polÍticas pÚblicas e direito À cidade: breve...
TRANSCRIPT
POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITO À CIDADE: BREVE ANÁLISE DO
QUILOMBO URBANO DE SÃO BENEDITO EM MANAUS, AM
PÚBLICO Y DERECHO A LA POLÍTICA DE LA CIUDAD: BREVE ANÁLISIS DE
URBAN QUILOMBO BENEDITO ESTÁN EN MANAUS, AM
HILDERLEY RÊGO BARBOSA
RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar o papel das Políticas Públicas no espaço
urbano, avaliando se este instrumento do Estado poderá servir como mecanismo de garantia
de direito à cidade por todos, independente de relações de classe, de gênero e étnico-raciais. A
Constituição Federal de 1988 trouxe novo modelo de políticas públicas construído pelo
Estado, o qual passou a interferir, na política ambiental, fomentando o direito a um meio
ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Assim, as comunidades quilombolas ainda
no século XXI enfrentam a falta de condição digna de sobrevivência, como saúde, educação,
lazer, saneamento básico, sendo alijadas do meio urbano em que vivem. Desta forma, a
análise do tema se fará por estudo teórico, o qual buscará analisar o papel do Estado através
das políticas públicas que visam a efetividade do direito à cidade, fazendo breve menção à
Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito em Manaus, Amazonas.
Contudo, esta proposta se faz relevante e conveniente para que as políticas públicas
funcionem como instrumentos de inclusão social implementadas pelo poder público em
parceria com a sociedade a fim de recepcioná-las e desenvolvê-las coletivamente,
concretizando o direito dessas comunidades negras pertencerem ao urbano. Assim, o meio
ambiente equilibrado se torna alvo necessário para o desenrolar de uma vida digna a todos,
indistintamente, cabendo ao Estado tal promoção através de políticas concretas como medida
de desenvolvimento humano, o que certamente superará conflitos de natureza política,
econômica e social.
PALAVRAS-CHAVE: Quilombo Urbano; Direito; Cidade; Políticas Públicas.
RESUMEN: El objetivo de este estudio es analizar el papel de la política pública en las zonas
urbanas, la evaluación de si este instrumento estatal podría servir como un derecho del
mecanismo de garantía a la ciudad para todos, independientemente de las relaciones de clase,
género y étnica-racial. La Constitución Federal de 1988 dio un nuevo modelo de políticas
públicas construidas por el Estado, que comenzó a interferir en la política ambiental, la
promoción del derecho a un ambiente sano y ecológicamente equilibrado. Por lo tanto, las
comunidades quilombolas en el siglo XXI todavía se enfrentan a la falta de condiciones
dignas para la supervivencia, como la salud, educación, recreación, saneamiento, siendo
empujado fuera del entorno urbano en el que viven. Por lo tanto, objeto de análisis se llevará a
cabo por el estudio teórico, que tratará de analizar el papel del Estado a través de políticas
públicas dirigidas a la efectividad del derecho a la ciudad, haciendo una breve mención del
Quilombo Comunidad de San Benito Barranco urbano en Manaus, Amazonas. Sin embargo,
esta propuesta es pertinente y conveniente para las políticas públicas de inclusión como
* Mestrando pela Universidade do Estado do Amazonas através do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental – PPGDA; Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seção Amazonas, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA.
2
funcionan los instrumentos sociales implementadas por el gobierno en colaboración con la
empresa con el fin de darles la bienvenida y desarrollan ellos se den cuenta colectivamente el
derecho de estas comunidades negras pertenecen a la urbana. Por lo tanto, el medio ambiente
equilibrado se convierte en el destino requerido para el desarrollo de una vida digna para
todos, sin distinción, y el Estado este tipo de promoción a través de políticas concretas y
medir el desarrollo humano, que sin duda superar los conflictos de naturaleza política,
económica y social.
PALABRAS CLAVE: Urban Quilombo; la ley; la ciudad; Políticas Públicas.
NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Com a chegada da era moderna, a cidade passa a desempenhar grande preocupação
em matéria de Estado, o qual através da consecução de políticas públicas deverá promover à
sociedade a plena inclusão ao urbano, com o intuito de promover um meio ambiente
equilibrado que derrame bem-estar e dignidade a todos, independentemente de relações de
classe, de gênero e étnico-raciais.
Partindo desse olhar sobre o direito a ter acesso à cidade como um todo, a
preocupação agora se volta em especial atenção às políticas públicas como instrumentos
garantidores do direito à cidade pela comunidade de quilombo urbano, a qual normalmente
não tem real direito, ficando alijada do acesso aos mecanismos e aos benefícios da cidade.
Ao longo da história viu-se que os negros foram excluídos, humilhados e
marginalizados do convívio social, servindo exclusivamente de mão-de-obra escrava, sem
nenhum direito ou reconhecimento à sua dignidade. Porém, nenhuma dominação fora
pacífica, pois mesmo antes à abolição da escravatura, os negros já se rebelavam de seus
“senhores”, fugindo e formando os quilombos, fato que se seguiu com a promulgação da Lei
Áurea em 1888.
Ao se condensarem nas cidades, os negros, na formação dos quilombos, foram
arremessados à própria sorte, pois continuam em muitos lugares, inclusive em Manaus,
permanecendo invisíveis aos olhos do poder público, o qual mantem-se inerte a qualquer
forma contra prestativa que lhes dê condição de reprodução social, sem acesso à saúde,
educação, lazer, saneamento e cultura, por exemplo.
Com a Constituição Federal de 1988, através do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, artigo 68, as comunidades quilombolas que estavam ocupando suas terras
tiveram reconhecimento de propriedade pelo Estado, o qual passou a emitir-lhes títulos
respectivos.
3
O direito ao território concedido pela Carta Magna foi, de certo, um grande salto para
o reconhecimento da sociedade negra, porém outras medidas atreladas ao uso da terra são
indispensáveis, já que constitui dever do Estado promover através de ações e serviços
públicos a inclusão de todas as pessoas à verdadeira cidade, prezando pelo funcionamento dos
princípios, como a função social da propriedade (art. 5º, XXIII), a função social da cidade
(art. 182), a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), a participação/cooperação (art.
225), a obrigatoriedade da intervenção Estatal (art. 225, I), os quais servirão de alicerce na
constituição de normas de direito.
A Constituição Federal de 1988 ainda traz à lume no art. 225, a contemplação do
"bem jurídico ambiental" como direito de todos e o dever ao Poder Público e à coletividade de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, posteriormente ratificado pelo
Estatuto da Cidade, através da Lei 10.257 de 2001.
Desta forma, a análise do tema se fará por estudo bibliográfico, o qual buscará
analisar o papel do Estado através das políticas públicas que visam a efetividade do direito à
cidade, fazendo breve menção à comunidade de quilombo urbano em Manaus, com enfoque à
legislação, princípios e conceitos pertinentes à proposta inicial, necessitando da elaboração de
mecanismos que contribuam como instrumento concretizador de direito ao urbano.
A problemática paira no sentido de como o quilombo urbano é alijado do direito real
à cidade, quase sempre sem gozar do mínimo de dignidade, em razão da inexistência ou
ineficácia de políticas públicas fomentadas pelo Estado que garantam à essas comunidades
pertencer ao meio urbano.
Assim, o meio ambiente equilibrado se torna alvo necessário para o desenrolar de
uma vida que proporcione bem-estar e dignidade a todos, indistintamente, cabendo ao Estado
tal promoção através de políticas públicas concretas como medida de desenvolvimento
humano, o que certamente superará conflitos de natureza política, econômica e social.
1 BASE PRINCIPIOLÓGICA NA CONSTRUÇÃO DE DIREITOS
Em se tratando de direito ambiental, a utilização dos princípios que guarnecem o
direito ambiental constitui-se em valiosa ferramenta para criação de práticas que contribuem
para a sustentação do arcabouço jurídico, destacando-se conceito, fundamento legal e
reconhecimento da sua densidade normativa pela legislação e doutrina pátria.
4
A partir da Constituição Federal de 1988, no Brasil, o direito ao meio ambiente
saudável adquiriu status constitucional, com significativa produção legislativa a regulamentar
os dispositivos constitucionais, devido ao caráter interdisciplinar assumido.
Segundo (MELLO, 2005: 43), “diz-se que há uma disciplina juridicamente autônoma
quando corresponde a um conjunto sistematizado de princípios e regras que lhe dão
identidade, diferenciando-se das demais ramificações do Direito”.
Desta forma, constata-se que os princípios são normas jurídicas, que ganharam
renome de norma constitucional. Ainda sob a lição o
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata e inteligência exatamente por definir a lógica e
a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. (MELLO, 2005: 902)
Sob a mesma dicção, “os princípios constitucionais são a síntese dos valores mais
relevantes da ordem jurídica, eles indicam o ponto de partida e o caminho a serem
percorridos”, (BARROSO, 2010: 153).
Complementando essa visão, “os princípios são enunciados lógicos admitidos como
condição ou base de validade das demais asserções que compõe o dado campo do saber. Em
todas as áreas do conhecimento científico ou filosófico existem os princípios, que são suas
bases teóricas, que podem ser evidentes ou comprovadas a partir da dedução” (REALE, 2000:
305).
Assim, o Direito, como ciência, é formado por princípios próprios, que orientam e
condicionam a formação, aplicação e integração do ordenamento jurídico, e na elaboração de
novas normas jurídicas. Os princípios são enunciações normativas, ou seja, normas, com
elevado grau de abstração (CANOTILHO, 2003: 1161) cuja função precípua é a integração do
sistema jurídico. “Os princípios gerais de Direito põem-se como as bases teóricas ou as razões
lógicas do ordenamento jurídico, que deles recebe o seu sentido ético, a sua medida racional e
sua força vital ou histórica” (REALE, 2000: 419).
Complementando ainda, os princípios são normas de natureza estruturante
(CANOTILHO, 2003: 1160), tão fundamentais ao ordenamento jurídico, devido a sua posição
hierárquica no sistema de fontes, que, por vezes, são incorporados ao Direito Positivo,
adquirindo condição de lei. Podem estar expressos no texto constitucional, ou apenas
albergados na legislação ordinária, e ainda há aqueles que são simplesmente previstos na
5
doutrina como dogmas fundamentais, mas nem por isso perdem sua eficácia integrativa do
sistema jurídico.
Desta forma, partindo da definição acima, merecem destaques em conexão com o
tema abordado os princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), o da
igualdade (art. 5º, I), o da função social da propriedade (art. 5º, XXIII), o da função social da
cidade (art. 182), o da participação/cooperação (art. 225), o da obrigatoriedade da intervenção
Estatal (arts. 174 e 225, I), uma vez que toda a atividade urbanística – como é característico a
toda atividade pública -, é um dever-poder, obrigando-se o administrador não só visar, mas
assegurar a garantia das condições mínimas necessárias a uma vida digna dentro dos centros
urbanos a todos, indistintamente. Contudo, as normas que compõem o sistema normativo
urbanístico devem ser concebidas e interpretadas de forma diferenciada para os diferentes,
levando-se sempre em consideração as características e peculiaridades locais – com destaque
para as questões relativas à propriedade privada e a sua função social.
No plano jurídico, como em tudo mais, “o homem é a medida de todas as coisas”
(Protágoras). Portanto, a finalidade última do direito é a realização dos valores do ser humano.
Pode-se, pois, dizer que o direito mais se aproxima de sua finalidade quanto mais considere o
homem, em todas as suas dimensões, realizando os valores que lhe são mais caros.
Desta feita, o princípio da dignidade da pessoa humana se encontra alicerçado,
quando um indivíduo pelo simples fato de integrar o gênero humano já é detentor de
dignidade. Ou seja, isto é uma qualidade ou atributo destinado a todos os homens, decorrente
da própria condição humana, o que o torna merecedor de igual respeito e consideração de seus
semelhantes. Assim, constitui a dignidade um fato universal independente às diversidades de
gênero, raça ou classe dos povos, o que de certo assegura o princípio da igualdade entre eles.
A despeito de todas as suas diferenças físicas, intelectuais e psicológicas, as pessoas
são detentoras de igual dignidade, garantido pela Constituição Federativa de 1988, art. 1º,
inciso III e art. art. 5º, I. Não há dignidade sem que exista moradia, sem condições de
habitação, sem instrumentos urbanísticos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho.
O princípio da dignidade da pessoa humana está consubstanciado na Constituição
Federal do Brasil, idealizada sob a rubrica de um Estado Democrático de Direito. Este orienta
os demais princípios elencados na Constituição Federal Brasileira e implica inferir que o
Estado existe em função do indivíduo e não propriamente as pessoas existem em função do
6
Estado. O ponto de convergência principal deixa de ser o Estado e se transmuda para a
pessoa humana.
Além do princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, dois outros
princípios podem ser vistos quando se pretende garantir a função social da propriedade e a
função social das cidades. Onde o primeiro integra o rol pétreo dos direitos fundamentais (art.
5º, XXIII), é princípio que rege a ordem econômica (Art. 170, III) e, juntamente com a função
social da cidade, forma o núcleo central da política urbana (Art. 182).
Nesse sentido, "o princípio da função social da propriedade constitui o núcleo central
do Direito Urbanístico” (FALLA, 1978: 230).
Contudo, é ele (direito urbanístico) quem vai permitir a instrumentalização e uma
adequada ordenação da cidade, possibilitando a intervenção direta do Estado na propriedade
particular, desde que fundada na lei, sempre visando o interesse supremo da coletividade em
detrimento do particular sendo, desta forma, o principal meio para solucionar os graves
problemas que assolam as grandes cidades, inclusive no que tange a falta de inclusão ao
urbano de comunidades que se encontram no meio, porém alijadas da cidade.
São, destarte, capazes de dar suporte ao desenvolvimento sustentável nos
assentamentos humanos. Enfim, auxiliam e norteiam o aplicador do direito no seu ofício
precípuo de proporcionar aos citadinos uma urbe que seja a sua verdadeira casa, funcionando
como fator determinante para se atingir as funções sociais da cidade.
Ainda na função de promover o meio ambiente equilibrado, assevera o princípio da
cooperação/participação, insculpido no art. 225 da Constituição Federal, o qual afirma ser
dever de todos, coletividade e Poder Público, defender e preservar o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações. É de indubitável importância para a concretização de uma
política ambiental preventiva, concreta e eficaz, uma vez que convida todos os cidadãos a
participarem da luta na preservação do meio ambiente.
O princípio da cooperação/participação está inscrito no item 17 da Declaração de
Estocolmo de 1972, “Deve ser confiada, às instituições nacionais competentes, a tarefa de
planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim
de melhorar a qualidade do meio ambiente”.
Também compreendido nos artigos 174 e 225, I, ambos da Constituição Federal de
1988, “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na
forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante
7
para o setor público e indicativo para o setor privado”. Tais dispositivos consignam
expressamente o dever de o Poder Público atuar na defesa do meio ambiente, tanto no âmbito
administrativo, quanto no âmbito legislativo e até no âmbito jurisdicional, cabendo ao Estado
adotar as políticas públicas e os programas de ação necessários para cumprir esse dever
imposto. Ressalte-se que se a defesa do meio ambiente é um dever do Estado; a atividade dos
órgãos e agentes estatais na promoção da preservação da qualidade ambiental passa a ser,
consequentemente, de natureza compulsória, obrigatória.
Com isso, os princípios de direito ambiental tornam-se fonte normativa estruturante
que visam exigir do Poder Público o exercício efetivo das competências ambientais que lhe
foram outorgadas, evidentemente com as regras e contornos previstos na Constituição e
nas leis, em busca de uma sociedade que viva com dignidade, sem diferença de gênero, de
classe ou étnico-raciais, fornecendo a todos de igual maneira o direito de pertencer à cidade e
ao benefício do urbano.
2 POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITO E IMPORTÂNCIA NA CONSTRUÇÃO DO
DIREITO À CIDADE
O cenário atual em que vive o Brasil no que se refere às políticas públicas, obriga a
tradução de como histórica e tradicionalmente estas foram lapidadas e qual herança pode ser
detectada com o modelo de Estado aqui consignado.
Historicamente falando, por volta de 1930, a população brasileira vivia em sua
maioria no campo, e a minoria nas cidades, passados cerca de 50 anos, a população fora
invertida, passando a concentrar-se em sua maioria nas cidades, com 70% nas cidades e 30%
nos campos, mudando o panorama de sua economia, a qual era eminentemente agrícola e
passando a industrializar-se medianamente, adquirindo expressivo desenvolvimento
econômico nos anos 80.
Para se entender o papel do Estado quanto às políticas públicas até essa época,
necessário se ter em mente que o caráter assumido era o de desenvolvimento e
conservadorismo, implantado pelo modelo ocidental imposto ao Brasil. Assim, o Estado não
se preocupava com o bem-estar social, mas tão somente em ser “promotor do
desenvolvimento e não o transformador das relações da sociedade” (ARAÚJO, 2000: 261).
Fato que levou o Estado a processar mudanças na economia brasileira, sem levar em conta as
8
estruturas das relações sociais, tornando-se, além de desenvolvimentista e conservador,
autoritário e centralizador.
No princípio das políticas públicas existia um Estado que não se preocupava com o
bem-estar da sociedade. Como tudo girava em torno do Estado, herdou-se outra tradição: a do
Estado „fazedor‟. Por certo, “não temos a tradição de Estado regulador; nós temos tradição de
Estado fazedor, protetor, mas não de Estado que regule, que negocie com a sociedade os
espaços políticos; estamos reaprendendo a fazer isso” (ARAÚJO, op. cit., p. 263).
Desta forma, esse modelo de políticas públicas construído pelo Estado ao longo do
século XX passou a interferir, como não poderia ser diferente, na política ambiental, que
começou a ser difundida ainda na primeira metade de século, porém, só pôde continuar sem
interrupção a partir da Constituição Federal de 1988, a qual passou a estabelecer a forma
democrática participativa e de fomentar o direito a um meio ambiente saudável e
ecologicamente equilibrado.
De um modo geral, o primeiro momento da política ambiental brasileira foi marcado
por duas preocupações básicas: a racionalização do uso e exploração dos recursos naturais e a
definição de áreas de preservação permanente, estabelecendo, assim, alguns limites à
propriedade privada, o que de certo eram vinculadas de forma direta à ação do Estado na
direção de um modelo de industrialização impulsionado a partir dos anos 50, coincidindo com
o princípio da história de políticas públicas brasileiras.
Desta forma, ao se falar de políticas públicas, conforme já exaurido nas linhas que
antecedem, deve-se ter em vista que, por se tratarem de intervenções do Estado, em conjunto
ou não com a sociedade civil, dentre elas, ONG, grupos empresariais, comunidades, entidades
internacionais, por exemplo, estas devem, necessariamente, contemplar um determinado fim
ou uma área específica da realidade cotidiana.
Assim, em razão das situações vivenciadas mundialmente, tais como aquecimento
global, falta de saneamento básico, lixo, contaminação do solo, ar e água, as questões de
políticas públicas tornaram-se essenciais nos modos de vida e nos modos de produção, não só
como preocupação frente ao desenvolvimento econômico-social, como também, como
garantia de preservação às futuras gerações.
Atualmente, é comum se afirmar que a função do Estado é promover o bem-estar da
sociedade garantindo a ela melhores condições de vida em busca de dignidade. Para tanto, ele
necessita desenvolver uma série de ações e atuar diretamente em diferentes áreas, tais como
9
saúde, educação, saneamento, cultura, lazer e meio ambiente, por exemplo, com o fito de que
a sociedade seja atingida na sua plenitude, sem qualquer distinção de raça, gênero ou classe.
Entretanto, para atingir resultados em diversas áreas e promover o bem-estar da
sociedade, os governos se utilizam das políticas públicas que poderão ser entendidas como
Política pública é programa de ação governamental que resulta de processo ou
conjunto de processos juridicamente regulados – visando coordenar os meios à
disposição do Estado e as atividades privadas para a realização de objetivos
socialmente relevantes e politicamente determinados. Com esse tipo ideal, a política
pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a realização de
prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e seu intervalo de
tempo em que se espera o atingimento de resultados (BUCCI, 2006: 39).
Diante de tal definição, as políticas públicas são a totalidade de ações, metas e planos
que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da
sociedade e o interesse público. É certo que as ações que os dirigentes públicos (os
governantes ou os tomadores de decisões) selecionam (suas prioridades) são aquelas que eles
entendem serem as demandas ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da sociedade
quase sempre é definido pelo governo e não pela sociedade, mesmo estando diante de um
Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado devem ser
experimentadas por toda a sociedade, com o intuito de garantir o mínimo necessário a
proporcionar bem-estar e dignidade, inclusive fazendo o papel inclusivo de comunidades
como as de remanescentes de quilombo, que mesmo estando no meio das cidades são
arremessadas à marginalidade, já que na maioria das vezes não são garantidas formas de
perpetuação social.
No caso dos quilombos urbanos, a garantia ao território foi importante conquista
histórica, porém há muito o que se implementar, pois assentar famílias negras em determinas
áreas urbanas é muito mais que reconhecer a terra, é poder usufruir de ações que possam
dignificar a vida dessas pessoas, garantindo-lhes políticas públicas ativas que visem
implementar saneamento, educação, saúde, habitação, lazer, como medidas mínimas de
equilíbrio ambiental.
As políticas públicas ao serem fomentadas pelo Estado poderão ser eficazes
instrumentos de inclusão social, desde que atendam ao seu verdadeiro sentido,
proporcionando de maneira igual e democrática o acesso à sociedade como um todo em busca
de um meio ambiente ecologicamente saudável, tendo o bem-estar e a dignidade humana
como fatores determinantes na construção de direitos.
10
3 BREVE ANÁLISE DO QUILOMBO URBANO E SUA INTERAÇÃO À CIDADE
A história dos negros no Brasil foi marcada por sujeição, exploração e sofrimento,
sem nenhum reconhecimento como ser humano, que lhes permitissem direito à terra, nem tão
pouco a ter dignidade.
Ainda hoje, as comunidades negras que resistiram a toda forma de dominação
imposta pelo colonialismo continuam a não gozar de respeito, se tornando na maioria das
vezes invisíveis ao Poder Público.
A presença das comunidades de quilombos nas cidades é um fato que não poderá ser
desconsiderado, e nem tão pouco passar despercebido, pois desde antes à abolição da
escravatura em 1888, os negros foragidos já se agrupavam nos denominados quilombos, em
busca de resistência e liberdade.
Desta forma, somente a partir da segunda metade do século XVIII, é que se verifica
um aumento importante do número de escravos negros introduzidos na Amazônia, já dentro
do contexto das medidas pombalinas, através da mediação da Companhia Geral de Comércio
do Grão-Pará e Maranhão.
Após a Lei Áurea, os negros migraram principalmente para os grandes centros
urbanos, servindo de mão-de-obra na construção de cidades inteiras, formando comunidades
chamadas de remanescentes, ou melhor, quilombo urbano, onde vivem os descendentes de
escravos negros.
Segundo LIMA (2011) apesar de algumas conquistas, pouca coisa mudou em relação
à situação dos negros no país. Com o fim da escravidão no Brasil, os negros foram jogados à
própria sorte que os condicionou ao descaso, à delinquência, à vulnerabilidade e ao risco
social. O negro ainda carrega o estigma e a condição social consequentes da exploração,
dominação, exclusão e desvalorização.
Assim, necessário se faz esclarecer acerca das comunidades dos quilombos (negros)
no Brasil como membros formadores da história nacional, que desde a abolição da escravatura
lutam para continuar a existir, bem como, pela manutenção e reconquista de seus territórios.
Segundo (CABRAL, 2015), “o que muitos não sabem é que existem quilombos no espaço
urbano em pleno século XXI e que as terras quilombolas são organizadas e avançadas como
qualquer outro bairro da cidade”.
11
Desta forma, a luta dos negros é antiga, bem antes da promulgação da Constituição
Brasileira de 1988. E a questão dos direitos só veio através do artigo 68, do ADCT, ampliados
através do Decreto-Lei, como o dos quilombolas – que são grupamentos de escravos fugidos.
Eis que o Decreto n° 4.887, de 20 de novembro de 2003, dá direitos de auto declaração,
reconhecimento e titulação de terras para os descendentes de escravos no Brasil.
Contudo, a abolição da escravatura para os brancos é definida como liberdade, mas
para os negros não funciona assim. Pois, atribuir titulação de terra ao quilombo, em especial o
urbano, sem o Poder Público voltar-se a dar condição de pertencerem a cidade, pouco irá
importar em mudanças de sua condição de vida, já que continuará alijado do convívio urbano,
mesmo estado no meio dele.
Desta feita, na maioria das vezes os quilombos urbanos são invisíveis à ação do
Poder Público, que pouco ou nada tem feito para que essas comunidades sejam respeitadas,
tanto na concessão de terras, como na construção de políticas públicas como saneamento,
educação, saúde, lazer e cultura, por exemplo, em prol da reprodução social e dignidade
dessas pessoas.
A Constituição Federal de 1988 foi categórica ao dispor no artigo 1º, inciso III,
acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, idealizada sob a rubrica de um Estado
Democrático de Direito, instituindo a dignidade como fundamento da República Federativa
do Brasil, bem como, outros fundamentos elencados sob o enfoque dos direitos humanos, a
cidadania, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político, presentes nos incisos II, IV e
V, do mesmo dispositivo.
Segundo PENA JÚNIOR apud LIMA (2008), “a dignidade da pessoa humana é tão
importante que, mesmo aquele que a desconhece, merece tê-la preservada”. Assim, afirma
que a dignidade é essencial a todos os seres humanos, pressupondo que de certa forma todos
os outros direitos consagrados ao homem na Declaração Universal dos Direitos Humanos
possam decorrer da dignidade humana e a ela devem observar.
No Brasil vive-se o mito da democracia racial, porém a realidade social perversa e os
indicadores sociais comprovam que o negro ainda está associado à miséria e à exclusão,
mesmo não tendo sido passivo ou resignado diante da segregação que sofreu e sofre até hoje.
Exemplo dessa segregação racial e porque não dizer urbana como um todo está a
Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de São Benedito, localizada na Rua Japurá,
no Bairro Praça 14 de Janeiro, em Manaus, Estado do Amazonas, já declarada e certificada
12
desde o final de 2014 como remanescente de quilombo, a qual ainda enfrenta sérios
problemas que se fundem na falta de condição digna daquela população.
Segundo os registros históricos, a Comunidade do Quilombo Urbano do Barranco de
São Benedito existe desde o final do século XIX, com a vinda de uma família alforriada do
Maranhão. Com mais de cem anos de existência ainda luta pelo reconhecimento fundiário,
pela inclusão e participação efetiva ao meio urbano, já que as políticas públicas quase nunca
chegam à essa comunidade na construção de melhor vida e dignidade àquelas pessoas.
Após um ano da abertura do inquérito civil pelo Ministério Público Federal do
Amazonas (MPF/AM), para acompanhar o caso, a Fundação Palmares certificou a
Comunidade do Barranco, no bairro Praça 14 de Janeiro, na zona Centro Sul, como sendo
remanescente de quilombo. Com portaria que oficializa a certificação publicada no Diário
Oficial da União (DOU), em 24 de setembro de 2014.
Porém, embora certificados como remanescentes de quilombos, a comunidade ainda
encontra grandes desafios a serem superados, desde a regulamentação do seu território como a
inclusão aos benefícios da cidade através de políticas públicas fomentadas pelo Estado que
visem proporcionar bem-estar e dignidade aquelas pessoas, em busca de um meio ambiente
mais harmônico, e ecologicamente equilibrado, em respeito ao artigo 225, da Carta Magna de
1988.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o século XX, as cidades vem sendo palco de grande explosão populacional,
onde povos inteiros começaram a buscá-las em razão de liberdade política, econômica ou
social. Não sendo diferente com os negros, os quais desde a abolição da escravatura passaram
a migrar mais intensamente para os grandes centros em busca de resistência.
Diante disso, a indústria e a modernidade das cidades foram atraindo povos de todas
as etnias, gêneros e classes, dentre esses, os negros, que emprestaram importante papel na
edificação da cidade, servindo em muito de mão-de-obra, porém, sem qualquer direito, nem
mesmo à terra, quanto mais bem-estar e dignidade.
Assim, a prática de políticas públicas eficazes pelo Estado em parceria com a
comunidade poderá ser um instrumento infalível para o fortalecimento da identidade
13
quilombola e da luta por seus direitos, ditos fundamentais, garantidos constitucionalmente
para que as pessoas possam viver com dignidade e respeito.
Diante disso, pode-se considerar que o processo de construção da sociedade
brasileira foi alicerçado, sobretudo nas desigualdades e no racismo que teve na escravidão o
seu maior expoente. As consequências desse regime são perceptíveis ainda hoje, com cento e
vinte e oito anos após o fim da escravidão. A ausência de uma política que promova
oportunidades para todos os brasileiros de diferentes etnias (índios e negros) proporcionou,
em sua maioria, a marginalização esses grupos sociais na sociedade.
Contudo, os quilombos apresentam-se na história como a expressão de negação ao
sistema escravocrata e estratégia de sobrevivência que se viu, existiu durante e após esse
regime. Apesar de a população saber da existência das comunidades majoritariamente negra,
estas foram ignoradas pela sociedade. Porém, é apenas com a Constituição de 1988 que
legitima a existência de comunidades remanescentes de quilombo e legitima a inserção de
mais um sujeito nas discussões de direitos nas questões agrárias brasileira. Vale lembrar que o
reconhecimento só se deu por meio de uma ampla mobilização do movimento negro
brasileiro.
A intervenção do Poder Público nas comunidades obviamente são muito importantes
e farão a diferença na realidade desses grupos, com a construção de casas de alvenaria,
saneamento básico, educação, lazer, água potável e cultura. No entanto parece existir uma
completa desarticulação entre as esferas municipal, estadual e federal na execução dessas
políticas, parecendo nítido quando se volta o olhar às comunidades negras que habitam as
cidades.
A política de desenvolvimento social como um todo encontra-se fadada ao
esquecimento pelo Estado, a exemplo de ações que visem a sustentabilidade cultural, política
e econômica, cujas articulações entre essas ações são indispensáveis para que mudanças
qualitativas aconteçam e contribuam para a fixação dos moradores nas suas comunidades.
Iniciativas importantes poderiam fazer a diferença na execução das ações, como por
exemplo, a sensibilização dos gestores públicos locais sobre o assunto quilombola, a alocação
de verbas a serem aplicadas pelas prefeituras por meio de ações para essas comunidades em
parceria com as associações de moradores e com as Organizações Não Governamentais para
que sejam realizados projetos nas comunidades, etc.
14
Outra medida de suma importância a ser elevada, é envolver a sociedade como um
todo que não foi despertada para as questões que concernem às comunidades quilombolas. O
Estado que deveria garantir a igualdade de oportunidades na sociedade não consegue
implementar uma política agrária compatível com as demandas sociais dos quilombolas.
Um Estado Democrático de Direito, não pode limitar a sua democracia apenas nas
escolhas dos governantes, mas também deve compreendê-lo em seu sentido mais amplo,
como, por exemplo, democratizar a dignidade, a justiça, o acesso a saúde digna, uma
educação de qualidade, a cidade urbanizada e a terra. Sem esta visão a sociedade estará fadada
a não se desenvolver, já que as políticas públicas não chegam de forma eficaz e eficiente,
além de não estarem à disposição da população em sua totalidade de forma a garantir uma
sociedade equitativa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, T. B. de. As políticas públicas no Brasil. In: Ensaios sobre desenvolvimento
brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan Fase, 2000.
BANDEIRA, C. A. B. de. Curso de Direito Administrativo, 18. ed. São Paulo. Malheiros,
2005.
BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
BUCCI, M. P. D. Cooperativas de Habitação no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2003.
CABRAL, A. O legado cultural dos quilombos do Rio. Postagem: 16:30 17/06/2015.
Disponível em: <http://www.ceert.org.br/noticias/historia-cultura-arte/7262/o-legado-cultural-
dos-quilombos-do-rio>. Acesso em 20.06.2016.
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. Coimbra. Livraria Almedina, 1996.
DALLARI, A. A., FERRAZ, S. (coord.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal
10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002.
DECLARAÇÃO DE ESTOCOLMO – 1972
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-
sobre-o-ambiente-humano.html. Acesso em junho 2016.
FALLA, F. G. Tratado de Derecho Administrativo. Volumen II. 10a Ed. Madri: Tecnos,
1978.pág. 230.
15
LIMA, J. L. A. de. Direitos humanos e discriminação racial. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XIV, n. 92, set 2011. Disponível em:
<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10352%3
E>. Acesso em junho 2016.
MACHADO, P. A. L. Direito ambiental brasileiro. 10ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2002.
MEIRELLES, H. L. Direito Municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997.
PROCURADORIA DA REPÚBLICA DO AMAZONAS. MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. Disponível em: http://www.pram.mpf.mp.br/news/mpf-em-movimento/apos-
recomendacoes-do-mpf-am-comunidade-quilombola-em-manaus-recebe-certificacao. Acesso
em 25.11.2015.
REALE, M. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
ROLNIK, R. O que é Cidade?. 3a ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1994.
SAMPAIO, P. M. (org.). O fim do silêncio – presença negra na Amazônia. Belém: Açaí /
CNPq, 2011, p. 15.
SILVA, J. A. Direito Urbanístico Brasileiro. 2a edição. São Paulo: Editora Malheiros, 1997.
SILVA, J. M. Comunidades quilombolas, suas lutas, sonhos e utopias. Disponível em:
<http://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/artigo-cqlutassu.pdf>. Acesso em
05.06.2016.
SIRVINSKAS, L. P. Manual de direito ambiental. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2008.