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1 POLÍTICAS PÚBLICAS E A ANÁLISE DO TRABALHO PRECÁRIO NO BENEFICIAMENTO DA CASTANHA DE CAJU, NO MUNICÍPIO DE ITABAIANA/SE 1 Edésio Alves de Jesus 2 Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected] Leandro de Jesus Santos 3 Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected] Resumo O presente trabalho pretende discutir as transformações nas relações de produção inerentes as ineficácias das políticas públicas inseridas no beneficiamento da castanha de caju da comunidade de Carrilho, no município de Itabaiana/SE. Resultantes das teorias fundamentadas em leituras bibliográficas, trabalho de campo, entrevistas e discussões postas por revistas eletrônicas e impressas. Tal pesquisa relaciona-se aos estudos preliminares do trabalho no beneficiamento de castanha de caju, expondo o alto nível de abuso do trabalho e a inserção de políticas públicas de desenvolvimento rural. O que leva a condição de trabalhadores do campo a se submeterem aos reverses do capital, envolvendo o trabalho familiar, em degradantes formas de exploração da força de trabalho. Palavras-chave: Comunidade Carrilho. Política Pública. Precarização do Trabalho Introdução Na atualidade, o espaço rural passou a ser identificado como lugar de extrema importância para as diversas atividades agropecuárias, sendo que alguns dos recortes espaciais sofrem com as modificações realizadas pelas relações de produção entre os homens, apesar de que, consequentemente, tais transformações são produzidas de formas devastadoras com o intuito de buscar-se-ia os recursos naturais inerentes para reprodução do capitalismo. Percebe-se que tais recursos são extraídos de forma exacerbada diante da fragilidade de homem recompor ao espaço rural as suas necessidades biológicas existentes. No entanto, o espaço rural constitui-se novas fontes de reprodução social, apesar de que, tem aumentado as consequências para os trabalhadores que permeiam sua sobrevivência singularmente da venda da força de trabalho. A modernização da agricultura brasileira fez crescer necessidades de serviços no campo. Para isso foram introduzidos no país, com mais intensidades, desde a Revolução Verde,

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POLÍTICAS PÚBLICAS E A ANÁLISE DO TRABALHO PRECÁRIO NO BENEFICIAMENTO DA CASTANHA DE CAJU, NO MUNICÍPIO DE

ITABAIANA/SE1

Edésio Alves de Jesus2

Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected]

Leandro de Jesus Santos3

Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected]

Resumo

O presente trabalho pretende discutir as transformações nas relações de produção inerentes as ineficácias das políticas públicas inseridas no beneficiamento da castanha de caju da comunidade de Carrilho, no município de Itabaiana/SE. Resultantes das teorias fundamentadas em leituras bibliográficas, trabalho de campo, entrevistas e discussões postas por revistas eletrônicas e impressas. Tal pesquisa relaciona-se aos estudos preliminares do trabalho no beneficiamento de castanha de caju, expondo o alto nível de abuso do trabalho e a inserção de políticas públicas de desenvolvimento rural. O que leva a condição de trabalhadores do campo a se submeterem aos reverses do capital, envolvendo o trabalho familiar, em degradantes formas de exploração da força de trabalho.

Palavras-chave: Comunidade Carrilho. Política Pública. Precarização do Trabalho

Introdução

Na atualidade, o espaço rural passou a ser identificado como lugar de extrema

importância para as diversas atividades agropecuárias, sendo que alguns dos recortes

espaciais sofrem com as modificações realizadas pelas relações de produção entre os

homens, apesar de que, consequentemente, tais transformações são produzidas de

formas devastadoras com o intuito de buscar-se-ia os recursos naturais inerentes para

reprodução do capitalismo. Percebe-se que tais recursos são extraídos de forma

exacerbada diante da fragilidade de homem recompor ao espaço rural as suas

necessidades biológicas existentes. No entanto, o espaço rural constitui-se novas fontes

de reprodução social, apesar de que, tem aumentado as consequências para os

trabalhadores que permeiam sua sobrevivência singularmente da venda da força de

trabalho.

A modernização da agricultura brasileira fez crescer necessidades de serviços no campo.

Para isso foram introduzidos no país, com mais intensidades, desde a Revolução Verde,

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serviços técnicos e financeiros para implementações de máquinas com elevado

investimento em tecnologia produtiva, que pudesse dá respaldo em soluções de

problemas sociais e de produtividade.

Diante das novas tecnologias no espaço rural, consequentemente, houve um relativo

crescimento econômico, porém, alguns problemas estruturais permeiam a sociedade até

os dias atuais, como por exemplo, podemos elencar aqui: a forte concentração de terras,

de renda, caminhando paralelamente com a grande desigualdade social existente no

país, a exploração da força de trabalho, êxodo rural condicionado pela atração do espaço

urbano. Porém, tais investimentos foram destinados à parcela dos grandes proprietários

de terra, por serem estes detentores de capital, que puderam subsidiar essas tecnologias.

Permeando os anos de 1990, tais medidas confirmadas no Consenso de Washington,

regulamentando as nações do mundo para que adotem ajustes econômicos que viriam

afetar os níveis de desenvolvimento social e a distribuição de riquezas, principalmente

das regiões mais pobres do globo. Década, pela qual se caracteriza pela abertura do

mercado nacional, quando a agricultura volta-se não só para o mercado local e sim ao

mercado global, perspectiva dada efetivamente pelo processo de globalização da

economia, do comércio e política. Dessa forma, afeta diretamente as relações de

produção da cadeia da agricultura de base familiar, ocorrendo à desvalorização para o

mercado, notadamente como forma de manter o contingente de mão de obra tanto para o

setor da agroindústria quanto para o favorecimento da migração de mão de obra de

jovens, principalmente para os centros urbanos.

No entanto, as políticas neoliberais vêm convocando as regiões, estados, municípios e

comunidades diversas a elencarem atividades que possam serem inseridas no circuito da

produção e comercialização. É nessa direção que o beneficiamento da castanha de caju

se coloca para aquela comunidade.

Assim, as políticas neoliberais, acrescido das inovações tecnológicas, impõe novas e

modernas estratégias de desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas,

tornando o trabalho precário em todas as esferas produtivas, provocando o desemprego

estrutural, a intensificação da exploração e expropriação dos trabalhadores que

necessitam vender sua força de trabalho a qualquer preço.

Em respeito à promoção do desenvolvimento rural, o Estado de Sergipe, desde o ano de

1984, o governo do Estado, cria a Unidade de Administração do Projeto Nordeste em

Sergipe e que hoje, é denominada de Empresa de desenvolvimento sustentável do

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Estado de Sergipe (PRONESE), com o objetivo de “Implementar programas e ações

voltadas à promoção do desenvolvimento territorial sustentável visando a inclusão pela

renda e pelo direito” (PRONESE, 2012). Contudo, na comunidade pesquisada, há

massivamente a presença do segmento familiar composto de trabalhadores envolvidos

no beneficiamento da castanha de caju, as expectativas de melhorias, por via das

políticas públicas, revelam sua fragilidade como proposta de desenvolvimento rural.

Resultante das modificações ocorridas no espaço rural, o presente trabalho é fruto dos

primeiros resultados de pesquisa do Grupo PET (Programa de Educação Tutorial) de

Geografia da Universidade Federal de Sergipe, desenvolvidas entre os meses de

setembro e dezembro de 2011, onde trás uma leitura das mudanças que tem ocorrido no

mundo do trabalho e da falta de política pública eficaz, que estão presentes na atividade

do beneficiamento da castanha de caju na comunidade Carrilho, no município de

Itabaiana, localizado no Agreste Central do estado de Sergipe, Nordeste-Brasil.

Considera-se que se trata de um processo que em nome da promoção do

desenvolvimento rural da comunidade, através da atividade de beneficiamento da

castanha de caju, promove a precarização do trabalho, pois a ausência de condições

materiais de existência coloca moradores desta comunidade em condições de

degradações da sua força de trabalho, submetidos ao trabalho de torrefação, quebra,

limpeza e seleção da castanha de caju beneficiada.

Dentre os objetivos deste trabalho, buscou-se compreender os rebatimentos no mundo

do trabalho; os desdobramentos das políticas públicas para comunidade via PRONESE;

as formas de subordinação da prática do trabalho de beneficiamento da castanha de caju

(in natura).

A metodologia partiu do levantamento bibliográfico em autores e pesquisadores da

Geografia e demais áreas do conhecimento, que tratam do mundo do trabalho, da

questão agrária brasileira, sergipana e ainda do debate sobre a lógica do

desenvolvimento na contemporaneidade. Além de livros, dissertações, artigos, teses,

realização de trabalho de campo, entrevistas com trabalhadores do beneficiamento da

castanha de caju na comunidade Carrilho, com gestores dos órgãos público do

município. Foram realizadas busca em sites de órgãos públicos: A citar, Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, objetivando verificar alguns dos

indicadores sociais e econômicos existentes, Secretaria de Estado da Agricultura e do

Desenvolvimento Rural - Estado de Sergipe e do município de Itabaiana (Secretaria da

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Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento Alimentar, Secretaria do Planejamento e

do Desenvolvimento Sustentável), graças a isso, a riqueza de informações obtidas

fortaleceu para análise crítica da Geografia, respaldado na compreensão da realidade

daquela comunidade que vive do trabalho precário e sem terra para produzir.

Desenvolvimento

Nesta proposta de análise procuramos evidenciar o quanto é importante à compreensão

das políticas públicas, das mutações no mundo do trabalho, além disso, das

consequências para beneficiadores da castanha de caju esta comunidade Carrilho,

obrigados a interagir diretamente com as facetas que o sistema vigente impõe.

Dessa forma, não podemos desconsiderar o processo de reestruturação produtiva do

capital, debruçando do fundamento do toyotismo, advindo da globalização e

neoliberalismo, obriga o modo produção vigente a reorganizar-se e incrementar ações

que garantam a sua sobrevivência, a quiçá da fragilidade da autonomia do Estado

nacional, flexibilização das relações trabalhistas e desregulamentação, fenômeno que

alterou profundamente a dinâmica espacial, as relações de produção e a acumulação

capitalista, marcando uma nova era de controle do sistema com desdobramentos no

mundo do trabalho. Suas consequências têm sido negativas para a classe trabalhadora,

causando desemprego e expulsão de grande massa de pessoas do campo, precarizando

intensamente o trabalho, inclusive debilitando a capacidade de organização via

sindicatos, enfraquecida nesse contexto, tanto nos espaços urbanos e rurais.

Como destaca Thomas Junior, (2002a),

As mudanças nas formas de organização do processo de trabalho (do taylorismo-fordismo ao toyotismo restrito/sistêmico e/ou outras combinações), que se expressam na desproletarização, na informalização, nos contratos temporários, nos novos mecanismos de repressão e cooptação do trabalhador, e em outras tantas formas precarizadas, bem como na despossessão, no desemprego. A cada dia os efeitos desse metabolismo societário do capital fragmentam, complexifica e heterogeneiza o mundo do trabalho redimensionado os sentidos assumidos pela polissemização e promovem profundas rearranjos territoriais (THOMAZ JUNIOR, 2002 p.2).

No seio das transformações no mundo do trabalho do capitalismo contemporâneo, o

metabolismo social do capital é marcado por uma desproletarização do trabalho

industrial, principalmente dos países centrais, chamado de avançadas, com tese do fim

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do trabalho. Mas, para esta questão, Antunes (2002), responde que ainda existe uma

classe-que-vive-do-trabalho, apesar de que, abre espaço para se pensar que o trabalho

realizado na produção do recorte rural, tem sido mais intensamente precarizado,

diferenciado daquele praticado no período fordista/taylorista.

Em condição pós-moderna de Harvey (2005), salienta que o período do

fordismo/taylorismo (1945-1973), fora impulsionado a regulamentação e intervenção do

Estado no mundo do trabalho, pelos quais trabalhadores usufruíam significativamente

do bem estar social (Welfare State), ou seja, período dos “trinta anos gloriosos” da

economia mundial, porém pontuais para alguns países, principalmente na Europa, Japão

e Estados Unidos. Mas, este crescimento foi acompanhado por uma série de

compromissos e reposicionamentos dos principais autores do desenvolvimento

capitalista, que mais tarde intensificam as práticas neoliberais.

Conforme ressalta Thomas Junior (2002b), É a partir dos anos 80 que no Brasil se manifestaram os primeiros impulsos do processo de reestruturação produtiva, mas é no princípio da década seguinte que atingiram nova amplitude e profundidade, momento em que as inovações técnicas e organizacionais assumem um caráter mais sistêmico em todo o circuito produtivo dos diversos setores econômicos. No entanto, guardaram traço de semelhança em relação à busca da competitividade do capital e à adoção de novos padrões organizacionais e tecnológicos compatíveis (THOMAZ JÚNIOR, 2002 p.28).

Resultante das políticas neoliberais houve aumento da competitividade e da

concorrência intercapitalista, que promove impulsos inerentes do processo de

reestruturação produtiva, que são mais desastrosas e cruéis para a classe-que-vive-do-

trabalho (ANTUNES, 2002).

Para Antunes (2005) a classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora, além do

trabalho fabril e extrafabril, na contemporaneidade inclui [...] aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salários, como o enorme leque de trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time, que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo. Deve incluir também o proletariado rural, os chamados boias-frias das regiões agroindustriais, além naturalmente, da totalidade dos trabalhadores desempregados que se constituem nesse monumental exército industrial de reserva. (ANTUNES, 2005 p.52).

Apontados pelo mesmo autor estão excluídos da classe-que-vive-do-trabalho, gestores

do capital, que controlam a gestão do processo de valorização e reprodução do capital,

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pessoas que vivem de juros e de especulações, pequenos empresários tanto urbanos

quanto rurais, danos dos meios de produção que não precisam vender sua força de

trabalho em troca de salários, estes não são considerados parte integrante da classe

trabalhadora, (ANTUNES, 2005).

Conforme resultados preliminares da pesquisa na comunidade Carrilho, onde os

trabalhadores sobrevivem do beneficiamento da castanha de caju, do trabalho

desgastante, nos quais trabalham intensamente na informalidade, em serviços

temporários, contratados sem nenhuma garantia trabalhista, em locais insalubres,

contribuindo para proliferação de doenças, ao mesmo tempo com o barateamento do

custo da prestação do serviço. Ou seja, a falta da demanda de oportunidades de emprego

leva os sujeitos sociais a buscarem a qualquer custo novas estratégias de inserção no

mercado de trabalho tanto no meio rural quanto no espaço urbano.

Destarte, é reveladora a dura realidade da comunidade por prestar os serviços no

beneficiamento da castanha de caju das necessidades de políticas públicas que

favoreçam para o fomento de emprego e melhores condições de vida e trabalho.

Conforme, ser vista com bons olhos, a comunidade tem sido ressaltada pela inserção de

políticas de desenvolvimento rural, via PRONESE, a partir de 2004, com o propósito de

resolver os problemas sociais ali vigentes.

Dentre as principais políticas públicas que pudessem garantir o desenvolvimento rural e

diminuir os impactos negativos para os trabalhadores que vivem do beneficiamento da

castanha de caju, podemos citar especificamente o PCPR II (Projeto de combate a

pobreza rural II) na sua primeira fase, que a partir da ação do PRONESE, com

investimentos do Banco Mundial, financiou a construção de uma minifábrica de

beneficiamento de castanha, seguindo um modelo de fabriquetas encontradas em outros

estados do Nordeste. Nesse caso o projeto foi interrompido após a construção da

minifábrica pelo término da validade do financiamento, faltando à aquisição do

maquinário necessário para a realização das tarefas de beneficiamento da castanha de

caju. É nesse ponto que as autoridades locais buscam a regularização das cooperativas,

junto a PRONESE, secretarias do município e bancos, com intuito de almejar futuros

projetos para a aquisição de equipamentos e o funcionamento da minifábrica.

Porém, nos últimos anos, a comunidade aguarda há mais de oito anos, a ativação da

última fábrica de beneficiamento da castanha de caju, dos equipamentos para reduzir

coletivamente os problemas inerentes da precarização dos trabalhadores e facilitar o

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aumento da renda, haja vista que a fábrica foi construída e não pôde ser inaugurada por

faltarem os instrumentos básicos, como os equipamentos. Uma vez que, a utilização da

fábrica de processamento pudesse facilitar coletivamente o beneficiamento da castanha

de caju e a aquisição da renda, ao contrário, tornou-se útil apenas para os atravessadores

servindo de depósito de castanha (in natura) para secagem da mesma.

Entretanto, têm sido contraditórios os resultados das políticas via PRONESE, pela não

contemplação da melhoria de trabalho coletivo para a comunidade, sendo assim, a

Empresa de Desenvolvimento Sustentável do Estado de Sergipe (PRONESE),

objetivaria formular estratégias e verificar as possibilidades de desenvolver, planejar e

implementar projetos na comunidade Carrilho, que contribua para geração de renda

coletiva, na promoção do desenvolvimento socioeconômico, sustentável, ambiental,

político e cultural.

No entanto, tem aflorado as consequências negativas aos trabalhadores da referente

comunidade, devido à participação dos atravessadores, são estes de maior poder

aquisitivo e com recursos financeiros, que promovem e empregam os trabalhadores ao

beneficiamento, adquirindo maior concentração de capital. Assim, a ação intermediada

pelos atravessadores da região tem promovido o crescimento da desigualdade e da

precarização, uma vez que são responsáveis pela importação da matéria prima (in

natura), proveniente de outros estados do Nordeste (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande

do Norte), já que o estado de Sergipe não produz a castanha em quantidade

significativa.

O intermediário importa e distribui o produto aos beneficiários, estes por sua vez fazem

todo o processo do beneficiamento da castanha de caju, tendo seu retorno financeiro

através dos salários pagos pela venda da força de trabalho. Contudo, as relações

comerciais e de trabalho estabelecem uma margem de lucro auferida pelo atravessador

bem maior do que aquela que fica com os trabalhadores da comunidade.

Desprovidos de qualquer perspectiva de melhoria de vida na comunidade, os

trabalhadores jovens, optam pela migração para outras regiões, a fim de conseguirem

um aumento na renda, com a venda do produto beneficiado, nos locais de grande

movimento de turistas do país, principalmente orlas e praias do litoral Brasil. Dentre os

principais pontos comerciais dos trabalhador/beneficiadores de castanha de caju, muitos

comercializam em capitais como Aracaju, Salvador, Maceió, Santos, Rio de Janeiro e

Florianópolis.

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A análise das contradições do modelo de desenvolvimento aplicado no campo brasileiro

permite rever a concepção de desenvolvimento rural, com a participação do capitalismo

diretamente na localidade, inserindo-se de forma perversa em todos os locais, extraindo

mais-valia, transformando as relações de produção e subalternando o trabalho. Percebe-

se uma ligação do local com o global na medida em que se analisa a reestruturação

produtiva do capitalismo, pois são impostas novas formas de exploração e

regulamentação do trabalho, promovendo a queda dos salários dos trabalhadores,

aumento da jornada de trabalho, insegurança previdenciária, das péssimas condições

matérias de existência, a precarização do trabalho através da informalidade, mediado

com o discurso proposto pelas políticas públicas vigentes.

O trabalho do beneficiamento da castanha de caju

A comunidade Carrilho localiza-se distante 6 km do município de Itabaiana/SE, com

população de 586 habitantes, segundo dados da Empresa de Desenvolvimento

Agropecuário de Sergipe – EMDAGRO (2008), dos quais 90% destes tem como fonte

de renda principal, o beneficiamento da castanha de caju (in natura). Porém, tal

atividade é realizada de forma tradicional/artesanal, precária, desprovida de quaisquer

instrumentos de trabalho, sendo que a realização do processamento é dividida em três

etapas: a torrefação, quebra e despeliculagem. Tendo a divisão do trabalho, em que: a

torrefação é feita na maioria das vezes por um homem, normalmente com mais

experiência, para evitar acidentes de trabalho e problemas de saúde de forma geral, por

está muito próximo do fogo, tanto para quem assa, quanto aos demais trabalhadores ali

presentes. Ver figura 01, o manejo do fogo para assar a castanha de caju.

Figura 01: Local de torrefação da castanha, Comunidade Carrilho, 2011

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Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011

Embora a quebra possa-se dizer que é um trabalho mais “democrático”, no quais

envolvem homens e mulheres por ser considerado um trabalho menos perigo, mas por

outro lado torna-se extremamente danoso, pois devido a castanha conter alto teor de

oleosidade e os trabalhadores não usarem os EPI’s (equipamentos de proteção

individual), chegam a perder as digitais durante o beneficiamento. Na prática, a

despeliculagem concentra força de trabalho feminina, que segundo os moradores é um

trabalho mais delicado, que consideram próprio para as mulheres.

A deficiência de instrumentos de trabalho tem provocado danos aos trabalhadores, uma

vez que, o trabalho é artesanal, desenvolvido com materiais de fabricação ultrapassados,

caseiros, rústicos, sendo utilizados pedaços de madeiras, pedras, servindo tanto de apoio

quanto para a quebra da castanha. A falta de instrumentos essenciais, são prejudiciais às

condições físicas, além das perdas de digitais, queima das mãos provocadas pelas

oleosidades que têm a castanha, inalação da fumaça pela falta de proteção nas narinas,

forte radiação do calor do fogo e a posição do corpo contorcido nas cadeiras

inadequadas, baixas e pequenas, resultam em problemas de saúde futuros. Podemos

ressaltar a partir da figura 02, trabalhadores exercendo a atividade do beneficiamento de

forma inadequada, na quebra da castanha de caju depois da torrefação.

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Figura 02: Quebra de castanha, Comunidade Carrilho, 2011

Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011

O trabalho no beneficiamento da castanha de caju é mesclado com outras atividades não

agrícola, pois algumas famílias têm vínculos empregatícios da roça. Embora, o trabalho

muitas das vezes é realizado ora dentro do estabelecimento familiar, em propriedade de

vizinhos e/ou parente ora é constituído em propriedade dos atravessadores, e muitas das

vezes o trabalho é formalizado em barracos cobertos por lonas ao lado das residências,

configurando-se em locais insalubres, ver figura 03.

Figura 03: Trabalho realizado ao lado das residências, Comunidade Carrilho, 2011

Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011

No entanto, a realização do beneficiamento da castanha de caju ocorre em lugares

inadequados, como barracos e calçadas. A insalubridade é grande devido à poluição

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provocada pela fumaça intensa que exala dos fornos a céu aberto pela combustão da

castanha. Os locais são cobertos por lonas, levando os trabalhadores a permanecerem no

local de forma desconfortável em relação a posição do corpo, que fica todo o tempo

curvado, ao calor, etc. tais condições tem colocando em risco a saúde dos homens,

mulheres, idosos e crianças que participam da atividade.

A falta de políticas públicas eficazes forçam trabalhadores e famílias a venderem sua

força de trabalho nos serviços temporários, no beneficiamento a castanha de caju,

mesclando com outras atividades não agrícolas o complemento da renda, em vínculos

empregatícios na roça, pois o valor pago é insignificante para reprodução social dos

trabalhadores, variando de função para função, entre R$ 15 a R$ 25/dia. No

beneficiamento da castanha os trabalhadores recebem um valor de R$ 25 por saca de

castanha (in natura), ou seja, após todo processo de beneficiamento. Depois de

beneficiada, a castanha é vendida por um valor médio em torno de R$ 25 kg,

dependendo da procura do produto, este valor poderá sofrer oscilações de preço, como

afirma uma trabalhadora, que também comercializa a castanha de caju, sendo exceção

dos diversos trabalhadores que apenas vendem sua força de trabalho. Por serem

trabalhadores temporários, eles recebem pagamentos semanais pelo trabalho realizado,

o que dá em torno de uma variante de R$ 80 a 130. O trabalho é desenvolvido

principalmente no período da safra do caju.

Foram identificadas na pesquisa, famílias que têm crianças cadastras no Programa Bolsa

família. Desse modo, a dependência quanto aos benefícios dos programas sociais do

governo federal, são visíveis e essenciais, tornando-os complementos da renda familiar,

como exemplos, o Bolsa Família, aposentadoria, auxílio doenças, etc. No entanto, a

atenção dada pelo governo federal se constitui como formas de minimizar os impactos

sociais decorrentes do processo de exploração do trabalho via apropriação da terra e dos

meios de produção.

Outro problema inerente à comunidade é a falta de terra. Uma vez que as famílias não

são donas de propriedades rurais, elas assumem atividades rurais não agrícolas, como o

beneficiamento da castanha, para garantir a sua sobrevivência, que não é uma

particularidade local, e sim um problema do Brasil como um todo. Embora a pesquisa

esteja em fase inicial, já é reveladora que vários sujeitos presentes demonstraram que a

falta de terra é um dos entraves para as condições de vida e trabalho que vivem, porém

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sendo proprietários de terra, não estariam submetidos a vender sua força de trabalho de

forma tão precária, podendo produzir seu próprio sustento.

Conclusões

Com os resultados parciais desta pesquisa, percebeu-se o quanto o trabalho

desenvolvido pelos “castanheiros” é bastante frágil, no que diz as mudanças sociais e

econômicas no município de Itabaiana, ora pela necessidade de políticas públicas

capazes de promover a assistência social na melhoria das condições de vida, ora em

garantir uma estabilidade financeira e acessibilidade em termos de segurança no

trabalho, dada pelas falta de políticas públicas existentes. Mesmo quando tem, como

citado, a exemplo de políticas públicas de investimentos via PRONESE, acabam

provocando contradições. A precarização do trabalho é um desses efeitos indesejados,

pela própria ineficiência na implantação, como já foi destacado anteriormente, que não

garante desenvolvimento econômico e social das famílias, submetendo-as aos reveses

do modo de produção capitalista, forçando-os a buscarem complementar a renda

familiar em diversas atividades não agrícolas e desprovidas de quaisquer equipamentos

de segurança e de saúde.

Uns dos principais problemas enfrentados pela comunidade é o trabalho informal, uma

vez que, estudos mostram também ser um dos grandes problemas crescentes no Brasil,

isto é ressaltado por Pinho 2009:

Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial do Comércio (OMC), com apoio do Instituto Internacional de Estudos do Trabalho da OIT e a Secretaria da OMC, existe uma franca preocupação com informalidade no planeta, e o Brasil tem hoje 65 milhões de pessoas na informalidade, uma das taxas mais alta entre os países em desenvolvimento. Isso significa que 40% da nossa população não tem proteção social, vínculo de emprego, parte estão em negócios clandestinos, e pequeno comércio irregular.

Compreendendo as relações construídas no mundo do trabalho, indagamos numa leitura

geográfica o quanto é importante interpretar/compreender as formulações que levaram o

trabalhador do beneficiamento da castanha de caju a vender sua força de trabalho a

qualquer preço. Inseridos no trabalho não agrícola no contexto de acumulação flexível e

da reestruturação produtiva do capital, vemos os trabalhadores do mundo e de Carrilho,

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pequeno povoado rural no município de Itabaiana, no estado de Sergipe, submeterem-se

as formas de trabalho precarizado. A ausência de ações que viabilizem condições

dignas, como a viabilização de uma reforma agrária para aqueles que vivem no espaço

rural ou políticas que assegurem a autonomia dos trabalhadores, expressa o

comprometimento do Estado no atual estágio das relações capitalistas em resolver os

problemas sociais. No entanto, Antunes citando Mészáros (2005), critica a atuação do

Estado afirmando “o Estado moderno é inconcebível sem o capital, que é o seu real

fundamento, e o capital, por sua vez, precisa do Estado como seu complemento

necessário”, (ANTUNES, 2005, p. 121).

Dessa forma, piora ainda mais a situação dos envolvidos nesse processo, que além de

terem suas vidas prejudicadas pelas péssimas condições de trabalho, acabam ficando

sem nenhuma garantia legal de benefícios, como a aposentadoria ou previdência social,

uma vez que os trabalhadores são expostos constantemente/diariamente em meios aos

grandes riscos de acidentes de trabalho, como perda de digitais e queimaduras. Em meio

a precarização do trabalho e da falta de garantias na melhoria social, a migração de

jovens tem ocorrido com frequência, levando os jovens a buscarem renda na

comercialização da castanha depois de beneficiada em pontos turísticos do país.

Entretanto, aumenta o desconforto da qualidade de vida destes e da exploração da sua

força de trabalho pelos atravessadores. Sendo estes os mais lucrativos do ciclo de todo o

beneficiamento, desde a importação da castanha (in natura), até a revenda às famílias da

comunidade que farão a comercialização em outras regiões do país.

Resultante da nossa pesquisa é notório uma complexidade nas relações de produção e de

trabalho na referida comunidade, que levam trabalhadores informais, diaristas do

campo, beneficiadores de castanha, sem ter terra para plantar, a submeterem as

determinadas atividades existentes, criando novas alternativas de subsistências, inerente

ao modo de produção vigente, que subordina sua força de trabalho, sendo apenas meios

básicos para a reprodução social da classe trabalhadora.

NOTAS: 1 Esta pesquisa é parte das atividades desenvolvidas entre os meses de setembro a dezembro de 2011 pelo grupo PET (Programa de Educação Tutorial), sendo tutora, Josefa de Lisboa Santos, Profª. Drª. Adjunta do Departamento de Geografia/UFS

2 Graduando do curso de Geografia/UFS/Campus Professor Alberto Carvalho/ Itabaiana/SE. E-mail: [email protected]

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3 Graduando do curso de Geografia/UFS/Campus Professor Alberto Carvalho/ Itabaiana/SE. E-mail: [email protected]

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