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1 POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRO: o setor público e o privado 1 ARABELA CAMPOS OLIVEN 2 1 Prepared for delivery at the 2012 Congress of the Latin American Studies Association, San Francisco, California May 23-26, 2012. Preparado para apresentação no congresso de 2012 da Associação de Estudos Latino-americanos, San Francisco, Califórnia de 23 a 26 de maio de 2012. 2 Professora de Sociologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande, Porto Alegre, Brasil integrante da Linha de Pesquisa Universidade: teoria e prática do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS e pesquisadora do GEU. (Grupo de Estudos sobre Universidade). E-mail: [email protected]

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POLÍTICAS DE INCLUSÃO NO SISTEMA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRO:

o setor público e o privado1 ARABELA CAMPOS OLIVEN2 1 Prepared for delivery at the 2012 Congress of the Latin American Studies Association, San Francisco, California May 23-26, 2012. Preparado para apresentação no congresso de 2012 da Associação de Estudos Latino-americanos, San Francisco, Califórnia de 23 a 26 de maio de 2012. 2 Professora de Sociologia da Educação da Universidade Federal do Rio Grande, Porto Alegre, Brasil integrante da Linha de Pesquisa Universidade: teoria e prática do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS e pesquisadora do GEU. (Grupo de Estudos sobre Universidade). E-mail: [email protected]

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Introdução O Brasil, atualmente a sexta economia do mundo, é um país de imensas desigualdades de renda, educacionais, raciais, regionais. Elas se traduzem em privação de oportunidades no mercado de trabalho e do gozo dos direitos constitucionais assegurados aos cidadãos, reforçando o ciclo vicioso da exclusão. O novo clima internacional de respeito aos direitos humanos e de incentivo à luta por uma igualdade entre cidadãos que não seja apenas formal, mas também material, levou a um questionamento do tipo de sistema de educação superior que preteria segmentos discriminados da população: negros, índios, pobres, portadores de deficiência em favor de uma elite branca economicamente afluente.

Analisaremos políticas de inclusão no sistema de educação superior tanto público quanto privado e como elas têm incentivado o aumento da diversidade no perfil dos estudantes universitários. Essas políticas, também chamadas de políticas de ação afirmativa, têm caráter transitório e se referem a um conjunto de ações e orientações governamentais ou institucionais destinadas a beneficiar grupos que tenham sido historicamente discriminados. Nesta perspectiva, a sub-representação de grupos em instituições e posições de maior prestígio e poder na sociedade são vistas como reflexo de discriminação (Oliven, 2007 ).

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O setor púbico Políticas de ação afirmativa na educação superior brasileira têm início no século XXI. A primeira experiência teve lugar nas universidades estaduais do Rio de Janeiro, em 2003. No âmbito das universidades federais, a pioneira foi a Universidade de Brasília. Atualmente, de acordo com dados do Laboratório Políticas da Cor, 84 estabelecimentos públicos de educação superior possuem processos seletivos que dão certos tipos de preferência a grupos que até bem pouco tempo constituíam uma minoria nesse setor de ensino. A maior parte deles usa o sistema de cotas, sejam sociais, raciais ou educacionais, nesse caso dando preferência a estudantes de escolas médias públicas onde estuda a maioria da população pobre. Essas escolas, na sua grande maioria, têm poucos recursos comparados aos das escolas privadas que preparam os filhos da elite. Duas universidades federais e as quatro estaduais paulistas utilizam o sistema de bônus. Os demais estabelecimentos separam um percentual de vagas para os alunos, que podem concorrer como cotistas, desde que se enquadrem nos critérios estabelecidos, que podem variar de universidade para universidade, e apresentem um nível mínimo de desempenho no processo seletivo exigido pelos cursos aos quais eles estão concorrendo.

Outra forma de política de inclusão tem sido a expansão da rede federal de educação superior, através do Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, lançado pelo Governo Federal, em 2007, com o objetivo de expandir, de forma significativa, vagas para estudantes de graduação no sistema federal de ensino superior. É preocupação do governo, corrigir o caráter elitista do ensino superior público, tornando a graduação mais acessível àqueles de menor poder aquisitivo e que moram no interior, através da oferta de cursos noturnos e da criação de novos estabelecimentos em um número maior de cidades. A partir do ano de 2003, foram criadas 14 novas universidades federais e mais de 100 campi nas novas e antigas universidades o que possibilitou a criação de novos cursos de graduação, ampliação de vagas e maior interiorização do setor público. Com isso, o número de municípios atendidos pelos estabelecimentos federais passou de 114 em 2003 para 237 até o final de 2011.

É diretriz do REUNI a ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil. Através do melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais, o programa tem por objetivo criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação. A universidade, que postula seu ingresso no REUNI, deverá apresentar um plano, indicando a estratégia e as etapas para a realização dos objetivos propostos. Os recursos adicionais, para cobrir o alcance das metas fixadas pela instituição, em termos de contratação de novos professores, melhoria de prédios, bibliotecas etc. são proporcionais à realização das etapas previstas no plano. Isto indubitavelmente acarreta um acúmulo de tarefas ao atual corpo docente e de funcionários até que novos recursos sejam repassados.

Uma das conseqüências da implementação de políticas de ação afirmativas no sistema público de educação superior, que se diz gratuito por não cobrar matrícula, mas é mantido pelo Estado através dos impostos pagos por toda a população, foi incentivar um debate nacional sobre as desigualdades no Brasil, as funções da universidade pública, o

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papel do exame vestibular, como único ou principal critério de mérito, que legitima uma seleção para entrar na universidade que tem excluído representantes de um contingente significativo da população brasileira - pobres, negros, indígenas - em favor de uma classe média branca mais afluente. Um exemplo de aplicação de cotas numa universidade pública A Universidade Federal do Rio Grande do Sul localizada em Porto Alegre, capital do estado, figura entre as melhores do país. No debate da comunidade acadêmica iniciado pela UFRGS para se posicionar quanto à possibilidade da implementação de cotas na seleção para seus vários cursos, as lideranças de Movimentos Negros e de Comunidades Indígenas se fizeram presentes. Ouvidos os grupos interessados e com base nas negociações com representantes dos vários cursos o Conselho Universitário estabeleceu um total de 30% das vagas, a partir do ano acadêmico de 2008, para estudantes oriundos de escolas públicas sendo que a metade desse percentual para auto declarados afro-descendentes3. Além das cotas sociais e raciais, foram criadas 10 novas vagas na universidade para atender às reivindicações dos grupos indígenas, em cursos escolhidos pelas próprias comunidades, sendo que este último grupo passa por um processo seletivo especial. Os cursos onde indígenas ingressaram em 2008 são: Pedagogia, Enfermagem, Direito, História, Letras, Medicina, Odontologia, Jornalismo e Agronomia. Para matemática não houve candidato aprovado. Com base em questionário socioeconômico, anualmente aplicado aos candidatos a ingresso na universidade, pode-se verificar o impacto do programa de cotas, no perfil dos estudantes que ingressaram na UFRGS. Esse questionário não apresenta dados específicos daqueles que optaram pela classificação de cotistas e dos que concorreram à seleção universal. Foi feito um estudo quantitativo, com base nos dados levantados. Os cursos para os quais os candidatos se inscreveram, foram classificados em 3 grupos: os de baixa densidade com menos de 5 candidatos por vaga; os de densidade média com 5 a 9 candidatos e os de alta densidade, com mais de 9.

3 Pela Decisão 134/2007 o Conselho Universitário da UFRGS instituiu o Programa de Ações Afirmativas através de ingresso por Reserva de Vagas para acesso a todos os cursos de graduação de candidatos egressos do Sistema Público de Ensino Fundamental e Médio e candidatos autodeclarados negros egressos do Sistema Público de Ensino Fundamental e Médio e candidatos indígenas.

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Fonte: Relatório do acompanhamento do ingresso de estudantes no âmbito da política da reserva de vagas da UFRGS no período de 2008-2010. Comparando os dados do ano de 2007, quando não havia política de cotas, com os de 2008, 2009 e 2010, quando passou a vigorar essa política, observam-se aumentos percentuais significativos: entraram na universidade, em geral, no ano de 2007 menos de um terço de alunos provenientes de escolas públicas, 31,53%; e passaram a ser quase metade (49,87, 47,83 e 47,23 por cento) nos anos seguintes. Comparando-se 2007 com 2008, observa-se que quanto mais concorridos os cursos, maior a vantagem para alunos de escolas públicas de assegurar uma vaga, através do sistema de cotas, ou seja: de 22,15% de aprovados no ano de 2007 passaram a 45,13% em 2008, praticamente dobrando a presença de alunos provenientes destas escolas nos cursos de alta densidade por vaga; já nos cursos menos seletivos a diferença do ano de 2007 para 2008 foi de 39,70 para 52,50. Estes resultados mostram como a possibilidade de estudar em escolas privadas de elite que preparam melhor os estudantes para as provas de seleção nas universidades públicas contribui para a reprodução de privilégios, ao diminuir as chances de alunos que freqüentam escolas públicas, de entrar nos cursos mais valorizados.

Fonte: Relatório do acompanhamento do ingresso de estudantes no âmbito da política da reserva de vagas da UFRGS no período de 2008-2010.

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A mesma comparação para estudantes de escolas públicas auto declarados negros mostra um quadro mais significativo, devido a quase invisibilidade de estudantes negros na UFRGS antes da política de cotas. Em 2007 apenas 3,27% dos estudantes aprovados se auto-declararam negros. No ano seguinte a percentagem atingiu 11,03. Nos cursos de maior densidade eles passaram de 2,05% em 2007 para 10,47% no ano seguinte, quintuplicando a presença negra nestes cursos. Nos cursos de densidade média o aumento foi de quase 4 vezes, de 7,99 para 30,73 e nos cursos de baixa densidade o percentual duplicou. Esses últimos são cursos que atraem menos a elite branca, pois oferecem oportunidades menores no mercado de trabalho. A invisibilidade de professores universitários negros é ainda maior no sistema universitário brasileiro. Dados de 2005, baseados no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, apresentam como sendo apenas 1,6% no país. Para Doeber e Grisa “A universidade pública precisa dos alunos afrodescendentes tanto quanto estes precisam dela; novos projetos, novas idéias e um redirecionamento da curiosidade epstemológica, que foi sempre guiada pelo olhar da elite branca brasileira são ingredientes fundamentais para a promoção das mudanças científicas necessárias.” ( Doeber e Grisa, 2012 ) O SETOR PRIVADO Criado em 2004, por Decreto Presidencial e iniciado a partir do ano seguinte com base na Lei Federal n. 11.096/2005, o Programa Universidade para Todos - ProUni - tem a finalidade de conceder bolsas de estudos integrais ou parciais a estudantes em cursos de graduação e seqüenciais, para o pagamento de matrículas em instituições de educação superior do setor privado. As instituições que desejam fazer parte do Programa oferecem um percentual de vagas de 10 ou 20 por cento em seus cursos em troca de isenções de tributos.

Com base nos dados publicados no site do ProUni, os estudantes candidatos a bolsas devem ser brasileiros, não possuir curso superior, ter cursado o ensino fundamental em escolas públicas, ou privadas com bolsa integral, ter baixa renda familiar e ter realizado o ENEM - Exame Nacional da Educação Média. Entre esses candidatos o ProUni leva em consideração o percentual de negros e indígenas da população do estado onde se encontra o estabelecimento tendo como referência os dados censitários; os candidatos a vagas etno-raciais devem se enquadrar aos demais critérios de seleção do programa. São oferecidas, também, bolsas a candidatos portadores de deficiência. Aos professores do ensino fundamental o ProUni oferece bolsas para cursos de licenciatura. Os tipos de benefícios podem ser de bolsa integral (para estudantes que possuam renda familiar, por pessoa, de até um salário mínimo e meio) e bolsa parcial de 50% ou de 25% da matrícula para estudantes que possuam renda média familiar, por pessoa, de até três salários mínimos. [2] [2] O cálculo da renda familiar por pessoa é feito somando-se a renda bruta dos componentes

do grupo familiar e dividindo-se pelo número de pessoas que formam esse grupo familiar. Se o resultado for até um salário mínimo e meio, o estudante poderá concorrer a uma bolsa integral. Se o resultado for maior que um salário mínimo e meio e menor ou igual a três salários mínimos, o estudante poderá concorrer a uma bolsa parcial. Entende-se como grupo familiar, além do próprio candidato, o conjunto de pessoas residindo na mesma moradia que o candidato que, cumulativamente, usufruam da renda bruta mensal familiar

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Cada candidato pode listar dois cursos e duas instituições diferentes de sua escolha. O desempenho dos candidatos no ENEM é usado como critério da indicação das instituições e dos cursos escolhidos privilegiando, assim, o mérito. São feitas duas chamadas a partir da lista dos candidatos contemplados já que existem desistências e remanejamentos. Ao final da segunda chamada, as bolsas não ocupadas são oferecidas aos candidatos que manifestaram seu interesse na Lista de Espera do ProUni. O candidato à bolsa do ProUni não precisa prestar o vestibular na instituição onde pretende cursar. Dependendo do curso, os candidatos pré-selecionados podem passar por um processo seletivo específico, isento de cobrança de taxa. No primeiro ano de funcionamento do ProUni o MEC ofereceu um total de 112.275 bolsas. Durante o período de 2005 a 2010 o número de bolsas oferecidas ultrapassou um milhão, sendo que nem todas foram utilizadas. São oferecidas bolsas em Cursos Presenciais e, também, em Educação a Distância. Nota-se uma expressiva expansão nesse período de 7 anos. Reunindo-se os dados durante o período de 2005 a 2011 prevalece o oferecimento de bolsas integrais, ou seja, 67%, como se pode ver no gráfico a seguir.

Gráfico I (tipos de bolsas período 2005 a 2011)

e sejam relacionadas ao candidato pelos seguintes graus de parentesco: pai, padrasto, mãe, madrasta, cônjuge, companheiro(a), filho(a), enteado(a), irmão(ã), avô(ó).

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É importante chamar a atenção ao fato de que a maioria das bolsas é integral, o que confirma o baixo poder aquisitivo dos bolsistas, uma vez que para receber bolsa integral a renda familiar per capita tem de ser de até um salário mínimo e meio. Essa realidade é corroborada se levarmos em conta o turno dos cursos freqüentados pela maioria dos bolsistas.

A distribuição dos bolsistas em cursos presenciais conforme o turno mostra que

a grande maioria dos estudantes está matriculada em cursos noturnos, ou seja, 601.360 dos bolsistas freqüentam cursos à noite, são estudantes com poucos recursos que, em geral, trabalham durante o dia. Já os que fazem cursos em horário integral são em número bem menor, 30.889.

Outro dado interessante para se ter uma idéia do tipo de expansão é o número de

municípios, que tiveram ofertas de bolsa do PROUNI até o segundo semestre de 2010. São 981, ou seja, quase mil municípios. Esse alcance é uma forma de democratização da educação superior. Cidades pequenas e do interior dos estados se beneficiam ao ter um número maior de estudantes de nível superior, o que geralmente tem um efeito multiplicador estimulando outros jovens a buscarem se aperfeiçoar.

As estatísticas oficiais do INEP com relação aos dados do PROUNI apresentam

as Categorias Administrativas do setor privado em três subgrupos. Gráfico II (distribuição dos bolsistas por categoria administrativa)

Observa-se que praticamente a metade dos bolsistas encontra-se em instituições privadas com fins lucrativos, algumas oferecendo cursos que não exigem grande investimento e de baixa qualidade acadêmica. Esse setor depende do pagamento das matrículas dos alunos para sua sobrevivência e contratação de professores e funcionários.

As instituições do setor público federal são mantidas pelo governo federal e não cobram matrícula dos estudantes O oferecimento de cursos no setor federal, sempre tendeu a se concentrar nas capitais estaduais e em centros urbanos maiores. Este setor oferece cursos altamente seletivos, alguns deles em tempo integral. Após a Reforma Universitária de 1968 o setor federal desenvolveu um importante sistema de pós-

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graduação, com professores qualificados e em tempo integral. Ao mesmo tempo, ocorreu a multiplicação de cursos de graduação no setor privado em inúmeras localidades. Nesse sentido pode-se observar um divórcio entre a expansão qualitativa, que se deu no setor público e a quantitativa da educação superior, que ocorreu no setor privado (OLIVEN, 1990).

Enquanto o setor público manteve o seu caráter elitista, expandindo a pós-graduação e desenvolvendo a pesquisa, a expansão da graduação se deu no setor privado. Esse setor foi ao encontro de uma demanda diferente por cursos superiores, ou seja, estudantes com menor poder aquisitivo, de uma classe média baixa, muitos deles trabalhadores, do interior dos estados ou periferia das grandes metrópoles. As instituições privadas, dependendo das matrículas para a sua sobrevivência, tiveram de se adaptar às características desses novos estudantes oferecendo cursos noturnos, baratos, em cidades menores do interior, que não possuíam universidade ou na periferia dos grandes centros urbanos, onde mora a população mais pobre. Enquanto o setor público possui 249 Instituições de Educação Superior o setor privado conta com 2032 Instituições, ou seja, 89,1% do total (Revista, 2011). A capilaridade, em termos de localização de cursos oferecidos em diferentes turnos, tornou o setor privado mais acessível a candidatos com menor poder aquisitivo e capital cultural.

Nas universidades federais a concorrência, principalmente nos cursos diurnos e de horário integral, é bem maior. Estas universidades são relativamente mais bem distribuídas entre os estados da federação. Por outro lado, muitas instituições privadas funcionam principalmente à noite nelas predominando as atividades de ensino. Elas oferecem cursos menos seletivos e estão concentradas nas regiões mais desenvolvidas, onde o poder aquisitivo da população é maior; A diversidade dos bolsistas do ProUni Políticas de ação afirmativa tendem a aumentar a diversidade na composição do corpo discente nas instituições de educação superior. Para verificarmos o grau de diversidade entre os estudantes contemplados com bolsas do ProUni, iniciaremos comparando os bolsistas com base nas categorias de sexo e cor.

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Gráfico III (bolsas por sexo período 2005 a 2011)

No período do início de 2005 ao final de 2011, cerca de metade dos bolsistas é

do sexo feminino e metade, do sexo masculino, respectivamente 51% e 49%. No que se refere à cor dos bolsistas temos o gráficos a seguir. Gráfico IV (oferta de bolsas por cor período 2005 a 2011)

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Se somarmos as categorias parda e preta, o percentual praticamente se equipara ao da categoria branca, ou seja, 47,9 se auto-declaram pardos ou pretos e 47,6, brancos.

Os dados com base na distribuição dos bolsistas por sexo espelham uma realidade próxima aos da população brasileira, em geral, e do sistema de educação superior no Brasil, em particular. Os dados por cor (incluindo entre negros as categorias preta e parda) nos revelam uma imagem diferente: se por um lado, eles refletem os dados da população brasileira ( metade branca, metade negra), por outro, eles estão longe de refletir a realidade universitária atual, onde estudantes brancos predominam.

Estatísticas oficiais mostram como é grande o fosso que separa a população negra da branca no Brasil (PAIXÃO e CARVANO, 2010). A invisibilidade do negro na maioria dos espaços de poder e de prestígio na sociedade brasileira, como nos cursos mais seletivos das universidades federais, é uma forma de não reconhecimento. O ProUni, como uma política de ação afirmativa, dá um passo a frente na luta por maiores oportunidades aos jovens negros, que em sua maioria estiveram fora do espaço acadêmico.

Outro grupo beneficiado pelo ProUni é o de pessoas com deficiência. No quadro seguinte vemos que é bastante baixo o percentual destes candidatos com relação aos demais, não chega bem a 1 por cento.

Gráfico V (bolsistas pessoas com deficiência período 2005 2011)

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Apesar do pequeno número destes bolsistas, é de se questionar até que ponto instituições voltadas para o lucro e pequenas faculdades do interior podem oferecer condições de atender a este grupo de alunos (5.951) com necessidades especiais.

Chama a atenção o pequeno número de professores do ensino fundamental que receberam uma bolsa para cursos de licenciatura, apenas 1% do total de bolsistas. O baixo interesse de possíveis candidatos em se aperfeiçoar, possivelmente reflita os baixos salários oferecidos a essa categoria profissional.

Considerações finais

No Brasil, a experiência com políticas de ação afirmativa na educação superior é bastante recente, devendo completar uma década no final deste ano de 2012. Ainda é relativamente cedo para se fazer uma análise ampla, pois inclui experiências muito diferentes, tanto no setor público quanto no privado. É comum dizer-se que incluir negros entre os sujeitos de direito das ações afirmativas em nosso país seria imitar os Estados Unidos. O próprio site do jornal New York Times abriu um espaço – Room for debate (espaço para debate) – onde intelectuais brasileiros e de outros países se posicionaram sobre o atual uso destas políticas no Brasil.

Os dados apresentados sobre o ProUni mostram uma grande demanda de alunos de baixa renda e auto declarados pretos e pardos por cursos de educação superior. Os dados disponíveis apresentam o número de bolsistas, mas não os que se graduaram. Ao ser lançado, o ProUni recebeu inúmeras críticas quanto à forma governamental da política escolhida para aumentar vagas nos cursos superiores que privilegiava o setor privado a partir da renúncia fiscal (CATANI; HEY; GILIOLI, 2006). Na verdade aproximadamente metade das vagas oferecidas neste setor estava ociosa e o PROUNI veio socorrer cursos que estavam por fechar. O uso de cotas raciais também tem sido motivo de críticas (FRY, Peter et alli (orgs.), 2007).

Da parte da sociedade civil foi lançado, em 2008, um manifesto encaminhado ao Supremo Tribunal Federal tendo em vista ações diretas de inconstitucionalidade promovidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenem) contra o ProUni (Programa Universidade para Todos) e contra a lei de cotas nos concursos vestibulares das universidades estaduais do Estado do Rio de Janeiro, a serem apreciadas pela referida corte. Neste documento, Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais, os signatários apontam as limitações e os perigos da implementação de políticas diferencialistas baseadas no critério racial e o perigo de que tal política possa acirrar o racismo em nossa sociedade. No mesmo ano outro manifesto 120 anos da luta pela igualdade racial no Brasil: Manifesto em defesa da Justiça e constitucionalidade das cotas, afirma que cotas raciais em universidades públicas e o ProUni (Programa Universidade para todos) no setor privado, significam uma mudança e um compromisso ético do Estado brasileiro na superação de um histórico de exclusão que atinge de forma particular negros e pobres. (Manifestos, 2008)

O primeiro manifesto assume uma posição universalista, a de melhoria dos serviços públicos em geral. O segundo aponta a dimensão das desigualdades raciais no Brasil, e

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vê na aplicação de políticas públicas diferencialistas uma importante forma de, no presente, combater parte dessas desigualdades. Na verdade, políticas diferencialistas não se opõem às universalistas. Para que os cursos que formam a elite não sejam um reduto predominantemente branco, são, atualmente, necessárias medidas diferencialistas. Para que o Brasil se torne um país mais igualitário, políticas universalistas de melhoria dos serviços públicos em geral e desconcentração de renda devem visar toda a população.

O setor privado da educação superior apresenta uma grande desigualdade quanto ao tamanho, condições materiais, qualificação de recursos humanos, orientação (comercial, religiosa, comunitária, filantrópica) e qualidade do ensino oferecido em suas inúmeras instituições. Ao mesmo tempo, este setor, atualmente, oferece maiores opções em termos de turnos e de um grande número de estabelecimentos em diversas localidades. Para que o ProUni possa ser considerado uma política de ação afirmativa e não apenas um mero mecanismo de expansão das matrículas da educação superior, ele tem de levar em conta não apenas o acesso, mas também o processo de aprendizagem no sentido da permanência no curso, e graduação qualificada.

Na medida em que as bolsas oferecidas pelo MEC (e estas já ultrapassaram 1 milhão) representam uma moeda de troca para a isenção de impostos, torna-se imprescindível uma avaliação do que está sendo oferecido aos jovens bolsistas a fim de que recursos da renúncia fiscal sejam bem alocados. Uma das mudanças previstas no Programa é de que a isenção de impostos será dada às Instituições de acordo com as bolsas que de fato forem preenchidas uma vez que muitas instituições inflacionavam o número de vagas, para receber mais bolsas. É o interesse público que necessita ser priorizado e não o das instituições que visam lucro.

Pesquisas têm mostrado que estudantes cotistas, em geral, apresentam taxas de evasão menor do que os demais alunos (MARQUES, 2008). Existem pesquisas que analisam diferentes experiências. São estudos importantes, mas na maioria pontuais. As próprias notícias e fotos postadas no site do ProUni apresentam exemplos pessoais. Considerando os recursos utilizados e o número de anos do Programa, que possibilitaria ter formado várias turmas de diferentes cursos, são muito importantes estudos com um enfoque macro da situação.

Neves (2009) aponta a falta de informação sobre o ProUni como uma das causas que fortalece discursos discriminatórios com relação aos bolsistas. A pesquisa de Carvalho (2011) fortalece este argumento ao mostrar que os bolsistas sentem maior preconceito entre os demais colegas do que entre professores e funcionários. Estes últimos, possivelmente, devem ter mais conhecimento de como funciona o programa, se comparados aos alunos pagantes que só reconhecem a diferença entre os que pagam e os que não pagam. Nesta pesquisa, o referido autor, faz uma avaliação preliminar do Programa e aponta como potenciais efeitos positivos o maior controle da parte do MEC no uso dos recursos referentes à renúncia fiscal da União. Antes do ProUni os recursos referentes à renúncia fiscal eram aplicados pela instituição a partir de seus próprios critérios. Outro aspecto positivo é o uso do desempenho dos alunos no ENEM como forma de privilegiar o mérito. A pesquisa, ao mesmo tempo, aponta limitações pedagógicas e financeiras da inclusão através do ProUni e questiona os efeitos macro sociais e políticos do Programa. Estacia (1909) compara estudantes bolsistas em cursos mais seletivos e menos seletivos de uma Universidade comunitária e mostra que a oportunidade de entrar numa universidade representa uma chance de sonhar com

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melhores oportunidades, não só no mercado de trabalho como, também, na área acadêmica.

A diversidade de alunos pertencentes a grupos que antes quase não tinham acesso a cursos superiores se constitui num grande desafio aos Estabelecimentos de Educação Superior, tanto públicos quanto privados, para bem acolher estes novos estudantes. Na medida em que a distribuição de recursos do ProUni levar em conta a qualidade acadêmica dos cursos para os quais distribui bolsas destinadas ao pagamento da matrícula no setor privado, isso deverá trazer vantagens para os estudantes e o país, uma vez que o setor privado apresenta uma capilaridade na oferta que o setor público ainda não possui, embora a expansão dos últimos anos aponte nessa direção.

As IES públicas e privadas ao propiciarem espaço para que estudantes de escolas públicas, pobres, negros, representantes de comunidades indígenas, pessoas com deficiência tenham maior acesso à educação superior estimulam a diversidade, acolhendo representantes de grupos até então praticamente ausentes nos cursos superiores. Essas políticas estão de acordo com a lei 10.861, que ressalta a centralidade das ações afirmativas nas universidades brasileiras de hoje e considera que a inclusão social será um aspecto a ser levado em conta na avaliação das IES. Assim o país se beneficiará de um conjunto de profissionais com uma visão mais próxima da realidade em que vive a maior parte de nossa população.

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Referências bibliográficas

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