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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES NO BRASIL
DE 1985 A 2016: UMA ANÁLISE SOBRE SUJEITOS
Raissa Barbosa Araujo1
Karla Galvão Adrião2
Resumo: Trata-se de um exercício de inspiração genealógica que buscou desenvolver uma analise
sobre as políticas para mulheres no Brasil. A partir de reflexões sobre diferentes concepções sobre
os sujeitos da política pública brasileira, tem-se como objetivo identificar momentos de
continuidades e descontinuidades. Para tal, dois conceitos elaborados por Michel Foucault foram
fundamentais: biopolítica e governamentalidade. A partir desses dois conceitos as políticas para as
mulheres foram compreendidas no bojo das tecnologias biopolíticas, uma vez que parecem estar
afinadas com o propósito da maximização da vida e produtividade das mulheres. Esse trabalho foi
produzido a partir de referências acadêmicas, reportagens jornalísticas, bem como publicações
oficiais do Governo Federal. Foi realizado um resgate da atuação política das mulheres brasileiras
ao longo do século XX e utilizou-se o ano de 1985 como marco de criação do primeiro
equipamento político exclusivo para as mulheres, a Delegacia da Mulher. O percurso do estudo
passou pela criação da Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República e
realização das Conferências Nacionais. O marco final do estudo foi ano de 2016, quando a política
para as mulheres foi deslocada para o Ministério da Justiça e Cidadania. Observou-se mudanças no
que se refere ao sujeito da política pública para as mulheres no Brasil, que circulam entre sujeitos da
cidadania e sujeitos vítima de violência.
Palavras-chave: Mulheres. Políticas Públicas. Sujeito. Cidadania. Violência.
Através desse texto realizamos um exercício que buscou desenvolver uma analítica sobre
sujeitos das políticas públicas para mulheres no Brasil entre os anos de 1985 e 2016. A partir de
reflexões sobre diferentes concepções de sujeitos dessa política, temos como objetivo identificar
momentos de continuidades e descontinuidades. Para tal, utilizamos dois conceitos elaborados por
Michel Foucault: biopolítica e governamentalidade.
Importante destacar que o contexto de nossa produção foi marcado pelas provocações da
disciplina de Poder e Modos de Subjetivação - do Programa de Pós Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Pernambuco. Também foram incorporadas reflexões ao longo do primeiro
ano de doutorado da primeira autora desse texto, cujo projeto de pesquisa tem por objetivo
compreender como têm sido definidos os sujeitos para quem as políticas públicas municipais para
as mulheres estão sendo desenvolvidas em cidades de diferentes regiões do Estado de Pernambuco.
1 Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife,
Brasil. 2 Professora do Departamento de Psicologia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE). Recife, Brasil.
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Atentas a importância de pensarmos macropolíticas em diálogo com contextos locais,
entendemos esse texto como um dos primeiros produtos de uma pesquisa que segue em
desenvolvimento.
Biopolítica, governamentalidade e políticas públicas para as mulheres
No curso ‘Em defesa da sociedade’, ministrado no ano de 1976 no Collège de France, foram
apresentadas algumas reflexões a respeito de mecanismos, técnicas e tecnologias de poder que
ganharam força no século XIX a partir de uma ‘assunção da vida pelo poder’ (FOUCAULT, 2010,
p. 201). Segundo o autor, esse fenômeno foi viabilizado diante da formação dos Estados Nação,
quando passaram a ser utilizadas medições estatísticas e surgiram as primeiras demografias. Nessa
conjuntura emerge a noção de população.
Foucault (2010, p. 206) afirma que ‘a biopolítica lida com a população, e a população como
problema político, como problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e
como problema de poder’. Trata-se de mecanismos reguladores dos processos de vida que têm por
objetivo a manutenção de uma média, um equilíbrio da população. Esses mecanismos devem estar
atentos aos acidentes, às enfermidades e às anomalias diversas.
Há, portanto, uma transformação das tecnologias do poder marcada por uma
intencionalidade que se afina com a necessidade de otimizar a população e potencializar as riquezas
dos Estados. A partir disso, um novo direito se instala; fazer viver e deixar morrer. Desse modo, a
vida biológica e a saúde da população entram nos cálculos do poder político. Nesse sentido, devem
ser eliminados todos os fenômenos populacionais que subtraiam forças, diminuam o tempo, baixem
a energia e/ou gerem custos. Todo esse aparato biopolítico se justifica pela ‘segurança do conjunto
em relação aos seus perigos internos’ (FOUCAULT, 2010, p. 209).
Foucault diferencia a biopolítica do poder disciplinar, que caracterizou uma forma de poder
que o autor nomeou como pastoral. Segundo essa perspectiva, o poder disciplinar opera através de
uma tecnologia de treinamento, enquanto a biopolítica, através de uma tecnologia de previdência,
ou regulamentadora. Ambas passam pelo corpo, mas a primeira trata do corpo como um organismo
treinável e individualizado, enquanto na tecnologia de previdência os corpos compõem processos
biológicos de conjunto. O Estado torna-se atento à conduta da população (FOUCAULT, 2010).
Sobre a formação dos Estados, Foucault apresenta o conceito de governamentalidade como:
o conjunto construído pelas instituições, os procedimentos, análises e reflexões, os cálculos
e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de
poder que tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia
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política e por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança (FOUCAULT,
2009, p. 143, grifos nossos).
Como efeito da noção de população, questões relacionadas à administração do Estado
tornaram-se foco de reflexões políticas e econômicas. O autor se refere ao surgimento de uma arte
de governar, associada a uma racionalidade própria do Estado, que passou a ter a população como
fim e instrumento do governo.
Dito isto, importante registrar que aqui estamos considerando as políticas públicas para as
mulheres no bojo das tecnologias biopolíticas, como uma estratégia de governamentalidade. Abaixo
apresentaremos as perspectivas metodológicas que viabilizaram nossas reflexões, em seguida uma
breve explanação das políticas para as mulheres no Brasil e, por fim, algumas considerações. Nossa
escrita é construída a partir de um posicionamento ético político feminista situado em um campo
discursivo que compreende as produções acadêmica como estratégica no que se refere às disputas
dos regimes de verdade (HARAWAY, 1995).
Estratégias e perspectivas metodológicas
Para produzirmos nossas reflexões utilizamos referências acadêmicas, reportagens
jornalísticas e publicações oficiais do Governo Federal – o que inclui documentos de domínio
público, relatórios técnicos e notícias veiculadas pelo site da Presidência da República. Todo esse
material foi apreciado a partir de uma perspectiva genealógica.
A genealogia não corresponde a um método, nem mesmo a um conjunto de técnicas, é uma
perspectiva atenta à natureza histórica dos discursos e à compreensão que estes produzem efeitos de
verdade. Importante destacarmos que esse olhar se opõe a idéia de que há uma única narrativa da
história sobre a origem dos acontecimentos. As perspectivas genealógicas questionam a lógica de
verdade científica e proporcionam a criação de análises que se assumem como situadas,
fragmentárias e transformáveis (FOUCAULT, 1986).
Assim, as genealogias aos moldes foucaultianos propõem reflexões sobre relações de poder
e, embora possam se utilizar também de produtos históricos, devem ser úteis não só para conhecer
acontecimentos passados, mas sobretudo, para produzir analíticas sobre modos que criarmos e
damos sentido ao presente.
Sujeitos das políticas para mulheres no Brasil
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Ana Alice Costa (2005) afirma que na primeira década do século XX existiam no Brasil
organizações feministas socialistas, anarquistas e liberais, assim como em outros países da América
Latina. Na maioria desses países, os processos de organização das mulheres ocorreram
simultaneamente à organização das classes populares, influenciadas por referências socialistas.
Na segunda metade do século XX, no ano de 1964, ocorreu no Brasil o Golpe Militar, que
deixou em suspenso uma série de direitos civis. Portanto, estavam ameaçados todos os direitos
relacionados à cidadania. Importante registrar que entendemos por cidadania o gozo dos direitos de
participação da vida política do Estado, bem como o direito à educação, ao trabalho e a saúde
(mental e física) de forma integral.
Muitas pessoas, em especial as articuladas em movimentos sociais e partidários, iniciaram
uma forte oposição à Ditadura Militar e muitos dos atos de resistência passaram a ser
criminalizados. Segundo Cynthia Sarti (1988), foi nesse contexto que, no ano de 1975, foi criado o
Movimento Feminismo pela Anistia. Nesse mesmo ano, houve o lançamento da Década
Internacional da Mulher, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nessa
conjuntura, os movimentos feministas brasileiros passaram a dialogar com instâncias de ação
internacional de forma mais fortalecida.
No processo de redemocratização do país, nos anos de 1980, muitas mulheres filiaram-se a
partidos políticos (especialmente ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) – oposições à Ditadura) e disputaram eleições com o propósito de
lutar a favor de uma política feminista. Além da inclusão das mulheres como beneficiárias das
políticas públicas, as mulheres pleitearam a inclusão entre ‘os atores' que participam da formulação,
da implementação e do controle dessas políticas (SARTI,1988; FARAH, 2004).
Em 1983, foi lançado pelo Ministério da Saúde o Programa de Assistência Integral à Saúde
Mulher (PAISM). Esse foi apresentado como uma nova e diferenciada abordagem da saúde por
propor uma atenção especial à saúde reprodutiva. O PAISM constitui-se como uma ação pioneira
através da qual o Estado brasileiro atentava-se para as mulheres (OSIS, 1998).
Além de uma inegável importância histórica em defesa da saúde das mulheres, destacamos
com alguma criticidade, que não parece ser da ordem do acaso que esse Programa compreende as
mulheres como sujeitos da reprodução biológica. Ao pensarmos a partir da perspectiva da
biopolítica, podemos inferir que a saúde das mulheres (especialmente aquelas em idade reprodutiva)
é de fundamental importância para os mecanismos reguladores dos processos de vida.
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Também nos ano de 1980, grupos feministas de Belo Horizonte (MG) foram pioneiros na
organização do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher. Essa iniciativa foi repetida em outras
cidades do país. Espaços como esse passaram a exercer uma função de controle social no sentido de
reivindicar uma atenção às pautas das mulheres dentro da estrutura administrativa do Estado. Cinco
anos depois, em 1985, foi criada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, como uma iniciativa do
Conselho Estadual de São Paulo e Secretaria de Segurança Pública do Estado (SARTI, 1988). Essa
Delegacia tinha por objetivo coibir as discriminações e violências contra as mulheres.
Como afirmou Cynthia Sarti (1988), as Delegacias da Mulher tornaram-se marco histórico,
uma vez que foram os primeiros equipamentos dentro da estrutura administrativa dos Estados com
essa função. Foi portanto, por meio da mulher sujeito vítima de violência que o Estado passou a
desenvolver uma política pública voltada exclusivamente às mulheres de forma independente de
processos ligados à reprodução (que envolvem, além das mulheres mães, bebês e crianças).
A criação das Delegacias foi compreendida como uma resposta às estatísticas que
apontavam para um número elevado de mulheres que adoeciam, ou morriam, por sofrer violência
(até os dias de hoje). Portanto, a criação desses equipamentos foi justificada por uma razão de
Estado, ou seja, uma governamentalidade, que visa eliminar todos os fenômenos populacionais que
subtraiam forças, diminuam o tempo, baixem a energia e/ou gerem custos.
De acordo com Brasil (2011), também em 1985, foi instalado o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (CNDM). Vinculado ao Ministério da Justiça, esse era um órgão da sociedade
civil de caráter consultivo que tinha por objetivo promover um olhar para as questões das mulheres.
No ano de 1987, a Assembléia Nacional Constituinte mobilizou as mulheres feministas a
lançarem a campanha ‘Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher’. Foram denunciadas
desigualdades de classe e pleiteado o direito à creche, ao trabalho, à saúde sexual, à saúde
reprodutiva, ao aborto legal, ao combate à violência de gênero, dentre outras questões (ADRIÃO,
2008; COSTA, 2005; FARAH, 2004).
Nesse sentido, é possível observar que os movimentos feministas e de mulheres tinham
como demanda a atenção do Estado a outras possibilidades de sujeitos da política - que vão muito
além da mulher sujeito da reprodução biológica e/ou da mulher sujeito vítima de violência.
Segundo Costa (2005), em 1987, as mulheres se organizaram regional e nacionalmente para
sistematizar propostas que foram apresentadas por meio da Carta das Mulheres à Assembléia
Constituinte. Através de uma ação direta de convencimento de parlamentares que ficou conhecida
como Lobby do Batom, foi garantida a aprovação de 80% das solicitações. Assim, o texto final da
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Constituição Federal de 1988 foi fortemente influenciado pela ação das mulheres. Não por acaso, a
‘Constituição Cidadã’ (como ficou conhecida), foi a primeira a considerar mulheres e homens
iguais perante a lei.
Nos anos de 1990, ocorreram grandes conferências mundiais disparadas pela Organização
das Nações Unidas (ONU). A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em 1993; a
Conferência sobre População e Desenvolvimento, em 1994; e a Conferência Mundial sobre a
Mulher, em 1995. Essas conferências apresentaram impactos significativos para as políticas para as
mulheres, uma vez que provocaram grande influência nas relações políticas globais nos anos 90 e
2000 (ALVAREZ, 1998; ADRIÃO, 2008).
Aqui é importante destacar o contexto de epidemia da AIDS que assombrava as populações
mundiais nos anos de 1990 (CORREA, 2004). Não por acaso, as mulheres que vivenciavam sua
sexualidade, especialmente as jovens (que podiam engravidar), tornaram-se alvo de tecnologias
biopolíticas através de projetos sociais ligados aos direitos sexuais e reprodutivos3.
Em 1993, ocorreu no Estado do Pará a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher, que ficou conhecida como ‘Convenção de Belém do Pará’.
Representantes de diferentes países americanos reuniram-se com o objetivo traçar metas que
buscassem o fim da violência contra mulher (BRASIL, 2011). Uma perspectiva de caráter punitivo
fica evidenciada já no nome dessa Convenção. Está posta aí uma lógica de governamentalidade que
prevê a segurança do conjunto em relação aos seus perigos internos.
Em Agosto de 1996, o Senado Federal promulgou a Convenção no Brasil. Já em seu
Capítulo I (Definição e Âmbito de Aplicação), no Artigo 1, o texto da convenção apresenta:
Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher
qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento
físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Com os grifos acima destacamos uma forma própria de governar que passa a atentar para
condutas no sentido de eliminar riscos à população.
Os relatórios das Conferências referidas acima determinaram os caminhos de recursos
internacionais que passaram a ser executadas pela sociedade civil organizada através das
Organizações Não Governamentais (ONG) no Brasil, na América Latina e em outros ditos ‘países
em desenvolvimento’ (ALVAREZ, 1998; ADRIÃO, 2008).
3 Segundo Correa (2004) esse termo, que associa sexualidade à reprodução, foi forjado no contexto das referidas
Conferências Mundiais dos anos de 1990 através de ‘guerras semânticas’ entre feministas e forças conservadoras.
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Foi no contexto pós-Conferências que os recursos financeiros para a execução da política
para mulheres tornaram-se mais robustos, devido à cooperação internacional. Esse período, no
contexto nacional, se afina com os anos de governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Entre os anos de 1997 e 2003 houve o
crescimento de uma lógica de ampliação das iniciativas privadas e enfraquecimento das políticas
públicas.
No ano de 1999, entrou em vigor, pelo Ministério da Saúde, uma Norma Técnica para
prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual. Esta Norma Técnica exige o
atendimento a mulheres vítimas de violência sexual nos serviços de saúde, com o propósito de
efetivar medidas que devem ser adotadas para reduzir os danos decorrentes dessa violência
(BRASIL, 1999). Através dessa Norma observamos uma articulação entre dispositivos de saúde e
dispositivos de segurança.
Em abril de 2002, poucos meses do fim do mandato de oito anos, o então Presidente do
Brasil, FHC, criou a SEDIM – Secretaria Nacional dos Direitos das Mulheres, vinculada ao
Ministério da Justiça (SARDENBERG & COSTA, 2011). A escolha de vincular às políticas para as
mulheres ao Ministério da Justiça sugere uma tendência que retoma a mulher sujeito vítima de
violência. Além do notório apelo eleitoreiro, a SEDIM parece ter cumprido uma função de
assessoria da Presidência, aos moldes do caráter consultivo do CNDM (criado ainda em 1985).
Também no ano de 2002, na perspectiva de preparação para as eleições, as feministas se
reuniram na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras e produziram um documento nomeado
como Plataforma Política Feminista (PPF), que foi encaminhado para as pessoas candidatas aos
poderes executivo e legislativo (ADRIÃO, 2008). Nesse mesmo ano, foi confirmada a eleição de
Luis Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu a presidência em janeiro de 2003. No Governo Lula,
foi criada a Secretaria de Política para Mulheres, que passou a ter caráter de Ministério Federal e
funções executivas.
Importante ressaltarmos que a criação de organismos de política para mulheres nos anos
2000 corresponde a uma mudança de postura do Estado, que passa a reconhecer publicamente a
existência de desigualdades sociais entre mulheres e homens ao passo que fortalece possibilidades
de execução de uma política pública estruturada.
Através de um Decreto Presidencial, em dezembro de 2003, foi convocada pelo então
presidente e pela ministra da Secretaria Especial de Política para Mulheres, a I Conferência
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Nacional de Políticas para as Mulheres, com objetivo propor diretrizes para fundamentação do I
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM).
Paralelamente, também em 2003, foi promulgada a Lei Federal 10.778/03, que instituiu a
notificação compulsória dos casos de violência contra as mulheres atendidas nos serviços de saúde,
públicos ou privados. O caráter obrigatório desse registro pode proporcionar a produção de
estatísticas sobre a população. Os dados solicitados na notificação dizem respeito não só as
mulheres violentadas, mas também sobre quais os tipos de violência e agravos à saúde. Isso
evidencia o interesse do Estado em compreender o que há de continuidades e descontinuidades no
fenômeno da violência, bem como conhecer quais os efeitos que essas violências têm provocado em
sua população. Nesse exemplo destacamos uma economia política própria da governamentalidade
que envolve instituições, procedimentos, cálculos e análises que buscam táticas de previdência para
fenômenos populacionais.
Em abril de 2004, iniciaram-se as etapas municipais ou sub-regionais (no caso das zonas
rurais) e etapas estaduais das Conferências de Políticas para as Mulheres. Em 2005, ocorreu a etapa
nacional e desta originou-se o I Plano Nacional de Política para as Mulheres (ADRIÃO, 2008).
Os Eixos dessa primeira conferência foram: 1 – Autonomia, igualdade no mundo do
trabalho e cidadania; 2 – Educação inclusiva e não sexista; 3 – Saúde das mulheres, direitos sexuais
e direitos reprodutivas; 4 – Enfrentamento à violência contra as mulheres (BRASIL, 2004).
Os eixos 3 e 4 se afinam com o que já estava proposto no campo das políticas para as
mulheres no Brasil, enquanto os eixos 1 e 2 colocam em evidência questões demandadas pelos
movimentos feministas e de mulheres que até então não estavam sendo pautadas diretamente pelo
Estado. Direito ao trabalho, direito à cidadania, direito à autonomia, direito à educação inclusiva e
não sexista representam mudanças de padrões culturais no sentido de compreender as mulheres
como sujeitos da cidadania – para além da reprodução biológica e/ou da situações de violência.
Na redação do I PNPM, no capítulo dedicado aos Pressupostos, Princípios e Diretrizes da
Política é possível encontrar o seguinte texto:
o Estado assume a responsabilidade de implementar políticas públicas que tenham como
foco as mulheres, a consolidação da cidadania e a igualdade de gênero [....] Reconhecemos
que a atuação do Estado, especialmente por meio da formulação e implementação de
políticas, interfere na vida das mulheres, ao determinar, reproduzir ou alterar as relações de
gênero, raça e etnia e o exercício da sexualidade. A Política Nacional para as Mulheres tem
como compromisso e desafio interferir nas ações do Estado, de forma a promover a
eqüidade de gênero, com respeito às diversidades (BRASIL, 2004, p. 31).
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Nos grifos acima buscamos evidenciar que cidadania e igualdade de gênero, raça e etnia
passam a fazer parte do repertório discursivo do Estado. Além disso, observamos que há uma
combinação de diferentes sujeitos das políticas para as mulheres, enquanto a conduta da população
e o exercício da sexualidade continuam a evidenciar que a política para mulheres está engendrada
no aparato do Estado como uma tecnologia biopolítica.
O ano de 2006 tornou-se um marco. Como efeito da pressão do movimento de mulheres, da
denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e do julgamento do Estado brasileiro em
Corte Internacional da Organização dos Estados Americanos (OEA) pelo caso de violência sofrida
por Maria da Penha, entrou em vigor a Lei Federal 11.340/06.
Essa Lei define cinco tipos de violência doméstica; além da violência física, estão previstas
na Lei, a violência psicológica, moral, sexual e patrimonial. A violência doméstica deixa de ser um
crime comum e passa a ser julgado em juizados especializados. Desde então a rede de atendimento
às mulheres passou a ser composta pelas delegacias, casas abrigo (e outros serviços
socioassistenciais), serviços de saúde e juizados especializados.
No ano de 2010, ocorreram novas eleições e em janeiro de 2011, Dilma Rousseff (PT),
tornou-se a primeira presidenta da república. O primeiro mandato foi cumprido até 2014, ano em
que foi legitimamente reeleita presidenta em um processo eleitoral que teve como característica
uma forte polarização do país. Em 2015, ela assumiu o segundo mandato e já nesse ano passam a
ocorrer fortes retaliações. Forças políticas de oposição passaram a sugerir um processo de
Impeachment. Nesse contexto político, o Governo Dilma passou a fazer uma série de concessões.
No segundo semestre de 2015 houve uma reforma ministerial e a Secretaria de Política para
Mulheres (SPM) foi fundida com a Secretaria de Política de Promoção de Igualdade Racial
(SEPPIR) e Secretaria de Direitos Humanos (SDH). Foi então criado o Ministério das Mulheres, da
Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH). A fusão dos ministérios foi bastante
criticada por movimentos sociais que avaliaram um significativo retrocesso político nessa ação.
Já no primeiro semestre de 2016, foi dado início ao Impeachment da presidenta. No mês de
maio, Dilma foi afastada do cargo e o vice presidente, Michel Temer (PMDB), assumiu o Governo
Federal. Muitas foram as denúncias sobre esse processo que, nacional e internacionalmente, foi
nomeado como Golpe.
Já no primeiro dia do mandato de Temer, houve uma grande reforma ministerial. A política
para as mulheres, juntamente com a política de promoção de igualdade racial e direitos humanos,
voltaram a compor o Ministério da Justiça, que passou ser nomeado como Ministério da Justiça e
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Cidadania. Essa mudança fez parte de um pacote de cortes de outros Ministérios. Além da alteração
das pastas, houve uma transformação simbólica notória. O alto escalão do poder executivo foi
composto exclusivamente por homens, foram então excluídas todas as mulheres e pessoas negras.
É possível identificar nessa ação o que Foucault (2010) nomeou como racismo de Estado.
Esse conceito se refere à diferenciação entre o que deve viver e o que deve morrer. Como o autor
argumenta, o racismo de Estado compre duas funções:
a primeira função do racismo: fragmentar, fazer censuras no interior do contínuo biológico
a que se dirige o biopoder. De outro lado, o racismo terá sua segunda função: terá como
papel permitir uma relação positiva, do tipo: “quanto mais você matar, mais você fará
morrer”, ou “quanto mais você deixar morrer, mais, por isso mesmo, você viverá” [...] É a
relação guerreira: “para viver, é preciso que você massacre seus inimigos” (p. 214-215).
Com o Governo Temer as mulheres foram censuradas em um verdadeiro massacre político.
Nesse sentido, identificamos uma governamentalidade que coloca os direitos das mulheres – através
daquilo que os representa (um Ministério de política para as Mulheres, bem como mulheres no alto
escalão do Governo Federal) - como ameaças ao modelo Estado machista. Há, portanto, a morte das
mulheres como sujeitos políticos, como sujeitos da cidadania. Em paralelo, com o retorno da
vinculação da pasta das mulheres ao Ministério da Justiça, ressurge quase com exclusividade o
sujeito mulher vitima de violência.
Considerações finais
Afinadas com um posicionamento ético político feminista, através desse texto, propomos
denúncias. Denunciamos o Golpe de 2016 e o adjetivamos como machista. Denunciamos aqui a
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morte das mulheres, não só aquelas vítimas de violência. Denunciamos o assassinato das mulheres
como sujeitos da cidadania.
Por fim, importante sinalizarmos que as políticas públicas para as mulheres não se propõem
a ser universais, assim sempre se fará necessária a definição de quem são seus sujeitos. Nesse
sentido, muitas mulheres, especialmente as negras (com as quais o Estado tem uma inegável dívida
histórica, política e econômica), como também as prostitutas (para quem a Lei Maria da Penha não
prevê um suporte), as mulheres trans (cuja condição de mulher permanece em questão), as mulheres
usuárias de drogas, as encarceradas, dentre outros exemplos possíveis, ainda encontram muita
dificuldade de serem compreendidas como sujeitos legítimos das políticas para as mulheres. Há
então uma série de desafios que estão postos para nós feministas que queremos não só a retomada,
mas, sobretudo, a ampliação do nosso espaço no aparato do Estado.
Referências
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Public policies for women in Brazil from 1985 to 2016: analysis about subjects
Astract: It is an exercise of genealogical inspiration that sought to develop an analysis on the
policies for women in Brazil. Based on reflections on different conceptions about the subjects of
Brazilian public policy, the goal is to identify moments of continuity and discontinuity. For this,
two concepts elaborated by Michel Foucault were fundamental: biopolitics and governmentality.
From these two concepts policies for women have been understood in the bosom of biopolitical
technologies, since they seem to be in tune with the purpose of maximizing the life and productivity
of women. This work was produced from academic references, journalistic reports, as well as
official publications of the Federal Government. It was realized a rescue of the political action of
the Brazilian women throughout the XX century and was used the year of 1985 like landmark of
creation of the first exclusive political equipment for the women, the Women's Police Station. The
course of the study went through the creation of the Secretary of Policy for Women of the
Presidency of the Republic and the holding of the National Conferences. The final landmark of the
study was 2016, when the policy for women was shifted to the Ministry of Justice and Citizenship.
Changes were observed in the study regarding the subject of public policy for women in Brazil,
which circulate between subjects of citizenship and subjects subjected to violence.
Keywords: Women. Public Polices. Subjects. Citizenship. Violence.