polÍticas pÚblicas e direito À cidade: breve...

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POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO À CIDADE: BREVE ANÁLISE DO QUILOMBO URBANO DE SÃO BENEDITO EM MANAUS, AM PÚBLICO Y DERECHO A LA POLÍTICA DE LA CIUDAD: BREVE ANÁLISIS DE URBAN QUILOMBO BENEDITO ESTÁN EN MANAUS, AM HILDERLEY RÊGO BARBOSA RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar o papel das Políticas Públicas no espaço urbano, avaliando se este instrumento do Estado poderá servir como mecanismo de garantia de direito à cidade por todos, independente de relações de classe, de gênero e étnico-raciais. A Constituição Federal de 1988 trouxe novo modelo de políticas públicas construído pelo Estado, o qual passou a interferir, na política ambiental, fomentando o direito a um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Assim, as comunidades quilombolas ainda no século XXI enfrentam a falta de condição digna de sobrevivência, como saúde, educação, lazer, saneamento básico, sendo alijadas do meio urbano em que vivem. Desta forma, a análise do tema se fará por estudo teórico, o qual buscará analisar o papel do Estado através das políticas públicas que visam a efetividade do direito à cidade, fazendo breve menção à Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito em Manaus, Amazonas. Contudo, esta proposta se faz relevante e conveniente para que as políticas públicas funcionem como instrumentos de inclusão social implementadas pelo poder público em parceria com a sociedade a fim de recepcioná-las e desenvolvê-las coletivamente, concretizando o direito dessas comunidades negras pertencerem ao urbano. Assim, o meio ambiente equilibrado se torna alvo necessário para o desenrolar de uma vida digna a todos, indistintamente, cabendo ao Estado tal promoção através de políticas concretas como medida de desenvolvimento humano, o que certamente superará conflitos de natureza política, econômica e social. PALAVRAS-CHAVE: Quilombo Urbano; Direito; Cidade; Políticas Públicas. RESUMEN: El objetivo de este estudio es analizar el papel de la política pública en las zonas urbanas, la evaluación de si este instrumento estatal podría servir como un derecho del mecanismo de garantía a la ciudad para todos, independientemente de las relaciones de clase, género y étnica-racial. La Constitución Federal de 1988 dio un nuevo modelo de políticas públicas construidas por el Estado, que comenzó a interferir en la política ambiental, la promoción del derecho a un ambiente sano y ecológicamente equilibrado. Por lo tanto, las comunidades quilombolas en el siglo XXI todavía se enfrentan a la falta de condiciones dignas para la supervivencia, como la salud, educación, recreación, saneamiento, siendo empujado fuera del entorno urbano en el que viven. Por lo tanto, objeto de análisis se llevará a cabo por el estudio teórico, que tratará de analizar el papel del Estado a través de políticas públicas dirigidas a la efectividad del derecho a la ciudad, haciendo una breve mención del Quilombo Comunidad de San Benito Barranco urbano en Manaus, Amazonas. Sin embargo, esta propuesta es pertinente y conveniente para las políticas públicas de inclusión como * Mestrando pela Universidade do Estado do Amazonas através do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA; Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seção Amazonas, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO À CIDADE: BREVE ANÁLISE DO

QUILOMBO URBANO DE SÃO BENEDITO EM MANAUS, AM

PÚBLICO Y DERECHO A LA POLÍTICA DE LA CIUDAD: BREVE ANÁLISIS DE

URBAN QUILOMBO BENEDITO ESTÁN EN MANAUS, AM

HILDERLEY RÊGO BARBOSA

RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar o papel das Políticas Públicas no espaço

urbano, avaliando se este instrumento do Estado poderá servir como mecanismo de garantia

de direito à cidade por todos, independente de relações de classe, de gênero e étnico-raciais. A

Constituição Federal de 1988 trouxe novo modelo de políticas públicas construído pelo

Estado, o qual passou a interferir, na política ambiental, fomentando o direito a um meio

ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Assim, as comunidades quilombolas ainda

no século XXI enfrentam a falta de condição digna de sobrevivência, como saúde, educação,

lazer, saneamento básico, sendo alijadas do meio urbano em que vivem. Desta forma, a

análise do tema se fará por estudo teórico, o qual buscará analisar o papel do Estado através

das políticas públicas que visam a efetividade do direito à cidade, fazendo breve menção à

Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito em Manaus, Amazonas.

Contudo, esta proposta se faz relevante e conveniente para que as políticas públicas

funcionem como instrumentos de inclusão social implementadas pelo poder público em

parceria com a sociedade a fim de recepcioná-las e desenvolvê-las coletivamente,

concretizando o direito dessas comunidades negras pertencerem ao urbano. Assim, o meio

ambiente equilibrado se torna alvo necessário para o desenrolar de uma vida digna a todos,

indistintamente, cabendo ao Estado tal promoção através de políticas concretas como medida

de desenvolvimento humano, o que certamente superará conflitos de natureza política,

econômica e social.

PALAVRAS-CHAVE: Quilombo Urbano; Direito; Cidade; Políticas Públicas.

RESUMEN: El objetivo de este estudio es analizar el papel de la política pública en las zonas

urbanas, la evaluación de si este instrumento estatal podría servir como un derecho del

mecanismo de garantía a la ciudad para todos, independientemente de las relaciones de clase,

género y étnica-racial. La Constitución Federal de 1988 dio un nuevo modelo de políticas

públicas construidas por el Estado, que comenzó a interferir en la política ambiental, la

promoción del derecho a un ambiente sano y ecológicamente equilibrado. Por lo tanto, las

comunidades quilombolas en el siglo XXI todavía se enfrentan a la falta de condiciones

dignas para la supervivencia, como la salud, educación, recreación, saneamiento, siendo

empujado fuera del entorno urbano en el que viven. Por lo tanto, objeto de análisis se llevará a

cabo por el estudio teórico, que tratará de analizar el papel del Estado a través de políticas

públicas dirigidas a la efectividad del derecho a la ciudad, haciendo una breve mención del

Quilombo Comunidad de San Benito Barranco urbano en Manaus, Amazonas. Sin embargo,

esta propuesta es pertinente y conveniente para las políticas públicas de inclusión como

* Mestrando pela Universidade do Estado do Amazonas através do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA; Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seção Amazonas, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA.

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funcionan los instrumentos sociales implementadas por el gobierno en colaboración con la

empresa con el fin de darles la bienvenida y desarrollan ellos se den cuenta colectivamente el

derecho de estas comunidades negras pertenecen a la urbana. Por lo tanto, el medio ambiente

equilibrado se convierte en el destino requerido para el desarrollo de una vida digna para

todos, sin distinción, y el Estado este tipo de promoción a través de políticas concretas y

medir el desarrollo humano, que sin duda superar los conflictos de naturaleza política,

económica y social.

PALABRAS CLAVE: Urban Quilombo; la ley; la ciudad; Políticas Públicas.

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Com a chegada da era moderna, a cidade passa a desempenhar grande preocupação

em matéria de Estado, o qual através da consecução de políticas públicas deverá promover à

sociedade a plena inclusão ao urbano, com o intuito de promover um meio ambiente

equilibrado que derrame bem-estar e dignidade a todos, independentemente de relações de

classe, de gênero e étnico-raciais.

Partindo desse olhar sobre o direito a ter acesso à cidade como um todo, a

preocupação agora se volta em especial atenção às políticas públicas como instrumentos

garantidores do direito à cidade pela comunidade de quilombo urbano, a qual normalmente

não tem real direito, ficando alijada do acesso aos mecanismos e aos benefícios da cidade.

Ao longo da história viu-se que os negros foram excluídos, humilhados e

marginalizados do convívio social, servindo exclusivamente de mão-de-obra escrava, sem

nenhum direito ou reconhecimento à sua dignidade. Porém, nenhuma dominação fora

pacífica, pois mesmo antes à abolição da escravatura, os negros já se rebelavam de seus

“senhores”, fugindo e formando os quilombos, fato que se seguiu com a promulgação da Lei

Áurea em 1888.

Ao se condensarem nas cidades, os negros, na formação dos quilombos, foram

arremessados à própria sorte, pois continuam em muitos lugares, inclusive em Manaus,

permanecendo invisíveis aos olhos do poder público, o qual mantem-se inerte a qualquer

forma contra prestativa que lhes dê condição de reprodução social, sem acesso à saúde,

educação, lazer, saneamento e cultura, por exemplo.

Com a Constituição Federal de 1988, através do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias, artigo 68, as comunidades quilombolas que estavam ocupando suas terras

tiveram reconhecimento de propriedade pelo Estado, o qual passou a emitir-lhes títulos

respectivos.

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O direito ao território concedido pela Carta Magna foi, de certo, um grande salto para

o reconhecimento da sociedade negra, porém outras medidas atreladas ao uso da terra são

indispensáveis, já que constitui dever do Estado promover através de ações e serviços

públicos a inclusão de todas as pessoas à verdadeira cidade, prezando pelo funcionamento dos

princípios, como a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), a função social da cidade

(art. 182), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), a participação/cooperação (art.

225), a obrigatoriedade da intervenção Estatal (art. 225, I), os quais servirão de alicerce na

constituição de normas de direito.

A Constituição Federal de 1988 ainda traz à lume no art. 225, a contemplação do

"bem jurídico ambiental" como direito de todos e o dever ao Poder Público e à coletividade de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, posteriormente ratificado pelo

Estatuto da Cidade, através da Lei 10.257 de 2001.

Desta forma, a análise do tema se fará por estudo bibliográfico, o qual buscará

analisar o papel do Estado através das políticas públicas que visam a efetividade do direito à

cidade, fazendo breve menção à comunidade de quilombo urbano em Manaus, com enfoque à

legislação, princípios e conceitos pertinentes à proposta inicial, necessitando da elaboração de

mecanismos que contribuam como instrumento concretizador de direito ao urbano.

A problemática paira no sentido de como o quilombo urbano é alijado do direito real

à cidade, quase sempre sem gozar do mínimo de dignidade, em razão da inexistência ou

ineficácia de políticas públicas fomentadas pelo Estado que garantam à essas comunidades

pertencer ao meio urbano.

Assim, o meio ambiente equilibrado se torna alvo necessário para o desenrolar de

uma vida que proporcione bem-estar e dignidade a todos, indistintamente, cabendo ao Estado

tal promoção através de políticas públicas concretas como medida de desenvolvimento

humano, o que certamente superará conflitos de natureza política, econômica e social.

1 BASE PRINCIPIOLÓGICA NA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS

Em se tratando de direito ambiental, a utilização dos princípios que guarnecem o

direito ambiental constitui-se em valiosa ferramenta para criação de práticas que contribuem

para a sustentação do arcabouço jurídico, destacando-se conceito, fundamento legal e

reconhecimento da sua densidade normativa pela legislação e doutrina pátria.

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A partir da Constituição Federal de 1988, no Brasil, o direito ao meio ambiente

saudável adquiriu status constitucional, com significativa produção legislativa a regulamentar

os dispositivos constitucionais, devido ao caráter interdisciplinar assumido.

Segundo (MELLO, 2005: 43), “diz-se que há uma disciplina juridicamente autônoma

quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão

identidade, diferenciando-se das demais ramificações do Direito”.

Desta forma, constata-se que os princípios são normas jurídicas, que ganharam

renome de norma constitucional. Ainda sob a lição o

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e

servindo de critério para sua exata e inteligência exatamente por definir a lógica e

a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido

harmônico. (MELLO, 2005: 902)

Sob a mesma dicção, “os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais

relevantes da ordem jurídica, eles indicam o ponto de partida e o caminho a serem

percorridos”, (BARROSO, 2010: 153).

Complementando essa visão, “os princípios são enunciados lógicos admitidos como

condição ou base de validade das demais asserções que compõe o dado campo do saber. Em

todas as áreas do conhecimento científico ou filosófico existem os princípios, que são suas

bases teóricas, que podem ser evidentes ou comprovadas a partir da dedução” (REALE, 2000:

305).

Assim, o Direito, como ciência, é formado por princípios próprios, que orientam e

condicionam a formação, aplicação e integração do ordenamento jurídico, e na elaboração de

novas normas jurídicas. Os princípios são enunciações normativas, ou seja, normas, com

elevado grau de abstração (CANOTILHO, 2003: 1161) cuja função precípua é a integração do

sistema jurídico. “Os princípios gerais de Direito põem-se como as bases teóricas ou as razões

lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido ético, a sua medida racional e

sua força vital ou histórica” (REALE, 2000: 419).

Complementando ainda, os princípios são normas de natureza estruturante

(CANOTILHO, 2003: 1160), tão fundamentais ao ordenamento jurídico, devido a sua posição

hierárquica no sistema de fontes, que, por vezes, são incorporados ao Direito Positivo,

adquirindo condição de lei. Podem estar expressos no texto constitucional, ou apenas

albergados na legislação ordinária, e ainda há aqueles que são simplesmente previstos na

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doutrina como dogmas fundamentais, mas nem por isso perdem sua eficácia integrativa do

sistema jurídico.

Desta forma, partindo da definição acima, merecem destaques em conexão com o

tema abordado os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), o da

igualdade (art. 5º, I), o da função social da propriedade (art. 5º, XXIII), o da função social da

cidade (art. 182), o da participação/cooperação (art. 225), o da obrigatoriedade da intervenção

Estatal (arts. 174 e 225, I), uma vez que toda a atividade urbanística – como é característico a

toda atividade pública -, é um dever-poder, obrigando-se o administrador não só visar, mas

assegurar a garantia das condições mínimas necessárias a uma vida digna dentro dos centros

urbanos a todos, indistintamente. Contudo, as normas que compõem o sistema normativo

urbanístico devem ser concebidas e interpretadas de forma diferenciada para os diferentes,

levando-se sempre em consideração as características e peculiaridades locais – com destaque

para as questões relativas à propriedade privada e a sua função social.

No plano jurídico, como em tudo mais, “o homem é a medida de todas as coisas”

(Protágoras). Portanto, a finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano.

Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o

homem, em todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caros.

Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana se encontra alicerçado,

quando um indivíduo pelo simples fato de integrar o gênero humano já é detentor de

dignidade. Ou seja, isto é uma qualidade ou atributo destinado a todos os homens, decorrente

da própria condição humana, o que o torna merecedor de igual respeito e consideração de seus

semelhantes. Assim, constitui a dignidade um fato universal independente às diversidades de

gênero, raça ou classe dos povos, o que de certo assegura o princípio da igualdade entre eles.

A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais e psicológicas, as pessoas

são detentoras de igual dignidade, garantido pela Constituição Federativa de 1988, art. 1º,

inciso III e art. art. 5º, I. Não há dignidade sem que exista moradia, sem condições de

habitação, sem instrumentos urbanísticos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho.

O princípio da dignidade da pessoa humana está consubstanciado na Constituição

Federal do Brasil, idealizada sob a rubrica de um Estado Democrático de Direito. Este orienta

os demais princípios elencados na Constituição Federal Brasileira e implica inferir que o

Estado existe em função do indivíduo e não propriamente as pessoas existem em função do

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Estado. O ponto de convergência principal deixa de ser o Estado e se transmuda para a

pessoa humana.

Além do princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, dois outros

princípios podem ser vistos quando se pretende garantir a função social da propriedade e a

função social das cidades. Onde o primeiro integra o rol pétreo dos direitos fundamentais (art.

5º, XXIII), é princípio que rege a ordem econômica (Art. 170, III) e, juntamente com a função

social da cidade, forma o núcleo central da política urbana (Art. 182).

Nesse sentido, "o princípio da função social da propriedade constitui o núcleo central

do Direito Urbanístico” (FALLA, 1978: 230).

Contudo, é ele (direito urbanístico) quem vai permitir a instrumentalização e uma

adequada ordenação da cidade, possibilitando a intervenção direta do Estado na propriedade

particular, desde que fundada na lei, sempre visando o interesse supremo da coletividade em

detrimento do particular sendo, desta forma, o principal meio para solucionar os graves

problemas que assolam as grandes cidades, inclusive no que tange a falta de inclusão ao

urbano de comunidades que se encontram no meio, porém alijadas da cidade.

São, destarte, capazes de dar suporte ao desenvolvimento sustentável nos

assentamentos humanos. Enfim, auxiliam e norteiam o aplicador do direito no seu ofício

precípuo de proporcionar aos citadinos uma urbe que seja a sua verdadeira casa, funcionando

como fator determinante para se atingir as funções sociais da cidade.

Ainda na função de promover o meio ambiente equilibrado, assevera o princípio da

cooperação/participação, insculpido no art. 225 da Constituição Federal, o qual afirma ser

dever de todos, coletividade e Poder Público, defender e preservar o meio ambiente para as

presentes e futuras gerações. É de indubitável importância para a concretização de uma

política ambiental preventiva, concreta e eficaz, uma vez que convida todos os cidadãos a

participarem da luta na preservação do meio ambiente.

O princípio da cooperação/participação está inscrito no item 17 da Declaração de

Estocolmo de 1972, “Deve ser confiada, às instituições nacionais competentes, a tarefa de

planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim

de melhorar a qualidade do meio ambiente”.

Também compreendido nos artigos 174 e 225, I, ambos da Constituição Federal de

1988, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na

forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante

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para o setor público e indicativo para o setor privado”. Tais dispositivos consignam

expressamente o dever de o Poder Público atuar na defesa do meio ambiente, tanto no âmbito

administrativo, quanto no âmbito legislativo e até no âmbito jurisdicional, cabendo ao Estado

adotar as políticas públicas e os programas de ação necessários para cumprir esse dever

imposto. Ressalte-se que se a defesa do meio ambiente é um dever do Estado; a atividade dos

órgãos e agentes estatais na promoção da preservação da qualidade ambiental passa a ser,

consequentemente, de natureza compulsória, obrigatória.

Com isso, os princípios de direito ambiental tornam-se fonte normativa estruturante

que visam exigir do Poder Público o exercício efetivo das competências ambientais que lhe

foram outorgadas, evidentemente com as regras e contornos previstos na Constituição e

nas leis, em busca de uma sociedade que viva com dignidade, sem diferença de gênero, de

classe ou étnico-raciais, fornecendo a todos de igual maneira o direito de pertencer à cidade e

ao benefício do urbano.

2 POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITO E IMPORTÂNCIA NA CONSTRUÇÃO DO

DIREITO À CIDADE

O cenário atual em que vive o Brasil no que se refere às políticas públicas, obriga a

tradução de como histórica e tradicionalmente estas foram lapidadas e qual herança pode ser

detectada com o modelo de Estado aqui consignado.

Historicamente falando, por volta de 1930, a população brasileira vivia em sua

maioria no campo, e a minoria nas cidades, passados cerca de 50 anos, a população fora

invertida, passando a concentrar-se em sua maioria nas cidades, com 70% nas cidades e 30%

nos campos, mudando o panorama de sua economia, a qual era eminentemente agrícola e

passando a industrializar-se medianamente, adquirindo expressivo desenvolvimento

econômico nos anos 80.

Para se entender o papel do Estado quanto às políticas públicas até essa época,

necessário se ter em mente que o caráter assumido era o de desenvolvimento e

conservadorismo, implantado pelo modelo ocidental imposto ao Brasil. Assim, o Estado não

se preocupava com o bem-estar social, mas tão somente em ser “promotor do

desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade” (ARAÚJO, 2000: 261).

Fato que levou o Estado a processar mudanças na economia brasileira, sem levar em conta as

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estruturas das relações sociais, tornando-se, além de desenvolvimentista e conservador,

autoritário e centralizador.

No princípio das políticas públicas existia um Estado que não se preocupava com o

bem-estar da sociedade. Como tudo girava em torno do Estado, herdou-se outra tradição: a do

Estado „fazedor‟. Por certo, “não temos a tradição de Estado regulador; nós temos tradição de

Estado fazedor, protetor, mas não de Estado que regule, que negocie com a sociedade os

espaços políticos; estamos reaprendendo a fazer isso” (ARAÚJO, op. cit., p. 263).

Desta forma, esse modelo de políticas públicas construído pelo Estado ao longo do

século XX passou a interferir, como não poderia ser diferente, na política ambiental, que

começou a ser difundida ainda na primeira metade de século, porém, só pôde continuar sem

interrupção a partir da Constituição Federal de 1988, a qual passou a estabelecer a forma

democrática participativa e de fomentar o direito a um meio ambiente saudável e

ecologicamente equilibrado.

De um modo geral, o primeiro momento da política ambiental brasileira foi marcado

por duas preocupações básicas: a racionalização do uso e exploração dos recursos naturais e a

definição de áreas de preservação permanente, estabelecendo, assim, alguns limites à

propriedade privada, o que de certo eram vinculadas de forma direta à ação do Estado na

direção de um modelo de industrialização impulsionado a partir dos anos 50, coincidindo com

o princípio da história de políticas públicas brasileiras.

Desta forma, ao se falar de políticas públicas, conforme já exaurido nas linhas que

antecedem, deve-se ter em vista que, por se tratarem de intervenções do Estado, em conjunto

ou não com a sociedade civil, dentre elas, ONG, grupos empresariais, comunidades, entidades

internacionais, por exemplo, estas devem, necessariamente, contemplar um determinado fim

ou uma área específica da realidade cotidiana.

Assim, em razão das situações vivenciadas mundialmente, tais como aquecimento

global, falta de saneamento básico, lixo, contaminação do solo, ar e água, as questões de

políticas públicas tornaram-se essenciais nos modos de vida e nos modos de produção, não só

como preocupação frente ao desenvolvimento econômico-social, como também, como

garantia de preservação às futuras gerações.

Atualmente, é comum se afirmar que a função do Estado é promover o bem-estar da

sociedade garantindo a ela melhores condições de vida em busca de dignidade. Para tanto, ele

necessita desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em diferentes áreas, tais como

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saúde, educação, saneamento, cultura, lazer e meio ambiente, por exemplo, com o fito de que

a sociedade seja atingida na sua plenitude, sem qualquer distinção de raça, gênero ou classe.

Entretanto, para atingir resultados em diversas áreas e promover o bem-estar da

sociedade, os governos se utilizam das políticas públicas que poderão ser entendidas como

Política pública é programa de ação governamental que resulta de processo ou

conjunto de processos juridicamente regulados – visando coordenar os meios à

disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos

socialmente relevantes e politicamente determinados. Com esse tipo ideal, a política

pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a realização de

prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e seu intervalo de

tempo em que se espera o atingimento de resultados (BUCCI, 2006: 39).

Diante de tal definição, as políticas públicas são a totalidade de ações, metas e planos

que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da

sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os

governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles

entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade

quase sempre é definido pelo governo e não pela sociedade, mesmo estando diante de um

Estado Democrático de Direito.

Nesse contexto, as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado devem ser

experimentadas por toda a sociedade, com o intuito de garantir o mínimo necessário a

proporcionar bem-estar e dignidade, inclusive fazendo o papel inclusivo de comunidades

como as de remanescentes de quilombo, que mesmo estando no meio das cidades são

arremessadas à marginalidade, já que na maioria das vezes não são garantidas formas de

perpetuação social.

No caso dos quilombos urbanos, a garantia ao território foi importante conquista

histórica, porém há muito o que se implementar, pois assentar famílias negras em determinas

áreas urbanas é muito mais que reconhecer a terra, é poder usufruir de ações que possam

dignificar a vida dessas pessoas, garantindo-lhes políticas públicas ativas que visem

implementar saneamento, educação, saúde, habitação, lazer, como medidas mínimas de

equilíbrio ambiental.

As políticas públicas ao serem fomentadas pelo Estado poderão ser eficazes

instrumentos de inclusão social, desde que atendam ao seu verdadeiro sentido,

proporcionando de maneira igual e democrática o acesso à sociedade como um todo em busca

de um meio ambiente ecologicamente saudável, tendo o bem-estar e a dignidade humana

como fatores determinantes na construção de direitos.

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3 BREVE ANÁLISE DO QUILOMBO URBANO E SUA INTERAÇÃO À CIDADE

A história dos negros no Brasil foi marcada por sujeição, exploração e sofrimento,

sem nenhum reconhecimento como ser humano, que lhes permitissem direito à terra, nem tão

pouco a ter dignidade.

Ainda hoje, as comunidades negras que resistiram a toda forma de dominação

imposta pelo colonialismo continuam a não gozar de respeito, se tornando na maioria das

vezes invisíveis ao Poder Público.

A presença das comunidades de quilombos nas cidades é um fato que não poderá ser

desconsiderado, e nem tão pouco passar despercebido, pois desde antes à abolição da

escravatura em 1888, os negros foragidos já se agrupavam nos denominados quilombos, em

busca de resistência e liberdade.

Desta forma, somente a partir da segunda metade do século XVIII, é que se verifica

um aumento importante do número de escravos negros introduzidos na Amazônia, já dentro

do contexto das medidas pombalinas, através da mediação da Companhia Geral de Comércio

do Grão-Pará e Maranhão.

Após a Lei Áurea, os negros migraram principalmente para os grandes centros

urbanos, servindo de mão-de-obra na construção de cidades inteiras, formando comunidades

chamadas de remanescentes, ou melhor, quilombo urbano, onde vivem os descendentes de

escravos negros.

Segundo LIMA (2011) apesar de algumas conquistas, pouca coisa mudou em relação

à situação dos negros no país. Com o fim da escravidão no Brasil, os negros foram jogados à

própria sorte que os condicionou ao descaso, à delinquência, à vulnerabilidade e ao risco

social. O negro ainda carrega o estigma e a condição social consequentes da exploração,

dominação, exclusão e desvalorização.

Assim, necessário se faz esclarecer acerca das comunidades dos quilombos (negros)

no Brasil como membros formadores da história nacional, que desde a abolição da escravatura

lutam para continuar a existir, bem como, pela manutenção e reconquista de seus territórios.

Segundo (CABRAL, 2015), “o que muitos não sabem é que existem quilombos no espaço

urbano em pleno século XXI e que as terras quilombolas são organizadas e avançadas como

qualquer outro bairro da cidade”.

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Desta forma, a luta dos negros é antiga, bem antes da promulgação da Constituição

Brasileira de 1988. E a questão dos direitos só veio através do artigo 68, do ADCT, ampliados

através do Decreto-Lei, como o dos quilombolas – que são grupamentos de escravos fugidos.

Eis que o Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003, dá direitos de auto declaração,

reconhecimento e titulação de terras para os descendentes de escravos no Brasil.

Contudo, a abolição da escravatura para os brancos é definida como liberdade, mas

para os negros não funciona assim. Pois, atribuir titulação de terra ao quilombo, em especial o

urbano, sem o Poder Público voltar-se a dar condição de pertencerem a cidade, pouco irá

importar em mudanças de sua condição de vida, já que continuará alijado do convívio urbano,

mesmo estado no meio dele.

Desta feita, na maioria das vezes os quilombos urbanos são invisíveis à ação do

Poder Público, que pouco ou nada tem feito para que essas comunidades sejam respeitadas,

tanto na concessão de terras, como na construção de políticas públicas como saneamento,

educação, saúde, lazer e cultura, por exemplo, em prol da reprodução social e dignidade

dessas pessoas.

A Constituição Federal de 1988 foi categórica ao dispor no artigo 1º, inciso III,

acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, idealizada sob a rubrica de um Estado

Democrático de Direito, instituindo a dignidade como fundamento da República Federativa

do Brasil, bem como, outros fundamentos elencados sob o enfoque dos direitos humanos, a

cidadania, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político, presentes nos incisos II, IV e

V, do mesmo dispositivo.

Segundo PENA JÚNIOR apud LIMA (2008), “a dignidade da pessoa humana é tão

importante que, mesmo aquele que a desconhece, merece tê-la preservada”. Assim, afirma

que a dignidade é essencial a todos os seres humanos, pressupondo que de certa forma todos

os outros direitos consagrados ao homem na Declaração Universal dos Direitos Humanos

possam decorrer da dignidade humana e a ela devem observar.

No Brasil vive-se o mito da democracia racial, porém a realidade social perversa e os

indicadores sociais comprovam que o negro ainda está associado à miséria e à exclusão,

mesmo não tendo sido passivo ou resignado diante da segregação que sofreu e sofre até hoje.

Exemplo dessa segregação racial e porque não dizer urbana como um todo está a

Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito, localizada na Rua Japurá,

no Bairro Praça 14 de Janeiro, em Manaus, Estado do Amazonas, já declarada e certificada

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desde o final de 2014 como remanescente de quilombo, a qual ainda enfrenta sérios

problemas que se fundem na falta de condição digna daquela população.

Segundo os registros históricos, a Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de

São Benedito existe desde o final do século XIX, com a vinda de uma família alforriada do

Maranhão. Com mais de cem anos de existência ainda luta pelo reconhecimento fundiário,

pela inclusão e participação efetiva ao meio urbano, já que as políticas públicas quase nunca

chegam à essa comunidade na construção de melhor vida e dignidade àquelas pessoas.

Após um ano da abertura do inquérito civil pelo Ministério Público Federal do

Amazonas (MPF/AM), para acompanhar o caso, a Fundação Palmares certificou a

Comunidade do Barranco, no bairro Praça 14 de Janeiro, na zona Centro Sul, como sendo

remanescente de quilombo. Com portaria que oficializa a certificação publicada no Diário

Oficial da União (DOU), em 24 de setembro de 2014.

Porém, embora certificados como remanescentes de quilombos, a comunidade ainda

encontra grandes desafios a serem superados, desde a regulamentação do seu território como a

inclusão aos benefícios da cidade através de políticas públicas fomentadas pelo Estado que

visem proporcionar bem-estar e dignidade aquelas pessoas, em busca de um meio ambiente

mais harmônico, e ecologicamente equilibrado, em respeito ao artigo 225, da Carta Magna de

1988.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desde o século XX, as cidades vem sendo palco de grande explosão populacional,

onde povos inteiros começaram a buscá-las em razão de liberdade política, econômica ou

social. Não sendo diferente com os negros, os quais desde a abolição da escravatura passaram

a migrar mais intensamente para os grandes centros em busca de resistência.

Diante disso, a indústria e a modernidade das cidades foram atraindo povos de todas

as etnias, gêneros e classes, dentre esses, os negros, que emprestaram importante papel na

edificação da cidade, servindo em muito de mão-de-obra, porém, sem qualquer direito, nem

mesmo à terra, quanto mais bem-estar e dignidade.

Assim, a prática de políticas públicas eficazes pelo Estado em parceria com a

comunidade poderá ser um instrumento infalível para o fortalecimento da identidade

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quilombola e da luta por seus direitos, ditos fundamentais, garantidos constitucionalmente

para que as pessoas possam viver com dignidade e respeito.

Diante disso, pode-se considerar que o processo de construção da sociedade

brasileira foi alicerçado, sobretudo nas desigualdades e no racismo que teve na escravidão o

seu maior expoente. As consequências desse regime são perceptíveis ainda hoje, com cento e

vinte e oito anos após o fim da escravidão. A ausência de uma política que promova

oportunidades para todos os brasileiros de diferentes etnias (índios e negros) proporcionou,

em sua maioria, a marginalização esses grupos sociais na sociedade.

Contudo, os quilombos apresentam-se na história como a expressão de negação ao

sistema escravocrata e estratégia de sobrevivência que se viu, existiu durante e após esse

regime. Apesar de a população saber da existência das comunidades majoritariamente negra,

estas foram ignoradas pela sociedade. Porém, é apenas com a Constituição de 1988 que

legitima a existência de comunidades remanescentes de quilombo e legitima a inserção de

mais um sujeito nas discussões de direitos nas questões agrárias brasileira. Vale lembrar que o

reconhecimento só se deu por meio de uma ampla mobilização do movimento negro

brasileiro.

A intervenção do Poder Público nas comunidades obviamente são muito importantes

e farão a diferença na realidade desses grupos, com a construção de casas de alvenaria,

saneamento básico, educação, lazer, água potável e cultura. No entanto parece existir uma

completa desarticulação entre as esferas municipal, estadual e federal na execução dessas

políticas, parecendo nítido quando se volta o olhar às comunidades negras que habitam as

cidades.

A política de desenvolvimento social como um todo encontra-se fadada ao

esquecimento pelo Estado, a exemplo de ações que visem a sustentabilidade cultural, política

e econômica, cujas articulações entre essas ações são indispensáveis para que mudanças

qualitativas aconteçam e contribuam para a fixação dos moradores nas suas comunidades.

Iniciativas importantes poderiam fazer a diferença na execução das ações, como por

exemplo, a sensibilização dos gestores públicos locais sobre o assunto quilombola, a alocação

de verbas a serem aplicadas pelas prefeituras por meio de ações para essas comunidades em

parceria com as associações de moradores e com as Organizações Não Governamentais para

que sejam realizados projetos nas comunidades, etc.

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Outra medida de suma importância a ser elevada, é envolver a sociedade como um

todo que não foi despertada para as questões que concernem às comunidades quilombolas. O

Estado que deveria garantir a igualdade de oportunidades na sociedade não consegue

implementar uma política agrária compatível com as demandas sociais dos quilombolas.

Um Estado Democrático de Direito, não pode limitar a sua democracia apenas nas

escolhas dos governantes, mas também deve compreendê-lo em seu sentido mais amplo,

como, por exemplo, democratizar a dignidade, a justiça, o acesso a saúde digna, uma

educação de qualidade, a cidade urbanizada e a terra. Sem esta visão a sociedade estará fadada

a não se desenvolver, já que as políticas públicas não chegam de forma eficaz e eficiente,

além de não estarem à disposição da população em sua totalidade de forma a garantir uma

sociedade equitativa.

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