analisar a política externa brasileira após a proclamação da

república em 1889 até a Revolução de 1930 a partir da atuação de seus chanceleres. O

trabalho visa analisar as ações e as decisões dos ministros de relações exteriores frente a

reorientação paradigmática que a política externa brasileira sofreu após a ruptura do regime

monárquico: a aproximação com os Estados Unidos e demais países vizinhos. Nesse

sentido, avaliaremos a política externa dos chanceleres e suas respectivas posições frente

aos desafios da diplomacia brasileira e suas relações com os Estados Unidos e os demais

países latino-americanos, especialmente a Argentina. Dessa forma, buscamos analisar o

processo da inserção internacional do Brasil durante a Primeira República, através dos

movimentos da diplomacia nacional, potenciais avanços, recuos e tendências, determinados

pela atuação dos chanceleres. Eles não determinam exclusivamente a concepção da

política externa, mas elaboram suas ações buscando correspondê-las à política do governo

ao qual integram. Foi durante este período que as linhas gerais da diplomacia brasileira do

século XX e XXI foram elaboradas. Se ao longo desse período o discurso reforçou a

necessidade de uma adequação entre a diplomacia brasileira praticada e a sua "tradição", é

preciso compreender de que maneira ela assim se constituiu.

Palavras-Chave: Política Externa do Brasil, Primeira República, Diplomacia Brasileira

INTRODUÇÃO

O advento da proclamação da República no ano de 1889 alterou a transcurso político

do Brasil no plano interno e externo. Internamente foram adotados o federalismo com

acentuado caráter descentralizado e o presidencialismo, ambos inspirados no modelo norte-

americano. Esta nova configuração institucional serviu aos propósitos das oligarquias

estaduais que puderam manter sua hegemonia regional com autonomia em troca do apoio

político ao governo central, sendo este último geralmente capitaneado pelas elites paulista e

mineira. Externamente, a República alterou o modus operandi da diplomacia brasileira

principalmente no que concerne as suas relações com as nações do continente americano.

Essa nova orientação foi inovadora em diversos aspectos: a) logrou a consolidação das

fronteiras nacionais; b) aproximou o país política e comercialmente dos Estados Unidos e

países da América Latina e; c) almejou maior protagonismo do Brasil internacionalmente,

com destaque para os foros multilaterais (Conferências Pan-Americanas, Conferência de

Haia, Primeira Guerra Mundial, Tratado de Versalhes, Liga das Nações). Por outro lado, a

1 Bacharel em Ciências Sociais, Mestre e Doutorando em Ciência Política pela UFRGS. Atualmente também

cursa graduação na mesma instituição.

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política externa desta época não foi marcada apenas por avanços. Ela também apresentou

erros de avaliação, falhas e retrocessos, no episódio da candidatura brasileira ao assento

permanente do Conselho da Liga das Nações e que, uma vez fracassada a tentativa,

resultou na retirada da delegação brasileira do órgão (SANTOS 2003).

Independentemente do saldo que se faça da política externa do período, torna-se

necessária uma avaliação dos atores que participaram da elaboração deste processo. O

presente trabalho visa retratar a diplomacia brasileira através da atuação dos detentores da

pasta das Relações Exteriores2 durante Primeira República. O objetivo é o de apresentar as

tomadas de decisões dos chanceleres em um período marcado não só pela transição de

regime no âmbito nacional, mas também por profundas transformações na política

internacional como a ascensão dos Estados Unidos, alçado a condição de grande potência

ocidental enfocando também as relações do Brasil com aquele país e a Argentina.

A política externa de um país não é determinada pela vontade única e exclusiva do

ministro das Relações Exteriores. Outros atores, como o Presidente da República e o Poder

Legislativo têm um peso relevante nesse processo (FIGUEIRA 2000). Entretanto, por se

tratar de uma política de governo, e sendo o ministro parte integrante deste, recaem sobre

ele os custos e a responsabilidade da atividade política internacional do Brasil. Desse modo,

os chanceleres são figuras ativas enquanto condutores da política externa. Entender as

suas decisões e diretrizes de ação nos ajudam a compreender o posicionamento de um

Estado diante do cenário político internacional.

O trabalho está ordenado do seguinte modo: a primeira parte faremos um breve

levantamento biográfico afim de averiguar o perfil dos ocupantes da pasta das relações

exteriores. A segunda seção abordará a política externa da Primeira República enfocando a

atuação dos ministros no âmbito das relações do Brasil com a Argentina e os Estados

Unidos. Por fim, serão apresentadas as conclusões do trabalho.

1 – OS CHANCELERES

Nesta primeira seção faremos um breve levantamento biográfico acerca do perfil dos

chanceleres brasileiros. A análise da trajetória de cada um deles permite esclarecer dois

aspectos centrais de sua ação política: 1) averiguar se a experiência ou o conhecimento

prévio em temas de política externa foram pré-requisitos para o seu recrutamento (podendo-

se assim especular sobre o grau de importância conferido à política externa pelos governos

da Primeira República); e 2) avaliar se há uma continuidade ou ruptura nos critérios de

seleção dos ministros.

2 A título de informação cabe mencionar que em 1889 a antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros

teve seu nome alterado para Secretaria de Estado das Relações Exteriores. Apenas em 1891, após a edição da Lei nº 23 de 30 de Outubro, a antiga secretaria seria rebatizada de Ministério das Relações Exteriores.

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De acordo com Bueno (1995) a profissionalização dos diplomatas possibilita o

desenvolvimento de uma interpretação da política internacional (e também um estilo de

atuação externa) que se mantém mesmo quando rupturas ocorrem. Assim, é possível

afirmar que a diplomacia do Império acumulou práticas e visões sobre a inserção

internacional do Brasil que foram contestadas quando os militares determinaram a queda da

monarquia.

O desafio inicial dos republicanos foi a obtenção do reconhecimento externo do novo

regime (CERVO E BUENO 2008). Para isso, diplomatas, nomeados e muitas vezes

atrelados politicamente à monarquia, tinham ironicamente a tarefa de defender a

legitimidade do novo governo. Diante deste cenário, a nova elite dirigente efetuou o que

Bueno (1995) denominou de “republicanização” do serviço diplomático, nomeando

funcionários que estivessem de acordo com o novo status quo. Para os primeiros

governantes republicanos, o corpo diplomático brasileiro era composto por representantes

da aristocracia brasileira que por vezes se perpetuavam no serviço. Houve casos em que

membros do Legislativo denunciavam a existência de funcionários que sequer falavam

português. Os republicanos, contudo, não romperam com a tradição de distribuição de

cargos aos seus apadrinhados políticos e essa “profilaxia” efetuada no corpo diplomático

também serviu a esse propósito (BUENO 1995).

O quadro 1 abaixo apresenta a lista dos Ministros na Primeira República, o Estado

em que nasceu, sua formação/profissão, trajetória política anterior e posterior ao seu

mandato na pasta e se possuía alguma experiência no Itamaraty. Este levantamento

possibilita observar a existência de um certo padrão na nomeação dos indivíduos.

Quadro 1 - Perfil dos Ministros das Relações Exteriores da Primeira República (1898-1930)

Nome Província

Profissão-Formação

Político Antes? Político Depois? Experiência

no Itamaraty?

1 Quintino Bocaiúva (1889-91)

RJ Jornalista* Não Sim (Senado e

Presidência do RJ) Não

2 Justo Leito Chermont

(1891) PA Direito

Sim (Presidência PA)

Sim (Senador) Não

3

Fernando Lobo Leite

Pereira (1891-92)

MG Direito Não Sim (Ministro da

Justiça e Senador) Não

4 Inocêncio

Serzedello(1892)

PA Engenheiro

(militar) Sim (Presidência PR

e Dep. Fed. PA) Sim (Ministro 2x Dep

Fed.2x Pref DF) Não

5 Antônio de

Paula Sousa (1892)

SP Engenheiro Sim (Dep. Estadual) Sim (Ministro) Não

6 Felisbelo

Freire (1892-93)

SE Médico Sim (Presidência

SE, Dep Fed., Ministro da Fazenda)

Sim (Dep Fed. 3x) Não

7 João Filipe

Pereira (1893) CE Engenheiro Não

Sim (Ministro e Prefeito DF)

Não

(continua)

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(continuação)

8

Alexandre Cassiano de Nascimento (1893-94)

RS Direito Sim (Dep Fed RS) Sim (Ministro 2x,

Dep Fed.2x, Senador )

Não

9

Carlos Augusto de

Carvalho(1893 e 1894-96)

RJ Direito Sim (Presidência PR

e PA**) Não SIM

10 Dionísio

Cerqueira (1896-98)

BA Engenheiro Sim (Dep Fed BA) Sim (Ministro 2x ,

Dep Fed. BA) SIM

11 Olinto de

Magalhães (1898- 1902)

MG Medicina Sim (Dep. Estadual) Sim (Dep Fed. MG) SIM

12 José da Silva

Paranhos (1902-12)

RJ Direito Sim (Dep Geral

MT)** Não SIM

13 Lauro Müller

(1912-17) SC Militar

Sim (Presidência , Dep Fed, Senador

2x, Ministro) Sim (Senador SC) Não

14 Nilo Peçanha

(1917-18) RJ Direito

Sim (Dep Fed RJ, Pres RJ 2x, Vice -

Presidente da República,

Presidente da República)

Sim (Senador RJ) Não

15 Domício da

Gama (1918-19)

RJ Engenharia* Não Não SIM

16 Azevedo Marques (1919-22)

SP Direito Sim(Dep Est e Dep

Fed) Não Não

17 Félix Pacheco

(1922-26) PI Direito

Sim (Dep Fed e Senador PI)

Não*** Não

18 Otávio

Mangabeira (1926-30)

BA Engenheiro Sim (Dep Fed BA) Sim (Dep Fed BA 2x, Gov BA e Senador

BA) Não

Fonte : Cpdoc (FGV); Barreto (2001)

*Não concluiu os estudos

** Durante a Monarquia *** Chegou a ser eleito para o Senado em 1927, mas por uma manobra política do Presidente Washington Luiz foi destituído.

O primeiro aspecto a ser destacado é a quantidade de chanceleres que chefiaram a

pasta. Em um período de aproximadamente 40 anos, foram 18 Ministros, isso sem

descontar a década em que o Barão do Rio Branco se manteve a frente do Itamaraty e as

interinidades demonstrando alta rotatividade do cargo especialmente no período anterior à

posse do Barão. Nos anos finais da Primeira República o cargo teve maior estabilidade e o

mandato dos ministros praticamente coincidiu o com o do Presidente da República.

Entretanto, o grande número de substituições não pode ser traduzido como uma ausência

de diretrizes da política externa do início da República. As alterações na chefia do MRE

deveram-se mais a instabilidade política interna do país do que a uma alteração nos rumos

da diplomacia brasileira (CERVO e BUENO 2008).

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Em segundo lugar, no que abrange a localidade dos chanceleres não parece haver

um padrão específico. O peso político dos estados, em termos de apoio eleitoral dispendido

ao governo central, parece ter influenciado mais a escolha dos Ministros mas é necessária

uma avaliação mais aprofundada para que se possa embasar o argumento de que as

escolhas dos atores foram determinadas seguindo a lógica de apoio político interno até

porque muitos daqueles provinham de províncias com um eleitorado relativamente pequeno.

Terceiro, no tocante à formação e profissão, a “republicanização” da diplomacia não

chegou a romper com o padrão observado durante o período Imperial. O “bacharelismo”

como denominou Rodrigues (1966), confirma-se ao analisarmos o período que vai desde

1889 até 1930. Quase a metade dos ministros eram bacharéis em Direito (8), sendo o

restante de engenheiros (4), médicos (2) e militares (2) e apenas dois deles não concluíram

estudo superior, mas mesmo assim tiveram formação educacional básica3. Em um período

em que a educação era um privilégio para poucos, conseguiu a República congregar

quadros que compunham a elite intelectual da nação. Já ao analisarmos a experiência

prévia dos ministros no MRE observamos que poucos eram diplomatas profissionais4 ou

tinham trabalhado para o Itamaraty. Neste aspecto, o desconhecimento das causas

internacionais pelos chefes da pasta pode ter influenciado indiretamente a continuidade da

política externa brasileira que ficava efetivamente sob o controle dos diplomatas antigos. O

fato é que os chanceleres tinham pouca experiência prática acerca das questões

internacionais.

Dentre as características que compunham o perfil dos ministros das relações

exteriores talvez aquela que apresente maior peso seja a experiência política. Os

chanceleres eram essencialmente políticos profissionais, ou tornaram-se após deixarem o

cargo. Os cargos de Deputado Federal e Presidente de Estado5 destacam-se dentre aqueles

ocupados antes da sua passagem na chancelaria. É preciso lembrar também que, em

alguns casos, os chanceleres acumulavam outras pastas.

Em suma, o perfil dos chanceleres brasileiros durante a primeira república não foi

essencialmente novo. Geralmente, o ministro das relações exteriores apresentava uma

trajetória política estadual, alçava sua candidatura no nível federal e posteriormente era

nomeado para a pasta. Em outras palavras, excetuando os casos do Barão do Rio Branco e

de outros diplomatas, profissionais experientes na área da política internacional, os

mandatários do MRE não ocupavam aquele cargo devido a sua perícia, conhecimento

técnico ou experiência no manejo dos assuntos relativos à diplomacia. O objetivo destes, na

3 Quintino Bocaiúva e Domício da Gama chegaram a ingressar no ensino superior, mas abandonaram seus

respectivos cursos. 4 Evitamos a utilização do termo “diplomatas de carreira” pelo fato de não existir uma carreira diplomática nos

moldes atuais, com cargos e regulamentações especificados em lei. 5 Após a Revolução de 1930 os Presidentes de Estado passaram a ser denominados de Interventores e

posteriormente Governadores.

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maioria dos casos, pareceu que era seguir ascendendo politicamente, seja em outros cargos

eletivos como o de Senador, ou até mesmo atuando em outras pastas ministeriais com

maior visibilidade frente à opinião pública.

Esta breve revisão acerca do perfil biográfico dos chanceleres nos permite abordar a

questão da formulação da política externa através de um prisma sociológico. O

bacharelismo, da força das elites políticas locais - o que nos remete (e reforça) a tese da

descentralização política, a constituição de uma identidade internacional atrelada ao

continente americano6 decorrente de uma ideologia “pan-americanista”, enfim toda a

construção sócio-política da elite dirigente republicana pode ser identificada e mereceria

maior atenção, objetivo entretanto, que foge aos do trabalho aqui proposto.

Mais importante é avaliar as limitações que este tipo de análise contém. As diversas

alterações na chefia do MRE não explicam as razões pelas quais é possível identificar uma

política externa própria daquele período. Para que se tenha uma percepção histórica mais

clara deve-se avaliar a própria política, isto é, o produto efetuado por aqueles indivíduos.

Não faltam análises históricas pertinentes sobre a política externa da primeira república. O

problema é que muitas delas acabam enfocando unicamente o Barão do Rio Branco sem

apresentar as vicissitudes anteriores e posteriores à sua posse (OLIVEIRA 2005; SILVA e

SILVA 2009). Não se trata de negar a grandeza e a importância da obra capitaneada pelo

“patrono da diplomacia brasileira”, mas é preciso desconstruir algumas noções vigentes na

literatura acadêmica.

2 – A POLÍTICA EXTERNA DA PRIMEIRA REPÚBLICA E OS MINISTROS

A historiografia que aborda a política externa da Primeira República tende a dividi-la

em três diferentes momentos:

1) um primeiro que vai desde a proclamação da República em 1889 até a posse do

Barão em 1902 – marcado pela reorientação da diplomacia brasileira de maior aproximação

com os países americanos. É chamado de “Americanismo Ingênuo” (DORATIOTO E

VIDIGAL 2014); “Americanização da República das Espadas” e “Superação das ameaças

territoriais” (DORATIOTO 2012).

2) A década do Barão que vai até da sua posse até a sua morte em 1912

caracterizado pela resolução das questões lindeiras, inserção e busca de protagonismo nas

relações internacionais – “Apogeu da Primeira República” (Bueno 1995), “Rio Branco:

prestígio, soberania e definição do território” (CERVO E BUENO 2008), “O Barão do Rio

Branco: fronteiras e novos paradigmas” (DORATIOTO 2012), “Protagonismo do Período Rio

Branco” (DORATIOTO E VIDIGAL 2014).

6 Embora esse pan-americanismo precise ser adjetivado. Ora ele é identificado com uma

aproximação/alinhamento com os Estados Unidos, ora com os países da América Latina.

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3) finalmente, o período pós-Rio Branco até 1930. É um período de frustração

relativo ao protagonismo almejado, ilustrado pela retirada do Brasil da Liga das Nações. Foi

a época “do apogeu ao declínio da Primeira República (CERVO E BUENO 2008), “apogeu,

ilusão e isolamento” (DORATIOTO 2012) e de “voluntarismo e frustração” (DORATIOTO E

VIDIGAL 2014).

O trabalho busca outra periodização referente à diplomacia brasileira daquele

período, que ajude a entender a reorientação da política externa de maior aproximação com

os países da América e também a visualizar as suas continuidades e contradições de modo

aprofundado, permitindo contestar algumas noções generalizantes que distorcem em parte a

trajetória da política externa brasileira.

2.1) A chancelaria republicana antes do Barão (1889-1902)

a) Quintino Bocaiúva (Nov. 1889 –Jan. 1891).

A chancelaria republicana tratou inicialmente de consolidar o regime buscando o

reconhecimento internacional. Havia certo entusiasmo e também alívio na América do Sul

em reconhecer o novo governo já que a existência da monarquia causava constrangimentos

nas relações internacionais da região, principalmente pelo fato do regime brasileiro priorizar

a sua relação com os países europeus em um contexto de imperialismo. Uruguai, Argentina

e Chile acolheram rapidamente o pedido efetuado por Quintino Bocaiúva que aos poucos foi

recebendo a confirmação das outras nações americanas. O caso dos Estados Unidos foi

distinto e houve certa apreensão inicial por parte dos americanos em aceitar um regime de

cuja legitimidade suspeitavam. Por fim, o Congresso norte-americano reconheceu a

República, no dia 20 de Janeiro de 1890, no momento que as potências europeias ainda se

mantinham hesitantes.

As relações com os Estados Unidos foram reforçadas politicamente após a chegada

de Bocaiúva que redefiniu as diretrizes da legação brasileira que se deslocava para a I

Conferência Pan-Americana visando maior aderência ao posicionamento norte-americano7.

Ele buscou também aprofundar a vinculação econômica com aquele país assinando um

convênio aduaneiro que estabelecia vantagens tarifárias nas trocas comerciais8. Cabe

7 A diretriz inicialmente determinada pela Monarquia foi a de participar do encontro, mas apregoando cautela e

distanciamento das proposições defendidas pelos Estados Unidos. Com a Proclamação da República, ocorrida durante a conferência, houve uma reorientação das determinações referentes àquele encontro, tendo o Brasil adotado uma postura de aproximação com os norte-americanos que resultou na substituição do chefe da delegação brasileira, a pedido do próprio, Lafaiete Rodrigues Pereira por Salvador de Mendonça (BUENO 1995, SANTOS 2004). 8 Os produtos de outros países eram taxados em 35%. O acordo previa a livre entrada de diversos produtos

provenientes dos EUA como trigo em grão, farinha de trigo, milho, ferramentas, etc. Outros ainda receberiam uma redução na alíquota de importação (25%). O Brasil em troca exportaria Café, Açúcar e Couro livre de taxação. Devemos assinalar que o acordo foi assinado por Salvador de Mendonça durante o mandato interino de Visconde do Cabo Frio (Cpdoc)

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sublinhar que os anos finais do Império já demonstravam a crescente influência dos norte-

americanos em nossa economia. Porém, o Brasil recusara acordos semelhantes com

países europeus e a subscrição deste ato permite atestar que se tratava de uma escolha

deliberada por parte do governo recém empossado.

No tocante à Argentina as relações passaram da exaltação inicial com a República

para a desconfiança. Embora o Ministro Bocaiúva tenha assinado em 1890 o Tratado de

Montevideu relativa a questão lindeira de Palmas, o acordo não foi ratificado pelo

congresso. O documento estabelecia a repartição da região de favoravelmente ao pleito

argentino. A questão seria resolvida futuramente pelo laudo arbitral do Presidente dos EUA.

(GARCIA 2008). Economicamente não houve grandes modificações tendo ambos os lados

criado obstáculos para sua integração comercial. Do lado brasileiro, o convênio com os

Estados Unidos dificultavam a entrada de produtos argentinos como a farinha de trigo. A

Argentina por sua vez, denunciava as péssimas condições fitossanitárias dos portos

brasileiros.

b) Justo Leite Chermont (Fev. 1891 – Nov. 1891); Fernando Lobo Leite Pereira (Nov. 1891 –

Fev. 1892); Inocêncio Serzedello Corrêa (Fev. 1892 – Jun. de 1892); Antônio de Paula

Sousa (Dez. 1892 – Mar 1893); Felisbello Firmo de Oliveira (Abr. – Jun. 1893).

Após a saída de Bocaiúva da chefia do MRE por razões de cunho pessoal, a pasta

apresentou inconstância contando com cinco Ministros em um intervalo de dois anos e meio

aproximadamente9. Foi um período politicamente atribulado no plano interno que inicia com

a saída de Deodoro da Fonseca e o início do governo de Floriano Peixoto. Nesse período,

ainda existiam receios restauradores e os novos donos do poder ainda necessitavam atuar

externamente para reforçar o novo regime. Justo Leite Chermont e Fernando Lobo Leite

Pereira mantiveram conversações, por meio do representante brasileiro nos EUA, Salvador

de Mendonça, com o Secretário do Departamento de Estado Norte-Americano James

Blaine, visando assegurar o apoio daquele país. O representante americano assegurou a

Mendonça o apoio estadunidense à causa republicana.

Nas questões regionais, o Brasil inicia as tratativas legais com a Argentina no

tocante o território das Missões. Para defender a causa brasileira Serzedello Correia

convoca Rui Barbosa e o Barão do Rio Branco. O apoio tácito dos argentinos aos

revoltosos durante a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul foi um ponto que causou

fricção entre as nações. Esse conflito se estenderia por alguns anos e a situação seria

agravada pelo fato do governo argentino não reconhecer os revolucionários gaúchos como

inimigos. Comercialmente também não houve grandes avanços dada uma relativa

9 Foi nesta época que a Secretaria de Estado das Relações Exteriores tem seu nome alterado para Ministério

das Relações Exteriores (Lei nº 23 de 30 de Outubro de 1891).

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assimetria nas transações. O Brasil importava da Argentina o valor de 12 milhões de pesos-

ouro, enquanto que as importações do país platino não chegavam a um sexto deste valor.

Ademais todos os artigos importados pelo Brasil da Argentina, essencialmente cereais e

gado, poderiam aqui ser produzidos (BUENO 1995).

c) João Felipe Pereira (Jun. 1893 – Out 1893); Alexandre Cassiano do Nascimento (Out.

1893 – Nov. 1894).

João Felipe Pereira atuou durante o início da Revolta da Armada. A pedido do

Presidente Floriano Peixoto, ele intermediou os contatos entre as forças brasileiras e as

armadas estrangeiras que detinham embarcações ancoradas no porto do Rio de Janeiro. O

chanceler ficaria durante pouco tempo como ocupante da pasta e não observaria a ação das

embarcações estrangeiras, especialmente a dos Estados Unidos durante o conflito. Caberia

ao ministro Alexandre Cassiano do Nascimento ocupar o cargo durante a campanha dos

navios norte-americanos. Episódio correlato ao conflito foi o rompimento das relações do

Brasil com Portugal em decorrência do aceite que este país fez ao receber os revoltosos

brasileiros em suas corvetas que se localizavam nos mares do atlântico10. Os brasileiros,

ainda receosos da consolidação da nova forma de Estado, entenderam como uma afronta

contra a República a atitude capitaneada pelos portugueses. O mandato de Cassiano do

Nascimento encerrou-se com o fim do governo de Floriano Peixoto.

d) Carlos Augusto de Carvalho (Out. de 1893 e Nov. 1894 – Ago. 1896); Dionísio

Evangelista de Castro Cerqueira (Set. 1896 – Nov. 1898); Olinto de Magalhães (Nov. 1898 –

Nov. 1902)

Carlos Augusto de Carvalho assumiu a pasta interinamente durante o mês de

outubro de 1893, atuou como titular da pasta após a posse de Prudente de Morais em um

contexto político menos instável do que o do seu predecessor. Sua posse dá início ao

período em que a chefia do Ministério esteve nas mãos de indivíduos com experiência

prévia nas questões de política externa. O ministro se encarregou de reatar as relações com

Portugal e lidou com o episódio da ocupação britânica da Ilha de Trindade. Além disso,

defendeu a bandeira do pan-americanismo embora não tenha privilegiado os Estados

Unidos em detrimento das relações com outros países da América do Sul como a Argentina

(CERVO E BUENO 2008). Por razões desconhecidas deixou o Ministério na metade do

mandato de Prudente de Morais e para o seu lugar foi escolhido Dionísio Cerqueira.

Cerqueira tinha atuado frente a questão lindeira do Brasil com a Argentina. Ele foi o ministro

10

Para agravar a situação, os mesmos navios portugueses ancoraram nos portos da região sul do Brasil onde estourara a Revolução Federalista. Parte dos Revoltosos desembarcaram naqueles portos e se juntaram a esse conflito.

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responsável por assinar o tratado entre os dois países em 1898 que contou com o

arbitramento do Presidente dos EUA Grover Cleveland, e deu início às tratativas para

resolver as disputas fronteiriças entre o Brasil e a França (Guiana Francesa) que contaria

com o auxílio do Barão do Rio Branco.

Com o fim do mandato de Prudente de Morais, Campos Sales escolheu o diplomata

Olinto de Magalhães para chefiar o MRE. Olinto de Magalhães serviu como Segundo

Secretário em Viena e nos Estados Unidos. Sua gestão contrastou com a estabilidade

política do país, tendo permanecido durante todo o mandato de Campos Sales. Após deixar

a chefia da pasta, voltou ao seu cargo em Berna na Suíça futuramente tomaria parte na

conferência de Paz em 1918 após a Primeira Guerra Mundial.

2.2) O período do Barão do Rio Branco (1902 – 1912)

Ao assumir a chefia do Ministério das Relações Exteriores, que teria como sede o

Palácio do Itamaraty, detinha já José Maria da Silva Paranhos Júnior prestígio frente à

opinião pública, sobretudo por ter sanado as questões fronteiriças de Palmas e do Amapá

de modo favorável ao Brasil (BUENO 2003; DORATIOTO 2012). Monarquista, Rio Branco

não possuía ambições políticas e procurou dissociar a política externa das questões

internas, o que lhe rendeu ampla autonomia a frente do Ministério. Sua obra como chanceler

rendeu frutos à diplomacia brasileira que interpreta o seu decênio no comando do MRE

como sendo “prestigioso”, “ativista”, “pragmático” (BUENO 2003; CERVO E BUENO 2008;

DORATIOTO 2012; DORATIOTO E VIDIGAL 2014).

Em relação aos Estados Unidos, a política externa do Barão do Rio Branco logrou

uma importante aproximação. Por certo, à elite cafeeira paulista também lhe convinha esse

movimento, visto que os norte-americanos se tornaram o principal mercado importador do

produto brasileiro. Politicamente, o chanceler concebia que a vinculação com os Estados

Unidos possibilitaria atenuar as ameaças potenciais perpetradas pelas potências europeias

no continente americano. Por outro lado, a aderência à Doutrina Monroe e ao Corolário

Roosevelt não devem ser compreendidos como uma espécie de precursor do chamado

“alinhamento automático”. A “aliança não escrita” descrita por Bradford Burns (1966) atesta

que Rio Branco buscou atrelar a política externa brasileira à norte-americana de modo

realista e pragmático, visando a obtenção de ganhos ao país11. Isto não quer dizer que não

tenham ocorridos conflitos episódicos entre as duas diplomacias. O caso do Bolivian

Syndicate opôs ambos os governos. Do lado brasileiro a preocupação advinha do fato de

11

A ameaça dos países europeus não eram totalmente infundadas. Existiam pendências fronteiriças com a França e a Inglaterra nas questões da Guiana Francesa e Guiana Inglesa respectivamente.

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navios estrangeiros poderem navegar pelos rios da Amazônia e ameaçar a soberania

nacional12.

No tocante às relações com a Argentina o período apresentou momentos de maior

aproximação e outros de distanciamento, sempre sob à sombra da rivalidade que marcara

as relações entre ambos os países desde os tempos do Império brasileiro. Em relação aos

empreendimentos efetuados pela chancelaria brasileira visando maior proximidade com os

vizinhos ao sul, podemos citar a iniciativa (não concretizada) da formação de uma aliança

entre Argentina, Brasil e Chile – precursor do chamado Pacto do ABC. Cervo e Bueno

(2008) afirmam que a iniciativa tinha como um de seus objetivos neutralizar a ação dos

argentinos.

No entanto as relações do Brasil com a Argentina durante a década de Rio Branco

também seriam marcadas por atritos. O tema do rearmamento gerava desconforto

especialmente porque ambos temiam o reforço militar de seu principal rival regional e a

partir de 1905 ocorreu uma verdadeira corrida armamentista entre os países. Na visão da

opinião pública argentina, a ameaça do Brasil era agravada pela aproximação deste país

com os Estados Unidos (DORATIOTO 2000). O auge da crise se deu em 1908 quando

Zeballos, já fora do governo argentino divulgou um suposto telegrama enviado pela

chancelaria brasileira para a legação em Santiago em que continha uma suposta intenção

hostil do Brasil contra a Argentina13. O documento verdadeiro seria publicado posteriormente

e atestava a intenção do Barão em aproximar as relações entre o Brasil com o Chile e a

Argentina, e afirmava que isso só não ocorria por conta dos obstáculos criados pela

chancelaria argentina.

Com o início do governo de Roque Sáenz Peña a relação entre os dois países

tornaram-se amigáveis. Em 1911 chegaram a um acordo informal que punha fim à corrida

armamentista. Ambos desistiram da construção de um terceiro encouraçado, embora a

Argentina tenha continuado com o seu rearmamento. O resultado desse acordo gerou um

arrefecimento das hostilidades e também possibilitou que região do Prata se estabilizasse

politicamente (MONIZ BANDEIRA 1987; DORATIOTO 2000).

2.3 Política Externa pós-Rio Branco (1912-1930)

A política externa brasileira pós-Rio Branco é retratada pela literatura como um

período de refluxo do ativismo brasileiro, declínio e frustração (Cervo e Bueno 2008;

Doratioto e Vidigal 2014). Essa fase de decadência inicia-se após a participação do país na

Primeira Guerra Mundial e não necessariamente logo após a morte do Barão do Rio Branco.

12

Sobre a questão do Acre e do Bolivian Syndicate ver: Cervo e Bueno (2008). 13

O episódio ficou conhecido como “o caso do telegrama cifrado nº9”. A polêmica foi encerrada pelo próprio governo brasileiro que tornou público o código que a Chancelaria utilizava para cifrar seus documentos.

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Com a entrada do Brasil durante a fase final do conflito, o governo brasileiro esperava que

sua participação fosse lhe render frutos e ampliar seu prestígio internacional. Ele foi o único

país sul-americano a participar do conflito e garantiu participação nas conferências de Paz,

na Conferência de Versalhes e também na criação da Liga das Nações. Esse período da

política externa da Primeira República pode ser enquadrado em dois momentos distintos.

a) Lauro Müller (Fev. 1912 – Mai.1917); Nilo Peçanha (Mai.1917 – Nov 1918); Domício

da Gama (Nov. 1918 – Jul 1919)

O primeiro destes momentos é o que envolve a questão da neutralidade brasileira e

a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial. Lauro Müller, que assumiu a pasta após o

falecimento de Rio Branco, possuía uma longa trajetória política, mas não tinha experiência

nas questões internacionais. Num primeiro momento chegou a propor ao Embaixador

brasileiro nos Estados Unidos, Domício da Gama, um posicionamento de alinhamento

automático com aquele país, o que foi refutado pelo funcionário brasileiro que lhe advertia

ter uma postura amigável, mas independente (BARRETO 2001)14. Apesar de não contar

com o mesmo prestígio que o seu antecessor, Müller esteve a frente do Itamaraty em

episódios relevantes especialmente no que diz respeito às relações internacionais do

continente americano. Quando os EUA romperam suas relações diplomáticas com o México

decorrente da invasão do Porto de Vera Cruz em 1913, foi o Brasil, a pedido dos

americanos, quem passou intermediar os interesses dos americanos junto aos mexicanos

(DORATIOTO E VIDIGAL 2014). Não obstante, o chanceler brasileiro ainda buscou o auxílio

do Chile e da Argentina na intermediação dos conflitos. Contudo, a irrupção do conflito na

Europa e a entrada dos Estados Unidos na guerra viriam a ocasionar a queda de Lauro

Müller do MRE dada a oposição do chanceler em declarar guerra à Alemanha. Embora

tenha rompido as relações entre o Brasil e a Alemanha após o torpedeamento de navios

brasileiros pelos alemães, o ministro resistia em revogar a neutralidade brasileira. A opinião

pública não lhe foi favorável, chegando ao ponto de apontar sua descendência alemã como

a razão pela sua oposição em declarar guerra àquele país. Por fim, já com o Ministro e ex-

presidente Nilo Peçanha à frente do Itamaraty o Brasil declarou guerra à Alemanha.

Nilo Peçanha permaneceu por pouco tempo no Itamaraty e para seu lugar foi

nomeado o diplomata Domício da Gama que era, até então, o embaixador brasileiro nos

Estados Unidos. Foi sob sua administração que o Brasil enviou uma legação à Conferência

de Versalhes.

Esse primeiro momento após a saída do Barão do Rio Branco não foi um período

necessariamente de declínio da posição brasileira no cenário internacional. A grande

14

Ele foi também o primeiro Ministro a visitar oficialmente os Estados Unidos na condição de Chanceler.

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preocupação da diplomacia brasileira foi a manutenção do comércio internacional do café

profundamente afetado com a guerra na Europa. A exportação do produto para a Europa

sofreu com a política inglesa (statutory list) de suspender sua importação. Entretanto esse

decréscimo seria compensado pelo aumento no fluxo com os Estados Unidos tendo o Brasil

conseguido manter sua balança comercial favorável (CERVO E BUENO 2008).

b) Azevedo Marques (Jul. 1919 – Nov. 1922); Félix Pacheco (Nov 1922 – Nov. 1926);

Octavio Mangabeira (Nov 1926 – Out 1930)

No fim da Primeira República, a permanência dos ministros coincidiu praticamente

com os mandatos presidenciais denotando certa estabilidade dos postos governamentais,

embora o cenário político interno da década de 1920 tenha sido turbulento. Os três

chanceleres se esforçaram em prol do pleito brasileiro de garantir um assento permanente

no Conselho da Liga das Nações. Uma vez não atendida essa expectativa, o resultado foi a

retirada da legação brasileira da Liga.

Apesar do fracasso do Brasil no órgão multilateral, o país não descuidou de sua

diplomacia na América Latina e Estados Unidos. Azevedo Marques e Octavio Mangabeira

deram continuidade e finalizaram a obra do Barão do Rio Branco no tocante às fronteiras do

país com Peru, Bolívia e Paraguai. Em relação aos Estados Unidos, o chanceler Mangabeira

instruiu a delegação brasileira na VI Conferência Internacional Americana em Havana a

apoiar as propostas norte-americanas sem criar divergências com os Argentinos (BARRETO

2001).

III – CONCLUSÕES

Com a Revolução de 1930 encerrava-se a Primeira República brasileira. Antes disso,

ainda em 1929 a economia mundial entraria em colapso após a crise financeira

internacional.

Resta-nos dizer que a nossa diplomacia em um período de 40 anos

aproximadamente logrou avanços em aspectos determinantes da soberania nacional. O

período inicial de instabilidade interna dificultou o estabelecimento de diretrizes específicas

para a política externa brasileira. Isso fica visível ao observarmos o grande número de

ministros em um curto período. Mas, cabe lembrar que mesmo antes do decênio da

chancelaria de Rio Branco, houve continuidades como a maior aproximação com os Estados

Unidos e os países vizinhos especialmente a Argentina. Uma observação pormenorizada de

cada um dos chanceleres permite concluir que sim, existiu certo idealismo por parte dos

novos governantes no que diz respeito às relações com os Estados Unidos. Entretanto, esse

idealismo deve ser relativizado pois a política externa desse primeiro período também atuou

de maneira pragmática e realista, visando defender os interesses econômicos do país, ou

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pelo menos o interesse daqueles que detinham o poder político. Assim, a chancelaria

brasileira sofreu a influência das disputas políticas internas.

A análise do perfil dos chanceleres reforça esse argumento. Ademais, os Estados

Unidos não só eram o principal destino das exportações do café brasileiro como, ao longo

da Primeira República, tornaram-se o principal parceiro financeiro do Brasil.

Finalmente, destacamos que o trabalho visou explorar de maneira introdutória, a

política externa da Primeira República através de uma periodização distinta daquela

usualmente adotada nos trabalhos acadêmicos prévios. Assim, a abordagem a partir de

outro recorte temporal permite a melhor avaliação da trajetória diplomática do Brasil durante

os anos da “Velha República”. Em poucas palavras, a política externa republicana antes e

depois da chancelaria de Rio Branco também foi pragmática, pan-americanista e realista.

Por certo, o entusiasmo inicial em se juntar às outras repúblicas do continente e

especialmente àquela do Norte da América influenciaram as decisões dos primeiros

chanceleres. Mas o Brasil soube se adequar rapidamente ao jogo político internacional.

Assim, é mister que outros trabalhos deem continuidade a análise da política externa

brasileira observando cada uma das chancelarias daquele período. Assim, será possível

avançar e aprofundar os movimentos e intenções das relações exteriores do Brasil.

IV – REFERÊNCIAS

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