avaliaÇÃo de polÍticas pÚblicas: 2 transferencia de renda

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AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: REFLEXÕES ACADÊMICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E O COMBATE À FOME 1. introdução e temas transversais 2. transferência de Renda 3. assistência social e territorialidades 4. segurança aliment ar e nutricional 5. inclusão produtiva

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AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: CONTRIBUIÇÕES ACADÊMICAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME Fruto da parceria do MDS com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), este livro apresenta os resultados dos projetos de pesquisas selecionados no Edital nº 36/2010, viabilizado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq). A fi m de que os pesquisadores pudessem conhecer melhor as políticas e programas do Ministério e, em alguma medida, aportar resultados específicos para demandas de avaliação das Secretarias Nacionais, a SAGI organizou oficinas técnicas para discussão dos projetos ao longo do seu período de execução, entre 2011 e 2012. A publicação reúne 35 artigos, dispostos em cinco volumes temáticos, com a participação de pesquisadores de diversas universidades e centros de pesquisas de todo o País.

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Page 1: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

aVaLiaçãO de POLÍTicas PÚBLicas:

REFLEXÕES ACAdÊMICAS SoBRE o dESENVoLVIMENTo SoCIAL E o CoMBATE À FoME

1. introdução e temas transversais

2. transferência de Renda

3. assistência social e territorialidades

4. segurança alimentar e nutricional

5. inclusão produtiva

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da

Presidenta da República Federativa do Brasil

Dilma Rousseff

Ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Tereza Campello

Secretário Executivo

Marcelo Cardona

Secretário de Avaliação e Gestão da Informação

Paulo de Martino Jannuzzi

Secretário Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Arnoldo Anacleto de Campos

Secretário Nacional de Renda de Cidadania

Luis Henrique da Silva de Paiva

Secretária Nacional de Assistência Social

Denise Colin

Secretário Extraordinário de Superação da Extrema Pobreza

Tiago Falcão

ExPEDIENTE: ESTA é uMA PuBLICAção TéCNICA DA SECRETARIA DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção. SECRETÁRIo

DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção: PAuLo DE MARTINo JANNuzzI; DIREToRA Do DEPARTAMENTo DE AvALIAção:

JúNIA vALéRIA QuIRoGA DA CuNHA; DIREToR Do DEPARTAMENTo DE MoNIToRAMENTo: MARCoNI FERNANDES DE

SouSA; DIREToR Do DEPARTAMENTo DE GESTão DA INFoRMAção: CAIo NAkASHIMA; DIREToRA Do DEPARTAMENTo DE

FoRMAção E DISSEMINAção: PATRICIA AuGuSTA FERREIRA vILAS BoAS.

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Transferência de renda

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brasil. ministério do desenvolvimento social e combate à Fome. avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o desenvol-

vimento social e o combate à fome, v.2: tranferência de renda -- brasília, dF: mds; secretaria de avaliação e Gestão da informação, 2014.

isbn: 978-85-60700-68-4

108p.

1. política social, brasil. 2. desenvolvimento social, brasil. 3. po-líticas públicas, avaliação, brasil. i. secretaria de avaliação e Gestão da informação.

cdU 304(81)

FICHATÉCNICA

© Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Esta é uma publicação técnica da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação.

Este livro apresenta, em cinco volumes, um conjunto de artigos elaborados com base na experiência de construção e resultados do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq n.º 36/2010.

coordenação editorial: kátia ozório equipe de apoio: victor Gomes de Lima, valéria Brito, Roberta Cortizo e Clécio Fernandes diagramação: Tarcísio Silva e Jonathan Phelipe bibliotecária: Tatiane Dias Revisão: Alexandro Rodrigues Pinto, Júnia valéria Quiroga da Cunha, Luciana Monteiro vasconcelos Sardinha, Renata Mirandola Bichir, Renato Francisco dos Santos de Paula.

abril de 2014

ministério do desenvolvimento social e combate à Fome secretaria de avaliação e Gestão da informação Esplanada dos Ministérios Bloco A, 3º andar, Sala 340 CEP: 70.054-906 Brasília DF – Telefones (61) 2030-1501 http://www.mds.gov.br

central de Relacionamento do mds: 0800-707-2003

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FICHATÉCNICA

Avaliação de políticas públicas: reflexões acadêmicas sobre o Desenvol-vimento Social e o Combate à Fome

Organizadores

Júnia valéria Quiroga da Cunha Alexandro Rodrigues Pinto Renata Mirandola Bichir Renato Francisco dos Santos de Paula

Agradecimentos

os organizadores agradecem aos especialistas que se dispuseram a parti-cipar como comentaristas nas oficinas de acompanhamento dos projetos. Gratidão especial também aos pareceristas, que dispuseram de seu tempo e experiência para contribuir com os autores dos artigos seguem lista-dos, respeitando a opção daqueles que não autorizaram a publicação de seu nome.

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Pareceristas

Alberto Albino dos Santos

Alcides Fernando Gussi

Aldaíza Sposati

Alexandro Rodrigues Pinto

Ana Maria Segall Corrêa

Andrea Butto

Antonio Eduardo Rodríguez Ibarra

Bruno Barreto

Carla Cristina Enes

Crispim Moreira

Daniela Sherring Siqueira

Dirce koga

Eduardo Cesar Leão Marques

Eduardo Salomão Condé

Elizabete Ana Bonavigo

Elza Maria Franco Braga

Fabio veras Soares

Fátima valéria Ferreira de Souza

Fernanda Pereira de Paula

Frederico Luiz Barbosa de Melo

Haroldo Torres

Igor da Costa Arsky

Jeni vaitsman

Juliana Picoli Agatte

Júlio César Borges

Júnia valéria Quiroga da Cunha

kyara Michelline França Nascimento

Leonor Maria Pacheco Santos

Letícia Bartholo

Luana Simões Pinheiro

Lucélia Luiz Pereira

Luciana Maria de Moura Ramos

Luís otávio Pires Farias

Luiz Rafael Palmier

Marconi Fernandes de Sousa

Marcos Costa Lima

Mariana Helcias Côrtes

Mariana López Matias

Marina Pereira Novo

Marta Arretche

Marta Battaglia Custódio

Milena Bendazzoli Simões

Neuma Figueiredo de Aguiar

onaur Ruano

Paula Montanger

Paulo de Martino Jannuzzi

Pedro Antônio Bavaresco

Pedro Israel Cabral de Lira

Rafael Guerreiro osorio

Renata Mirandola Bichir

Renato Francisco dos Santos de Paula

Rodrigo Constante Martins

Rômulo Paes de Sousa

Sergei Suarez Dillon Soares

Silvia Maria voci

Simone Amaro dos Santos

Simone de Araújo Góes Assis

Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade

Walquiria Leão Rego

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da

bolsa Família, deZ anos de tRaJetÓRia

Luis Henrique Paiva1

Letícia Bartholo2

1 DouToR EM SoCIoLoGIA E PoLÍTICA PELA uNIvERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS E SECRETÁRIo

NACIoNAL DE RENDA DE CIDADANIA Do MINISTéRIo Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE à FoME (MDS).

2 MESTRE EM DEMoGRAFIA PELA uNIvERSIDADE ESTADuAL DE CAMPINAS E SECRETÁRIA NACIoNAL ADJuNTA

DE RENDA DE CIDADANIA Do MDS.

Page 9: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

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Tendo recentemente completado dez anos, o Programa Bolsa Família (PBF) afirmou-se

como um dos pilares da proteção social não-contributiva, apresentando avanços cé-

leres e impactos positivos para a sociedade brasileira. A ampliação do direito à renda,

já previsto constitucionalmente na Seguridade Social, o aumento da frequência e a di-

minuição da evasão escolar entre as crianças e adolescentes beneficiários, tal como o

apoio à estruturação do próprio Sistema único de Assistência Social (SuAS) são alguns

exemplos dos bons resultados obtidos desde a instituição do Programa.

Nascido sob embates de distintas perspectivas sobre transferência de renda, o

Programa foi alvo de uma série de críticas, como a de que o repasse direto de ren-

da aos mais pobres poderia produzir efeitos negativos no engajamento produtivo

dessas famílias. No terreno das condicionalidades, conviveram críticas antagôni-

cas: de um lado, os defensores do direito à renda mínima afirmavam que condicio-

nar a recepção de um benefício financeiro à comprovação da frequência escolar e

do acompanhamento de saúde seria, em essência, não uma ampliação de direitos,

mas sua restrição; de outro, foram também fortes as afirmações que contestavam

a capacidade do Programa em acompanhar as condicionalidades, sugerindo que

controles haviam sido afrouxados, o que limitaria seu papel ao alívio imediato da

pobreza, sem a perspectiva de sua superação entre as gerações.

Talvez tenha sido este ambiente de crítica e acompanhamento constante por parte

da sociedade um dos fatores mais importantes para a evolução do Bolsa Família.

Em relação à transferência de renda, o Programa reajustou suas linhas de entrada

em 2006 e 2009. Instituiu, em 2010, a chamada regra de permanência, que pos-

sibilita a manutenção das famílias no Programa pelo prazo mínimo de dois anos,

ainda que sua renda mensal per capita varie acima dos R$ 140,00 definidos para

entrada no Programa, até o limite máximo de ½ salário mínimo. Com essa medida,

objetivou-se fornecer alguma segurança às famílias pobres que conseguem aces-

sar condições para melhorar seu rendimento monetário.

No ano de 2011, novos aprimoramentos no contexto do Brasil sem Miséria: a meta de

atendimento do Programa alcançou 13,8 milhões de famílias e os valores dos benefí-

cios sofreram reajuste médio de 19%, com maior impacto sobre os benefícios variá-

veis (que tiveram reajuste de 45%), pela constatação da maior prevalência da pobreza

entre os mais jovens. Também sob este argumento, o limite de benefícios variáveis

por família foi ampliado de 3 para 5 e estendido a gestantes e nutrizes. Como medida

complementar à regra de permanência, foi criado o retorno garantido, pelo qual as

famílias que se desligam voluntariamente do Programa por terem saído da situação de

pobreza têm a garantia de retorno imediato, caso retornem a esta situação.

Também nesse contexto, os recursos do Governo Federal de reforço à gestão do

PBF repassados a municípios, estados e ao Distrito Federal foram ampliados em

82%. Hoje, são destinados R$ 560 milhões anuais para apoio à gestão descen-

tralizada, que são repassados aos municípios e estados, conforme seu Índice de

Gestão Descentralizada (IGD), indicador que avalia a qualidade do Cadastro único

e do registro de condicionalidades feito pelos municípios.

Em 2012, o Bolsa Família passou a contar com um novo benefício (benefício de

superação da extrema pobreza), destinado às famílias que continuavam com renda

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familiar per capita igual ou inferior a R$ 70 após o recebimento dos benefícios

“tradicionais” do Programa. Trata-se de um típico benefício do tipo top up, que

complementa a renda familiar até que ela atinja um determinado patamar – no

caso, a superação do valor de R$ 70 por pessoa.

Inicialmente, o benefício foi voltado para famílias nesta situação que tinham em sua

composição crianças entre 0 e 6 anos, como parte integrante das iniciativas da Ação

Brasil Carinhoso3. Ainda em 2012, esse benefício foi estendido para famílias com

crianças e adolescentes com idade de até 15 anos e, no início de 2013, o benefí-

cio alcançou as famílias beneficiárias independentemente da presença de crianças.

Dessa maneira, houve um forte aumento no orçamento de benefícios do Programa

(que saltou de R$ 15 bilhões em 2010 para praticamente R$ 24 bilhões em 2013),

voltado para famílias em situação de extrema pobreza. De maneira sucinta, a trajetó-

ria do PBF em sua dimensão principal, de transferência de renda, logrou em manter o

poder aquisitivo dos valores de seus benefícios financeiros, ampliou o investimento

nas crianças – parcela da população sobre representada na pobreza – e garantiu,

às famílias pobres, a segurança para que procurem oportunidades de engajamento

produtivo sem o risco de não mais poder contar com o Programa.

Na dimensão das condicionalidades, também houve avanços importantes. A melho-

ria da verificação de seu cumprimento pelas famílias se deu em paralelo à constru-

ção de um modelo de gestão que afirma direitos sociais e se contrapõe à perspec-

tiva punitiva. Entre 2006 e 2013, a proporção de crianças entre 6 e 15 anos com

acompanhamento de frequência passou de 62,8% para praticamente 95,0% e o

número de famílias acompanhadas pela área de saúde, de 33,4% para 73,4%.

Essa evolução ocorreu sob um mecanismo de acompanhamento que não objetiva

retirar do PBF as famílias que descumprem condicionalidades, pois enxerga o des-

cumprimento como um sério indicativo de vulnerabilidade social. Com as novas

regras de 2012, uma família só terá o benefício cancelado após ter uma atenção

do Poder Público durante 12 meses, que deve, a partir da identificação da situação

de suspensão do benefício da família, fazer o acompanhamento socioassistencial

e registrá-lo no Sistema de Condicionalidades (Sicon). Essa estratégia evita o des-

ligamento imediato da família que está em situação de vulnerabilidade.

vale lembrar também que há motivos de descumprimento que não repercutem

nos benefícios, tais como a falta de oferta do serviço, motivos de saúde ou fatores

impeditivos do deslocamento à escola. Ainda, os efeitos por descumprimento po-

dem deixar de ser aplicados se o município, além de realizar o acompanhamento

sócio assistencial, solicitar a interrupção temporária dos efeitos do descumpri-

mento no Sicon. ou seja, as famílias que não cumprem seus direitos sociais bási-

cos são vistas como as que mais merecem atenção do poder público e não como

as que devem ser deixadas à margem do sistema de proteção social. Este novo

modelo de gestão de condicionalidades explica a baixa proporção de cancelamen-

tos por descumprimento das condicionalidades: em março de 2014, apenas 407

famílias das cerca de 14 milhões, ou 0,003% tiveram o benefício cancelado ( ou 3

em cada 100 mil famílias).Para seleção e acompanhamento de seu público, o Bolsa

3 CoNJuNTo DE AçõES Do BRASIL EM MISéRIA DIRECIoNADAS PARA A PRIMEIRA INFâNCIA.

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Família conta com o Cadastro único para Programas Sociais do Governo Federal

(Cadúnico), que hoje funciona de forma on line em nos municípios brasileiros.

Com a nova versão, lançada em dezembro de 2010 e implementada sobremaneira

a partir de junho de 2011, o poder público consegue mapear variadas dimensões

de vulnerabilidades que atingem os 40% mais pobres da população brasileira,

para além da limitação de acesso à renda monetária. No fim de 2013, 89% das

cerca de 23 milhões de famílias cadastradas já estavam com dados atualizados

na nova versão. Para essas famílias, tem-se um leque amplo de informações, hoje

utilizado por praticamente todos os programas que compõem o Brasil sem Miséria

e outros, como as tarifas sociais de telefonia, energia elétrica e de envio de cartas.

Diversas pesquisas acabaram demonstrando a boa evolução do Programa. Na Edu-

cação, trabalhos como os de Glewwe & kassouf (2008) e Silveira Neto (2010) já

haviam apontado para impactos do Programa Bolsa Família na frequência escolar.

Por sua vez, a segunda rodada da Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família

– AIBF (BRASIL/MDS, 2012) também detectou impacto sobre a taxa de aprovação –

demonstrando que, no médio prazo, a maior frequência dos alunos do Programa às

aulas acaba trazendo resultados positivos para o próprio desempenho escolar. Na

saúde, a AIBF detectou impacto na vacinação em dia, para algumas vacinas, bem

como na saúde materna (as mulheres grávidas do Programa tiveram, em média, 1,6

consultas de pré-natal a mais do que as não beneficiárias de mesmo perfil).

Não há evidência de que o programa tenha tido qualquer impacto sobre a fecundi-

dade das mulheres, aumentando seu número de filhos. Estudos como os de Signo-

rini e Queiroz (2011) apontam, ao contrário, que o impacto observado sobre a fe-

cundidade, de pequena magnitude, é negativo. Nesse aspecto, a AIBF evidenciou

aumento no do uso de métodos contraceptivos pelas beneficiárias do Programa, o

que pode derivar da ampliação da capacidade feminina de tomada de decisão so-

bre sua vida reprodutiva. Há ainda, nesta pesquisa, outros indicativos de aumento

do poder decisório das mulheres no domicílio.

outro possível efeito indesejado, de redução do trabalho, também já foi desmen-

tido por vários estudos: não foi encontrada redução significativa da oferta de tra-

balho pelos beneficiários. As duas rodadas da AIBF chegam à mesma conclusão

– a primeira, inclusive, aponta para um discreto aumento da oferta de trabalho

nos homens (BRASIL/MDS, 2009). outros estudos sugerem uma redução também

muito discreta no número de horas trabalhadas pelas mães, o que pode ser uma

consequência positiva do Programa (como sugerem Soares e Satyro, 2009), em

contextos de vínculos laborais precários e escassez de oferta de serviços públicos

de cuidado de crianças Potenciais efeitos sobre a formalidade encontrados na se-

gunda rodada da AIBF (BRASIL/MDS, 2012), ainda que de magnitude relativamen-

te pequena, devem continuar a ser acompanhados, especialmente em função da

adoção nos últimos anos, pelo MDS, de medidas para evitá-los.

A despeito dos bons resultados, o PBF é um programa jovem, que não pode pres-

cindir de aprimoramento, a fim de fazer frente a novos desafios, muitos deles

derivados de sua própria estruturação. Sem dúvida, a capacitação de gestores e

técnicos locais, a promoção da intersetorialidade e o fortalecimento dos meca-

nismos de apoio à gestão descentralizada são aspectos ainda desafiadores, cujo

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atingimento tende a reforçar o percurso exitoso do Programa. os textos seguintes,

na medida em que explicitam lacunas e necessidades de melhorias na gestão do

PBF, contribuem nessa direção.

Assim, tem-se no texto de veloso o reconhecimento da importância do Cadastro

único como tecnologia social propiciadora de ações mais efetivas no enfrenta-

mento da pobreza. o autor ressalta o contexto de crescente associação entre tec-

nologia e política pública, no qual a gestão social e a gestão da informação passam

a caminhar juntas. Nesse cenário, refere-se ao Cadúnico como instrumento tecno-

lógico que contribui para ampliação do exercício de direitos sociais e a consolida-

ção da cidadania. No entanto, veloso também explicita a insatisfação dos usuários

do Cadúnico com as limitações da utilização gerencial das informações cadastrais,

para fins de planejamento e implementação de políticas públicas.

De certo, o autor aponta uma importante lacuna à concretização do potencial do

Cadastro, que persistiu no biênio 2010-2011 e somente foi atenuada em 2012. Tal

insuficiência não derivou de problemas de capacitação ou repasse de informações

aos usuários do Sistema de Cadastro único, mas sim da inexistência de funciona-

lidades de tabulação ou extração de microdados na versão do Sistema implantada

a partir de 2010. Apesar dos avanços acima mencionados, esta versão ainda não

conta com todas as possibilidades de relatórios de informação existentes na ver-

são anterior e, durante 2010 e 2011, municípios e estados ficaram sem ferramenta

de manejo dos dados das famílias cadastradas.

Em 2012, porém, o MDS atenuou esta insuficiência da nova versão, por meio da implan-

tação do sistema de Consulta e Extração de Dados do Cadastro único (CECAD). o CECAD,

hoje acessível a todos os gestores municipais e estaduais do Cadúnico e da Assistên-

cia Social, permite compor relatórios a partir de diversas variáveis do Cadastro único e

extrair relação identificada das famílias com base em características definidas. No en-

tanto, a solução estrutural ainda está em desenvolvimento e baseia-se na implantação

de ferramenta de Business Inteligence, que permitirá consulta e extração de relatórios

pré-formatados e parametrizados pelos gestores e técnicos dos três níveis da federação.

Tal implantação certamente requererá uma estratégia de capacitação muito bem

desenhada, que permita a disseminação do uso da ferramenta. Felizmente, a com-

posição de boas estratégias de capacitação tem sido uma marca da gestão do Bol-

sa Família e do Cadastro único: somente entre 2010 e 2012, foram formados mais

de 20 mil entrevistadores e 12.000 operadores do Sistema de Cadastro único

em todos os municípios brasileiros. Em decorrência da rotatividade de técnicos

municipais que trabalham com o tema, tal como dos aprimoramentos do Cadastro

único, essas capacitações são continuamente ofertadas.

o modelo de capacitação adotado para o preenchimento dos formulários do Novo

Cadastro único foi efetuado com participação essencial das coordenações estadu-

ais do PBF e Cadastro único. os estados indicaram ao MDS um conjunto de 561

técnicos com disponibilidade para atuar como multiplicadores da informação para

os municípios, os quais foram formados em curso presencial de 40 horas, minis-

trado diretamente por técnicos do MDS. o sucesso da estratégia levou a Senarc a

utilizar o mesmo modelo, a partir de 2012, também para a formação de multiplica-

dores de gestão, os quais repassam aos municípios orientações sobre as regras e

procedimentos envolvidos no desenho e implementação do PBF e Cadastro único.

Page 13: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

15

Este novo curso, já implantando, visa suprir também a necessidade de dissemi-

nação de informação aos profissionais envolvidos na gestão local do PBF, o que

ainda é um desafio, conforme apontam os três outros estudos desta seção, dedi-

cados sobretudo ao tema das condicionalidades. Medeiros e Machado notam, por

exemplo, que, em todos os municípios paraibanos onde realizaram o trabalho de

campo, os profissionais envolvidos cotidianamente com o PBF referem-se às con-

dicionalidades fundamentalmente no âmbito da frequência escolar.

Por sua vez, Monnerat e Nogueira, analisando a implementação da condicionalida-

de de saúde no Rio de Janeiro, apontam depoimentos de profissionais de saúde

que se referem ao atendimento das famílias pobres como função exclusiva da

área de assistência social e outros que interpretam o não comparecimento dessas

famílias aos serviços de saúde como resultado da “falta de punição” presente na

gestão de condicionalidades do Bolsa Família. No trabalho de campo que embasa

o estudo de Silva e Guilhon, feito em 13 municípios do Maranhão, as autoras tam-

bém identificaram a presença da leitura punitiva das condicionalidades entre os

profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, tal como entre os

representantes do conselho de controle social do Programa.

Esses dois estudos indicam, portanto, que a perspectiva educativa e de ampliação

de direitos, presente na estratégia desenhada pela gestão federal do PBF para

as condicionalidades, pode não ter ressonância ampla entre os profissionais en-

volvidos em sua gestão local. De fato, esse é um aspecto que deve ser objeto de

análise da gestão federal, a fim de que possam ser planejadas e conduzidas ações

de formação dos gestores locais que reafirmem a dimensão das condicionalidades

como esfera de fortalecimento dos direitos sociais.

vale lembrar, contudo, que a proteção social brasileira edificou-se, por séculos, sobre

uma perspectiva conservadora e restritiva de direitos: aos cidadãos, produtivos e contri-

buintes, a garantia do seguro social; aos pobres ou incapazes, o locus da caridade e do

voluntarismo. Ainda que esse itinerário tenha sido rompido em direção à maior abran-

gência da proteção social, que tem na Constituição de 1988 um marco e no Bolsa Famí-

lia um dos pilares de sua concretização, romper esse constructo conservador absorvido

culturalmente é, e certamente será por mais algumas décadas, um dos maiores desafios

não somente do Bolsa Família, mas do Estado e da sociedade brasileira.

Monnerat e Nogueira, como Medeiros e Machado, chamam também atenção para as

insuficiências nas estruturas de gestão do PBF nos municípios, em termos de equipa-

mentos de trabalho, de recursos humanos e da prática intersetorial. Medeiros e Macha-

do notam, por exemplo, a ausência de planejamento de ações de acompanhamento

das famílias que descumprem condicionalidades nos municípios pesquisados. Ainda,

tendo em vista a escassez de pessoal para realizar visitas domiciliares, estas acabam

ficando restritas às famílias com indícios de problemas cadastrais. De certo, a escassez

de recursos humanos e de infraestrutura hoje presente nas gestões municipais do PBF

deriva da própria consolidação recente do Sistema único de Assistência Social (SuAS).

Espera-se que os ganhos de institucionalização do SuAS, como a aprovação da nova

LoAS e a ampliação dos recursos aportados para a gestão por meio do IGD SuAS, além

do próprio aumento do IGD Bolsa Família, possam contribuir para sua superação.

Se isso provocará o fortalecimento da gestão do Bolsa Família nos municípios,

não necessariamente levará a ganhos de intersetorialidade. Por isso, é central o

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investimento no diálogo federal entre os ministérios do Desenvolvimento Social,

da Saúde e da Educação, que leve ao desenho de ações conjuntas capazes de

induzir as esferas subnacionais à adoção do compartilhamento da gestão do PBF

minimamente entre estes setores. A intersetorialiedade no Bolsa Família, mais do

que uma necessidade prática, é um componente de sua estrutura, do qual depen-

de seu funcionamento adequado e sua evolução.

outro aspecto fundamental está na ampliação da oferta de serviços públicos às

famílias mais pobres, cuja necessidade o Bolsa Família tem sido capaz de desvelar

por meio do acompanhamento de condicionalidades. Ao estimular seus beneficiá-

rios à utilização de serviços básicos de assistência social, saúde e educação, o PBF

provoca pressões sobre a oferta de serviços, explicitando ao poder público sua

insuficiência. Tal como as regras do PBF induzem as famílias à busca pelo acesso

a seus direitos sociais básicos, espera-se que os dados de acompanhamento de

condicionalidades, sistematizados em nível federal, contribuam para induzir o Es-

tado à ampliação e à melhoria da qualidade dos serviços.

Assim, não só pela importância de contar com informações que permitam acom-

panhar o acesso dos beneficiários do PBF a seus direitos, mas também de conse-

guir avaliar a adequação de oferta de serviços, é importante garantir o envio dos

registros de acompanhamento de condicionalidades pelos municípios. é o que o

Governo Federal busca estimular por meio do Índice de Gestão Descentralizada

Municipal (IGD-M), ao vincular o montante de recursos repassados à gestão local

também ao grau de informação sobre acompanhamento de condicionalidades.

No entanto, deve-se sublinhar que o IGD é um indicador cujo objetivo é mensurar

a qualidade e o comprometimento de municípios e estados com a gestão do Bolsa

Família, e não a qualidade dos serviços de educação e saúde ofertados, tampouco

o impacto das condicionalidades sobre as condições de vida das famílias. o IGD

mede a capacidade de municípios em cadastrar a população de baixa renda e

registrar a frequência escolar e as consultas de saúde do público beneficiário. os

impactos das condicionalidades na situação dos beneficiários são mensurados em

outras avaliações, como a própria AIBF. Imputar ao IGD, um indicador de processo,

a responsabilidade de medir a melhoria das condições de vida das famílias do PBF,

como fazem Silva e Guilhon, é, portanto, um equívoco basilar.

De fato, como afirmam as autoras, é fundamentalmente importante avaliar o com-

prometimento do Estado na oferta dos serviços de saúde e educação, de boa qua-

lidade, e da disseminação da informação para que, beneficiários e não benefici-

ários, possam acessá-los. Porém, ainda que os dados do IGD possam contribuir

para identificar escassez de oferta desses serviços, a responsabilidade por esta

avaliação e pelo atingimento desta meta não pode ser atribuída ao Programa Bolsa

Família. Em outros termos, o direcionamento de atribuições de políticas sociais

diversas a um programa social específico leva à armadilha de incutir uma perspec-

tiva restritiva ao próprio Sistema de Proteção Social brasileiro.

De todo modo, dissensos são parte da construção das políticas públicas e, felizmente,

o Bolsa Família tem provocado diversas pesquisas e reflexões contributivas para o

bom debate sobre seu aprimoramento, tal como os estudos que compõem esta seção.

Page 15: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

17

REFERÊNCIAS

bRasil. ministério do desenvolvimento social e combate à Fome. sumário executivo

– avaliação de impacto do Programa Bolsa família. brasília: mds, 2009.

bRasil. ministério do desenvolvimento social e combate à Fome. sumário executivo

– avaliação de impacto do Programa Bolsa família – 2ª rodada (aiBf ii). brasília: mds,

2012.

GleWWe, p.; KassoUF, a. l. The impact of the Bolsa escola/familia conditional cash

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anpec - associação nacional dos centros de pós-graduação em economia, 2008.

siGnoRini, b.; QUeiRoZ, b. (2011). The impact of Bolsa Familia on beneficiaries’ fer-

tility. belo Horizonte: UFmG/cedeplar. (texto para discussão no. 439). disponível em:

<http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/td%20439.pdf>.

soaRes, s.; sÁtYRo, n. O Programa Bolsa família: desenho institucional, impactos e

possibilidades futuras. brasília: ipea, 2009. (texto para discussão n° 1.424).

17

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1. PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA

úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção

DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE

GRANDE PoRTE

2. CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo:

DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA

EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

3. o BoLSA FAMÍLIA (BF) No CoNTExTo DA

PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS

CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão

DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

4. A CENTRALIDADE Do CADASTRo úNICo NA

PRoTEção SoCIAL BRASILEIRA

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pRoGRama bolsa Família e o sistema único de sÁUde: desaFios da implementação das condicionalidades em Um mUnicípio de GRande poRte

Giselle Lavinas Monnerat - Faculdade Serviço Social - uERJ

Juliana França Nogueira - uFF

Page 19: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

21

INTRodução

Este artigo analisa1 a implementação das condicionalidades do Programa Bolsa

Família - PBF no setor saúde, tendo em vista dimensionar dificuldades e possibili-

dades, de modo a contribuir com a qualificação de seu processo de operacionali-

zação. Cabe salientar que há poucos estudos que abordam diretamente o tema em

questão e este artigo pretende, de alguma forma, contribuir para sanar tal lacuna.

o Programa Bolsa Família (PBF), criado 2003, por meio da Lei n. 10.836, de 9 de

janeiro de 2004, tem como objetivo instituir um programa nacional de transfe-

rência de renda para as famílias pobres. Este Programa exige como contrapartida

que as famílias beneficiárias mantenham vínculos de adesão à escola e unidades

de saúde como uma estratégia de melhorar o acesso aos direitos sociais básicos.

Busca-se aqui identificar como o setor saúde do município do Rio de Janeiro vem

se comportando diante das requisições postas pelo PBF em termos da criação de

estratégias gerenciais e da organização dos serviços de atenção básica para de-

senvolver as ações relativas às condicionalidades da saúde.

A perspectiva de análise do processo de implementação se mostrou adequada aos

objetivos da pesquisa visto que possibilita focar os fatores que interferem negati-

va ou positivamente nos resultados de operacionalização de uma dada política ou

programa social, contribuindo assim para o dimensionamento de elementos vin-

culados às condições de sua sustentabilidade, tais como capacidade institucional,

estrutura de incentivos e possibilidade de continuidade das ações, bem como os

pontos críticos em relação ao alcance dos resultados (DRAIBE, 2001).

A aproximação empírica, através de um estudo de caso, se traduz em uma exigên-

cia da investigação proposta, uma vez que as atribuições relacionadas à imple-

mentação das condicionalidades do PBF no setor saúde recai sobre os municípios,

entes responsáveis pela oferta de ações de atenção primária em saúde na esfera

local de governo desde a implantação do Sistema único de Saúde (SuS). Entende-

-se que a execução do Programa Bolsa Família exige mudanças na organização dos

serviços de saúde, o que torna o nível local um ‘espaço’ privilegiado de análise dos

rumos do programa de transferência de renda brasileiro.

A escolha do município do Rio de Janeiro busca contemplar a complexidade que

caracteriza a execução do Programa Bolsa Família, assim como a estruturação de

sistemas municipais de saúde em grandes centros urbanos, haja vista o reconhe-

cimento de enormes dificuldades de acesso aos serviços sociais nesses contextos.

o Rio de Janeiro contabiliza uma população em torno de 6,3 milhões de habitantes

segundo dados do censo 2010 (IBGE, 2010). As grandes dimensões geográficas e

enormes desigualdades sociais existentes no município tornam ainda mais com-

plexa a tarefa de colocar em prática o PBF, tanto no que se refere ao cadastramento

das famílias quanto ao acompanhamento das condicionalidades que, por sua vez,

1 ESTE ARTIGo é PARTE DoS RESuLTADoS DA PESQuISA PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA: uM ESTuDo AvALIATIvo

DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES DA SAúDE EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE, FINANCIADo PELo

CoNSELHo NACIoNAL DE DESENvoLvIMENTo CIENTIFICo E TECNoLóGICo EM PARCERIA CoM o MINISTéRIo Do

DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE A FoME (EDITAL MCT/CNPQ/MDS-SAGI Nº36/2010 - ESTuDoS E AvALIAção DAS

AçõES Do DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE à FoME).

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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exige um mínimo de coordenação intersetorial. A complexidade do desenvolvi-

mento de políticas públicas e sociais no Rio de Janeiro também se traduz no fato

deste município ter mais de um milhão de seus habitantes residindo nas 1020

favelas. A renda per capita no município é de 596,65 reais, com um percentual de

miseráveis de 14,572, índice menor do que o apresentado pelo estado do Rio de

Janeiro que é de 19,45% (IBGE, 2000).

A gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família no setor saúde no Rio

de Janeiro necessita de estudos para maior entendimento acerca dos dilemas que

interferem nos baixos índices de acompanhamento das famílias. Sobre este ponto,

vale registrar que os dados de cobertura das “famílias perfil saúde totalmente acom-

panhadas” para a primeira vigência de 2011 era de 35,1%, percentual abaixo da

média do estado, cujo índice para o mesmo período esteve em 46,9%. Já o índice

para o Brasil era de 70,2% (MDS, 2011).

Diante da dimensão do município e das condições de viabilidade da pesquisa,

elegeu-se como campo de pesquisa a Área Programática 2.2, uma das 10 áreas

em que se divide o município, abarcando duas Regiões Administrativas (a vIII e

a Ix RA’s) constituídas pelos seguintes bairros: Praça da Bandeira, Tijuca, Alto da

Boa vista, Maracanã, vila Isabel, Andaraí e Grajaú. Nesta Área Programática, com

população total de 356.036 habitantes, verifica-se um enorme contingente popu-

lacional vivendo em favelas3.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com gestores e profissionais da Se-

cretaria Municipal de Saúde que participam da operacionalização do PBF em oito

unidades básicas de saúde, seja nas de tipo ‘tradicional’4 ou nas unidades que tra-

balham com a metodologia da Estratégia Saúde da Família. As entrevistas tiveram

como referência um roteiro integrado por perguntas abertas e fechadas, elaboradas

com base no quadro teórico e nos objetivos da pesquisa, cuja intenção foi recons-

truir o processo cotidiano de implementação das condicionalidades da saúde.

A formação dos profissionais de saúde entrevistados é variada, isto é, há médicos

(pediatra, cardiologista e geriatra), assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas,

odontólogo, técnicos e auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saú-

de. os depoimentos foram gravados com a autorização dos entrevistados que as-

sinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, elaborado conforme os

preceitos da ética na pesquisa social5. os entrevistados foram referidos no corpo

do trabalho de modo genérico para evitar qualquer identificação. Realizaram-se

trinta e quatro entrevistas em profundidade, as quais foram transcritas na íntegra.

2 CoNSIDERANDo-SE R$ 80,00 PoR PESSoA Ao MêS EM JuLHo DE 2001 (PNuD/IPEA/FuNDAção João PINHEIRo/

IBGE, 2003.

3 PoDEM-SE CITAR ALGuMAS FAvELAS CoMo: BARRo PRETo, vILA CABuçu, BARRo vERMELHo, MoRRo Do

ENCoNTRo, MoRRo Do São João, MoRRo DA MATRIz, MoRRo DoS MACACoS, PAu DA BANDEIRA, PARQuE vILA IzABEL,

ALTo SIMão, FAvELA Do METRo, MoRRo ANDARAÍ, MoRRo JAMELão, MoRRo DA CRuz, DENTRE ouTRAS.

4 o TERMo ‘TRADICIoNAL’é uSADo APENAS PARA DIFERENCIAR DAS uNIDADES QuE TRABALHAM NA LóGICA

DA ESTRATéGIA SAúDE DA FAMÍLIA.

5 CoMISSão DE éTICA EM PESQuISA DA uERJ - PARECER 040-2011.

Page 21: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

23

dESENVoLVIMENTo

Nos anos 1990, a maioria dos programas de transferência de renda desenvolvi-

dos por diversos municípios brasileiros apostou na combinação de ações assis-

tenciais e estruturais. Em razão disso, observa-se a recorrência de programas que

apresentam em seu desenho a exigência de contrapartidas com o argumento de

promover processos de inclusão social, pelo menos das gerações futuras. Acom-

panhando essa tendência, o PBF exige das famílias beneficiadas o cumprimento

de uma agenda de compromissos. As chamadas condicionalidades se traduzem na

obrigatoriedade de inserção de crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes em

determinados programas de saúde e a matrícula e freqüência das crianças, ado-

lescentes e jovens na escola.

Para os idealizadores do Programa Bolsa Família a exigência de contrapartida é

a chave para criar processos de autonomização das famílias pobres. A legislação

pertinente explicita que a gestão das condicionalidades deve englobar os três

níveis de governo, sendo entendida como um conjunto de ações que vai desde

o acompanhamento do cumprimento das contrapartidas até o registro, por parte

dos municípios, das informações acerca do monitoramento realizado. A união, os

Estados, os Municípios e o Distrito Federal devem contribuir para que as famílias

beneficiárias tenham condições de cumprir a agenda de compromissos, além de

criar estratégias para evitar que estas permaneçam em situação de descumpri-

mento das condicionalidades previstas no Programa. As famílias em situação de

não cumprimento das condicionalidades estão sujeitas a: bloqueio do benefício

por 30 dias; suspensão do benefício por 60 dias e cancelamento do benefício. As

famílias estão preservadas de qualquer sanção quando ficar comprovado que o

cumprimento das condicionalidades foi prejudicado em razão de problemas rela-

tivos à oferta de serviços por parte dos municípios.

No caso das condicionalidades da saúde, se por um lado, tais exigências têm po-

tencial de facilitar o acesso de camadas da população que dificilmente consegui-

riam chegar aos serviços de saúde, por outro, coloca dúvida sobre a capacidade de

os serviços de saúde absorver adequadamente, em termos de quantidade e quali-

dade, o aumento de demanda resultante da implementação do Programa. Também

não se podem desconsiderar as condições de vida (material e subjetiva) das famí-

lias pobres para atender as várias requisições impostas pelas condicionalidades.

Não há dúvida, portanto, que tais questões dependem de vários fatores que se

complementam, tais como: capacidade de indução dos níveis supranacionais para

proceder à necessária reorganização dos serviços; capacitação dos profissionais

envolvidos; grau adequado de coordenação intersetorial; amadurecimento das

relações intergovernamentais, capacidade institucional e política do nível local,

controle social, dentre outras questões.

A exigência de contrapartidas é um ponto central do desenho do PBF e, notada-

mente nos primeiros anos de sua operacionalização, se traduziu em uma questão

bastante polêmica nas discussões acadêmicas e políticas sobre o Programa. De

uma parte, se reconhece que as condicionalidades têm potencial de pressionar

a demanda sobre os serviços de educação e saúde, o que, de certa forma, pode

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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representar uma oportunidade ímpar para ampliar o acesso de um contingente

importante da população aos circuitos de oferta de serviços sociais. Entretanto,

de outra parte, a obrigatoriedade de contrapor um dever ao direito social foi for-

temente questionada por diversos estudiosos da área, haja vista o entendimento

de que à medida que o direito social é condicionado ao cumprimento de obrigato-

riedades, os princípios clássicos de cidadania estão ameaçados (LAvINAS, 2000).

Esta autora afirma também que a contrapartida condiciona o direito constitucional à

assistência ao cumprimento de exigências numa situação em que os potenciais benefi-

ciários já estão em situação bastante vulnerável. Ainda que reconhecendo os riscos da

cobrança de contrapartidas, Silva (2001) tematiza a contrapartida como uma possibili-

dade de combinação do compensatório com o estrutural, considerando que, por exem-

plo, é a própria exigência de manter crianças na escola que pode permitir minimizar os

efeitos do trabalho infantil sobre as oportunidades de escolaridade de crianças e jovens.

No entanto, é preciso registrar que a contrapartida exigida não se configura em ter-

mos de contribuição financeira tal como no passado meritocrático de nossa políti-

ca social. Ao exigir contrapartida dos beneficiários, os programas de transferência

de renda introduzem a difícil escolha entre romper com a noção de direito incon-

dicional à medida que os compromissos tornam os beneficiários corresponsáveis

pela superação de suas dificuldades e adotar a estratégia de exigir contrapartidas

com a perspectiva de atacar, de uma só vez, várias dimensões da pobreza. Desse

modo, é forçoso levar em conta que esta última perspectiva pretende suprir uma

deficiência de longa data, atendendo a um conjunto de carências pouco conside-

rado no rol de políticas e programas sociais brasileiros.

Num outro plano de análise, Medeiros (2007) afirma que as condicionalidades de

saúde e educação já são algo que os pais devem fazer com ou sem o benefício. Nes-

se caso, a discussão sobre a necessidade de cobrar condicionalidades é importante

porque tem como pano de fundo questões políticas e éticas. o autor sinaliza que:

“As condicionalidades em parte atendem às demandas daqueles que julgam que ninguém pode receber uma transferência do Estado – especialmente os pobres – sem prestar alguma contrapartida direta. As condicionalidades seriam algo equivalente ao “suor do trabalho”; sem essa simbologia, o programa correria o risco de perder apoio na sociedade. Esta característica não é uma idiossincrasia do Bolsa Família, pois aparece também em vários programas implementados em outros países”. (MEDEIRoS et al., 2007, p. 18).

A cobrança de condicionalidades tem sido, via de regra, instituída independente-

mente de avaliações objetivas da relação-custo benefício destas ações. Sobre isso,

Monnerat assinala que:

“A adoção de condicionalidades em programas de transferência de renda somente é válida quando entendida e implementada como estratégia de ampliação do acesso aos serviços sociais e políticas de emprego e renda, não sendo, portanto, o mero reflexo de uma visão restrita do direito social” (2007, p. 1460).

Page 23: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

25

Importa salientar que há consenso entre os estudiosos do assunto de que a obri-

gatoriedade de contrapartidas não pode se transformar numa forma de punição

das famílias beneficiárias. Na atualidade, provavelmente em razão da contínua e

enorme expansão do Programa, o debate acadêmico condicionalidade versus di-

reito social vem dando lugar à reflexão sobre o processo de implementação do

PBF e seus impactos sobre a pobreza e a desigualdade social no país, assim como

sobre as reais oportunidades geradas em termos de acesso aos serviços sociais.

o alcance do PBF em termos de público beneficiário – já é o maior programa de trans-

ferência de renda da América Latina – e a novidade relacionada à sua concepção e

desenho operacional, têm atraído a atenção de formuladores e estudiosos vinculados

tanto à área social como econômica. A operacionalização do PBF desafia as formas de

gestão mais cristalizadas nas instâncias governamentais e exige um nível de diálogo

com outras áreas de política jamais requisitado por outros programas sociais no país.

Do ponto de vista social e político, as opiniões contrárias ao PBF também arrefece-

ram. As críticas de que o Programa é assistencialista não aparecem mais na mídia,

indicador de que a aceitação e legitimidade social com relação à transferência

direta de renda para a população pobre já é algo em construção entre nós. Com

efeito, dada a expansão do PBF na atualidade, grande parte da população conhece

ou convive com alguma família beneficiária do Programa, proximidade que des-

mistifica preconceitos e leva a formação de um pensamento de que, diante das

agruras da pobreza, em sã consciência, não é possível ser contrário ao PBF.

Ademais, os dividendos eleitorais provocados pelo Programa traduzidos especialmen-

te no tamanho da popularidade do ex - presidente Lula, na sua reeleição e no fato de

ter feito seu sucessor, são fenômenos políticos fortemente atribuídos à criação e exe-

cução do Bolsa Família, programa central na política social brasileira nos últimos anos.

Na esteira destes acontecimentos, verifica-se que além do Bolsa Família estar im-

plantado na maioria dos municípios brasileiros, o cálculo político realizado pelos

atuais governantes em favor do Programa vem apontando para a tendência de

replicar essa ‘receita de sucesso’ nos níveis subnacionais de governo. São os ca-

sos dos governos do município e do estado do Rio de Janeiro que recentemente

iniciaram a execução de programas de transferência de renda com condicionalida-

des utilizando orçamentos próprios6. Como ambos os governos são politicamente

alinhados à gestão federal, os programas criados se articulam ao PBF, buscando

potencializar os benefícios das famílias já atendidas pelo programa federal.

6 o PRoGRAMA CARTão FAMÍLIA CARIoCA, CRIADo PELA PREFEITuRA MuNICIPAL Do RIo DE JANEIRo, TEM

PoR oBJETIvo RETIRAR DA LINHA DA PoBREzA CERCA DE 100 MIL FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS Do PRoGRAMA FEDERAL

BoLSA FAMÍLIA RESIDENTES NA CIDADE Do RJ, QuE vIvEM ATuALMENTE CoM MENoS DE R$ 108 PoR MêS PoR PESSoA.

oS vALoRES A SEREM RECEBIDoS vARIAM DE ACoRDo CoM A RENDA PER CAPITA E o NúMERo DE BENEFICIÁRIoS PoR

DoMICÍLIo. PARA RECEBER o CoMPLEMENTo, é ExIGIDo DAS FAMÍLIAS QuE CADA CRIANçA EM IDADE ESCoLAR MANTENHA

FREQuêNCIA MÍNIMA DE 90% NAS AuLAS, ALéM DA PARTICIPAção DE PELo MENoS uM DoS RESPoNSÁvEIS NAS

REuNIõES BIMESTRAIS DA ESCoLA. oS ALuNoS QuE MELHoRAREM SEu DESEMPENHo ESCoLAR Ao LoNGo Do BIMESTRE

RECEBERão uM BôNuS DE R$50 (ATé R$ 200 PoR ANo). o PRoGRAMA RENDA MELHoR é PARTE INTEGRANTE Do PLANo

DE ERRADICAção DA PoBREzA ExTREMA No ESTADo Do RIo DE JANEIRo E TEM CoMo oBJETIvo ASSISTIR CoM BENEFÍCIo

FINANCEIRo AS FAMÍLIAS QuE vIvEM CoM MENoS DE R$ 100 PER CAPITA PoR MêS. o AuxÍLIo vARIA DE R$30 A R$300, DE

ACoRDo CoM A RENDA E AS CARACTERÍSTICAS DE CADA FAMÍLIA E ESTÁ SENDo IMPLANTADo EM vÁRIoS MuNICÍPIoS Do

ESTADo Do RIo DE JANEIRo.

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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Contudo, é exatamente em razão do reconhecimento da sustentabilidade dos pro-

gramas de transferência condicionada de renda entre nós que o debate sobre a

cidadania não pode ser secundarizado, senão recolocado, como sempre o foi, no

centro do debate da política social. os termos desse debate devem passar ne-

cessariamente pelo dimensionamento da capacidade política e social que o PBF

vem alcançando para contribuir na dinâmica de inserção da população pobre no

circuito de produção, de serviços sociais e nos processos de sociabilidade e deci-

são política.

Do ponto da vista da inserção nos serviços sociais, há vários desafios que passam

tanto pela sabida desigualdade de acesso e de atendimento às necessidades de

saúde da população no SuS, quanto pela complexidade da gestão intersetorial das

condicionalidades previstas no desenho do Programa Bolsa Família.

o iníquo sistema distributivo da atenção em saúde no país está confirmado no re-

cente relatório da Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS)

intitulado “As causas das iniqüidades sociais em saúde no Brasil”. Este documento

reitera o que muitos outros estudos já demonstraram, ou seja, a distribuição das

ações em saúde conflita com os princípios constitutivos do SuS. Nesta linha, Tra-

vassos, oliveira e viaca (2006) afirmam que:

“Notou-se que o local de residência afeta o acesso, que melhora com o grau de desenvolvimento socioeconômico da região. os residentes na região Sudeste e Sul tiveram maior acesso do que os residentes nas outras regiões, com exceção da região norte. No entanto, contrariamente à diminuição das desigualdades sociais no acesso, as desigualdades geográficas pioraram no período do estudo. o diferencial no acesso entre os residentes das regiões Norte e Nordeste e os residentes das regiões Sudeste e Sul aumentou, isto é, a melhora observada no acesso foi maior nas regiões mais desenvolvidas “.(p. 983-984)

De igual modo, sabe-se que no Brasil a mortalidade infantil está diretamente rela-

cionada ao acesso ao emprego, à renda das famílias, ao local de moradia, ao nível

de escolaridade da mãe, isto é, à situação social da família (BuSS, 2007). Assim,

não se pode desconsiderar que a política universal de saúde - o SuS -, tal como

implementada hoje, expõe a parcela mais pobre da população às situações de

discriminação e desvantagem no acesso aos serviços (FLEuRY, 2007).

Apesar de estar em curso um processo de expansão da atenção via implantação

de unidades do PSF nas áreas mais vulneráveis do município, a introdução de no-

vas formas de gestão, ditas inovadoras e racionalizadoras, como as organizações

Sociais, vem levantando questionamentos entre os profissionais de saúde. os en-

trevistados nesta pesquisa afirmam que um dos pontos tido como negativo diz

respeito à principal forma de contratação dos profissionais para comporem a Es-

tratégia de Saúde da Família. Isto é, parte destes profissionais tem sido contratada

pelas organizações Sociais que, apesar de garantir os direitos trabalhistas, não

garante a fixação do profissional (e, por vezes, seu comprometimento), fato que

pode interferir na qualidade da assistência prestada.

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27

Com efeito, as atuais mudanças na relação público-privado no campo da saúde no

estado (e especialmente no município do Rio de Janeiro), marcada pela terceiriza-

ção da gestão e forte empresariamento do setor, situação na qual chama atenção

a precarização dos contratos de trabalho e aniquilamento da carreira do servidor

público, desafiam a crença dos defensores do SuS de que o projeto de um sistema

universal de saúde não esteja sendo desconstruído entre nós.

Ao resgatar o debate acerca do PBF e a acessibilidade aos serviços de saúde, os

argumentos acima atestam que a inserção (de qualidade, com adesão aos progra-

mas) das famílias pobres no SuS depende de inúmeras outras variáveis para além

da eficiência e potencialidade esperada com a operacionalização dos programas

de transferência condicionada de renda.

No entanto, apesar de os problemas estruturais do SuS serem determinantes para

as condições de acesso da população pobre aos serviços e afetarem a qualidade

da atenção ofertada, não se pode deixar de reconhecer a importância da capacita-

ção técnica e política dos profissionais de saúde para executar os diversos progra-

mas sociais no âmbito do setor saúde.

Reconhece-se, assim, que o modo de organização dos serviços e a forma como

as unidades básicas de saúde definem seu processo de trabalho e sua linha de

cuidado é também crucial na discussão sobre o poder de utilização dos serviços

de saúde por parte dos usuários. Com isto, se quer sublinhar que a capacidade

técnica e política dos serviços sociais é elemento fundamental na facilitação da

integração dos beneficiários do Programa Bolsa Família aos serviços públicos de

saúde. Sendo assim, uma vez exigidas condicionalidades é preciso traçar meca-

nismos consistentes de acompanhamento social das famílias beneficiárias, tendo

em vista a necessidade de reverter tal exigência em oportunidade de inserção no

circuito de acesso à cidadania.

A implementação de programas de transferência de renda com condicionalidade

exige investimentos institucionais, políticos, assim como a organização de processos

de gestão intersetorial que, por sua vez, requer uma dada capacidade de diálogo

nada trivial na trajetória de constituição de nosso sistema de proteção social. Para

instituir em nível nacional a gestão das condicionalidades, a coordenação do PBF no

âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social vem, desde 2005, regulamentando

as atribuições dos entes federados, das famílias beneficiárias, assim como definindo

as ações de acompanhamento e monitoramento a serem desenvolvidas.

A cobrança de condicionalidades já está prevista desde a lei de criação do PBF (Lei n.°

10.836, de 09 de janeiro de 2004), mas a normalização da gestão das condicionalidades

está traduzida, basicamente, em duas Portarias – uma de 2005 e outra de 2008 – as

quais demarcam momentos diferentes do itinerário de implementação do Bolsa Família.

Em novembro de 2005, o MDS publica a Portaria N.° 551 que regula a gestão e

controle das condicionalidades, estabelecendo principalmente as sanções aplicá-

veis às famílias que não cumprirem as contrapartidas do Programa. A observação

atenta da conjuntura autoriza cogitar que uma das razões que motivou a publica-

ção dessa Portaria foi a massiva divulgação, pela mídia, de inúmeras críticas ao

PBF, notadamente a falta de controle do cumprimento das condicionalidades.

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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Em 2008 é publicada uma nova Portaria (GM/MDS N.° 321/2008) com o mesmo

objetivo, revogando a anterior, de 2005. Na apresentação desta Portaria, já perce-

bemos mudanças significativas no intuito de rever a perspectiva punitiva atribuída

às condicionalidades e fortalecer uma concepção mais educativa. Nos parágrafos

de introdução da Portaria é dada uma nova conotação às condicionalidades, não

sendo essas destacadas somente como contrapartida da família para recebimen-

to do benefício. De fato, há na Portaria N.° 321/2008 uma flexibilização da idéia

de co-responsabilidade das famílias, visto, claro, a patente fragilidade e falta de

efetividade de nosso sistema de proteção social. Embora mantenha o sistema de

sanção progressiva, as condicionalidades são, nesta legislação de 2008, enfatica-

mente apresentadas como possibilidades de:

“(...) Reforçar o direito de acesso das famílias às políticas de saúde, educação e assistência social, promovendo a melhoria das condições de vida da população beneficiária, assim como levar o Poder Público a assegurar a oferta desses serviços “.(BRASIL, 2005).

Ademais, nesta norma está sinalizada a importância de identificação das vulne-

rabilidades sociais que afetam ou impedem o acesso das famílias aos serviços a

que têm direito. ou seja, é reconhecido que essas famílias possuem direitos pre-

viamente garantidos, aos quais elas têm dificuldade de acessar, sendo dever do

poder público identificar os motivos que interferem nesse acesso, acompanhando

essas famílias de forma que as dificuldades de acesso sejam superadas.

RESuLTAdo

o Programa Bolsa Família foi implantado no município do Rio de Janeiro em 2004

estando, desde o início, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Assistência

Social (SMAS). A gestão intersetorial apresenta-se ainda pouco estruturada haven-

do indefinição em termos de canais institucionais para o diálogo. A interface entre

a assistência social e a saúde vem ocorrendo, principalmente, por meio de um

profissional da SMAS que tem a delegação de acompanhar o PBF junto à Secretaria

Municipal de Saúde (SMS).

é sabido que a implantação de qualquer programa social descentralizado depen-

de, dentre outras coisas, de como se dá o processo de formulação, principalmente

no que se refere ao grau de participação da cadeia de atores interessados e das

estratégias de operacionalização adotadas.

Assim como em outros municípios7, também no caso do desenvolvimento do PBF no

setor saúde do Rio de Janeiro, todos os atores entrevistados afirmam que tiveram

que iniciar a implementação de um programa sobre o qual não conheciam quase

nada, situação emblemática da dificuldade inicial de concertação intergovernamen-

tal em torno de um programa que o governo federal teve (e tem) como prioritário e,

7 ESTuDo DE CASo Do MuNICÍPIo DE NITERóI – RJ REALIzADo PoR MoNNERAT (2009) DETECTA oS MESMoS

RESuLTADoS PARA o CASo Do RIo DE JANEIRo.

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por isso, impôs urgência em sua execução8. é certo que a impressionante velocidade

de implementação do Bolsa Família adicionou outros dilemas à já complexa opera-

cionalização descentralizada de programas e políticas sociais no país.

“Assim, apesar de o Programa prever em seu desenho a gestão intersetorial, parte dos gestores e profissionais da SMS desconhece a forma como ocorreu a implantação do PBF no município ou se refere a este momento de forma impressionista, mostrando dificuldade para reconstituir tal processo”.

Neste estudo chama atenção a persistência do elevado grau de desconhecimento

dos profissionais sobre o Programa, o que, em parte, pode ser explicado em razão

do lugar institucional ocupado pelo PBF na SMS. Isto é, atualmente o profissional

que coordena o Programa Bolsa Família no âmbito desta secretaria compõe a equi-

pe da Coordenação de Saúde da Família, uma das cinco coordenações da Supe-

rintendência de Atenção Primária. Cabe ressaltar que esse profissional não possui

formalmente o cargo de coordenador do PBF na saúde, apenas assume essa fun-

ção, dentre outras, não possuindo uma equipe específica para realizar tal função.

“Na verdade eu não tenho cargo assim, eu não sou coordenadora do Bolsa Família no município porque não existe esse cargo no município. Eu sou responsável por fazer o acompanhamento (das condicionalidades). Eu não tenho equipe do Bolsa Família...é a equipe da coordenação da saúde da família, porque eu estou dentro da coordenação.” (Entrevista 1 - Gestor Saúde).

Tal situação indica a pouca prioridade dada ao programa pela gestão municipal.

Se, por um lado, o profissional responsável pelo PBF na saúde encontra-se lotado

na Coordenação de Saúde da Família, por outro, o acompanhamento das condi-

cionalidades não ocorre apenas em unidades de Saúde da Família. Ao contrário, a

maioria das unidades Básicas do município ainda é do tipo tradicional, e estão sob

outra gerência, a Coordenação de Policlínicas. Essa situação é bastante complexa,

pois tende a comprometer a gestão do Programa e, consequentemente, o acompa-

nhamento das condicionalidades.

é importante ressaltar que nas coordenadorias de saúde em cada Área Programá-

tica do RJ, há definição de um profissional responsável pelo acompanhamento

das condicionalidades da saúde. Mas, assim como no nível central, este cargo não

está formalizado e tampouco há estrutura administrativa e de recursos humanos

para tal. Deste modo, o responsável pelo PBF assume inúmeras outras funções,

além da coordenação do Programa, o que é visto de forma bastante negativa pelos

profissionais responsáveis, pois a coordenação do PBF demanda muito tempo e

a falta de dedicação exclusiva ao Programa vem fragilizando a operacionalização

das ações que devem ser realizadas.

8 Não é à ToA QuE, EM 2006, APóS ExAToS TRêS ANoS E TRêS MESES DE FuNCIoNAMENTo, o PBF JÁ HAvIA

ATINGIDo A SuA META, QuAL SEJA: A DE ATENDER 11 MILHõES DE FAMÍLIAS. EM ouTuBRo DE 2011, o NúMERo ToTAL DE

FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS JÁ ESTAvA EM ToRNo DE 13.171.810.

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Este cenário ajuda a compreender a debilidade do processo de implementação

do Bolsa Família na cidade, assim como a persistência da insuficiência de infor-

mação para conduzir o acompanhamento das famílias beneficiárias e a agenda de

compromissos prevista no Programa. A ausência de formulação de uma política de

capacitação continuada é um dos reflexos da especificidade da gestão do PBF no

nível local.

Para os entrevistados, os encontros realizados desde a implantação do Programa

têm por objetivo a discussão dos dados de cobertura das condicionalidades da

saúde em cada vigência e a cobrança no acompanhamento das famílias beneficiá-

rias, não tendo a perspectiva de capacitação propriamente dita.

“A gente nunca foi treinado. Costuma ter uma reunião pra falar sobre a estatística, sobre as metas, mas esse ano ainda nem teve. E aí, nessas reuniões, é sempre pinçada alguma coisa”. (Entrevista 8 - Profissional de Saúde uBS)

A insuficiência de capacitação para implementar o Bolsa Família é apontada pe-

los entrevistados como um dos nós críticos do Programa. Durante o trabalho de

campo, e mesmo nas entrevistas, verificaram-se várias demandas por informação,

assim como diversos questionamentos sobre a concepção e a logística de fun-

cionamento do PBF. os poucos entrevistados que afirmaram ter algum grau de

informação sobre o Programa, sinalizaram que este acesso ocorreu por iniciativa

própria.

os resultados da pesquisa mostram que as equipes envolvidas9 com as condicio-

nalidades do PBF nos Centros Municipais de Saúde e nas unidades da Estratégia

Saúde da Família (ESF) são diferentes, em razão do próprio modelo assistencial

que caracteriza cada tipo de unidade. Segundo os gestores da saúde, há predomi-

nância nas unidades básicas ‘tradicionais’ do assistente social como profissional

de referência para o acompanhamento das condicionalidades, muito embora essa

responsabilidade seja compartilhada com outros profissionais – nutricionistas e

enfermeiros. No caso das unidades de Saúde da Família, a responsabilidade fica a

cargo da equipe de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares) e dos agentes

comunitários de saúde.

9

unidade de Saúde Profissionais envolvidos na implementação

unidade Básica de Saúde 1 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem (e PACS ) captação)

unidade Básica de Saúde 2 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

unidade Básica de saúde 3 Serviço Social, Nutrição e Enfermagem

Estratégia de Saúde da Família 1 Enfermagem (enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 2 Enfermagem (técnicos) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 3 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

Estratégia de Saúde da Família 4 Enfermagem (técnicos e enfermeiros) e ACS

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uma questão recorrentemente assinalada nas entrevistas é a visão entre os pro-

fissionais de saúde de que a ação junto aos beneficiários do PBF é atribuição uni-

camente do assistente social da unidade. Neste sentido, alguns entrevistados, em

especial gestores e os próprios assistentes sociais, apontam a necessidade de in-

tervir sobre esta concepção:

“Isso foi uma coisa que a gente suou pra acabar. Porque pra qualquer unidade de saúde o dono do Bolsa Família era o assistente social, né? Só que, é o que eu explico pra eles, eu não sou assistente social, mas desde que começou eu estou. Por quê? Porque são condicionalidades da saúde. Não é condicionalidades do assistente social. é da saúde. Então, são pessoas da saúde que vão olhar aquela família e cuidar daquela família. E, por um acaso, aquela família faz parte do Bolsa Família. Certo? Então, a explicação que foi sempre dada a eles foi essa”. (Entrevista 2 – Gestor Saúde)

Interessante notar que o Sistema único de Saúde (SuS) passa a requisitar que os

assistentes sociais assumam a função de agente executor das condicionalidades

do Bolsa Família numa possível alusão à compreensão de que as ações deste Pro-

grama ‘fogem’ ao objeto específico da saúde. Tal questão é evidência inequívoca

de que a concepção ampliada de saúde e o desenvolvimento de práticas baseadas

na integralidade ainda são dilemas cruciais para a política de saúde.

Na esteira desta trajetória, parece, então, que a implantação do Bolsa Família pro-

piciou resistências e estranhamentos que podem estar relacionados, dentre outras

coisas, ao fato de o setor saúde ter que desenvolver um programa que, embora

tenha desenho intersetorial, não vem do Ministério da Saúde ou das correspon-

dentes secretarias estaduais e municipais. Ademais, pode-se cotejar a hipótese

de que a utilização de critérios sociais e não de saúde (ou doença?) estrito senso

para a seleção do público do PBF é algo que de alguma forma contribui para a

conformação da centralidade do assistente social na equipe de acompanhamento

das famílias beneficiárias do PBF na saúde.

De modo geral, os gestores dos Centros Municipais de Saúde do R.J, onde o profis-

sional de Serviço Social ocupa lugar central na operacionalização do PBF, mostram

forte preocupação com a possibilidade de perda ou diminuição do número de pro-

fissionais do quadro funcional das unidades de saúde, sejam por aposentadorias,

licenças de diversas naturezas ou o retorno dos assistentes sociais para a Secreta-

ria Municipal de Assistência Social (SMAS), órgão de lotação destes profissionais.

Sobre este ponto, cabe ressaltar que em 2001 foi criado o Sistema Municipal de

Assistência Social (SIMAS) que se caracteriza por um conjunto integrado e descen-

tralizado de todas as ações e programas no âmbito da assistência social. A lei nº

3.343 de 28 de setembro de 2001 subordina ao SIMAS os mecanismos de lotação

de pessoal e a realização de concursos para os assistentes sociais e demais agen-

tes do sistema e de servidores de apoio.

Durante a pesquisa foi possível observar o exacerbamento desta preocupação no

momento em que o secretário de assistência social do município (SMAS) informou

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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sua decisão de suspender a cessão deste grupo profissional para a Secretaria Mu-

nicipal de Saúde (SMS), alegando, com base no incremento das ações do Sistema

único de Assistência Social, a necessidade de retorno dos assistentes sociais à sua

secretaria de origem.

o depoimento que segue é taxativo quanto à centralidade do serviço social na

implementação do PBF:

“(...) Como eu estou pedindo para as unidades mandarem um responsável pelo Bolsa Família, se essa assistente social sair o diretor vai ter que indicar outra pessoa, né? Só que vai ser um problema, né? é um problema que a gente vai ter pela frente porque nessas pessoas se centraliza todas as ações do Bolsa Família na unidade”. (Entrevista 1 – Gestor Saúde)

No que concerne à organização dos serviços de saúde para o atendimento das

condicionalidades, é relevante analisar em que medida esta atribuição modifica

o fluxo de atendimento nas unidades. Nota-se que a maior mudança na rotina de

atendimento é percebida nas unidades tradicionais que, em função do modelo

assistencial, apresenta maior dificuldade de vínculo com os usuários do sistema.

o município do Rio de Janeiro apresenta baixo índice de cobertura de acompanha-

mento das condicionalidades da saúde, o que, na opinião dos entrevistados, está

relacionada à dificuldade de captação das famílias beneficiárias, principalmente

nas unidades de saúde do tipo ‘tradicional’.

Semestralmente as unidades de saúde recebem da Coordenadoria de Área Progra-

mática uma listagem com as famílias vinculadas e que deverão ser acompanhadas

a cada vigência do Programa. Embora os profissionais tenham acesso aos dados

das famílias perfil saúde, nessas unidades não há estrutura10 para realizarem busca

ativa, prevalecendo assim o acompanhamento das famílias que comparecem por

iniciativa própria ou espontaneamente à unidade de saúde. A fim de mudar tal

situação os profissionais vêm utilizando, ainda de modo incipiente, algumas estra-

tégias de captação, tais como: visitas às comunidades, aerogramas11, contato com

a associação de moradores e contatos telefônicos.

Como vimos, nos Centros Municipais de Saúde, apesar de haver envolvimento de

assistentes sociais, nutricionistas e enfermeiros, o trabalho realizado não pode ser

caracterizado como multidisciplinar. Em geral, o assistente social acolhe e absorve

as demandas sociais, o nutricionista verifica o estado nutricional e a enfermagem o

acompanhamento da situação vacinal. Nessas unidades percebe-se uma preocupa-

ção em absorver outras demandas apresentadas pelas famílias, mas, nem sempre

tal preocupação é materializada em termos do cuidado ampliado em saúde. Parado-

xalmente, essa perspectiva de atenção integral não aparece com a mesma força nos

10 DISPoNIBILIDADE DE TEMPo, LIBERAção DA uNIDADE, CARRo, ACESSo àS CoMuNIDADES, ETC.

11 vALE DIzER QuE AS uNIDADES Não TêM uSADo ExTENSIvAMENTE A CoNvoCAção PoR AERoGRAMA

PoR SER, DE ACoRDo CoM uM GESToR Do PBF NA SAúDE, DE ALTo CuSTo PARA o MuNICÍPIo. EMBoRA CoNSIDERADo

uM PoNTo CoNFLITuoSo No PRoCESSo DE CoNCERTAção INTERSEToRIAL Do PBF, uM DoS GESToRES APoNTA A

PoSSIBILIDADE DE uSAR PARTE DoS RECuRSoS Do IGD PARA A CoMPRA DE AERoGRAMA. ENTRETANTo, No MoMENTo DA

PESQuISA, A AuSêNCIA DE REuNIõES Do CoMITê INTERGESToR DIFICuLTAvA o ENCAMINHAMENTo DA REFERIDA QuESTão.

Page 31: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

33

depoimentos dos profissionais das equipes de Saúde da Família, o que talvez possa

ser justificado pela fraca tradição e especificidades deste programa no município.

Assim, para efetivar o acompanhamento das condicionalidades, as unidades bá-

sicas ‘tradicionais’ estabeleceram fluxos específicos para atender as famílias be-

neficiárias. Apesar de não haver uniformidade no modo de funcionamento desses

fluxos e tampouco discussão coletiva sobre o assunto, todas as unidades reali-

zam agendamento prévio das famílias para o acompanhamento. Nessa direção, os

profissionais afirmam que o programa impactou na rotina da unidade de saúde,

uma vez que os técnicos envolvidos tiveram que dispor de parte de suas agendas

para o PBF. De acordo com os entrevistados, o acesso dessas famílias às unidades

gerou aumento de demanda por serviços no interior da própria unidade, devido

aos encaminhamentos feitos pelos profissionais envolvidos com o programa. Por

exemplo, em uma das unidades, houve aumento significativo para os grupos de

educação em saúde em funcionamento (gestante, adolescentes, tabagismo, obe-

sidade, entre outros).

Nas unidades de Saúde da Família verifica-se uma outra forma de organização

do serviço para atender as demandas do PBF. Nestas unidades a captação dos

beneficiários do PBF fica sempre a cargo dos agentes comunitários de saúde.

Antes de realizarem visita domiciliar para captação das famílias, esses profissio-

nais verificam a listagem enviada pela CAP, pois, como assinalado pelos entre-

vistados, geralmente este documento apresenta muitos erros, como: endereço

errado, incompleto ou desatualizado; famílias que não mais residem ou nunca

residiram no território; e outros erros de registro que, em muitos casos, revelam

falhas no cadastramento.

Apesar da possibilidade de realização da busca ativa através dos ACS, os profis-

sionais entrevistados das unidades de Saúde da Família afirmam que ainda assim

possuem algumas dificuldades para captarem essas famílias. A principal delas está

relacionada ao fato de que algumas famílias apresentam resistência para ir à uni-

dade de saúde, sendo vários os motivos elencados por eles: desconhecimento dos

beneficiários acerca das condicionalidades da saúde; dificuldade de compreensão

do papel da saúde; despreocupação devido à “falha” no sistema de repercussão

em caso de descumprimento das condicionalidades da saúde; incompatibilidade

de horário por conta do trabalho; entre outros.

“A gente fica cobrando ali o ano inteiro “oh, o Bolsa Família!”, “oh, o Bolsa Família!”, “oh, o Bolsa Família!” pra poder vir pesar. E muitas vezes têm pessoas que não vêm mesmo. você avisa cinco vezes e eles não vêm pesar! ” (Entrevista 17 - Profissional de Saúde ESF)

“Nós aqui temos um trabalho imenso pra convencê-las que quando a gente marca a consulta pro acompanhamento do Bolsa Família, que elas têm que vir, e que não é uma obrigação da saúde tá indo fazer com que elas venham regularmente na consulta”. (Entrevista 21 – Profissional de Saúde ESF)

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Acredita-se que parte das famílias beneficiárias acesse com frequência as unida-

des de saúde, porém a forma como o processo de trabalho está organizado não

permite que se aproveite tal oportunidade para captar e acompanhar as condi-

cionalidades e proceder ao registro de dados. Acompanhando este raciocínio, é

de notar que um dos entrevistados tece severas críticas à atuação de médicos e

dentistas das equipes de Saúde da Família pelo fato de que esses profissionais

não se envolvem com o PBF, indo de encontro ao que está preconizado no SuS.

“Quase nunca o médico, o dentista se apoderam disso, mesmo nesse modelo de PSF”. (Entrevista 19 – profissional de Saúde ESF)

Nos depoimentos seguintes é recorrente a afirmação de que as famílias não com-

parecem à unidade de saúde devido à falta de punição. Neste caso, existiriam fa-

lhas no sistema de repercussões das condicionalidades do PBF, sendo as sanções

efetivamente aplicadas apenas nos casos de descumprimento das condicionalida-

des da educação. Essa situação demonstra, dentre outras coisas, o quanto o cará-

ter punitivo previsto na legislação encontra receptividade junto aos profissionais,

ao passo que revela a dificuldade de compreender a transferência de renda como

um direito de cidadania.

“Eu acho que deveria ser assim na saúde porque os agentes de saúde ficam atrás desse povo, resgatando uma vez a cada seis meses a família para poder estar acompanhando. Não são todos, mas alguns são resistentes. Eu já ouvi: ah, não corta, não foi cortado, eu não vou. Por isso que eu acho que tinha que ser obrigatório. obrigatório é, mas penalizado”. (Entrevista 22 – Profissional de Saúde ESF)

Nesta mesma linha de entendimento, registra-se que parte significativa dos pro-

fissionais corresponsabiliza a família pela dificuldade de captação para o aten-

dimento da agenda de compromissos. Aqui, prevalece a concepção de que esta

dificuldade é externa ao setor saúde, condição que inviabiliza a reflexão sobre o

impacto da qualidade da atenção sobre os índices de cobertura das condicionali-

dades da saúde no município.

No entanto, esta não é uma concepção homogênea dado que se verifica outro tipo

de visão, então vejamos:

“o desafio é conscientizar as pessoas a virem não porque bloqueia, mas para cuidar de si e da sua família. Eu vou fazer um acompanhamento da minha saúde, embora eu não esteja sentido nada. Eu acho que isso também é aos poucos e esse é o principal objetivo da Estratégia de Saúde da Família, eu acho”. (Entrevista 22 – Profissional de Saúde ESF)

Nas unidades de saúde da família, ao contrário das unidades tradicionais, predo-

mina o atendimento sem agendamento anterior, podendo a família beneficiária

comparecer à unidade de saúde em qualquer horário para acompanhamento. Si-

tuação que é facilitada pela proximidade geográfica entre unidade de saúde e

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35

famílias. Contudo, a atenção dispensada às famílias neste acompanhamento está

focada em ações elementares no campo da saúde pública, além de se restringir

àquelas que são solicitadas para efeito de alimentação do sistema de informação

de gestão das condicionalidades.

Quando indagados sobre quais ações são desenvolvidas para acompanhamento

das condicionalidades, os entrevistados fazem referência ao monitoramento do

calendário vacinal e, sobretudo, da aferição de peso e altura de crianças e ges-

tantes. Entretanto, a maioria dos profissionais não menciona a utilização desses

dados para a avaliação efetiva do estado nutricional. Em geral, os entrevistados

não sabem informar dados sobre a situação de saúde das famílias beneficiárias

atendidas

“A pessoa do INAD tem que me dizer que a aquela criança está desnutrida. Quem deveria ver isso é aquele profissional que está fazendo aquele tipo de procedimento. é esse tipo de coisa que a gente encontra ainda. os profissionais têm que entender que não é uma ação de pesar e medir e ver se o cartão de vacina está em dia. Não é isso, é a gente ver qual é o risco que aquela família tem, e se o cartão de vacina não está em dia o que isso gera para aquela família. Não é só a perda daquele beneficio que a gente tem que pensar, tem que pensar que se aquela criança está acima do peso ou abaixo do peso o que acontece com essa família? Em que eu vou intervir para que eu possa solucionar esse problema? ” (Entrevista 1 – Gestor Saúde)

Apesar de prevalecer nas equipes de saúde da família um tipo de atendimento

das condicionalidades pautada nas ações elementares de saúde pública, alguns

profissionais afirmam dispensar maior atenção a essas famílias na perspectiva de

captar outras demandas de saúde.

“o técnico ele vai pesar, vai verificar PA, vai fazer medição e o enfermeiro vai colocar na planilha, vai calcular o IMC, vai orientar, vai ver no prontuário, se é puericultura, se está acompanhando; a quanto tempo essa mulher é hipertensa, se não vem fazer o acompanhamento. olha tudo, toda a condicionalidade da saúde, no geral”. (Entrevista 20 – Profissional de Saúde ESF)

Diferentemente das unidades ‘tradicionais’, as requisições do PBF não exigiram

grandes alterações na rotina de atendimento das unidades de Saúde da Família.

Segundo os profissionais, essas famílias já são cadastradas e, ademais, a visita

domiciliar faz parte das atividades cotidianas desse modelo assistencial. Todavia,

parece que tais fatores não têm efetivamente impactado as taxas de cobertura

de acompanhamento.12 A compreensão deste fato requer maior aprofundamento,

12 CABE RESSALTAR QuE Não FoI PoSSÍvEL TER ACESSo AoS DADoS CoNSoLIDADoS DE CoBERTuRA

DISCRIMINADoS PoR uNIDADE, DIFICuLTANDo ASSIM o DIMENSIoNAMENTo ENTRE oS DIFERENTES MoDELoS

ASSISTENCIAIS.

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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cabendo lembrar que a implementação da Estratégia de Saúde da Família no mu-

nicípio é recente, pouco consolidada e vem passando por mudanças substantivas

em termos quantitativos e qualitativos.13

CoNSIdERAçÕES FINAIS

A pesquisa realizada não deixa dúvida quanto aos desafios experimentados pelas

unidades de saúde para atender as requisições do PBF. Ao contrário do que se

esperava, a Estratégia Saúde da Família - que trabalha com famílias cadastradas e

acompanhadas por equipes específicas - também apresenta importante grau de

dificuldade, se comparada aos Centros de Saúde, para incluir as famílias do Bolsa

Família na rotina de atendimento. De fato, esta não é uma tarefa fácil e tampouco

funciona como previsto na formulação do Programa.

Destaca-se que após nove anos de implementação do Programa, o município do

Rio de Janeiro ainda não estruturou o lugar institucional do Bolsa Família no âm-

bito da Secretaria Municipal de Saúde. A gestão do PBF apresenta fragilidade que

pode ser demonstrada, por exemplo, na inexistência de uma equipe de coordena-

ção em nível central da administração municipal na área da saúde.

Nas unidades de saúde ‘tradicionais’ os profissionais que implementam o PBF são

os assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, enquanto na Estratégia Saúde

da Família estão envolvidos os enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes

comunitários de saúde. Importante ressaltar a prevalência do assistente social

como principal profissional responsável pelo Programa nas unidades ‘tradicionais’.

A situação de dependência do PBF com relação ao serviço social traz fortes preo-

cupações em razão de que os assistentes sociais envolvidos hoje com a execução

do Bolsa Família não pertencem ao quadro funcional da Secretaria Municipal de

Saúde, havendo assim uma situação conflituosa no que se refere à gestão do tra-

balho deste profissional com conseqüências no desenvolvimento do PBF. Sobre

este ponto, é forçoso reconhecer que o PBF é visto como um programa externo ao

setor saúde, configurando aqui uma espécie de negação de seu desenho interse-

torial, bem como do conceito ampliado de saúde tão caro ao projeto de reforma

sanitária brasileiro. De igual modo, a característica da composição da equipe ques-

tiona o modelo de assistência em curso se for considerado que a atenção integral

requer que abordagem interdisciplinar para intervir sobre a situação de saúde e

de vulnerabilidade social das famílias beneficiárias.

13 HÁ No MoMENTo uM PRIvILEGIAMENTo DA ExPANSão DA ATENção BÁSICA, vIA CLÍNICAS DE FAMÍLIA,

oNDE A CoNTRATAção DoS PRoFISSIoNAIS TEM oCoRRIDo ATRAvéS DE oRGANIzAçõES SoCIAIS, QuE ASSuMEM A

GESTão DAS uNIDADES E DoS RECuRSoS HuMANoS. ESTE FATo TEM SIDo ALvo DE FoRTES PoLêMICAS No CENÁRIo

LoCAL. ENTRETANTo, A ExPANSão DA ESTRATéGIA DE SAúDE DA FAMÍLIA EM ÁREAS DE MAIoR vuLNERABILIDADE SoCIAL,

PoDE, DEPENDENDo DA QuALIDADE DA ATENção oFERTADA, FAvoRECER o INCREMENTo Do ACoMPANHAMENTo DAS

CoNDICIoNALIDADES DA SAúDE.

Page 35: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

37

Em relação à existência de cursos e reuniões de capacitação dos profissionais para

operacionalizar as condicionalidades de saúde do Bolsa Família, vê-se que não

existe um esforço permanente nesta direção por parte da SMS e SMAS. o grau de

desinformação é bastante preocupante, o que é injustificável dado o tempo de

operacionalização do Programa. Esta situação impõe restrições à compreensão do

Programa, em especial pelos profissionais atuantes na Estratégia Saúde da Família,

notadamente os agentes comunitários de saúde.

No município não há um fluxo pré-estabelecido pelos gestores para o acompanha-

mento das famílias beneficiárias do PBF. Assim, cada unidade de saúde tem auto-

nomia para determinar a forma de realizar esse cuidado em saúde. As unidades

de saúde têm buscado estratégias diferenciadas para captação e atendimento das

famílias beneficiárias conforme a concepção prevalecente sobre o Programa e as

condições institucionais existentes.

Quanto às ações desenvolvidas pelas equipes da Estratégia Saúde da Família junto

aos beneficiários, os profissionais destacam as ações mais elementares no campo

da saúde pública, destoando em muito do que se espera da atenção no âmbito do

modelo assistencial preconizado pelo Saúde da Família. observa-se que há um

vazio em termos de referência ao desenvolvimento de ações que se aproximem da

perspectiva da educação em saúde e da concepção ampliada de saúde.

Interessante salientar que enquanto nas unidades ‘tradicionais’ o Programa é

predominantemente concebido como meio de inserção das famílias no cuidado

à saúde, na ESF, paradoxalmente, se destaca a visão do beneficiário como acomo-

dado e o programa como assistencialista. Entretanto, nas unidades ‘tradicionais’,

ao contrário da Estratégia Saúde da Família, o acesso às famílias é dificultado pelo

próprio modelo de atuação da unidade, onde as visitas domiciliares não fazem

parte da rotina institucional.

o fato é que o cumprimento das condicionalidades da saúde permanece aquém

do desejável, apesar dos esforços e estratégias adotadas pelos gestores e profis-

sionais nas diferentes unidades de saúde. Contraditoriamente, o tipo de atenção

prestada aos beneficiários do PBF na área pesquisada, sabidamente a parcela mais

vulnerável da população, oscila entre a burocratização e a intenção de ampliar o

acesso garantindo o cuidado integral em saúde. os baixos índices de cobertura do

acompanhamento das condicionalidades do PBF no setor saúde, indicam, dentre

outras coisas, a dificuldade, notadamente nos grandes centros urbanos como o

Rio de Janeiro, de o Sistema único de Saúde compreender o Bolsa Família como

um Programa intersetorial; ao passo que também sinaliza as debilidades de imple-

mentação do Sistema único de Assistência Social.

PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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______. ministério do desenvolvimento social e combate à Fome. Portaria GM/Mds nº 551, de 09 de novembro de 2005 - Regulamenta a gestão das condicionalidades do programa bolsa Família. brasília: mds, 2005.

______. ministério do desenvolvimento social e combate à Fome. Portaria GM/Mds nº 321, de 29 de setembro de 2008 - Regulamenta a gestão das condicionalidades do programa bolsa Família, revoga a portaria Gm/mds nº 551, de 9 de novembro de 2005, e dá outras providências. brasília: mds, 2008.

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Page 37: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

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PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA E o SISTEMA úNICo DE SÁuDE: DESAFIoS DA IMPLEMENTAção DAS CoNDICIoNALIDADES EM uM MuNICÍPIo DE GRANDE PoRTE

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condicionalidades e monitoRamento: desaFios à Gestão do pRoGRama bolsa Família em mUnicípios paRaibanos

Rogério de Souza Medeiros - universidade Federal da Paraíba

Nínive Fonseca Machado - universidade Federal da Paraíba

Page 39: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

41

INTRodução

Este artigo busca apresentar os resultados obtidos a partir do projeto de pesquisa

“Transferência de Renda e Monitoramento: Mudanças no papel do gestor munici-

pal no acompanhamento das famílias em situação de descumprimento de condi-

cionalidades do Programa Bolsa Família no estado da Paraíba”, realizado em sete)

municípios paraibanos e financiado no âmbito do Edital MCT/MDS-SAGI/CNPq nº

36/2010.

A pesquisa buscou analisar as estratégias desenvolvidas por gestores municipais

para o acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das con-

dicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF) no estado da Paraíba a partir do

levantamento de dados em sete municípios. Para tanto, foi necessário: i) Analisar

criticamente o processo de construção do Programa, seus pressupostos e suas

diretrizes, no nível federal; ii) A partir do conhecimento de suas diretrizes estru-

turadoras, avaliar o desenvolvimento de arranjos locais para a implementação e

coordenação das ações do Programa; iii) Identificar e traçar um perfil dos agentes

e/ou órgãos que, no nível municipal, são responsáveis pelas ações voltadas ao

acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das condiciona-

lidades vinculadas ao PBF; iv) Delimitar o universo das famílias em situação de

descumprimento de condicionalidades em cada município e, a partir deste, anali-

sar casos que revelem as estratégias e os padrões de atividade dos municípios no

acompanhamento dessas famílias.

cOnTexTUaLizaçãO e qUaLificaçãO dO PrOBLeMa de PesqUisa

Nas últimas décadas, o Brasil tem passado a adotar modelos de programas sociais

que representam importantes mudanças nos padrões de proteção social historica-

mente vigentes no país. De um sistema de proteção social contributivo, assentado

na força de trabalho formal, que conduzia, em última instância, à reprodução de

desigualdades históricas, a um sistema fortemente baseado na solidariedade na-

cional (SoARES e SÁTYRo, 2009).

Instituído pela Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004, o Programa Bolsa Famí-

lia (PBF) tornou-se o exemplo mais significativo de uma tendência recente a uma

mudança no padrão das políticas sociais brasileiras, pela adoção de programas

mais focalizados de combate à pobreza e à vulnerabilidade social. o PBF consiste

em um programa de transferência condicional de renda direcionado a famílias em

situação de pobreza e de extrema pobreza. oito anos após a sua criação, hoje o

PBF tem uma cobertura que ultrapassa os 12 milhões de famílias beneficiadas,

envolvendo mais de 46 milhões de pessoas em todos os estados da Federação,

tornando-se o maior programa de transferência direta de renda do mundo na atu-

alidade (www.mds.gov.br/bolsafamilia).

o programa tem sido objeto de análises quanto aos seus mais diversos aspectos,

como sua relação com a redução da pobreza, da desigualdade e da fome (RoCHA,

2008; SoARES et.al., 2006; HALL, 2004; MENDoNçA, 2005), com o mercado de

trabalho (BRITo & kERSTENETzkY, 2011), ou mesmo a sua sustentabilidade (BI-

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

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CHIR, 2010; SILvA, 2007). A literatura acadêmica recente revela uma relativa falta

de consenso em relação ao programa, seus impactos, e em relação ao debate em

torno do caráter universal de acesso a direitos e sua natureza focalizada e condi-

cional, o que leva à divisão de opiniões sobre os pressupostos e conseqüências de

suas condicionalidades para a concessão de benefícios (MoNNERAT et.al., 2007;

MEDEIRoS et.al., 2007a, 2007b e 2008). Independentemente dos questionamen-

tos sobre a eficácia/relevância das condicionalidades do programa, a importância

de se compreender de forma detalhada como elas são aplicadas e geridas parece

evidente, apesar de ainda serem escassos os estudos que revelem as dinâmicas

locais de implementação desta política.

De acordo com as diretrizes encontradas na documentação oficial (ver Referên-

cia) que institui o PBF, as condicionalidades vinculadas aos benefícios transferidos

pelo programa consistem em compromissos assumidos tanto pelas famílias bene-

ficiárias, quanto pelo poder público, visando ampliar o acesso das famílias a seus

direitos sociais básicos (saúde, educação e assistência social). Nesse sentido, uma

vez que o objetivo principal do programa, com a adoção das condicionalidades,

é a promoção do acesso a direitos e serviços sociais básicos, o monitoramento e

acompanhamento das famílias em situação de descumprimento torna-se funda-

mental para que os objetivos do programa sejam alcançados. Mesmo os efeitos do

descumprimento sobre o benefício não devem, segundo as diretrizes do progra-

ma, cumprir uma função “punitiva”, e sim ajudar no esclarecimento dos motivos

que levaram ao descumprimento, e assim, auxiliar os gestores do programa na

adoção de estratégias que possam contribuir para a inclusão dessas famílias de

volta nos serviços e benefícios do programa. o fraco caráter “punitivo” na aplica-

ção das condicionalidades do PBF tem como pressuposto o fato de serem as fa-

mílias em situação de descumprimento aquelas que se encontram em situação de

maior vulnerabilidade social, consistindo assim, no público prioritário das ações

do programa.

os aspectos do programa apontados acima revelam a necessidade crescente de

pesquisas que possam revelar as estratégias dos gestores municipais no acompa-

nhamento das famílias em situação de descumprimento. Soma-se a isso o fato de

o caráter de descentralização ligado à implementação do programa ter passado,

recentemente, por uma mudança ainda pouco analisada pelos estudos acadêmi-

cos. Ela diz respeito a uma mudança nas atribuições/responsabilidades do gestor

municipal, a partir da publicação da Resolução nº7, de 10 de setembro de 2009

do MDS, que implicou no aumento do poder de decisão do gestor, no sentido de

aliviar ou reforçar os efeitos do descumprimento sobre o recebimento do bene-

ficio. ou seja, o aumento do poder de decisão do gestor adiciona um aspecto im-

portante e ainda pouco conhecido sobre a dinâmica de efetivação desta política,

o que inspirou a realização da pesquisa.

Inicialmente, as condicionalidades PBF relacionavam-se exclusivamente a ações

no campo da educação e da saúde. No entanto, com a publicação da Instrução

operacional Conjunta SNAS/SENARC MDS nº 5 de abril de 2010, a Assistência

Social passou a fazer parte do conjunto de condicionalidades vinculadas ao PBF.

De acordo com o documento citado acima, crianças e adolescentes com até 15

Page 41: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

43

anos em risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortaleci-

mento de vínculos (SCFv) deste programa e obter frequência mínima de 85% da

carga horária mensal. Ao mesmo tempo em que a medida buscou contribuir para

a gestão integrada das ações no âmbito do Sistema único de Assistência Social

– SuAS, ela também colocou um desafio aos gestores municipais, uma vez que o

monitoramento na implementação da política, que envolve um cuidado maior na

atualização dos cadastros e das bases de dados do MDS, assim como o necessário

acompanhamento das famílias que se encontram em situação de descumprimen-

to, requerem um esforço maior do monitoramento de condicionalidades, agora em

três áreas (saúde, educação e assistência social).

Em conjunto com essa mudança, o MDS também publicou a Resolução nº7, de 10

de setembro de 20091, fornecendo as diretrizes para a operacionalização de uma

gestão integrada entre benefícios, serviços socioassistenciais e o programa de

transferência de renda, além de fundamentar as ações que devem levar ao cumpri-

mento de um dos objetivos centrais do programa, que é a garantia de manutenção

dos serviços de proteção social às famílias socialmente mais vulneráveis. Como

mostra a seguinte passagem do referido documento:

“o adequado monitoramento das condicionalidades permite a identificação de riscos e vulnerabilidades que dificultam o acesso das famílias beneficiárias aos serviços sociais a que tem direito. Quando se observa descumprimento de condicionalidades, (...) são necessárias ações que promovam o acompanhamento dessas famílias, visando o desenvolvimento ou recuperação de sua capacidade protetiva e a eliminação ou diminuição dos riscos e vulnerabilidades sociais a que estão submetidas”. (p.5)

Em concordância com o que acaba de ser destacado, uma das principais inovações

introduzidas com a publicação desta resolução foi uma mudança nas responsabi-

lidades do gestor municipal do PBF e um conseqüente aumento de seu poder de

decisão sobre os efeitos do descumprimento das condicionalidades. Como está

expresso na seguinte passagem do documento:

“(...) ao incluir uma família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço, o gestor municipal pode optar por interromper temporariamente os efeitos do descumprimento sobre os benefícios”. (p.5)

1 PRoToCoLo DE GESTão INTEGRADA DE SERvIçoS, BENEFÍCIoS E TRANSFERêNCIA DE RENDA No âMBITo

Do SISTEMA úNICo DE ASSISTêNCIA SoCIAL – SuAS. CoMISSão INTERGESToRES TRIPARTITE Do MINISTéRIo DE

DESENvoLvIMENTo SoCIAL E CoMBATE à FoME – MDS.

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

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Essas novidades recentes constituem um marco central nos esforços envidados

pelo governo federal no sentido de integrar os diversos serviços e programas pres-

tados pelo Ministério. Por outro lado, elas reforçam a necessidade de se compre-

ender melhor as estratégias que têm sido desenvolvidas no nível dos municípios

para o acompanhamento das condicionalidades do PBF, assim como as ações que

têm sido realizadas para garantir a superação das vulnerabilidades sociais que

impedem as famílias de cumprir as condicionalidades do programa. Sendo assim,

o principal problema abordado pela presente pesquisa consistiu em investigar

como os gestores têm trabalhado com essa nova atribuição e como têm plane-

jado as atividades de acompanhamento das famílias em descumprimento das

condicionalidades do PBF. Nesse sentido, o trabalho de levantamento de dados

nos municípios pesquisados buscou, prioritariamente: a) Identificar as principais

dificuldades encontradas pelos municípios na articulação do monitoramento inte-

grado (condicionalidades em saúde, educação e assistência social); b) Identificar

os atores envolvidos e os critérios utilizados no planejamento das ações de mo-

nitoramento; c) Analisar o papel da equipe técnica dos Centros de Referência de

Assistência Social – CRAS, no acompanhamento das famílias em situação de des-

cumprimento das condicionalidades do PBF; d) Identificar quem são e qual o papel

dos profissionais técnicos responsáveis pelo Bolsa Família no município e) Buscar

captar a dinâmica do processo de articulação da equipe do PBF com as equipes da

Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE).

Com esse recorte analítico o presente estudo pretende revelar e ajudar a compre-

ender aspectos do Programa Bolsa Família ainda pouco abordados na literatura

recente sobre o tema, e com isso, contribuir para a ampliação do conhecimento

atualmente existente acerca das relações estabelecidas entre atores federais e

municipais na efetivação de uma política pública de abrangência nacional.

MÉTodo

o estudo envolveu uma análise documental - documentação oficial (leis, porta-

rias, resoluções, instruções, protocolos, relatórios e estatísticas) produzida pelo

ente federal responsável pelo Programa (Ministério do Desenvolvimento Social

e Combate à Fome – MDS) -, análise de cadastros eletrônicos/bases de dados e

ferramentas de gestão utilizadas pelo MDS, visitas aos municípios e análise de

listas e registros mantidos pelos gestores municipais, assim como entrevistas com

gestores e profissionais técnicos dos municípios que lidam diretamente com o PBF.

Para a realização da pesquisa foi selecionada uma amostra de 7 (seis) muncípios

paraibanos, abrangendo as quatro mesorregiões geográficas do estado e divididos

por porte (critério populacional, IBGE2 ). Segue detalhamento dos municípios:

2 o CRITéRIo ‘PoRTE Do MuNICÍPIo’ TEM SIDo AMPLAMENTE uTILIzADo NAS PESQuISAS CoNDuzIDAS

PELA SECRETARIA DE AvALIAção E GESTão DA INFoRMAção SAGI/MDS E, CoMo CoNFIRMAMoS EM NoSSA PESQuISA,

CoNSTITuI-SE NuMA ESTRATéGIA METoDoLóGICA vALIoSA QuANDo SE DESEJA SALvAGuARDAR ESPECIFICIDADES ENTRE

GRuPoS DE MuNICÍPIoS E APRoFuNDAR uMA ANÁLISE MAIS QuALITATIvA DENTRo DESSES SuBGRuPoS.

Page 43: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

45

tabela1 – amostra de municípios pesquisa

Município Mesorregião Porte População

João Pessoa Mata Paraibana Grande 597.934

Campina Grande Agreste Grande 355.331

Sousa Sertão Médio 62.635

Guarabira Agreste Médio 51.482

Bayeux2 Mata Paraibana Médio 99.716

Sumé Borborema Pequeno 15.035

Lucena Mata Paraibana Pequeno 9.755

tabela 2 - número de entrevistados na pesquisa

MunicípioGestor do PBF entrevistado?

Nº de Assistentes Sociais entre vistados do PBF

Nº de Técnicos de informática entrevis tados

Nº de CRAS no município

Nº de CRAS que participaram da pesquisa

Nº de Assistentes Sociais entrevistados nos CRAS

João Pessoa Sim 4 1 8 4 4

Campina Grande Sim 3 1 5 2 2

Sumé Sim 0 0 1 1 1

Lucena Sim 1 0 1 1 1

Sousa Sim 2 1 1 1 1

Guarabira Sim 1 1 2 1 1

Bayeux Sim 1 1 3 1 1

ToTAL 07 12 5 21 11 11

total de entrevistados: 35 pessoas

o município de João Pessoa possui oito CRAS e foram selecionados para participar da

pesquisa os quatro CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;

o município de Campina Grande possui cinco CRAS e foram selecionados para participar

da pesquisa os dois CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;

o município de Sumé possui apenas um CRAS e o PBF funciona dentro do CRAS.

Todas as visitas do PBF são realizadas pela equipe do CRAS e por isso eles não

possuem uma equipe exclusiva do PBF para realização de visitas;

o município de Lucena possui apenas um CRAS e a Gestora do PBF é a responsável

por realizar as visitas domiciliares. o município não dispõe de equipe específica para

realizar monitoramento e o CRAS também não realiza visitas relacionadas ao PBF;

o município de Sousa possui apenas um CRAS;

o município de Guarabira possui dois CRAS e foi selecionado para participar da

pesquisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;

o município de Bayeux possui três CRAS e foi selecionado para participar da pes-

quisa o CRAS com maior número de famílias referenciadas no município;A pesqui-

sa foi planejada em três etapas.

A primeira etapa envolveu: uma revisão crítica da literatura recente nos seguin-

tes campos: políticas públicas, programas sociais, programas de transferência de

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

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renda; Revisão da legislação que institui e regulamenta o Programa Bolsa Família

(PBF), assim como a documentação oficial específica que dispõe sobre os diversos

aspectos envolvidos na implementação dessa política (atribuições, responsabili-

dades e competências do diversos atores envolvidos, diretrizes, critérios, medidas

e ações práticas envolvidas, mudanças nos serviços e benefícios do programa,

etc.); levantamento de dados gerais, nas principais bases de dados eletrônicas re-

lacionadas ao PBF (ex.: Matriz de Informação Social do MDS), sobre a cobertura

e perfil do público alvo do programa nos municípios que compõem a amostra;

agendamento das visitas dos pesquisadores junto aos responsáveis pelo PBF nos

municípios; elaboração e teste dos instrumentos de coleta de dados; início do tra-

balho de coleta de dados nos municípios (visitas dos pesquisadores e realização

de entrevistas);

A segunda etapa consistiu: na continuação do trabalho de coleta de dados nos mu-

nicípios (visitas dos pesquisadores e realização de entrevistas); catalogação dos

dados colhidos em forma de material impresso nos municípios (formação de ban-

co de dados); transcrição das entrevistas e sistematização dos dados (elaboração

de quadros analíticos); análise preliminar dos dados e discussão dos resultados

parciais3.

A terceira etapa envolveu: o tratamento e análise dos dados; elaboração de artigos

acadêmico-científicos; participação em eventos acadêmicos (seminários, congres-

sos, conferências) para discutir os resultados finais da pesquisa; elaboração do

relatório final da pesquisa.

RESuLTAdo E dISCuSSão

Nessa seção apresentamos alguns dos principais resultados alcançados com a

pesquisa, organizados por grupos de municípios divididos por porte (ver a seção

Método acima). o primeiro é composto pelos dois municípios de grande porte pre-

sentes na amostra, Campina Grande e João Pessoa, capital do estado. o segundo

grupo reúne os três municípios de médio porte que foram investigados: Sousa,

Guarabira e Bayeux. o terceiro grupo inclui os municípios de Sumé e Lucena, am-

bos de pequeno porte. Primeiro apresentamos aspectos específicos a cada grupo

de municípios, incluindo elementos e contrastantes entre os casos que compõem

cada grupo, para em seguida apontarmos aqueles elementos que são comuns a

todos os municípios pesquisados, independentemente do porte.

eLeMenTOs de cOnTrasTe enTre MUnicÍPiOs de Grande POrTe: JOãO PessOa e caMPina Grande

o primeiro ponto de contraste entre os dois municípios de grande porte presentes

na amostra (João Pessoa e Campina Grande) diz respeito ao vínculo institucional

3 ALéM DAS REuNIõES MENSAIS Do LABoRATóRIo DE ESTuDoS E PESQuISAS EM PoLÍTICAS PúBLICAS

E TRABALHo – LAEPT, DA uNIvERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA – oNDE TIvEMoS A oPoRTuNIDADE DE DISCuTIR CoM

oS DEMAIS MEMBRoS Do LABoRATóRIo (PRoFESSoRES E ESTuDANTES DE PóS-GRADuAção) – o CooRDENADoR Do

PRoJETo AINDA PARTICIPou DA I E DA II oFICINA TéCNICA DE ACoMPANHAMENTo Do EDITAL MCT/MDS-SAGI/CNPQ Nº

36/2010, REALIzADAS PELo MDS EM BRASÍLIA EM 2011.

Page 45: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

47

da gestão do Programa Bolsa Família dentro da estrutura de funcionamento da

prefeitura. Enquanto na capital do estado, João Pessoa, a coordenação do PBF está

abrigada institucionalmente na Secretaria de Desenvolvimento Social, em Campi-

na Grande o programa está diretamente vinculado ao gabinete do prefeito. Cada

uma das alternativas traz consigo algumas consequências para a gestão adequada

do programa.

tabela 1 – características da gestão do pbF nos municípios de João pessoa e campina Grande

Município João Pessoa Campina Grande

Número de famílias PBF 58.626 34.089

vínculo Institucional da Gestão do PBF Secretaria de Desenvolvimento Social Gabinete do Prefeito

Local de Funcionamento do Atendimento

Funciona em prédio no centro da cidade em conjunto com coordenação dos CRAS e de outros programas da SEDES

Funciona em prédio próprio, porém alguns outros programas/serviços funcionam no mesmo local

Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

6 assistentes sociais

30 digitadores/entrevistadores

1 psicóloga

1 recepcionista

4 Assistentes sociais

40 digitadores/entrevistadores

2 gerentes de atendimento/entrevistadores

2 responsáveis pela triagem

1 recepcionista

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

visitas esporádicas visitas esporádicas

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

Averiguação de denúncias

Inconsistência nos dados do benefício (falta de documentação, desconfiança quanto aos bens declarados e renda)

Auditoria TCu

Inconsistência nos dados do benefício (motivos variados)

Averiguação de denúncias

Auditoria TCu

Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte

Automóvel, disponível uma vez por mês

Automóvel (sempre disponível)

Como é feito o contato com beneficiários em situação de descumprimento

Extrato da conta (caixa)

Demanda espontânea (sede PBF)

Bloqueio de recursos (temporário)

Extrato de conta (caixa)

Anúncio na rádio, jornal

Bloqueio de recursos (temporário)

Relação PBF – CRAS

Coordenação dos CRAS funciona no mesmo prédio do PBF. CRAS faz acompanhamento de algumas atividades do PRoJovEM e PETI, mas não há controle centralizado de informação sobre acompanhamento

Relação falha, não há contato entre a gestão PBF e os CRAS

Serviços oferecidos pelos CRAS

Grupos de Idosos, Gestantes, Jovens

Atividades PRoJovEM

Atividades PETI

Grupo de idosos, jovens

Atividades do PETI

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

No entanto, para melhor compreender os contrastes entre os dois casos é preciso

considerar este aspecto em conjunto com outros dois elementos: o local de fun-

cionamento das atividades de atendimento ao público beneficiário e a relação

entre a Coordenação do PBF e as equipes dos Centros de Referência da Assistência

Social – CRAS.

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

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da

No município de João Pessoa a coordenação do PBF, inserida na estrutura fun-

cional da Secretaria de Desenvolvimento Social, funciona no mesmo prédio que

abriga a coordenação dos CRAS, aproximando, em termos funcionais, a equipe res-

ponsável pelo programa e os funcionários que lidam com a organização das ativi-

dades dos CRAS. Com efeito, em João Pessoa as equipes dos CRAS realizam visitas

relacionadas ao PBF. Em contraste com esta situação, no município de Campina

Grande o PBF está institucionalmente vinculado ao gabinete do prefeito e funcio-

na em uma sede própria, embora esta sede também seja parcialmente utilizada

para atividades relacionadas a outros programas. No entanto, a principal conse-

qüência desse aspecto da gestão do programa em Campina Grande é um grande

distanciamento entre a equipe responsável pelo PBF e os CRAS no município, o

que resulta numa redução da capacidade de acompanhamento das famílias, uma

vez que os profissionais da assistência social vinculados aos CRAS não realizam

atividades relacionadas ao PBF.

Por outro lado, em João Pessoa, a proximidade (física e funcional) com as equipes

dos CRAS não se traduz, necessariamente, no desenvolvimento de estratégias/

práticas mais efetivas para otimizar o uso dos recursos (humanos e logísticos) no

trabalho de acompanhamento das famílias em situação de descumprimento das

condicionalidades do PBF. Esse aspecto será discutido mais adiante quando con-

siderarmos alguns elementos da gestão do programa que são comuns a todos os

municípios pesquisados. Dados gerais sobre a gestão do PBF em João Pessoa e

Campina Grande estão compilados no Tabela 1.

desafiOs à GesTãO dO PBf eM MUnicÍPiOs de MédiO POrTe: BayeUx, GUaraBira e sOUsa

Ao analisarmos os casos dos municípios de médio porte contidos na amostra

(Bayeux, Guarabira e Sousa), o dado mais significativo no que diz às dificuldades

encontradas na gestão do PBF refere-se a uma grande separação entre as ativida-

des relacionadas às ferramentas de ‘gestão das informações’ do programa e a ‘exe-

cução das ações diretas’ junto ao público beneficiário do programa. Na realidade

cotidiana dos profissionais que lidam diretamente com o PBF parecem existir dois

programas separados, um “PBF sistema de informações” e um “PBF execução de

ações”. Nos três municípios – embora de forma mais aguda em Bayeux e Guarabi-

ra – verificou-se uma grande importância do pessoal de informática na gestão do

PBF. Como boa parte das atividades que têm impacto sobre as ações do programa

dependem de ferramentas/sistemas de gerenciamento de informação (bases de

dados virtuais e ferramentas de gestão), os técnicos que lidam com essas ferra-

mentas acabam tendo uma participação maior na gestão do programa, maior do

que seria esperado para o seu perfil de qualificação profissional4. Esses profissio-

nais detêm o conhecimento técnico necessário à efetivação das ações que são

planejadas a partir do contato direto com o público beneficiário. Suas atividades

envolvem: a atualização de bases de dados e cadastros, envio de relatórios, o uso

de senhas para bloqueio e desbloqueio de benefícios, entre outras. o que leva a

4 A MAIoR PARTE DESSES PRoFISSIoNAIS DETéM uM CoNHECIMENTo TéCNICo BÁSICo EM FERRAMENTAS DE

INFoRMÁTICA, CoMo ExPERIêNCIA No uSo DE CoMPuTADoRES E DA INTERNET.

Page 47: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

49

distorções na condução do programa é o fato de os profissionais que conhecem as

diretrizes, têm qualificação profissional e são responsáveis pelos serviços não se

apropriarem das ferramentas de gestão que incidem sobre benefícios e serviços,

fazendo com que uma parte significativa da gestão do programa – inclusive quanto

a decisões importantes para a execução dos serviços e concessão dos benefícios

– esteja nas mãos de técnicos em informática, quando estes existem. Não foi uma

coincidência o fato dos técnicos em informática dos municípios de Guarabira e

Bayeux terem sido informantes-chave na pesquisa. Nos municípios onde não há

a atuação constante desses profissionais, como é o caso dos municípios de Sumé,

Lucena (ambos de pequeno porte) e Sousa (médio porte), a gestão do programa

sofre ainda mais, pois procedimentos simples, como acessar listas de famílias

ou informações contidas nas ferramentas de gestão do MDS, não são realizadas.

Como a via de comunicação entre Ministério e municípios se dá prioritariamente

através dessas ferramentas, a gestão do programa fica prejudicada. Dados mais

gerais sobre a gestão do PBF em Bayeux, Guarabira e Sousa estão compilados no

Tabela 2.

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

tabela 2 – características da gestão do pbF nos municípios de bayeux, Guarabira e sousa

Município Bayeux Guarabira Sousa

Número de famílias PBF 10.169 6.004 9.179

vínculo da Gestão PBF

Secretaria de Trabalho e Ação Social Secretaria de Ação Social

Secretaria de Ação Social

Local de Funcionamento do Atendimento

o PBF tem sede própria numa antiga biblioteca no centro de Bayeux.

o PBF funciona no prédio da Secretaria da Ação Social

Prédio recém-inaugurado que abriga a Secretaria de Ação Social, PBF, Instância de Controle Social e PETI

Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

2 assistentes sociais

15 digitadores/entrevistadores

1 recepcionista

2 assistentes sociais

4 digitadores/entrevistadores

1 recepcionista

2 assistentes sociais

3 digitadores/entrevistadores

1 recepcionista

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

visitas esporádicas

visitas são comumente realizadas pelo CRAS. visitas de acordo com área de abrangência dos CRAS são esporádicas

visitas esporádicas de acordo com necessidade e abrangência dos CRAS

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

visitas de averiguação de denúncias

Auditoria TCu

Averiguação (principalmente após cruzamento de dados com outros benefícios de nível local)

Acompanhamento em áreas sem CRAS

Auditoria TCu

Averiguação de inconsistência de dados

Denúncias

Auditoria TCu

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Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte

van disponível periodicamente

2 carros e uma van disponíveis quando necessário

1 carro

Como é feito o contato com beneficiários em descumprimento

Extrato bancário (caixa)

Rádio e carro de som já foram utilizados

Bloqueio de recurso (temporário)

Extrato bancário

Carta do Bolsa para os beneficiários

Bloqueio de recurso (temporário)

Extrato Bancário

Rádio (mais eficiente)

Bloqueio de recurso (temporário)

Relação PBF – CRAS

CRAS envia beneficiários dentro do perfil para o PBF já com uma triagem prévia

A relação é bem aproximada. PBF presta cobertura a áreas sem CRAS para acompanhamento de alguns casos

Trabalham em conjunto, dividindo não só a sede como as funções de acompanhamento quando necessário

Serviços oferecidos pelos CRAS

Grupos de Idosos

Grupos de Gestantes

Grupos de Jovens

PRoJovEM

Grupos de gestantes

Grupos de Idosos

PRoJovEM

PRoJovEM

PETI

Brinquedoteca

Grupos de atividades

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

desafiOs à GesTãO dO PBf eM MUnicÍPiOs de PeqUenO POrTe: sUMé e LUcena

Entre os municípios de pequeno porte contidos na amostra, o problema mais

agudo observado em relação às dificuldades na gestão do PBF foi a insuficiên-

cia do número de funcionários. Essa escassez de pessoal faz com que os gesto-

res do programa acumulem diversas funções e centralizem as atividades, tornan-

do ainda mais difícil o desenvolvimento de estratégias e práticas adequadas às

diretrizes do programa. Em ambos os municípios de pequeno porte (Sumé e Lucena), os

coordenadores responsáveis pelo programa no município afirmaram não ter acesso ao

sistema de informação a partir do qual se poderia obter a lista de famílias em situação

de descumprimento das condicionalidades do PBF que precisavam de acompanhamen-

to. No caso de Lucena, o gestor afirmou depender de um funcionário de informática

lotado em outro órgão da prefeitura, que por sua vez não dedicava um tempo definido

ao cumprimento de ações relacionadas ao PBF. Ao contrário, ele auxiliava o gestor do

programa esporadicamente, quando do surgimento de alguma demanda mais urgente.

De modo geral, para os municípios de pequeno porte, que não possuem a presença de

pessoal de informática, essa pareceu ser uma das grandes dificuldades na execução

do programa. A falta de uma pessoa capacitada para acessar sistemas como SIBEC,

Cadúnico, SIG-PBF e SICoN, impossibilita que alguns municípios se mantenham in-

formados sobre as novidades do Programa e possam, com isso, executar as ações de

forma adequada. Essa importância destacada a esse profissional pode ser decorrente

do aumento e aperfeiçoamento dos sistemas de registro de informações elaborados

pelo MDS. Com os sistemas eletrônicos ganhando uma importância cada vez maior

na gestão do PBF nos municípios, destaca-se também a necessidade crescente de se

capacitar os profissionais para a utilização desse sistema, visto que estes não foram

desenhados para serem utilizados especificamente por técnicos de informática.

Nesses municípios, muito do trabalho ligado ao programa tem sido feito de forma

manual (ex. o recolhimento de fichas escolares), quase sempre pela própria pessoa

Page 49: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

51

que coordena o PBF. Isso tem gerado basicamente dois tipos de conseqüências

para a gestão do programa, especificamente no que diz respeito à gestão das con-

dicionalidades (monitoramento e acompanhamento das famílias): se por um lado

a presença constante do gestor na atuação direta dentro das atividades fins (pela

falta de uma equipe de profissionais) abre a possibilidade da gestão do programa

antecipar-se na identificação das famílias em situação de descumprimento, por

outro lado isso também abre a possibilidade de uma certa “personalização” na

definição das estratégias de acompanhamento, cujo resultado mais visível seria o

favorecimento de certas famílias em detrimento de outras, sem que essa decisão

esteja baseada, necessariamente, no grau de vulnerabilidade social a que as famí-

lias estão submetidas. os dados mais gerais sobre a gestão do PBF nos municípios

de Sumé e Lucena estão sistematizados no Tabela 3 apresentado abaixo:

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

tabela 3 – características da gestão do pbF nos municípios de sumé e lucena

Município Lucena Sumé

Número de famílias PBF 1.553 2.848

vínculo da Gestão PBFSecretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania

Secretaria Ação Social

Local de Funcionamento do Atendimento

Sede da Secretaria de Desenvolvimento Social PBF funciona na sede do CRAS

Nº. aproximado de funcionários nas atividades diárias do programa (sede) que lidam diretamente com o público

3 entrevistadores/digitadores 2 digitadores/entrevistador

Realização de visitas domiciliares às famílias em situação de descumprimento de condicionalidades

visitas esporádicas ou de recadastramento quando necessárias

visitas esporádicas em caso de necessidade

Motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares relacionadas ao PBF

Averiguação de dados informados

Averiguação de denúncias

Auditoria TCu

Averiguação de denúncias

Averiguação de Dados

Auditoria TCu

Forma de deslocamento e disponibilidade de transporte A pé

A pé

Carro disponibilizado pela secretaria requisitado previamente

Como é feito o contato com beneficiários em descumprimento

Extrato Bancário

Bloqueio (temporário)

Extrato bancário

(não há acesso ao SIGPBF para acompanhamento)

Relação PBF – CRAS Mínima – PBF envia certos beneficiários ao CRAS

PBF funciona dentro do CRAS – os funcionários do CRAS foram recentemente treinados como digitadores e entrevistadores e vão acumular funções

Serviços oferecidos pelos CRAS

Grupo de Gestantes

Creche

Reforço escolar

Brinquedoteca

Grupos de Gestantes

Grupo de Jovens

Fonte: Dados da pesquisa de campo, 2011

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asPecTOs da GesTãO dO PBf cOMUns a TOdOs Os MUnicÍPiOs da aMOsTra e aLGUMas cOnsiderações finais

uma primeira prática mencionada por todos os gestores diz respeito às estratégias

utilizadas para induzir o comparecimento dos beneficiários ao atendimento para so-

lução de pendências (na maior parte dos casos, pendências cadastrais). Em todos os

municípios pesquisados os gestores fazem uso do bloqueio temporário do benefício

do PBF para provocar a necessidade do beneficiário comparecer à sede do programa

para resolver pendências ou prestar esclarecimentos sobre imprecisões nas informa-

ções constantes de seu cadastro. Além disso, em três dos sete municípios pesquisados

os profissionais responsáveis pelo programa afirmaram que também fazem uso dessa

estratégia para resolver questões ligadas a outras ações desenvolvidas pelo próprio

município. Como fica claro na fala de um dos gestores entrevistados:

“Bem, eu diria que aqui [no município] nós temos as nossas próprias condicionalidades”.

Ao considerarmos esse aspecto é importante afirmar que esta é uma prática que

envolve o uso de uma ferramenta no mínimo controversa do PBF, que são as reper-

cussões sobre o benefício. Se por um lado esta parece ser uma medida eficaz para

garantir o alcance às famílias que necessitam fornecer informações sobre sua real

situação, por outro lado o abuso dessa prática carrega o risco de enfatizar o caráter

“punitivo” das condicionalidades.5 Isso se torna ainda mais problemático quando

percebemos que a maior parte dos entrevistados, ao serem questionados sobre a

quem, de fato, caberia a responsabilidade de solucionar as pendências, responde-

ram que esse é um papel da gestão municipal do programa e que na realidade fazem

uso dessa estratégia por não conseguirem realizar – por falta de pessoal ou de recur-

so logístico – as visitas às famílias. ou seja, além de acentuar o aspecto “punitivo”

das condicionalidades do PBF, essa é uma prática que normalmente é utilizada para

sanar debilidades institucionais das próprias administrações municipais.

outro aspecto problemático encontrado em todos os municípios é apresentado no

campo “motivos mais relevantes para realização de visitas domiciliares”, nos qua-

dros 1, 2 e 3. Em todos os casos estudados há uma priorização de visitas de cunho

fiscalizador, com uma atenção especial para os casos que caracterizam fraude ou

desvio de cobertura do programa. Este é um aspecto particularmente problemá-

tico quando consideramos que o trabalho de monitoramento das famílias deveria

estar, antes de tudo, voltado para o acompanhamento e suporte às famílias em

situação de vulnerabilidade social, como afirmamos anteriormente. ou seja, essa

prática acaba por revestir o trabalho de monitoramento das famílias de um caráter

muito forte de ‘averiguação’.

5 AQuI CABE ESCLARECER QuE A PRÁTICA A QuE SE REFERE ESTA PARTE Do TExTo é uMA Ação LIGADA à

‘GESTão DE BENEFÍCIoS’, E Não à ‘GESTão DE CoNDICIoNALIDADES’. o GESToR MuNICIPAL Do PBF PoDE BLoQuEAR

FAMÍLIAS, CoM BASE EM uMA Ação DE GESTão DE BENEFÍCIoS, DIRETAMENTE No SISTEMA DE GESTão DE BENEFÍCIoS

Ao CIDADão - SIBEC. A REPERCuSSão SoBRE o BENEFÍCIo ADvINDA Do DESCuMPRIMENTo DE CoNDICIoNALIDADES é

FEITA ExCLuSIvAMENTE PELA SECRETARIA NACIoNAL DE RENDA DE CIDADANIA – SENARC/MDS. ou SEJA, o BLoQuEIo

CoMuMENTE FEITo PoR GESToRES MuNICIPAIS PARA INDuzIR o CoMPARECIMENTo DoS BENEFICIÁRIoS Não TEM EFEITo

CuMuLATIvo SoBRE AS REPERCuSSõES Do DESCuMPRIMENTo DAS CoNDICIoNALIDADES.

Page 51: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

53

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

outra distorção gerada com essa prática é a impossibilidade do desenvolvimento

de estratégias de planejamento mais efetivas por parte do gestor local do pro-

grama, uma vez que sua agenda de monitoramento e acompanhamento termina

sendo pautada pelos órgãos de controle e regulação (ex. Tribunal de Contas). Em

todos os municípios, independente do porte, observou-se a ausência de um pa-

drão (critérios claros) na definição das estratégias de priorização das famílias que

devem ser acompanhadas. ou seja, todos os gestores locais – e essas informações

foram confirmadas nas entrevistas com o pessoal técnico ligado ao programa e

aos CRAS – relataram dificuldades encontradas para estabelecer uma estratégia

precisa de priorização das famílias que devem receber a visita domiciliar. Em uma

grande quantidade de casos, visitas são realizadas em respostas a medidas de

controle e/ou fiscalização, tais como denúncias ou auditorias.

Esse aspecto nos leva a comentar um dos casos discutidos anteriormente. Ao com-

pararmos com o município de Campina Grande (grande porte), afirmamos que em

João Pessoa havia uma aproximação (física e funcional) entre as equipes do PBF

e dos CRAS. No entanto, observamos que isso não se refletia, necessariamente,

numa gestão mais eficiente das condicionalidades. Na realidade, embora compar-

tilhem a mesma estrutura logística e parte do trabalho de acompanhamento das

famílias em descumprimento, falta o estabelecimento de diretrizes comuns que

possam guiar o trabalho de acompanhamento familiar, seja este realizado pela

equipe do PBF ou pela equipe dos CRAS. ou seja, embora a proximidade funcional

entre PBF e CRAS nas administrações municipais possibilite uma relação mais es-

treita entre gestão integrada de benefícios, serviços e transferência de renda, a se-

paração das atribuições das duas coordenações (PBF e CRAS) dificulta o desenvol-

vimento de estratégias integradas para o monitoramento das condicionalidades e

acompanhamento familiar. No caso de João Pessoa, a coordenação do PBF chega

a ter diretrizes na priorização dos casos e estas orientam o trabalho da equipe de

assistentes sociais ligadas ao programa, no entanto, essas diretrizes não chegam

a orientar o trabalho das equipes de assistentes sociais dos CRAS que também

exercem atividades ligadas ao PBF. ou seja, os CRAS, em sua maioria, recebem a

demanda para realizarem visitas às famílias em situação de descumprimento de

condicionalidades, porém, o planejamento da realização dessas visitas não ocorre

de forma sistemática. Todos os CRAS que recebem a demanda para visitar famílias

em situação de descumprimento indicam não conseguir visitar todas as famílias

listadas. No entanto, quando questionados sobre como é feita a relação dos casos

prioritários a serem visitados – levando-se em consideração que não é possível

visitar todos – verificou-se que não existe esse planejamento. Apenas a Coorde-

nação do PBF do município de João Pessoa informou que as equipes priorizam

as visitas às famílias que estão com recursos suspensos, visto que a repercussão

seguinte seria a do cancelamento do benefício. o interessante é que a equipe

social do PBF, em João Pessoa, adota essa ação, mas as Assistentes Sociais dos

quatro CRAS pesquisados no mesmo município dizem não seguir nenhuma diretriz

específica para a seleção de famílias a serem visitadas, e que realizam as visitas

de forma aleatória, muitas vezes priorizando somente aquelas que residem nas

proximidades dos CRAS.

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Nesse ponto, torna-se ainda necessário considerar um outro aspecto encontrado

em todos os municípios. Esse não mais ligado a práticas dos gestores e técnicos,

mas à forma como estes profissionais concebem as condicionalidades do PBF. ve-

rificamos em todos os casos que, para os profissionais que lidam cotidianamente

com o PBF, as condicionalidades do programa referem-se basicamente aos dados

de frequência escolar. ou seja, condicionalidades da área da Saúde e da Assis-

tência Social não chegam a ser mencionadas como parte do trabalho cotidiano

das equipes. Acreditamos que este seja um aspecto bastante relevante quando

percebemos os esforços do gestor federal do programa no sentido de promover o

monitoramento integrado das três áreas que incidem sobre o benefício.6 De fato,

seja pela frequência maior com que as equipes municipais têm que lidar com da-

dos da Educação, seja por ser a área da Educação a que lida com o público mais

numeroso, o fato é que “descumprimento de condicionalidades”, na forma como

as equipes municipais lidam com o PBF, quase sempre remete a medidas e ações

ligadas ao campo da Educação.7

De modo geral, ‘infraestrutura’ e ‘recursos humanos’ constituem o maior desafio

para todos os municípios investigados. Com exceção de Campina Grande, que de-

monstrou possuir uma sede bem equipada do PBF, todos os outros municípios re-

velaram dificuldades nesses dois aspectos. o acesso e o uso da internet é outro fa-

tor complicador na gestão do PBF em todos os municípios. Alguns municípios não

possuem internet de boa qualidade na sede, e isso dificulta a utilização da nova

versão do Cadúnico. os CRAS, em sua maioria, não dispõem de internet, dificul-

tando ainda mais o acesso aos sistemas de registro de informações como SIG-PBF,

SICoN, etc. Alguns gestores/técnicos municipais indicaram não possuir sequer a

senha de acesso ao SIG-PBF, o que quer dizer que esses municípios não possuem

acesso sequer à lista com os nomes das famílias em situação de descumprimento

disponibilizada pelo MDS. Esse dado nos levou a investigar aspectos relacionados

ao planejamento e à definição de diretrizes na execução das ações do programa,

o que posteriormente nos levou a concluir que esses municípios simplesmente

não planejam ações de monitoramento para esse público, esperando apenas que

eles compareçam ao atendimento na coordenação do PBF para resolverem os pro-

blemas referentes ao bloqueio, suspensão ou cancelamento do benefício. Com

6 AQuI vALE CHAMAR ATENção PARA o FATo DE QuE, EMBoRA JÁ CoNSTEM DAS NoRMAS Do MDS ENQuANTo

‘CoNDICIoNALIDADES’, oS DADoS RELACIoNADoS à ASSISTêNCIA SoCIAL (SERvIçoS DE CoNvIvêNCIA E FoRTALECIMENTo

DE vÍNCuLoS/PETI), ATé o ENCERRAMENTo DA PESQuISA, AINDA Não CoNSTITuÍAM (ou Não ESTAvAM IMPLEMENTADAS)

FERRAMENTAS QuE PoSSIBILITASSEM A oPERACIoNALIzAção DE REPERCuSSõES SoBRE o BENEFÍCIo EM CASo DE

DESCuMPRIMENTo.

7 DE ACoRDo CoM INFoRMAçõES FoRNECIDAS PELA SAGI/MDS, o DESCuMPRIMENTo EM RELAção Ao

ACoMPANHAMENTo DA SAúDE é EQuIvALENTE A 0,5% DAS FAMÍLIAS ACoMPANHADAS, QuANDo NA EDuCAção o

PERCENTuAL é DE 3,5 A 5% Do ToTAL DE BENEFICIÁRIoS ENTRE 6 E 17 ANoS CoM FREQuêNCIA ESCoLAR ACoMPANHADA.

Page 53: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

55

CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

problemas de pessoal, infraestrutura e acesso a internet, os municípios acabam se

isolando e não conseguem acompanhar as novidades referentes aos sistemas e às

normativas do PBF. Essa pode ser a explicação para o fato de quase todos os gesto-

res e técnicos do PBF, em maior ou menor grau, terem revelado desconhecimento

ou inadequação na utilização do SICoN – Sistema de Condicionalidades do PBF.

Apenas gestores/técnicos de três municípios demonstraram conhecer o SICoN,

mas mesmo assim, afirmaram não utilizá-lo com frequência.

Por fim, cabe um destaque para o fato de que, em todos os municípios pesqui-

sados, os gestores/técnicos demonstraram desconhecimento no que se refere

às mudanças nas atribuições do gestor do Programa Bolsa Família, publicado

no Protocolo de Gestão Integrada de Serviços, Benefícios e Transferência de

Renda no âmbito do Sistema único de Assistência Social – SuAS (Resolução

nº7, de 10 de setembro de 2009 - Comissão Intergestores Tripartite do Minis-

tério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS.) No que se refere

ao quesito específico obervado por essa pesquisa, que diz respeito ao aumen-

to do poder do gestor municipal, onde este passa a ter a opção de interromper

temporariamente os efeitos do descumprimento sobre o benefício, desde que

inclua a família em situação de descumprimento no monitoramento do serviço,

pôde-se observar que os gestores não estão utilizando essa ferramenta. Isso

quer dizer, principalmente, que famílias que descumpriram condicionalidades

e tiveram seus benefícios bloqueados, poderiam voltar a receber o benefício,

se estivessem sendo acompanhadas pelo PBF, mas como esse recurso não tem

sido utilizado pelos gestores municipais - ao que sugere a pesquisa, por falta

de conhecimento e de capacidade para cumprir suas atribuições em relação ao

programa - as famílias -, muitas vezes em situação de maior vulnerabilidade,

continuam desassistidas.

As discussões aqui apresentadas são o resultado de seis meses de pesquisa de

campo e mais seis meses de trabalho de catalogação e análise dos dados colhidos.

Esses resultados têm rendido debates interessantes nas esferas acadêmicas onde

têm sido apresentados, contribuindo com isso para despertar o interesse de estu-

dantes e pesquisadores para os aspectos da gestão municipal do PBF.

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CoNDICIoNALIDADES E MoNIToRAMENTo: DESAFIoS à GESTão Do PRoGRAMA BoLSA FAMÍLIA EM MuNICÍPIoS PARAIBANoS

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o bolsa Família no conteXto da pRoteção social: siGniFicado e Realidade das condicionalidades e do índice de Gestão descentRaliZada no estado do maRanHão

Maria ozanira da Silva e Silva - universidade Federal do Maranhão

Maria virgínia Moreira Guilhon - universidade Federal do Maranhão

Page 59: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

61

INTRodução

os programas de transferência de renda integram a agenda da proteção social

ao redor do mundo, com maior destaque a partir dos anos 1930, quando vinham

sendo implementadas experiências em países da Europa.

Nas últimas duas décadas, esses programas vêm se fortalecendo no campo assisten-

cial na América Latina e em países da África enquanto versão regional-periférica de

enfrentamento do quadro decorrente do ajuste neoliberal. Tais programas são, em

grande parte, organizados e ideologizados por organismos multilaterais, represen-

tando, na verdade, estratégias de enfrentamento ao desemprego, à precarização do

trabalho e ao aumento da pobreza. Ao serem popularizados, procuram favorecer a

demanda por educação e saúde dos pobres e estimular o desenvolvimento humano,

com a co-responsabilidade do Estado e das famílias (CASTIÑEIRA; NuNES; RuNGo,

2009) às quais, ao ingressarem nesses programas, são impostas determinadas con-

dicionalidades, principalmente no campo da saúde e da educação.

Num levantamento de programas de transferência de renda na América Latina, veri-

ficamos que praticamente todos os países do continente desenvolvem programas

dessa natureza. Entre estes, merecem destaque programas de abrangência nacional,

focalizados em famílias pobres e extremamente pobres com transferência de renda

condicionada, tais como: o Programa Jefas e Jefes de Hogar, criado na Argentina, em

2002, dirigido a desocupado, chefe de família e com filhos sob sua responsabilidade.

Esse programa foi criado para atender a situação de desemprego decorrente da crise

na economia argentina iniciada em 2001, sendo incorporado, em 2009, ao Sistema de

Prestações Familiares, subsistema não contributivo, instituindo o programa em vigên-

cia denominado Asignación Universal por Hijo para Protección Social, para incorporação

de amplos contingentes da população a um dos benefícios do regime de prestações

familiares, definido historicamente sob um esquema contributivo, só vigente prece-

dentemente para os trabalhadores empregados em relação de dependência, sendo

ampliado a todos os menores de 18 anos cujos pais ou tutores se encontrem desem-

pregados, sejam monotributistas sociais ou se encontrem na economia informal ou

em serviço doméstico, desde que recebam remunerações inferiores ao Salário Mínimo

vital e Móvil. Destacam-se ainda na América Latina o Programa Chile Solidário, criado

em 2002 no Chile para apoiar pessoas e famílias em extrema pobreza, tendo ampliado

a cobertura em 2005, incluindo famílias com adultos cumprindo pena, maiores que

vivem sós e outros grupos em situação de vulnerabilidade. é constituído de três com-

ponentes: apoio à família; vários subsídios monetários e acesso prioritário a outros pro-

gramas de proteção social e o Programa Ingreso Ciudadano, instituído no uruguai, em

2005, no âmbito do Plano de Atención a la Emergência Social (PANES), constituindo-se

na porta de entrada dos benefícios transferidos às famílias. Trata-se de uma transferên-

cia monetária mensal independentemente do número de integrantes da família, sendo

a transferência condicionada à frequência escolar das crianças e adolescentes até 14

anos e a realização de controle de saúde para crianças e mulheres grávidas1.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

1 oS DEMAIS PRoGRAMAS DE TRANSFERêNCIA DE RENDA EM IMPLEMENTAção NA AMéRICA LATINA São

oS SEGuINTES: BoLÍvIA – BoNo MADRE NIÑo NIÑA “JuANA AzuRDuY”; BRASIL - BoLSA FAMÍLIA, oBJETo DE REFLExão

AMPLIADA No PRESENTE TExTo; CoLôMBIA – PRoGRAMA FAMILIAS EM ACCIóN; EQuADoR – BoNo SoLIDDARIo; PERu –

PRoGRAMA NACIoNAL DE APoYo DIRECTo A LoS MAS PoBRES (PRoGRAMA JuNToS); PARAGuAI – PRoGRAMA ABRAzo E

PRoGRAMA TEkoPoRã.

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Todavia, o debate internacional vem destacando, a partir dos anos 1980, os pro-

gramas de transferência de renda no campo da proteção social no contexto da cri-

se estrutural do capitalismo, com o desenvolvimento da reestruturação produtiva,

marcada pelo ajuste econômico, tanto nos países desenvolvidos como naqueles

em desenvolvimento, aprofundando a mundialização do capital, com a hegemonia

do capital financeiro. Nesse contexto passam a ser considerados mecanismos para

o enfrentamento do desemprego e da pobreza, ampliada na sua dimensão estrutu-

ral e conjuntural (ATkINSoN, 1995; BRITTAN, 1995; BRESSoN, 1993; vuoLo, 1995;

GoRz, 1991).

o Programa Bolsa Família - PBF, criado em 2003, é a expressão atual do desenvol-

vimento dos programas de transferência de renda no Brasil. Produto de um pro-

cesso iniciado na esfera municipal, em 1995, com a implantação das experiências

pioneiras de Campinas, Ribeirão Preto e Santos, em São Paulo, e da experiência do

Bolsa Escola de Brasília2, seguindo-se da implementação de programas na esfera

estadual e programas federais.

o presente artigo se referencia em resultados de estudos realizados a partir do

projeto “A IMPLEMENTAção Do IGD E DAS CoNDICIoNALIDADES Do BoLSA FA-

MÍLIA No MARANHão: identificando possibilidades, limites e propostas de me-

lhoria”, apresentado em concorrência ao Edital MCT/MDS/SAGI/CNPq n. 36/2010.

o objetivo central do estudo foi oferecer elementos de avaliação sobre a gestão

do PBF em nível municipal, considerando o IGD e as condicionalidades, de modo

a contribuir para o desenvolvimento e possíveis ajustes desses mecanismos para

elevação do padrão de gestão do PBF nos municípios e, consequentemente, para

incrementar os impactos do Programa junto às famílias beneficiárias.

A proposta metodológica fez uso dos seguintes procedimentos de pesquisa:

Estudo de campo realizado numa amostra aleatória simples composta por 13 mu-

nicípios do Estado do Maranhão, selecionados por sorteio, incluindo municípios

de porte pequeno (I e II), médios, grandes e a metrópole, São Luís.

o Estado do Maranhão é o segundo Estado mais pobre do Brasil, com uma popu-

lação, segundo o Censo 2010, de 6.574.789, e os municípios selecionados para o

estudo de campo foram os seguintes: Maracaçumé com uma população de19.155,

Cedral (10.297); Cajapió (10.593); Capinzal do Norte (10.698); Poção de Pedras

(919.708); Presidente vargas (10.717); São João Batista (19.920); Alto Alegre do

Maranhão (24.590); Santa Quitéria do Maranhão (29.191); viana (49.496); Barreiri-

nhas (54.930); Caxias (155.129); São Luís (1.014.837).

A escolha aleatória de 13 municípios, considerando diferentes portes, objetivou

permitir representatividade da realidade do Estado, sendo que a similaridade dos

resultados da pesquisa de campo não justificou a análise das informações levanta-

das de modo desagregado. Portanto, a seleção de municípios de diferentes portes

foi justificada para que se procurasse verificar na pesquisa de campo se havia

2 SoBRE oS ANTECEDENTES E AS ExPERIêNCIAS PIoNEIRAS DoS PRoGRAMAS DE TRANSFERêNCIA DE RENDA

No BRASIL, vEJA SILvA, YAzBEk; GIovANNI, 2011, CAPÍTuLo 1 oS PRoGRAMAS DE TRANSFERêNCIA DE RENDA: INSERção

No CoNTExTo Do SISTEMA BRASILEIRo DE PRoTEção SoCIAL.

Page 61: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

63

diferenciação da realidade no desenvolvimento das condicionalidades e do IGD

relacionada com o porte do município. Como não foi identificada diferenciação

significativa, a análise das informações empíricas foi desenvolvida considerando o

conjunto dos municípios. A pesquisa de campo foi realizada mediante o procedi-

mento de grupo focal, junto a Centros de Referência da Assistência Social - CRAS:

tendo sido escolhido o maior CRAS em cada município, considerando a popula-

ção atendida e entre esta o maior número de beneficiários do PBF. Em São Luís e

no município de porte grande (Caxias) foram considerados os 02 maiores CRAS,

totalizando 15 CRAS. os grupos focais foram compostos por técnicos dos CRAS;

representantes dos Conselhos Municipais de assistência Social e usuários do PBF

dos respectivos municípios, não ultrapassando a um total de 12 integrantes em

cada grupo focal, tendo sido realizadas duas reuniões com os mesmos grupos em

cada município.

Levantamento Bibliográfico e documental. Nesse aspecto foram considerados publi-

cações e documentos de estudos desenvolvidos sobre o PBF, mais especificamente

sobre o IGD e as condicionalidades, tendo em vista contextualizar o estado da arte

sobre esses dois aspectos do Programa bem como referenciar o estudo proposto.

Realização de Entrevistas semi-estruturadas com o gestor estadual, os gestores

municipais e os coordenadores do acompanhamento das condicionalidades de

Saúde, Educação e Assistência Social do PBF nos municípios selecionados para

compor a amostra da pesquisa.

o texto segue apresentando o PBF e as particularidades atribuídas às condiciona-

lidades, seguidas de problematização sobre a contribuição do IGD para a gestão

do Programa nos municípios, destacando resultados da pesquisa de campo, sendo

finalizado com algumas reflexões à guisa de conclusão.

caracTerizandO O BOLsa faMÍLia

o Bolsa Família, em implementação em todos os municípios brasileiros e no Dis-

trito Federal, atende a um público de 13.330.714 famílias3. Instituído pela medida

provisória nº. 132 de 20 de outubro de 2003, transformada na Lei nº. 10.836 de

09 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro

de 20044. é um programa intersetorial, instituído no âmbito do Fome zero para

unificação de programas de transferência de renda5. Tem por objetivo “assegurar

o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança alimentar

e nutricional e contribuindo para a conquista da cidadania pela população mais

vulnerável à fome”6

3 DADo ACESSADo No SITE WWW.MDS.Gov.BR EM 05/02/2012.

4 ToDAS A LEGISLAção CITADA No PR ESENTE ARTIGo ENCoNTRA-SE DISPoNIBILIzADA EM WWW.MDS.Gov.BR.

5 A ESTRATéGIA FoME zERo é REPRESENTADA PoR uM CoNJuNTo DE PoLÍTICAS GovERNAMENTAIS E Não-

GovERNAMENTAIS, TENDo CoMo PRINCIPAL oBJETIvo ERRADICAR A FoME E A DESNuTRIção No PAÍS. SEuS PRINCIPAIS

PRoGRAMAS São: BoLSA FAMÍLIA; PRoGRAMA DE AQuISIção DE ALIMENToS DA AGRICuLTuRA FAMILIAR (PAA); PRoGRAMA

NACIoNAL DE ALIMENTAção ESCoLAR (PNAE); PRoGRAMA DE CoNSTRução DE CISTERNAS; PRoGRAMA NACIoNAL DE

FoRTALECIMENTo DA AGRICuLTuRA FAMILIAR (PRoNAF); RESTAuRANTES PoPuLARES E CENTRoS DE REFERêNCIA DE

ASSISTêNCIA SoCIAL (CRAS).

6 CITAção Do TExTo DE APRESENTAção Do BoLSA FAMÍLIA DIvuLGADo No SITE WWW.MDS.Gov.BR,

ACESSADo No DIA 12/06/2011.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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Desde 2003, quando foi instituído, vem sendo marcado por significativa expansão

geográfica. Ao completar cinco anos, em outubro de 2008, já havia investido R$

41 bilhões, a metade na Região Nordeste, a mais pobre do país. A partir de outubro

de 2009 e até março de 2011, destinou a famílias extremamente pobres, ren-

da per capita familiar inferior a R$ 70,00, um benefício mensal fixo de R$ 68,00,

além de um benefício variável mensal de R$ 22,00, pago conforme o número de

crianças e adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando

até R$ 134,00. As famílias pobres, renda per capita familiar inferior a R$ 140,00,

recebiam o benefício variável de R$ 22,00, pago conforme o número de crianças e

adolescentes de até 15 anos na família, no máximo três, alcançando até R$ 66,00.

Foi acrescido um benefício vinculado aos adolescentes de 16 e 17 anos de R$

33,00 mensais, até dois adolescentes por família, para manutenção desses jovens

na escola. A partir de abril de 2011, a Presidente Dilma, determinou um reajuste

médio no valor dos benefícios de 19,4%. A correção correspondente à faixa de até

15 anos chegou a alcançar 45%. Desse modo, o valor médio dos benefícios é de

R$ 115,00 e o valor recebido pelas famílias pode variar de R$ 32,00 a R$ 242,00.

Esse reajuste foi justificado como medida de ataque à pobreza extrema no Brasil,

principal prioridade de governo da presidente Dilma Rousseff, consolidado no Pla-

no Brasil sem Miséria.

Com o lançamento do Plano Brasil Sem Miséria, o governo fixou a meta de inclusão

no PBF de mais 800 mil famílias extremamente pobres até dezembro de 2013.

outra modificação foi a elevação do limite do número de crianças e adolescentes

com até 15 anos, de famílias extremamente pobres, de 03 para 05, as quais pas-

saram a ter direito ao benefício variável de R$ 32,00, possibilitando a inclusão de

mais 1,3 milhões de crianças e adolescentes, com vigência a partir de setembro de

2011, elevando o valor máximo do benefício de R$ 242,00 para R$ 306,00.

o repasse para custear o PBF, no mês de janeiro de 2012, foi de R$1.561.780.652,00,

conforme dados acessados no site www.mds.gov.br em 05/02/2012.

o PBF tem sua proposta estruturada em três eixos principais: transferência de ren-

da, condicionalidades e programas complementares. o primeiro objetiva promo-

ver o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades são referidas pelo MDS,

órgão gestor nacional, enquanto compromissos assumidos pelas famílias e pelo

poder público para que os beneficiários sejam atendidos por serviços de educa-

ção, saúde e assistência social, constituindo-se em um reforço ao acesso a direitos

sociais básicos, enquanto os programas complementares visam o desenvolvimen-

to das famílias para superação da situação de vulnerabilidade7.

7 CoNFoRME CoNSTA Do TExTo DE APRESENTAção Do BoLSA FAMÍLIA DIvuLGADo No SITE WWW.MDS.Gov.

BR, ACESSADo No DIA 12/06/2011.

Page 63: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

65

As famílias têm liberdade na aplicação do dinheiro recebido, podendo permanecer

no Programa enquanto atendam aos critérios de elegibilidade8, desde que cum-

pram as condicionalidades de matrícula de crianças e adolescentes de 6 a 17 anos

na escola; frequência regular mínima de 85% das aulas para as crianças e adoles-

centes de 6 a 15 anos e de 75% para os jovens de 16 e 17 anos; frequência de

crianças de 0 a 7 anos de idade aos postos de saúde para vacinação, pesar, medir

e fazer exames de proteção básica à saúde. A frequência de mulheres gestantes

aos exames de rotina é considerada, também, condicionalidade no campo da Saú-

de. Na área da assistência social, as crianças e adolescentes de até 16 anos, em

situação de risco ou retirados do trabalho infantil pelo Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI), devem ter uma freqüência mínima da carga horária mensal

de 85% aos Serviços de Convivência e Fortalecimento de vínculos (SCFv) desen-

volvidos pelo PETI, conforme estabelecido no art.13 da Portaria GM/ MDS n° 666,

de 28 de dezembro de 2005.

Além da transferência monetária, destinada à melhoria na alimentação e nas con-

dições básicas de vida do grupo familiar, o PBF considera necessária a inclusão

dos membros adultos das famílias beneficiárias em ações complementares, ofere-

cidas pelos três níveis de governo, sendo atendidos por outros programas, como:

tarifa social de energia elétrica, cursos de alfabetização, de educação de jovens e

adultos e de qualificação profissional; ações de geração de trabalho e renda e de

melhoria das condições de moradia, além de isenção de taxas de concurso públi-

cos federais9.

A implementação do PBF ocorre de modo descentralizado, com implementação

pelos municípios; o processo é iniciado com a assinatura de Termo de Adesão pelo

qual o município compromete-se a instituir comitê ou conselho local de controle

social e a indicar o gestor municipal do Programa. Para efetivação do processo de

implementação, são previstas responsabilidades partilhadas entre a união, Esta-

dos, municípios e a sociedade.

as cOndiciOnaLidades enqUanTO MecanisMO de incLUsãO sOciaL

As condicionalidades do BF são apresentadas pelo gestor nacional, Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), como compromissos atribuídos

às famílias beneficiárias nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social para

continuarem a receber o benefício financeiro do Programa. São também apresen-

tadas como compromissos assumidos pelo poder público, responsável pela oferta

8 àS FAMÍLIAS Do PBF é REQuISITADA A ATuALIzAção DE SEu CADASTRo DE DoIS EM DoIS ANoS, PARA QuE

SEJA REvALIDADA ou Não A PERMANêNCIA DA FAMÍLIA No BF.

9 oS PRoGRAMAS CoMPLEMENTARES ARTICuLADoS Ao BoLSA FAMÍLIA, EM NÍvEL FEDERAL, São oS SEGuINTES:

PRoGRAMA BRASIL ALFABETIzADo DESTINADo à ALFABETIzAção DE PESSoAS CoM 15 ANoS DE IDADE ou MAIS; PRoJovEM

voLTADo PARA REINTEGRAção Ao PRoCESSo EDuCACIoNAL E QuALIFICAção SoCIAL E PRoFISSIoNAL DE JovENS

ENTRE 15 E 29 ANoS; PRoJETo DE PRoMoção Do DESENvoLvIMENTo LoCAL E ECoNoMIA SoLIDÁRIA PARA ACESSo

Ao TRABALHo E RENDA TENDo CoMo PúBLICo CoMuNIDADES E SEGMENToS ExCLuÍDoS; PRoGRAMA NACIoNAL DE

AGRICuLTuRA FAMILIAR E PRoGRAMAS DE MICRo-CRéDITo Do BNB PARA ACESSo Ao TRABALHo E RENDA DIRECIoNADo A

AGRICuLToRES FAMILIARES; PRoGRAMA NACIoNAL BIoDISEL PARA ACESSo Ao TRABALHo E RENDA TAMBéM DIRECIoNADo

A AGRICuLToRES FAMILIARES E PRoGRAMA Luz PARA ToDoS PARA ExPANSão DE ENERGIA ELéTRICA No MEIo RuRAL.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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dos serviços públicos de saúde, educação e assistência Social. São fixadas na Lei

nº. 10.836 de 09 de janeiro de 2004 e no Decreto nº. 5.209 de 17 de setembro de

2004, que instituem e regulamentam o PBF.

o marco legal que regulamenta as condicionalidades é constituído pela Portaria n.

321, de 29 de setembro de 2008; pela Portaria MS/MDS n. 2.509 de 18 de novem-

bro de 2004, que regulamenta os compromissos das famílias relacionados à saúde

e pela Portaria MEC/MDS n. 3. 789, de 17 de novembro de 2004, que regulamenta

os compromissos das famílias relacionados à educação.

o acompanhamento gerencial das condicionalidades é de responsabilidade do

MDS em articulação com os Ministérios de Educação e da Saúde, cabendo aos

municípios prestar as informações aos ministérios, conforme calendários fixados

previamente e com registros de informações relativas a cada condicionalidade na

educação, saúde e assistência social nos respectivos sistemas informatizados.

o acompanhamento, além de identificar o grau do cumprimento das condiciona-

lidades, objetiva buscar os motivos do não cumprimento para que os municípios

desenvolvam ações de acompanhamento das famílias em descumprimento, consi-

deradas em situação de maior vulnerabilidade social.

o descumprimento das condicionalidades é previsto na Portaria GM/MDS n. 321

de 29 de setembro de 2008, que determina na ocorrência do primeiro descum-

primento, que a família receberá uma advertência por escrito, lembrando dos

compromissos com o Programa e da vinculação do cumprimento das condiciona-

lidades com o recebimento do benefício. A partir da segunda ocorrência de des-

cumprimento, a família fica sujeita às seguintes sanções: no segundo, o benefício

é bloqueado por 30 dias; no terceiro e quarto, ocorre a suspensão do benefício por

60 dias e, no quinto, há o cancelamento da concessão do benefício. No caso das

famílias que têm filhos de 16 e 17 anos, que sejam beneficiados pelo Benefício

variável Jovem (BvJ), serão advertidas no primeiro descumprimento da condicio-

nalidade de frequência de 75% da carga horária escolar mensal; terão o benefício

suspenso no segundo descumprimento e, no terceiro, o cancelamento.

As condicionalidades, contrapartidas ou compromissos constituem, por conse-

guinte, uma dimensão central no desenho do PBF, o que vem levantando questões

polêmicas, consensuais, antagônicas ou divergentes. Assim, uma análise da lite-

ratura sobre as condicionalidades do PBF permitiu identificar diferentes entendi-

mentos, conduzindo à sistematização das seguintes concepções.

a) condicionalidades enquanto acesso e ampliação de direitos

A versão oficial sobre as condicionalidades do PBF as situa como mecanismo que

objetiva combater a transmissão intergeracional da pobreza mediante inversão

em capital humano por medidas de educação e saúde em articulação com o obje-

tivo imediato de alívio da pobreza representado pela transferência monetária para

famílias pobres e extremamente pobres. Nesse sentido, as condicionalidades são

situadas no campo do direito, ampliando o acesso das famílias usuárias a direitos

sociais básicos e incentivando a demanda por serviços de educação, saúde e as-

sistência social. Trata-se de um movimento de mão dupla, cabendo ao Estado ofer-

Page 65: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

67

tar serviços públicos e os beneficiários a assumir os compromissos determinados

pelo Programa. Nesse sentido, são vistas como necessárias, até para forçar o Esta-

do a melhorar os serviços prestados à população (vALE, 2009). Ademais, podem

incentivar as famílias a fazer investimento em capital humano, além de estimular

a demanda por serviços sociais. Nessa direção, as condicionalidades são vistas

como favorecedores da intersetorialidade entre secretarias municipais (MoNNRAT;

MAIA; SCHoTTz, 2006), favorecendo interrelação de uma dimensão compensatória

com políticas estruturantes de saúde e de educação.

Por conseguinte, a versão oficial das condicionalidades defende o seu cumpri-

mento com possibilidade de acesso e inserção da população pobre nos serviços

sociais básicos, favorecendo a interrupção do ciclo de reprodução da pobreza, en-

quanto forma de ampliar o direito à saúde e à educação. No seu limite, só reforça-

riam obrigações sociais ou legais dos pais.

b) as condicionalidades enquanto negação de direitos

Em oposição à concepção acima, há os que entendem as condicionalidades atribuídas

aos programas de transferência de renda como infração ao direito por tratar-se de uma

imposição ou restrição à concessão do direito essencial à sobrevivência de pessoas. o

entendimento é de que a um direito não se deve impor contrapartidas, exigências ou

condicionalidades, visto que a titularidade do direito jamais deve ser condicionada,

o que deve ocorrer é a punição do Estado pelo não cumprimento da obrigação em

garantir o acesso aos direitos à educação e à saúde (zIMMERMANN, 2006).

A contradição entre condicionalidades e direito reforça a seletividade da Assistên-

cia Social, que já é focada na extrema pobreza, reforçando o controle e a pressão e

ferindo a noção de cidadania por condicionar um direito constitucional à assistên-

cia ao cumprimento de exigências por parte de beneficiários que já se encontram

em situação bastante vulnerável (LAvINAS, 2000). Nesse sentido, “pode-se afirmar

que a adoção de condicionalidades em programas de transferência de renda so-

mente é válida se entendida e implementada como estratégia de ampliação de

acesso aos serviços sociais e políticas de emprego e renda, e não apenas o mero

reflexo de uma visão restritiva de direito” (MoNNRAT; MAIA: SCHoTTz, 2006. p. 8).

No campo da compreensão das condicionalidades como infração ao direito mais

fundamental, que é o acesso a condições essenciais para sobrevivência, estas são

concebidas tão somente como obrigação do Estado na prestação de serviços so-

ciais básicos a todos os cidadãos e não como mecanismo de punição.

c) as condicionalidades enquanto questão política e imposição moralista conservadora

os que apontam a conotação política e moralista das condicionalidades expres-

sam o entendimento de que ninguém, principalmente os pobres, pode receber

uma transferência do Estado sem contrapartida direta. A transferência deve ser

mérito do beneficiário: ”suor do trabalho” (SILvA, 2010-a). Como dizem: “não deve

haver almoço grátis”, daí a necessidade de cobrar do governo o controle e o desli-

gamento dos beneficiários que são culpabilizados pelo não cumprimento do que

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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os programas impõem. Não é considerado que a não obediência às condiciona-

lidades possa ser decorrente da precariedade dos serviços e, nesse caso, quem

deveria ser responsabilizado era o Estado que fica isento de qualquer punição,

ocorrendo apenas a isenção dos beneficiários quando fica comprovado que o não

cumprimento não dependeu deles (kERSTENETzkY, 2009). Esse entendimento

contém um caráter mistificador que perpassa à lógica das condicionalidades, fa-

zendo com que as políticas sociais escamoteiam um direito, passando a ser con-

sideradas como troca, concessão e contrapartida, esvaziando a noção de direito e

de proteção social como dever do Estado (SILvA, 2010-a).

Procurando problematizar as controvérsias, encontros e desencontros em torno

das condicionalidades enquanto dimensão estruturante dos programas de trans-

ferência de renda, partimos da proposta dessas condicionalidades enquanto pos-

sibilidades de garantia de direitos sociais básicos, buscando potencializar impac-

tos positivos sobre a autonomização das famílias atendidas. Consideramos que,

mesmo assim, apresentam problemas e desafios que merecem ser considerados:

“Primeiro, ferem o princípio da não condicionalidade peculiar ao direito de todo cidadão a ter acesso ao trabalho e a programas sociais que lhe garantam uma vida com dignidade; segundo os serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos municípios brasileiros, mesmo no campo da Educação, da Saúde e do Trabalho são insuficientes, quantitativa e qualitativamente, para atender às necessidades das famílias beneficiárias dos Programas de Transferência de Renda. Nesse sentido, as condicionalidades deveriam ser impostas ao Estado, nos seus três níveis e não às famílias, visto que implicam e demandam a expansão e a democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade, que uma vez disponíveis, seriam utilizados por todos, sem necessidade de imposição e obrigatoriedade. Entendo que o que poderia ser desenvolvido seriam ações educativas, de orientação, encaminhamento e acompanhamento das famílias para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim concebidas, as condicionalidades, ao contrário de restrições, imposições ou obrigatoriedades, significariam ampliação de direitos sociais”. (SILvA, 2002-b).

Contrapondo ao caráter punitivo e destacando o caráter educativo das condicio-

nalidades, consideramos que poderiam ser concebidas, sim, mas como recomen-

dações às famílias beneficiárias do PBF e como dever do Estado na proteção social

de seus cidadãos e no oferecimento de serviços sociais básicos, com destaque

à educação e à saúde. Nesse debate, reafirmamos a insuficiência quantitativa e

qualitativa dos serviços sociais básicos oferecidos pela grande maioria dos muni-

cípios brasileiros.

Page 67: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

69

“A questão que coloco é que o debate sobre condicionalidades nos Programas de Transferência de Renda deve ser orientado em duas direções. De um lado, tem-se o dever do Estado, nos seus três níveis, de expandir e democratizar os serviços sociais básicos de boa qualidade, disponibilizando-os a toda a população. Entendo que uma vez disponíveis esses serviços seriam utilizados por todos, sem imposição e obrigatoriedade. o trabalho do Estado e da sociedade, nesse aspecto, poderia voltar-se para o desenvolvimento de ações educativas, de orientação, de circulação de informações, de encaminhamento e acompanhamento das famílias para que essas pudessem buscar ter acesso e fazer uso adequado dos serviços disponíveis”. (SILvA, 2008).

Ao serem configuradas como exigência para permanecer no PBF, o trabalho de

campo realizado sobre as condicionalidades e o IGD no Estado do Maranhão evi-

denciou, com muita insistência, em entrevistas com gestores e coordenadores e

nos grupos focais com a participação de técnicos, membros de conselhos muni-

cipais de controle social do PBF e de usuários, a forte assimilação da conotação

punitiva das condicionalidades, levando a maioria dos sujeitos a repetirem que as

famílias levam os filhos para a escola e para atendimento à saúde motivadas, pelo

medo de perder sua inserção no PBF.

Na medida em que o acompanhamento e o registro do cumprimento das condi-

cionalidades têm como orientação a possibilidade de punição, acreditamos que o

medo tende a ser incorporado pelas famílias. Se a frequência das crianças e ado-

lescentes à escola e o atendimento à saúde fossem recomendações trabalhadas

numa perspectiva educativa, provavelmente essas famílias veriam mais, no aten-

dimento a essas recomendações, a importância para a vida de todos.

o trabalho de campo realizado em treze municípios do Maranhão e a análise de

relatórios elaborados pelo MDS sobre a gestão das condicionalidades do PBF evi-

denciaram para a equipe de pesquisadores a complexidade desse processo e o

investimento aplicado. Essa realidade nos leva a alguns questionamentos: qual a

efetividade da gestão das condicionalidades, tal como é operacionalizada, para

a melhoria das condições de vida das famílias beneficiárias do PBF? os custos, o

tempo e os resultados alcançados nesse processo podem ser justificados? Ade-

mais, esse processo vem contribuindo para aumento do acesso aos serviços, mais,

concretamente, qual a contribuição para a melhoria da qualidade dos serviços

ofertados, aspecto que consideramos de suma importância para elevação das con-

dições de vida das famílias inseridas no PBF?

o que é mais preocupante: admitidas na forma de sanção, as condicionalidades

podem ser uma forma de agravamento de vulnerabilidades e riscos sociais pré-

vios. A família termina sendo responsabilizada por sua situação que é interpretada

como disfuncional. o avanço legal não foi capaz de substituir a metodologia coer-

citiva por uma metodologia mobilizadora e educativa, sendo o direito à vida limi-

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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tado pelo cumprimento de condicionalidades, instituindo um híbrido de proteção

social e controle coercitivo (SILvA, 2010-a).

outro aspecto a ser considerado é que, mesmo que as condicionalidades estejam

afetas e se constituam responsabilidades dos três níveis de governo, é sobre o

município que recai a maior parte da oferta de serviços, da sua gestão e acompa-

nhamento. Sabemos da fragilidade da oferta de serviços de educação e de saúde

por parte da grande maioria dos municípios brasileiros, não sendo os municípios

responsabilizados por essa deficiência. Ademais, os custos administrativos e fi-

nanceiros que o controle acarreta, mesmo não se tendo clareza de quanto se gasta

e o que se ganha com esse controle, expressam muito mais uma questão política

e juízo de valor: “o Estado tem que cobrar a conta para não incentivar a preguiça

e a acomodação”. Esse é o argumento conservador que perpassa segmentos da

sociedade, com grande suporte da mídia.

Alguns autores apontaram obstáculos ao cumprimento das condicionalidades. No

caso da saúde, acabam propiciando apenas o acesso à atenção primária materno-

-infantil (FoNSECA, 2006) e no caso da educação, o foco é a frequência escolar

sem maiores considerações sobre a qualidade do ensino. A dimensão qualitativa

dos serviços de saúde e educação não é considerada no processo de acompanha-

mento das condicionalidades.

Não se leva quase sempre em conta a fragilidade institucional e gerencial dos

municípios brasileiros; dificuldades de se relacionarem com os diversos setores

e esferas de governo; de baixa capacidade de oferta de serviços, principalmente

de educação e saúde (ARRETCH, 2000), de saneamento básico e de habitação (LA-

vINAS, 2006), o que é agravado com a precariedade dos mecanismos de controle

social (SILvA, 2010-d). A transferência monetária direta ao beneficiário é respon-

sabilidade da esfera federal, enquanto as condicionalidades são descentralizadas

nos municípios, cabendo a estes o oferecimento dos serviços e o seu acompanha-

mento e controle (SILvA, 2010-a).

A disponibilização e informações sobre serviços e a desarticulação do BF com as

duas políticas estruturantes - educação e saúde - são frequentemente aponta-

das como obstáculos fundamentais ao cumprimento das condicionalidades. Es-

ses aspectos constituem responsabilidade do Estado. Como diz (CACCIAMALI; TA-

TEI; BATISTA, 2010), a curto prazo, as condicionalidades do BF são eficientes para

criação de externalidades positivas, contudo demandam a conjugação com ações

complementares de melhoria da oferta de serviços escolares e saúde e de políti-

cas de geração de emprego, renda e capacitação para os pais (CACCIAMALI; TATEI;

BATISTA, 2010). Portanto, não se pode correr o equívoco de “sobreculpar” famílias

por não atenderem determinadas condicionalidades, sem considerar as condi-

ções objetivas de que dispõem para “efetivá-las” (SPoSATI, 2008, apud MouRA,

2009). A dificuldade de realizar articulação com as três esferas de governo e entre

o conjunto das políticas sociais e destas com um modelo econômico distributivo

é limite estrutural dos programas de transferência de renda (SPoSATI, 2008, apud

MouRA, 2009 p. 15), o que significa dificuldade de articulação com a rede local de

serviços, já precária, para acesso da população à infraestrutura, a serviços sociais

básicos, à política de trabalho e renda.

Page 69: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

71

Por conseguinte, o problema não é o desconhecimento das famílias sobre os deve-

res para continuar no Programa, expressas em forma de condicionalidades. No que

se refere aos serviços de saúde, as queixas principais são a ausência de postos de

saúde no bairro; falta de vacina; balança quebrada; ausência do profissional no

posto; falta de recursos financeiros das famílias para se locomoverem; demora no

atendimento. Na educação o problema não é o acesso à escola, mas certamente

é a baixa qualidade do ensino. ou seja, os municípios não estão suficientemente

estruturados para propiciar o cumprimento das condicionalidades exigidas pelo

BF (SIQuEIRA, 2008).

aPresenTandO e PrOBLeMaTizandO O Índice de GesTãO descenTraLizada (iGd)

o IGD foi instituído por meio da Portaria GM/MDS nº 148/06, de 27 de abril de

2006 e serve para verificar a qualidade da gestão municipal do Programa BF e do

CADúNICo (Cadastro único), além de refletir os compromissos assumidos pelos

municípios no Termo de Adesão ao BF, conforme Portaria GM/MDS n° 246/05. é

utilizado para o cálculo dos recursos financeiros repassados mensalmente pelo

MDS aos Estados e Municípios para apoiar a gestão descentralizada do PBF10.

o IGD foi regulamentado pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, expresso

por um número indicador que varia de 0 a 1, refletindo a qualidade da gestão do

PBF no município e servindo de base para repasse de recursos do MDS para que os

municípios façam a gestão do Programa, de modo que quanto maior o valor do IGD,

maior será o valor do recurso transferido para o município que refletirá no recebi-

mento do aporte de recursos pelo estado. Assim, o MDS objetiva incentivar o apri-

moramento da qualidade da gestão do PBF em âmbito local e contribuir para que os

municípios e Estados implementem as ações que estão sob sua responsabilidade.

Portanto, o IGD tem como proposta medir a qualidade da gestão municipal do PBF

e do Cadastro único, constituindo-se, também numa forma de controle sobre o

cumprimento das condicionalidades do Programa no âmbito da educação, saúde

e assistência social. é qualificado pela geração de informações que, por um lado,

permitem a aplicação da dimensão punitiva das condicionalidades sobre os bene-

ficiários do PBF, que vai da advertência ao desligamento das famílias do Progra-

ma. Por outro lado, o estímulo para o melhor controle das condicionalidades é a

transferência de recursos financeiros a Estados e municípios que, sem dúvida, tem

contribuído para a melhoria da gestão da implementação do PBF, aliás, esse é um

aspecto que foi destacado na pesquisa de campo por todos os sujeitos envolvidos

com o PBF nos municípios.

os recursos repassados pelo MDS são transferidos do Fundo Nacional de Assistên-

cia Social (FNAS) aos Fundos Estaduais de Assistência Social (FEAS) e aos Fundos

10 EMBoRA, NA SuA CoNFIGuRAção, o IGD SE DESDoBRE EM ÍNDICE ESTADuAL (IGD-E) E EM ÍNDICE MuNICIPAL

(IGD-M), A PESQuISA DESENvoLvIDA FoI CENTRADA No IGD-M. CoNvéM RESSALTAR APENAS QuE oS ESTADoS RECEBEM

APoIo FINANCEIRo Do IGD-E DESDE 2008, QuANDo DA ADESão DoS ESTADoS Ao BF E Ao CADASTRo úNICo, CoNFoRME

ESTABELECIDo PELA PoRTARIA MDS N° 76, DE 07 DE MARço DE 2008, PARA ExERCEREM AS ATIvIDADES DE APoIo AoS

MuNICÍPIoS DE SuA JuRISDIção E MoNIToRAMENTo DoS MESMoS No PRoCESSo DE CADASTRAMENTo E ATuALIzAção

Do CADASTRo úNICo, ALéM Do ACoMPANHAMENTo DAS CoNDICIoNALIDADES.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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Municipais de Assistência Social (FMAS) de forma regular e automática, na moda-

lidade fundo a fundo e depositados em contas especificas destinadas à execução

das atividades vinculadas à gestão do PBF e do CADúNICo.

Como já mencionado, não resta dúvida que a transferência de recursos financeiros

pelo MDS aos Estados e municípios para a gestão local do PBF é um encaminhamento

importante, considerando as condições precárias da grande maioria dos municípios

brasileiros que antes do IGD arcavam com todas as despesas para gerir o Programa.

Todavia, convém registrar-se que o cofinanciamento das ações desenvolvidas no âm-

bito da gestão do PBF é praticamente nulo por parte dos Estados e municípios.

Gestores, técnicos e membros de conselhos de controle social, com quem temos

tido oportunidade de contatar no desenvolvimento de pesquisas empíricas, ex-

pressam, com muita contundência, a importância da melhoria das condições de

trabalho conseguidas com os recursos do IGD, como compra de carros, de equi-

pamentos, melhoria de espaços físicos, realização de atividades complementares,

melhor acompanhamento das famílias, entre outros. Admitindo um novo patamar

na gestão municipal do PBF. Todavia, o que questionamos não é a importância da

transferência de recursos financeiros para os Estados e municípios gerirem melhor

o PBF na perspectiva de sua gestão descentralizada. o que problematizamos é a

adoção do IGD para o repasse desses recursos, pelas seguintes razões:

o IGD é, essencialmente, um mecanismo gerador de informações que, objetiva-

mente, são também aplicadas como fundamento para punição das famílias bene-

ficiárias que “falham” no cumprimento das condicionalidades a elas demandadas

pelo PBF. ou seja, terminam secundarizando a dimensão educativa que deveria

fazer das condicionalidades, não imposições, mas recomendações às famílias, com

apoio do Estado, mediante a garantia de serviços de saúde e de educação de boa

qualidade e suficientes para atender à população;

A complexidade, os custos e o tempo dedicado para acompanhamento das con-

dicionalidades, permitindo a formulação do IGD, parecem não compensar seus

resultados, não se atendo no dimensionamento da qualidade dos serviços ofereci-

dos nem na identificação da insuficiência quantitativa dos serviços, de modo que

venham a criar condições para sua ampliação e melhoria.

Além de não ser considerada a dimensão qualitativa dos serviços de saúde e edu-

cação, a geração dos dados para constituir os índices do IGD não é submetida a

uma revisão consistente de validade, podendo acarretar inconsistência, prejudi-

cando sua confiabilidade (MACEDo; SANToS, 2008).

Por conseguinte, a questão que se coloca é a real contribuição do IGD para qualifi-

car e dimensionar o impacto do cumprimento das condicionalidades na superação

intergeracional da pobreza. Mesmo o acompanhamento das famílias que apresen-

tam infrequência na educação, saúde e nas atividades do PETI deixa muito a dese-

jar, por falta de pessoal e condições para realização de ações educativas e comple-

mentares capazes de gerar impactos significativos nas condições de vida dessas

famílias.Em resumo, a problematização sobre o IGD remete, necessariamente, para

as reflexões que foram consideradas acima em relação às condicionalidades, cujas

questões centrais são: Qual o incremento da efetividade alcançada pelo PBF com

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73

o acompanhamento das condicionalidades para a superação da pobreza das famí-

lias beneficiárias? o tempo e os custos requeridos para o acompanhamento das

condicionalidades para gerar o IGD se justificam?

Consideramos que não basta acesso a serviços de saúde e educação. o mais im-

portante é o compromisso do Estado na provisão dos serviços de boa qualidade

para todos e o desenvolvimento de ações informativas e educativas para que es-

ses serviços sejam utilizados pelos usuários ou não do PBF.

5 ilUstRando a Realidade com ResUltados da pesQUisa de campo11

o processo de gestão do IGD e das condicionalides do PBF expressa um movi-

mento contraditório: esforços coletivos para aperfeiçoamento da gestão do PBF

vesus dificuldades estruturais - persistência das práticas assistencialistas junto

às famílias, disputas políticas, mandonismos locais e dos municípios - estrutura

deficiente da maioria dos municípios, equipe de trabalho insuficiente, instável e

com problemas de capacitação, improvisação e desarticulação na estruturação das

ações. Partindo dessa referência, a pesquisa de campo realizada em treze municí-

pios no Estado do Maranhão permitiu a indicação de alguns aspectos importantes

que são, a seguir, destacados.

a) acompanhamento da condicionalidade da saúde

A pesquisa de campo evidenciou que a Saúde é a área menos estruturada dentre

as que realizam o acompanhamento dos beneficiários do PBF nos municípios que

compuseram a amostra, sendo destacadas precárias condições de infraestrutura

para a realização do controle das contrapartidas exigidas das famílias (precarie-

dade de espaço físico e inexistência ou insuficiência de equipamentos, recursos

materiais, humanos e financeiros). Ademais, foi indicado o não reconhecimento e

não incorporação dessa atividade como parte da dinâmica de prestação rotineira

dos serviços de saúde. Nesse aspecto, as situações mais críticas são aquelas de

municípios nos quais nem sequer existem responsáveis da área da saúde para

coordenar o processo ou, quando existem, têm pouco ou nenhum domínio sobre

a dinâmica de acompanhamento das condicionalidades ou têm uma visão desse

acompanhamento centralizada unicamente na gestão de sua área específica ou

tão somente no manuseio do sistema informacional. Isso tem contribuído para

improvisação das ações de acompanhamento das famílias e, consequentemente,

para o rebaixamento do IGD em todos os municípios da pesquisa.

os beneficiários revelaram que, muitas vezes, não conseguem ter acesso aos ser-

viços por falta de médicos e outros profissionais, carência de material e de equi-

pamentos nas unidades de saúde:

11 é IMPoRTANTE ESCLARECER QuE o LIMITE DE PÁGINAS INDICADo PARA APRESENTAção Do ARTIGo, IMPEDIu o

uSo MAIS FREQuENTE DE DEPoIMENToS DoS INFoRMANTES DA PESQuISA DE CAMPo DE MoDo QuE PERMITISSE ILuSTRAR

MAIS oS RESuLTADoS APRESENTADoS. o MESMo LIMITE LEvou-NoS A uTILIzAR o ESPAço DA CoNCLuSão PARA DESTACAR

ASPECToS GERAIS E AQuELES QuE CoNSIDERAMoS MAIS RELEvANTES NoS RESuLTADoS Do ESTuDo DoS 13 MuNICÍPIoS.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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“a gente vai para o hospital, mas não tem médico ou tem muita fila”.

Nesse aspecto, como estratégia para não perder o benefício, alguns beneficiários

recorrem aos serviços de outros bairros, mas que também têm problemas, o que

para eles representa a existência de mecanismos que “obrigam” as famílias a cum-

prirem sua parte no “acordo” entre elas e o poder público, sem que existam formas

de assegurar o compromisso do poder público nesse mesmo “acordo”, ou seja,

cobra-se dos beneficiários o cumprimento das condicionalidades sem que o pró-

prio município consiga efetivar o direito à saúde.

Nos municípios maranhenses que fizeram parte da pesquisa, incluindo São Luís,

que é a capital do Estado, o acompanhamento da agenda de Saúde é desenvolvido

sem integração com as demais áreas. os municípios atuam com pessoal restri-

to, funcionando em salas improvisadas e inadequadas, muitas vezes sem dispor

de materiais e equipamentos suficientes para o desenvolvimento do trabalho.

Ademais, o acompanhamento do cumprimento das condicionalidades por parte

das famílias não tem servido como instrumento capaz de (re)orientar as Políticas

Públicas, pois os dados coletados não são utilizados como subsídios em outras

iniciativas, como por exemplo, naquelas relacionadas à Atenção Básica ou no tra-

balho desenvolvido pelos agentes de saúde. Nesse aspecto, o acompanhamento

das condicionalidades parece se constituir muito mais numa estratégia de contro-

le dos beneficiários (que sofrem diversas punições) do que de garantia de direitos

sociais, por meio do acesso aos serviços básicos.

Acrescentam-se a esses aspectos, dificuldades em localizar os beneficiários, em

razão de constantes mudanças de endereço das famílias sem a devida comuni-

cação à Secretaria de Assistência Social ou à coordenação do PBF; por erros no

Mapa de Acompanhamento enviado pelo MDS e por dificuldades relacionadas a

problemas na base de dados.

No que se refere aos impactos da condicionalidade de Saúde, os entrevistados

destacaram pouca contribuição para seu próprio bem-estar, não ocorrendo o

registro de modificações significativas, que possam ser consideradas efetivas e

duradouras nas suas vidas, representando, quando muito, um cumprimento for-

çado pelas instâncias envolvidas no acompanhamento, motivado pelo medo das

famílias perder o benefício. Todavia, foi registrado na pesquisa o relato de “que as

mães já procuram os agentes de saúde, às vezes, para anotar o peso ou a vacina”,

sem atribuir essa mudança ao medo de as famílias perderem o benefício, sendo

considerado também possível ver mudanças na forma de as famílias lidarem com

sua saúde, destacando maior conscientização acerca do aleitamento materno e

da vacinação, expressando-se também na realização, cada vez mais frequente, do

pré-natal, o que é creditado ao trabalho educativo realizado com as comunidades

nos postos de Saúde da Família.

b) acompanhamento da condicionalidade da educação

Nos municípios visitados, a área da Educação pareceu mais estruturada do que a da

Saúde para realizar o processo de acompanhamento do cumprimento das condici-

Page 73: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

75

nalidades do PBF. o espaço físico e condições materiais pareceram mais favoráveis,

pois não foram reclamadas pelos coordenadores da área. Desse modo, o controle

da frequência escolar apresenta bons indicadores de acompanhamento. Essa situa-

ção é favorecida com o Projeto Presença e porque o controle da frequência escolar

é feito mediante impressão de formulários, que são enviados e recebidos preen-

chidos das escolas, ficando a resolução dos problemas de infrequência mais sob a

responsabilidade da diretoria das escolas. Todavia, alguns gestores municipais do

PBF na Educação parecem ter uma concepção mais ampla de acompanhamento, não

ficando restrito ao controle da frequência escolar, não se reduzindo a alimentar o

sistema, nem mesmo só fornecer informações com qualidade, pois

“não basta gerar dados, a gente precisa fazer alguma coisa por essas crianças que estão em situação de infrequência, que estão em situação de evasão, que estão geralmente com problemas, como alcoolismo dos pais, que são situações que levam as crianças a faltar à escola”.

Há ainda a atribuição da responsabilidade do cumprimento da condicionalidade

apenas aos beneficiários, na medida em que alguns gestores entendem que o não

alcance do percentual mínimo de frequência escolar se deve à falta de clareza das

famílias quanto aos benefícios de manter os filhos na escola e que, consequen-

temente, basta esclarecê-las sobre a importância de mantê-los nesse espaço para

que o Programa obtenha o sucesso esperado.

os entrevistados apontaram como principais impactos gerados em razão da exi-

gência da condicionalidade no campo educacional: aumento na frequência e a

diminuição da evasão escolar. A diminuição da evasão e aumento da frequência

escolar entre os alunos beneficiários do Programa é vista como resultado da preo-

cupação de algumas famílias com o futuro dos seus filhos, mas, ao mesmo tempo,

consideram que o estímulo dado pelos pais para os alunos irem de forma assídua

à escola e estudar de forma séria, teria como pano de fundo o desejo de obter

ou não perder o recurso: “é o medo de perder o benefício que tem acabado por

manter os alunos na escola”.

Assim sendo, a questão da qualidade do ensino e das condições de funcionamento da

rede escolar também não aparecem no debate como componente do direito à edu-

cação, ficando a reflexão restrita à ideia de que basta incluir o aluno no sistema e de

que se a criança ou jovem não estuda é por responsabilidade dele ou dos seus pais.

c) acompanhamento da condicionalidade da assistência social

A condicionalidade da Assistência Social é restrita ao cadastramento, validação e

atualização dos cadastros, não sendo considerada como condicionalidade a partici-

pação das famílias nas ações educativas realizadas nos CRAS, nem a frequência nas

atividades do PETI, o que, segundo entrevistados “desvaloriza o trabalho educativo

realizado pelos CRAS”. Nesse aspecto, foi muito destacado o caráter de quase não

condicionalidade atribuído ao acompanhamento desenvolvido pela Assistência So-

cial por não implicar em penalidades, sendo a gestão da própria Assistência coloca-

da como dependente do desempenho das demais condicionalidades.

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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Cabe aos técnicos dos CRAS realizar trabalho de acompanhamento familiar no

âmbito do Sistema único de Assistência Social (SuAS) que deve ser articulado a

outras políticas setoriais com o objetivo de contribuir para a superação das vulne-

rabilidades sociais que impedem ou dificultam o cumprimento dos compromissos

previstos pelo Programa, por parte das famílias. Reuniões e palestras de esclare-

cimento se constituem nas estratégias de acompanhamento mais utilizadas pelos

municípios.

Torna-se importante dar destaque ao fato de que, independentemente de o

município reunir ou mão boas condições de funcionamento, os técnicos, em ge-

ral, apontam dificuldades para realizar satisfatoriamente o acompanhamento das

famílias, sobretudo em razão do número limitado de profissionais para realizar

esse trabalho.

Em relação aos possíveis impactos do acompanhamento das famílias, foi indicado

o ingresso de número expressivo de participantes do PróJovem na universidade

via PRouNI e no mercado de trabalho, além de significativa redução do número de

crianças e adolescente na rua ou no trabalho infantil.

d) referente ao Índice de Gestão descentralizada (iGd)

Na pesquisa de campo foi verificado que nenhum município tem conseguido atin-

gir um índice sintético integral de 100% para permitir o recebimento integral dos

recursos que lhes são atribuídos pelo MDS. vários são os fatores apontados pe-

los entrevistados como determinantes do não alcance de índice integral no IGD

pelos municípios. Como ficou claro, o resultado insatisfatório decorre predomi-

nantemente das menores taxas de acompanhamento das condicionalidades, com

destaque para os piores resultados do monitoramento da Saúde.

Além das falhas na coleta das informações exigida pelo acompanhamento da

agenda de Saúde das famílias beneficiárias, a maioria dos municípios, senão a to-

talidade, atribui os resultados negativos prioritariamente à alimentação dos dados

por causa, tanto do próprio sistema utilizado pelo MDS, como da internet disponí-

vel cujo acesso é precário e de má qualidade, ou seja, instável e lento.

o atraso no repasse dos recursos do IGD pelo MDS foi outro problema apontado

por vários municípios para explicar os resultados encontrados. Mesmo que os mu-

nicípios busquem soluções provisórias para não paralisar as atividades do Programa

(adiantamento de recursos e depois ressarcimento das despesas pelas prefeituras),

para eles o atraso reclamado compromete a fluência do trabalho de acompanha-

mento das condicionalidades e mesmo a manutenção de um trabalho sistemático

com as famílias mais vulneráveis, além de desmotivar as equipes de trabalho. Isso

pode indicar que os repasses do MDS se constituem não apenas em subsídios de

recursos para fazer face aos custos administrativos dos municípios, mas numa fonte

essencial de recursos sem a qual a continuidade das ações ficaria comprometida.

Em que pese esse problema, os recursos do IGD são utilizados corretamente na

gestão do BF, ajudando na melhoria do ambiente de trabalho, com aquisição de

mobílias (mesas, cadeiras e estantes) e aparelhos de ar condicionado; na melhoria

das condições de trabalho propriamente ditas: compra e aluguel de carros e mo-

Page 75: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

77

tos, compra de combustível, aquisição de materiais didáticos e outros materiais

permanentes e de consumo para realização das atividades com as famílias, além

de conserto e compra de computadores, impressoras e outros equipamentos e

materiais necessários ao registro e repasse das informações nos sistemas, bem

como pagamento de internet e compra de modem para melhorar o acesso. os

recursos ainda são usados para treinamento e capacitação de pessoal técnico e

administrativo do Programa, para pagamento de diárias e de gratificações para os

técnicos do Programa e operadores dos diferentes sistemas de informação, estas

últimas como forma de complementação salarial, contratação e pagamento de téc-

nicos e de palestrantes e professores para os cursos.

Em âmbito estadual, a coordenadora da condicionalidade da Assistência Social declarou

que aplica os recursos em atividades que visam melhoria dos indicadores do IGD dos

municípios e do atendimento às famílias, como capacitações dos gestores e de técnicos

responsáveis pelo PBF e CADúNICo, Seminário Intersetorial que agregou as Políticas de

Educação, Saúde, Assistência, Segurança Alimentar e o Controle Social, Encontro Estadu-

al da Frequência Escolar, monitoramento e assessoramento às 18 unidades Regionais

de Educação, existentes no Maranhão, no que diz respeito à frequência escolar bem

como monitoramento e assessoramento para atualização cadastral de 70 municípios

com mais baixos índices de cadastros atualizados, além da aquisição de equipamento

de informática para a Supervisão de Transferência de Renda/Proteção Básica.

Na verdade, cada município procura encontrar, por si próprio, as estratégias e as

regras para gerir o recurso. Mas no caso dos municípios maranhenses participan-

tes da pesquisa, essa gestão, em geral, encontra-se ou centralizada nas mãos dos

prefeitos ou dos secretários de Assistência Social, passando muitas vezes ao lar-

go da possibilidade de interferência dos gestores das condicionalidades e até do

coordenador do PBF no município, além do próprio Conselho que deve participar

da elaboração do planejamento e do orçamento e aprovar a prestação de contas

referentes a esses recursos. Essa centralização na aplicação dos recursos do IGD

cria obstáculo ao trabalho, visto que, na maior parte dos casos, somente os proje-

tos que o prefeito aprova ou considera relevantes são realizados, o que pode levar

a um uso político desse recurso e gerar procedimentos burocráticos que resultem

em demora na realização das ações, ou até inviabilizar parte destas.

é informação relevante a que mostra que poucos são os municípios que se refe-

riram explicitamente ao Conselho como instância de planejamento, acompanha-

mento e fiscalização, sobretudo no seu papel de aprovar a prestação de contas dos

recursos do IGD. Ademais, verificou-se em alguns municípios disputa dos recursos

do IGD: sua aplicação fica sob a responsabilidade do gestor da Política de Assis-

tência Social, em geral, o Secretário, mas existem esforços, em alguns municípios

para democratizar as decisões sobre a destinação desses recursos, e sua partilha

entre as três Políticas. Todavia, nos municípios maranhenses, a situação mais ge-

neralizada é a concentração do gasto desses recursos nas ações específicas da

Assistência Social, sobretudo, em cursos e capacitações visando geração de traba-

lho e renda. Isso porque, como se viu, não existem mecanismos ou instâncias de

deliberação conjunta, evidenciando dificuldades dos gestores se pensarem num

trabalho de fato conjunto ou até mesmo articulado. Na verdade, os recursos são

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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vistos unicamente como da Assistência Social, que poderá ou não repassá-los para

as demais áreas, considerando critérios próprios.

o que acontece em âmbito municipal se repete na instância estadual: os recursos

do IGD recebidos são administrados de forma centralizada na Secretaria Estadual

de Desenvolvimento Social que repassa determinados valores para as demais se-

cretarias, a seu próprio critério.

Apesar de nenhum município da amostra receber o teto dos recursos do IGD, to-

dos ressaltaram sua importância para o aperfeiçoamento da gestão e do desenvol-

vimento de atividades educativas e complementares, melhorando a infraestrutura

com equipamentos, a realização de ações itinerantes, visitas domiciliares, cursos

de geração de renda, treinamentos de técnicos, além de garantir melhor atendi-

mento aos beneficiários do PBF. Convém, todavia, ressaltar que a quase totalidade

dos sujeitos que participaram da pesquisa demonstrou desconhecer a existência

do IGD, limitando-se esse conhecimento praticamente aos gestores (principal-

mente da Assistência Social).

Em relação a críticas e sugestões ao IGD, o principal destaque foi atribuído ao atra-

so no repasse dos recursos pelo MDS aos municípios, além de considerados baixos

e insuficientes para a gestão do Programa nos municípios.

A complexidade da prestação de contas do recurso, gerando incertezas nas formas

legais de sua utilização, também é criticada por um município. Em relação à uti-

lização dos recursos, a coordenadora estadual da Assistência Social percebe que

existe pouca autonomia dos gestores municipais do PBF no planejamento e no

acompanhamento dos gastos dos recursos do IGD.

A inexistência de contrapartida do gestor municipal que possa potencializar os re-

cursos do IGD é outra crítica levantada, mesmo que apenas por um município. Nesse

sentido, os recursos do IGD deveriam ser ampliados para permitir o aperfeiçoamen-

to e a ampliação do Programa, com o envolvimento de um número maior de famílias

nos projetos de inclusão produtiva e os repasses deveriam ter regularidade e pon-

tualidade para permitir a continuidade das ações e manter a motivação das equipes.

CoNCLuSão

No estudo desenvolvido em treze municípios do Estado do Maranhão alguns as-

pectos merecem destaque nessa conclusão.

verificamos que a maioria dos beneficiários demonstrou timidez e insegurança

para se pronunciar, expor ideias, prestar informações, destacando, sobretudo, o

caráter punitivo das condicionalidades e desconhecendo o que seja o IGD. Sobres-

saiu-se, também, a quase total ausência de informações dos conselheiros sobre a

implementação do PBF, sobre o acompanhamento de condicionalidades e a maio-

ria desconheciam também a existência do IGD.

A deficiência da estrutura dos prédios dos CRAS merece destaque: a maioria ca-

rece de adequação, enquanto órgão público, para prestar serviços de qualidade à

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79

população usuária, majoritariamente funcionando em prédios alugados, limitando

a continuidade e adensamento do trabalho realizado junto às famílias.

Acresce-se a esse aspecto os limites impostos em decorrência da baixa qualificação

e da rotatividade dos trabalhadores do SuAS pela insuficiência/ausência de concurso

público, entrave para a realização e continuidade do trabalho com as famílias: acompa-

nhamento das condicionalidades e realização de ações educativas e complementares.

verificamos que são limitadas as estratégias desenvolvidas pelos municípios vi-

sando proporcionar a autonomia das famílias, praticamente restritas a cursos tra-

dicionais de “prendas domésticas” que, no limite, podem assegurar um patamar

mínimo de renda, na maioria, sem acompanhamento das ações de qualificação/

capacitação dos egressos para verificação de melhorias ou não das condições de

vida dos beneficiários após participação nessas atividades. Nesse aspecto, foi des-

tacado que o esforço de realização dos cursos também não é precedido de estudo

das tendências do mercado de trabalho.

Considerada a autonominação das famílias aspecto relevante no âmbito do PBF,

além dos cursos de capacitação, outras iniciativas foram destacadas, como organi-

zação de hortas e organizações de cooperativas.

Entre as dificuldades para realizar os cursos e as demais atividades, foram destaca-

das aquelas referentes às condições estruturais de funcionamento da Política de

Assistência Social, inclusive limitações financeiras e de recursos materiais e huma-

nos, e a pouca capacidade de os municípios maranhenses integrar um conjunto de

Políticas Públicas em torno de uma política de desenvolvimento com ênfase numa

Política de Trabalho que tenha condições de ampliar o mercado de trabalho e ga-

rantir o emprego para a maioria dos trabalhadores de forma a favorecer a supera-

ção da pobreza de modo sustentável. Ademais, as iniciativas oferecidas têm pouca

amplitude, atingindo somente um número reduzido de famílias. Foi acrescido o

fato de que os CRAS passam a ser vistos como uma espécie de locus de qualifica-

ção profissional, em detrimento de uma política mais ampla de desenvolvimento.

Apesar das críticas, tanto beneficiários quanto técnicos consideram positiva a relação

entre benefício e condicionalidade, ou seja, concordam com as contrapartidas exigidas

pelo Programa, pois impedem que “as famílias se acomodem e não façam o que deve

ser feito”, embora se constituam muito mais num preço a pagar pelo recebimento do

benefício, do que o acesso a serviços que contribuam para melhoria na sua condição

de vida, pois os serviços não são prestados com a regularidade nem com qualidade.

Nessa mesma direção, os gestores e técnicos consideram que se o Programa deixasse de

“punir” os beneficiários não cumpririam as exigências porque não as percebem como

um bem em si. Portanto, não haveria mudança na sua forma tradicional de pensar e agir,

mesmo que possa ter aumentado o nível de procura pelos serviços de saúde. Essa visão

reforça a concepção conservadora das condicionalidades apontada anteriormente.

é relevante, porém, destacar que foi considerado que as repercussões observadas

sobre o poder público são decorrentes, algumas vezes, da pressão das famílias

que têm que responder às exigências feitas pelo próprio Estado, de modo que o

município cobra o cumprimento de condicionalidades pelas famílias, e estas pas-

o BoLSA FAMÍLIA (PBF) No CoNTExTo DA PRoTEção SoCIAL: SIGNIFICADo E REALIDADE DAS CoNDICIoNALIDADES E Do ÍNDICE DE GESTão DESCENTRALIzADA (IGD) No ESTADo Do MARANHão

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sam a cobrar dele que coloque os serviços à sua disposição para poder cumprir as

condicionalidades que são exigidas.

Apesar das limitações apontadas, verificou-se, no geral, que os beneficiários, em

sua maioria, parecem estar cumprindo as condicionalidades postas pelo PBF, mes-

mo que por medo de perder o benefício, embora percebam que há distância entre

o que é posto pelas condicionalidades e as reais condições de acesso aos serviços

de saúde, educação e assistência social nos municípios, por falta de investimento

local em expansões e melhorias dos serviços.

outro aspecto significativo foi a identificação de desarticulação entre as insti-

tuições gestoras das condicionalidades (Assistência Social, Saúde e Educação),

produzindo “ativismo” dissociado de uma compreensão acerca dos significados

desses elementos da gestão do Programa. Destaque também foi atribuído à ine-

xistência de contrapartida financeira dos municípios e do Estado para desenvolvi-

mento da gestão do PBF.

Podemos, a partir do estudo desenvolvido, considerar que as denominadas con-

dicionalidades representam campo de tensão enquanto dimensão central do PBF.

Entendidas como contrapartidas ou compromissos das famílias e do Estado, vêm

levantando questões polêmicas, ora consensuais, antagônicas ou divergentes.

Chega a serem consideradas direito, negação de direito ou imposição moralista

conservadora. Essa cultura conservadora é reproduzida na sociedade pela mani-

festação de que os programas de transferência de renda criam dependência, de-

sestimulam o trabalho e as famílias beneficiárias que precisam ser educadas pelo

cumprimento de condicionalidades.

Quanto ao IGD, o estudo revelou tratar-se de um mecanismo importante para me-

lhoria da gestão do PBF, considerando as condições precárias da grande maioria

dos municípios brasileiros, inaugurando um novo patamar na gestão municipal

do PBF. Todavia, nossa problematização central é sobre a falta de clareza quanto

a contribuição do IGD para a melhoria das condições de vida das famílias bene-

ficiárias, visto que sua formulação incide tão somente sobre o cumprimento das

exigências que são colocadas às famílias beneficiárias, não se atendo a verificação

da qualidade dos serviços oferecidos nem à sua insuficiência quantitativa.

As reflexões desenvolvidas permitem a indicação de alguns desafios para o futuro

do PBF, tais como: considerar o risco de redução desses programas a uma mera

funcionalidade compensatória ou de distribuição de renda insuficiente e inca-

paz de reverter o quadro social de pobreza e indigência da sociedade brasileira;

garantir a sustentabilidade dos programas enquanto política de Estado e não de

governo; articular os programas federais com iniciativas estaduais e municipais;

melhorar o acesso e qualidade das políticas de educação, saúde, trabalho e renda.

Finalmente, há que se destacar, que, apesar de todos os limites dos programas de trans-

ferência de renda, apresentados e problematizados no texto, a contribuição de progra-

mas, como o PBF, é de significativa relevância para as famílias e as pessoas beneficiadas,

por constituírem possibilidades concretas de melhoria de condições imediatas de vida

de grande parte da população que, muitas vezes, não dispõe de qualquer renda.

Page 79: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

81

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a centRalidade do cadastRo único na pRoteção social bRasileiRa

Renato veloso universidade Estadual do Rio de Janeiro - uERJ

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85

INTRodução

As políticas públicas vêm incorporando recursos das tecnologias da informação

e comunicação1 (TIC) em quantidades expressivas, ocasionando uma crescente

informatização nos seus processos de gestão. Este processo de conjugação das

tecnologias e da gestão das políticas vem sendo acompanhado por estudos e

investigações que descortinam seu caráter político e estratégico, enfatizando os

impactos e as novas e crescentes demandas gerados no seu âmbito. o Cadas-

tro único para Programas Sociais do Governo Federal (Cadúnico) consiste numa

das expressões desse processo de introdução das TIC nos processos de gestão

de políticas sociais e, devido à sua centralidade para a integração e gestão destes

programas, pode ocasionar significativas alterações na condução da política de

assistência social. Trata-se de um potencial estratégico que precisa ser desvelado

e apropriado pelos profissionais que lidam cotidianamente com este importante

recurso.

A gestão das políticas sociais na atualidade envolve uma série de desafios, e den-

tre eles encontra-se a questão do tratamento de grandes volumes de informações

produzidas pelo próprio desenvolvimento e aprimoramento das ações e progra-

mas constitutintes de tais políticas. o enfrentamento desta questão vem, cada vez

mais, apontando a importância do uso de ferramentas tecnológicas na organiza-

ção, sistematização e análise do grande volume de dados e informações disponí-

veis, tornando-se necessária aos processos de gestão de políticas a introdução de

tecnologias capazes de integrar dados e informações sociais produzidos ao longo

da sua condução e do seu processamento.

Inúmeros gestores têm se deparado com a recorrente demanda de tratar as infor-

mações geradas pelas políticas, criando, com isso, as condições para a estrutura-

ção de uma série de atividades de gestão que deem apoio e atendam às diversas

demandas por informações estratégicas. Desta forma, o uso de instrumentos e

ferramentas de gestão da informação vem se intensificando, auxiliando o acom-

panhamento das ações e programas sociais, a avaliação e o monitoramento das

políticas, e a produção de informações estratégicas que subsidiem a tomada de

decisões. As demandas postas à gestão de políticas sociais na atualidade tornam

imprescindível o uso de ferramentas tecnológicas que abarquem o grande volume

e escala das operações necessárias para realizar e aprimorar o seu desempenho.

Neste contexto, a informação ganha centralidade e a sua gestão aparece como im-

portante fator na condução das políticas sociais, permitindo, fundamentalmente:

favorecer a instalação de uma nova cultura de gestão; atender necessidades de

informação estratégica para gestores nos diferentes níveis; proporcionar acesso

rápido às informações de todos os programas e ações sociais para os quais se

tenha dados disponíveis; constituir-se como um instrumento fundamental para o

planejamento estratégico das ações, programas e projetos.

A gestão da informação situa-se no contexto de incremento técnico e institucional

das políticas públicas, expresso na crescente incorporação das novas tecnologias

1 PARA uM APRoFuNDAMENTo SoBRE AS NovAS TECNoLoGIAS DA INFoRMAção E CoMuNICAção E o SEu

PoTENCIAL ESTRATéGICo, vELoSo (2011).

A CENTRALIDADE Do CADASTRo úNICo NA PRoTEção SoCIAL BRASILEIRA

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de informação e comunicação aos seus processos de gestão. Constata-se o cres-

cimento cada vez mais acentuado de uma associação entre a política pública e

a tecnologia, e com isso, a gestão da informação torna-se condição necessária, e

não acessória, aos processos de gestão das políticas sociais. Assim, com base no

processamento de dados provenientes de múltiplas fontes, a partir de um conjun-

to de instrumentos e ferramentas tecnológicas de significativa complexidade, é

possível produzir e distribuir informação relevante, consistente e estratégica para

as necessidades da gestão, gerando processos e produtos que proporcionem alte-

rações qualitativas nos modelos e nos resultados obtidos pelas políticas.

De acordo com Tapajós (2009), a gestão da informação compõe a associação en-

tre a gestão estratégica da política e as tecnologias de informação, permitindo a

obtenção e seleção de informação relevante para a instituição de processos, agi-

lização de procedimentos, dinamização de fluxos, tomada de decisões e controle

público e social dos diversos momentos e dimensões que constituem a política.

Para a autora:

“A informação e sua gestão, por meio de ferramentas tecnológicas, são concebidas como mediação lógica e indispensável na ação decisória e, portanto, estratégica no contexto da política. Reconhecem-se, assim, as novas e amplas possibilidades de conjugação da Tecnologia da Informação com o campo da gestão pública. (...) Hoje podemos observar um fantástico potencial de programas e sistemas que sustentam o desenvolvimento dessas políticas de seguridade social, comprovando que é um paradigma de gestão em plena assimilação no campo da proteção social; e cada vez mais assumido como componente estratégico para o funcionamento dessas organizações”. (TAPAJóS, 2009, p. 306-7)

A informação configura-se como um importante componente do processo de ges-

tão e controle social das políticas. Sua geração e disseminação têm como um de

seus suportes fundamentais o uso das novas tecnologias da informação e comu-

nicação, que, se adequadamente utilizadas, podem proporcionar significativas

alterações nos níveis de efetivação dos direitos sociais, favorecendo a identifi-

cação de novas competências e habilidades fundamentais para que os processos

de gestão possam, ao atingir seus objetivos, contribuir para o enfrentamento dos

desafios presentes na intervenção competente e qualificada junto às expressões

da questão social.

A conjugação entre as tecnologias da informação e comunicação e as políticas

sociais pode proporcionar um conjunto de alterações significativas nos processos

de gestão pública. Em outras palavras, “a busca e formulação da cidadania são

também fomentadas por ferramentas tecnológicas e informacionais que facultem

o melhor acontecimento do direito”, o que leva à consideração de que a “operação

da política pode ser positivamente impactada por melhores práticas de moder-

nização facultadas pelo avanço das tecnologias de informação e comunicação”

(TAPAJóS, 2006, p.179).

Page 85: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

87

A apropriação das novas tecnologias da informação e comunicação vem adicionar

novas possibilidades para a condução dos processos de gestão de políticas públi-

cas, podendo, como mediação que é, produzir mudanças qualitativas na condução

de processos de trabalho, ampliando competências e habilidades necessárias à

gestão pública. Trata-se de um potencial estratégico que deve ser utilizado prio-

ritariamente no atendimento às demandas dos usuários das políticas públicas e

dos segmentos populares, no sentido de viabilizar um avanço na luta pela defesa

de direitos, pela ampliação e consolidação da cidadania. Assim, a utilização crítica

e consistente das TIC pode provocar alterações no desempenho de diversas atri-

buições e competências relacionadas ao atendimento direto a usuários e usuárias,

formulação, avaliação e controle social.

Destaca-se, neste sentido, a relevância da apropriação das tecnologias da informa-

ção e comunicação ao campo das políticas públicas, ressaltando o seu potencial

para o aprimoramento e sofisticação de sua gestão, numa perspectiva de luta pela

construção de novos usos sociais da tecnologia, voltados à satisfação das necessi-

dades sociais do conjunto da população.

Pretende-se apresentar alguns comentários e considerações introdutórias sobre

o potencial do Cadastro único (tomado como uma das expressões da conjugação

entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comunicação), ressal-

tando os desafios e perspectivas postos à sua consolidação, a partir de resultados

preliminares produzidos pelo projeto de pesquisa Cadastro único: o potencial da

tecnologia da informação para o acesso ao Programa Bolsa Família2, financiado

pelo Edital MCT/CNPq/MDS-SAGI n º 36/2010 e realizado pelo Núcleo de Estudos

em Gestão & Informação da uERJ - NEGI3.

São discutidos alguns aspectos da centralidade do Cadastro único no âmbito dos

programas sociais, dentre os quais se destacam o seu caráter integrador, o seu po-

tencial para a geração de informação estratégica, os investimentos realizados em

capacitação e infraestrutura, e a postura participativa do profissional no processo

de apropriação deste instrumento.

Busca-se apreciar (com base nas entrevistas realizadas com os assistentes sociais

que operam o Cadúnico) os avanços, estratégias, aspectos positivos, críticas e dile-

mas que permitam identificar e caracterizar novas possibilidades de aprimoramento

do Cadastro e do processo de inserção e manutenção dos dados e informações, com

vistas à melhoria dos processos de gestão e de defesa dos direitos sociais.

2 o PRoJETo CoNTou CoM A PRECIoSA PARTICIPAção E ENvoLvIMENTo DE ToDA A EQuIPE, à QuAL DEDICo

SINCERoS AGRADECIMENToS: PRoFAª DRª vâNIA MoRALES SIERRA, ASSISTENTES SoCIAIS CILA PoRTuGAL, MAYANA SILvA

E LYvIA SEABRA, E BoLSISTAS DE GRADuAção GISELE MoTA, CRISTIANE AzEvEDo, TAIANE FAuSTINo, DAIANE MAGALHãES,

DAYANNA GoMES, LETÍCIA LoPES E vANESSA TEIxEIRA.

3 o NEGI é uM NúCLEo DE ESTuDoS DA FACuLDADE DE SERvIço SoCIAL DA uERJ, CADASTRADo No DIRETóRIo

NACIoNAL DE GRuPoS DE PESQuISA Do CNPQ, E TEM CoMo PRINCIPAL oBJETIvo DESENvoLvER PRoJEToS DE PESQuISA

E ExTENSão CoM êNFASE NoS PRoCESSoS DE GESTão DE PoLÍTICAS SoCIAIS EM SuAS DIvERSAS DIMENSõES.

A CENTRALIDADE Do CADASTRo úNICo NA PRoTEção SoCIAL BRASILEIRA

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MÉTodo

Tratou-se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, que utilizou como prin-

cipal instrumento de coleta de dados a entrevista, com roteiro semiestruturado

previamente elaborado. Foram realizadas 43 entrevistas com assistentes sociais

lotadas nos equipamentos da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS)

da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro4, visando identificar as suas percepções

acerca do potencial do Cadastro único para os programas sociais, em especial o

Programa Bolsa Família.

A fase de realização das entrevistas ocorreu no período de abril a maio de 2011,

sendo cinco entrevistas em CREAS e unidade de acolhimento, 7 com Coordenado-

res de CAS, e 31 com assistentes sociais técnicos lotados nos CRAS e CAS de nove

das dez áreas que integram o município. Todas as entrevistas tiveram o consen-

timento dos profissionais, cuja formalização ocorreu por meio da apresentação e

assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformida-

de com a regulamentação ética que orienta o exercício da pesquisa envolvendo

seres humanos.

Do total de 43 entrevistas, 30 foram transcritas, produzindo 951 falas que se tor-

naram objeto de categorização pela equipe, demandando um significativo esforço

de tratamento e organização dos dados, para o qual foi construído um sistema

de informações capaz de sistematizar de forma eficiente o material produzido. As

considerações apresentadas neste artigo têm por base os dados das 30 entrevis-

tas transcritas, das quais foram extraídos trechos que exprimem as contribuições

dos profissionais acerca de características como o potencial de produzir informa-

ção estratégica, as críticas à prevalência da renda na seleção dos beneficiários

do Programa Bolsa Família e os investimentos em capacitação e infraestrutura.

visando garantir o sigilo e o anonimato das entrevistadas, cada trecho utilizado

será qualificado apenas pela idade e ano de formação da profissional.

RESuLTAdo E dISCuSSão

Entende-se o Cadastro único como uma expressão da incorporação das novas

tecnologias da informação e comunicação ao processo de condução das políticas

públicas, em especial a de assistência social. Trata-se de um instrumento de iden-

tificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda,

que deve ser obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integra-

ção de programas sociais do Governo Federal voltados a esse público5. o número

de famílias cadastradas vem crescendo de forma expressiva, e hoje o Cadúnico já

conta com mais de 22 milhões de famílias cadastradas nacionalmente, das quais

4 o PRoJETo CoNTou CoM o IMPoRTANTE APoIo Do CENTRo DE CAPACITAção DA PoLÍTICA DE ASSISTêNCIA

SoCIAL DA PREFEITuRA DA CIDADE Do RIo DE JANEIRo, QuE ALéM DE AuToRIzAR A ENTRADA DA EQuIPE NoS

EQuIPAMENToS DA SMAS, ESTIMuLou A PARTICIPAção DoS ASSISTENTES SoCIAIS NA PESQuISA.

5 oS CRITéRIoS QuE PERMITEM o CADASTRAMENTo São: TER RENDA MENSAL IGuAL ou INFERIoR A ½

SALÁRIo MÍNIMo PoR PESSoA ou TER RENDA FAMILIAR MENSAL DE ATé TRêS SALÁRIoS MÍNIMoS. FAMÍLIAS QuE PoSSuAM

RENDA MAIoR TAMBéM PoDEM SER CADASTRADAS SE A SuA INCLuSão ESTIvER vINCuLADA à SELEção DE PRoGRAMAS

SoCIAIS IMPLEMENTADoS EM NÍvEL FEDERAL, ESTADuAL ou MuNICIPAL.

Page 87: AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 2 Transferencia de Renda

89

cerca de 13,5 milhões são beneficiárias do Programa Bolsa Família. o gráfico 1

demonstra a evolução do cadastramento ao longo dos últimos anos. No Brasil.

GráficO 1 – nÚMerO de faMÍLias cadasTradas naciOnaLMenTe disTriBUÍdas POr anO, BrasiL.

Fonte: SAGI/MDS (http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/FerramentasSAGI_menu/internet.php).

o Cadastro único costuma ser descrito como um mapa representativo das famílias

mais pobres e vulneráveis do Brasil, com amplo potencial de uso por diversas po-

líticas de proteção social. Apresenta tanto informações da família e do domicílio

em que ela reside (tais como composição familiar, endereço, características do

domicílio, acesso a serviços públicos de água, saneamento, energia elétrica, des-

pesas mensais e vinculação a Programas Sociais), quanto dados de cada um dos

componentes da família (como documentação civil, qualificação escolar, situação

no mercado de trabalho e rendimentos). é regulamentado pelo Decreto nº 6.135,

de 26 de junho de 2007 (que revogou o Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001)

e tem a sua gestão disciplinada pela Portaria MDS nº 177, de 16 de junho de 2011

(que substituiu a Portaria MDS nº 376, de 26 de junho de 2007). Constitui-se como

uma importante ferramenta de planejamento para políticas públicas voltadas às

famílias de baixa renda, que permite a criação de indicadores que reflitam as vá-

rias dimensões de pobreza e vulnerabilidade, por meio da identificação e caracte-

rização dos segmentos socialmente mais vulneráveis da população.

Segundo Soares et al. (2009), o Cadúnico configurou-se, após diversos aperfeiço-

amentos e expansões, como uma das mudanças mais importantes no processo de

unificação dos programas de transferência de renda condicionada. De acordo com

Soares e Sátyro (2009, p.10), a situação destes programas em 2003 era marcada

pelo caos: cada um deles tinha sua agência executora, a coordenação entre elas era

mínima e os seus sistemas de informação eram separados e não se comunicavam.

Quando o Governo Federal, neste mesmo ano, criou o Programa Bolsa Família, ele

unificou os programas de transferência de renda então existentes e estabeleceu o

Cadastro único como a sua base de informações. Apesar de ser fundamental para

Programa Bolsa Família, o Cadastro único vai além dele, constituindo-se como uma

rica fonte de informações para diversos programas focalizados.

A CENTRALIDADE Do CADASTRo úNICo NA PRoTEção SoCIAL BRASILEIRA

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o Programa Bolsa Família possibilitou a superação da pulverização orçamentária e

administrativa, marcante nos diversos programas de transferência de renda então

existentes, “direcionando as ações para todo o grupo familiar e não mais para cada

um de seus integrantes de forma isolada” (MoDESTo e CASTRo, 2010, p.15). o

Cadastro único torna possível a integração desses programas e, a partir de 2005,

passa, de um lado, por um consistente esforço de depuração dos seus dados, e

de outro, por um amplo processo de cadastramento de novas famílias realizado,

fundamentalmente, pelos municípios.

Para Barros et al. (2009, p.7), três principais características do Cadúnico definem

suas possibilidades de utilização: sua abrangência censitária (cobrindo a quase

totalidade da população mais pobre do país); sua natureza cadastral, dispondo do

nome e do endereço dessa população pobre (o que possibilita localizar e reentre-

vistar as famílias, e, com isso, melhorar a qualidade das informações cadastrais);

uma ampla variedade de dados e informações sobre as condições de vida dessas

famílias, que permite o estabelecimento de perfis e a consequente proposição de

políticas e ações de proteção social. Trata-se, portanto, de uma das mais impor-

tantes fontes de informação sobre a população pobre no Brasil, e, neste sentido, a

grande variedade de informações disponíveis sobre as famílias e a possibilidade

de identificá-las, permite que o Cadastro único ocupe uma posição central na ela-

boração de diagnósticos das condições sociais e na condução e gestão da política

social brasileira.

Ao longo dos anos, o Cadastro único tem sido melhorado no sentido de aprimorar o

processo de identificação e reconhecimento das famílias vulneráveis, visando a sua

inclusão nas políticas sociais. A partir do ano de 2009, surge a sua versão 7, produzi-

da com software livre, na qual todas as atividades de inclusão e atualização cadastral

são realizadas on line, diretamente no seu portal de relacionamento, com o objetivo

de imprimir mais dinamicidade e agilidade ao cadastramento, já que elimina as ati-

vidades de extração e transmissão existentes nas versões anteriores6.

cOnsiderações dOs PrOfissiOnais sOBre O cadasTrO ÚnicO

o Cadastro único tem ocupado um lugar de destaque no processamento das po-

líticas de proteção social brasileiras, demonstrando a sua centralidade para a in-

tegração dos diversos programas sociais. A utilização do Cadastro único no muni-

cípio do Rio de Janeiro vem alcançando patamares significativos e pode fornecer

subsídios importantes para o seu aprimoramento, principalmente devido ao de ter

sido concluída em 2010, neste município, a experiência piloto de implantação da

versão 7. Serão apresentados e discutidos, a partir deste momento, trechos das

entrevistas realizadas, tecendo alguns comentários gerais que permitam uma bre-

ve avaliação de pontos considerados relevantes, tais como o acesso à informação,

a importância das capacitações, a questão da renda autodeclarada, os erros de

focalização e a questão da infraestrutura.

6 MAIoRES INFoRMAçõES SoBRE A vERSão 7 Do CADASTRo úNICo PoDEM SER oBTIDAS No SEGuINTE

ENDEREço: HTTP://WWW.MDS.Gov.BR/BoLSAFAMILIA/CADASTRouNICo/SISTEMAS/SISTEMADECADASTRouNICo/

vERSAo-7.

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91

PrOdUçãO e acessO à infOrMaçãO

o processo de cadastramento das famílias é realizado, de forma descentralizada,

pelos municípios. São coletados e inseridos dados socioeconômicos básicos os

quais permitirão a produção de perfis e indicadores de monitoramento e a ava-

liação dos impactos dos programas sociais nas condições de vida das populações

beneficiárias. Tem sido imperativa a busca pela qualidade no registro dos dados,

de modo que reflitam a realidade das famílias cadastradas. o conjunto das entre-

vistas realizadas com os operadores demonstra que os profissionais que operam

o Cadastro têm uma sólida compreensão da sua importância para as ações e pro-

gramas de proteção social.

“o Cadúnico, ele está cada vez mais sendo requisitado para diversas ações, não é só para o acesso ao Programa Bolsa Família. Há um programa de habitação, remoção de família por conta de enchentes, de obra, é necessário estar no Cadúnico, para isenção de taxa de concurso, para a questão da diminuição de tarifa elétrica; são muitos programas hoje que precisam do Cadúnico. Seu uso está crescendo muito, e a gente utiliza todo dia para diversas ações. o Programa Bolsa Família é o carro chefe, é o maior demandador do Cadúnico, mas outras demandas também são apresentadas por outros Programas”. (30 anos, formada em 2002).

De forma geral, os profissionais reconhecem a importância do Cadastro e o papel

central que ele ocupa ao longo do seu processo de trabalho. Reconhecem, também,

que este instrumento proporciona uma rica fonte de informações que, se bem utili-

zada, pode potencializar o processo de gestão e avaliação das políticas sociais.

“o nosso processo de trabalho, 80% gira em torno do Cadastro único, porque os CRAS do Município do Rio trabalham basicamente com os programas sociais do Governo Federal. o Cadastro é a porta de entrada para praticamente todos os programas sociais. Qualquer programa social, as famílias têm que ter o Cadastro do Governo Federal para gerar o número de NIS. Eu falei 80%, mas eu vou aumentar, 90% do nosso processo de trabalho hoje, dentro da proteção básica, dentro dos CRAS, dentro da Prefeitura do Rio de Janeiro, se dão em torno do Cadastro único do Governo Federal”. (32 anos, formada em 2002).

“o Cadastro único hoje dentro da Prefeitura do Rio ele faz parte do trabalho do Assistente Social, você não tem como se desvincular disso, principalmente se você estiver na proteção básica. Hoje a gente trabalha tendo isso como um instrumento, a gente trabalha o tempo todo com esse Cadastro, qualquer pessoa que chegue hoje no CRAS, se ela vai acessar outro programa, de uma forma ou de outra, ela vai acabar parando aqui no Cadastro, porque tudo, hoje, pede

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para que a família, para acessar determinados programas, esteja dentro desse Cadastro único. Mesmo que o profissional relute, isso vai acabar fazendo parte do atendimento dele, querendo ou não”. (40 anos, formada em 2002).

Como destacam Soares e Sátyro (2009), o Cadastro único “é a primeira experiência

de coleta de informações sobre grande parte das famílias no Brasil que vai além

de um nome e um número”, contando com “uma adesão massiva de milhares de

agentes municipais, que nele acreditam e que se esforçam ao máximo para forne-

cer-lhe as melhores e mais atualizadas informações possíveis” (p.25). De acordo

com boa parte dos entrevistados, mais do que um sistema de identificação da fa-

mília do usuário, o Cadastro constitui-se como um instrumento que permite iden-

tificar demandas e necessidades da população de baixa renda. Trata-se de um im-

portante recurso que auxilia a gestão pública, permitindo detectar necessidades,

traçar o perfil das famílias, criar novas propostas de trabalho e atribuir visibilidade

à importância da intersetorialidade. Neste sentido, as potencialidades do Cadastro

único extrapolam a identificação e a caracterização das famílias, podendo promo-

ver o aperfeiçoamento da gestão dos programas e dos serviços socioassistenciais,

fomentando, também, a construção de políticas intersetoriais. Estes são pontos

desatacados pelos entrevistados:

“o ponto positivo é esse de você ter todo o conhecimento amplo da situação familiar, situação geográfica, você ter um mapeamento de toda situação, de vulnerabilidade, de risco que aquele público está vivenciando”. (29 anos, formado em 2005).

“Através dele você tem uma gama de informações, de uma pesquisa séria, de uma análise aprofundada daquela situação. você consegue pensar em programas e projetos para se trabalhar com a população, você elege indicadores que estão ali, de informações que estão presentes naqueles dados que a gente preenche daquelas famílias, e podem te dar indicadores de vulnerabilidade importantes, e a partir deles pensar em ações que possam atender diretamente as necessidades daquelas famílias”. (42 anos, formada em 1998).

“A concentração desses dados, eu acho que foi um grande avanço pra equipe. E você vê que cada técnico utiliza esses dados de forma diferenciada, e é super legal porque vêm propostas maravilhosas por parte da equipe, que nem é a gestão que interfere, mas ela propõe pra gestão, e a gente propõe para as subsecretarias e vai até o secretário”. (53 anos, formada em 1983).

os entrevistados apontam que os dados contidos no Cadastro único, além de per-

mitir a seleção de famílias para programas sociais, também permitem o desenvol-

vimento de uma série de outras ações, tais como planejamento, monitoramento e

avaliação. Com isso, a questão da qualidade dos dados registrados e a exigência de

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que reflita a realidade das famílias cadastradas, ganha relevância, demonstrando a

importância do contínuo aperfeiçoamento tanto do sistema do Cadastro quantos

dos processos de treinamento e capacitação para o seu uso.

uma questão apontada pelos profissionais refere-se ao acesso às informações

produzidas. Se por um lado o forte potencial de produzir informação estratégica

é valorizado, por outro diversos profissionais relatam dificuldades no retorno das

informações produzidas com o uso do Cadastro, impondo, desta forma, obstáculos

à apropriação do conhecimento produzido.

“o ponto positivo é a possibilidade que ele tem de me retratar, me dar uma fotografia do meu território, e que ações eu preciso ter para atenuar, minimizar a questão da pobreza no meu território. Agora, um ponto negativo é que nessa versão eu não consigo, ainda, fazer isso. Eu não sei se é um problema nosso, que a gente não consegue fazer, é um problema estrutural, da SMAS, ou se é um problema da versão. A gente precisa pensar, não adianta eu ter um sistema em que eu jogo, jogo, jogo dados, uma série de dados, e ele não vem pra mim como um instrumento de informação para eu tentar pensar na minha ação”. (47 anos, formada em 1991).

“Agora, nesse sistema, a grande dificuldade – não sei como eles vão arrumar, azeitar e aparar essas arestas – é a questão da própria gestão do sistema. Hoje, o próprio sistema, a gente não consegue extrair dados ou algumas informações que a gente necessita para o nosso dia-a-dia. [Por exemplo?] Referenciar endereços. Eu não consigo fazer um filtro de endereços. Eu, hoje, não consigo saber quantas famílias beneficiárias do Bolsa Família tem no meu território. o sistema não me dá isso, o sistema versão 7. Se eu tiver que trabalhar especificamente, dar um corte, hoje eu queria trabalhar com famílias chefiadas por mulheres, que só tenham mulheres como chefe de família, eu não consigo. Quero trabalhar com as famílias de uma determinada comunidade, fazer um recorte, priorizar... Pelo menos, a gente aqui não consegue, não sei o nível central”. (47 anos, formada em 1991).

“o CRAS não consegue construir a sua proposta de trabalho pra oferecer para aquela população, aquele perfil que você levantou no Cadúnico, porque o Cadúnico não volta com informação pra mim. Eu só insiro a informação. o resultado trabalhado, bonitinho não volta para mim. Por exemplo, se o CAS hoje cadastrou 100 jovens; se esses 100 jovens têm 5ª série, 8ª série. é isso, então aquele cuidado todo, aquela informação rica com a qual eu posso estar planejando, sendo chamada pelo gestor para planejar... ‘o que você acha que tem que ter’? ‘o que você acha que a gente pode construir

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aqui’? Não é usada, não se trabalha as informações. Então, eu sou mera produtora de informação, eu sou mera executora, não sou a pessoa que vem para planejar a relação”. (32 anos, formada em 1999).

“Acho que eu gostaria mais de obter esse retorno das informações. Isso aí para mim seria muito importante, coisa que a gente não tem propriamente no trabalho aqui. A gente não tem muito retorno, a gente tem uma informação muito rápida junto à Caixa, até para poder dar um retorno para o próprio usuário. Mas de uma maneira geral, dados consolidados, a gente aqui na execução, nesse momento, a gente não tem”. (33 anos, formada em 2001).

Cabe perguntar se as dificuldades de acesso às informações são geradas pela fra-

gilidade de uma política de divulgação e disseminação por parte do MDS, ou se

tais informações são produzidas e divulgadas, mas, no entanto, não atingem as

equipes técnicas por falhas de comunicação e articulação no interior da estrutura

do município. Trata-se de uma questão importante, que merece atenção.

Lindert et al. (2007, p. 39), já há algum tempo atrás, observaram a política do MDS

de produzir boletins regulares com informações básicas sobre o Cadastro único

e sobre o Programa Bolsa Família, os quais eram enviados por correio eletrônico

para os municípios e estados. Se essa política ainda continua em vigor, o problema

parece ser a chegada das informações nos equipamentos, como os CRAS e CREAS.

A relevância do Cadúnico, como apontado, é justamente potencializar a gestão

pública por meio do acesso a dados, informações e perfis. A conjugação entre po-

lítica social e tecnologias da informação e comunicação só demonstra o seu valor

se imprimir à informação um caráter estratégico, e para isso ela precisa estar aces-

sível aos sujeitos envolvidos na condução das políticas, tanto gestores, quanto

técnicos. A “função diagnóstica” do Cadastro único, como apontado por Barros et

al. (2009, p.39) precisa ser apropriada pelo conjunto dos profissionais envolvidos

em sua utilização. Neste sentido, aproveitando a sugestão de Lindert et al. (2007,

p. 50), fica demonstrada a importância de fortalecer os canais de comunicação

entre os municípios, o MDS e a Caixa Economica Federal, no sentido de que as

informações provenientes do Cadastro possam ser rapidamente disponibilizadas

aos profissionais, que criativamente possam se apropriar destes dados e convertê-

-los, a partir das demandas e possibilidades identificadas, em projetos e propostas

de atuação junto às famílias.

Por outro lado, vale considerar a interessante observação feita por Romero (2010,

p.73), que, ao abordar algumas questões do Cadúnico, aponta a existência de uma

carência de aplicações na versão cliente, que poderiam ser instaladas nas Prefei-

turas e tornar o uso do Cadastro ainda mais ágil e útil. o autor destaca a impor-

tância de aumentar a geração de relatórios mais ágeis e variados, que permitam

produzir estudos e diagnósticos, o que, hoje, segundo o mesmo, as prefeituras não

conseguem obter diretamente do sistema. Por outro lado, como política de gestão

da informação, o MDS disponibiliza uma diversidade de dados e informações em

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seu portal, por meio da Matriz de Informações Sociais (MI Social), importante fer-

ramenta que poderia ser objeto de consulta recorrente dos profissionais. De forma

geral, fica demonstrada a relevância de se aprofundar esta função diagnóstica do

Cadastro único, e o exercício desta função demanda uma série de condições que

permitam o aproveitamento da rica fonte de informações disponibilizadas pelo

sistema. Neste sentido, a capacitação ocupa lugar de destaque, devendo, justa-

mente por isso, ser cada vez mais aprimorada.

Ressalta-se, também, a importância de intensificar ou, ainda, estimular a produção

e disseminação de boletins e informativos que socializem amplamente as infor-

mações e dados básicos do Cadúnico entre os profissionais integrantes tanto da

gestão quanto da equipe técnica. Além disso, o aprimoramento dos canais de co-

municação entre MDS, Caixa Economia Federal e municípios também aparecem

como uma importante estratégia para o aprofundamento na produção e acesso às

informações do Cadastro único pelos profissionais que lidam com ele cotidiana-

mente.

PrOcessOs de caPaciTaçãO

A crescente incorporação das tecnologias da informação e comunicação às polí-

ticas sociais decorre da transferência de diversas atividades e tarefas para o am-

biente tecnológico. Este processo tem sido acompanhado por processos de capa-

citação e qualificação diversificados, que visam estimular e mediar a apropriação

destes novos recursos. Por conta da experiência piloto de implantação da versão

7 do Cadastro único, o MDS realizou recentemente um maciço processo de capa-

citação dos seus operadores, tanto no que se refere ao uso dos novos formulários,

quanto em relação à adequação ao novo sistema de cadastramento on line. Tais

capacitações têm provocado expressivos impactos na gestão do Cadastro único e

na promoção do seu uso no território do município do Rio de Janeiro.

os profissionais entrevistados ressaltam o valor das capacitações, reafirmando a ri-

queza e a relevância destes momentos de reflexão e treinamento. Apontam, ainda,

a necessidade de intensificar estes momentos, sugerindo o seu aprofundamento

e reconhecendo a importância de um preparo consistente para operar e aprovei-

tar o potencial do Cadastro único. Sinalizam que as capacitações realizadas até o

momento têm se constituído mais como um ponto de partida, uma orientação ou,

ainda, uma apresentação mais geral e abrangente do Cadastro, sendo necessários

outros momentos para ampliar os temas e questões levantados. os profissionais

destacam que as principais dúvidas e problemas aparecem e são equacionados

durante o uso cotidiano do Cadastro, ao longo do processo de atendimento, no

dia-a-dia, sempre contando com a colaboração e contribuição dos colegas que já

detêm um maior domínio operacional deste sistema.

“Quando entra uma versão nova eles realmente fazem a capacitação, mas eu nem posso dizer se a capacitação em si ajuda, porque eu acho que tudo é novo, é no dia-a-dia, então muitas vezes a gente tem dúvidas e não tem quem tire essas dúvidas. Na capacitação é dado um ‘a, e, i, o, u’, digamos assim. No dia-a-dia que a gente vai tendo e vendo as dificuldades.

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Mas, é importante essa capacitação para que a gente saiba pelo menos como operar no início do sistema, depois a coisa vai mudando a cada dia”. (42 anos, formado em 1998).

“Não é capacitação, eu não chamaria de capacitação, é uma orientação sobre o Cadastro único. você começa a utilizar, vai acertando, vai errando, mas é tudo muito dinâmico. Eu vejo mais como um momento de informações”. (37 anos, formada em 2005).

“Na verdade, as capacitações são importantes porque você visualiza a coisa ali aquele momento, mas no dia-a-dia é a prática, não deixa de ser porque os erros acontecem, as irregularidades vão aparecendo, a gente vai corrigindo no dia-a-dia, o que na capacitação não acontece”. (54 anos, formada em 1982).

“o Cadastro em si ele não é difícil, ele é autoexplicativo, ele pergunta você diz sim, não, e tal. o único problema é que tem algumas situações que a gente tem e só aprendeu na prática: ‘Ah, salva por página’, depois você vê que não tem que salvar por página, só tem que salvar no final, senão ele dá alguns problemas. Tem algumas coisas que só na prática... na capacitação não, eu acho que ele era tão novo que os problemas vieram com a prática”. (45 anos, formada em 1988).

os entrevistados apontam alguns limites identificados em suas experiências de

capacitação, tais como, por exemplo, a baixa disponibilidade de computadores

para a realização de treinamentos, os quais, além de atrair a atenção dos profissio-

nais e tornar o aprendizado mais interessante, poderiam propiciar o detalhamento

de problemas e dificuldades operacionais. os profissionais sugerem uma atenção

maior para a qualidade das apresentações, para a metodologia empregada, e um

uso mais consistente dos manuais de treinamento, com acompanhamento mais

direto de supervisores e/ou instrutores.

“Toda a capacitação é sempre bem-vinda, mas eu penso que ela precisa ter um pouco mais de qualidade. Como eu falei pra você, é um projeto piloto, a gente não consegue, como eu vou dizer pra você, a gente não consegue esmiuçar todas as possibilidades que o sistema tem. Tem uma cartilha lá e as pessoas acabam reproduzindo o que tem na cartilha, só que o trabalho com gente é muito mais dinâmico que uma cartilha”. (47 anos, formada em 1991).

“Eu só participei de uma capacitação e nessa capacitação você não tinha um computador disponível para você; era um computador com uma pessoa na frente que explicava para um público de vinte, mais ou menos, assistentes sociais. Eu achei

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que essa metodologia, sem você ter acesso ao computador, ela é menos interessante do que se você tivesse acesso direto”. (45 anos, formada em 1988).

o reconhecimento da importância das capacitações é tão significativo que os

profissionais sugerem o aumento da sua quantidade. Destacam a insuficiência da

carga horária utilizada, e também, a pertinência de um processo de capacitação

continuada, com certa periodicidade, que possibilite um acompanhamento siste-

mático de situações complexas, dúvidas, questões, troca de informações, debates,

enfim, um espaço presencial que possibilite o aprofundamento e a qualificação do

uso do Cadastro.

“é muito importante, só que eu acho que a gente deveria ter mais, deveria ser uma capacitação continuada, em relação a dúvidas também que nós temos”.(58 anos, formada em 1977).

“A capacitação, eu participei, gostei, foi bem dinâmica. Eu consegui tirar muitas dúvidas, acho que foi extremamente importante. Mas acho que tem que ter, mesmo que seja bimestralmente, não sei se seria capacitação, mas, por exemplo, uma renovação, um debate, para ir aperfeiçoando o trabalho, talvez, assim eu acho que seria enriquecedor para quem realmente mexe com o cadastro”. (31 anos, formada em 2001).

“Eu fiz, a minha capacitação na versão 7, durou uma semana, mas não foi suficiente, o conteúdo todo da capacitação não foi dado. Eu acho assim, não foi uma capacitação negativa, mas tinha que ter mais capacitações, não é que o conteúdo não foi dado, mas assim, foi passado muito corrido, a capacitação até que foi positiva, mas havia a necessidade de uma continuidade dessa capacitação”. (32 anos, formada em 2002).

A demanda por momentos de capacitação continuada e qualificação é recorrente

entre os assistentes sociais. As alternativas para promoção de espaços de discus-

são não precisam ser reduzidas aos espaços presenciais, podendo também ser fo-

mentadas no chamado ciberespaço. Para ilustrar essa possibilidade, em consulta à

Internet foram identificadas algumas iniciativas virtuais de troca de informações e

experiências sobre o Cadastro único, tais como blogs e fóruns de discussão7. Além

disso, é válido considerar iniciativas como convênios e parcerias com universidades

e centros de estudo e pesquisa que podem somar esforços no sentido de subsidiar

e aprimorar as capacitações para o processo de cadastramento, tanto na inclusão e

manutenção dos dados, quanto na sua análise e avaliação. Desta forma, é marcante

a importância de continuar e, na medida do possível, ampliar o investimento que

tem sido feito nos processos de capacitação e qualificação em relação ao Cadastro.

os entrevistados ainda sugerem uma ampliação do elenco de temáticas tratadas

nas capacitações, abordando assuntos que extrapolem o uso do Cadastro, em si, e

7 uM ILuSTRATIvo ExEMPLo PoDE SER ACESSADo EM HTTP://WWW.FoRuMCADuNICo.CoM.

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contemplem questões técnicas mais complexas que permeiam o cadastramento.

Consideram que as capacitações não deveriam ser apenas no uso do sistema, mas

também incorporar conteúdos transversais e necessários à realização das entre-

vistas, ultrapassando a dimensão operacional e interagindo com temas fundamen-

tais ao trabalho e à coleta consistente de dados.

“Eu até participei da capacitação, até que é boa, mas só no dia-a-dia para você pegar as manhas do sistema. [o que você achou dessa capacitação?] Eu gostei ela explica tudo direitinho, mas tem situações que fogem da capacitação. [Como por exemplo?] vamos dizer... tem cadastros que é avaliação técnica. Hoje em dia tem famílias que são duas vivendo no mesmo domicílio, vamos supor, tem pai, mãe e filho, e tem outro filho que tem uma família vivendo naquele domicílio, mas a lógica do sistema é que você cadastre todos que morem naquela residência. Mas aquelas famílias, uma tem a renda x e a outra renda y, entendeu? Se você contemplar aquelas famílias como se fossem uma só, aquela que não tem renda seria prejudicada, então você vai ter uma avaliação técnica, então você vai desmembrar essa família. A gente, enquanto técnica, a gente pode fazer isso, a gente tem essa brecha. [No treinamento explicou isso?] Não, disse para a gente incluir toda família, mas entre a gente, tem esse consenso, enquanto Assistente Social”. (35 anos, formada em 2002).

à medida que a operação do Cadastro vai se intensificando, novas demandas vão

aparecendo, e seu atendimento permite que o processo de cadastramento seja cada

vez mais aprimorado, podendo gerar, inclusive, impactos para a redução dos erros

de focalização. Como observaram Barros et a. (2009), “a qualidade de um cadastro

está diretamente ligada ao seu uso” (p.11), e neste sentido, o aprofundamento dos

processos de capacitação e qualificação relativos ao Cadastro único consiste numa

demanda legítima que expressa melhorias não apenas na inclusão e manutenção

dos dados, mas também na produção de análises, perfis e indicadores.

As capacitações sobre o Cadúnico precisam avançar, ampliar o seu alcance, absor-

ver novos temas e conteúdos, atingindo e atraindo o interesse e o reconhecimento

de cada vez mais operadores do Cadastro. Assim, algumas sugestões interessantes

merecem ser apreciadas: 1) criar espaços de acompanhamento contínuo e siste-

mático; 2) envolver atores e parceiros que possam contribuir para o aprimoramen-

to do processo de cadastramento, como universidades, centros de pesquisa e or-

ganizações sociais; 3) ampliar os temas e conteúdos abordados.

Segundo os relatos dos profissionais, a condução dos atendimentos demanda uma

série de conteúdos, capacidades e competências, e a qualidade da informação

produzida encontra-se relacionada à qualidade da formação detida pelo profis-

sional, que o qualificará para outras dimensões, além da operativa. Desta forma,

novas estratégias de ampliação da qualificação do uso do Cadastro podem ser es-

timuladas tanto pelo MDS quanto pelos sujeitos direta ou indiretamente envolvi-

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dos com o seu uso e aproveitamento. A percepção de informações inconsistentes

e a sua verificação é fundamental para que o mecanismo da focalização funcione e

aqueles que são efetivamente elegíveis tenham acesso ao programa. Capacitações

“ampliadas” podem contribuir significativamente para imprimir mais qualidade e

consistência aos dados inseridos no Cadastro. Como sugeriram Lindert et al. (2007,

p.50), é preciso ampliar o treinamento no uso do Cadúnico, aperfeiçoando os pro-

cessos de inserção e manutenção dos dados e informações e proporcionando um

aprimoramento contínuo da sua qualidade. Ações de validação como cruzamentos

e comparações, voltadas à “higienização de sua base de dados” (ASSIS e FERREIRA,

2010, p.231) são fundamentais, mas não esgotam as possibilidades. é necessário

investir em formas cada vez mais consistentes de capacitação e qualificação para

uso do Cadastro, tanto no nível da inclusão de dados quanto no da produção e

disseminação de informações. Numa perspectiva mais ampliada, as capacitações

precisam prover os profissionais de uma competência teórica fundamental à apro-

priação das informações e do conhecimento gerados pelos aportes tecnológicos.

Como lembra Tapajós (2006, p. 183):

“A geração de fontes automatizadas de dados, e a sua consequente transformação em informação qualificada, pleiteiam, ainda mais, a convivência com um aporte teórico expressivo, servindo de escudo contra as práticas reiterativas do mero cumprimento de rotinas e procedimentos sem a devida qualificação profissional”. (TAPAJóS, 2006, p. 183).

As capacitações ocupam posição central no aprimoramento e aperfeiçoamento

não só dos processos de inclusão e manutenção de dados, mas também na identi-

ficação de possibilidades criativas e inovadoras de aproveitamento da riqueza que

estas informações proporcionam. Trata-se, portanto, de uma condição essencial

para a promoção de um uso cada vez mais intensivo, não só no município do Rio

de Janeiro, como em todo o território nacional.

fOcaLizaçãO e renda aUTOdecLarada

Alguns depoimentos dos profissionais entrevistados problematizaram a prima-

zia da renda como critério exclusivo de seleção para inclusão no Programa Bolsa

Família, embora não tenham conseguido formular propostas alternativas a este

quadro. Relatam que, na realização cotidiana do cadastramento, deparam-se com

enormes dificuldades para incluir os usuários extremamente pobres. Ressaltam,

também, a existência de uma grande volatilidade da renda, que, muitas vezes, se-

gundo Barros et al. (2010, p. 122), não é acompanhada pelo cadastramento ou não

é detectada pelos critérios de seleção do Programa Bolsa Família.

“Eu acho que essa questão da renda é muito complicada, pessoas que realmente precisam do Bolsa Família, muitas vezes não conseguem, por causa da renda per capita que eles colocam, da forma que a gente tem que obedecer o programa, então tem pontos negativos e positivos, e um ponto negativo é a questão da relação da renda”. (35 anos, formada em 2002).

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“Por exemplo, dona Maria recebe uma doação de R$200,00 para pagar o aluguel dela, aí tem um quadrinho lá na renda familiar chamado doação. Doação virou renda agora? E se no mês que vem dona Maria não receber esses R$200,00, entendeu? Por exemplo, eu atendi uma família, a senhora trabalhou seis meses durante o ano, ficou desempregada, o marido ficou desempregado, quatro filhos. Se registrar esses dados no Cadúnico, pura e simplesmente, ela não tem direito ao Bolsa Família, porque a renda dela supera. Mas espera aí! Ela está desempregada, o marido está desempregado, quatro filhos, a casa dela está caindo, tiveram as chuvas... Poxa, ela está há um ano desse jeito, se eu registrar esses dados, fazem uma conta mirabolante e ela não recebe o Bolsa Família”. (35 anos, formada em 2000).

uma sugestão interessante detectada nos depoimentos consiste na criação, no

Cadastro, de um espaço para registro das observações e considerações dos profis-

sionais a respeito da condição social da família. Sugerem também que este relato,

poderia ser um Parecer Social, tenha algum tipo de interferência no processo de

seleção dos beneficiários.

“Bom, eu acho que um ponto negativo, que eu sinto falta, é a gente ter alguns espaços onde a gente possa relatar com as nossas palavras algumas coisas que o Cadastro não tem, porque o cadastro é muito fechado, é um cadastro de opções, uma coisa ou outra você escreve. Ele não tem um espaço onde a assistente social possa relatar algo que você viu durante a entrevista e que você gostaria de deixar ali escrito”. (31 anos, formada em 2001).

Soares et al. (2009, p.18) chama a atenção para o impacto de eventuais erros no

levantamento de informações, sugerindo que as famílias que potencialmente

seriam beneficiadas pelo PBF têm nítidos estímulos para subdeclarar sua ren-

da. os autores observam que alguns assistentes sociais, ao identificarem as fa-

mílias pobres, mesmo não satisfazendo formalmente critérios para ingresso no

Programa, podem decidir fazer uma estimativa para baixo da renda familiar, tor-

nando-a elegível. Situações como essas são citadas pelos entrevistados, como a

que se apresenta a seguir:

“Eu não tenho como interferir nisso eu não tenho como dizer ‘olha, essa família é mais prioritária do que essa’. Eu não posso falar assim: ‘o meu parecer social é esse. Continua pagando porque eu, como técnica do Serviço Social, estou acompanhando ele, então vou fazer com que ele venha, vou colocar ele no projeto assim assado, dá três meses, quatro meses, não cancela o benefício’. Então as pessoas começam a fazer manipulação errada, porque você começa a forjar os dados. Então tira o menino que está dando problema

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no Cadastro único para que aquela família, que precisa, possa receber o benefício do Bolsa Família. vai diminuir um pouquinho, mas não vai ficar sem nada. Então, eu crio, dentro do sistema, uma forma de manter aquele menino dentro do Programa, e vou monitorando lá o sistema pra interferir. Então assim, aquele menino que tem problemas, que não vai à escola, ele não está indo à escola agora, mas está num tratamento de saúde. Faz diferença, é isso que as pessoas não querem ouvir. (...) o acompanhamento social não está interferindo nesse programa, o programa é que está interferindo no meu acompanhamento social, e aí para que as pessoas não saiam prejudicadas, eu tenho que manipular a informação. Eu vi muitas assistentes sociais fazendo isso, tirando o menino, continuando a acompanhar ele, mas tirando o menino para que continue o benefício”. (32 anos, formada em 1999).

De acordo com este depoimento, práticas de “adequação” de dados, forjadas para

“forçar” a seleção de determinadas famílias, embora não generalizadas, existem,

e precisam ser combatidas. Ainda que o profissional tenha uma avaliação social,

crítica, que sinalize a importância da inserção desta família no Programa, a solução

relatada não é a adequada. A questão que se coloca, portanto, é definir a alter-

nativa que poderia ser adotada para dirimir tais práticas, e, consequentemente,

reduzir os erros de focalização. Barros et al. (2009) aponta que o objetivo central

do Cadúnico, desde a sua criação, foi a seleção das famílias a serem beneficiadas

pelos programas de transferência de renda condicionada, com a preocupação de

garantir um elevado grau de focalização para tais programas. Como esta seleção

tem sido feita apenas com base na renda autorreportada, nem sempre as informa-

ções relatadas pelas famílias correspondem à realidade. Esta situação pode gerar

distorções, como demonstram os depoimentos a seguir:

“Existe uma questão da divulgação das informações dos usuários que é declaratório e isso muitas vezes gera uma discrepância, pessoas que muitas vezes têm maiores necessidades, maiores vulnerabilidades, não conseguem acesso a determinados programas, e outras que omitem algumas informações às vezes conseguem. é uma coisa que a gente não consegue resolver. A questão declaratória ela deixa muito aberta, as pessoas declaram o que quiserem e hoje, na sociedade em que o trabalho, na grande maioria para pessoa de baixa renda, é informal, ela pode declarar o que quiser. Já uma família que tem uma carteira assinada, mas ganha apenas um salário mínimo e que está numa situação muito precária, às vezes fica de fora porque está registrado, e aquele que é informal muitas vezes ganha mais e diz que ganha menos e está no programa, então muitas vezes gera desigualdade aí”. (30 anos, formada em 2002).

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“Tem muitos usuários que não precisariam receber esse benefício. Tem pessoas que têm Bolsa Família e têm uma renda de dois mil reais... o Sistema não consegue cruzar os dados que a gente alimenta e as pessoas continuam recebendo. (...) Tem rendas declaradas e não declaradas, tem pessoas que recebem com carteira assinada; eles deveriam ter um sistema de ponta que pudesse cruzar os dados. Tem pessoas que não conseguem receber porque não têm o perfil. Como uma vez, uma pessoa que tem casa, que tem carro e continua recebendo, e a outra que não tem nada, não recebendo”. (32 anos, formada em 2005).

Mostra-se relevante a reflexão sobre as possibilidades de se considerar o uso de ou-

tras informações, além da renda, presentes no Cadastro, ampliando o rol de fatores

que permitem predizer a renda familiar e, com isso, melhorar o grau de focalização

do Programa Bolsa Família (BARRoS et al., 2009, p.9). Para além dos cruzamentos,

verificações e comparações, os assistentes sociais parecem demandar o reconhe-

cimento da relevância do seu Parecer Social, o qual, segundo sua visão, poderia ter

algum tipo de interferência ou impacto no processo de seleção dos beneficiários.

Trata-se de uma questão polêmica, mas que poderia trazer grandes avanços para

o Programa, seja no âmbito da melhoria da focalização, seja no âmbito da própria

capacitação, já que o aumento das responsabilidades deste profissional aumentaria,

consequentemente, os níveis de qualificação e competência exigidos.

Como salienta vieira (2009), os erros de inclusão no Cadastro ocorrem quando uma

família fora do perfil é cadastrada com renda subdeclarada e é beneficiada. uma famí-

lia incluída por erro pode ocupar a vaga de uma família com perfil pobre que não está

cadastrada, gerando os erros de focalização do Programa. os depoimentos dos assis-

tentes sociais demonstram que muitas famílias se encontram em situação de pobreza

extrema, precisam receber o benefício, mas, por uma série de fatores não previstos,

não se enquadram nos critérios definidos no Programa. Elas não estão fora da condi-

ção de pobreza; o perfil estabelecido é que não consegue absorver estas famílias. De

certa forma, a adoção de um Parecer Social, e a interferência deste Parecer na seleção

dos beneficiários, poderia reduzir, ou corrigir, algumas distorções. Fica explícito nos

depoimentos dos profissionais que essa redução de erros de focalização também é

buscada por eles, só que, muitas vezes, com a utilização de meios incorretos. Estes

profissionais conhecem, de forma detalhada, pelo cotidiano do trabalho profissional,

as famílias, suas necessidades, suas características. Pleitear uma maior interferência

técnica no processo de seleção dos beneficiários é uma demanda legítima destes pro-

fissionais, já que são eles que identificam e convivem diariamente, com as consequ-

ências destas distorções. Além disso, outras ações que permitem a redução de erros

de focalização são apontadas pelos profissionais entrevistados, como, por exemplo,

a verificação da veracidade dos dados e informações reportadas por meio de visitas

domiciliares e a adoção de um processo contínuo de entrevistas aos beneficiários,

visando atualizar sistematicamente o Cadastro, identificar lacunas e inconsistências,

e construir novos indicadores de monitoramento, acompanhamento e avaliação do

Programa e de seus impactos sobre as condições de vida desta população.

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“Agora, a gente precisa estar validando esses dados através de visitas domiciliares, de grupos de convivência, porque as pessoas vêm aqui querendo um benefício imediato. A gente precisa estar monitorando essas famílias e atualizando. Eu acho que essa atualização tem que ser uma atualização contínua, de seis em seis meses, de quatro em quatro meses, eu não sei que dinâmica a gente vai ter que ter, mas, assim... o primeiro contato ou o segundo contato é o Cadastro, a pessoa vai lá e coloca o que ela quer: o benefício; ela vem aqui atrás do benefício. é através do acompanhamento que a gente vai vendo as nuances e as possibilidades dessas famílias. E aí a gente vai ver, ela está falando isso aqui, mas não é bem isso. Assim, as visitas domiciliares, o acompanhamento das famílias é fundamental para validação desse Cadastro, a atualização é muito importante, atualização não só da escola que mudou ou o domicilio que mudou. um indicador que a gente percebeu, a criança que tem condicionalidade na educação, a mãe vem aqui pra tirar do Cadastro, não vamos tirar do Cadastro enquanto não fizer uma visita domiciliar e um contato com a escola. Porque, para ela não ter o beneficio bloqueado, porque o filho é faltoso ou infrequente na escola, ela acaba excluindo. Por que isso? Isso é um indicador para desenvolver política, então tem que se pensar em desenvolver algum tipo de ação naquele território ou naquela determinada escola ou naquele determinado bairro, por conta da infrequência de adolescente na escola. Tem que se pensar ou um programa ou uma ação dentro de algum programa que já existe para aquelas crianças ou adolescentes de um determinado território. Nem é o sistema que está me dando isso, a própria escuta, a própria chegada. ‘Eu vim aqui atualizar’, ‘o que a senhora veio atualizar?’, ‘Eu vim tirar meu filho do Bolsa Família’, ‘Por quê?’, ‘Ele foi morar com a avó’, ‘Foi morar com a avó por quê? Está morando onde? Qual a escola? Não sabe?’. Espera aí, como é isso? é esse instrumento, é essa entrevista, é esse Cadastro que a gente usa que vai estar ali no cotidiano do CRAS alinhando”. (47 anos, formada em 1991).

As sugestões apresentadas pelos profissionais colocam uma série de questões e

desafios que poderiam ser abordados ao longo de processos de capacitação contí-

nua, em que tais questões pudessem ser discutidas do ponto de vista, técnico, ético

e institucional. é nesta perspectiva que se concorda com Barros et al. (2010, p.121),

que observam a relevância de um treinamento mais qualificado da equipe de ca-

dastramento. Treinar e qualificar de forma cada vez mais consistente os profissionais

pode levar à melhoria do processo de coleta dos dados e, consequentemente, au-

mentar os níveis de validação do Cadastro. Se, como sugeriram Lindert et al. (2007,

p.50), é importante reduzir as irregularidades por meio de verificações automáticas

baseadas em cruzamentos externos e internos, também é válido considerar a pro-

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posta de uma ampliação qualitativa das informações constantes do Cadastro, in-

corporando cada vez mais a contribuição técnica dos assistentes sociais, que, como

visto, têm muito a oferecer na adequação do Sistema à realidade das condições de

vida das famílias. Assim, ao mesmo tempo em que a competência do profissional, de

avaliar as condições de vida das famílias é valorizada e absorvida, pode-se diminuir

a probabilidade de informação falsa, manipulada e inconsistente.

infraesTrUTUra

A conjugação entre as políticas sociais e as tecnologias da informação e comuni-

cação tem acarretado uma série de impactos para gestão das políticas públicas.

Do ponto de vista da infraestrutura, verifica-se que as políticas sociais têm estado

cada vez mais permeáveis às novas tecnologias. Como mostra o Perfil dos Municí-

pios brasileiros elaborado pelo IBGE (IBGE, 2010), para a área da Assistência Social,

em 2009 somente 39 municípios brasileiros não possuíam qualquer computador

em funcionamento nos órgãos gestores desta política. Em 2005, esse número era

de 184 municípios. observa-se, no período 2005/2009, um aumento na propor-

ção de municípios com computadores em funcionamento em órgãos gestores da

assistência social: 97,1% dos municípios declararam ter o equipamento em 2005,

enquanto em 2009 essa proporção representou 99,3% do total de municípios do

País. Em relação à Internet, em 2005, 88,9% dos municípios brasileiros contavam

com acesso a Internet no órgão responsável pela política de assistência social,

dentre os quais 79,7% tinham acesso por banda larga, enquanto para 20,3% o

acesso era discado. Em 2009, 98% dos municípios contavam com acesso à Inter-

net, sendo 93,4% com conexão por banda larga e 4,7% por acesso discado.

Esta incorporação das novas tecnologias à política de assistência social tem sido

verificada no município do Rio de Janeiro, e o uso do Cadastro único nos equipa-

mentos da SMAS é apontado pelos profissionais como um gerador de mudanças sig-

nificativas na infraestrutura do município, as quais contribuem para a melhoria não

só do cadastramento, mas também do conjunto dos programas e ações realizados.

“Antigamente a gente tinha menos computadores, e na versão 6, até junho do ano passado, o cadastro era off-line, ou seja, ele trabalhava sem internet. Essa nova versão do cadastro, que é a 7, ela é online, não trabalha sem ter a internet e isso meio que obrigou, forçou a Prefeitura do Rio a instalar internet nos Centros de Referência para que o cadastro pudesse funcionar, então, essa obrigação foi uma coisa positiva” (39 anos, formada em 1998).

“As condições melhoraram muito, porque antes era muito mais precarizado, tivemos obras aqui, colocaram computadores novos, cadeiras, mesa, então hoje a gente está até em um nível bom de trabalho. As facilidades, a gente já está no computador, tem acesso rápido”. (39 anos, formada em 1998).

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Apesar destes avanços, as dificuldades e desafios ainda são muitos, como apontam

os profissionais, e a principal delas corresponde à ainda insuficiente infraestrutura

disponível, expressa pela pouca disponibilidade de computadores e pela baixa ve-

locidade da internet, fundamental para a utilização desta nova versão do Cadastro

único. De acordo com os entrevistados, a infraestrutura disponível ocasiona uma

série de dificuldades na operação do Cadastro único, com destaque para a baixa

qualidade da conexão com a Internet e a precária manutenção dos computadores.

o Manual operacional do Cadastro único8 recomenda uma conexão mínima de

banda larga de, pelo menos, 1 Mbps, e memória RAM de 2GB. Segundo os entre-

vistados, os equipamentos usados no cadastramento parecem não atender a esta

configuração mínima, como sugerem os depoimentos a seguir:

“A maior dificuldade é isso, não termos uma banda larga para segurar isso. Porque é uma coisa boa online, porque eu vejo isso na minha casa, quando eu faço, é muito rápido. Quando eu levo trabalho para casa é muito rápido, não é essa lentidão que é aqui; porque eu tenho banda larga, não é do Cadúnico, não é do programa, é da conexão. Então esse é o grande entrave no nosso atendimento, porque você às vezes fica uma hora, uma hora e meia com uma pessoa para você atualizar um cadastro”. (56 anos, formada em 2001).

“o ideal é que todos os computadores tivessem uma manutenção contínua e que se tivesse computadores mais novos para que suportem melhor o acesso à internet, e que a rede mesmo seja uma rede de banda larga”. (32 anos, formada em 2002).

“A questão do Cadastro único, o problema é a Internet, a Internet é um problema sério porque é lenta e, fora o sistema, (...) que também dá umas coisas que a gente está aprendendo, usando ele há pouco tempo, a gente fica sem saber, ele pára, tem hora que some, fica dando erro de TI, fica acontecendo isso sempre. é uma dificuldade a questão do uso, não só devido à Internet, mas por conta de problemas do próprio Cadastro único. Eu sei, a nossa coordenação nos fala que está num processo de adaptação, então todo problema a gente relata, eles passam para a Caixa e MDS, mas só que alguns foram resolvidos outros continuam acontecendo, aí tem algumas estratégias para você superar esses problemas que continuam acontecendo”. (30 anos, formada em 2005).

Algumas estratégias foram criadas para tentar contornar os problemas referentes

à infraestrutura. Alguns entrevistados relataram, por exemplo, a utilização de labo-

ratórios de informática da Secretaria Municipal de Educação, e, ainda, o estabele-

cimento de parcerias com escolas para usar a sua infraestrutura:

8 DISPoNÍvEL EM HTTP://WWW1.CAIxA.Gov.BR/Gov/Gov_SoCIAL/MuNICIPAL/DISTRIBuICAo_SERvICoS_

CIDADAo/ CADASTRAMENTo_uNICo/DoCuMENToS_DoWNLoAD.ASP

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“os CRAS não tinham acesso a Internet, a gente conseguia entrar no sistema online nas escolas utilizando sempre as salas de informática das escolas”. (37 anos, formada em 2005).

Porém, na grande maioria dos depoimentos, a alternativa apontada foi mesmo o

registro no formulário impresso para depois digitar os dados no Sistema, o que

acabava gerando desperdício de tempo, de recursos e trabalho em dobro.

“Quando a internet não funciona a gente escreve no caderno, que depois tem que ser digitalizado... se o benefício do usuário está bloqueado, para ser cancelado, demora muito mais tempo para reverter esse processo. Então, isso tudo dificulta e o beneficiário, o usuário sai prejudicado e muito nesse processo”. (58 anos, formada em 1977).

“... a nossa internet é 3G, uma conexão falha, tem dias que funciona bem e tem dias que não funciona, se passa uma nuvenzinha a conexão já fica ruim, aí a conexão não funciona e a gente tem que fazer no manual, são dois trabalhos, você vai escrever para depois passar para o computador”. (32 anos, formada em 2002).

Apesar das dificuldades relatadas pelos profissionais, isso não tem impedido o

processo de cadastramento no município do Rio de Janeiro. Tais dificuldades

apenas demonstram parte dos enormes desafios com os quais os profissionais se

defrontam diariamente no esforço de tornar o Cadastro único uma realidade. o

número de famílias cadastradas cresce a cada ano9, e demonstra que o Cadastro

único tem se firmado como um importante instrumento de suporte às políticas

de proteção social. A superação dos desafios tende a se fortalecer à medida em

que novos investimentos forem feitos com as melhorias de infraestrutura, mas o

fundamental é o compromisso que os profissionais têm demonstrado de tornar vi-

ável o acesso das famílias atendidas a condições de vida mais dignas. Mais do que

investir em equipamentos, é fundamental investir nos profissionais: qualificá-los,

ouvi-los, criar espaços de reflexão e discussão participativos, implementar proces-

sos de avaliação e monitoramento nos quais eles possam contribuir ativamente.

Certamente este não é o único, mas pode ser um dos mais promissores caminhos

para a consolidação e ampliação do Cadastro único.

CoNCLuSão

os desafios que se apresentam à consolidação do Cadastro único são muitos, e

dentre eles encontra-se o esforço de transformá-lo em um efetivo instrumento

de auxílio aos processos de gestão, ampliando sua condição de ferramenta para o

cadastramento e seleção de beneficiários dos programas sociais, e aproveitando o

seu potencial para funções de diagnóstico, planejamento e avaliação, por meio da

9 DE ACoRDo CoM DADoS DA SAGI/MDS, HAvIA No MuNICÍPIo Do RIo DE JANEIRo, EM 2006, 116.961

FAMÍLIAS CADASTRADAS. EM 2011, o NúMERo SALTou PARA MAIS DE 315 MIL FAMÍLIAS.

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produção e disseminação de informações estratégicas para as políticas e ações de

proteção social. Sua atualização constante e a melhoria da qualidade dos dados

coletados é tarefa complexa, e depende do envolvimento de diversos sujeitos,

implicando em grandes investimentos de ordem financeira e técnica, e deman-

dando a disponibilidade de infraestrutura adequada e capacitação dos recursos

humanos.

os resultados preliminares apresentados neste artigo demonstram a centralidade

do Cadastro único no cotidiano da política de assistência social no município do

Rio de Janeiro. As falas coletadas apontam o contundente reconhecimento do va-

lor do Cadastro e suas possibilidades para a melhoria dos processos de gestão dos

programas sociais, sobretudo no que se refere à produção e disseminação de in-

formação estratégica para monitoramento e avaliação das ações. os profissionais

ressaltam a importância da qualidade do processo de coleta de dados durante os

atendimentos aos usuários, destacando como foram valiosas as experiências de

capacitação para operar a nova versão do Cadastro.

Apontam também a existência de uma série de desafios em relação não só ao ca-

dastramento como também ao processo de aproveitamento das informações e co-

nhecimentos gerados. Neste sentido, a consolidação do Cadastro único é mediada

pela intensificação de capacitações periódicas e pela maior disponibilidade de

infraestrutura adequada, com destaque para a conexão com a Internet, essencial

para o uso da sua versão 7.

uma das principais demandas apontadas pelos profissionais entrevistados consis-

te em tornar as informações possibilitadas pelo Cadastro acessíveis a todos os su-

jeitos envolvidos com o seu uso, não só os gestores dos programas, mas também,

os técnicos, que se encontram diretamente implicados na produção das informa-

ções, e os usuários da política, em tese os maiores interessados nas informações

sobre suas condições de vida.

Apesar dos desafios apontados, o uso do Cadastro único tem se mostrado promis-

sor. Sua operação cada vez mais qualificada pode possibilitar mudanças qualitati-

vas nos processos de gestão dos programas, o que passaria a exigir dos profissio-

nais habilidades e competências cada vez mais sofisticadas. Tais capacidades não

são inauguradas pelo Cadastro, mas seu uso competente e qualificado pode criar

condições para que elas sejam mais bem desempenhadas e aplicadas.

o desenvolvimento do Cadastro único precisa ser acompanhado do desenvol-

vimento das diversas competências necessárias ao seu uso, sejam elas teóricas,

técnicas, éticas ou políticas. o caminho para a melhoria do Cadastro passa pela

melhoria da infraestrutura, pela potencialização dos processos de apropriação

das informações, pelo redimensionamento da concepção de capacitação, e pelo

estímulo e valorização da participação dos profissionais diretamente envolvidos

com a sua operação. Trata-se de um conjunto de medidas que contribuem signi-

ficativamente para a consolidação de uma política de gestão da informação em

assistência social no município do Rio de Janeiro. E este não é um desafio apenas

do município e do MDS. outros atores sociais, como universidades e centros de

pesquisa, por exemplo, precisam reconhecer a relevância deste tema e absorvê-lo

em seus processos de pesquisa, extensão, formação e qualificação profissionais.

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