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1 Políticas Públicas de Geração de Trabalho e Renda: Ações de Promoção à Autogestão em Municípios Catarinenses Autoria: Valeska Nahas Guimarães, Lessandra Scherer Severo Resumo Nas últimas duas décadas observa-se o ressurgimento do trabalho cooperativo como alternativa de sobrevivência e geração de renda, motivado pelas freqüentes crises econômicas, decorrentes de um processo de globalização e reestruturação produtiva excludentes. Este artigo discute os resultados de uma pesquisa exploratório-descritiva, apoiada pelo CNPq, que teve como objetivo levantar as políticas públicas e programas de apoio governamental e institucional em Santa Catarina a essas experiências coletivistas de organização, muito significativas no combate à exclusão social com geração de trabalho e renda. Dois municípios se destacaram pela qualidade e alcance de suas políticas e programas, especificamente tratando-se dos Programas Empresa Mãe de Cooperativas Populares da Prefeitura de Chapecó e o de Economia Solidária da Prefeitura de Blumenau. Nesses municípios, ao contrário do que foi constatado nos demais municípios catarinenses, observa-se que há políticas públicas e programas de ação bastante relevantes por promoverem de forma efetiva a criação, o desenvolvimento técnico, organizacional e econômico de empreendimentos autogeridos, contribuindo também para o processo de educação e cidadania de parcela da população desempregada ou excluída socialmente. 1. INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, em decorrência das diversas crises econômicas e do fenômeno da globalização da economia, observa-se a convivência paradoxal, em um mundo globalizado, de incríveis avanços científicos e tecnológicos aliado aos ideais propalados por uma pseudo pós-modernidade, em uma sociedade "informacional e do conhecimento" (SCHAFF, 1992; KUMAR, 1997) com índices e processos cada vez mais alarmantes de miserabilidade e exclusão social, a ponto de alguns pensadores referirem-se de forma drástica a um horror econômico ou barbárie social (FORRESTER, 1996). Nesse embate de contradições são freqüentes as crises sociais e econômicas, que atingem em maior profundidade os países do terceiro mundo, constata-se uma tendência de esgotamento do modelo capitalista tradicional de produção e gestão, o taylorismo/fordismo, pautado em um modelo heterogerido de organização. Esse contexto contribuiu sobremaneira para trazer as organizações coletivistas, cooperativas e autogeridas de volta ao cenário organizacional de empresas e entidades (SANTOS, 2002; DALCIN, 2001; TODESCHINI, 2001). A própria literatura corrobora a prática, pois se constata, tanto no Brasil quanto no exterior, uma crescente produção relativa a esses temas emergentes (SANTOS, 2002; SINGER, 1998; GIDDENS, 1999; DAL RI, 1999; GUTIÉRREZ, 1997). Paradoxalmente, com o avanço neoliberal, o crescimento da concorrência interfirmas e o desaparecimento relativo do Estado Nação e das funções clássicas do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), juntamente com outras formas cooperativas e coletivistas de produção, ressurgem as experiências autogestionárias. Há, mesmo entre os autores, um consenso sobre a existência de uma crise do Welfare State (GIDDENS, 1999) tanto no que se refere à

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Políticas Públicas de Geração de Trabalho e Renda: Ações de Promoção à Autogestão em Municípios Catarinenses

Autoria: Valeska Nahas Guimarães, Lessandra Scherer Severo

Resumo

Nas últimas duas décadas observa-se o ressurgimento do trabalho cooperativo como alternativa de sobrevivência e geração de renda, motivado pelas freqüentes crises econômicas, decorrentes de um processo de globalização e reestruturação produtiva excludentes. Este artigo discute os resultados de uma pesquisa exploratório-descritiva, apoiada pelo CNPq, que teve como objetivo levantar as políticas públicas e programas de apoio governamental e institucional em Santa Catarina a essas experiências coletivistas de organização, muito significativas no combate à exclusão social com geração de trabalho e renda. Dois municípios se destacaram pela qualidade e alcance de suas políticas e programas, especificamente tratando-se dos Programas Empresa Mãe de Cooperativas Populares da Prefeitura de Chapecó e o de Economia Solidária da Prefeitura de Blumenau. Nesses municípios, ao contrário do que foi constatado nos demais municípios catarinenses, observa-se que há políticas públicas e programas de ação bastante relevantes por promoverem de forma efetiva a criação, o desenvolvimento técnico, organizacional e econômico de empreendimentos autogeridos, contribuindo também para o processo de educação e cidadania de parcela da população desempregada ou excluída socialmente.

1. INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, em decorrência das diversas crises econômicas e do fenômeno da

globalização da economia, observa-se a convivência paradoxal, em um mundo globalizado, de incríveis avanços científicos e tecnológicos aliado aos ideais propalados por uma pseudo pós-modernidade, em uma sociedade "informacional e do conhecimento" (SCHAFF, 1992; KUMAR, 1997) com índices e processos cada vez mais alarmantes de miserabilidade e exclusão social, a ponto de alguns pensadores referirem-se de forma drástica a um horror econômico ou barbárie social (FORRESTER, 1996). Nesse embate de contradições são freqüentes as crises sociais e econômicas, que atingem em maior profundidade os países do terceiro mundo, constata-se uma tendência de esgotamento do modelo capitalista tradicional de produção e gestão, o taylorismo/fordismo, pautado em um modelo heterogerido de organização. Esse contexto contribuiu sobremaneira para trazer as organizações coletivistas, cooperativas e autogeridas de volta ao cenário organizacional de empresas e entidades (SANTOS, 2002; DALCIN, 2001; TODESCHINI, 2001).

A própria literatura corrobora a prática, pois se constata, tanto no Brasil quanto no exterior, uma crescente produção relativa a esses temas emergentes (SANTOS, 2002; SINGER, 1998; GIDDENS, 1999; DAL RI, 1999; GUTIÉRREZ, 1997).

Paradoxalmente, com o avanço neoliberal, o crescimento da concorrência interfirmas e o desaparecimento relativo do Estado Nação e das funções clássicas do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), juntamente com outras formas cooperativas e coletivistas de produção, ressurgem as experiências autogestionárias. Há, mesmo entre os autores, um consenso sobre a existência de uma crise do Welfare State (GIDDENS, 1999) tanto no que se refere à

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possibilidade de suprir as necessidades sociais da população quanto de sua própria sustentação financeira ou abandono de laços de solidariedade social .

As organizações coletivistas, dentre as quais destacam-se as autogestionárias, representam uma alternativa concreta de sobrevivência das organizações e dos trabalhadores e uma possibilidade de manutenção/criação de postos de trabalho com garantia de renda para trabalhadores em situação de risco (provável perda do emprego), desemprego e excluídos sociais, contribuindo para o desenvolvimento de um setor que se convencionou denominar de “economia social” (IRION, 1997, GUTIÉRREZ, 1997; TESCH, 1999) ou “economia popular ou solidária”(LISBOA, 1997; SINGER, 1998; NASCIMENTO, 2000).

Desta forma, estas experiências propiciam a criação de redes de solidariedade, a formação de uma cultura produtiva cooperativa, a aprendizagem e a inovação organizacional, a qualificação dos trabalhadores, oferecendo, enfim, uma proposta de gestão alternativa e inovadora e de relações de trabalho participativas e amplamente democráticas (GUIMARÃES, KOROSUE, 2000; GUIMARÃES, 1998).

Entretanto, tendo em vista a imprecisão semântica e ambigüidades conceituais acerca da expressão “autogestão” (CATTANI, 2003; ALBUQUERQUE, 2003; GUIMARÃES, 1998), em função da diversidade de concepções, bases teórico-referenciais e perspectivas de análise, é necessário destacar a interpretação assumida no presente estudo. Assim, entende-se por autogestão a propriedade e o controle dos meios de produção pelos trabalhadores, a divisão eqüitativa dos resultados econômicos e o controle do processo de trabalho e da gestão do empreendimento pelos trabalhadores (GUIMARÃES, KOROSUE, 2000).

No entanto, a proposta de autogestão por estar assentada em princípios socialistas de organização, convivendo em um sistema capitalista pautado por relações econômicas e social centradas no mercado – leia-se acumulação de lucros, competitividade, concorrência – depara-se com inúmeros entraves ao seu pleno funcionamento (SOUTO, 1997).

É nesse sentido que o papel do Estado torna-se decisivo para a sobrevivência e proliferação de tais experiências, através da definição de políticas públicas, programas e ações para a implantação e desenvolvimentos de uma diversidade de empreendimentos coletivistas autogeridos.

Considerando as reflexões acima, foi desenvolvida uma pesquisa teórico-empírica no Estado de Santa Catarina1 com o objetivo levantar políticas, programas e ações que estão sendo realizadas para apoiar e viabilizar a implantação de empreendimentos autogeridos. Especificamente, buscou-se identificar e esclarecer a atuação do Estado, das instituições governamentais, sindicais, empresariais ou outras instituições com ou sem fins lucrativos, em prol da implantação e desenvolvimento desses empreendimentos em Santa Catarina.

Como o estudo exploratório, inicialmente conduzido, revelou que é em nível municipal que se constata uma maior efetividade dos programas e ações pela implementação local e proximidade com as fontes geradoras dos recursos e há maior facilidade de acompanhamento pelos órgãos públicos envolvidos, a opção desse texto recaiu sobre o âmbito municipal. O estudo revelou, também, que há programas e ações de incentivo que são originários de entidades da sociedade civil vinculadas a movimentos sociais, religiões, ONG´s, que foram também objeto de interesse do estudo, conjuntamente com as ações no âmbito público.

No presente artigo resgata-se a experiência de dois municípios catarinenses: Blumenau, no Vale do Itajaí e Chapecó, na Região Oeste, que se destacaram como os mais atuantes em termos de definição e operacionalização de políticas e programas de combate à exclusão social e geração de renda, particularmente de incentivo à constituição de empreendimentos solidários e coletivistas, autogeridos pelos trabalhadores.

Além da atualidade e relevância do tema, este artigo contribuirá para suprir uma lacuna face à carência de estudos exploratório-descritivos, especificamente tratando-se da

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economia catarinense. Os raros estudos que estão divulgados, no âmbito da academia, referem-se a estudos descritivos de casos, tais como os desenvolvidos por Faria (1992, 1998); Pedrini (1998), Guimarães; Korosue (2000) e têm, como temas centrais, a forma de gestão/organização, a estrutura de poder, o processo decisório e as relações de poder.

Em termos práticos, por se tratar de uma das estratégias freqüentemente assumidas pelos trabalhadores em situação de risco de desemprego ou efetivamente desempregados, observa-se um interesse crescente sobre a implantação de empreendimentos associativistas e experiências autogestionárias, e uma busca exaustiva de informações sobre instituições de apoio, programas e ações que visem o favorecimento dos empreendimentos autogeridos, possibilidades de acesso a créditos especiais, assessoramento técnico e organizacional, formação e qualificação de pessoal para atuar nesses empreendimentos, parcerias que possam ser estabelecidas, dentre outros. Espera-se que o presente artigo contribua para a disseminação dessas informações.

2. METODOLOGIA DA PESQUISA

A pesquisa realizada que deu origem ao presente artigo, pode ser caracterizada como

exploratório–descritiva, valendo-se de uma abordagem essencialmente qualitativa, pois o interesse é com a essência do fenômeno, buscando-se interpretar as relações, mudanças e conseqüências relacionadas com o objeto de estudo, as políticas e programas de ação de geração de trabalho e renda .

A investigação exploratória que antecedeu a pesquisa descritiva, justifica-se por se tratar de “estudo em área onde há pouco conhecimento acumulado e sistematizado, tendo uma natureza de sondagem” (VERGARA, 1998, p.45).

Os dados e as informações necessários para o desenvolvimento do estudo foram coletados através de fontes secundárias e primárias. Os dados secundários foram obtidos através de pesquisa bibliográfica, documental e telematizada (VERGARA, 1998) e os dados primários através de aplicação de entrevistas semi-estruturadas com representantes das instituições pesquisadas: Prefeituras, Secretarias, instituições financeiras, sindicatos, Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas Autogeridas (ANTEAG), federações e associações representativas da classe empresarial, Universidades (UFSC, FURB, UNOCHAPECÓ), OCESC – Organização das Cooperativas de Santa Catarina e outras entidades de apoio aos empreendimentos autogeridos tais como, Ação Social Arquidiocesana (ASA) de Florianópolis e Fundo de Mini-Projetos da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB.

Os entrevistados foram selecionados em função do conhecimento específico e domínio do tema da pesquisa, experiência na área, dentre outros fatores. A amostra foi do tipo qualitativa e intencional de acordo com a proposta de abordagem assumida na pesquisa. (THIOLLENT, 1987).

As informações foram analisadas e interpretadas de acordo com as etapas propostas por Triviños (1987): pré-análise, processo de descrição analítica dos dados e interpretação referencial (tratamento e reflexão). A análise qualitativa de conteúdo foi operacionalizada através do procedimento sugerido por Michelat (1987) correspondendo a uma leitura vertical, de cada entrevista e horizontal, por categorias de análise.

3. POLÍTICAS PÚBLICAS DE APOIO À AUTOGESTÃO

Em um mundo globalizado onde a reestruturação produtiva conduz ao acirramento da

competitividade e desmantelamento de laços de solidariedade entre as organizações e as

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pessoas, mesmo com a crise do estado de Bem-Estar Social, atualmente caracterizado como “Estado Mínimo” de acordo com o ideário neoliberal (ARRUDA, 1997), as políticas públicas continuam a representar um importante papel demarcador do grau de adesão dos países a este ideário. Isto porque, na ausência de “uma trama social de solidariedade que dê conta do contingente populacional sob processo de exclusão e privação de oportunidades” (CASTELLS, 1999 apud SILVA, 2002) é que o Estado aparece como mantendo a centralidade como gerador de propostas de inclusão social, cidadania, geração de trabalho, dentre outras.

As políticas públicas “referem-se a fins públicos e possuem objetivos de suprir as necessidades de uma coletividade” (SECCHI, 2002, p.42) e possuem um caráter mais abstrato e se materializam através dos programas e ações públicas.

Para que aconteçam políticas públicas afinadas com os anseios de uma sociedade/comunidade é imprescindível a participação e democratização das esferas decisoriais do poder público a todos os cidadãos. È dessa forma que são elaboradas e operacionalizadas as políticas públicas de combate á exclusão social, através do incentivo e apoio técnico-organizacional e financeiro á criação de empreendimentos autogeridos pelos trabalhadores, como forma de geração de renda, concessão de cidadania plena e dignidade .

Em pesquisas, anteriormente realizadas Santa Catarina, sobre as origens, características, sustentabilidade econômico-financeira e problemas enfrentados pelos empreendimentos autogeridos mapeados evidenciou-se inúmeras carências e dificuldades que enfrentam essas organizações coletivistas, principalmente no que tange a sua entrada e sobrevivência no mercado (GUIMARÃES, KOROSUE, 2000).

Uma das lacunas que acabam por comprometer a viabilidade de tais empreendimentos é a falta de apoio do poder público, seja através da definição de políticas públicas mais generalistas (por exemplo, de combate ao desemprego, inclusão social, microcrédito) e, especificamente dirigidas ao incentivo, criação e disseminação de tais experiências.

Tendo em vista estas constatações, torna-se fundamental discutir e esclarecer o funcionamento e a importância de Políticas Públicas orientadas especificamente para este segmento: o trabalho associado, a autogestão, como forma de geração de renda e postos de trabalho. As experiências dos municípios com administração popular¹ no caso de Santa Catarina, revelaram-se mais eficazes e permanentes. Dentre estes municípios, destacam-se as Prefeituras de Chapecó e Blumenau cujas experiências são relatadas, a seguir. 3.1 O Programa Empresa Mãe de Cooperativas Populares do Município de Chapecó

O município de Chapecó, com 147 mil habitantes (Censo 2000), localiza-se na

Região Oeste de Santa Catarina sendo um pólo agroindustrial de prestígio nacional. O Programa Empresa Mãe de Cooperativas Populares, faz parte das políticas públicas de geração de renda e combate ao desemprego do Município de Chapecó e é especificamente orientado para criação de empreendimentos coletivos autogestionários. A atuação da Prefeitura de Chapecó acontece através da parceria entre a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Agricultura (SDEA), coordenadora do programa, e a Secretaria de Assistência Social e Habitação (SASH) que promovem cursos de capacitação, orientação ao cooperativismo autogestionário, orientação e auxilio à obtenção de crédito, orientação técnica e administrativa, entre outras atividades.

A parceria e a interação entre as Secretarias possibilita que a população mais dependente de programas sociais, identificada pela SASH, seja privilegiada pelo Programa, criando, dessa forma, alternativas concretas de geração de renda e possibilidade de desvinculação de programas assistenciais.

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O Programa Empresa Mãe oferece cursos gratuitos de formação em cooperativismo e autogestão em parceria com Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina (COOPTRASC), além da formação técnica e administrativa na área de atuação do empreendimento. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Agricultura também facilita o acesso ao crédito através do Banco do Povo, instituição financeira de fomento social, que só libera o crédito após a participação dos trabalhadores nos cursos de capacitação básica. Além disso, é responsabilidade da SDEA o acompanhamento do processo de implantação das cooperativas e, em alguns casos, a disponibilização da infra-estrutura necessária (processo de incubação) por três anos, prorrogável por mais um ano.

O programa está dividido em cinco áreas de modo a direcionar melhor os recursos e ações necessárias: Incubadora Industrial, Incubadora de Cooperativas Populares, Incubadora de Base Tecnológica, Agroindústrias Familiares e Empresa Mãe de Capacitação. A Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO) e a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Regional Comunitária de Chapecó (ITCP/UNOCHAPECÓ) são, além do Banco do Povo e da COOPTRASC, parcerias essenciais para o êxito do Programa.

O Banco do Povo está especialmente direcionado ao fomento de alternativas que, de uma forma ou de outra, sirvam para diminuir a exclusão social dos envolvidos no Programa. Esta característica está presente em todas as ações do Banco e é uma de suas políticas. O único pré-requisito que deve ser cumprido pelos beneficiados é a participação nos cursos de formação oferecidos pelo programa Empresa Mãe ou pela APACO. Os outros critérios de análise dos projetos são flexíveis, de acordo com a abrangência e com o financiamento requisitado pelo projeto.

A ITCP/UNOCHAPECÓ é um projeto de extensão permanente da Universidade Regional Comunitária de Chapecó que envolve professores e alunos das mais diversas áreas (administração, contabilidade, direito, economia, psicologia, etc.) e tem por objetivo incentivar a constituição de cooperativas populares, bem como diminuir o índice de exclusão social e de marginalização de grande parte da população da cidade.

A APACO é uma organização não governamental (ONG) sem fins lucrativos, formada e dirigida por grupos de agricultores familiares com o objetivo de, inicialmente, retirar as agroindústrias da informalidade, dando-lhes suporte técnico, jurídico, administrativo e condições para atuar formalmente. Juntamente com a UCAF – Unidade Central das Agroindústrias Familiares do Oeste Catarinense, o apoio às agroindústrias continua, mesmo depois de estarem formalizadas.

O Programa Empresa Mãe possui 12 projetos de empreendimentos, sendo que seis estão em funcionamento e destes, três já formalizados. São hortas comunitárias, padarias, confecções e cooperativas de serviço, beneficiando mais de 60 famílias.

Os problemas mais comuns enfrentados pelo programa e seus beneficiários são os entraves financeiros, falta de conscientização do grupo para o trabalho coletivo e a formação profissional que, muitas vezes, é considerada insuficiente. Para a constituição de cooperativas a necessidade de se ter 20 membros, no mínimo, tem sido uma restrição para a formalização de empreendimentos. Além disso, outros problemas aparecem como entraves ao pleno desenvolvimento das experiências autogestionáriasa tais como: a disputa de poder e a falta de participação plena dos cooperados/associado, a necessidade de alguns cooperados receberem um salário e um controle de horário determinado, e o conformismo a formas de ajuda assistencialistas.

Outro grande problema identificado foi a ingerência de Assistentes Sociais da SASH em atividades de responsabilidade da SDEA. Essa falta de divisão clara dos papéis e das responsabilidades de cada Secretaria tem gerado conflitos e prejudicado a efetividade do Programa e do assessoramento aos empreendimentos já estabelecidos.

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Mesmo tendo de enfrentar essa gama de problemas, a SDEA tem conseguido manter o Programa Empresa Mãe e continua trabalhando para a formalização e criação de novos empreendimentos. O Programa tem sido determinante para a criação de novos postos de trabalho na região, não só em empreendimentos coletivos, como também nos familiares por intermédio da linha de apoio a agroindústrias familiares.

3.2 Programa de Economia Solidária da Prefeitura de Blumenau

Blumenau, cidade de cultura alemã e reconhecida pela qualidade de vida que oferece aos seus habitantes e índice de desenvolvimento humano (IDH) compatível com os de países do primeiro mundo, está localizada na Região do Vale do Itajaí. Atualmente possui cerca de 262 mil habitantes. A Prefeitura Municipal deste município está desenvolvendo desde de 1997, através da Secretaria de Trabalho, Renda e Desenvolvimento Econômico (SETREDE), o “Programa de Economia Solidária” com o objetivo de incentivar e apoiar empreendimentos coletivos como cooperativas e associações.

A SETREDE disponibiliza apoio técnico, administrativo e jurídico para empreendimentos populares, auxilia e incentiva a formação destes empreendimentos e oferece cursos de capacitação técnica, de cooperativismo e autogestão através da FURB- Fundação Universidade Regional de Blumenau e cursos de educação de jovens e adultos. Em alguns casos, também disponibiliza recursos financeiros e materiais necessários.

O Programa auxilia empreendimentos nos setores têxtil e confecções, de alimentos, reciclagem e transportes. Empreendimentos como Estrela Azul, Fino Toque e Como Vovó Fazia (têxtil e confecções), Nutricooper (alimentos), Reciblu (reciclagem) e Unifrete (transportes) foram criados com o apoio deste Programa.

Em função do êxito desse Programa, Blumenau tem sediado por dois anos consecutivos, a Feira de Produtos de Sócio-Economia Solidária, evento prestigiado por visitantes catarinenses e de outros estados brasileiros.

Aliado ao Programa de Economia Solidária, Blumenau conta com o programa PROVE – Programa de Verticalização da Produção Familiar. Criado em 1998 e transformado em cooperativa em 1999 (Cooperprove), o PROVE possibilitou a organização e a agilização da comercialização dos produtos de pequenos produtores e agroindústrias familiares. Juntamente com o PROVE o Projeto Feira Livre também surge como facilitador da comercialização e distribuição de alimentos .

Blumenau, assim como Chapecó, inicia seus Programas através de informações sobre as famílias beneficiadas por programas assistenciais, como o de Renda Mínima, e estas famílias recebem estímulo e suporte às iniciativas de criação de postos de trabalho.

Como suporte creditício e financeiro às políticas públicas e aos programas de geração de renda e solidariedade, existe o Banco do Povo BLUSOL (Instituição Comunitária de Crédito Blumenau Solidariedade), vinculado à Prefeitura, que se constitui em uma opção de financiamento de microcrédito. O BLUSOL em dois anos de funcionamento já garantiu a manutenção de mais de 9,2 mil postos de trabalho e a criação de 429 novos empregos ².

A Prefeitura de Blumenau para operacionalizar estes programas sociais conta com a importante parceria da ANTEAG/SC (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas Autogeridas e de Participação Acionária. A ANTEAG desenvolve atividades de consultoria e de apoio ao desenvolvimento e criação de empreendimentos autogeridos em todo o Estado. O apoio dá-se no âmbito político, educacional, jurídico e administrativo.

O Programa já beneficiou cerca de treze cooperativas em seis anos de atuação, sendo que quatro ainda apresentam dependência em relação à Secretaria. Os principais problemas enfrentados pela Secretaria são a falta de recursos e divergências com a Secretaria Municipal

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de Assistência Social (SEMAS), divergências também identificadas entre membros dos empreendimentos e a Secretaria. No entanto, o principal problema observado refere-se à comercialização dos produtos. Nesse sentido, a SETREDE tem promovido o feiras locais e incentivado a participação dos empreendimentos em feiras de outros municípios e Estados. Também foi criado um Núcleo de Comercialização que se responsabilizará pela comercialização e representação dos produtos de empreendimentos solidários no município e em feiras diversas. Esse núcleo atuará de forma autônoma, embora conte com incentivos municipais, reduzindo, sensivelmente, as despesas da Prefeitura com o deslocamento de pessoal para participação em feiras. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como forma de enfrentamento e reação ao atual contexto, altamente desfavorável aos trabalhadores, ressurgem formas solidárias e cooperativas de organização e gestão, tais como as cooperativas, associações ou empresas autogestionárias, como estratégia de sobrevivência dos trabalhadores, especialmente os desempregados, trabalhadores de empresas em processos de falência, ou os excluídos socialmente.

A proposta de autogestão por estar assentada em princípios socialistas de organização, convivendo em um sistema capitalista pautado por relações econômicas e social centradas no mercado – leia-se acumulação de lucros, competitividade, concorrência – depara-se com inúmeros entraves ao seu pleno funcionamento (SOUTO, 1997). Portanto, a realidade de empreendimentos autogeridos é, freqüentemente, repleta de dificuldades financeiras, comerciais e estruturais.

Nesse sentido é que se torna fundamental a definição de políticas públicas e programas de incentivo e apoio a experiências coletivistas autogeridas pelos trabalhadores.

Com base em uma pesquisa mais abrangente envolvendo a temática das políticas, programas e ações institucionais de apoio a empreendimentos autogeridos em todo o estado de Santa Catarina (GUIMARÃES; SEVERO, 2003), organizou-se o presente artigo que descreve os programas e ações desenvolvidos pelas Secretarias de Desenvolvimento Econômico das cidades de Chapecó (Oeste do Estado) e Blumenau (Vale do Itajaí), vinculados a políticas públicas de geração de trabalho e renda nestes municípios.

No decorrer da pesquisa, especificamente tratando-se dos municípios de Blumenau e Chapecó, ao contrário do que foi constatado na maior parte do Estado de Santa Catarina, pôde-se perceber que há políticas públicas e programas de ação bastante relevantes por promoverem de forma efetiva a criação, o desenvolvimento técnico,organizacional e econômico de empreendimentos autogeridos, contribuindo para o processo de educação profissional dos trabalhadores que, além de profissionais de determinado setor, recebem uma formação em cooperativismo, autogestão, trabalho solidário e, o mais importante, assumem a sua cidadania, negada até então, por um processo de marginalização e exclusão social. São, ainda, iniciativas localizadas e que não apresentam um grande impacto econômico, mas o mesmo não se pode afirmar das suas implicações sociais.

Contudo, uma constatação fica evidente: as Prefeituras não conseguiriam somente através de suas Secretarias de Desenvolvimento Econômico e Social implementar com êxito essas políticas e programas sociais. Somente através de parcerias firmadas, principalmente com outras instituições públicas ou sem fins lucrativos, que assumem parte da atribuição de capacitar os trabalhadores para o gerenciamento e a convivência democrática e solidária, que os objetivos vão sendo gradativamente atingidos. Estas instituições mencionadas

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anteriormente, sem dúvida, podem ser consideradas como co-participantes de um processo de desenvolvimento em bases sócio-econômicas sustentáveis.

E, apesar de todos os problemas enfrentados na implementação dos programas, como a conscientização e o desenvolvimento de uma verdadeira cultura de participação plena (PATEMAN, 1992) e identidade coletiva, os conflitos de relacionamento interpessoal entre os atores envolvidos com o processo, o saldo é altamente positivo

Entre os principais conflitos interpessoais entre cooperados/associados, registrados em alguns empreendimentos, destaca-se a insatisfação em relação aos membros que só trabalham ou aparecem quando a Assistência Social oferece benefícios para aqueles que estão trabalhando ou, casos de cooperados/associados que não aparecem para trabalhar depois de terem garantido suas cestas básicas.

Por outro lado, na maioria dos casos, constata-se o entusiasmo com que os participantes referem-se ao empreendimento, embora ainda não estejam desfrutando de ganhos financeiros significativos, mas revelam uma grande satisfação por terem sua própria fonte de renda, por poderem participar de um processo educativo (educação básica e cursos de capacitação) e pela flexibilidade do horário de trabalho.

Dessa forma, lamenta-se que políticas públicas desse caráter não existam em número significativo em nosso país, considerando-se a representatividade desses tipos de organizações produtivas, coletivistas e democráticas, quando se trata de geração de trabalho e renda, conscientização política e social, educação básica e profissional de inúmeros trabalhadores, além do desenvolvimento social e econômico local que podem proporcionar.

Contudo, fica a expectativa de que a Secretaria de Economia Solidária, criada em 2003, em âmbito federal, tendo a frente o economista Paul Singer, teórico renomado e grande defensor da economia solidária, possa estimular o surgimento de políticas públicas e programas como os supracitados, beneficiando e incentivando o crescimento do setor de cooperativas e associações autogeridas, além de promoverem a inclusão social de parcela significativa da população garantindo trabalho e renda. NOTAS 1 Considerando-se como Administração Popular aqueles municípios onde a prefeitura está em poder do Partido dos Trabalhadores, na maioria dos casos conduzido ao cargo através de uma coligação com partidos da denominada “ Frente Popular” (PDT, PSB, PV, PC do B). 2 Disponível no site oficial da Prefeitura de Blumenau: http://www.blumenau.sc.gov.br/page/default.html. REFERÊNCIAS

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