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POLÍTICAS PÚBLICAS E A ANÁLISE DO TRABALHO PRECÁRIO NO BENEFICIAMENTO DA CASTANHA DE CAJU, NO MUNICÍPIO DE
ITABAIANA/SE1
Edésio Alves de Jesus2
Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected]
Leandro de Jesus Santos3
Universidade Federal de Sergipe (UFS) [email protected]
Resumo
O presente trabalho pretende discutir as transformações nas relações de produção inerentes as ineficácias das políticas públicas inseridas no beneficiamento da castanha de caju da comunidade de Carrilho, no município de Itabaiana/SE. Resultantes das teorias fundamentadas em leituras bibliográficas, trabalho de campo, entrevistas e discussões postas por revistas eletrônicas e impressas. Tal pesquisa relaciona-se aos estudos preliminares do trabalho no beneficiamento de castanha de caju, expondo o alto nível de abuso do trabalho e a inserção de políticas públicas de desenvolvimento rural. O que leva a condição de trabalhadores do campo a se submeterem aos reverses do capital, envolvendo o trabalho familiar, em degradantes formas de exploração da força de trabalho.
Palavras-chave: Comunidade Carrilho. Política Pública. Precarização do Trabalho
Introdução
Na atualidade, o espaço rural passou a ser identificado como lugar de extrema
importância para as diversas atividades agropecuárias, sendo que alguns dos recortes
espaciais sofrem com as modificações realizadas pelas relações de produção entre os
homens, apesar de que, consequentemente, tais transformações são produzidas de
formas devastadoras com o intuito de buscar-se-ia os recursos naturais inerentes para
reprodução do capitalismo. Percebe-se que tais recursos são extraídos de forma
exacerbada diante da fragilidade de homem recompor ao espaço rural as suas
necessidades biológicas existentes. No entanto, o espaço rural constitui-se novas fontes
de reprodução social, apesar de que, tem aumentado as consequências para os
trabalhadores que permeiam sua sobrevivência singularmente da venda da força de
trabalho.
A modernização da agricultura brasileira fez crescer necessidades de serviços no campo.
Para isso foram introduzidos no país, com mais intensidades, desde a Revolução Verde,
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serviços técnicos e financeiros para implementações de máquinas com elevado
investimento em tecnologia produtiva, que pudesse dá respaldo em soluções de
problemas sociais e de produtividade.
Diante das novas tecnologias no espaço rural, consequentemente, houve um relativo
crescimento econômico, porém, alguns problemas estruturais permeiam a sociedade até
os dias atuais, como por exemplo, podemos elencar aqui: a forte concentração de terras,
de renda, caminhando paralelamente com a grande desigualdade social existente no
país, a exploração da força de trabalho, êxodo rural condicionado pela atração do espaço
urbano. Porém, tais investimentos foram destinados à parcela dos grandes proprietários
de terra, por serem estes detentores de capital, que puderam subsidiar essas tecnologias.
Permeando os anos de 1990, tais medidas confirmadas no Consenso de Washington,
regulamentando as nações do mundo para que adotem ajustes econômicos que viriam
afetar os níveis de desenvolvimento social e a distribuição de riquezas, principalmente
das regiões mais pobres do globo. Década, pela qual se caracteriza pela abertura do
mercado nacional, quando a agricultura volta-se não só para o mercado local e sim ao
mercado global, perspectiva dada efetivamente pelo processo de globalização da
economia, do comércio e política. Dessa forma, afeta diretamente as relações de
produção da cadeia da agricultura de base familiar, ocorrendo à desvalorização para o
mercado, notadamente como forma de manter o contingente de mão de obra tanto para o
setor da agroindústria quanto para o favorecimento da migração de mão de obra de
jovens, principalmente para os centros urbanos.
No entanto, as políticas neoliberais vêm convocando as regiões, estados, municípios e
comunidades diversas a elencarem atividades que possam serem inseridas no circuito da
produção e comercialização. É nessa direção que o beneficiamento da castanha de caju
se coloca para aquela comunidade.
Assim, as políticas neoliberais, acrescido das inovações tecnológicas, impõe novas e
modernas estratégias de desregulamentação e flexibilização das relações trabalhistas,
tornando o trabalho precário em todas as esferas produtivas, provocando o desemprego
estrutural, a intensificação da exploração e expropriação dos trabalhadores que
necessitam vender sua força de trabalho a qualquer preço.
Em respeito à promoção do desenvolvimento rural, o Estado de Sergipe, desde o ano de
1984, o governo do Estado, cria a Unidade de Administração do Projeto Nordeste em
Sergipe e que hoje, é denominada de Empresa de desenvolvimento sustentável do
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Estado de Sergipe (PRONESE), com o objetivo de “Implementar programas e ações
voltadas à promoção do desenvolvimento territorial sustentável visando a inclusão pela
renda e pelo direito” (PRONESE, 2012). Contudo, na comunidade pesquisada, há
massivamente a presença do segmento familiar composto de trabalhadores envolvidos
no beneficiamento da castanha de caju, as expectativas de melhorias, por via das
políticas públicas, revelam sua fragilidade como proposta de desenvolvimento rural.
Resultante das modificações ocorridas no espaço rural, o presente trabalho é fruto dos
primeiros resultados de pesquisa do Grupo PET (Programa de Educação Tutorial) de
Geografia da Universidade Federal de Sergipe, desenvolvidas entre os meses de
setembro e dezembro de 2011, onde trás uma leitura das mudanças que tem ocorrido no
mundo do trabalho e da falta de política pública eficaz, que estão presentes na atividade
do beneficiamento da castanha de caju na comunidade Carrilho, no município de
Itabaiana, localizado no Agreste Central do estado de Sergipe, Nordeste-Brasil.
Considera-se que se trata de um processo que em nome da promoção do
desenvolvimento rural da comunidade, através da atividade de beneficiamento da
castanha de caju, promove a precarização do trabalho, pois a ausência de condições
materiais de existência coloca moradores desta comunidade em condições de
degradações da sua força de trabalho, submetidos ao trabalho de torrefação, quebra,
limpeza e seleção da castanha de caju beneficiada.
Dentre os objetivos deste trabalho, buscou-se compreender os rebatimentos no mundo
do trabalho; os desdobramentos das políticas públicas para comunidade via PRONESE;
as formas de subordinação da prática do trabalho de beneficiamento da castanha de caju
(in natura).
A metodologia partiu do levantamento bibliográfico em autores e pesquisadores da
Geografia e demais áreas do conhecimento, que tratam do mundo do trabalho, da
questão agrária brasileira, sergipana e ainda do debate sobre a lógica do
desenvolvimento na contemporaneidade. Além de livros, dissertações, artigos, teses,
realização de trabalho de campo, entrevistas com trabalhadores do beneficiamento da
castanha de caju na comunidade Carrilho, com gestores dos órgãos público do
município. Foram realizadas busca em sites de órgãos públicos: A citar, Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, objetivando verificar alguns dos
indicadores sociais e econômicos existentes, Secretaria de Estado da Agricultura e do
Desenvolvimento Rural - Estado de Sergipe e do município de Itabaiana (Secretaria da
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Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento Alimentar, Secretaria do Planejamento e
do Desenvolvimento Sustentável), graças a isso, a riqueza de informações obtidas
fortaleceu para análise crítica da Geografia, respaldado na compreensão da realidade
daquela comunidade que vive do trabalho precário e sem terra para produzir.
Desenvolvimento
Nesta proposta de análise procuramos evidenciar o quanto é importante à compreensão
das políticas públicas, das mutações no mundo do trabalho, além disso, das
consequências para beneficiadores da castanha de caju esta comunidade Carrilho,
obrigados a interagir diretamente com as facetas que o sistema vigente impõe.
Dessa forma, não podemos desconsiderar o processo de reestruturação produtiva do
capital, debruçando do fundamento do toyotismo, advindo da globalização e
neoliberalismo, obriga o modo produção vigente a reorganizar-se e incrementar ações
que garantam a sua sobrevivência, a quiçá da fragilidade da autonomia do Estado
nacional, flexibilização das relações trabalhistas e desregulamentação, fenômeno que
alterou profundamente a dinâmica espacial, as relações de produção e a acumulação
capitalista, marcando uma nova era de controle do sistema com desdobramentos no
mundo do trabalho. Suas consequências têm sido negativas para a classe trabalhadora,
causando desemprego e expulsão de grande massa de pessoas do campo, precarizando
intensamente o trabalho, inclusive debilitando a capacidade de organização via
sindicatos, enfraquecida nesse contexto, tanto nos espaços urbanos e rurais.
Como destaca Thomas Junior, (2002a),
As mudanças nas formas de organização do processo de trabalho (do taylorismo-fordismo ao toyotismo restrito/sistêmico e/ou outras combinações), que se expressam na desproletarização, na informalização, nos contratos temporários, nos novos mecanismos de repressão e cooptação do trabalhador, e em outras tantas formas precarizadas, bem como na despossessão, no desemprego. A cada dia os efeitos desse metabolismo societário do capital fragmentam, complexifica e heterogeneiza o mundo do trabalho redimensionado os sentidos assumidos pela polissemização e promovem profundas rearranjos territoriais (THOMAZ JUNIOR, 2002 p.2).
No seio das transformações no mundo do trabalho do capitalismo contemporâneo, o
metabolismo social do capital é marcado por uma desproletarização do trabalho
industrial, principalmente dos países centrais, chamado de avançadas, com tese do fim
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do trabalho. Mas, para esta questão, Antunes (2002), responde que ainda existe uma
classe-que-vive-do-trabalho, apesar de que, abre espaço para se pensar que o trabalho
realizado na produção do recorte rural, tem sido mais intensamente precarizado,
diferenciado daquele praticado no período fordista/taylorista.
Em condição pós-moderna de Harvey (2005), salienta que o período do
fordismo/taylorismo (1945-1973), fora impulsionado a regulamentação e intervenção do
Estado no mundo do trabalho, pelos quais trabalhadores usufruíam significativamente
do bem estar social (Welfare State), ou seja, período dos “trinta anos gloriosos” da
economia mundial, porém pontuais para alguns países, principalmente na Europa, Japão
e Estados Unidos. Mas, este crescimento foi acompanhado por uma série de
compromissos e reposicionamentos dos principais autores do desenvolvimento
capitalista, que mais tarde intensificam as práticas neoliberais.
Conforme ressalta Thomas Junior (2002b), É a partir dos anos 80 que no Brasil se manifestaram os primeiros impulsos do processo de reestruturação produtiva, mas é no princípio da década seguinte que atingiram nova amplitude e profundidade, momento em que as inovações técnicas e organizacionais assumem um caráter mais sistêmico em todo o circuito produtivo dos diversos setores econômicos. No entanto, guardaram traço de semelhança em relação à busca da competitividade do capital e à adoção de novos padrões organizacionais e tecnológicos compatíveis (THOMAZ JÚNIOR, 2002 p.28).
Resultante das políticas neoliberais houve aumento da competitividade e da
concorrência intercapitalista, que promove impulsos inerentes do processo de
reestruturação produtiva, que são mais desastrosas e cruéis para a classe-que-vive-do-
trabalho (ANTUNES, 2002).
Para Antunes (2005) a classe-que-vive-do-trabalho, a classe trabalhadora, além do
trabalho fabril e extrafabril, na contemporaneidade inclui [...] aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salários, como o enorme leque de trabalhadores precarizados, terceirizados, fabris e de serviços, part-time, que se caracterizam pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo. Deve incluir também o proletariado rural, os chamados boias-frias das regiões agroindustriais, além naturalmente, da totalidade dos trabalhadores desempregados que se constituem nesse monumental exército industrial de reserva. (ANTUNES, 2005 p.52).
Apontados pelo mesmo autor estão excluídos da classe-que-vive-do-trabalho, gestores
do capital, que controlam a gestão do processo de valorização e reprodução do capital,
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pessoas que vivem de juros e de especulações, pequenos empresários tanto urbanos
quanto rurais, danos dos meios de produção que não precisam vender sua força de
trabalho em troca de salários, estes não são considerados parte integrante da classe
trabalhadora, (ANTUNES, 2005).
Conforme resultados preliminares da pesquisa na comunidade Carrilho, onde os
trabalhadores sobrevivem do beneficiamento da castanha de caju, do trabalho
desgastante, nos quais trabalham intensamente na informalidade, em serviços
temporários, contratados sem nenhuma garantia trabalhista, em locais insalubres,
contribuindo para proliferação de doenças, ao mesmo tempo com o barateamento do
custo da prestação do serviço. Ou seja, a falta da demanda de oportunidades de emprego
leva os sujeitos sociais a buscarem a qualquer custo novas estratégias de inserção no
mercado de trabalho tanto no meio rural quanto no espaço urbano.
Destarte, é reveladora a dura realidade da comunidade por prestar os serviços no
beneficiamento da castanha de caju das necessidades de políticas públicas que
favoreçam para o fomento de emprego e melhores condições de vida e trabalho.
Conforme, ser vista com bons olhos, a comunidade tem sido ressaltada pela inserção de
políticas de desenvolvimento rural, via PRONESE, a partir de 2004, com o propósito de
resolver os problemas sociais ali vigentes.
Dentre as principais políticas públicas que pudessem garantir o desenvolvimento rural e
diminuir os impactos negativos para os trabalhadores que vivem do beneficiamento da
castanha de caju, podemos citar especificamente o PCPR II (Projeto de combate a
pobreza rural II) na sua primeira fase, que a partir da ação do PRONESE, com
investimentos do Banco Mundial, financiou a construção de uma minifábrica de
beneficiamento de castanha, seguindo um modelo de fabriquetas encontradas em outros
estados do Nordeste. Nesse caso o projeto foi interrompido após a construção da
minifábrica pelo término da validade do financiamento, faltando à aquisição do
maquinário necessário para a realização das tarefas de beneficiamento da castanha de
caju. É nesse ponto que as autoridades locais buscam a regularização das cooperativas,
junto a PRONESE, secretarias do município e bancos, com intuito de almejar futuros
projetos para a aquisição de equipamentos e o funcionamento da minifábrica.
Porém, nos últimos anos, a comunidade aguarda há mais de oito anos, a ativação da
última fábrica de beneficiamento da castanha de caju, dos equipamentos para reduzir
coletivamente os problemas inerentes da precarização dos trabalhadores e facilitar o
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aumento da renda, haja vista que a fábrica foi construída e não pôde ser inaugurada por
faltarem os instrumentos básicos, como os equipamentos. Uma vez que, a utilização da
fábrica de processamento pudesse facilitar coletivamente o beneficiamento da castanha
de caju e a aquisição da renda, ao contrário, tornou-se útil apenas para os atravessadores
servindo de depósito de castanha (in natura) para secagem da mesma.
Entretanto, têm sido contraditórios os resultados das políticas via PRONESE, pela não
contemplação da melhoria de trabalho coletivo para a comunidade, sendo assim, a
Empresa de Desenvolvimento Sustentável do Estado de Sergipe (PRONESE),
objetivaria formular estratégias e verificar as possibilidades de desenvolver, planejar e
implementar projetos na comunidade Carrilho, que contribua para geração de renda
coletiva, na promoção do desenvolvimento socioeconômico, sustentável, ambiental,
político e cultural.
No entanto, tem aflorado as consequências negativas aos trabalhadores da referente
comunidade, devido à participação dos atravessadores, são estes de maior poder
aquisitivo e com recursos financeiros, que promovem e empregam os trabalhadores ao
beneficiamento, adquirindo maior concentração de capital. Assim, a ação intermediada
pelos atravessadores da região tem promovido o crescimento da desigualdade e da
precarização, uma vez que são responsáveis pela importação da matéria prima (in
natura), proveniente de outros estados do Nordeste (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande
do Norte), já que o estado de Sergipe não produz a castanha em quantidade
significativa.
O intermediário importa e distribui o produto aos beneficiários, estes por sua vez fazem
todo o processo do beneficiamento da castanha de caju, tendo seu retorno financeiro
através dos salários pagos pela venda da força de trabalho. Contudo, as relações
comerciais e de trabalho estabelecem uma margem de lucro auferida pelo atravessador
bem maior do que aquela que fica com os trabalhadores da comunidade.
Desprovidos de qualquer perspectiva de melhoria de vida na comunidade, os
trabalhadores jovens, optam pela migração para outras regiões, a fim de conseguirem
um aumento na renda, com a venda do produto beneficiado, nos locais de grande
movimento de turistas do país, principalmente orlas e praias do litoral Brasil. Dentre os
principais pontos comerciais dos trabalhador/beneficiadores de castanha de caju, muitos
comercializam em capitais como Aracaju, Salvador, Maceió, Santos, Rio de Janeiro e
Florianópolis.
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A análise das contradições do modelo de desenvolvimento aplicado no campo brasileiro
permite rever a concepção de desenvolvimento rural, com a participação do capitalismo
diretamente na localidade, inserindo-se de forma perversa em todos os locais, extraindo
mais-valia, transformando as relações de produção e subalternando o trabalho. Percebe-
se uma ligação do local com o global na medida em que se analisa a reestruturação
produtiva do capitalismo, pois são impostas novas formas de exploração e
regulamentação do trabalho, promovendo a queda dos salários dos trabalhadores,
aumento da jornada de trabalho, insegurança previdenciária, das péssimas condições
matérias de existência, a precarização do trabalho através da informalidade, mediado
com o discurso proposto pelas políticas públicas vigentes.
O trabalho do beneficiamento da castanha de caju
A comunidade Carrilho localiza-se distante 6 km do município de Itabaiana/SE, com
população de 586 habitantes, segundo dados da Empresa de Desenvolvimento
Agropecuário de Sergipe – EMDAGRO (2008), dos quais 90% destes tem como fonte
de renda principal, o beneficiamento da castanha de caju (in natura). Porém, tal
atividade é realizada de forma tradicional/artesanal, precária, desprovida de quaisquer
instrumentos de trabalho, sendo que a realização do processamento é dividida em três
etapas: a torrefação, quebra e despeliculagem. Tendo a divisão do trabalho, em que: a
torrefação é feita na maioria das vezes por um homem, normalmente com mais
experiência, para evitar acidentes de trabalho e problemas de saúde de forma geral, por
está muito próximo do fogo, tanto para quem assa, quanto aos demais trabalhadores ali
presentes. Ver figura 01, o manejo do fogo para assar a castanha de caju.
Figura 01: Local de torrefação da castanha, Comunidade Carrilho, 2011
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Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011
Embora a quebra possa-se dizer que é um trabalho mais “democrático”, no quais
envolvem homens e mulheres por ser considerado um trabalho menos perigo, mas por
outro lado torna-se extremamente danoso, pois devido a castanha conter alto teor de
oleosidade e os trabalhadores não usarem os EPI’s (equipamentos de proteção
individual), chegam a perder as digitais durante o beneficiamento. Na prática, a
despeliculagem concentra força de trabalho feminina, que segundo os moradores é um
trabalho mais delicado, que consideram próprio para as mulheres.
A deficiência de instrumentos de trabalho tem provocado danos aos trabalhadores, uma
vez que, o trabalho é artesanal, desenvolvido com materiais de fabricação ultrapassados,
caseiros, rústicos, sendo utilizados pedaços de madeiras, pedras, servindo tanto de apoio
quanto para a quebra da castanha. A falta de instrumentos essenciais, são prejudiciais às
condições físicas, além das perdas de digitais, queima das mãos provocadas pelas
oleosidades que têm a castanha, inalação da fumaça pela falta de proteção nas narinas,
forte radiação do calor do fogo e a posição do corpo contorcido nas cadeiras
inadequadas, baixas e pequenas, resultam em problemas de saúde futuros. Podemos
ressaltar a partir da figura 02, trabalhadores exercendo a atividade do beneficiamento de
forma inadequada, na quebra da castanha de caju depois da torrefação.
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Figura 02: Quebra de castanha, Comunidade Carrilho, 2011
Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011
O trabalho no beneficiamento da castanha de caju é mesclado com outras atividades não
agrícola, pois algumas famílias têm vínculos empregatícios da roça. Embora, o trabalho
muitas das vezes é realizado ora dentro do estabelecimento familiar, em propriedade de
vizinhos e/ou parente ora é constituído em propriedade dos atravessadores, e muitas das
vezes o trabalho é formalizado em barracos cobertos por lonas ao lado das residências,
configurando-se em locais insalubres, ver figura 03.
Figura 03: Trabalho realizado ao lado das residências, Comunidade Carrilho, 2011
Foto: SANTOS, Josefa de Lisboa, 2011
No entanto, a realização do beneficiamento da castanha de caju ocorre em lugares
inadequados, como barracos e calçadas. A insalubridade é grande devido à poluição
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provocada pela fumaça intensa que exala dos fornos a céu aberto pela combustão da
castanha. Os locais são cobertos por lonas, levando os trabalhadores a permanecerem no
local de forma desconfortável em relação a posição do corpo, que fica todo o tempo
curvado, ao calor, etc. tais condições tem colocando em risco a saúde dos homens,
mulheres, idosos e crianças que participam da atividade.
A falta de políticas públicas eficazes forçam trabalhadores e famílias a venderem sua
força de trabalho nos serviços temporários, no beneficiamento a castanha de caju,
mesclando com outras atividades não agrícolas o complemento da renda, em vínculos
empregatícios na roça, pois o valor pago é insignificante para reprodução social dos
trabalhadores, variando de função para função, entre R$ 15 a R$ 25/dia. No
beneficiamento da castanha os trabalhadores recebem um valor de R$ 25 por saca de
castanha (in natura), ou seja, após todo processo de beneficiamento. Depois de
beneficiada, a castanha é vendida por um valor médio em torno de R$ 25 kg,
dependendo da procura do produto, este valor poderá sofrer oscilações de preço, como
afirma uma trabalhadora, que também comercializa a castanha de caju, sendo exceção
dos diversos trabalhadores que apenas vendem sua força de trabalho. Por serem
trabalhadores temporários, eles recebem pagamentos semanais pelo trabalho realizado,
o que dá em torno de uma variante de R$ 80 a 130. O trabalho é desenvolvido
principalmente no período da safra do caju.
Foram identificadas na pesquisa, famílias que têm crianças cadastras no Programa Bolsa
família. Desse modo, a dependência quanto aos benefícios dos programas sociais do
governo federal, são visíveis e essenciais, tornando-os complementos da renda familiar,
como exemplos, o Bolsa Família, aposentadoria, auxílio doenças, etc. No entanto, a
atenção dada pelo governo federal se constitui como formas de minimizar os impactos
sociais decorrentes do processo de exploração do trabalho via apropriação da terra e dos
meios de produção.
Outro problema inerente à comunidade é a falta de terra. Uma vez que as famílias não
são donas de propriedades rurais, elas assumem atividades rurais não agrícolas, como o
beneficiamento da castanha, para garantir a sua sobrevivência, que não é uma
particularidade local, e sim um problema do Brasil como um todo. Embora a pesquisa
esteja em fase inicial, já é reveladora que vários sujeitos presentes demonstraram que a
falta de terra é um dos entraves para as condições de vida e trabalho que vivem, porém
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sendo proprietários de terra, não estariam submetidos a vender sua força de trabalho de
forma tão precária, podendo produzir seu próprio sustento.
Conclusões
Com os resultados parciais desta pesquisa, percebeu-se o quanto o trabalho
desenvolvido pelos “castanheiros” é bastante frágil, no que diz as mudanças sociais e
econômicas no município de Itabaiana, ora pela necessidade de políticas públicas
capazes de promover a assistência social na melhoria das condições de vida, ora em
garantir uma estabilidade financeira e acessibilidade em termos de segurança no
trabalho, dada pelas falta de políticas públicas existentes. Mesmo quando tem, como
citado, a exemplo de políticas públicas de investimentos via PRONESE, acabam
provocando contradições. A precarização do trabalho é um desses efeitos indesejados,
pela própria ineficiência na implantação, como já foi destacado anteriormente, que não
garante desenvolvimento econômico e social das famílias, submetendo-as aos reveses
do modo de produção capitalista, forçando-os a buscarem complementar a renda
familiar em diversas atividades não agrícolas e desprovidas de quaisquer equipamentos
de segurança e de saúde.
Uns dos principais problemas enfrentados pela comunidade é o trabalho informal, uma
vez que, estudos mostram também ser um dos grandes problemas crescentes no Brasil,
isto é ressaltado por Pinho 2009:
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial do Comércio (OMC), com apoio do Instituto Internacional de Estudos do Trabalho da OIT e a Secretaria da OMC, existe uma franca preocupação com informalidade no planeta, e o Brasil tem hoje 65 milhões de pessoas na informalidade, uma das taxas mais alta entre os países em desenvolvimento. Isso significa que 40% da nossa população não tem proteção social, vínculo de emprego, parte estão em negócios clandestinos, e pequeno comércio irregular.
Compreendendo as relações construídas no mundo do trabalho, indagamos numa leitura
geográfica o quanto é importante interpretar/compreender as formulações que levaram o
trabalhador do beneficiamento da castanha de caju a vender sua força de trabalho a
qualquer preço. Inseridos no trabalho não agrícola no contexto de acumulação flexível e
da reestruturação produtiva do capital, vemos os trabalhadores do mundo e de Carrilho,
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pequeno povoado rural no município de Itabaiana, no estado de Sergipe, submeterem-se
as formas de trabalho precarizado. A ausência de ações que viabilizem condições
dignas, como a viabilização de uma reforma agrária para aqueles que vivem no espaço
rural ou políticas que assegurem a autonomia dos trabalhadores, expressa o
comprometimento do Estado no atual estágio das relações capitalistas em resolver os
problemas sociais. No entanto, Antunes citando Mészáros (2005), critica a atuação do
Estado afirmando “o Estado moderno é inconcebível sem o capital, que é o seu real
fundamento, e o capital, por sua vez, precisa do Estado como seu complemento
necessário”, (ANTUNES, 2005, p. 121).
Dessa forma, piora ainda mais a situação dos envolvidos nesse processo, que além de
terem suas vidas prejudicadas pelas péssimas condições de trabalho, acabam ficando
sem nenhuma garantia legal de benefícios, como a aposentadoria ou previdência social,
uma vez que os trabalhadores são expostos constantemente/diariamente em meios aos
grandes riscos de acidentes de trabalho, como perda de digitais e queimaduras. Em meio
a precarização do trabalho e da falta de garantias na melhoria social, a migração de
jovens tem ocorrido com frequência, levando os jovens a buscarem renda na
comercialização da castanha depois de beneficiada em pontos turísticos do país.
Entretanto, aumenta o desconforto da qualidade de vida destes e da exploração da sua
força de trabalho pelos atravessadores. Sendo estes os mais lucrativos do ciclo de todo o
beneficiamento, desde a importação da castanha (in natura), até a revenda às famílias da
comunidade que farão a comercialização em outras regiões do país.
Resultante da nossa pesquisa é notório uma complexidade nas relações de produção e de
trabalho na referida comunidade, que levam trabalhadores informais, diaristas do
campo, beneficiadores de castanha, sem ter terra para plantar, a submeterem as
determinadas atividades existentes, criando novas alternativas de subsistências, inerente
ao modo de produção vigente, que subordina sua força de trabalho, sendo apenas meios
básicos para a reprodução social da classe trabalhadora.
NOTAS: 1 Esta pesquisa é parte das atividades desenvolvidas entre os meses de setembro a dezembro de 2011 pelo grupo PET (Programa de Educação Tutorial), sendo tutora, Josefa de Lisboa Santos, Profª. Drª. Adjunta do Departamento de Geografia/UFS
2 Graduando do curso de Geografia/UFS/Campus Professor Alberto Carvalho/ Itabaiana/SE. E-mail: [email protected]
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3 Graduando do curso de Geografia/UFS/Campus Professor Alberto Carvalho/ Itabaiana/SE. E-mail: [email protected]
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