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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (PROPGEO) GRUPO DE PESQUISA: GLOBALIZAÇÃO, AGRICULTURA E URBANIZAÇÃO (GLOBAU) RODRIGO JOSÉ DE GÓIS QUEIROZ POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário FORTALEZA – CEARÁ 2012

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Page 1: POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN… · MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ (UECE) PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA (PROPGEO)

GRUPO DE PESQUISA: GLOBALIZAÇÃO, AGRICULTURA E URBANIZAÇÃO (GLOBAU)

RODRIGO JOSÉ DE GÓIS QUEIROZ

POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário

FORTALEZA – CEARÁ 2012

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Rodrigo José de Góis Queiroz

POLÍTICA URBANA E DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS EM MOSSORÓ – RN: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual do Ceará como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Geografia. Área de concentração: Análise Geoambiental e Ordenação do Território nas Regiões Semi-Áridas e Litorâneas.

Orientação: Profa. Dra. Denise Elias

Co-orientação: Prof. Dr. Renato Pequeno

FORTALEZA – CEARÁ 2012

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Q3p Queiroz, Rodrigo José de Góis.

Política urbana e desigualdades socioespaciais em Mossoró: uma investigação acerca das políticas de implantação da rede de esgotamento sanitário./ Rodrigo José de Góis Queiroz. – 2012.

174 f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro de

Ciências e Tecnologia, Curso de Mestrado Acadêmico em Geografia, Fortaleza, 2012. Área de Concentração: Análise Geoambiental e Ordenação do Território nas Regiões Semi-Áridas e Litorâneas.

Orientação: Profª. Drª. Denise de Souza Elias. Co-orientador: Prof. Dr. Renato Pequeno. 1. Política urbana. 2. Desigualdades socioespaciais. 3. Rede de

esgotamento sanitário. 4. Mossoró – RN. I. Título.

CDD: 910

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Todas as cidades já estão em chamas

consumidas por um desejo voraz quem sabe ainda sobre alguma chance

a tarde, o vento e o mar. Banda Eddie

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Para minha Avó, Terezinha Costa de Góis, grande mulher, que mesmo se graduando apenas em ler, escrever e fazer as contas

domésticas lutou para que seus filhos e netos conseguissem estudar.

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Agradecimentos Primeiramente, gostaria de agradecer às mulheres da minha vida, que sempre com muito amor e carinho me ensinaram a viver. Em especial à minha mãe, Gorete, que apesar das adversidades impostas a vida a uma mulher que resolve enfrentar o mundo, não perdeu a alegria de viver. À minha irmã, Isabelle, que do seu jeito, sempre me incentivou a trilhar os caminhos da vida naquilo que temos prazer. Às minhas tias, Ceição, Naninha, Fatinha, Lucinha, Iha. Sem o apoio de vocês, hoje eu seria uma pessoa diferente. Aos meus tios, Júnior, Neto, Amarildo, Décio, Zito, Neirone, que completam nossa família. Aos meus primos, pela amizade desde a infância. Ao meu avó, Rodrigo (in memoriam), que passou suas experiências e aprendizados para as futuras gerações. À Priscila, pessoa extraordinária que conheci nos tempos de graduação, companheira para todas as horas. Sinto-me feliz ao seu lado. Às amizades firmadas no tempo de graduação, Átila, Jucier, Eider, Ícaro, Josué, André (Bicho), Thamires, Anita, Jean, Diego (Baiano), Mombaça, Amsterdam, Breno, Roniere, Pedro(anarquista). Graças aos nossos grupos de estudos, as atividades realizadas no âmbito do movimento estudantil, bem como os momentos lúdicos, contribuíram para fortalecer as ideias acerca de outra sociedade possível. Aos amigos que me acolheram quando vim transferido da UERN para a UECE, Mariana, Alexandre (Diabim), Haroldo, Marília, Minarete, Kenia, Pirulito, Gil, Sávio, Luciana, por suportarem minhas conversar sobre marxismo nos momentos lúdicos. Aos colegas do Laboratório de Estudos Agrários, hoje Grupo de Pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização, Juscelino, Cíntia, Camila, Iara, Henrique, André. E a nova geração, Leandro, Bruna, Edvania, Sidney, pela possibilidade de compartilhar com vocês momentos de aprendizado. Em especial, a Edna e a Priscila, pelos caminhos que pudemos trilhar em conjunto. Um salve salve ao pessoal da bike, André (Bicho), Arthur (Negão), Diego Nobre, Danilo, Junim, Jorge, Sávio, Tasso, Yara, Baiano, Davison, Ivna, Gledson, Tati, PP, Rafa, Felipe, Paulão, Átila, Anita, Eider, Breno, Téo Bahia, Dida, Adriano. Estes três últimos de Prudente, pelas experiências, conversas, percepções diferenciadas da cidade. Estamos juntos. Aos amigos que pude fazer durante a missão de estudos em Presidente Prudente, Téo Bahia, Rafa(Cabeça), Tom(Gambá), Tiago, Poke, Adriano, Dida, Andrea, Raquel, Rafael, Aislan(tá de brincadeira) por ajudarem a diminuir a saudade em terras distantes. Ao ABU, pela força com as xerox desde a graduação.

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À Profa. Denise Elias, pela paciência na orientação desde a iniciação científica ao mestrado, pela possibilidade de aprendizado da metodologia científica, sem patrulhamento ideológico. Ao Prof. Renato Pequeno, pelas grandes contribuições a este trabalho desde o momento do seminário de mestrado, passando pela qualificação, indicando os caminhos para as discussões em torno da política urbana. Ao Prof. Everaldo Melazzo, pelas contribuições quando no momento de qualificação. Aos Professores Maria Encarnação e Eliseu Sposito, pela recepção em terras prudentinas. Ao Diego (Baiano), responsável pela elaboração técnica dos cartogramas dessa dissertação. À Fundação Cearense de Apoio a Cultura (FUNCAP) pelo apoio financeiro. À Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (RECIME), por proporcionar a minha participação na Missão de Estudos na UNESP – Presidente Prudente, que muito enriqueceu a experiência no mestrado. Ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, no seu corpo docente e funcionários, principalmente à Júlia Oliveira e ao Sr. Francisco, sempre tão atenciosos e dispostos a ajudar.

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RESUMO

Tivemos como objetivo investigar as políticas públicas de implantação da rede de esgotamento sanitário em Mossoró-RN. Tal tema tencionou uma leitura do seu acesso desigual, por meio da explicitação do privilégio de determinados bairros na alocação dessas políticas, evidenciando a precariedade urbana existente na cidade. A escolha pela análise desta variável abriu o caminho para uma discussão sobre a política urbana e as desigualdades socioespaciais no processo de urbanização da cidade. Destaca-se a escolha pelo viés de entendimento através da produção de infraestruturas sociais e não apenas pelo seu consumo, com vistas a sair da esfera da descrição dos fatos para o desvendamento dos processos constituintes da produção da cidade. Desse modo, apresentamos as discussões relativas ao entendimento dos fundamentos da produção social das desigualdades, mediante debate sobre os aspectos econômicos e políticos envolvidos nos momentos de ampliação dos investimentos em infraestrutura no interior do Banco Nacional de Habitação ainda na década de 1970, bem como no contexto contemporâneo com os investimentos em infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento. Trazemos, pois, à tona as perspectivas sociais em meio ao processo supracitado, onde saímos da esfera de análise das determinações gerais do capitalismo contemporâneo para uma análise dos agentes envolvidos na política urbana em Mossoró, identificando os projetos de classe. Buscamos entender as formas de organização social na cidade, entre elas, os movimentos reivindicativos de bairro, no qual nos deparamos com as formas de cooptação relativas ao processo de produção capitalista do espaço.

Palavras-chave: Política urbana; Desigualdades socioespaciais; rede de

esgotamento sanitário; Mossoró.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the implementation of public policies sewage system in Mossoró-RN. This theme purposed a reading of their unequal access, through the explicit privilege to certain neighborhoods in the allocation of these policies, emphasizing the urban precariousness in the city. The choice for the analysis of this variable allowed a discussion on urban policy and the socio-spatial inequalities in the process of urbanization of the city. Our choice is of the understanding through the production of social infrastructure and not just by its consumption, in order to leave the realm of description of the facts for the unveiling of the constituent processes of production of city. this way, present discussions concerning the understanding of the foundations of the social production of inequalities, through debate on the economic and political aspects involved in times of increased investments in infrastructure within the Banco Nacional de Habitação in the decade of 1970, as well as contemporary context to the infrastructure investments under the Programa de Aceleração do Crescimento. We bring the social perspectives in the process above, in which we left the sphere of analysis of general determinations of contemporary capitalism to an analysis of the actors involved in urban policy in Mossoró, identifying the class projects. We search understand the forms of social organization in the city, including the claim movements the neighborhood in which we encounter forms of co-optation on the process of capitalist production of space. Keywords: Urban policy; Social inequalities; sewage system; Mossoró.

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LISTA DE TABELAS Tabela 1: População residente em Mossoró. 1940 a 2010 .................................................. 32 Tabela 2: Número de domicílios com água canalizada em rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 - BR, NE, RN, Mossoró ..................................................................................... 47 Tabela 3: Variação do número de domicílios com água canalizada ligada à rede geral em Mossoró. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010.............................................................................. 47 Tabela 4: Número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010– BR, NE, RN, Mossoró............................................................................ 50 Tabela 5: Variação número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral em Mossoró. 1980, 1991, 2000, 2010........................................................................................ 50 Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte. 2000 ............................................................... 59 Tabela 7: Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2000........................................................................................................................ 62 Tabela 8: Construção de casas de 1997 a 2004 pelos programas habitacionais ................. 68 Tabela 9: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte - 2010.............................................................. 77 Tabela 10: Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2010........................................................................................................................ 81 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Percentual de domicílios com água canalizada em rede geral............................. 48 Gráfico 2: Percentual de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral .......... 51 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Infraestruturas do corredor cultural Avenida Rio Branco ..................................... 72 Quadro 2: Histórico de implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário (1975 – 2011) ................................................................................................................................... 75 Quadro 3: Delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró. ................................................................................................... 157 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de outubro de 1975............................ 33 Ilustração 2: Capa do jornal O Mossoroense, em 11 de novembro de 1975. ....................... 40 Ilustração 3: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de setembro de 1975. ........................ 45 Ilustração 4: Capa do jornal O Mossoroense, em 3 de dezembro de 1980 .......................... 45 Ilustração 5: Capa do jornal O Mossoroense, em 6 de abril de 1974 ................................... 52 Ilustração 6: Capa do jornal O Mossoroense, em 17 de junho de 1981 ............................... 56 Ilustração 7: Metas para saneamento básico 2007-2010 ................................................... 118 Ilustração 8: Previsão de investimento e atendimento em saneamento básico 2007 - 2010.......................................................................................................................................... 118

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Bairros criados até a década de 1970................................................................... 39 Figura 2: Bairros criados na década de 1980....................................................................... 43 Figura 3: Divisão bacias rede geral de esgotamento............................................................ 54 Figura 4: Bairros criados em 1970, 1980 e 1990.................................................................. 57 LISTA DE FOTOS Foto1: Erradicação da Favela da Rosa..................................................................................67 Foto2: Permanência da Favela da Rosa................................................................................69 Foto 3: Erradicação Favela do Fio.........................................................................................67 Foto 4: Permanência Favela do Fio......................................................................................69 Foto 5: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 6: Prédio residencial - Centro.........................................................................................82 Foto 7: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 8: Prédios residenciais - Nova Betânia..........................................................................82 Foto 9: Moradia de luxo - Nova Betânia.................................................................................80 Foto 10: Prédios residenciais - Nova Betânia........................................................................82 Foto 11: Residencia Monsenhor Américo Simonete I. ........................................................110 Foto 12: Cidade sem urbanização - Residencial Monsenhor Américo Simonete I............. 112 Foto 13: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte............................................................138 Foto 14: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte............................................................140 Foto 15: Esgoto Bairro Belo Horizonte.................................................................................139 Foto 16: Bairro Belo Horizonte.............................................................................................141 Foto 17: Galeria de esgoto Parque das Rosas....................................................................140 Foto 18: Esgoto a céu aberto Favela do Fio........................................................................142 Foto 19: Crianças brincando no lixo Favela do Fio..............................................................141 Foto 20: Favela do Fio..........................................................................................................143 Foto 21: Favela do Fio..........................................................................................................141 Foto 22: Favela do Fio..........................................................................................................143 LISTA CARTOGRAMAS Cartograma 1: Localização .................................................................................................. 30 Cartograma 2: Percentual de domicílios com captação de esgoto rede geral -2000 ........... 60 Cartograma 3: Percentual domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2000 ................................................................................................... 64 Cartograma 4: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros.2000 ..................................................................................................... 66 Cartograma 5: Histórico da implantação esgotamento por bacia - Mossoró/RN................... 76 Cartograma 6: Percentual de domicílios com captação de esgotos por rede geral. 2010 .... 79 Cartograma 7: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2010 ............................................................................................. 84 Cartograma 8: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2010 .................................................................................................... 85 Cartograma 9: Áreas atendidas, obras rede geral esgotamento e condomínios minha casa Minha Vida por grupo de rendimento. 2011 ....................................................................... 116

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..............................................................................................15 2 DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS COMO FUNDAMENTO DA URBANIZAÇÃO DE MOSSORÓ – RN.............................................................24

2.1 Urbanização, produção capitalista do espaço e desigualdades socioespaciais: elementos para um debate...................................................................................................24 2.2 Urbanização e desigualdades socioespaciais: problemática das infraestruturas sociais em Mossoró (1960-2010) ..............................37

3 DA CRÍTICA DO CONSUMO À CRÍTICA DA PRODUÇÃO: SOBRE ESTADO E ECONOMIA NA PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS............................................................................................................89

3.1 Economia política do espaço como ciência e como prática: uma crítica.......................90 3.2 Política de saneamento básico no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): uma ampliação do circuito secundário da economia?........................................................102

4 PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS EM MOSSORÓ: ARTICULAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE OS AGENTES PRODUTORES DOESPAÇO..........................................................................125

4.1 Os agentes produtores do espaço em disputa por uma concepção de cidade...........126 4.2 Movimentos de bairro na cidade de Mossoró no contexto dos agentes produtores do espaço.................................................................................................................................148

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................158 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................167

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1 INTRODUÇÃO

O trabalho dissertativo ora apresentado é fruto do aprendizado na

iniciação científica e no mestrado no grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e

Urbanização (GLOBAU), no âmbito do Laboratório de Estudos Agrários (LEA) da

Universidade Estadual do Ceará (UECE), sob orientação da Profa. Dra. Denise

Elias, e depois, já no mestrado, co-orientação do Prof. Dr. Renato Pequeno.

Nossa pesquisa faz parte de um recorte temático do projeto “Cidades

médias brasileiras: Agentes econômicos, reestruturação urbana e regional”

associada à Rede de Pesquisadores de Cidades Médias (RECIME), no qual os

membros do GLOBAU ficaram responsáveis por estudar Mossoró1.

Os primeiros passos da pesquisa, desenvolvidos como parte das

atividades de iniciação cientifica, destinavam-se a perscrutar as desigualdades

socioespaciais na cidade de Mossoró, arrolando inúmeras variáveis que

demonstravam o acesso desigual aos equipamentos de saúde, educação, renda,

infraestrutura.

Cabe frisar: a escolha da temática em discussão advém das inquietações

em torno do entendimento das desigualdades sociais sob o modo de produção

capitalista, especificamente como este se reproduz na cidade, temática

negligenciada pelas ciências humanas em grande parte do percurso de construção

intelectual moderno, mas que tem ganhado evidência diante das visíveis

contradições socioespaciais.

Nesse caminho, pudemos passar por diferentes conjunturas no tocante a

pensar o tema, coletar dados, realizar trabalhos de campo, fazer as leituras, a

pesquisa, terminar o projeto, no qual estivemos sempre trabalhando com as

possibilidades de pensar as desigualdades socioespaciais em Mossoró.

1 O projeto em discussção foi coordenado por Denise Elias (UECE) e Maria Encarnação Sposito (UNESP / PP), entre 2006 e 2009, e por Doralice Satyro (UFPB) e Maria Encarnação Sposito entre 2009 e 2011, e contou com o apoio financeiro do CNPq. Para mais informações sobre o projeto e seus resultados ver SPOSITO, Maria Encarnação; ELIAS, Denise; SOARES, Beatriz Ribeiro. Uma rede de pesquisadores, sua pesquisa e o caminho compartilhado. In: SPOSITO, Maria Encarnação; ELIAS, Denise; SOARES, Beatriz Ribeiro (Orgs.). “Agentes econômicos e reestruturação urbana e regional. Passo Fundo e Mossoró.” SP: Expressão Popular, 2010 (p.7-27). No projeto coletivo, foram estudadas várias cidades em diferentes partes do Brasil, além de duas cidades no Chile e uma na Argentina. Mossoró – RN estava entre as cidades brasileiras consideradas para análise. A pesquisa sobre a cidade de Mossoró ficou sob a responsabilidade dos Profs. Denise Elias e Renato Pequeno. Nós, do Curso de Graduação e da Pós-Graduação em Geografia da UECE, bem como alunos de Arquitetura da UFC, compusemos a equipe de estudos dessa cidade.

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Durante o desenvolvimento do processo investigativo, as dificuldades

foram inúmeras, desde a definição das variáveis mais apropriadas às nossas

hipóteses iniciais, até, em determinado momento, a busca de outras pesquisas

sobre o tema, que constituíssem referência, porquanto procurávamos trabalhos que

fugissem da empiricização excessiva. Prosseguimos até chegarmos à conclusão da

necessidade de uma articulação entre os elementos empíricos e cotidianos aos

aspectos gerais da economia política e de sua crítica, da produção do espaço,

enfim.

Ajudaram-nos nessa empreitada autores como Marx (2007a; 2007b)

Korsch(2008) Lefebvre(1973; 1976; 1979; 2004; 2006; 2008), Debord (1997) Kosik

(1976) ao destacarem que no movimento em espiral da realidade, o presente

sempre é mais rico que o passado, e o aspecto cotidiano constitui elemento rico em

novidades no interior da espiral da totalidade concreta. Ou seja, a partir desse

contexto identificamos ser fundamental a realização da pesquisa para vislumbrarmos

novos processos no interior da totalidade concreta, e não apenas reproduzir estudos

realizados em outros períodos.

A proposta de pesquisa teve como objetivo analisar as desigualdades

socioespaciais na cidade de Mossoró-RN, com vistas a tecer uma descrição do

acesso desigual às infraestruturas sociais, explicitando a existência de

desigualdades de classes ratificadas por meio do privilégio de determinados bairros

na alocação das políticas públicas de implantação de infraestruturas. Desse modo,

pudemos evidenciar a precariedade urbana existente na cidade de Mossoró.

Nesse caminho, focamos nossa investigação na produção de

infraestruturas sociais, especialmente as de esgotamento sanitário, como escopo

para uma discussão sobre a política urbana e desigualdades socioespaciais. Trata-

se de uma variável a se revelar como procedimento científico para uma aproximação

do entendimento das desigualdades socioespaciais na urbanização de Mossoró, a

qual certamente não nega nem esgota a problemática das desigualdades

socioespaciais, porque seu acesso não quer dizer o fim das desigualdades

socioespaciais.

Contudo, nossa pesquisa não versa sobre um estudo do saneamento

básico (pois teria de promover ampla descrição acerca do acesso aos três itens

componentes deste serviço, isto é, acesso à água encanada, esgotamento sanitário

e coleta de lixo), nem de suas implicações nas questões relativas à saúde, embora

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aborde tais temáticas de forma en passant, priorizando o entendimento dos

processos e não apenas as consequências.

Assim, a problematização da pesquisa tentou articular o entendimento do

processo de urbanização em seus aspectos econômico, político e social,

demonstrando sua relação com a provisão de infraestruturas sociais.

É importante destacar os caminhos da pesquisa na escolha pelo viés da

produção de infraestruturas sociais e não apenas do seu consumo, no intuito de sair

da esfera da descrição dos fatos para a busca dos processos constituintes da

produção da cidade. Com isso, mostrou-se fundamental o entendimento das

relações entre Estado, economia e espaço, ao desvendar as tramas da economia

política na produção do espaço, possibilitando o caminho do conhecimento em

direção à sua crítica. Ainda assim, além da crítica em sua forma universal, cabe

lembrar as relações próximas de disputa e articulação entre as classes sociais na

produção do espaço, para chegarmos a uma perspectiva totalizante.

Para tanto, aderir a uma ciência geográfica voltada à apreensão da

articulação entre os processos internos e externos na produção do espaço se faz

essencial, porquanto o processo de urbanização no plano mundial se encontra em

ampla expansão, embora nem todos tenham acesso, o que vem propiciando um

crescimento sem precedentes das principais metrópoles e abrindo possibilidade para

a expansão de um grande número de cidades de porte médio.

De toda forma, o acesso à bibliografia especializada no estudo dos

processos de urbanização, produção capitalista do espaço, produção capitalista da

cidade, nos propiciou o entendimento da urbanização como momento da produção

capitalista do espaço, que produz contraditoriamente as desigualdades

socioespaciais como expressão do corte da classe na sociedade capitalista.

Conforme demonstra a aproximação em torno dessas questões, elas se fertilizam

mutuamente – a urbanização como momento da produção do espaço se traduz em

desigualdades socioespaciais ao mesmo tempo em que as desigualdades

socioespaciais produzem espaço.

Nesse caso, os termos da discussão não podem ser generalizados, tendo

em vista a necessidade premente de diferenciar o processo de urbanização europeu

e o dos EUA ocorridos sob o Estado de bem-estar social do brasileiro, ainda sob

eterno estado de crise.

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No concernente à relação entre urbanização e expansão das

desigualdades socioespaciais em Mossoró, conforme verificado, desde a década de

1970, momento de aceleração no processo de urbanização, a cidade já convivia

com grandes desigualdades, como pretendemos demonstrar ao longo da

dissertação.

Mesmo no fim do século XX e início do século XXI, quando a expansão do

ambiente construído tem se tornado perceptível no plano da paisagem, se

estendendo para todos os lados, com a construção e ampliação de inúmeras vias, a

construção tanto de conjuntos habitacionais, quanto de equipamentos industriais

etc., as desigualdades socioespaciais se apresentam de forma alarmante.

Nesse sentido, procuramos o resgate da bibliografia sobre o tema, mas

encontramos especificidades justamente ao mergulharmos na tentativa de

compreendermos os processos políticos de interação entre os agentes produtores

do espaço da cidade de Mossoró, confirmando a necessária articulação entre

estrutura e ação no entendimento da produção do espaço.

Na sequência apresentamos alguns caminhos metodológicos percorridos

para a produção desta dissertação de mestrado. Na nossa ótica, a escolha da

metodologia a ser seguida é de fundamental importância para efetivação da

pesquisa, pois a partir dela podemos ter maior aproximação do recorte espacial

escolhido, com vistas a uma melhor organização das informações e ao seu

entendimento crítico.

Tendo como norte a busca pelo entendimento das desigualdades

socioespaciais na cidade de Mossoró, um significativo norte para a pesquisa foram

as questões pensadas anteriormente à coleta e sistematização dos dados. Essas

são as questões: 1) No tocante aos investimentos estatais, existe diferenciação

entre bairros na implantação de infraestruturas para atender às demandas sociais?

2) É possível identificar uma indução da valorização do espaço em determinados

bairros a partir da implantação de infraestruturas? 3) A cidade é servida por um

serviço de esgotamento sanitário adequado? 4) Quais as condições de saúde nos

bairros onde não existe esgotamento sanitário ligado à rede geral? 5) É possível

identificar políticas públicas de ampliação das infraestruturas sociais na cidade,

especialmente as de esgotamento sanitário? 6) É possível identificar quais são os

agentes produtores do espaço urbano e quais suas articulações? 7) Existe a

formação de uma rede de crescimento econômico associando agentes locais? 8)

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Existem organizações de bairro reivindicando melhorias no acesso as

infraestruturas?

Outra marcante ferramenta para a pesquisa é a elaboração constante de

planos de atividade, avaliação de sua realização e nova organização. O plano de

atividades tem como objetivo concretizar os procedimentos metodológicos. Nesse

sentido, destacamos algumas etapas efetivadas. Entre estas: pesquisa bibliográfica

e documental, coleta de dados secundários, organização do banco de dados,

trabalho de campo.

A pesquisa bibliográfica e documental nos propiciou uma sistematização

mais cuidadosa dos dados secundários já existentes sobre o objeto de pesquisa,

bem como dos temas e processos de estudo, particularmente os seguintes temas e

processos: urbanização; infraestrutura urbana; desenvolvimento desigual;

desigualdades socioespaciais; Mossoró. Destacamos na pesquisa programas,

planos e projetos de governo; teses e dissertações; artigos de periódicos,

publicações em geral sobre a cidade e os temas e processos, entre outros.

A pesquisa foi realizada, sobretudo, nas principais bibliotecas da cidade

de Mossoró e Fortaleza, quais sejam: biblioteca central da Universidade Estadual do

Rio Grande do Norte (UERN); biblioteca pública municipal de Mossoró; biblioteca da

Universidade Estadual do Ceará; acervo de dissertações do Programa de Pós-

Graduação em Geografia da UECE; nas bibliotecas da Universidade Federal do

Ceará (UFC), principalmente as do Centro de Ciências e Tecnologia, Economia; nas

bibliotecas do Banco do Nordeste (BNB); do Instituto de Pesquisa e Estratégia

Econômica do Ceará (IPECE); do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE). Ademais, desenvolvemos uma pesquisa bibliográfica na internet,

especialmente no site dos periódicos, dissertações e teses da CAPES.

Ao longo do nosso mestrado, tivemos oportunidade de participar de uma

Missão de Estudos durante um semestre letivo (2011.1), no curso de Geografia da

UNESP, campus de Presidente Prudente2. Nesta estada, implementamos uma rica

pesquisa bibliográfica na biblioteca dessa universidade. No ano de 2011, em breve

passagem na cidade de São Paulo, pesquisamos também nas bibliotecas da

2 Tal estágio foi financiado pelo projeto Cidades médias brasileiras: reestruturação urbana e regional, financiado pelo Edital Capes / Procad 2007, que conta com a coordenação geral da Profa. Maria Encarnação Sposito (Unesp/PP) e a coordenação local na UECE da Profa. Denise Elias.

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Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e da Faculdade de

Arquitetura (FAU) da Universidade de São Paulo (USP).

O processo de pesquisa bibliográfica e documental passou, ainda, pela

coleta e organização de uma hemeroteca digital dos jornais da cidade de Mossoró.

Esta hemeroteca foi construída em conjunto com outros membros do GLOBAU e

teve visível importância metodológica para o trabalho apresentado, principalmente

para aproximação de questões locais.

A pesquisa bibliográfica também tem como intuito fertilizar a composição

do referencial teórico do estudo. Este é entendido como fundamental no trabalho

científico, pois, a partir daí, a depender do referencial, é permitido fazer determinada

leitura dá realidade pesquisada. No nosso caso, conforme acreditamos, esse é um

momento crucial que permanece em construção contínua, de acordo com a

dinâmica da realidade. Alguns processos como a compreensão integrada da

realidade local, regional, nacional e global do objeto e a compreensão do processo

de produção social do espaço, entre outros, fazem parte da fase de composição do

referencial teórico. Essa atividade resulta em elaboração de resenhas e fichamentos

sobre bibliografias úteis à pesquisa.

Outro procedimento de ordem metodológica foi a coleta de dados já

trabalhados. Entre outras bases de dados, a pesquisa de alguns desses elementos

vem sendo feita nos seguintes órgãos: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Atlas do desenvolvimento

humano no Brasil; RAIS/CAGED do Ministério do Trabalho (MTE); Instituto de

Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA), prefeitura municipal da

cidade de Mossoró e nas associações de bairro de Mossoró.

A organização do banco de dados, contendo todas as informações

reunidas durante a consecução da pesquisa, como procedimento metodológico,

contribuiu para uma melhor sistematização dos dados, bem como para a escrita da

caracterização do objeto3, material que, por sua vez, foi muito útil no momento da

redação do relatório de qualificação e da própria dissertação.

Mais um procedimento de destaque foram as intermináveis idas e vindas

na construção de um quadro com vistas a organizar a metodologia e contribuir com

3 Chamamos de caracterização do objeto, inspirados nas orientações do Prof. Renato Pequeno (UFC), coorientador dessa dissertação, a primeira análise dos dados, especialmente variáveis e indicadores, considerados como fundamentais para a pesquisa.

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a própria coleta de dados e conformação final do banco de dados, qual seja, a matriz

metodológica4. Tal procedimento propiciou as diretrizes para a estruturação do

banco de dados a partir dos temas norteadores, processos inerentes a cada um dos

temas, as variáveis, fontes de informação e os possíveis produtos resultantes que

compõem parte fundamental para a concretização desta pesquisa.

O tema norteador abrange as desigualdades no acesso às infraestruturas

urbanas e seus processos de acesso desigual e valorização do espaço associados à

implantação de redes de esgotamento com as seguintes variáveis: domicílios com

acesso à rede geral de esgoto e renda familiar, as quais foram operacionalizadas

com base nos seguintes indicadores: histórico de implantação de esgotamento

sanitário na cidade; número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede

geral; domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário,

segundo os bairros; número de domicílios por grupo de rendimento mensal, segundo

município e bairros.

Com isso, a pesquisa intentou a compreensão da política urbana e ação

dos agentes produtores do espaço, englobando, entre outros processos, o

entendimento da: formulação de políticas públicas voltadas para a implantação de

infraestruturas sociais em escala nacional; aumento de investimentos no setor de

esgotamento realizados pelo poder local com fundamento na disponibilidade de

recursos oriundos do governo federal; articulações entre agentes produtores do

espaço e indução de investimentos; fragilidade dos movimentos sociais urbanos em

face dos problemas de esgotamento precário.

Outra atividade fundamental para o desenvolvimento da pesquisa foram

os trabalhos de campo. Acreditamos na importância e necessidade de trabalhos de

campo no intuito de avançar na busca de dados qualitativos com o objetivo de

apreender o cotidiano das desigualdades no espaço da cidade e no interior dos seus

bairros, pois, se assim não for, podemos cair no erro bastante recorrente de ver a

cidade homogeneizada a partir dos dados quantitativos.

Implementamos trabalhos de campo entre os anos de 2008 e 2011,

juntamente com outros membros da equipe do grupo de pesquisa GLOBAU. Nestes

4 Os estudos sobre as formas de melhor organizar a metodologia de uma pesquisa científica, que estamos apresentando nesse projeto, foram inicialmente desenvolvidos durante os colóquios do grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização, do qual participamos, coordenado pelos professores Denise Elias (UECE) e Renato Pequeno (UFC). A esse recurso metodológico, os professores intitulam de matriz metodológica ou analítica.

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trabalhos fizemos entrevistas semiestruturadas com representantes das instituições

municipais e estaduais públicas associadas ao desenvolvimento urbano, levantando

dados junto à prefeitura municipal e ao governo do Estado. Isto propiciou uma leitura

panorâmica das políticas públicas que atuam diretamente na produção do espaço da

cidade.

No ano de 2011, em janeiro, efetuamos trabalhos de campo após nossa

participação no Seminário de Dissertação, aproveitando as contribuições de nossa

banca na busca de sistematização da pesquisa. Em outubro do mesmo ano, após as

contribuições da banca de qualificação, coletamos os dados que colaborarram para

organizar da melhor forma possível a exposição das informações para a consecução

da dissertação.

Procedemos a entrevistas associadas à temática do esgotamento

sanitário para identificar o histórico de instalação de tal infraestrutura, com o intento

de saber a sequência de trechos implantados. Por exemplo, se em determinado

momento era uma exigência a implantação de rede de esgotamento em conjunto

com a construção de conjuntos habitacionais, se em determinado momento não

existia tal exigência; quais os interesses na implantação da referida infraestrutura em

certos bairros. Referida iniciativa concorrer para a organização do histórico da

implantação das redes de esgotamento.

Em continuidade, em uma pesquisa na hemeroteca do Museu Municipal

de Mossoró, encontramos reportagens da década de 1970, as quais remetiam

diretamente ao processo de produção do espaço da cidade naquele período, com

destaque específico para as reclamações relativas à falta de acesso à água e

esgotamento na cidade.

Tentamos investigar as políticas públicas de saúde em áreas com e sem

acesso às redes de esgotamento, as implicações do não acesso às redes de

esgotamento para a saúde da população, e, ao mesmo tempo, identificar a

existência ou não de postos de saúde de em tais áreas e quais os motivos para sua

instalação ou não.

Inicialmente, averiguamos a existência ou não de movimentos

reivindicativos de bairro, qual a relação das associações de bairro com a prefeitura

municipal, a existência de reivindicações históricas no tocante à questão da moradia

e implantação de infraestruturas.

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Ainda no tangente à vivência empírica, cabe destacar as transformações

na visão do pesquisador sobre o campo de forma concomitante ao acelerado

processo de reestruturação do espaço da cidade, desde os momentos da infância

quando nos reuníamos na pracinha do Perpétuo Socorro no Centro de Mossoró, ou

até mesmo na rua, para jogar futebol, entre inúmeras outras brincadeiras desta

época, quando não tínhamos noção das múltiplas relações envolvidas na produção

do espaço da cidade, até a possibilidade de, como geógrafo, tecer comentários

relativos ao entendimento das tramas em torno do processo supracitado.

Ressaltamos aqui o convívio com as desigualdades socioespaciais desde

os primeiros momentos de vivência na cidade, que, no entanto, foram mais bem

percebidas e analisadas diante da possibilidade de produção da pesquisa.

Por fim, quanto à escolha da disposição dos capítulos neste trabalho,

enfatizamos: após a introdução, no segundo capítulo buscamos aproximações para

o entendimento do processo de urbanização e da constituição das desigualdades

socioespaciais em termos gerais e particulares, identificando as especificidades de

Mossoró, como cidade intermediaria no âmbito da rede urbana, mas que nem por

isso deixa de apresentar a tendência à expansão das desigualdades, cerne do modo

de produção capitalista.

No terceiro capítulo tentamos avançar nos aspectos teóricos, e, para tal,

expomos as discussões relativas ao entendimento dos fundamentos das

desigualdades, com debates sobre os aspectos econômicos e políticos envolvidos

no processo de produção do espaço. Nesta ótica, identificamos os momentos de

ampliação dos investimentos em infraestrutura no interior do Banco Nacional de

Habitação (BNH) ainda na década de 1970, e no contexto contemporâneo, os

projetos de investimento em infraestrutura no âmbito do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC).

No quarto capítulo trazemos à tona as perspectivas sociais em meio ao

processo ora citado. Saímos, então, da esfera de análise das determinações gerais

do capitalismo contemporâneo para uma análise dos agentes envolvidos na política

urbana na cidade de Mossoró, identificando os projetos de classe. Neste capítulo

também nos detivemos em entender as formas de organização social na cidade,

principalmente os movimentos reivindicativos de bairro e sua contribuição no

processo de produção do espaço. Para concluir, no quinto capítulo apresentamos as

considerações finais.

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Nos iluminou nesta forma de disposição do texto a afirmação de Marx

(2008, p.28) acerca da distinção entre investigação e exposição. Para ele: “É mister,

sem dúvida, distinguir, formalmente, o método de exposição do método de

pesquisa”, pois a investigação tem de se apoderar da matéria em seus pormenores,

analisando suas diferentes formas de desenvolvimento e conexão. Na palavras do

autor: “Só depois de concluído esse trabalho é que se pode descrever,

adequadamente, o movimento real”. (MARX, 2008, p. 28).

Na mesma linha de raciocínio, contribuindo com o entendimento dos

processos dialéticos em torno do desenvolvimento das pesquisas sobre o concreto,

Kosik (1976, p. 37) afirma que: “Aquilo de onde a ciência inicia a própria exposição

já é resultado de uma investigação e de uma apropriação crítico-cientifica da

matéria. O início da exposição já é um início mediato, que contém em embrião a

estrutura de toda a obra.”

Nesse caminho, o argumento de Lefebvre (2004; 2008), segundo o qual

as formas na verdade são formas-conteúdo, se faz basilar, pois aí as formas não

aparecem fixas, mas sim como movimento da história em seus diversos níveis e

dimensões. Com isso, o argumento se potencializa afirmando que as formas

espaciais atuais que aparecem como elementos naturais são frutos do trabalho

passado e acumulado, denotando que o espaço social é um produto do intercâmbio

homem/natureza, bem como das diversas interações entre a ordem próxima e

distante.

Faz-se salutar o método de exposição que parte de processos mais

elementares (concreto representado), e sucessivamente vá se aproximando do

concreto pensado mediante abstrações conceituais. Chegado a esse ponto, temos

de percorrer o caminho inverso de retorno ao real, mas dessa vez entendido como

uma rica totalidade de determinações e relações diversas5.

Conforme acreditamos, no período de investigação é fundamental utilizar

todas as fontes possíveis para a pesquisa, no intuito de nos apoderar da matéria em

seus pormenores, com vistas a um entendimento profundo da problemática. Assim,

a exposição parte do pressuposto de que a investigação já foi realizada, e nesse

sentido, de posse de todos os elementos relativos à pesquisa, se faz basilar uma

5 Para uma discussão mais aprofundada em torno do método em economia política ver Marx (2007).

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depuração dos dados, na busca de conceitos centrais destinados a contribuir com a

contextualização da argumentação.

Com isso, na nossa ótica, a dissertação deve ter em vista os futuros

leitores, partindo da problemática da cidade em suas contradições em torno das

formas de propriedade e uso. Assim, poderá trazer à tona as especificidades do

objeto de estudo, cada vez mais incluindo elementos que possibilitem que ao

término do trabalho o leitor observe a totalidade de relações envolvidas na

problemática.

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2 - DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS COMO FUNDAMENTO DA URBANIZAÇÃO DE MOSSORÓ – RN.

Oito gerações depois de Engels, a merda ainda recobre doentiamente a vida dos pobres urbanos,

como objetivação na prática de sua condição social, de seu lugar na sociedade. Mike Davis

Neste capítulo apresentaremos a problemática do nosso estudo ao

elucidar o entendimento sobre o processo de urbanização na cidade de Mossoró em

sua expressão desigual. Se faz importante salientar tratar-se de aproximações em

torno do objeto de estudo, as quais terão nos capítulos subsequentes mais

elementos para compor a argumentação.

Neste prisma, organizamos o capítulo de forma a ressaltar os aspectos da

problemática em nível local, especialmente as relacionadas a transformações no

ambiente construído, bem como de expansão das desigualdades socioespaciais.

Na primeira seção definimos a urbanização como momento da produção

capitalista do espaço, compreendendo as desigualdades socioespaciais como

expressão do corte da classe na sociedade capitalista.

Na segunda seção adentramos em nosso objeto de estudo, com a

explicitação dos aspectos históricos relativos à estruturação do espaço urbano.

Focalizamos nossa investigação a partir da década de 1960, quando observamos

um rápido crescimento da cidade, com a construção dos primeiros conjuntos

habitacionais e também dos primeiros projetos de estruturação da cidade sob o

regime militar. Prosseguimos pelo período de municipalização precária das políticas

urbanas no fim da década de 1980 e por toda a década de 1990, até chegar ao

século XXI com um novo padrão de investimentos no espaço urbano, mas que nem

por isso deixa de ser desigual.

2.1 Urbanização, produção capitalista do espaço e desigualdades socioespaciais: elementos para um debate

Encontrar uma definição que oriente o pensamento e possibilite o

entendimento do que vem a ser cidade não é tarefa das mais fáceis. Quem se

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dispõe a essa empreitada corre o risco de cair na superficialidade de noções

abstratas e a-históricas, pois as cidades contemporâneas são o local onde

transcorre a vida de bilhões de pessoas em todas as suas contradições. Dar conta

da concretude desse processo se torna algo deveras complicado.

Uma aproximação inicial é feita por Eagleton (2005). Segundo o autor, as

cidades são construídas tomando-se por base areia, madeira, ferro, pedra, água e

assim por diante. Elas são tão naturais quanto os idílios rurais são culturais.

Certamente o interesse do autor está no entendimento da ideia de cultura,

mas sua argumentação se faz bastante sugestiva para aqueles interessados nas

discussões sobre a cidade, principalmente quando alude a uma interação dialética

entre o artificial e o natural, pois os meios culturais que usamos para transformar a

natureza são eles próprios derivados dela. Em suas palavras:

Trata-se de uma noção “realista”, no sentido epistemológico, já que implica a existência de uma natureza ou matéria prima além de nós; mas tem também uma dimensão “construtivista”, já que essa matéria prima precisa ser elaborada numa forma humanamente significativa. (EAGLETON, 2005, p. 11).

Com isso o autor avança na argumentação ao afirmar que a relação

dialética sugerida pode ser compreendida na contradição entre o que fazemos ao

mundo e o que o mundo nos faz. Dessa forma, supera a dicotomia de um

determinismo orgânico grosseiro, por um lado, e da autonomia do espírito sugerida

pelos pós-modernos, de outro.

Nesse sentido, segundo observa Lefebvre (1999, p.177): “Em escala

mundial, o espaço não é somente descoberto e ocupado, ele é transformado, a tal

ponto que sua ‘matéria prima’, a ‘natureza’, é ameaçada por esta dominação que

não é apropriação”. Para ele, “a urbanização geral é um aspecto desta colossal

extensão”.

De acordo com Harvey (2004, p.41): “A urbanização concentra no espaço

os meios de produção e a força de trabalho” gerando inúmeras consequências.

Conforme ressalta:

As “forças da natureza” tornam-se sujeitas ao controle humano à medida que sistemas de transporte e de comunicação, divisões territoriais do trabalho e infraestruturas urbanas são criados para servir de fundamento à acumulação de capital. (HARVEY, 2004a, p. 41-42).

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Como sugere Harvey, a extensão da urbanização capitalista tende a

produzir a cidade como local privilegiado para dominação da classe trabalhadora.

Esta afirmação guarda plena concordância com Lefebvre (1999, p.142) ao dizer que

a cidade: “Contém uma parte importante do trabalho passado e cristalizado,

literalmente morto, do qual dispõe o capitalista para se assenhorear do trabalho

vivo”.

No entanto, na argumentação dos autores ora citados, no interior do modo

de produção capitalista a cidade tem sido o lócus privilegiado para reprodução das

relações sociais de produção. Isto contraria as leituras que compreendem a cidade

como lócus de reprodução da força de trabalho, ou como lócus da diferença, embora

não neguem ambos os momentos na produção da cidade.

Precisando o debate, Sposito (2001) afirma a necessidade do

entendimento da urbanização como processo e da cidade como uma forma espacial.

Em suas palavras:

No plano da materialidade, temos a cidade como uma forma espacial que podemos cartografar, medir, percorrer, fotografar. No plano processual, temos a urbanização como dinâmica através da qual podemos compreender as mudanças mais significativas do mundo industrial (e pós-industrial). (SPOSITO, 2001, p. 86).

De todo modo, para a autora, no período histórico contemporâneo os

papéis urbanos se ampliam, denotando que com “a revolução informacional, a

ampliação do consumo e a homogeneização dos hábitos e formas de vida urbana

redefinem a cidade. Ela se expande, ganha largas extensões e, ao estar em todo

lugar, redimensiona seu conteúdo de urbanidade”. (SPOSITO, 2001, p. 95).

Nessa ótica, um entendimento mais aprofundado do sentido da cidade

requer uma fundamentação em torno da teoria da produção do espaço, a qual não

apenas trata da descrição da disposição de coisas no espaço, mas procura um

entendimento das tramas ocultas no processo de produção.

Em prosseguimento à discussão, na busca de um entendimento da

urbanização como momento da produção e reprodução social trazemos a

argumentação de Lefebvre, segundo o qual Marx trabalha com duplo sentido no

entendimento da produção. No primeiro uma acepção ampla, presente nos escritos

da juventude, herdada da filosofia, em que produção significa criação e se aplica à

arte, à ciência, as instituições, às atividades práticas em geral, sendo compreendida

como momento da produção de valores, produção social da vida. Contudo, em sua

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acepção restrita, herdada dos economistas, em sua obra madura, ele apresenta um

caráter preciso, empírico, quase positivo. Para Lefebvre (1999, p.46): “No sentido

amplo, há a produção de obras, de idéias, de ‘espiritualidade’ aparente, em resumo,

de tudo que faz uma sociedade e uma civilização. No sentido estrito, há a produção

de bens, de alimentação, de vestuário, de habitação, de coisas.”

Nesse contexto, como sugere Lefebvre (2001), é importante destacar que

vivemos a crise teórica e prática da cidade, na qual o conceito de cidade, em curso

de transformação, aparece como um conjunto de fatos, representações e de

imagens emprestadas da cidade pré-capitalista. Ao mesmo tempo, na prática, o

núcleo urbano está deteriorado, fragmentado, às vezes apodrecendo, evidenciando

o fato de que a luta de classes salta aos olhos.

Sob esse pano de fundo, conforme propõe Carlos (2011), no mundo

contemporâneo estamos vivendo sob a tutela do espaço-mercadoria. Em suas

palavras:

Trata-se do momento histórico em que a existência generalizada da propriedade privada reorienta e organiza o uso do lugar. Assim, o espaço-mercadoria se propõe para a sociedade como valor de troca, destituído de seu valor de uso e, nessa condição, subjugando o uso, que é condição e meio de realização da vida social, às necessidades da reprodução da acumulação como imposição para a reprodução social. (CARLOS, 2011, p. 61).

Atentando para o sentido universalizante da mercadoria cidade, embora

ainda não tenhamos exposto as mediações e relações diversas inerentes aos

objetivos da pesquisa, procuramos uma aproximação em busca do entendimento

das particularidades das cidades brasileiras.

É mister compreender que diferentemente da estruturação das cidades

europeias e dos Estados Unidos, as cidades brasileiras não passaram por um

estágio no qual um Estado forte pudesse orientar investimentos e políticas públicas

no tocante ao espaço urbano. Tal realidade acarreta inúmeras particularidades em

sua morfologia urbana, e evidencia de maneira mais drástica as dimensões do

espaço-mercadoria.

Ao se levar em conta esta premissa, outro elemento decisivo para o

entendimento das cidades brasileiras é sua análise em conjunto com o entendimento

da rede urbana nacional em suas particularidades. De acordo com Souza (2003,

p.50), é importante tal entendimento da rede urbana, pois: “De maneira muitíssimo

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variável no que concerne ao tipo de fluxo e, sobretudo, à intensidade dos fluxos,

todas as cidades sem acham ligadas entre si no interior de uma rede – no interior da

rede urbana.”

No caso da rede urbana brasileira, devemos atentar para sua

diversificação relativa ao desenvolvimento geograficamente desigual produzido

historicamente. Conforme Santos(2005, p.63), “a complexa organização territorial e

urbana do Brasil guarda profundas diferenças entre suas regiões”.

Complementarmente, Corrêa (2006) assim se pronuncia:

A diversidade diz respeito às possíveis combinações dos mesmos elementos que, entretanto, ao se concretizarem, o fazem de modo especifico, pois cada um desses elementos assume sua própria especificidade. Entre estes elementos estão a gênese dos centros, o tamanho deles, a densidade que perfazem no espaço, as funções urbanas e as relações espaciais que delas derivam. (CORREA, 2006, p.275).

Para Souza (2003), um elemento fundamental para o entendimento da

rede urbana nacional em suas diferenciações é a questão econômica, porquanto em

regiões pobres esta é pouco diversificada. Nesse mesmo sentido, Santos (1993)

afirma que:

Quanto maior a divisão territorial do trabalho, maior a propensão a consumir e a produzir, maior a tendência ao movimento, e a mais criação de riqueza. Nas zonas onde a divisão do trabalho é menos densa, em vez de especializações urbanas, há acumulação de funções numa mesma cidade e, conseqüentemente, as localidades do mesmo nível, incluindo cidades médias, são mais distantes uma das outras. Este é, por exemplo, o caso geral do Nordeste brasileiro. (SANTOS, 1993, p. 53).

No entanto, cabe ressaltar que na década de 1980 a região Nordeste

iniciou um ciclo de relevante reestruturação econômica, no qual se aprofundava,

cada vez mais, sua articulação ao capitalismo internacional, comprovando a relação

contraditória entre as regiões brasileiras. Segundo Araújo (2000), nesse momento os

capitais privados buscaram novas frentes de investimento em espaços situados para

além do centro mais industrializado do país.

Os processos de expansão do capitalismo para novas áreas vêm

provocando inúmeras mudanças na articulação da rede urbana brasileira; já não

podemos mais falar apenas dos espaços metropolitanos em virtude da disseminação

dos espaços urbanos não metropolitanos, especialmente as cidades de porte médio.

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Na argumentação de Pequeno (2008) em torno do processo de urbanização

brasileira e da expansão das desigualdades socioespaciais:

Os problemas urbanos atrelados ao quadro de desenvolvimento desigual, ainda que surjam primeiramente nas metrópoles, passam a se difundir rapidamente nas cidades que organizam os espaços não metropolitanos, generalizando-os, trazendo à tona o paradoxo da urbanização sem cidade e dos fragmentos de cidade sem urbanização (PEQUENO, 2008, p. 3).

Podemos dizer que as cidades médias são espaços transitórios que

desempenham papéis de intermediação no âmbito da rede urbana (SPOSITO,

2007). Para Damiani (2006), levando em consideração a simultaneidade dos

processos implicados, as cidades médias são a face menos moderna do processo

modernizador.

A cidade de Mossoró, recorte espacial de nosso estudo, situa-se na

porção oeste do Estado do Rio Grande do Norte do Nordeste do Brasil, como mostra

o cartograma de localização, e tem apresentado dinamismo econômico perceptível

no plano do ambiente construído, na medida em que este se estende para todos os

lados, com a construção e ampliação de inúmeras vias. Portanto, a construção de

conjuntos habitacionais, as ocupações de terrenos vazios, a formação de favelas, a

construção de equipamentos industriais etc. evidenciam o crescimento da cidade.

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Cartograma 1: Localização

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Nesse contexto, como argumentação inicial, podemos dizer que as

desigualdades em Mossoró se situam na forma de expansão da cidade por sobre o

campo, na (des) organização do espaço, nos inúmeros espaços vazios, na falta de

infraestruturas sociais nos bairros menos abastados, na falta de habitação para as

camadas mais pobres. A priori, os conflitos expressam na paisagem uma confusa

mescla acidental de homens, animais, vias de condução modernas, grandes

equipamentos de infraestrutura urbana, automóveis, residências de luxo e favelas.

São visíveis as fortes contradições ali existentes, onde muitos

condomínios fechados de luxo surgem enquanto persistem as moradias precárias,

algumas vezes lado a lado.

Se caminharmos pelo Centro da cidade à noite, certamente observaremos

inúmeros moradores de rua dormindo ou se preparando para dormir em um entorno

repleto de investimentos públicos e privados, como os equipamentos culturais da

Avenida Rio Branco ou até no “centro comercial caiçara”, um fixo de última geração.

Se a caminhada for de dia, a contradição se faz entre as inúmeras carroças, os

carros de luxo e os equipamentos ora citados. Estas contradições se acentuam nas

favelas da cidade, como a do Fio, do conjunto Wilson Rosado, entre outras.

As contradições expressas na paisagem aparecem como um acúmulo do

processo de urbanização ainda mais acentuado a partir da década de 1960, como

exporemos ao longo do texto.

No tocante aos dados populacionais, nas últimas décadas do século XX a

cidade apresentou crescimento bastante acentuado quanto à população. Como

indicam dados do IBGE, na década de 1960 tinha uma população residente total de

50.690 habitantes. Em 1970 passa a 97.245 e chegou a 145.981 em 1980; saltou

para 192.267 em 1991, totalizando 213.841 habitantes em 2000 e 259.886 no ano

de 2010, como mostra a Tabela 1.

Ao observar os dados populacionais, chama atenção o crescimento do

número da população residente total na passagem da década de 1960 e 1970, de

46.555 habitantes, perfazendo 91%. Este crescimento revelou-se contínuo nas

décadas subsequentes, tanto em termos absolutos como na taxa de urbanização.

Vale salientar que a década de 1960 foi marcada pela ultrapassagem da população

urbana sobre a rural, porquanto nas décadas anteriores as taxas de urbanização

eram menores que 50%. Outro ponto de interesse se encontra na especificidade do

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crescimento da população residente rural no século XXI, relativa aos assentamentos

rurais em terras ocupadas na região, especialmente no terreno da antiga “Mossoró

agroindustrial” (MAISA), que propiciou, inclusive, uma pequena diminuição na taxa

de urbanização.

Tabela 1: População residente em Mossoró. 1940 a 2010

Ano População

residente Total

População residente urbana

População residente rural

Taxa de urbanização

1940 31.515 13.730 17.785 43,56% 1950 40.681 20.088 20.593 49,37% 1960 50.690 41.476 16.214 81,82% 1970 97.245 79.509 17.736 81,76% 1980 145.981 122.261 23.728 84,15% 1991 192.267 177.331 14.936 92,20% 2000 213.841 199.081 14.760 93,10% 2010 259.886 237.281 22.605 91,30%

Fonte: IBGE.

Em compasso com o crescimento populacional, se deu um crescimento

econômico, estimulando o imaginário popular a acreditar em uma cidade próspera

para todos e a esquecer as desigualdades sociais que a assolam.

Conforme argumentação de Elias e Pequeno (2010) e Rocha(2005) e

Pinheiro(2006), a cidade de Mossoró na década de 1980 apresenta acentuado

processo de modernização associado às economias do agronegócio, petróleo e sal.

Pode-se dizer que a atividade salineira, apesar da mecanização e da

diminuição considerável dos postos no mercado de trabalho em fins da década de

1960, início da década de 1970, continuou como de grande importância para a

economia da cidade, e até para o Estado. De acordo com dados do Departamento

Nacional de Produção Mineral (DNPM), para 2007, o Rio Grande do Norte, mais

especificamente Mossoró e cidades como Grossos, Areia Branca e Macau,

pertencentes à região polarizada por Mossoró, tiveram uma produção estimada em

torno de 5.066 mil toneladas. Portanto, mais de 72% da produção total brasileira de

sal, correspondente a mais de 94% da produção/extração nacional de sal marinho.

No concernente à agropecuária, na década de 1960, principalmente com

a decadência da atividade algodoeira, esta foi substituída pelo agronegócio de frutas

tropicais, o qual adquiriu expressiva importância em Mossoró e região desde a

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década de 1980, visto que passou por um processo de intensa modernização

pautado, sobretudo, pela agricultura científica (ELIAS, 2003).

Em Mossoró e região se destacam grandes empresas no ramo do

agronegócio, como a NOLEM e a multinacional Del Monte Fresh Produce, entre

outras. Tendo como locomotiva essas empresas, a região sobressai como a maior

produtora e exportadora de melão do Brasil. Elias (2006; 2010; 2011) teoriza sobre a

formação de um arranjo territorial produtivo agrícola, constituído pelo território do

agronegócio comandado a partir da cidade de Mossoró, que abarcaria extensa área,

atingindo até o Estado do Ceará.

Em relação à Petrobras, sua chegada à cidade no início da década de

1980 propiciou visíveis transformações no espaço urbano, pois a extração petrolífera

passou a ser um dos principais setores no qual o crescimento econômico se refletiu

diretamente nas metamorfoses espaciais, pois inúmeras outras empresas

prestadoras de serviços no ramo petrolífero também se instalaram ali.

Mas o petróleo havia sido descoberto na cidade ainda na década de 1970,

primeiramente quando jorrou no hotel Termas, e também nas torneiras dos

moradores dos Bairros Doze Anos, Aeroporto, Boa Vista e Santo Antônio, como

atesta reportagem publicada em outubro de 1975, conforme Ilustração 1.

Ilustração 1: Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de outubro de 1975

Fonte: Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

Na atualidade, de acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo

(ANP), Mossoró, no contexto da bacia potiguar, conforma a segunda maior extração

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de óleo do país, sendo a maior em produção terrestre, com 16.750 m3 ,

considerando-se apenas a área do graben principal6. Diante desta condição, a

cidade recebe grandes quantias no repasse dos royalties por parte da Petrobras.

Nesse sentido, no tocante à venda da imagem da cidade, entre outras

fontes, a revista VOCÊ S/A7, catálogo do empresariado brasileiro, todos os anos

publica a pesquisa Cem melhores cidades para trabalhar no Brasil, onde Mossoró

tem constatado, nos últimos anos, como a 11a melhor cidade para se trabalhar no

Nordeste.

A revista VEJA também fez referência a Mossoró8 em reportagem

especial sobre as vinte metrópoles brasileiras do futuro. Destacou as instituições de

ensino superior da cidade e as economias que sucederam a produção de sal na

locomotiva local, como o agronegócio e o petróleo, bem como a realidade da

industrialização ali vivenciada no século XXI, quando 23 fábricas se instalaram no

distrito industrial desta, atraídas pela oferta de gás natural.

Tendo em vista tais publicações, entre outras, a prefeitura municipal

promove amplo trabalho de reforçar o imaginário segundo o qual Mossoró é uma

cidade de todos, e nela o crescimento econômico mais cedo ou mais tarde será

dividido por toda a população com o acesso ao mercado de trabalho.

Em publicação da prefeitura9 denominada “Mossoró: metrópole do futuro”,

conforme exposto, os investimentos em políticas públicas da última gestão estão

transformando Mossoró e a colocando em lugar de destaque nacional.

Nas palavras da prefeita Fafá Rosado (2005 – 2012):

Todo esse momento de desenvolvimento que vivemos hoje em nossa cidade pode ser resumido em um único número, o da nossa taxa de crescimento: 7,4% anuais, quase o dobro da média nacional e um dos melhores do país. Não é a toa que Mossoró hoje é considerada como metrópole, com um produto interno bruto (PIB) de R$ 2,7 bilhões e uma renda per capita (por pessoa) de R$ 11,500 em média, maior do que a de Natal. (PREFEITURA MUNICIPAL DE MOSSORÓ, 2010, p. 2)

Ao mesmo tempo, o grupo político adversário, que também é Rosado, se

refere à matéria publicada na revista VEJA10 em seu veículo de comunicação, o

6 Graben ou fossa tectónica é a designação dada em geologia estrutural a uma depressão de origem tectónica, geralmente com a forma de um vale alongado com fundo plano, formada quando um bloco de território fica afundado em relação ao território circundante em resultado dos movimentos combinados de falhas geológicas paralelas ou quase paralelas. Fonte: Guerra, A.T. “Dicionário geológico-geomorfológico”. Rio de Janeiro: IBGE, 1969. 7 Revista VOCÊ S.A , Ed. 96, Junho de 2006; Revista VOCÊ S.A, Ed. 109, julho de 2007. 8 Revista VEJA, Edição de 1 º de setembro de 2010, assinada pelo jornalista Leonardo Coutinho. 9 Publicação do mês de setembro de 2010.

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jornal O Mossoroense, questionando o fato de Mossoró ser entendida como uma

metrópole do futuro, enquanto existem inúmeros problemas de desigualdade social

na cidade, elencados pela reportagem, sobretudo os de falta de saneamento,

acúmulo de lixo, inexistência de infraestrutura em geral.

Certamente, as publicações fazem parte do jogo político de disputa da

opinião da população para as eleições da prefeitura local, mas é importante observar

que a representação da cidade como lugar de oportunidades, uma verdadeira

locomotiva de crescimento, ignora os elementos sociais ressaltados pela oposição.

Na nossa ótica, referências ao crescimento econômico como as ora

citadas formam imaginários de desenvolvimento, como argumenta Peet (2007), pois

o crescimento econômico não reduz necessariamente a pobreza, em especial

quando segue o desenho neoliberal, dinâmica política da mundialização do capital.

Na mesma linha de argumentação, Harvey (2008) descreve o

neoliberalismo, política econômica aplicada desde pelo menos o fim da década de

1970 de forma gradativa, no qual a desigualdade social prevalece em detrimento da

“restauração do poder econômico da classe alta.” Para este autor, é fundamental a

organização de uma oposição ao regime neoliberal, pois: “Aceitá-lo equivale a

aceitar que a única alternativa é viver sob um regime de interminável acumulação do

capital e de crescimento econômico quaisquer que sejam as conseqüências sociais,

ecológicas ou políticas.” (HARVEY, 2008, p. 195).

Nesse sentido, cabe às pesquisas comprometidas com o desvendamento

dos processos ocultos na produção do espaço trazer à tona as contradições e

desigualdades socioespaciais presentes na cidade11.

Em nossa pesquisa, procuramos o entendimento das desigualdades

socioespaciais expressas no espaço urbano em Mossoró mediante grande coleta de

dados em torno das desigualdades no acesso às infraestruturas urbanas,

especificamente a infraestrutura de esgotamento sanitário, como elemento empírico

para o debate.

Tal desigualdade se expressa na cidade de Mossoró, ao mesmo tempo

em que se anuncia no urbano das cidades brasileiras e da América Latina, onde o

10 Em matéria publicada no dia 5 de setembro de 2010, no Jornal O Mossoroense. 11 Pesquisa de universidades do Ceará adverte para modelo excludente do crescimento de Mossoró, adverte o Jornal O Mossoroense, 29 de Maio de 2011, se referindo as pesquisas desenvolvidas por Elias e Pequeno (2010). Disponível em - http://www.omossoroense.com.br/cotidiano/1575-pesquisa-de-universidades-do-ceara-adverte-para-modelo-excludente-do-crescimento-de-mossoro.

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crescimento econômico ocorre em meio à acentuada concentração de renda. Para

Rodrigues (2007, p. 74): “A desigualdade socioespacial é expressão do processo de

urbanização capitalista, um produto da reprodução ampliada do capital que se

perpetua como condição de permanência da desigualdade social”.

Elias e Pequeno (2010), ao discutirem o aprofundamento das

desigualdades socioespaciais na cidade de Mossoró, argumentam sobre a

existência de diferentes cidades superpostas, quais sejam, a cidade das políticas

públicas, onde prevalecem os conjuntos habitacionais, a cidade espontânea e

informal, correspondente às formas de moradia predominantemente precárias, e a

cidade do mercado imobiliário12.

Cabe trazer à tona tal argumentação, pois, segundo os autores, é

perceptível a atuação do Estado na indução das desigualdades socioespaciais na/da

cidade, na medida em que determinados setores foram preferencialmente atendidos

no acesso às redes de infraestrutura em detrimento de outros.

Para Elias e Pequeno (2010), a utilização de variáveis associadas ao

esgotamento adequado permite a compreensão do quadro de desigualdades em

que o espaço intraurbano de Mossoró vem sendo produzido. Em sua análise,

consoante argumentam, nos bairros situados próximos ao Centro da cidade, assim

como naqueles onde foram construídos os grandes conjuntos habitacionais a

noroeste e sudeste, os índices de acesso ao saneamento superam os 75% do total

de domicílios, enquanto nos bairros periféricos ao norte, nordeste e leste, bem como

nos bairros periurbanos situados ao sul, menos de 25% de suas moradias possuem

condições sanitárias adequadas.

Contudo, esse não é um problema apenas da cidade de Mossoró e do

Brasil. Na epígrafe destacada, Davis (2006, p.142) refere-se à persistência dos

grandes problemas urbanos na sociedade contemporânea, e acrescenta:

A crise sanitária global desafia a hipérbole. Sua origem, como no caso de tantos problemas urbanos do terceiro mundo, tem raízes no colonialismo. Em geral, os impérios europeus recusavam-se a oferecer infraestrutura moderna de água e esgoto aos bairros nativos, preferindo usar, em vez disso, o zoneamento racial e os cordões sanitários para isolar as guarnições e os bairros brancos das doenças epidêmicas. (DAVIS, 2006, p.143).

12 Sobre o tema pode ser visto o capítulo 5 de Elias e Pequeno (2010).

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Nesse contexto surge a escolha pelo estudo da problemática do

esgotamento sanitário na cidade, na medida em que podemos observar profunda

carência dessa infraestrutura social.

Na sequência, trazemos uma descrição do processo de urbanização da

cidade com uma delimitação entre a década de 1960 e 2010, elencando as políticas

habitacionais e de saneamento em sua conjuntura econômico política e social. Tal

apreciação mostra-se como escopo para uma discussão sobre a política urbana e

desigualdades socioespaciais, no qual defendemos que a urbanização como

momento da produção capitalista do espaço de Mossoró se traduz em

desigualdades socioespaciais ao mesmo tempo em que as desigualdades

socioespaciais produzem espaço.

Conforme a argumentação de Elias e Pequeno (2010), para o período

analisado e dentro dos atuais padrões de urbanização, o acesso ao esgotamento

adequado corresponde à variável que melhor se ajusta à investigação em curso,

tendo em vista as contradições em seu processo de provisão.

De todo modo, é preciso destacar tratar-se de uma variável que se

apresentou como procedimento científico para uma aproximação do entendimento

das desigualdades socioespaciais na urbanização de Mossoró, que certamente não

nega nem esgota a problemática das desigualdades socioespaciais, pois seu acesso

não significa o fim das desigualdades socioespaciais.

2.2 Urbanização e desigualdades socioespaciais: pro blemática das infraestruturas sociais em Mossoró (1960-2010)

Com vistas à compreensão do processo de urbanização da cidade desde

a década de 1960, parece-nos importante retomar um período histórico anterior,

precisamente na década de 1930. Nesse período, Mossoró se caracterizava como

centro regional associado sobretudo às indústrias salinocultora e agrarioexportadora,

cujo intuito era atender às demandas da industrialização do Centro-Sul brasileiro

que, cada vez mais, necessitavam de produtos primários, como algodão e sal

(FELIPE, 1988; ROCHA, 2005; PINHEIRO, 2006).

Essas atividades econômicas, em certo sentido, foram fortalecidas desde

a década de 1950 com as intervenções federais na tentativa de conter os

desequilíbrios regionais. Como argumenta Pinheiro (2006), a partir da década de

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1960, o Estado do Rio Grande do Norte também se industrializava graças aos

incentivos da Sudene, ao se inserir na divisão territorial do trabalho em nível

nacional, como fortalecedor de matéria-prima local – algodão e sal, considerados

seus produtos mais abundantes desde o período colonial.

Na década de 1960 se intensificam os movimentos migratórios do campo

para a cidade, motivados principalmente pelas dificuldades com a agricultura de

subsistência. Mossoró aparecia como opção para os migrantes, já que existiam

postos de trabalho na indústria do sal e na agroindústria, em especial do algodão.

Nesta década observava-se uma tendência na urbanização brasileira na qual as

cidades de porte médio com características de centro regional já despontavam.

Neste período o ambiente construído da cidade tem forte crescimento em

direção à periferia, com destaque para os locais de moradia dos trabalhadores do

sal em bairros ao norte do Centro, em particular o hoje denominado Santo Antônio,

caracterizado pelas condições precárias de moradia.

Ainda na década de 1960, argumenta Felipe (1982), o noroeste da cidade,

por apresentar um preço do solo relativamente barato, começa a ser ocupado por

migrantes oriundos da região serrana do Estado, originando o Bairro Boa Vista. Na

mesma década ocorre a expansão da zona oeste da cidade, com a ampliação do

Bairro Alto da Conceição.

Também nesta década implantou-se o primeiro conjunto habitacional da

cidade, hoje conhecido como conjunto Walfredo Gurgel, na época, conjunto da

Fundap, com 550 casas, contribuindo para ampliação do Bairro Alto de São Manuel.

Àquela época, a cidade não dispunha de infraestruturas urbanas básicas de acesso

à água e esgoto, cujas obras só seriam iniciadas na década de 1970, mas de forma

restrita para alguns setores da cidade.

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Figura 1: Bairros criados até a década de 1970

Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).

Na primeira metade da década de 1970 os investimentos federais

viabilizados pela Sudene, através do FINOR 34/18, trouxeram marcantes alterações

na indústria do sal. Diante disto, foi preciso mudar sua composição técnica, e esta

indústria passou de uma produção artesanal que empregava expressiva quantidade

de trabalhadores, para uma produção modernizada com grande maquinário, para

atender às demandas das indústrias químicas nacionais.

Assim, o processo de modernização das salinas não produziu uma

reestruturação apenas do parque salineiro, mas também espacial, tendo em vista o

elevado número de desempregados. Na ocasião, sindicalistas do setor salineiro de

Mossoró, Macau e Areia Branca, esses últimos também importantes municípios de

extração de sal, procuraram os políticos da região para alertar sobre os problemas

que a mecanização trazia à cidade, haja vista o grande número de desempregados,

como destacavam, entre outros, as manchetes dos jornais locais (Ilustração 2).

Diziam eles não serem contra a mecanização, mas esperavam que uma

solução fosse encontrada para a visível quantidade de mão de obra ociosa que não

encontraria emprego fácil.

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Ilustração 2: Capa do jornal O Mossoroense, em 11 de novembro de 1975

Fonte: Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

Somada ao fato da mecanização das salinas, a transição entre as

décadas de 1960 e 1970 também desencadeia a crise da agroindústria de Mossoró,

onde seus principais produtos, quais sejam, as fibras de algodão arbóreo, a cera de

carnaúba, o óleo de algodão e o óleo de oiticica sofrem a concorrência da cultura do

algodão arbóreo, das fibras sintéticas e de outras oleaginosas, como a soja, que

passaram a ser fabricadas no Sul e Sudeste do país.

Nas palavras de Pinheiro (2006):

Assim, na primeira metade da década de 1970, a difícil situação gerada pelo desemprego em massa e pela incapacidade dos capitais locais para absorver essa mão de obra incide sobre a débil estrutura urbana de Mossoró. A cidade torna-se uma área de tensões sociais e começa seu processo de “inchamento” do seu espaço, com a formação de favelas pelo exercito de desempregados das agroindústrias e das salinas, como também da população rural assolada pelas secas. Foi nesse contexto que as autoridades governamentais acionaram políticas públicas visando controlar os conflitos. (PINHEIRO, 2006, p. 104).

Pode-se dizer que nesse momento as desigualdades socioespaciais se

apresentaram de forma avassaladora, evidenciando a articulação imprescindível

entre urbanização e desigualdades socioespaciais na produção do espaço da cidade

de Mossoró.

No entanto, segundo Felipe (1988), o poder político local deu início uma

nova forma de dominação, mediante empregos gerados pelos serviços públicos.

Consoante Rocha (2005), grande parte dos empregos gerados nesse período foram

fomentados pelo crescente setor de construção civil, tanto na construção dos

prédios públicos como na construção dos conjuntos habitacionais.

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Nesse contexto, a década de 1970 também é marcada pela consolidação

de Mossoró como centro regional, na medida em que passou a ser alvo de

programas nacionais de desenvolvimento urbano, sendo incluída no Programa

Nacional de Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio. Ainda segundo

Felipe (1982, p. 122): O “boom de investimentos urbanos para obras de

infraestrutura começa com o programa de cidades de porte médio que de 1975 em

diante começa a dar um banho de asfalto na cidade”.

Com isso, a prefeitura municipal formulou o Plano de Organização do

Espaço Urbano de Mossoró (POEUM) em 1974, tendo em vista a abertura de portas

para os recursos federais que estavam destinados às cidades de porte médio13.

Nesse período, amparado nas diretrizes do plano diretor, as políticas

públicas ligadas à habitação social ocuparam o norte da cidade, com três conjuntos

habitacionais construídos pela COHAB-RN, o Abolição 1, 2 e 3, com 2.076 casas.

Ainda acerca da construção de conjuntos habitacionais, conforme argumenta Felipe

(1982), nesse período o Bairro Nova Betânia consolidou-se como bairro de “rico”,

principalmente com a construção do conjunto Inocoop, com 360 casas para atender

à classe média da cidade.

Pinheiro (2006), por sua vez, apresenta um panorama de alterações no

espaço urbano de Mossoró entre os anos de 1975 e 1984. Como informa a autora,

nesse período a cidade passa a crescer para todos os lados. Na direção norte,

surgiram um loteamento e um conjunto habitacional destinados às classes de baixa

renda na comunidade Cajazeiras, a qual posteriormente seria chamado de Bairro

Redenção.

Na mesma época, conforme a autora, verifica-se uma expansão da cidade

para além do anel viário da BR-304. Na direção noroeste, observava-se a

construção do conjunto Abolição 3; na direção oeste, surgiu o Bairro Dix Sept

Rosado, com quatro loteamentos destinados à população de baixa renda,

acompanhando a estrada para as cidades de Baraúnas e Apodi.

13 Segundo Pinheiro (2006, p. 111) : “O plano diretor, promulgado pela lei 01/75, assumiu grande importância na formação da atual estrutura espacial da cidade, pois consolida um novo padrão de crescimento da cidade de Mossoró, que se dá no sentido sudeste-noroeste. A implantação da Zona Universitária na direção sudeste, e da Zona Industrial na direção noroeste, assim como a barreira que se formou na direção sudoeste (anel viário da BR 304) impulsionaram ainda mais a expansão nesse sentido. Tem importância também o Art. 3 do plano, quando determinou que todas as áreas habitacionais fossem integradas ao centro da cidade através de largas vias de circulação, visando a plena utilização dos equipamentos urbanos e facilitando o alcance dos locais de trabalho que, por sua vez, se localizavam predominantemente nas áreas centrais. Estava determinado o padrão radial concêntrico da malha urbana da cidade, com as principais vias da cidade convergindo para o centro”.

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Nesta década(1970) também verificou-se a incorporação de comunidades

rurais situadas além do anel rodoviário da BR-304, como no caso da direção

sudoeste e sul, onde surgiram os Bairros Itapetinga, Bom Jesus, Planalto 13 de Maio

e Alto do Sumaré. Neste caso, Pinheiro (2006, p. 136) afirma que: “A malha urbana

de ambos se configurou como um prolongamento do Alto de São Manuel, bairro que

concentrava as atividades da PETROBRAS, de suas subsidiárias e empresas

contratadas.”

Na direção leste, mais uma comunidade rural também seria incorporada,

e transformada no Bairro pintos, localizado na saída para a cidade de Areia Branca.

Já na direção sudeste, conforme Pinheiro (2006), surgiu os Bairros Dom Jaime

Câmara e Presidente Costa e Silva; o primeiro implantou loteamentos para a classe

de baixo poder aquisitivo e o segundo implantou dois conjuntos habitacionais e seis

loteamentos destinados à expansão residencial da classe média associada às

universidades ali instaladas – ESAM e UERN.

Nesse período delimitado, a cidade vai passar por um novo contexto de

modernização capitalista, ocorrido principalmente através de três grandes vetores

econômicos: a atividade salineira, o agronegócio de frutas tropicais e a atividade

petrolífera.

No tocante à estruturação do ambiente construído, a economia salineira

produziu uma grande transformação do espaço, visto que as moageiras e os

armazéns de sal, até então localizados no Centro e nos bairros próximos, foram

alocados para a BR-110 (de Areia Branca a Mossoró) e depois muito desses

serviços se voltaram para a BR-304, uma das principais vias de acesso à cidade,

devido a incentivos estatais. Na BR-304 há toda uma estrutura de atendimento aos

diversos seguimentos da economia salineira.

A atividade petrolífera também interferiu de maneira decisiva nesta

expansão do ambiente construído da cidade, mas, neste caso, a expansão foi para

outro lado. Como informa Rocha (2005b), quando a Petrobras chega à cidade

instala-se provisoriamente nos Bairros Alto de São Manoel e Centro. Em 1980, a

empresa adquire 40 hectares de terras nas proximidades da comunidade rural de

Bom Jesus, e nesse mesmo ano, por decisão da prefeitura, conforme a Lei n044/80,

essa comunidade passa a integrar-se aos limites urbanos do município, constituindo-

se assim em bairro - o Alto do Sumaré. É deste período também a criação dos

Bairros Planalto 13 de Maio e Bom Jesus.

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Em entrevista que nos foi concedida em 15/8/2008, o gerente urbanístico

da prefeitura de Mossoró afirmou que em 1983 a Petrobras se instalou fora do

perímetro urbano e a prefeitura tinha interesse de arrecadar com o IPTU da

empresa; esse fato levou a entidade a planejar a ampliação do perímetro urbano. Na

figura 2 os bairros criados na cidade na década de 1980, o que pode nos dar uma

noção da expansão de Mossoró.

Figura 2: Bairros criados na década de 1980

Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).

Apesar de toda interferência no espaço da cidade ainda na década de

1980, a sede da Petrobras é construída definitivamente em 1990 e, com isso, todas

as atividades até então espalhadas em vários pontos são transferidas para a sede.

Como podemos observar, entre os eixos de expansão econômica da

cidade, a BR-304, Avenida do Contorno, apresenta grande vigor. De acordo com

Santos (2010), em dissertação de mestrado acerca das atividades relacionadas ao

consumo produtivo em Mossoró, as atividades de comercialização de insumos e

equipamentos para o agronegócio estão, em grande parte, instaladas neste local.

O trecho da BR-304, situado no perímetro urbano, consolidou-se, nos

últimos anos, como um corredor de oferta de serviços e comércio voltado tanto para

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a atividade frutícola como para a salineira. De todo modo, os investimentos em

infraestrutura para as demandas econômicas atuam de maneira decisiva no papel

estratégico da BR-304 para a cidade.

Com isso, fica claro que a partir de meados da década de 1970 a

expansão urbana de Mossoró foi acentuada nas direções noroeste, sul e sudeste,

extrapolando os limites impostos pela Avenida do Contorno. Nesse processo de

acelerada urbanização, a problemática da falta de infraestruturas urbanas se

colocou com bastante força.

Como afirmam Elias e Pequeno (2010, p. 243), com a implantação dos

conjuntos habitacionais durante as décadas de 1960 e 1970 a cidade passou a

vivenciar um processo de crescimento descontinuo, no qual “a localização

majoritariamente periférica levou a um quadro de disparidades socioespaciais no

acesso aos equipamentos sociais, predominantemente concentrados no centro e

bairros vizinhos”.

Em entrevista com o secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio

Ambiente do município de Mossoró14, segundo informado, até a década de 1970 a

utilização de água na cidade era feita através de cacimbões e cisternas, que

aparavam água das chuvas , consumida para beber e cozinhar. Para as demais

funções da água, como banho, por exemplo, utilizavam-se as águas vindas do rio.

Consoante o entrevistado, como forma de armazenar água, construiu-se

uma barragem no Centro da cidade no intuito de manter água no rio. Como afirma:

À medida que o tempo ia passando, em anos de seca, por exemplo, a qualidade da água caía muito, pois ficava exposta, tinha animais, etc. Mesmo assim, essa água continuava sendo utilizada. O fornecimento não era feito através de tubulações, mas através de carros pipas – as famílias mais abastadas tinham poço, tinham bomba manual para puxar a água, logo em seguida elétrica.

Na ocasião, a Sudene, em consonância com o Programa Nacional de

Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio, passa a liberar verbas com

vistas a promover o desenvolvimento urbano, tendo como objetivo a melhoria dos

sistemas de água, ou até a implantação, no caso de cidades ainda desprovidas de

acesso. Nesse ínterim será implantada a Companhia de Águas e Esgoto do Rio

Grande do Norte (CAERN) em 2 de setembro de 1969, a qual passa a atuar na

14Em entrevista no dia 17/2/2011.

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cidade de Mossoró apenas na década de 1970, de acordo com informações do

secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente do município de Mossoró.

Como ressaltamos, a problemática da falta de infraestrutura urbana na

década de 1970 iria se prolongar intensamente, sobretudo a falta de água e seu

abastecimento, como mostram nos jornais da época, em duas datas após cinco e

dez anos de fundação da CAERN.

Ilustração 3:Capa do jornal O Mossoroense, em 12 de setembro de 1975

Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

Ilustração 4:Capa do jornal O Mossoroense, em 3 de dezembro de 1980

Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

As discussões de acesso à água bem como de melhorias da sua

qualidade ganharam força na década de 1980, em conjunto com o fortalecimento

das organizações de bairro que tiveram suas primeiras implantações na década de

1970, e se ampliaram na década de 1980, como informou Manoel de Souza15,

membro da frente integrada das associações comunitárias do município de Mossoró.

15Entrevista no dia 17/2/2011

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Conforme podemos observar com a variável número de domicílios com

água canalizada ligada à rede geral, bem como em sua variação, entre os anos

analisados, a partir da década de 1980 o acesso à água canalizada teve um grande

impulso. Em 1970, dos 16.862 domicílios, 2.649 tinham acesso à água encanada,

com um percentual de 15, 70 %. Já em 1980, dos 27.995 domicílios, 9.057 tinham

acesso à água encanada, com um percentual de 32,35%, portanto, um aumento de

6.408 domicílios com acesso à água canalizada, com um percentual de aumento de

241,90% entre esses anos.

No ano de 1991, dos 41.666 domicílios, 25.376 dispunham de água

encanada, com um percentual de acesso de 60,90%. A variação entre os anos de

1980 e 1991 mostrou um crescimento de 180,19%. No ano 2000, dos 52.479

domicílios, 46.198 possuíam água encanada, ou seja, um percentual de 88,03%,

com um crescimento da variação de 82,05% entre os anos 1991 e 2000. No ano de

2010, dos 73.365 domicílios, 67.460 estavam ligados à rede geral de água

canalizada, com um percentual de acesso de 91.95%, e um crescimento de 46% na

variação os anos 2000 e 2010. Contudo, se analisarmos os anos de 1970 a 2010, o

crescimento foi de 2.447 %.

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Tabela 2: Número de domicílios com água canalizada em rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010 - BR, NE, RN, Mossoró

Número total de domicílios Número de domicílios - com água canalizada rede

geral % Domicílios com água canalizada rede

geral Ano

Brasil Nordeste

Rio Grande do

Norte Mossoró Brasil Nordeste

Rio Grande do

Norte Mossoró Brasil Nordeste

Rio Grande do

Norte Mossoró 1970 17.643.387 5.146.552 273.048 16.862 5.784.268 636.185 38.112 2.649 32,78% 12,36% 13,96% 15,70% 1980 25.293.411 6.769.789 370.463 27.995 11.977.045 1.640.697 95.445 9.057 47,35% 24,24% 25,76% 32,35% 1991 35.435.820 9.106.985 525.656 41.666 22.559.665 3.862.050 248.468 25.376 63,66% 42,41% 47,27% 60,90% 2000 45.507.516 11.532.019 678.652 52.479 34.859.393 7.569.147 525.739 46.198 76,60% 65,64% 77,47% 88,03% 2010 57.324.185 14.922.901 899.513 73.365 47.493.444 11.432.583 776.979 67.460 82,85% 76,61% 86,38% 91,95%

Fonte: IBGE.

Tabela 3: Variação do número de domicílios com água canalizada ligada à rede geral em Mossoró. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010

Variação 1970 – 1980 Variação 1980 - 1991 Variação 1991 - 2000 Variação 2000 - 2010 Variação 1970 - 2010 (Nº

absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº

absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) Mossoró

6.408 241,90% 16.319 180% 20.822 82% 21.262 46% 64.811 2447% Fonte:IBGE.

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Gráfico 1: Percentual de domicílios com água canalizada em rede geral

Fonte: IBGE. Elaboração do autor.

Ao analisar o gráfico, podemos comparar os números percentuais

relativos às diversas escalas, identificando que o município de Mossoró nos anos de

2000 e 2010 tem um número percentual de domicílios com água canalizada ligada à

rede geral mais elevado que os demais. Em 2010 passa dos 90% de atendimento,

enquanto no Rio Grande do Norte este percentual foi de 86,38%, na região Nordeste

foi de 76,61% e no Brasil foi de 82,85% . Segundo Manoel de Souza, militante

histórico das lutas de bairro em Mossoró, as melhorias no abastecimento de água na

cidade de Mossoró estão associadas às lutas das comunidades na década de 1980

e 1990.

De todo modo, nos anos 1970, com o início da oferta de água ligada à

rede geral, consequentemente, começaram a aparecer os problemas decorrentes da

delimitação de onde lançar as águas servidas, pois as fossas começaram a encher,

porquanto os dimensionamentos para o uso per capita até então eram pequenos.

Dessa forma, a oferta de água fez surgir o problema de esgotamento sanitário.

A variável número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede

geral pode nos ajudar na observação das contradições sociais relativas à

implantação do esgotamento sanitário na cidade, pois existe uma baixa oferta do

serviço em todo o período considerado para análise. Em 1970 e 1980, nenhum

domicílio da cidade possuía instalações sanitárias ligadas à rede geral; em 1991,

dos 41.666 domicílios, 5.875 tinham acesso à rede de esgotamento sanitário,

portanto um percentual de acesso de 14,10%. No ano de 2000, dos 52.479

domicílios, 11.025 dispunham de rede de esgotamento, com um percentual de 21 %

de acesso.

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Foram os anos 2000 que apresentaram o maior crescimento no tocante à

implantação dessa infraestrutura na cidade, com um aumento de 88% na variação,

tendo como referência o ano de 1991. Mesmo assim, em 2010, dos 52.479

domicílios, 29.147 contavam com rede geral de esgotamento, ou seja, apenas

39,7% dos domicílios tinham acesso a instalações sanitárias ligadas à rede geral,

mas com uma variação de 164 %, tendo como referência o ano de 2000.

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Tabela 4: Número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral. 1970, 1980, 1991, 2000, 2010– BR, NE, RN, Mossoró

Número total de domicílios Número de domicílios com instalações sanitárias

ligadas a rede geral % Domicílios com instalações sanitárias

ligadas à rede geral Ano

Brasil Nordeste

Rio Grande do Norte Mossoró Brasil Nordeste

Rio Grande do

Norte Mossoró Brasil Nordeste

Rio Grande do

Norte Mossoró 1970 17.643.387 5.146.552,00 273.048 16.862 2.318.402 118.610,00 5.796 0 13,14% 2,30% 2,12% 0% 1980 25.293.411 6.769.789,00 370.463 27.995 6.499.635 357.293,00 10.991 0 25,70% 5,28% 2,97% 0% 1991 35.435.820 9.106.985,04 525.656 41.666 12.234.418 798.341,25 36.110 5.875 34,53% 8,77% 6,87% 14,10% 2000 45.507.516 11.532.019,00 678.652 52.479 21.160.735 2.862.907,00 111.034 11.025 46,50% 24,83% 16,36% 21% 2010 57.324.185 14.922.901 899.513 73.365 31.786.054 5.069.256 226.027 29 147 55,45% 33,97% 25,13% 39,70%

Fonte: IBGE.

Tabela 5: Variação número de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral em Mossoró. 1980, 1991, 2000, 2010

Variação 1980 - 1991 Variação 1991 - 2000 Variação 2000 - 2010 Variação 1980 – 2010 (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) (Nº absoluto) (%) Mossoró

5.875 100% 5.150 88% 18.122 164% 29.147 100%

Fonte: IBGE.

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Gráfico 2: Percentual de domicílios com instalações sanitárias ligadas à rede geral

Fonte: IBGE. Elaboração do autor.

Ao nos determos no gráfico com o percentual de domicílios com

instalações sanitárias ligadas à rede geral, identificamos que os números relativos a

essa variável se encontram baixos em todas as escalas. A situação é crônica no

Estado do Rio Grande do Norte, mas não menos no Nordeste, no Brasil e no

município de Mossoró.

Especificando o contexto de implantação da infraestrutura urbana de

esgotamento sanitário, conforme percebemos, sua instalação na cidade se iniciou na

segunda metade de década de 1970, onde, a princípio, as obras de construção

desta importante infraestrutura foram operadas com recursos federais do Plano

Nacional de Saneamento (Planasa), que para a região Nordeste se articulou com a

Sudene, como grande secretaria regional do governo federal16.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Territorial e Meio

Ambiente da prefeitura de Mossoró, o surgimento do Plano Nacional de Saneamento

na década de 1970 disponibilizou recursos para os municípios investirem na

resolução do problema de coleta de esgoto.

Sobre a criação do Planasa, Maricato (1983) argumenta que:

O PLANASA é agente de apoio e disseminação da empresa pública estadual em âmbito nacional, fortalecendo o caráter de mercadoria do serviço público, mercadoria cara pela qual o trabalhador paga mais de uma vez: I) quando empresta (compulsoriamente) ao BNH seu FGTS para financiar parte dessas obras; 2) quando paga, na taxa do serviço público, a amortização do custo da instalação das redes ou das centrais de captação e tratamento de água e esgotos; 3) quando paga aumento nos impostos municipais, aumentos esses que têm origem nas dívidas municipais. (MARICATO, 1983, p.118).

16 No terceiro capítulo do trabalho teceremos uma discussão mais aprofundada sobre as intervenções do Planasa em nível nacional e local.

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Conforme o secretário da prefeitura, os municípios precisaram ter a

contrapartida de se associar a órgãos estaduais (no caso a CAERN) para execução

das obras do Planasa. Nesse momento a CAERN fez um projeto maior, em

consequência de lei do governo federal, que afirmava a necessidade de um plano

para ter acesso ao beneficio. Com isso, surgiu o Plano Municipal de Abastecimento

e Tratamento de Água da cidade, no qual as lagoas de tratamento foram preparadas

para atender 80 mil pessoas.

Na época, o então governador do Estado, Tarcísio Maia, anunciava as

obras de esgotamento como grande promessa de campanha, em conjunto com

outras promessas, como melhorias das estradas e da universidade, muitas vezes

sem mencionar a existência dos projetos de desenvolvimento urbano financiados

pelo governo militar.

Ilustração 5: Capa do jornal O Mossoroense, em 6 de abril de 1974

Fonte: pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

Nos anos subsequentes, como evidenciamos ao acompanhar as notícias

no jornal O Mossoroense na década de 1970, a população ficou bastante

entusiasmada com as obras anunciadas, que foram paralisadas por inúmeros

problemas, como em 20 de agosto de 1975, quando a empresa Cicol havia sido

divulgada como vencedora da concorrência pública, mas não foi confirmada, pois

segundo a CAERN, nenhuma empresa havia preenchido os requisitos mínimos para

começar as obras.

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O anúncio do início das obras sairia em reportagem publicada pelo jornal

O Mossoroense em 9 de novembro de 1975. Em entrevista com o engenheiro da

CAERN responsável pelas obras, João Batista Cardoso, segundo informado, as

obras haviam-se iniciado nas Ruas Luís Colombo e Marechal Deodoro, com

aproximadamente cinquenta homens trabalhando na construção da estação

elevatória.

A despeito, porém, do grande crescimento da cidade entre as décadas de

1970 e 1980, na primeira etapa as obras de esgotamento atenderam apenas a Bacia

4 - parte do Centro; parte Barrocas; parte Paredões, conformando o caráter

segregador de tal política pública.

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Figura 3: Divisão bacias rede geral de esgotamento

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Em 19 de março de 1978, após dois anos sem notícias sobre as obras de

esgotamento, o jornal O Mossoroense afirmou as dificuldades com a continuidade

destas em virtude das chuvas. Dessa vez, já haviam iniciado as obras da segunda

etapa na Bacia 3 - parte Centro; parte Nova Betânia; parte Doze Anos; parte Santo

Antônio.

Na mesma reportagem comentava que a primeira etapa não havia sido

concluída. Segundo a EIT, empresa responsável, só faltava a montagem do

elevatório. A inauguração da obra prevista para 30 de setembro de 1978, dia

comemorativo da libertação dos escravos na cidade, não se concretizou.

No ano de 1979 ocorreram inúmeras contradições na continuação da

implantação da segunda etapa das referidas obras, pois estas foram paralisadas

devido a CAERN re-orientar seus investimentos para solucionar os problemas com o

abastecimento de água, já que havia inúmeras reclamações da parte da população.

Nesse sentido, em 3 de janeiro de 1979, foi publicada uma reportagem informando

sobre a paralisação das obras de esgoto, pois a CAERN não estava pagando a

CICOL, empresa responsável. Isto porque estava investindo dinheiro nos trabalhos

de abastecimento de água.

Em 17 de junho de 1981 o jornal O Mossoroense publicou matéria sobre o

retorno das obras de implantação de esgotamento sanitário. Na ocasião, o prefeito

João Newton concluía seu programa de obras para o plano de emergência do

município, no qual incluía restauração de escolas, construção de salas de aula,

construção de cisternas, desmatamento de estradas vicinais e pavimentação de ruas

sob o clima de progresso. O prefeito enviou telegrama à Presidência da república

alertando sobre a necessidade de melhorias nas infraestruturas no intuito de evitar

agravamento das tensões sociais. A seguir, capa da reportagem.

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Ilustração 6: Capa do jornal O Mossoroense, em 17 de junho de 1981

Fonte: Pesquisa no Arquivo do Museu Municipal de Mossoró.

Em termos gerais, podemos definir esse como o primeiro momento de

implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário (SES) de Mossoró, no qual houve

duas etapas de implantação da infraestrutura; a princípio, em algumas partes da

Bacia 4 e logo após em algumas partes da Bacia 3. É importante frisar que este

primeiro momento se caracteriza pelos investimentos federais associados ao

governo militar no âmbito do BNH, especificamente do Planasa.

Com o fim do regime militar em 1984 e a extinção do BNH em 1986, os

recursos destinados ao poder político municipal se reduziram drasticamente,

influenciando na capacidade de investimentos municipais no espaço urbano.

A passagem para a década de 1990, conforme argumentação de Pinheiro

(2006), também é marcada pelos escassos recursos gestados pelo município, mas

com a aprovação da Constituição de 1988, os municípios ganharam autonomia para

estabelecer políticas próprias, tendo a Caixa Econômica Federal como órgão gestor.

Com isso, em 1990, a prefeitura municipal de Mossoró tenciona aumentar

a arrecadação do Imposto Territorial Urbano (IPTU) e promulga a Lei no 502, de 5 de

junho de 1990, criando mais cinco bairros: Lagoa do Mato, Rincão, Santa Delmira,

Redenção e Santa Júlia. A seguir, figura ilustrativa dos bairros criados entre as

décadas de 1970 a 1990.

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Figura 4: Bairros criados em 1970, 1980 e 1990

Fonte: Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).

Como nos informou o engenheiro, secretário de Desenvolvimento

Territorial e Meio Ambiente do município de Mossoró17, no início da década de 1990

a implantação do esgotamento sanitário segue outro contexto: projeto de construir

pequenas lagoas de tratamento para atender demandas de conjuntos habitacionais

de interesse social recém-criados em consórcio com a Caixa Econômica Federal.

Pode-se dizer que a década de 1990 vai se caracterizar pelo segundo

momento de implantação do SES-Mossoró nas seguintes bacias: Bacia 1: Conjunto

Santa Delmira; Bacia 13: Conjunto Nova Vida ( Dom Jaime Câmara); Bacia 3:

Conjunto José Agripino (Santo Antônio); Bacia 9: Conjunto Inoocop (Alto de São

Manuel); Bacia 15: Conjunto Vinght Rosado(Rincão).

Relacionado a este segundo momento de implantação da SES Mossoró, o

secretário de Desenvolvimento Territorial de Meio Ambiente se mostrou crítico ao

projeto, afirmando que se “tratava soluções pontuais, devido a pequenas verbas.

Faziam a tubulação apenas para atender aquela demanda, não faziam para atender

a bacia”.

17 Em entrevista no dia 17/2/2011

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Após estes projetos de ampliação da SES-Mossoró, toda a década de

1990 transcorre sem novos projetos para ampliação da infraestrutura ora citada,

demonstrando o enfraquecimento do poder de investimento estatal no social

característico do contexto neoliberal, que teve grande expressão durante essa

década, e quando associado à municipalização da política urbana, ampliou a

tendência de segregação e favelização na cidade de Mossoró.

Como podemos observar nos dados relativos aos domicílios por tipo de

esgotamento sanitário por bairros, bem como seu percentual, em 2000, dos 52.121

domicílios no total, apenas 11.025 tinham acesso à rede geral de esgoto pluvial,

conformando um percentual de 21,15% com acesso, enquanto os domicílios com

fossa séptica se apresentavam em maior número, com 15.657 domicílios, e um

percentual de 30,04%.

Ao analisar as tabelas e o cartograma para o ano de 2000 de forma mais

detalhada, nos chama atenção o fato de bairros como o Rincão e o Santa Delmira

possuírem um percentual de acesso à rede geral de esgoto de 90,87 % e 54,03%,

respectivamente, ao passo que o Bairro Nova Betânia detinha um acesso de apenas

1,25 %. Tal discrepância, no entanto, já foi elucidada anteriormente, quando

apresentamos a primeira e a segunda etapas de implantação da rede de

esgotamento, que teve na década de 1990 a criação de conjuntos habitacionais com

acesso à rede de esgotamento sanitário nos referidos bairros.

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Tabela 6: Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros – Mossoró, Rio Grande do Norte. 2000

Município e bairros (1)

Total domicílios

% Total domicílios

Rede geral de

esgoto ou

pluvial

% Rede geral de

esgoto ou pluvial

Fossa séptica

% Fossa séptica

Outro %Outro

Mossoró 52.121 100 11.025 21,15 15. 657 30,04 22.363 42,91 Abolição 5.050 100 131 2,59 2.330 46,14 2.506 49,62 Aeroporto 2.871 100 45 1,57 432 15,05 2.306 80,32 Alagados 46 100 8 17,39 1 2,17 32 69,57

Alto da Conceição 1.422 100 446 31,36 130 9,14 802 56,40 Alto de São Manoel 4.395 100 684 15,56 1.470 33,45 1.923 43,75

Alto do Sumaré 879 100 57 6,48 592 67,35 210 23,89 Barrocas 4.175 100 173 4,14 764 18,30 2.687 64,36

Belo Horizonte 1.812 100 239 13,19 963 53,15 526 29,03 Boa Vista 1.772 100 151 8,52 1.304 73,59 298 16,82

Bom Jardim 2.617 100 1.272 48,61 368 14,06 943 36,03 Bom Jesus 315 100 - 0,00 7 2,22 287 91,11

Centro 718 100 524 72,98 30 4,18 164 22,84 Dix Sept Rosado 229 100 - 0,00 - 0,00 175 76,42

Dom Jaime Câmara 2.183 100 416 19,06 319 14,61 1.287 58,96 Doze Anos 1.238 100 313 25,28 788 63,65 129 10,42

Ilha de Santa Luzia 663 100 28 4,22 148 22,32 454 68,48 Itapetinga 13 100 - 0,00 6 46,15 5 38,46

Lagoa do Mato 3.182 100 688 21,62 1.035 32,53 1.384 43,49 Nova Betânia 1.355 100 17 1,25 898 66,27 418 30,85

Paredões 2.047 100 1.418 69,27 298 14,56 281 13,73 Pintos 493 100 1 0,20 7 1,42 428 86,82

Planalto Treze de Maio 1.215 100 47 3,87 558 45,93 602 49,55 Presidente Costa e Silva 982 100 11 1,12 468 47,66 391 39,82

Redenção 577 100 4 0,69 317 54,94 234 40,55 Rincão 1 763 100 1.602 90,87 29 1,64 74 4,20

Santa Delmira 2.776 100 1.500 54,03 705 25,40 448 16,14 Santo Antônio 3.957 100 779 19,69 1.143 28,89 1.807 45,67

Sem especificação 3.376 100 471 13,95 547 16,20 1.562 46,27 Fonte: IBGE.

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Cartograma 2: Percentual de domicílios com captação de esgoto rede geral. 2000

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Ainda observando a tabela e o cartograma em discussão, identificamos o

baixo índice de acesso, com um percentual de até 5%, visto no Bairro Nova Betânia,

e que se repete nos inúmeros bairros, como no caso de Presidente Costa e Silva,

Abolição, Aeroporto, Barrocas, Bom Jesus, Dix Sept Rosado, Ilha de Santa Luzia,

Itapetinga, Pintos, Planato 13 de Maio e Redenção.

De todo modo, ensejamos neste trabalho uma avaliação da implantação

das redes de esgotamento sanitário bairro por bairro, comparando os bairros nos

quais existe acesso a tal infraestrutura e seus níveis de renda, para termos ciência

do caráter segregador das políticas públicas no tocante ao espaço urbano.

Em relação ao ano de 2000, como ilustram as tabelas e os cartogramas a

seguir, onde estão expostos o número de domicílios e seu percentual por grupo de

rendimento mensal segundo município e bairros, a cidade de Mossoró, dos 52.121

domicílios no total, possui 23.204 destes entre os grupos sem rendimento até 1

salário, com um percentual de 44,52% entre esses grupos de rendimento.18

18 No ano de 2000 o salário mínimo era de R$ 151,00.

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Tabela 7:Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2000

Município e bairros Total

Domicílios %Total

Domicílios

Sem renda até 1 salário

% Sem renda até 1

salário 1 a 5

salários % 1 a 5 salários

5 a 10 salários

% 5 a 10

salários

10 a mais 20 salários

% 10 a mais 20 salários

Mossoró 52.121 100 23.204 44,52

22.042 42,29 4.168 8,00 2.707 5,19 Abolição 5.050 100 1.541 30,51 2.518 49,86 656 12,99 335 6,63 Aeroporto 2.871 100 1.237 43,09 1.357 47,27 172 5,99 105 3,66 Alagados 46 100 33 71,74 13 28,26 - 0,00 - 0,00

Alto da Conceição 1.422 100 478 33,61 702 49,37 173 12,17 69 4,85 Alto de São Manoel 4.395 100 1.954 44,46 1.652 37,59 452 10,28 337 7,67

Alto do Sumaré 879 100 342 38,91 431 49,03 76 8,65 30 3,41 Barrocas 4.175 100 2.598 62,23 1.491 35,71 68 1,63 18 0,43

Belo Horizonte 1.812 100 908 50,11 800 44,15 83 4,58 21 1,16 Boa Vista 1.772 100 673 37,98 842 47,52 182 10,27 75 4,23

Bom Jardim 2.617 100 1.138 43,48 1.233 47,12 181 6,92 65 2,48 Bom Jesus 315 100 216 68,57 98 31,11 - 0,00 1 0,32

Centro 718 100 56 7,80 241 33,57 211 29,39 210 29,25 Dix Sept Rosado 229 100 152 66,38 75 32,75 2 0,87 - 0,00

Dom Jaime Câmara 2.183 100 1.348 61,75 741 33,94 68 3,11 26 1,19 Doze Anos 1.238 100 294 23,75 541 43,70 235 18,98 168 13,57

Ilha de Santa Luzia 663 100 294 44,34 280 42,23 64 9,65 25 3,77 Itapetinga 13 100 11 84,62 2 15,38 - 0,00 - 0,00

Lagoa do Mato 3.182 100 1.697 53,33 1.349 42,39 113 3,55 23 0,72 Nova Betânia 1.355 100 310 22,88 347 25,61 237 17,49 461 34,02

Paredões 2.047 100 782 38,20 928 45,33 219 10,70 118 5,76 Pintos 493 100 278 56,39 184 37,32 22 4,46 9 1,83

Planalto Treze de Maio 1.215 100 474 39,01 592 48,72 115 9,47 34 2,80

Presidente Costa e Silva 982 100 376 38,29 305 31,06 90 9,16 211 21,49

Redenção 577 100 296 51,30 263 45,58 16 2,77 2 0,35 Rincão 1.763 100 350 19,85 1.101 62,45 235 13,33 77 4,37

Santa Delmira 2.776 100 1.052 37,90 1.353 48,74 278 10,01 93 3,35 Santo Antônio 3.957 100 1.961 49,56 1.633 41,27 189 4,78 174 4,40

Sem especificação 3.376 100 2.355 69,76 970 28,73 31 0,92 20 0,59 Fonte: IBGE.

Ao analisarmos esta tabela quanto aos bairros com menor rendimento,

podemos perceber os altos números relativos aos grupos de domicílios sem renda

até 1 salário e de 1 até 5 salários nos diversos bairros; se observarmos, por

exemplo, o Bairro Santo Antônio, identificaremos que ele apresenta percentual alto

em ambas os grupos, 49,56 % e 41,27%, respectivamente. Curiosamente, este

bairro, a despeito de estar nas proximidades do Centro, não se mostrou como

grande beneficiado nas políticas de implantação da infraestrutura de esgotamento

sanitário.

No caso específico do grupo sem rendimento até 1 salário, identificamos

altos índices nos diversos bairros, como Itapetinga, Dom Jaime Câmara, Dix Sept

Rosado, Bom Jesus, Barrocas e Alagados - todos com mais de 60% da população

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nesse grupo. Em outros bairros, como Aeroporto, Alto de São Manuel, Belo

Horizonte, Bom Jardim, Ilha de Santa Luzia, Lagoa do Mato, Pintos, Redenção,

acima de 40% da população situam-se nesse grupo. Já em bairros como Abolição,

Santa Delmira e Alto do Sumaré 30% da população encontram-se nesse grupo de

rendimento.

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Cartograma 3: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2000

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Ademais, apenas 4.168 domicílios dispunham de renda entre a faixa

acima de 5 salários mínimos até 10 salários, conformando um percentual de 8%

entre essas faixas de renda. O caráter ainda mais segregador é visto nos números

relativos à alta renda na cidade, onde apenas 5,19% dos moradores tinham

rendimento acima de 10 salários mínimos, com destaque para bairros como Centro,

Nova Betânia e Presidente Costa e Silva. Curiosamente, esses últimos tiveram

prioridade na implantação nas redes de esgotamento durante a primeira década do

século XXI.

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Cartograma 4: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2000

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Em coadunação com o recém-exposto,em 17 de de maio de 2001 foi

publicada reportagem no jornal O Mossoroense segundo a qual a falta de

infraestrutura de esgotamento é um dos grandes problemas enfrentados pela

população pobre da cidade, principalmente pelas diversas doenças possíveis de ser

transmitidas em virtude da falta desse serviço.

Conforme a reportagem:

Isso tem sido percebido nos postos de saúde localizados em alguns bairros da cidade, onde o número de atendimento tem aumentado consideravelmente nos últimos dias, os casos mais notificados são: verminose, dengue, virose e outros. Segundo o bioquímico Getúlio de Freitas Vale, essas doenças são causadas devido à exposição de esgoto a céu aberto e acúmulo de lixo nas ruas.

Outro aspecto a ser enfatizado é a municipalização das políticas públicas

relativas ao espaço urbano na década de 1990 no qual sobressaiu a precariedade

das condições de moradia na cidade, chegando ao contingente de favelização,

considerado alto para uma cidade de porte médio.

De acordo com informações da secretária de Desenvolvimento Territorial

do município19, em 1997 havia 32 favelas reconhecidas pela prefeitura local. Eram

mais de 4 mil barracos e quase 23 mil pessoas vivendo nessas condições. Ainda

segundo informações da mesma secretária, entre 1997 e 2004 foram construídas

4.117 casas de alvenaria, atendendo 16.068 pessoas. Na tabela a seguir, podemos

observar as localidades onde as casas foram construídas e o número de

beneficiados pelos programas habitacionais.

19 Fonte: Revista da Prefeitura de Mossoró, 2004.

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Tabela 8:Construção de casas de 1997 a 2004 pelos programas habitacionais

Item Favela Nº de casas construídas Nº de beneficiados

1 Estrada da Raiz 181 724 2 Lama 38 152 3 Techint 210 840 4 Abolição IV 315 1260 5 Carnaubal 120 480 6 Pantanal 65 260 7 Conj. Rosalândia 80 320 8 Iraque 62 248 9 Promorar 196 784 10 Santa Delmira 184 736 11 Santo Antônio 228 912 12 Sumaré 109 436 13 Velho 385 1540 14 Pintos 162 648 15 Negócio 58 232 16 Forno Velho 164 656 17 Bom Pastor 35 140 18 Freitas Nobre 28 112 19 Esam 128 512 20 Barreira Vermelha 28 112 21 Barrocas 68 272 22 Bom Jesus 122 488 23 Pedra Branca 52 208 24 Barrinha 64 256 25 Jucuri 180 720 26 Ouro Negro 52 208 27 Paredões 22 88 28 Santo Antônio 295 1180 29 Bairros Diversos 486 1544

Total 4117 16.068 Fonte: Revista da Prefeitura de Mossoró, 2004.

Levando em conta a argumentação ora exposta, percebemos a relevância

de discutir criticamente o que vem a ser a tão propalada erradicação das favelas em

Mossoró. Isto porque a prefeitura mostra a ideia de que esta passa apenas pela

troca das casas de plástico, papelão, barro e palha pelas famosas casas coloridas20,

ao mesmo tempo em que desvincula a provisão habitacional da provisão de redes

de infraestrutura, em uma total desvinculação dos processos de produção e

reprodução social. A seguir, algumas fotos ilustrativas das casas construídas pelos

programas habitacionais em contraponto à permanência de habitações precárias.

20 De acordo com a prefeitura, o Projeto Minha Casa (trabalhado em âmbito local) levou charme à periferia, por serem as casas pintadas com tintas coloridas.

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Foto1:Erradicação da Favela da Rosa Foto 2:Permanência da Favela da Rosa 14/2/2008 14/2/2008 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Em corroboração ao recém-exposto, segundo alertou o jornal De Fato, um

dos periódicos diários de Mossoró, em reportagem publicada no dia 28 de outubro

de 2007, a situação continuava difícil nas favelas supostamente extintas. Em

entrevista com moradores do conjunto Nova Esperança, antiga Favela do Velho, o

jornal constatou que a vida dos moradores continua como antes, cercada de miséria,

lixo e, principalmente, violência.

Esse também é o caso da Favela do Santa Delmira, ou como é mais

conhecida, Favela do Fio. De acordo com informações obtidas junto à prefeitura,

essa favela já foi extinta, mas a mínima observação da paisagem mostra as

precárias condições dos moradores, pois convivem com doenças propiciadas pelos

esgotos a céu aberto, além da grande quantidade de lixo entulhado e casas

desprovidas das mínimas condições de sobrevivência a um ser humano.

Foto 3: Erradicação Favela do Fio Foto 4: Permanência Favela do Fio 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Seja como for, o primeiro quarto da década de 2000 apresenta uma

mudança no padrão de investimentos no espaço urbano. Como afirma Pinheiro

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(2006), a criação do Ministério das Cidades em 2003 traz inúmeras alterações para

o planejamento urbano em Mossoró. Nessa ótica, sobressai como marco a primeira

conferência municipal da cidade no ano de 2003, que teve como pauta as

problemáticas urbanas, onde foram debatidos os programas urbanos em realização

pela prefeitura, como a política de habitação, saneamento e transporte público.

Destaca-se também o investimento da prefeitura municipal na imagem da cidade

como centro regional desenvolvido. Ainda segundo Pinheiro (2006):

Então, a partir de 2003, em relação aos programas urbanos destacam-se: a) as obras de infraestrutura, como iluminação, saneamento, e reforma viária na entrada da cidade; b) obras de embelezamento urbano, como praças, canteiros, urbanização das margens do rio, paisagismo e urbanização; c) investimentos em equipamento urbano de grande porte, como a construção do Teatro municipal Dix Huit Rosado, do ginásio poliesportivo Pedro Ciarline, da biblioteca municipal e do centro administrativo municipal; d) das obras de restauração de edifícios municipais que tem valor histórico, como palácio da resistência, o museu municipal, e o edifício que abriga a secretaria de tributação. (PINHEIRO, 2006, p. 154).

No entanto, de acordo com Elias e Pequeno (2010, p. 255), a elaboração

do plano diretor municipal em 2006, em consonância com os princípios da Lei

Federal n0 10.257/2001 – Estatuto da cidade, não tem como norte alterar o cenário

da política urbana na cidade, pois: “leva – nos a perceber um cenário em que as

desigualdades até aqui identificadas tendem a remanescer.” 21

A despeito de um novo ciclo de investimentos no espaço da cidade,

podemos elencar algumas das infraestruturas viabilizadas com base em incentivos

criados pela prefeitura e pelo governo do Estado e governo federal22, tais como o

distrito industrial, onde a prefeitura em 2004 investiu R$ 900 mil para construir o

gasoduto na extensão da BR-304, atendendo a toda a área do distrito industrial

enquanto o governo do Estado, através da CAERN, investiu R$ 744 mil para

construir a adutora que vai abastecer o distrito. Como na área já havia infraestrutura

21 Nas palavras dos autores: “Analisando segundo a presença de novos instrumentos de gestão do solo urbano e considerando a realidade sócio-habitacional diagnosticada através de trabalhos de campo, observa-se que as áreas consideradas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) inclusas no plano diretor se situam, majoritariamente, nas franjas periféricas da cidade, ao norte, a noroeste, a sudoeste e ao sul, onde o quadro de exclusão é a regra. Os instrumentos voltados para o combate à especulação imobiliária, disponibilizados nessa lei e adotados no plano diretor municipal vigente, tem sua eficácia comprometida, em função de sua utilização restrita ao centro e aos bairros limítrofes onde os vazios são de pequeno porte e em reduzida quantidade.” (ELIAS; PEQUENO, 2010, p. 255) . 22 Informações obtidas nas revistas da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007.

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de energia elétrica e telefonia, iniciaram-se as negociações para atração de

empresas.

Outra forte intervenção estatal se deu na viabilização da instalação do

Mossoró West Shopping. Nesse caso, a prefeitura doou um terreno de 80 mil metros

quadrados na área mais cara da cidade, além de viabilizar o prolongamento da

Avenida João da Escócia em 1440m, com um investimento R$ 1.305 830,48. Em

ambos os processos, também podemos enfatizar a isenção fiscal das empresas que

se instalarem no distrito industrial, bem como para o próprio shopping.

Uma das últimas obras de infraestrutura realizadas pela prefeitura na

cidade foi a ampliação da Avenida Rio Branco, que vai desde o Centro até as

mediações do Distrito Industrial na BR – 304, um prolongamento de 2.100m com

investimento R$ 4.29.053,73. A Avenida Abel Coelho também passou por uma

expansão, ligando os Bairros Abolição 1, 2 e 3 em seus conjuntos habitacionais,

com uma extensão de 3.480 metros e um investimento de R$ 2,9 milhões.

No caso da Avenida Presidente Dutra, sua obra de duplicação ocorreu em

2005, com investimentos do governo estadual. De acordo com informações contidas

no site do governo do Estado23, a obra custou R$ 3,6 milhões. O trecho tem uma

extensão de 1.760 metros e fica situado no perímetro urbano, embora faça parte da

BR-304.

Outras vias duplicadas no ano de 2005 foram as Avenidas Felipe

Camarão e Lauro Monte, ambas de grande importância para a conexão da BR - 304

com o Centro da cidade. A primeira recebeu um investimento de R$ 1.451,012,90

com uma extensão de 1.440 metros. Já a segunda teve um investimento de 1,2

milhão para uma extensão de 1.280 metros24.

Em entrevista concedida em 15/8/2008, o gerente urbanístico afirmou que

a prefeitura está conseguindo perceber os espaços a serem preenchidos antes dos

investimentos, e isso gera uma vantagem em relação às outras cidades, as quais,

primeiro, esperam a ocupação do espaço para depois obter uma intervenção estatal.

Um grande projeto para o crescimento do ambiente construído da cidade

é o complexo viário da abolição. Esse projeto prevê duplicação da BR-304, desde as

proximidades do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF), saída para Natal, até a

23 http://www.rn.gov.br/ 24 Informações obtidas nas revistas da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007.

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entrada que dá acesso ao Bairro Redenção. Isto corresponde a um trecho de 17

quilômetros. Além da duplicação da via, o Complexo Viário da Abolição prevê a

construção de cinco viadutos. Entre estes, um no trevo na saída para Natal, um no

trevo na saída para Apodi, um na Rua João da Escóssia, um na Avenida Abel

Coelho e um no prolongamento da Rio Branco. Está previsto também a construção

de uma ponte, paralela à já existente sobre o rio Mossoró. A obra orçada em R$ 70

milhões será executada pelo governo do Estado com recursos provenientes do

Programa de Aceleração do Crescimento.

Consoante informações do jornal O Mossoroense do dia 14/1/2010, as

obras haviam iniciado: “Os serviços de terraplenagem começaram no início desta

semana. [...] Giovanni Maciel enfatiza que a duração do contrato para a

concretização do Complexo Viário é de 18 meses e a empresa irá fazer o possível

para concluir a obra no prazo.”

Outra grande obra de construção de infraestrutura para a cidade foi o

projeto de revitalização da antiga estação ferroviária de Mossoró iniciada em 2004,

com a construção da estação das artes Elizeu Ventania, com investimentos da

prefeitura e Petrobras em torno de R$ 280 mil. Vale salientar que além do prédio da

estação, existe uma área de 15 mil metros quadrados que está sendo aproveitada

para realização de eventos, como Mossoró cidade junina, alto da liberdade, Ficro

etc.

Essa obra de revitalização culminou no projeto Corredor cultural da

Avenida Rio Branco, em que foi construído todo um complexo de equipamentos

culturais, como a Praça da Criança, a Praça da Convivência, a Praça de Esporte, a

Praça de Eventos, o Memorial da Resistência.

Quadro 1: Infraestruturas do corredor cultural Avenida Rio Branco

Nome Investimento Área em m2 Estação das artes Elizeu Ventania R$ 280 mil 15.000 m2 Teatro Municipal Dix Huit Rosado R$ 6milhões 2.570m2 Praça da Criança R$ 2,5 milhões 4.730m2 Praça da Convivência R$ 1,4 milhão 6.628 m2 Praça de Esporte R$ 1,25 milhão 7.717m2 Praça de Eventos R$ 634 mil 4.963 m2 Memorial da Resistência R$ 2,5 milhões 10.000 m2 Fontes: Revista da prefeitura de Mossoró dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007. http://www.prefeiturademossoro.com.br/ acessado em 26/12/2009.

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Na mesma área, em agosto de 2004 já havia sido inaugurado o Teatro

Municipal Dix Huit Rosado, com investimento de R$ 6 milhões, dos quais 59% de

recursos da prefeitura e 41% de recursos da Petrobras.

Em meio a todo esse processo, como afirmou a secretária de

Desenvolvimento Territorial do município25, o objetivo de todas essas obras foi

a“consolidação de Mossoró como uma cidade voltada ao turismo de eventos”.

Assim, podemos observar a lógica estatal de investimentos em

infraestruturas para dotar a cidade de conteúdos globais, quer seja no âmbito

industrial, quer seja no âmbito de serviços turísticos, mas ambos atendendo à lógica

econômica.

Tais articulações econômicas e políticas interferiram no espaço da cidade

de maneira decisiva. Esse processo de revitalização no espaço central de Mossoró,

com a construção de inúmeras infraestruturas, culminou com uma valorização do

espaço, na medida em que o mercado imobiliário passou a intervir de maneira

incisiva nos arredores da Avenida Rio Branco; houve destacada procura daquele

espaço para a construção de restaurantes e bares, enquanto a população que mora

naquelas imediações enfrenta profunda dificuldade de se manter.

A instalação do Mossoró West Shooping nas proximidades da BR-304

também interferiu intensamente na dinâmica do espaço local. Atualmente Mossoró

se reorganiza de forma bem acentuada em direção ao Bairro Nova Betânia com a

instalação do Mossoró West Shopping e de alguns condomínios fechados.26

Assim, uma nova centralidade se desenvolve ali, o Bairro Nova Betânia,

onde é visível a proliferação de condomínios fechados de luxo bem como de

equipamentos comerciais, em especial com o Mossoró West Shopping. Neste

mesmo bairro também se situam uma grande universidade particular do Estado, a

Universidade Potiguar (UNP), além de hipermercados de procedência internacional,

como o Hiper Bompreço, filiado à rede Walmart, e a rede Atacadão, filiada ao

Carrefour .

De todo modo, esse contexto caracteriza o terceiro momento de

implantação do SES-Mossoró, no qual os municípios tiveram a possibilidade de

25 Revista Mossoró 2007, p.34. 26 O grupo Alphaville Urbanismo S/A, de São Paulo, investiu R$ 33 milhões na construção de um condomínio de 537 lotes no Bairro Nova Betânia, ao lado do Mossoró West Shopping, em terreno permutado com o espólio do ex-governador Tarcísio Maia. O projeto de construção foi apresentado à prefeitura de Mossoró no ano de 2008. Informações obtidas em http://www.prefeiturademossoro.com.br/2008/08052008_03.php. Acesso em 8 de maio de 2008. Em sua inauguração, no início de 2009, todos os lotes foram vendidos no primeiro dia.

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envio de projetos em busca de verbas para implantação do sistema de esgotamento

sanitário a partir do ano de 2003, com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS) e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), sob

incentivo do recém-criado Ministério das Cidades.

Na primeira etapa, de acordo com informações da revista da prefeitura de

Mossoró (2004), ocorreu a implantação do sistema de esgotamento na Bacia 3,

compreendendo parte do Bairro Barrocas, parte do Boa Vista, parte do Bom Jardim,

parte do Santo Antônio, Abolição 1 e 2 e parte do Nova Betânia.

Na segunda etapa do terceiro momento de implantação da SES-Mossoró,

seguiu-se a tendência de articulação com o governo federal, mediante verbas

provenientes do Ministério das Cidades, entre os anos de 2004 e 2008, na transição

entre o fim do mandato de prefeita Rosalba Ciarline e no primeiro mandato da

prefeita Fafá Rosado.

Como ambas são do mesmo agrupamento político, a equipe técnica não

sofreu mudanças. Assim, em sua primeira etapa, as obras ocorreram na Bacia 5,

que compreende apenas o Bairro Nova Betânia; Bacia 6, com parte do Bairro

Aeroporto, parte do Nova Betânia, parte do Boa Vista, parte do Doze Anos, parte do

Alto da Conceição, parte do Bairro Lagoa do Mato e o restante do Centro.

Na terceira etapa, relativa ao terceiro momento de implantação da SES-

Mossoró, entre os anos de 2008 e 2011, temos obras da prefeitura municipal e do

governo estadual, através da CAERN, ambas com recursos federais.

As obras ora citadas, realizadas sob coordenação da prefeitura municipal,

até o mês de outubro de 2011, data de nosso último trabalho de campo, estavam

paralisadas. No caso da Bacia 7, que compreende os Bairros Belo Horizonte,

Carnaubais, parte do Alto da Conceição, as obras pararam na metade, deixando

buracos abertos nas ruas e até no interior das casas, gerando inúmeras

reclamações por parte dos moradores. Já na Bacia 1, que compreende os Bairros

Abolição 3 e 4, as obras não foram iniciadas, apesar de placas afixadas no local

sobre o assunto.

No caso das obras gerenciadas pela CAERN, estão em curso na Bacia 9,

da qual fazem parte os Bairros Alto de São Manuel, Liberdade, Sumaré e Costa e

Silva. A seguir, apresentamos o quadro e o cartograma com o histórico de

implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário, construídos com base em

entrevistas com representantes de órgãos responsáveis, bem como em outros

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trabalhos dissertativos sobre a cidade, além das informações coletadas nas revistas

da prefeitura.

Quadro 2: Histórico de implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário (1975 – 2011)

PRIMEIRO MOMENTO IMPLANTAÇÃO

INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO (1975 –

1982)

SEGUNDO MOMENTO

IMPLANTAÇÃO INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO

– (1990 - 1994)

TERCEIRO MOMENTO IMPLANTAÇÃO INFRAESTRUTURA DE ESGOTAMENTO (2000 – 2011)

1a ETAPA - 1975 -

Recurso Planasa/

BNH

2a ETAPA - 1982 -

Recurso Planasa/BNH

Conjuntos Cohab e Inoocop implantados a partir do decreto

da prefeitura 502/90 - (1990)

1a ETAPA - Obras

municipais com recursos

federais – FGTS/SBPE –

2003 - 2004

2a ETAPA - Obras

municipais com

recursos federais – Ministério

das Cidades - 2004 -

2008

3a ETAPA – Obras municipal/estadual com

recursos federais - Ministério das Cidades –

2008- 2011

Municipal/ governo Fafá – Obras paradas

Estadual/ governo Rosalba/ CAERN – Obras em andamento

Bacia 4: Parte do Centro; parte

Barrocas; parte

Paredões

Bacia 3: Parte Centro; parte Nova

Betânia; parte Doze anos; parte Santo

Antônio

Bacia 1: Conj. Santa Delmira; Bacia 13: Conj. Nova Vida

(Dom Jaime Câmara); Bacia 3:

Conj. José Agripino (Santo Antônio);

Bacia 9: Conjunto Inoocop (Alto de São Manuel); Bacia 15:

Conj. Vinght Rosado

Bacia 3: Barrocas,

Bom Jardim, Santo

Antônio, Abolição 1 e 2

e Nova Betânia

Bacia 5: Nova

Betânia; Bacia 6:

Aeroporto, Nova

Betânia, Boa Vista, Doze Anos, Alto

da Conceição, Lagoa do Mato e o

restante do Centro

Bacia 1: Abolição 3 e 4; Bacia 7: Belo Horizonte, Carnaubais, parte Alto da Conceição

Bacia 9: Alto de São Manuel, Liberdade, Sumaré, Costa e Silva

Fonte: Entrevista com Ronaldo Bessa, engenheiro da CAERN – 28/10/2011; Entrevista Yure Pinto, secretário de Desenvolvimento Territorial – 17/2/2011; Pinheiro (2006); Felipe (1982); Revista Prefeitura Municipal de Mossoró 2004, 2005, 2006 e 2007.

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Cartograma 5: Histórico da implantação esgotamento por bacia - Mossoró/RN

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Assim, pois, se observarmos as tabelas e o cartograma relativos ao

acesso à rede geral de esgoto por bairros, bem como seu percentual para 2010,

podemos detectar que mesmo após inúmeras obras executadas durante a primeira

década do século XXI, apenas 39,73 % dos domicílios têm acesso à rede geral de

esgoto, portanto, 29.147 domicílios com este serviço, entre os 73.365 no total.

Tabela 9:Domicílios particulares permanentes, por tipo de esgotamento sanitário, segundo os bairros –Mossoró, Rio Grande do Norte. 2010

Município e bairros (1)

Rede geral de esgoto ou pluvial

% Rede geral de

esgoto ou pluvial

Fossa séptica

%Fossa séptica

Outro %Outro

Mossoró 29.147 39,73 18.466 25,17 25.196 34,34 Abolição 2.359 33,75 1.242 17,77 3.379 48,35 Aeroporto 778 15,17 2.570 50,11 1.761 34,33 Alagados 1 2,27 - - 43 97,73

Alto da Conceição 1.134 72,23 317 20,19 116 7,39 Alto de São Manoel 908 17,68 2.027 39,46 2.189 42,61

Alto do Sumaré 11 0,57 1.420 74,15 477 24,91 Barrocas 2.440 43,76 668 11,98 2.355 42,23

Belo Horizonte 181 7,72 1.094 46,65 1.065 45,42 Boa Vista 1.753 88,89 155 7,86 63 3,19

Bom Jardim 2965 95,31 50 1,61 90 2,89 Bom Jesus 148 42,29 36 10,29 162 46,29

Centro 717 97,95 8 1,09 7 0,96 Dix Sept Rosado 22 4,59 307 64,09 148 30,90

Dom Jaime Câmara 754 23,92 320 10,15 2.058 65,29 Doze Anos 1.271 89,01 72 5,04 85 5,95

Ilha de Santa Luzia 679 77,07 46 5,22 150 17,03 Itapetinga 1 1,11 1 1,11 86 95,56

Lagoa do Mato 1.266 32,16 1.339 34,01 1.320 33,53 Nova Betânia 2.134 80,86 126 4,77 375 14,21

Paredões 1.805 78,07 412 17,82 93 4,02 Pintos 19 2,54 360 48,13 363 48,53

Planalto Treze de Maio 119 4,82 1.215 49,17 1.135 45,93 Presidente Costa e Silva 92 6,81 1.117 82,68 136 10,07

Redenção 72 8,65 217 26,08 541 65,02 Rincão 2.221 76,74 482 16,66 183 6,32

Santa Delmira 1.739 46,20 488 12,96 1.498 39,80 Santo Antônio 2.882 53,51 754 14,00 1.732 32,16

Fonte: IBGE.

Todavia, se nos detivermos no caso do Bairro Nova Betânia, que passou

de um percentual de acesso no ano de 2000 de 1,25%, para 80,86% em 2010,

vamos detectar os interesses de classe envolvidos na dotação de infraestruturas no

interior do espaço urbano mediante orientação de políticas públicas para a

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valorização do espaço, demonstrando um clima propício para ascensão do mercado

imobiliário.

Outros bairros de interesse para o mercado imobiliário são o Presidente

Costa e Silva e o Alto do Sumaré, onde o percentual de acesso à rede geral de

esgotamento é de apenas 6,81% e 0,57%, respectivamente, no ano de 2010. Neles,

as obras de dotação de tal infraestrutura por parte da CAERN se apresentam como

uma realidade.

Ademais, bairros como Alto da Conceição, Boa Vista, Bom Jardim,

Centro, Doze Anos, Paredões, Rincão e Ilha de Santa Luzia, todos nas imediações

do Centro, também apresentaram altos índices de acesso, acima de 70%, com

destaque para o último, que passou de 4,22% de acesso em 2000 para 77,07% em

2010. Tal avanço advém da conclusão da primeira etapa das obras da CAERN no

Alto de São Manuel.

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Cartograma 6: Percentual de domicílios com captação de esgotos por rede geral. 2010

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Ao analisarmos o número de domicílios e seu percentual por grupo de

rendimento mensal em 2010, segundo município e bairros, bem como seu

cartograma, identificamos a persistência das desigualdades de renda. Se

observamos os grupos sem renda até 1 salário, conforme veremos, 23,06% da

população da cidade se encontram nessa faixa de renda27. Em relação à faixa de

renda entre 1 e 5 salários, nela se inserem 59,52% da população enquanto 11,53%

estão na faixa entre 5 e 10 salários.

Ao mesmo tempo, se observarmos apenas o grupo acima de 10 salários

mínimos, ou seja, a de alta renda, a concentração de renda se faz maior, pois

apenas 5,86% dos domicílios integram essa faixa. Destacam-se bairros como Nova

Betânia, Doze Anos, Presidente Costa e Silva e Centro.

27 Em 2010 o salário mínimo era de R$ 510,00.

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Tabela 10:Número de domicílios por grupo de rendimento mensal segundo município e bairros. 2010

Município e bairros Total

domicílios % total

domicílios

Sem renda até 1

salário

% sem renda até 1

salário 1 a 5

salários

% de 1 a 5

salários 5 a 10 salários

% de 5 a 10

salários

10 a mais 20 salários

% de 10 a

mais 20 salários

Mossoró 73.365 100

16.918 23,06

43.670 59,52 8.458 11,53 4.299 5,86 Abolição 6.989 100 1.033 14,78 4.138 59,21 1.267 18,13 551 7,88 Aeroporto 5.129 100 1.132 22,07 3.337 65,06 470 9,16 189 3,68 Alagados 44 100 19 43,18 23 52,27 - 0,00 2 4,55

Alto da Conceição 1.570 100 323 20,57 906 57,71 245 15,61 96 6,11 Alto de São Manoel 5.137 100 944 18,38 2.898 56,41 860 16,74 433 8,43

Alto do Sumaré 1.915 100 326 17,02 1.323 69,09 197 10,29 69 3,60 Barrocas 5.576 100 1.755 31,47 3.552 63,70 241 4,32 28 0,50

Belo Horizonte 2.345 100 538 22,94 1.577 67,25 191 8,14 39 1,66 Boa Vista 1.972 100 296 15,01 1.232 62,47 360 18,26 84 4,26

Bom Jardim 3.111 100 574 18,45 2.012 64,67 393 12,63 132 4,24 Bom Jesus 350 100 139 39,71 203 58,00 5 1,43 3 0,86

Centro 732 100 52 7,10 287 39,21 180 24,59 213 29,10 Dix Sept Rosado 479 100 232 48,43 216 45,09 18 3,76 13 2,71

Dom Jaime Câmara 3.152 100 915 29,03 2.000 63,45 176 5,58 61 1,94 Doze Anos 1.428 100 128 8,96 729 51,05 335 23,46 236 16,53

Ilha de Santa Luzia 881 100 154 17,48 539 61,18 131 14,87 57 6,47

Itapetinga 90 100 23 25,56 64 71,11 2 2,22 - 0,00 Lagoa do Mato 3.937 100 1.076 27,33 2.575 65,41 240 6,10 46 1,17 Nova Betânia 2.639 100 221 8,37 974 36,91 589 22,32 855 32,40

Paredões 2.312 100 346 14,97 1.415 61,20 396 17,13 155 6,70 Pintos 748 100 185 24,73 455 60,83 77 10,29 31 4,14

Planalto Treze de Maio 2.471 100 382 15,46 1.633 66,09 348 14,08 107 4,33

Presidente Costa e Silva 1.351 100 291 21,54 591 43,75 199 14,73 254 18,80

Redenção 832 100 183 22,00 596 71,63 45 5,41 - 0,00 Rincão 2.894 100 451 15,58 1.819 62,85 473 16,34 151 5,22

Santa Delmira 3.764 100 894 23,75 2.293 60,92 449 11,93 128 3,40 Santo Antônio 5.386 100 1.556 28,89 3.029 56,24 458 8,50 343 6,37

Fonte: IBGE.

A seguir, algumas fotos representativas das formas de moradia em bairros

com concentração dos grupos de alta renda na cidade.

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Foto 5: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 6: Prédio residencial - Centro 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Foto 7: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 8:Prédios residenciais - Nova Betânia 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Foto 9: Moradia de luxo - Nova Betânia Foto 10: Prédios residenciais - Nova Betânia 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

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No tocante aos grupos de baixo rendimento, como as identificadas no

cartograma a seguir, visualizamos que os Bairros Santo Antônio, Alto da Conceição,

Barrocas, Belo Horizonte, Dom Jaime Câmara, Itapetinga, Lagoa do Mato, Pintos,

Presidente Costa e Silva, Redenção, Santa Delmira, Aeroporto se encontravam com

20% da população nos grupos sem rendimento até 1 salário. Já nos bairros como

Alagados, Bom Jesus e Dix Sept Rosado, aproximadamente 40% da população

estavam no mencionado grupo de rendimento.

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Cartograma 7: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal sem rendimento até 1 salário por bairros. 2010

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Cartograma 8: Percentual de domicílios por grupo de rendimento mensal acima de 10 salários por bairros. 2010

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Cabe, também, destacar que a maioria da cidade detinha baixos índices

de rendimento e não possuía acesso à rede geral de esgotos. Como mostra

reportagem do jornal O Mossoroense do dia 27/3/2010, os moradores do Bairro

Quixabeirinha reclamavam da falta de esgotamento sanitário neste local.

De acordo com a reportagem, um residente estava indignado diante da

ausência de um esgotamento sanitário adequado, pois a deficiência estrutural

estava provocando o surgimento de doenças. "Já perdi a esperança, a única solução

que vejo é economizar e pagar do meu bolso a pavimentação do trecho em frente à

minha residência", desabafa o morador” 28.

Nesse contexto, fica evidente que as desigualdades socioespaciais são

uma realidade na cidade, pois mesmo com a modernização da economia, não se

vislumbra diminuição dos índices de pobreza, visíveis nos casos de doenças

relacionadas à falta de infraestruturas sociais.

Com isso, após toda a caracterização histórica do processo de

implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário em conjunto com a

exposição das contradições da urbanização de Mossoró, temos grande material

tanto para reflexão como para o início de novas descobertas.

Da nossa parte, conforme acreditamos, os elementos apresentados pela

pesquisa até então contribuem com a possibilidade de entendimento das

contradições entre o processo de urbanização e expansão das desigualdades

socioespaciais na cidade de Mossoró como uma equivalência nos termos. Sendo

assim, podemos arriscar afirmar que o sentido da urbanização na cidade de

Mossoró, no período em estudo, é a expansão das desigualdades socioespaciais.

De todo modo, os fundamentos da contradição ainda não estão

explicitados, os interesses dos agentes envolvidos na produção do espaço não

28 Em 10 de abril de 2011 foi publicada outra reportagem pelo jornal O Mossoroense sobre a deficiência estrutural de infraestrutura urbana na cidade. Segundo a reportagem, “moradores do Alto da Pelonha estão revoltados com a infraestrutura do bairro. Alegam que, há quase cinco anos, pleiteiam construção de estradas e melhora na situação de esgotamento - além de melhorias estruturais em geral - sem receber resposta concreta do Executivo municipal. E pior: denunciam que obras malfeitas vêm piorando a situação com o passar do tempo.” O jornal entrevistou a costureira Maria de Fátima Xaxá, que afirmou que: "Quando a gente chegou aqui, há mais ou menos sete anos, a rua ainda era feita de areia e barro, mas era um barro fofo, que absorvia a lama. Há uns anos, passaram um trator aqui, para prensar a terra - foi aí que a situação piorou. Porque o esgotamento aqui é escoado na calçada e, com o barro prensado, poços de lama ficam se acumulando pelas ruas. Por isso, aumentou a quantidade de doenças, de mosquito, de moscas".

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estão desnudados, as relações/articulações entre economia e política ainda não

foram escancaradas.

Ao darmos continuidade ao trabalho, faz-se mister expor algumas

questões norteadoras aptas a problematizar a discussão posta até então. É possível

afirmar que os interesses econômicos e políticos têm maior poder que os interesses

sociais no tocante à implantação do sistema de esgotamento sanitário? Quais tipos

de relações econômicas, políticas e sociais são tecidas no âmbito da provisão da

infraestrutura de esgotamento?

Tais observações aprofundam a urgência de pesquisas sobre as

desigualdades socioespaciais que identifiquem o fundamento econômico político da

dominação no processo de produção do espaço. Nesse sentido, consoante

argumenta Sposito (2011), contemporaneamente há uma tendência ideológica de

escamotear as desigualdades no plano econômico, político e social como diferença,

minimizando o potencial científico das pesquisas, pois se adotam critérios e

parâmetros para ler as diferenças considerados adequados apenas para ler as

desigualdades.

A autora destaca o problema das pesquisas que criam índices para

averiguar os graus maiores ou menores de inclusão, e/ou acesso à qualidade de

vida, aos bens e serviços necessários à vida, deixando de lado a busca pelo

entendimento das determinações da desigualdade. Em suas palavras:

Todo problema, no entanto, decorre de que se esses instrumentos de mensuração e suas variáveis se tornam, para alguns, centrais para ler o mundo e, por meio dessa leitura, tentar desvendá-lo. Quando isso acontece, é provável que a profundidade da compreensão esteja comprometida, porque não se entra no mérito das determinações das desigualdades, mas apenas em sua composição (variáveis), sua quantificação (medida e peso na formulação dos índices) e, quando muito, nas formas de ação para relativizar essas desigualdades. (SPOSITO, 2011, p. 129).

Diante desta argumentação no referente às desigualdades

socioespaciais, acreditamos ser de fundamental importância avançar na

compreensão de suas causas e conteúdos, aproveitando as possibilidades e

novidades advindas da pesquisa empírica, mas avançando em sua compreensão

teórica e científica.

Nesse sentido, a nosso ver, a desigualdade socioespacial é inerente ao

processo de produção do espaço sob o regime capitalista e, com isso, entendemos

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ser preciso explorar os fundamentos de tal desigualdade em sua relação com uma

economia política de ordens próximas e distantes, as quais têm interferido de

maneira decisiva na produção do espaço da cidade. Este caminho tentaremos trilhar

na sequência do trabalho.

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3 DA CRÍTICA DO CONSUMO À CRÍTICA DA PRODUÇÃO: SOBR E ESTADO E ECONOMIA NA PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS

As relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de troca, assemelha-

se ao feiticeiro que já não pode controlar as potencias internas que pôs em movimento com suas palavras mágicas.

Karl Marx

Após a descrição do panorama de expansão das desigualdades

socioespaciais concatenado com o entendimento do processo de urbanização em

Mossoró, fica claro que a cidade apresenta as marcas da divisão de classe, a qual,

apesar de estar inserida em uma conjuntura favorável para o crescimento

econômico, não se traduz em distribuição e/ou acesso para as camadas mais

pobres.

Nesse sentido, com o desenvolvimento da discussão a seguir,

pretendemos explicitar as relações de ordem distante em que a cidade se encontra

submetida, contextualizando os conteúdos da economia política como prática na

produção do espaço urbano da cidade, perscrutando os fundamentos capitalistas no

processo de urbanização de Mossoró.

A este respeito, lançamos mão da crítica da teoria dos meios de consumo

coletivo. Esta, em sua tentativa de explicitar as características das desigualdades

socioespaciais mediante ampla descrição acerca do acesso desigual à cidade, não

traz os elementos para a compreensão do fundamento da produção desigual das

cidades contemporâneas.

Com isso, organizamos o capítulo no intuito de acrescentar mais

elementos passíveis de embasar a argumentação em torno das relações capitalistas

na produção do espaço urbano, constituindo uma crítica à economia política do

espaço em sua forma prática e teórica. Assim, reafirmamos a dimensão social como

prática e não apenas como receptáculo da estrutura capitalista.

Trouxemos o exemplo dos programas de estruturação urbana no âmbito

do BNH e PAC, que embora em temporalidades e processos diferenciados,

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possuem semelhança no concernente à tentativa de recuperação da economia

nacional em face das crises do capitalismo em nível mundial.

3.1 Economia política do espaço como ciência e como prática: uma crítica

Desde pelo menos a década de 1980, a geografia brasileira, ao lidar com

a questão das infraestruturas urbanas e a produção material da cidade, tem se

apoiado no legado herdado da sociologia no tocante ao estudo dos meios de

consumo coletivo. Um dos ícones na formulação de tal teoria foi Castells (1975),

para quem a cidade constitui lócus privilegiado de reprodução da força de trabalho.

Seu entendimento a reduz a um grande objeto detentor de infraestruturas para

consumo do homem, propiciando um salário indireto.

O desafio proposto por Castells era estabelecer um marco epistemológico

para delimitar o que são os problemas urbanos, dada a quase inexistência de textos

de Marx sobre a problemática29. Ao refletir sobre a teoria proposta em “A questão

urbana”, Arantes (2009) assim se pronuncia:

Nesse caso, o conflito central não é mais entre capital e trabalho, mas entre trabalhadores (em sua ação coletiva) e o Estado (em sua ideologia planificadora), na definição do patamar de reprodução social da força de trabalho, ou, noutros termos, do nível de “salário indireto” promovido pelos serviços públicos. (ARANTES, 2009, p. 7).

Tendo como premissa o conflito ora citado, Castells sugere o estudo da

cidade como espaço de consumo e de luta social por fundos públicos, em termos de

políticas públicas que garantam a sobrevivência dos trabalhadores em níveis

adequados, abrindo caminho para os movimentos sociais urbanos. Vale ressaltar a

perspectiva reduzida na qual os movimentos sociais urbanos são identificados,

tendo a possibilidade de expansão do consumo coletivo para todos como sinônimo

de apropriação do urbano.

Em nossa pesquisa, por exemplo, identificamos as lutas sociais em

Mossoró na década de 1980 pelo acesso à água como momento de forte

mobilização dos movimentos de bairro, chegando ao contexto atual com a

universalização da infraestrutura de água encanada para a cidade. No entanto,

conforme defendemos, tanto o acesso à água encanada como a possibilidade de

29 Tais estudos são conhecidos no âmbito do marxismo desde a publicação da obra de Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”.

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universalização da infraestrutura de esgotamento não cessam os conflitos

socioespaciais, pois o acesso aos bens de consumo coletivo não necessariamente

toca no cerne da problemática social.

De todo modo, ressaltamos a autocrítica tecida pelo autor no posfácio ao

livro “A questão urbana”, que diz respeito ao reducionismo da definição de cidade

como unidade de reprodução coletiva da força de trabalho. Em suas palavras: “Uma

precisão: uma cidade concreta (ou uma aglomeração, ou unidade espacial dada),

não é somente uma unidade de consumo. Ela é, naturalmente, composta de uma

grande diversidade de práticas e funções.” (CASTELLS, 1975, p. 551).

Ao aprofundar a argumentação, ele afirma a necessidade de diferenciar

dois grandes tipos de reprodução da força de trabalho! O consumo coletivo e o

consumo individual. Então ele se indaga:

Qual dos dois estrutura o espaço? Em torno de quais processos estão articulados na prática; conseqüentemente, aquele que dominará o conjunto do processo estruturará o outro na sua lógica. Ora, a organização de um processo será tanto mais concentrada e centralizada, e, portanto estruturante, na medida em que o grau de socialização objetiva do processo é avançado, a concentração de meios de consumo e sua interdependência são maiores, a unidade de gestão do processo é mais forte. É ao nível do consumo coletivo que estes traços são mais evidentes, e é, portanto, em torno destes processos que o conjunto do consumo e reprodução da força de trabalho-reprodução das relações de trabalho se estrutura. (CASTELLS, 1975, p. 557).

Mesmo em sua autocrítica, fica evidente a busca pela explicitação do

elemento estruturante do espaço, mas devemos observar pequenos avanços desde

a escrita do livro até o seu posfácio, na medida em que percebe que os meios de

consumo coletivo no contexto de Estado de bem-estar social europeu seria produto

tanto do Estado interventor no inerente às questões sociais, quanto da economia e

de suas necessidades no âmbito da sociedade capitalista30.

Na nossa ótica, a construção intelectual ora citada tem sua importância,

principalmente quando tenciona a crítica ao predomínio das políticas públicas de

caráter econômico (consumo produtivo) em detrimento do social (consumo coletivo).

No entanto, encaminhando a crítica de Maricato (2009), tais análises ao se

30 Em contraponto à teoria desenvolvida por Castells, Lefebvre em seu livro “Direito à cidade”, apresenta esse direito entre os direitos, como a possibilidade de vivenciar a cidade enquanto uso de forma generalizada. Segundo Lefebvre (2004,p.136): “A redução do urbano à moradia e aos equipamentos faz parte das estreitezas da vida política, que se tornou sufocante, tanto à direita como à esquerda.” Retornaremos a essa discussão no quarto capítulo do trabalho, quando trataremos dos movimentos de bairro.

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prenderem na dimensão do consumo do espaço urbano, enfatizando o déficit, a

carência, a má qualidade, as formas de disposição dos domicílios no espaço, ou o

acesso às infraestruturas urbanas e à melhoria nas condições de reprodução da

força de trabalho, pouco avançam além da descrição das desigualdades e/ou

acesso à cidade. Portanto, não compreendem o momento da produção material da

cidade.

Na linha de argumentação sobre a produção material das cidades, a

conceituação de Harvey (1982) traz avanços, pois compreende que a cidade ou o

ambiente construído inclui a totalidade das infraestruturas31 físicas e sociais como

casas, ruas, fábricas, escritórios, sistemas de esgoto, parques, equipamentos

culturais, educacionais e de saúde. Como admite Harvey (1982), o ambiente

construído pode ser conceitualmente dividido em infraestruturas físicas e sociais32,

ou:

Elementos de capital fixo a serem utilizados na produção (fábricas, rodovias, ferrovias etc.) e em elementos de um fundo de consumo a serem utilizados no consumo (casas, ruas, parques, passeios etc.) alguns elementos, tais como ruas e os sistemas de esgotos, podem funcionar quer como capital fixo, quer como parte do fundo de consumo, dependendo do seu uso. (HARVEY, 1982, p.7).

Em outra publicação, Harvey (1990) empreende uma discussão mais

profunda sobre o ambiente construído, onde os elementos de capital fixo e o fundo

de consumo são vistos como fundamentais ao processo de reestruturação capitalista

em tempos de crise, mediante discussão da formação de um circuito secundário de

acumulação de capital 33.

Sobre o desenvolvimento de sua definição de ambiente construído,

Harvey (1990, p. 238) diz mais: “La concepción de um ambiente construído que

31 Januzzi (2001) traz uma explicitação da diferenciação entre infraestrutura urbana e serviços urbanos, tendo as questões de acesso a rede de água tratada, disponibilidade de esgotamento sanitário, disponibilidade de coleta de lixo, acesso a rede elétrica e disponibilidade de ruas pavimentadas e calçadas como infraestrutura urbana, ao passo que as escolas e saúde pública dizem respeito aos serviços urbanos. Interessante observar a diferenciação entre o serviço de educeação e/ou saú oferecido e o prédio da escola e/ou hospital/posto de saúde, que ainda seria uma infraestrutura para Harvey (1982). Refletindo em torno das pesquisas científicas sobre a temática supracitada e a necessidade de uma melhor apreensão das contradições, Januzzi (2001, p. 110) afirma que: “À medida que o acesso as infraestruturas urbana se universaliza, a questão do nível de oferta e qualidade dos serviços passa a ser tema de investigação permanente.” 32 Observemos a aproximação do pensamento de Harvey e Santos no referente às infra-estruturas (Harvey) e os fixos (Santos). Para (Santos, 2007, p.142): “Os fixos são econômicos, sociais, culturais, religiosos etc. Eles são, entre outros, pontos de serviço, pontos produtivos, casas de negócio, hospitais, casas de saúde, ambulatórios, escolas, estádios, piscinas e outros lugares de lazer. Mas se queremos entender a cidade não apenas como um grande objeto, mas como um modo de vida, há que distinguir entre os fixos públicos e os fixos privados. Estes são localizados segundo alei da oferta e da procura, que regula também os preços a cobrar. Já os fixos públicos se instalam segundo os princípios sociais, e funcionam independentemente das exigências do lucro.” 33 Aprofundaremos essa discussão na sequência do capítulo.

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funciona como um vasto sistema de recursos creado por los seres humanos, que

compreende valores de uso cristalizados em el paisaje física, que se pueden utilizar

para la producción, el intercambio y el consumo”.

Assim, no concernente ao estudo da produção de um fundo de consumo

para a manutenção das relações de poder do Estado no tocante à reprodução

social, Harvey (1990, p. 197) argumenta que “todas las dislocaciones en la esfera de

la reproducion social – la reproduccíon de la fuerza de trabajo, de la ideología

burguesa, del aparato político y militar disañado para asegurar el control, etc. –

requiren consideración.”

E continua:

Las infraestruturas sociales tienem que apoyarse en las plusvalias, y bajo el capitalismo eso significa que se apoyan en la produccíon de plusvalía. Desde este punto de vista, no se les puede interpretar em ninguma outra forma que como superestructuras erigidas sobre uma base economica. Por tanto, la circulacion del valor, que apoya las infraesctruras sociales y la gente que se emplea en ellas, integra los processos materiales de produccion de plusvalia en el lugar de trabajo y com la perpetuacíon de dichas infraestructuras.(HARVEY, 1990, p. 402-403).

Em continuidade à sua argumentação, segundo afirma Harvey (1990), a

relação entre a produção de um fundo de consumo ou infraestruturas sociais no

ambiente construído é um tema controverso, no qual existem diferenciações de

entendimento quanto ao seu papel no processo de acumulação de capital. Nas

palavras do autor:

La forma de conceptualizar esta relación es um problema. Em um extremo están aquellos que insisten en el poder independiente y la autonomia relativa de la organización de las infraestructuras sociales em relación con la base económica( lo qual implica el poder para inponer impuestos a la plusvalia sin restricciones). En el outro, están aquellos que ven las infraestructuras sociales como meros reflejos de los requerimientos de la acumulación (lo qual niega los intricados lazos y la importancia de la história y la tradición). Bajo el último concepto, el problema de la organizacion geográfica resultaría discutible en gran parte; la territorialidad de las infraestructuras sociales reflejaria simplesmente las necessidades de la división geográfica del trabajo y otras facetas de la organización espacial requerida por el capital. Ninguno de los dos conceptos es satisfactorio y necesitamos salir en alguna forma del atolladero. (HARVEY, 1990, p. 403).

Em meio ao entendimento controverso do papel do fundo de consumo no

contexto de acumulação de capital, Harvey (1990, p.403) argumenta: “Los valores

gravados del capital que fluye para apoyar las infraestructuras sociales regresan al

capital en forma de una demanda efectiva de mercancias que producen los

capitalistas.” E diz mais: “La inversion en infraestructuras sociales sea un campo

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ideal para la absorción del capital excedente acumulado, retardando así la

devaluación, ya que durante el período de inversion no hay disminución de la

demanda efectiva.”(p.405).

A teoria crítica desenvolvida por Harvey traz grandes avanços nas

análises geográficas em torno da produção das cidades, principalmente em termos

de sua produção material e econômica, mas tal enfoque na produção, não apenas

de objetos no espaço, se encontra desde a década de 1960 em Lefebvre34.

Este filósofo identifica a produção de um espaço material baseado em

redes, circuitos e fluxos nos quais se instalam rotas, canais, estradas de ferro,

circuitos comerciais e bancários, autoestradas e rotas aéreas; a produção de um

espaço social arquitetado sob os ditames da sociedade moderna, com suas leis,

instituições hierarquizadas e valores, que aparentemente planam como se fossem

naturais, constituindo o momento do espaço mental, da formação do consenso

social em torno do Estado, “das representações que cada um se faz: confusas ou

claras, vividas ou elaboradas.” (LEFEBVRE, 1975, p.260)35.

No referente à constituição do entendimento mais apurado acerca da

produção do espaço nos diversos âmbitos, Lefebvre faz alusão à constituição da

teoria crítica da economia política. Como afirma:

Os economistas que Marx denominava “vulgares” se ocupavam dos produtos, relacionavam e comparavam os objetos, apreciando os custos. Eles se ocupavam de coisas. Marx inverte o rumo. No lugar de considerar os produtos, ele considera a produção, quer dizer, o processo produtivo e as relações de produção (assim como o modo de produção). Ele funda assim uma teoria. Da mesma forma, hoje, muita gente descreve os espaços, escreve discursos sobre o espaço. Resta inverter o passo fundando uma teoria, a produção do espaço. Dentro desta produção, o Estado é de mais em mais, sem dúvida, agente da produção, e mesmo mestre de obras. (LEFEBVRE, 1975, p. 267-268)

34 Em sua pesquisa sobre a vida e obra de Lefebvre, o professor Carlos Machado da FURG encontra quatro momentos teóricos na obra do referido autor, identificando o terceiro momento como dedicado ao estudo da cidade, do urbano e da produção do espaço. Em suas palavras: “Nos anos 1960, Henri Lefebvre voltou-se à cidade e ao urbano, temática que lhe renderia a publicação de sete livros até 1975: La Droit à La ville (1968), Du Rural à l’urbain (1970); La Révolution urbaine (1970), La Pensée marxiste et la ville (1972), Espace et politique (1973), e La production de l’espace (1974). Afirma ele que, através das mudanças, foi que percebeu na região onde vivera quando criança, com a criação de uma cidade; com os debates filosóficos sobre o espaço e o tempo e com a questão da produção e da reprodução das relações sociais que o urbano e a cidade tornaram-se motivo de reflexão na época (LEFEBVRE, 1976). Tanto é que, além de sete livros, nos anos 1970 e 1980 a revista criada por ele, Espace et Societe (1970), foi decisiva nos debates sobre o urbano e as transformações do espaço no capitalismo. Nesse processo, contribuiu e fez, em parte, surgir Centros e Institutos de Sociologia Urbana bem como revistas, das quais foi fundador e influente no debate nesse campo na década de 1970 e nas seguintes (HESS, 2000). (MACHADO,2008, p.87-88). 35 Em nossa pesquisa, temos a predileção pelo entendimento das transformações do/no espaço material, nos aproximando dos estudos geográficos sobre a cidade, não esquecendo as outras dimensões, mas priorizando o mesmo no debate dado os limites de um trabalho de mestrado.

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Adentrar ao debate em torno da crítica da economia política remonta a um

edifício teórico que vem sendo construído desde pelo menos o segundo quarto do

século XIX. Tal problemática veio à tona justamente em um momento de

consolidação da ciência e de sua prática econômica e política, o qual, sob a cortina

iluminista, parecia intocável.

O pioneiro nessa empreitada foi Marx (2007a). Ao empreender uma

revisão crítica da filosofia do direito de Hegel, chegou à conclusão de que as

relações jurídicas, bem como as formas de Estado, não podem ser explicadas por si

mesmas. Elas têm sua elucidação nas condições materiais de existência. Para ele:

“A anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política”.

(Ibidem, p. 45).

Desse modo, ao encontrar a economia política como fundamento para

consolidação do capitalismo, Marx (2007a, p.45) alude ao fato de que na produção

social de sua existência, os homens entram em “relações determinadas,

necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção

correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças

produtivas materiais.” Tais relações que aparentemente pairam sob a sociedade

dizem respeito ao projeto de esclarecimento, no qual o homem sujeito passa a ser

objeto da economia política.

Nesse caminho, Kosik (1976) faz um esforço de recuperação e síntese no

espinhoso debate sobre a “crítica da economia política”. Consoante enfatiza, esta

como ciência se prende apenas aos aspectos econômicos. Portanto, transforma o

ser social em homus economicus, identificando o sujeito com o objeto da economia,

esquecendo, enfim, que a economia é socialmente construída.

Diferentemente, a “crítica da economia política” identifica o conceito de

práxis como fundamental, ao afirmar que a realidade é produto social, ao contrário

do entendimento metafísico de muitos marxistas que compreendem a economia, a

cultura e a política em meio a generalizações como momentos autônomos do ser

social.

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A crítica da economia política36 busca uma compreensão teórica da

história, negando a possibilidade de separação entre teoria e prática. Conforme

Marx (2007b, p.533), em sua segunda tese Ad Feuerbach, “a disputa acerca da

realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da prática é uma

questão puramente escolástica.” Segundo Korsch (2008, p. 61), “Não é a “pura

práxis humana”, mas na “práxis humana e na sua compreensão” que reside, para o

materialista dialético Marx, a solução racional de todos os mistérios que “mergulham

a teoria no misticismo”.37

De acordo com Korsch (2008), o marxismo não pretende ser uma ciência

e/ou filosofia pura, pelo contrário, tenta desmascarar a impureza de ambas ao trazer

à tona seus pressupostos implícitos, ao mesmo tempo em que mantém estreita

relação com a luta prática pela emancipação da classe trabalhadora. Em suas

palavras:

Ele (Marx) criticou a economia política tradicional da classe burguesa de uma maneira tanto negativa quanto positiva, opondo – para retomar uma de suas expressões favoritas – à “economia política da propriedade” a “economia política do proletariado”. Na economia da classe proprietária burguesa, a propriedade privada domina (inclusive teoricamente) toda a riqueza social, o trabalho morto acumulado do passado domina o trabalho vivo do presente. Ao contrário, na economia política do proletariado, assim como na sua “expressão teórica”, o sistema econômico do marxismo, a “sociedade” domina o seu produto – vale dizer, o trabalho vivo domina o trabalho morto acumulado ou “capital”. (KORSCH, 2008, p.127).

Nesse contexto, Lefebvre (2008) anuncia: A economia política está em

crise38, mergulhada na crise geral das ciências ditas sociais, porém, os economistas,

36 A este propósito, Marx afirma que “as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe também dos meios de produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. As idéias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes.” (MARX, 2007b, p. 47). 37 Quanto à polêmica em torno da relação teoria e prática, Lefebvre assim se pronuncia: “A crítica marxista é teórica? Sim. Ela vai mesmo até o fim, até o fundo da teoria, da análise dos conceitos. Ela também é fundamentalmente prática. O sistema hegeliano proíbe a ação, porque ele fecha o horizonte e detém o futuro. Marx entra no pensamento como homem de ação. Ele combate pela democracia, pelo socialismo e comunismo pelo desenvolvimento da sociedade. Elabora uma estratégia, apoiada no proletariado, para que a classe operária conteste e negue as instituições existentes. Não pode admitir um sistema filosófico que consagre (no sentido mais forte do termo: que sacralize e canonize) o Estado e o direito existentes. Ora, o sistema hegeliano é um sistema filosófico perfeito: o sistema. A crítica do Estado e a crítica da filosofia, pois, são feitas em conjunto, através da crítica radical ao sistema filosófico-político.” (LEFEBVRE, 1979, p. 18). 38 É importante destacar que a relação entre economia e política atingiu seu patamar mais consistente na história do capitalismo na proposta da nova política econômica no âmbito da união soviética, na medida em que “ao se apossar do Estado, a burocracia revolucionaria que dirigia o proletariado forneceu à sociedade uma nova dominação de classe.” (DEBORD, 2008, p.69).

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ansiosos por dissimular a crise, têm confundido a economia política como ciência e a

política econômica como prática, técnica, atos de poder.

Segundo este autor, vale a pena lembrar que esta crise eclode justamente

no momento em que o caos espacial se apresenta cada vez mais evidente e

intolerável. Como afirma:“Sobre esse caos, os economistas apenas lançavam um

olhar esquivo, deixando-o a outros especialistas: geógrafos, planejadores etc.”

(LEFEBVRE, 2008, p. 114).

Em todo caso, ao pensar o espaço, a economia política o tratou como

uma prática econômica, inerente à prática política do capitalismo de Estado,

substituindo, assim, sua cientificidade enfraquecida.

Em suma, na sua crítica à economia política do espaço, Lefebvre (2008) é

enfático ao afirmar que esta não traz a solução para as cidades. Resumidamente,

ele defende:

Nesse plano, o do Estado, da produtividade, do crescimento ilimitado, a economia política pretensamente cientifica engendrou suas próprias contradições, como, por exemplo, a reconhecida incapacidade de construir um “modelo” garantindo o crescimento sem inflação e sem desemprego, estabelecendo a possibilidade de um crescimento “harmonioso” nos marcos existentes. (LEFEBVRE, 2008, p. 114).

Assim, sem negar os outros momentos da produção do espaço,

buscamos um aprofundamento na discussão em torno da produção do espaço no

concernente às cidades, em seus aspectos econômico, político e social. Conquanto,

torna-se fundamental uma discussão sobre a relação espaço e Estado. Segundo

Gottdiener (1997, p.139), parece haver duas linhas de raciocínio “que lutam por um

entendimento teórico do papel do Estado na reprodução das relações em todo o

espaço de assentamento. A primeira segue a questão urbana de Castells, e a

segunda a reprodução do espaço de Lefebvre”.

Nesse sentido, consoante argumenta Gottdiener (1997) ao afirmar o papel

do Estado como responsável pelo consumo coletivo, faz-se necessário explicar a

maneira como o governo atua em resposta aos interesses sociais. E ressalta:

“Embora Castells, mediante seu conceito de consumo coletivo, tenha avançado

bastante no desenvolvimento da relação entre Estado e espaço de assentamento,

não esclareceu a natureza do próprio Estado na sociedade moderna”.

(GOTTDIENER, 1997, p. 142).

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Segundo este autor, é Lefebvre quem aprofunda a discussão sobre o

Estado moderno ao afirmar ser este uma estrutura para o exercício de poder que

não pode ser reduzido apenas às questões econômicas.

Em sua discussão sobre o papel do Estado na produção das cidades,

Lefebvre argumenta o seguinte:

Este retém uma parte importante da mais-valia global (por diferentes meios: impostos, empresas estatais) e age poderosamente sobre sua distribuição entre as camadas e frações de classes da sociedade burguesa; em particular ele gere os grandes serviços públicos indispensáveis a uma sociedade, e que fazem a sociedade, [...] Trata-se da escola e da universidade, dos transportes, da medicina e dos hospitais, da “cultura”; e conseqüentemente, da cidade. (LEFEBVRE, 1999, p. 136,137).

No interior dessa discussão Gottdiener se pronuncia:

O papel do Estado nesse processo é contraditório. De um lado, precisa intervir a fim de preservar as coerências do espaço social em face de sua destruição pelas transformações capitalistas dos valores de uso em valores de troca – isto é, do espaço social em espaço abstrato. De outro, suas intervenções são explicitadas pela relação de dominação. Por conseguinte, as intervenções do Estado não resgatam o espaço social; ao contrário, ele apenas ajuda a hegemonia do espaço abstrato, produzindo alguns de seus próprios espaços através do planejamento. Sendo o Estado uma estrutura de poder, suas intervenções inauguram a destruição do espaço social e forma compacta confinada de cidade. Para Lefebvre, o Estado está aliado não só contra a classe trabalhadora ou mesmo contra frações do capital, ele é inimigo da própria vida cotidiana – pois produz o espaço abstrato que nega o espaço social que suporta a vida cotidiana e a reprodução de suas relações sociais. (GOTTDIENER, 1997, p. 148).

Na mesma linha de raciocínio no referente à discussão sobre o

entendimento do Estado em Lefebvre, Marília Pontes Sposito traz uma contribuição

sobre a produção política da sociedade. Nas palavras de Sposito (1996, p.40): “O

Estado se constitui assim como a forma do político e do poder, não podendo ser

considerado uma instância ou o momento da superestrutura, estando acima ou

separado da sociedade civil.”

Para a autora, a análise desenvolvida por Lefebvre nos quatro tomos de

sua obra De l´État, ao reconstruir historicamente o estatismo como fenômeno

mundial total, supera as análises mal postas e mal tratadas pelo marxismo vulgar

sobre a relação entre base e superestrutura. Para Lefebvre, economia e política

atuam em conjunto, em uma relação dialética de dupla determinação, “não se trata

assim de mera reprodução das relações produzidas pela base econômica, mas da

emergência de novas relações, pois quando essa produção se liga ao Estado e nele

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e por ele é conduzida, ocorre a produção política da sociedade.”(SPOSITO, 1996,

p.40).

De acordo com Kosminsky e Andrade:

Ao examinar a mundializaçao do Estado e o avanço do estatismo no âmbito de cada um deles (com as desigualdades implicadas nesse processo), Lefebvre revela, entre as inúmeras faces do Estado, seu papel como produtor (e reprodutor) de relações sociais. Ele esclarece como se passa da produção de relações sociais a partir das forças produtivas para a produção política de relações sociais pela ação do Estado [...]”. (KOSMINSKY; ANDRADE, 1996, p. 54).

Segundo estes autores, para se compreender a produção de relações

sociais ligadas à institucionalização da sociedade, é preciso considerar a retirada de

parte da mais-valia global pelo Estado: “Os recursos gigantescos e crescentes

postos à disposição do Estado pelo fisco são utilizados politicamente, permitindo ao

Estado tornar-se ele próprio produtor, controlar a sociedade e a produção. Lutas se

travam em seu interior pelo acesso a esses recursos.”(KOSMINSKY;ANDRADE,

1996, p. 58).

Nesse contexto, Lefebvre (2008) parte de uma leitura da relação espaço e

Estado, no intuito de afirmar a dimensão política do espaço, ao contrário da leitura

de grande parte dos urbanistas, para os quais o espaço é algo neutro. Em suas

palavras:

Se esse espaço tem um aspecto neutro, indiferente em relação ao conteúdo, portanto “puramente” formal, abstrato de uma abstração racional, é precisamente porque ele já está ocupado, ordenado, já foi objeto de estratégias antigas, das quais nem sempre se encontram os vestígios.(LEFEBVRE, 2008, p.61-62).

Com isso, conforme defende, se partirmos da ideia de que o espaço é

político, temos necessariamente de fazer uma distinção entre uma crítica de direita e

de esquerda. Ambas as críticas, consoante o filósofo francês, se dão em direção à

burocracia e às intervenções estatistas, mas a crítica de direita tem como norte as

perturbações delas advindas para a iniciativa privada, ou seja, os capitais. Já como

a crítica de esquerda argumenta, tal intervenção não considera, ou considera mal,

os usuários, a prática social, em uma palavra, a vida cotidiana.

Nessa ótica, a dimensão política não pode ser vista como menor, pois a

forma de organização da economia capitalista no mundo contemporâneo precisa do

Estado de forma imprescindível, ao contrário da leitura economicista que privilegia

apenas uma dimensão, ou da leitura politicista, pois ambas mascaram as tramas da

economia política na/da sociedade.

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Debord (2008), ao adentrar ao debate sobre o planejamento do espaço,

encontra aí o momento da crítica da geografia humana, no sentido de uma inversão

de prioridades na produção do espaço, no qual os indivíduos e as comunidades

devem construir os locais e acontecimentos correspondentes à apropriação tendo

em vista sua história total. Em suma:

A ideia mais revolucionária a respeito do urbanismo não é uma idéia urbanística, tecnológica ou estética. É a decisão de reconstruir integralmente o território de acordo com as necessidades do poder dos conselhos de trabalhadores, da ditadura anti-estatal do proletariado, do diálogo executório [...]. (DEBORD, 2008, p. 179).

Assim, observamos os conflitos e contradições entre a possibilidade de

apropriação social do espaço em contraponto à visão tecnicista empregada pelo

poder político. Como enfatizado, a dimensão política não pode ser vista como

menor, pois a forma de organização da economia capitalista no mundo

contemporâneo necessita do Estado de modo imprescindível.39

Em nível de Brasil, o pensamento científico sugerido pela economia

política, não obstante suas teorias em torno da racionalidade e da produção

industrial, bem como do desenvolvimentismo, também se propôs a pensar o espaço

sob o codinome de economia urbana. Um dos expoentes dessa teoria nos marcos

da sociedade brasileira é o arquiteto e professor da Universidade de São Paulo

Csaba Deak.

Ao desenvolver sua teoria no final da década de 1980, Deak (2004)

propõe uma análise da especificidade da formação econômica brasileira, utilizando-

se do conceito de acumulação entravada. Com base nesse conceito ele percebe que

uma parte substancial do excedente da produção nacional é continuamente retirada

e enviada além das fronteiras, em vez de ser incorporada à reprodução ampliada em

território nacional.

39 Sobre a articulação entre economia e política, Damiani afirma que: “É da ordem do político um papel fundamental na sociedade moderna: a gestão do sobreproduto social, que significa a potência de parte da riqueza social produzida. A distribuição dessa sua utilização em uma ou outra direção tem conseqüências fundamentais na constituição e repartição territoriais. Não se pode falar jamais, na sociedade capitalista, em uma separação radical entre o político e o econômico. É comum argumentar-se que o Está está atrelado às exigências da base econômica. Então, o que há de novo? O novo é que esse consórcio entre o político e o econômico se estreitou. O Estado cola na economia, expressão de Fernando Iannetti, e se caracteriza com Estado de emergência, isto é: do sobreproduto social gestado, um percentual bem menor é transferido ao que é do âmbito do social, ou ainda, em vez de recursos sociais constantes, trata-se de investimentos de emergência e mais conjunturais. No sentido estrito, boa parte do orçamento alimenta a reprodução do capital.” (DAMIANI, 2002, p. 12).

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Ainda assim, consoante argumenta o referido arquiteto e professor,

internamente há certa acumulação, mas como condição para a expansão do

excedente expatriado. Segundo o autor, a acumulação entravada segue os moldes

de uma acumulação extensiva, no qual a produção não sofre nenhum tipo de

regulação e se desenvolve à custa de formas não capitalistas de produção.

Em contraponto à acumulação extensiva, Deak (2004) defende a

necessidade de uma acumulação intensiva em território nacional, onde o trabalho

assalariado livre seria a forma de expropriação e a intervenção estatal se

intensificaria no âmbito econômico. No caso brasileiro, defende ele, até 1973

tínhamos um processo de acumulação entravada, ou seja, em moldes extensivos,

tendo a crise da década de 1980 como grande reflexo desse processo.

Deak (2004) defende a necessidade de uma revolução burguesa no Brasil

nos padrões de uma acumulação intensiva, com investimentos no setor produtivo,

especificamente no departamento I (meios de produção). Assim, a acumulação em

moldes intensivos geraria todo um ciclo econômico, com melhorias para a

reprodução da força de trabalho e investimentos em equipamentos urbanos nas

cidades.

Como enfatiza:

[...] As aglomerações urbanas terão melhores condições de saneamento, transporte coletivo rápido, abrangente e de boa qualidade, redes adequadas de telefonia e de informação, áreas públicas e de lazer mais generosas e equipadas, serviços públicos acessíveis, patrimônio histórico respeitado e conservado e paisagem urbana condizente, se e quando as transformações da sociedade os requererem, isto é, se a sociedade brasileira se livrar do lastro patrimonialista e dos entraves a seu desenvolvimento para entrar em um estágio de desenvolvimento fundado no aumento da produtividade do trabalho, que requer, enquanto necessidade histórica, uma elevação constante dos níveis de reprodução da força de trabalho e, conseqüentemente, dos níveis de infra-estruturas e serviços urbanos.(DEAK, 2004, p. 17 ).

Ademais, ainda no interior da teoria da economia urbana, Rigolon (1998)

defende a necessidade de investimentos em infraestrutura como condição para o

crescimento econômico no Brasil:

Por um lado, o investimento em infra-estrutura promove o crescimento econômico porque aumenta o retorno dos insumos privados – capital e trabalho – e incentiva o investimento e o emprego. Dados os níveis de capital e trabalho, o aumento da oferta e da qualidade de energia, transportes, telecomunicações e saneamento básico eleva o produto final, implica maior produtividade dos fatores privados e reduz o custo por unidade de insumo. A maior produtividade, por sua vez, aumenta a remuneração dos fatores, o que estimula o investimento e o emprego. (RIGOLON, 1998, p. 130).

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Para este autor, a redução do investimento em infraestrutura observada

desde a década de 1980 com o fim das políticas iniciadas com o BNH afetou

negativamente a produtividade do sistema econômico e as perspectivas de

crescimento sustentado em longo prazo.

Tendo em vista a crise econômica dos anos 1980, Maricato (1983)

argumenta que uma expressiva parte da literatura, ao tratar da indústria da

construção, advoga a defesa do setor pela sua função de grande absorvedor de

força de trabalho e, por conseguinte, pelo caráter anticíclico na recuperação das

crises econômicas.

Nas palavras de Maricato (1983, p. 67): “Foi exatamente o que aconteceu

na economia brasileira no período 1974/77: a construção civil, setor que mais

cresceu no período em que o conjunto da indústria apresenta queda no

desempenho, sustentou a taxa média do conjunto do crescimento industrial.”

Em publicação recente, em uma sequência da sua linha de raciocínio da

política urbana como política econômica, Maricato (2011) afirma que o PAC passou

a contribuir fortemente com o crescimento econômico do país no referente tanto ao

PIB quanto ao número de empregos formais gerados em seus grandes projetos de

infraestrutura, embora estes “tomem largo tempo para o início efetivo das obras”.

(MARICATO, 2011, p. 58).

Diante do exposto, pretendemos afunilar a discussão para observar como

a economia política através da política econômica vem intervindo nas cidades

brasileiras com obras de infraestrutura urbana, especificamente as de esgotamento

sanitário, no Programa de Aceleração do Crescimento. Conforme defendemos, trata-

se de uma estratégia de tentativa de fuga da crise econômica mundial mediante

ampliação do circuito secundário da economia.

3.2 Política de saneamento básico no Programa de Aceleração do Crescimento: uma ampliação do circuito secundário d a economia?

No Brasil, historicamente, os grandes programas públicos de

planejamento estatal ganharam evidência no relacionado ao fomento da economia

nacional. A este propósito, segundo Leitão (2009), os investimentos do PAC tendem

a reiterar as contradições históricas da ação do Estado sobre o território brasileiro,

reforçando a predominância de interesses privados, sobretudo das empresas

transnacionais, no ordenamento das atividades econômicas.

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Para a autora, o PAC remete a um ideário do tipo neodesenvolvimentista,

“baseado em estratégias de desenvolvimento que visam fortalecer Estado e

Mercado e, em última instância, recuperar o papel do Estado como indutor do

investimento e condutor da política industrial e de infraestrutura.” (Ibidem, p.219).

Analogamente, Arantes e Fix (2010) se indagam sobre as diferenças e

similaridades entre a atual política habitacional e de infraestruturas implementada no

Programa de Aceleração do Crescimento e as políticas de planejamento aplicadas

no BNH.

Nas palavras de Arantes e Fix (2010, p.23): “O pacote atual, apesar do

gigantismo propagado nos números, aparece como um arremedo se comparado à

iniciativa do regime militar, sendo feito às pressas, sem de fato constituir um sistema

consistente e duradouro de financiamento do setor.” Em referência ao BNH, os

autores continuam: “Uma das âncoras do ‘milagre econômico’ foi o boom da

construção civil, que durou consistentemente por mais de uma década, até o início

dos anos 1980”. (Ibidem, p. 22).

Na cidade de Mossoró, como já argumentado, a década de 1970 foi

marcada pela elevada taxa de desemprego no contexto de mecanização das

salinas. Ademais, acompanhando uma tendência nacional, o Estado empreendeu

políticas públicas voltadas para a alocação de grande parte da mão de obra na

construção dos conjuntos habitacionais, escolas, hospitais e, também, mediante

prestação de serviços básicos; em suma, na construção de infraestruturas para a

cidade. Nesse sentido, pode-se dizer que é na década de 1970 que Mossoró

conheceu uma primeira ascensão do setor construção civil.

Ao discutir as políticas urbanas no contexto do centralismo autoritário,

Paiva (2001) contextualiza o acelerado processo de urbanização verificado no Brasil

após a Segunda Guerra Mundial, enfocando as políticas urbanas postas em prática

pelo governo federal no interior do regime militar. Como assevera:

No âmbito institucional, muitas foram as reformas implementadas objetivando a reestruturação do aparato estatal, no sentido de seu reordenamento em nível nacional. Reestruturou-se a intermediação financeira, com destaque para a instituição do mecanismo de correção monetária, que possibilitou recuperar a utilização da garantia hipotecária no processo de financiamento habitacional, e formou-se um novo quadro institucional com a criação do banco nacional de habitação (BNH), do sistema financeiro da habitação (SFH), da sociedade de crédito imobiliário (SCI) e do serviço federal de habitação e urbanismo (SERFHAU). (PAIVA, 2001, p.2).

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Este autor se propõe a analisar as políticas urbanas no governo

autoritário identificando as estratégias no interior dos planos nacionais de

desenvolvimento em linhas exploratórias: a política habitacional, a política de

saneamento básico e gestão urbana no interior do Programa de Ação Econômica do

Governo (PAEG)/ 1964-1966; I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND)/1972-

1974; II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)/1975-1979; III Plano Nacional

de Desenvolvimento (III PND)/1980-1985.

Para ilustrar nossa discussão, vamos trazer os elementos elencados por

Paiva (2001) relativos à política de saneamento básico no âmbito do governo militar.

A política de saneamento implementada pelo governo do presidente marechal

Humberto Castello Branco no interior do Programa de Ação Econômica do Governo

se encontrava na parte referente ao “desenvolvimento social e valorização regional”.

No entanto, segundo Paiva (2001), o tratamento recebido foi muito incipiente, haja

vista o entendimento por parte do governo federal de que o problema do

saneamento era dos municípios.

Ainda segundo este autor:

Não por acaso a participação do governo federal na área de saneamento era pouco expressiva, resumindo-se ao controle financeiro realizado pelo Banco Nacional de desenvolvimento econômico – BNDE (atual BNDES), e aos financiamentos que as caixas econômicas concediam aos municípios. (PAIVA, 2001, p.37).

No caso do I PND, que foi divulgado no interior do governo do presidente

Emílio Garrastazu Médici, observam-se muitas mudanças em relação ao programa

anterior. Para o autor (2001), essa nova fase da política de saneamento possui

quatro características principais: a centralização; a lógica de auto-sustentação

financeira; a maximização dos interesses burocráticos e privados e a baixa

efetividade.

Como afirma:

O prenúncio de um novo futuro para o setor deu-se através da RC nº 61 do BNH, que aprovou as normas relativas ao programa de financiamento para saneamento – FINASA. Em seguida, no ano de 1968, foi criado o sistema financeiro de saneamento (SFS), com a finalidade de concentrar os recursos destinados ao setor, transformando o FINASA em seu instrumento de captação de recursos. Além disso, o sistema financeiro de saneamento, por estar subordinado ao BNH, contava também com recursos do FGTS e das cadernetas de poupança e, ainda, com recursos dos Fundos de Água e Esgoto (FAE). Com a estruturação do aparato financeiro do setor de saneamento, tornou-se possível a criação do plano nacional de saneamento – PLANASA, o qual, por sua vez, transformou-se na principal

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fonte de atuação do governo federal na área de saneamento a partir de 1971. (PAIVA, 2001, p. 53-54).

Conforme ele indica, o atuação do Planasa foi conduzida por três

diretrizes básicas: primeiro, o sistema financeiro de saneamento tornou-se o órgão

nacional com maior participação no financiamento de água e esgoto; segundo, os

Estados contaram com as Companhias Estaduais de Saneamento (CESB), que

assumiram a função de concessionária única dos serviços e operações do sistema;

e terceiro, os Estados passaram a ter um Fundo de Água e Esgoto (FAE) , o qual

era constituído com recursos tributários do Estado, que financiava parte dos

investimentos.

A criação do Planasa se deu em um contexto em que os índices de

saneamento básico apresentados no censo de 1970 estavam muito baixos, pois,

conforme indicava, 46% dos habitantes do Brasil não possuíam água encanada e

78,5 % não eram atendidos por redes de esgoto.

De acordo com Paiva (2001), a expansão da atuação do BNH na área de

desenvolvimento urbano, especificamente na área de saneamento básico, está

associada à redução da capacidade de manutenção e ampliação dos investimentos

por parte dos governos estaduais e municipais, após a reforma do sistema tributário

em 1966, que concentrou os instrumentos tributários nas mãos da União. E ainda diz

mais:

Esta reforma objetivara, sobretudo, readequar o sistema tributário ao novo contexto da economia e definir o papel que o Estado exerceria neste processo de acumulação de capital, no entanto, a centralização de instrumentos e recursos ocasionou a fragilidade financeira dos níveis inferiores de governo, além de gerar várias distorções do financiamento público. (PAIVA, 2001, p.61).

No interior do II PND (1975-1979), o governo pretendia consolidar o

Planasa, com o objetivo de aperfeiçoar os mecanismos financeiros, administrativos,

técnicos e de pesquisa. Nesse período o Planasa se articulou diretamente com o

Ministério da Saúde. Paiva (2001) argumenta que na passagem do primeiro para o

segundo Plano Nacional de Desenvolvimento os investimentos se deram de forma

desigual regionalmente falando. Enquanto a região Nordeste decresce em seu

percentual de investimentos, as regiões Sul e Sudeste têm um aumento nesse

percentual.

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No tocante ao III Plano Nacional de Desenvolvimento, como argumenta

Paiva (2001), este se verificou no contexto de crise econômica que se alastrou no

Brasil na década de 1980 e aprofundou ainda mais as desigualdades regionais. Nas

palavras de Paiva (2001, p. 95): “Os investimentos na área de esgotamento sanitário

durante o III PND, destinaram-se quase que exclusivamente para as regiões

Sudeste e Sul, já que estas regiões receberam em conjunto, aproximadamente, 95%

dos recursos.”

Nesta ótica, a citação de Rolnik e Klink (2011) complementa:

A política nacional de desenvolvimento urbano foi estruturada nos anos de 1960/1970 por meio da montagem de um sistema de financiamento de habitação e saneamento. O governo federal arrecada e redistribui, mediante empréstimos, os recursos da principal fonte de financiamento dessas políticas:o fundo destinado a indenizar trabalhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadação líquida é designada para financiar programas de saneamento e habitação (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS). Na habitação, o modelo baseava-se no financiamento da produção privada e de companhias públicas, incorporando posteriormente a oferta de crédito bancário para o consumidor final. Na política de saneamento, o financiamento foi canalizado para companhias estaduais. Como o sistema dependia do retorno do investimento ao fundo público, pago pelos beneficiários finais através de tarifas dos serviços de saneamento e das prestações da casa-própria, os sistemas expandiram-se mais nas regiões de maior renda, onde o retorno financeiro dos investimentos era garantido. Nem na habitação nem no saneamento este modelo foi capaz de prover condições adequadas de moradia para a maior parte da população, cuja renda não a habilitava para a condição de "demanda" neste mercado de casas e infraestrutura. O modelo foi estruturado para atender basicamente às regiões urbanas, e particularmente as grandes cidades, onde havia mercado e escala de demanda para os produtos. (ROLNIK; KLINK, 2011, p. 14).

Avançando no processo histórico, uma leitura das políticas urbanas no

Brasil do século XXI se faz fundamental, embora difícil, na medida em que estamos

vivenciando o processo e todo cuidado é bem vindo para não fazermos leituras

precipitadas. Outra dificuldade em uma leitura comparativa diz respeito à

possibilidade de cairmos em um anacronismo grosseiro ao compararmos as políticas

do BNH e do PAC, porquanto as formas de gestão do governo são claramente

diferentes, sobretudo porque o primeiro parte de uma concepção de Estado

centralizadora e concentradora, típica da visão militar.

No intuito de acrescentar mais elementos para argumentação, trazemos

novamente Rolnik e Klink (2011) para o debate:

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O Brasil tem vivido nos últimos anos um ciclo de crescimento econômico sólido. No período entre 1999 e 2009, o PIB cresceu a uma taxa anual de 3,27%, enquanto a população ocupada aumentou a uma taxa anual de 2,29%. Além de significativo, este período foi marcado por uma mudança na condução da política econômica, que teve como uma das estratégias a expansão do mercado interno, incorporando parcelas maiores da população brasileira ao mercado, o que significou, particularmente a partir de 2005, que as variáveis mais relevantes para o crescimento passaram a ser o consumo interno e a formação bruta de capital fixo. No âmbito das políticas socioeconômicas foram também implementados programas dirigidos à população mais miserável, com o objetivo de retirá-los do nível de subsistência precário em que se encontravam, mediante programas de transferência de renda (Bolsa Família) e um conjunto de políticas sociais destinadas a aumentar as oportunidades de empreendedorismo e desenvolvimento econômico. Cabe também destacar a retomada do papel dos bancos e fundos públicos na provisão de crédito e na alavancagem dos investimentos públicos e privados, entre outros, por meio de programas como o PAC, Minha Casa, Minha Vida e o fomento a outros setores econômicos específicos (por exemplo, automóveis, construção naval etc.). (ROLNIK; KLINK, 2011, p. 1).

Com isso, diante do crescimento econômico propiciado pelos ajustes da

política econômica, que segundo Rolnik e Klink (2011) incluem um aumento

espetacular do gasto público no setor de desenvolvimento urbano, como

evidenciado, as marcas de um modelo de desenvolvimento urbano excludente e

predatório continuam presentes em várias dimensões do processo de urbanização

no Brasil. Nesse contexto, a nosso ver, cabe a uma leitura comprometida com o

desvendamento das contradições da realidade explicitar esses processos.

Na conjuntura das intervenções da economia política nas formas de

governo, é importante entendermos o regime neoliberal40 que passou a se

desenvolver no fim da década de 1970, início da década de 1980, nos países de

capitalismo avançado, enquanto em países periféricos como o Brasil passou a se

desenvolver na década de 1990. Na argumentação de Anderson (1995) e Harvey

(2008), as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno com a chegada da grande

crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando as intervenções

estatais keynesianas perderam força.

Nas palavras de Anderson (1995, p.9), para os neoliberais: “O remédio,

então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o

poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos

sociais”.

40 No âmbito da esquerda, observam-se inúmeras posições relativas à problemática econômica, política e social, mas tem ganhado destaque aquela que se intitula antineoliberal, afirmando ser contra o neoliberalismo, no entanto a favor da construção de um Estado forte e interventor no âmbito do capitalismo nacional. Outra posição, essa com menos destaque, é a que se intitula anticapitalista e entende que a forma Estado está totalmente articulada com a economia, caso contrário não existiria economia política como prática.

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Harvey (2008), por sua vez, apresenta algumas características do Estado

neoliberal na prática. Consoante deixa claro, este adquire características

diferenciadas em decorrência dos desenvolvimentos geográficos desiguais, mas

apresenta duas características principais contidas na essência do projeto.

A primeira característica está na necessidade de criar um clima favorável

para os negócios e investimentos, ou seja, para os empreendimentos capitalistas. A

segunda diz respeito ao fato de que em caso de conflitos, “os Estados neoliberais

tipicamente favorecem a integridade do sistema financeiro e a solvência das

instituições financeiras e não o bem estar da população ou a qualidade ambiental”.

(HARVEY, 2008, p. 81).

Prosseguindo a argumentação com vistas ao entendimento das políticas

neoliberais e suas consequências, Hobsbawm (2008) afirma que os problemas que

tinham dominado a crítica ao capitalismo antes da guerra, como pobreza,

desemprego em massa, miséria, já eliminados nos países de capitalismo avançado

no período da era de ouro após a Segunda Guerra Mundial, reapareceram depois de

1973. Segundo o historiador:

Quanto à pobreza e miséria, na década de 1980 muito dos países mais ricos e desenvolvidos se viram outra vez acostumando-se com a visão diária de mendigos nas ruas, e mesmo com o espetáculo mais chocante de desabrigados protegendo-se em vãos de portas e caixas de papelão, quando não eram recolhidos pela polícia. (HOBSBAWM, 2008, p.396).

Certamente não podemos transpor de maneira acrítica as análises feitas

a partir dos países de capitalismo avançado para países periféricos como o Brasil,

mas devemos entender que mesmo de maneira atrasada, pois na década de 1990 e

até início do século XXI, é esse o contexto das políticas de distribuição das

infraestruturas no âmbito das cidades brasileiras de maneira geral (PIMENTA, 2009)

e de Mossoró de maneira particular.

Em nível de Brasil, existe um debate sobre o neoliberalismo no qual não

há dúvidas sobre o caráter neoliberal das políticas econômicas postas em prática

durante os anos 1990. Nas palavras de Oliveira (1995), a ditadura iniciou o

processo de dilapidação do Estado brasileiro, que prosseguiu sem interrupção no

mandato “democrático” de Sarney, propiciando um clima para a ideologia neoliberal,

a culminar com a eleição de Collor.

Para o sociólogo, no entanto, o impeachment de Collor mostrou um

estado de avanço das organizações sociais, que teve vida breve. Como assevera:

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De novo, a função pedagógica perversa da hiperinflação foi administrada a conta-gotas durante a primeira parte do governo Itamar, precisamente para produzir o terreno fértil no qual se joga a semente neoliberal e ela progride. Acompanhamos as peripécias do governo Itamar até a posse do senador Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, preparando a URV, forma pedagógica de incutir a desesperança nas formas econômicas, sociais e políticas que estavam sendo construídas, que lutaram contra o projeto neoliberal, para uma nova investida neoliberal. (OLIVEIRA, 1995, p. 26).

Em anuência com a argumentação ora citada, Paulo Netto (1995),

também participante do debate com Anderson (1995) sobre o balanço do

neoliberalismo, se questiona sobre o fato das propostas neoliberais terem

encontrado legitimação por via democrática em solo brasileiro, ao contrário das

primeiras experiências na América Latina41, pois este tem por premissa deteriorar a

vida da população obrigada a vender sua força de trabalho para sobreviver.

Avançando para o século XXI, principalmente no relacionado ao governo

Lula, a discussão se torna mais acirrada. Em publicação recente, junho de 2011, na

revista Margem Esquerda, é apresentado um debate entre os intelectuais Emir

Sader e Ricardo Antunes sobre o governo Lula.

No caso do primeiro, observa-se a defesa teórica segundo a qual existe

uma ruptura entre as políticas econômicas e sociais desenvolvidas na década de

1990 pela gestão de Fernando Henrique Cardoso e as políticas colocadas em

prática durante a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT). De acordo com o autor:

Sem uma estratégia pré-definida, Lula buscou avançar pelas linhas de menor resistência. Centrou seu governo em dois eixos fundamentais, que o diferenciou dos governos neoliberais e o aproximou dos novos governos latino-americanos. Eixos que representam os elos mais frágeis do neoliberalismo: a prioridade das políticas sociais ao invés da do ajuste fiscal e a prioridade dos processos de integração regional em lugar dos Tratados de Livre comércio com os Estados Unidos. São essas duas características comuns aos governos latino-americanos que podemos caracterizar como pós-neoliberais. É o caso da Venezuela, do Brasil, da Argentina, do Uruguai, da Bolívia e do Equador, que em seu conjunto mudaram a fisionomia do continente e se constituem no único núcleo regional atual de resistência ao neoliberalismo. (SADER, 2011, p.125).

Enfim, em sua discussão, Sader (2011) afirma que o governo Lula

pertence a uma das vertentes que compõem o campo pós-neoliberal na América

Latina, em conjunto com os governos da Argentina e do Uruguai, formando o campo

41 No caso do Chile, por exemplo, a implantação do neoliberalismo se deu pela via autoritária militar do governo Pinochet.

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que é antineoliberal mas não é anticapitalista. Contudo, segundo o autor, países

como Venezuela, Bolívia e Equador são antineoliberais e pretendem ser

anticapitalistas.

Por sua vez, Antunes (2011) tenciona uma leitura crítica do que ele

chama de era Lula. Como afirma, quando falamos do PT em 1989 e 2002 não

estamos falando mais do mesmo partido, na medida em que na década de 1980 o

PT se configurava como um partido de classe, que foi se desmantelando durante a

década de 1990, para chegar ao começo do século XXI como um partido

caracterizado por “uma política de alianças muito ampla, com vários setores de

centro e mesmo de direita, configurando-se em um partido defensor de um programa

cada vez mais policlassista.” (ANTUNES, 2011, p. 128).

Para o autor, o início do governo Lula em 2003 em suas primeiras

medidas, sinalizava um projeto de continuidade do neoliberalismo no Brasil, sob a

variante do social-liberalismo. Ainda segundo Antunes (2011, p. 129): “Sua política

econômica preservava a hegemonia dos capitais financeiros, reiterando as

determinações do FMI.”42

E afirma:

Desse modo, seu governo fechou as duas portas da tragédia social no Brasil: remunerou de forma exemplar as diversas frações do capital (especialmente o financeiro, mas também o industrial e aquele vinculado ao agronegócio) e, no extremo oposto da pirâmide social, onde encontramos os setores mais “desorganizados” e “empobrecidos” da população brasileira – que dependem do Estado para sobreviver - , implementou uma política social assisntencialista, além da pequena valorização do salário mínimo. É decisivo acrescentar, contudo, que tais medidas não confrontaram nenhum dos pilares estruturantes da desigual sociedade brasileira, em que a riqueza também continuou se ampliando significativamente.(ANTUNES, 2011, p. 130).

Trazendo o debate para o âmbito das políticas urbanas, em seu livro

“Medidas de cidades”, Dirce Koga (2003) promove uma discussão sobre a

problemática das políticas públicas direcionadas para e em busca de bolsões de

pobreza. Isto afasta cada vez mais o debate da cidadania e da universalidade das

políticas públicas.

Deve-se levar em conta a argumentação da autora, pois, segundo ela:

42 Antunes (2011) mostra como exemplo das articulações entre o Partido dos Trabalhadores e o capital especulativo o acordo de intenções com o FMI, que resultou no documento denominado “Carta ao povo brasileiro” assinado pelo ex-presidente Lula. Disponível no site da Fundação Perseu Abramo, <www2.fpa.org.br>.

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Neste caso, a orientação que é tomada como parâmetro para uma ação é a busca em localizar a agudização de situações e não as restrições à cidadania e à justiça social. A precariedade de condições de vida espalha-se no Brasil e está presente em todas as cidades. (KOGA, 2003, p.24).

Em todo caso, Maricato (2011) apresenta algumas contribuições em sua

análise do governo Lula em seus dois mandatos. Consoante ressalta, o primeiro

mandato confirmou que o governo Lula não havia rompido com as políticas

neoliberais, ao aumentar a taxa de juros, o superávit primário e fazer cortes de R$

14 bilhões no orçamento, “comprometendo o gasto em todas as áreas do governo,

com exceção das políticas sociais focadas.” (MARICATO, 2011, p. 30).

No entanto, para a autora, o segundo mandato trouxe uma profunda

mudança na orientação político-econômica, apresentando traços de uma orientação

desenvolvimentista no governo. Em suas palavras: “Um Estado forte que investe na

construção de infraestrutura econômica e social e ainda na ampliação de

conglomerados brasileiros privados, para torná-los competitivos no mercado

internacional.” (MARICATO, 2011, p. 31).

Acerca da política urbana desenvolvida no governo Lula, Arantes e Fix

(2010) tecem uma leitura crítica de todo o processo, argumentando sobre a relação

entre as empreiteiras e o poder público na constituição do programa Minha Casa

Minha Vida, no qual os negócios se dão diretamente com as empreiteiras. Embora a

política habitacional não seja nosso foco de atenção neste trabalho, interessa-nos

observar sua relação com a indústria da construção.

Como asseveram Arantes e Fix (2010, p.1), “o pacote habitacional

lançado em abril de 2009, com a meta de construção de um milhão de moradias,

tem sido apresentado como uma das principais ações do governo Lula em reação à

crise econômica internacional”, estimulando a criação de empregos e de

investimentos no setor da construção, ao mesmo tempo em que se revela como uma

política social em grande escala.

Conforme os autores, o governo Lula expõe como objetivo político o

investimento no setor construção como política econômica de caráter anticíclico, em

uma operação de resgate da economia nacional mediante subsídios ao setor

construção. Apesar de o ex-presidente ressaltar o caráter distributivista pelo fato de

ser uma política focada no social, observa-se que o grande vencedor vem sendo o

empresariado.

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Na cidade de Mossoró, o programa Minha Casa Minha Vida detém um

quadro de onze empreendimentos, entre zero a três salários, três a seis salários e

seis a dez salários mínimos43, no qual aqueles para a faixa de salários mais baixa,

como no caso do Residencial Monsenhor Américo Simonetti I e II (fotos a seguir),

têm uma localização pouco privilegiada, depois de um longo caminho de distância

do Bairro Abolição 4, na Fazenda Florania, a confirmar novamente o padrão de

crescimento descontinuo da cidade,44 ou como preferem muitos, os fragmentos da

cidade sem urbanização.

Foto 11: Residencial Foto 12: Cidade sem urbanização - Residencial Monsenhor Américo Simonetti I. 26/10/2011 Monsenhor Américo Simonetti I. 26/10/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo

No caso dos empreendimentos com o padrão mais elevado, conforme

observamos, eles se localizam apenas nos Bairros Sumaré e Presidente Costa e

Silva, confirmando tais bairros como novas áreas de especulação, haja vista a

proximidade com a base da Petrobras, gerando toda uma demanda da classe

média, na figura de engenheiros e técnicos empregados tanto nessa multinacional

quanto em suas terceirizadas.

De todo modo, faz-se importante atentar para as áreas atendidas pela

infraestrutura de esgotamento e sua relação com a especulação imobiliária. Nessa

linha de raciocínio, a atual prefeita de Mossoró, no dia 15 /2/ 2011, em seu

43 Em 2011 o salário mínimo foi ajustado em R$ 540,00. 44 A urbanista Raquel Rolnik, em seu Blog< http://raquelrolnik.wordpress.com>, publicou uma nota denominada “De cidade só tem nome” no dia 1o/9/2011, lembrando o caso da moradia sem cidade na Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, que foi construído na década de 1980 e até hoje espera por infraestrutura, fazendo alusão aos conjuntos construídos pelo Minha Casa Minha Vida, também na extrema periferia da moradia sem cidade, novamente.

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pronunciamento na abertura dos trabalhos da Câmara afirmou que “o saneamento

básico projetado em nosso governo lançou as bases do atual boom imobiliário.”

Confirmando o crescimento do setor imobiliário e de construções, em

publicação recente da Federação de Indústrias do Estado do Rio Grande do Norte

(FIERN), denominado balanço 2010, é informado o seguinte: “O motor potiguar foi a

construção civil, que, por sua vez, estimulou o crescimento de outros ramos

vinculados à sua cadeia, como é o caso dos agregados para a construção, calcário,

argilas, cimento e derivados, argamassas, telhas, tijolos, revestimentos, tintas,

artefatos de gesso, etc.”(p.17)45.

Nessa ótica, como podemos perceber, o Bairro Nova Betânia, por

exemplo, setor rico da cidade, foi atendido sucessivamente pelos projetos de

ampliação do SES-Mossoró, expondo as tramas da economia política do espaço na

cidade, onde as políticas públicas, ao incorporar atributos em determinados bairros,

segregam outros46.

A polêmica sobre a valorização de alguns bairros em detrimento de outros

no interior da cidade está calcada na teoria da renda do solo urbano. Um dos

expoentes nesse debate é Singer (1978), ao discutir o uso do solo urbano na

economia capitalista. Para ele, como a cidade é o lugar de concentração de

inúmeras pessoas exercendo as mais diversas atividades, faz sentido o fato de o

solo urbano ser disputado para diversos usos. Nas palavras do autor: “Esta disputa

se pauta pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada

do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em conseqüência, é

assemelhada ao capital.” (SINGER, 1978, p.21).

Mas, como Singer (1978) defende, a semelhança entre o capital, que tem

como expressão a propriedade dos meios de produção, e o capital imobiliário que se

expressa na propriedade privada do solo urbano, é apenas aparente, pois este

último sem dúvida é um valor que se valoriza, embora a origem de sua valorização

não esteja na atividade produtiva, e sim na monopolização do acesso a terrenos em

localizações privilegiadas. Para Singer (1978), a utilização do solo urbano para fins

45Disponível em - <http://www.fiern.org.br/images/PDF/Publicacoes/Estudos_Pesquisas/indicadores_conjunturais_2010.pdf > acessado em 13/6/2011. 46 A dissertação de Couto (2011), ao abordar os aspectos relativos à economia dos serviços na cidade de Mossoró, observa a concentração de investimentos no Bairro Nova Betânia, como o Mossoró West Shopping, redes de supermercado multinacionais como Atacadão e Hiper Bom Preço, além de uma faculdade particular, em muitos casos apoiados por investimentos públicos.

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habitacionais distingue vantagens locacionais, as quais têm como elemento de

grande importância o maior ou menor acesso à infraestrutura urbana, entre estes,

transporte, serviços de água e esgoto, escolas, comércio, telefone etc., e pelo

prestígio social da vizinhança.

Nesse sentido, o acesso à infraestrutura urbana tende a privilegiar

determinadas localizações produzindo uma valorização diferencial do uso do solo

urbano, que, por sua vez, gera uma escassez desses serviços em relação às

necessidades da população. No caso brasileiro, o crescimento expressivo das

cidades na década de 1960 e 1970 levou a escassez a um nível crítico, e exacerbou

a valorização de poucas áreas bem servidas.

Aprofundando a discussão, Smith (1989) elenca elementos acerca da

renda do solo na escala urbana, e alerta para o cuidado do entendimento da

especificidade do capital na cidade, principalmente relacionado à renda diferencial

do solo urbano. Em suas palavras:

A renda do solo de um certo espaço é determinada por um certo número de coisas, incluindo suas propriedades (tamanho, forma de superfície, utilização atual, etc) e sua relação com outros melhoramentos e lugares (centro da cidade, transporte, rede de esgoto, etc). O sistema de renda urbana nivela o espaço urbano à dimensão de valor de troca, mas o faz como um meio de então coordenar e integrar o uso dos espaços individuais dentro do espaço urbano como um todo. A igualização do espaço urbano na estrutura de renda do solo torna-se o meio para sua diferenciação. Os usos competitivos são geograficamente selecionados, em primeiro lugar através do sistema de renda do solo. [...] (SMITH, 1989, p.200).

No interior desse debate, Lefebvre (1999) ressalta o papel do Estado na

indução da valorização de determinadas áreas da cidade, questionando a forma de

uso do solo dominante em nossa sociedade, qual seja, a da propriedade privada.

Segundo o autor (1999, p. 138), “o sistema contratual (jurídico), que o Estado

mantém e aperfeiçoa enquanto poder (político), repousa na propriedade privada, a

da terra (propriedade imobiliária) e a do dinheiro (propriedade mobiliária)”.

E acrescenta:

A propriedade da terra se mantém no quadro da propriedade privada em geral. Ainda que essa propriedade imobiliária tenha dado lugar à propriedade mobiliária, a do dinheiro e do capital, ela persiste. E mesmo ela se consolida desde o tempo de Marx, a burguesia enriquece comprando terras, constituindo para si propriedades fundiárias (e, consequentemente, reconstituindo, sobre a base de um novo monopólio, a propriedade fundiária e a renda da terra). A propriedade da terra, no fundo intacta, reconstituída pelo capitalismo, pesa sobre o conjunto da sociedade. (LEFEBVRE, 1999, p.161).

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Em prosseguimento à argumentação, Lefebvre (1999) entende que a

discussão da renda do solo deve passar necessariamente pelo entendimento da

propriedade privada do solo urbano como fundamento do processo de consolidação

do espaço como mercadoria. Em um sentido metafórico chega a afirmar que os

proprietários fundiários poderiam apenas “esperar” que ocorram as intervenções no

espaço através de políticas públicas, para que os terrenos possam se valorizar. Em

corroboração à argumentação, Singer (1978) continua:

O Estado, como responsável pelo provimento de boa parte dos serviços urbanos, essenciais tanto às empresas como aos moradores, desempenha importante papel na determinação das demandas pelo uso de cada área especifica do solo urbano e, portanto, do seu preço. Sempre que o poder público dota uma zona qualquer da cidade de um serviço público, água encanada, escola pública ou linhas de ônibus, por exemplo, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores que anteriormente, devido a falta do serviço em questão, davam preferência a outras localizações. Estas novas demandas, deve-se supor, estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em termo de compra ou aluguel, um preço maior do que as demandas que se dirigiam à mesma zona quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo nesta zona, em relação às demais. (SINGER, 1978, p. 34).

A relação entre valorização do espaço, especulação imobiliária e as

políticas de implantação de esgotamento na cidade podem ganhar um novo

elemento de análise com o cartograma relativo às áreas atendidas pela rede de

esgotamento sanitário e às áreas que estão em obras ou com obras de esgotamento

paradas, em contraponto aos condomínios construídos nas diversas faixas de renda

pelo Minha Casa Minha Vida.

Conforme o cartograma, os projetos do Minha Casa Minha Vida para

rendimentos de três a seis e de seis a dez salários mínimos nos Bairros Costa e

Silva e Alto do Sumaré se encaminham para uma conjuntura de atendimento da

rede geral de esgotamento sanitário com o término das obras da CAERN.

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Cartograma 9: Áreas atendidas, obras rede geral esgotamento e condomínios Minha Casa Minha Vida por grupo de rendimento. 2011

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Assim, podemos observar algumas tramas da economia política como

política econômica no âmbito da habitação, no sentido em que os projetos se

entrelaçam, ou seja, as obras para a construção da rede geral de esgotamento se

apressam em atender às demandas do mercado imobiliário. Para tal, mostram o

exemplo do Bairro Nova Betânia durante os primeiros dez anos do século XXI, bem

como os do Minha Casa Minha Vida. Desse modo, pretendemos aprofundar nossa

argumentação analisando as questões relativas à infraestrutura de esgotamento

sanitário no PAC.

No inerente à política de infraestrutura do PAC, Eduardo Silva Rodrigues

(2008), que até então trabalhava na Secretaria de Planejamento e Investimentos

Estratégicos do Ministério do Planejamento, em uma leitura claramente baseada na

economia política, afirma o seguinte:

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), parte integrante do PPA, aproveita o bom momento da economia para promover o desenvolvimento do País. A história nacional confirma as premissas aceitas internacionalmente segundo as quais o desenvolvimento está atrelado ao investimento. Assim, objetiva-se remover os obstáculos normativos e administrativos ao crescimento, estimular o investimento privado e reforçar o movimento crescente de inversões públicas em infraestrutura. (RODRIGUES, 2008, p.9)

Em todo caso, tencionamos uma leitura dos investimentos em política de

saneamento objetivados no interior do PAC com o fito de esclarecer as relações

entre política urbana e crescimento econômico. Em discurso proferido em 24/8/2007

no Paraná, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterava os investimentos

em saneamento básico no PAC como política econômica de combate à crise, ao

mesmo tempo em que reafirmava o seu caráter distributivista, enfatizando que “o

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma oportunidade de dar

cidadania às pessoas mais pobres”

Em meio à retórica oficial, em sua promessa de crescimento econômico

sem pobreza, podemos identificar nas ilustrações a seguir os vultosos recursos

apresentados como metas de investimento em saneamento básico no PAC, onde as

verbas seriam liberadas para os municípios que expõem suas demandas mediante

projetos.

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Ilustração 7: Metas para saneamento básico 2007-2010

Fonte: http://www.brasil.gov.br/pac

Se em 2005 teoricamente 48,2% dos domicílios eram atendidos, a meta

seria que em 2010 os números passassem para 55%, com um acréscimo de 7,3

milhões de domicílios e 25,4 milhões de pessoas. Na ilustração a seguir, consta a

previsão de investimentos total por região, onde o Nordeste teria um investimento de

R$ 9,6 bilhões de reais e um número de domicílios atendidos na previsão de 5,4

milhões.

Ilustração 8: Previsão de investimento e atendimento em saneamento básico 2007 - 2010

Fonte: http://www.brasil.gov.br/pac

Em nossa pesquisa, conforme identificamos, as maiores obras previstas

no PAC para a cidade de Mossoró seriam a construção da adutora de Santa Cruz,

com um investimento de R$ 110, 994,0 milhões, como parte do projeto de irrigação

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de Santa Cruz de Apodi, além da ampliação do sistema de esgotamento sanitário –

SES da cidade de Mossoró, com um investimento de R$ 64.155,23 milhões.47

No entanto, como pudemos averiguar em trabalho de campo, as obras de

ampliação do SES de Mossoró para bairros periféricos, apresentadas como projeto

pela prefeitura, com recursos oriundos do PAC, estavam paralisadas até o mês de

outubro do ano de 2011, enquanto as obras do governo do Estado através da

Companhia de Água e Esgoto do Rio Grande do Norte, com recursos também do

PAC, que atende novas áreas de especulação, estão em fase de conclusão.

Como podemos observar na leitura das políticas urbanas no interior dos

governos autoritários ou não, as discussões em economia política do espaço ou

economia urbana atrelam uma relação tênue entre crescimento econômico e

provisão de infraestruturas em uma visão mecânica do processo, na medida em que

as demandas sociais não são prioridade, ou, quando são, adentram em um contexto

econômico produtivo no interior da indústria da construção civil.

Segundo fica claro, a economia política, tal como se constitui nos marcos

da sociedade existente, tem um sentido profundo, pois se houvesse abundância de

bens, não haveria economia política. Para Lefebvre (2008, p. 121): “A economia é

política nesse sentido: ela permite aos homens de Estado repartir as penúrias, de

modo que essa ‘distribuição’ se realize sob as mascaras da justiça, da igualdade, da

liberdade e até da fraternidade.”

Nessa ótica, os momentos de crise, inerentes à reprodução capitalista,

são vistos como inconvenientes para a continuidade do processo de reprodução

ampliada do capital. Assim, faz sentido a afirmação de Marx (1977,p. 26) destacada

na epígrafe, em uma metáfora entre o sistema capitalista e o feiticeiro que já não

pode mais controlar as forçar internas postas em movimento por suas palavras

mágicas.

No cerne desse processo, encontramos a definição marxiana acerca da

lei da tendência à queda da taxa de lucro, na qual o decréscimo do capital variável

em relação ao capital constante, produzido pelas frequentes revoluções nas técnicas

de produção e pelo consequente aumento da produtividade, expressa-se em uma

diminuição da taxa de lucro.

47 Os dados apresentados foram coletados no “10 º balanço das obras do PAC no Rio Grande do Norte – Janeiro a Abril de 2010” – Disponível em - http://www.brasil.gov.br/pac/relatorios/estaduais/rio-grande-do-norte-1/rio-grande-do-norte-10o-balanco-janeiro-a-abril-de-2010 - Acessado em 5/2/2011.

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Acerca desse processo, Rosdolsky apresenta uma passagem de Marx

nos Grundrisse bastante elucidativa:

No ciclo do capital desenvolvido, existem fatores que retardam esse movimento[ ou seja, a queda da taxa de lucro], além das crises; por exemplo, a contínua desvalorização de uma parte do capital existente; a transformação de grande parte do capital em capital fixo que não presta serviços como agente da produção direta; o gasto improdutivo de grande parte do capital etc.[...] A queda [da taxa de lucro] é retardada também pela criação de novos setores produtivos, nos quais se exige mais trabalho imediato em proporção ao capital, ou nos quais a força produtiva do trabalho não está desenvolvida. (MARX apud ROSDOLSKY, 2001, p. 317).

Na mesma linha de raciocínio, Harvey (1990; 2004b) desenvolve sua

teoria das crises com base no excesso de acumulação ou na sobreacumulação. Em

seu argumento, quando ocorrem tais crises é imperativo descobrir maneiras

lucrativas de absorver os excedentes de capital; uma saída possível, segundo ele,

pode-se dar mediante expansão geográfica do capital e da busca de novos setores

da economia que aumentam o tempo de circulação.

Para Harvey, a urbanização proporciona um caminho para resolver o

problema do capital excedente, ou, como afirma, se faz necessário “examinar mais

detidamente os modos como os processos gerais de produção do espaço são presa

de processos de formação e de resolução de crises”. (HARVEY, 2004b, p. 93).

É nesse contexto que Lefebvre (1973; 2008) fala da “reprodução das

relações de produção” e de como o capitalismo conseguiu manter suas relações

específicas de produção durante o século XX. Para este autor, a tese de que a

sobrevivência do capitalismo se deu através de uma reduplicação de suas relações,

ou mesmo de uma acentuação dessas relações pela ideologia e pela coação, não

explica os fatos.

Segundo Lefebvre (2008), o capitalismo se estendeu subordinando a si o

que lhe preexistia e ao mesmo tempo em que constituiu novos setores para a

acumulação, “o capitalismo se manteve estendendo-se ao espaço inteiro” (Ibidem,

p.117).

Destarte, como reitera Lefebvre, o setor imobiliário e de construções

públicas, que historicamente teve uma importância menor, agora se torna central

para acumulação capitalista, por se tratar de uma indústria nova, menos submetida

aos entraves, saturações, dificuldades diversas que freiam as antigas indústrias.

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A importância da construção, consoante Lefebvre (2008), se dá no cerne

da luta contra a tendência à baixa do lucro médio, pois “a construção (privada ou

pública) proporcionou e ainda proporciona lucros superiores à media.”(Ibidem,

p.118). E diz mais: “Enquanto a parte da mais-valia global formada e realizada na

indústria decresce, aumenta a parte da mais-valia formada e realizada na

especulação e pela construção. O circuito secundário suplanta o principal” (Idem,

2004, p.146-147).

No contexto da crise mundial de 1973, quando todos os ramos industriais

encontravam baixas em seu lucro médio,

O investimento no imobiliário e nas construções privadas e públicas (na produção do espaço) se revela proveitoso porque essa produção ainda comporta, e comportará por muito tempo, uma proporção superior de capital variável em relação ao capital constante 48. (LEFEBVRE, 2004, p.119).

Ao desenvolver a teoria de Lefebvre, Harvey (2004) propõe uma teoria

dos circuitos do capital. Segundo o autor, a expansão geográfica do capital, em uma

de suas variantes, ocorre nos períodos em que as crises de acumulação atingem o

circuito primário (esfera produtiva), promovendo uma transferência do capital para o

circuito secundário que se dá a partir dos investimentos em capital fixo para a

produção (instalações fabris e equipamentos, capacidade de geração de energia,

entroncamentos ferroviários, portos etc.) e a produção de um fundo de consumo

(habitação, infraestrutura de água e esgotamento sanitário, por exemplo).

No caso brasileiro, observamos claramente por meio das obras do PAC

os grandes investimentos em capital fixo para produção e circulação provenientes do

Estado, bem como um grande aquecimento no setor da construção civil, além da

produção de um fundo de consumo, a passos mais lentos, se compararmos com o

setor a produção de capital fixo.

Em entrevista, Singer (2009) argumenta que o Brasil tem sido um dos

países mais ágeis no combate à crise econômica mundial, enfatizando o papel do

PAC como uma medida anticíclica. Em suas palavras: “Eu acho que o PAC não foi

feito em função dessa crise, mas veio a calhar. O Brasil tem hoje um volume muito

grande de investimentos em infra-estrutura que são importantes”. Este é, para o

48 O setor construção civil, por sua dificuldade de modernização, aparece como um depósito do mercado de trabalho (PEREIRA, 1998), contribuindo com a produção de mais-valia em nível global. Sobre a necessidade do trabalhador no processo produtivo, Marx (2008) afirma que: “Sendo o processo de produção, ao mesmo tempo, processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, o produto do trabalhador transforma-se continuamente não só em mercadoria, mas em capital, em valor que suga a força criadora do valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que utilizam os produtores. (MARX, 2008, p. 666).

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autor, um dos fundamentos em termos comparativos para saber por que a economia

brasileira foi pouco atingida49.

Como estamos sustentando, os investimentos em saneamento básico no

âmbito do PAC estão colocando a política urbana no centro da política econômica, e,

assim, desmascaram as tramas da prática econômica que se esconde sob o

discurso da economia política.

A esta altura, em aprofundamento à discussão sobre a indústria da

construção e o caráter economicamente produtivo na construção de infraestruturas,

tomando como exemplo a política urbana do BNH, Maricato (1983) utiliza uma

distinção entre dois subsetores no interior da indústria da construção, quais sejam, o

subsetor construção pesada e edificações.

Nas palavras de Maricato (1983, p. 53): “São atividades básicas do

subsetor construção pesada: estradas, túneis, obras de arte, barragens, usinas,

construções e montagens industriais, saneamento, hidráulica, e outros.” Já o

subsetor edificações tem como atividades básicas “a construção de edifícios ou suas

partes como fundações, estrutura, caixilharia, alvenaria, acabamento, etc.” (Ibidem,

p.54).

Vale ressaltar que as empresas de construção pesada têm tamanho

superior à média das empresas da indústria da construção. Ainda conforme

Maricato: “A composição orgânica do capital é maior, devido ao emprego de grandes

máquinas de escavações, terraplanagem, compactação, transportes, etc. que se

combinam à ocupação extensiva de mão-de-obra desqualificada.” (Ibidem, p.55).

Somado ao fato de serem de porte superior, Maricato (1983) argumenta

que as empresas do subsetor construção pesada geralmente detêm forte poder

político, na medida em que: “A construção pesada tem no Estado seu principal

cliente, através da demanda de obras públicas que se destinam a viabilizar o

processo de acumulação como um todo.” (Ibidem,p.54 ).

Assim, como reitera Maricato (1983), o financiamento direto e a demanda

por parte do Estado das atividades de construção pesada tornam a relação muito

próxima; às vezes confundem as empresas como parte do Estado. Para ela: “Não só

49 A título de exemplo, podemos lembrar o processo de destruição criativa que vem ocorrendo nas grandes metrópoles brasileiras para a Copa do Mundo de 2014, no qual o Estado vem arcando com todos os riscos e investimentos em infraestrutura exigidos para a realização do megaevento, e o setor privado apenas colhe os benefícios, evidenciando a relação entre economia e política.

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a estruturação do setor foi historicamente definida pela sua relação com o Estado,

como também o porte das empresas, faturamento, patrimônio, etc.” (Ibidem, p. 54).

Em síntese, diz Maricato:

As exigências contratuais para obras públicas eliminam da concorrência empresas de porte pequeno e médio, favorecendo as de grande porte, em sua maioria especializadas em construção pesada. Os rumos tomados pela política habitacional no Brasil, na década de 1970/80 mostram o poder político das empresas construção pesada: os recursos do SFH inicialmente destinados exclusivamente à habitação, são em parte, gradativamente, até meados da década desviados para grandes obras de infra-estrutura (social ou não) urbana: saneamento básico, transportes, etc. (MARICATO, 1983, p. 55).

Nestas condições, consoante Maricato, na guerra de interesses

intracapitalistas, as empresas do subsetor construção pesada tiveram maior poder

político e econômico para conseguir, inclusive, reorientar os investimentos do BNH

que ao primeiro momento tinha como prioridade a provisão de habitações, e passa a

investir um montante maior no desenvolvimento urbano, favorecendo as empresas

de construção pesada.

Em sua tese, segundo mostra Maricato (1983), enquanto os programas

habitacionais têm sua participação diminuída sucessivamente nos orçamentos

anuais de 1969 a 1976, os programas de desenvolvimento urbano com obras de

saneamento, transportes, urbanização têm sua participação crescente, chegando a

atingir um pico em 1976.

Em consonância com o exposto, a autora reafirma o caráter produtivo da

indústria da construção pesada para a economia, argumentando que os

investimentos em indústria de construção no interior do governo autoritário foram

fundamentais para o adiamento da crise econômica no Brasil verificada na década

de 1980.

Sobre este processo, de acordo com Seabra (2000), o Estado entra em

cena para criar e manter condições gerais e sociais de reprodução das empresas e

com isso socializar os custos de reprodução do capital. Na argumentação da autora,

a ação do Estado, no tocante à materialidade do espaço, tem na construção das

infraestruturas um fazer e refazer sem fim, afinal: “Produzir materialmente a cidade

foi e tem sido um grande negócio.” (Ibidem, p.74).

Conquanto, podemos observar que as intervenções projetadas pela

economia política no espaço trazem um caráter de classe, pois sua orientação está

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na reprodução das relações de dominação econômica, como estamos sustentando.

No entanto, ao tratar dos processos econômicos e políticos em nível nacional, bem

como das tendências e ajustes capitalistas relativos aos investimentos na indústria

da construção, não tratamos das relações, articulações, projetos de classe em nível

da ordem próxima.

A nosso ver, ao tratar das relações entre os agentes produtores do

espaço em nível local, estaremos acrescentando elementos imprescindíveis ao

entendimento da produção das desigualdades socioespaciais, sem os quais

cairíamos em uma discussão em termos de estrutura infértil para elucidação das

articulações e dominações de classe.

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4 PRODUÇÃO DE INFRAESTRUTURAS SOCIAIS EM MOSSORÓ: ARTICULAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE OS AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO

Os Rosado, que são conservadores, passam uma imagem de progressistas e, nessa dialógica de acomodação dos contrários, criam um culto à liberdade, quando a sua prática política passa por uma

liturgia de dominação de pessoas e instituições. Lacerda Felipe

Nos capítulos anteriores tratamos o processo de urbanização de Mossoró

enfocando o problema das desigualdades socioespaciais e também abrimos uma

discussão sobre os aspectos econômico e político como condicionantes do

aprofundamento das desigualdades na cidade.

Como evidenciamos, o processo de urbanização em Mossoró vem se

consolidando nas últimas três décadas, alicerçado principalmente em três pilares

econômicos (extração de petróleo, de sal e agronegócio de frutas tropicais), com o

total apoio político das esferas governamentais local, estadual e nacional.

Não obstante o crescimento econômico na/da cidade, há uma

concentração dos níveis de renda em determinados bairros e classes sociais, bem

como uma seletividade e concentração das infraestruturas urbanas nestes mesmos

bairros com renda mais elevada.

Nesta ótica, salientamos a necessidade do entendimento da produção

das infraestruturas e não apenas do consumo coletivo, a título de crítica da

economia política do espaço no relacionado às políticas econômicas praticadas

como política urbana.

Para explicitar a lógica da economia política do espaço e aprofundar os

argumentos em torno de sua crítica, é preciso ir além da análise da estrutura,

elencando elementos de conjuntura nacional, regional e local. A este respeito,

objetivamos apresentar uma discussão sobre a articulação entre os agentes

produtores do espaço na conjuntura da política urbana na cidade de Mossoró.

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4.1 Os agentes produtores do espaço em disputa po r uma concepção de cidade

No âmago do debate sobre a política urbana, um tema a despertar

intensas polêmicas desde meados da década de 1970 é aquele em torno da crítica

da análise estruturalista marxista. Para os críticos, esta literatura nega o papel dos

sujeitos sociais na produção do espaço e, portanto, produz um discurso genérico, o

que não contribui em termos de pesquisa para desvendar os processos urbanos

contemporâneos.

Vale lembrar que o pioneiro na empreitada estruturalista marxista foi

Althusser, constituindo escola. Para Anderson (2004), este filósofo produziu uma

reformulação drástica na teoria de Marx ao incorporar Espinosa em sua grade de

conceitos. Segundo Anderson (2004, p.84), “quase todos os novos conceitos e

ênfases do marxismo de Althusser foram tomados diretamente de Espinosa”.

Ainda segundo Anderson (2004), Althusser construiu seu caminho ao

estruturalismo com suas tentativas anacrônicas de transposição de conceitos, como

no caso de seu conceito de “causalidade estrutural” que é emprestado de Espinosa,

quando este defende Deus como causa immanens.

Assim, com o entendimento da realidade como um todo estruturado,

Althusser nega a possibilidade da experiência e até da pesquisa empírica como

acúmulo para o conhecimento cientifico. Desse modo, cai em análises simplistas, e

nega a possibilidade do novo no movimento espiral da realidade. Nas palavras de

Anderson:

Mais significativo ainda, o ataque apaixonado de Althusser contra as ilusões ideológicas da experiência imediata em oposição ao conhecimento cientifico próprio da teoria e contra todas as noções dos homens e classes como sujeitos conscientes da história, e não como “suportes” involuntários das relações sociais, era uma reprodução exata da denuncia de Espinosa da experientia vaga como fonte de todos os erros. (ANDERSON, 2004, p. 84).

De acordo com Lefebvre (1968), a ciência unitária estruturalista proposta

por Althusser está ligada a uma estreita noção do real, pois elimina a exploração do

campo de possibilidades e impossibilidades, separando-se do real, em última

instância. Como ressalta:

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O erro metodológico fundamental de L. Althusser é ficar no interior da forma e das questões formais, procedendo a uma formalização sem ter elucidado a “forma” e sua relação com o conteúdo. Ele se mantém assim no quadro de uma teoria em segundo grau do conhecimento, em lugar de refletir sobre as diligencias que hoje permitem adquirir conhecimentos (por exemplo, sobre os problemas urbanos, sobre a planificação, sobre a questão agrária, sobre a questão do Estado e da tecnocracia, etc.) (LEFEBVRE, 1968, p. 103-104).

Contudo, negar as classes sociais como sujeitos ativos no modo de

produção capitalista é um dos principais erros de Althusser. Desse modo, ele

considera as transformações sociais como eventos na estrutura, coisificando a

realidade social.

Nesse prisma é fortuito trazer à tona as indicações de Marx. Segundo

Ridenti (2001, p.13-14), podemos identificar o termo classes sociais em Marx em um

sentido amplo e restrito. No sentido amplo, o termo classe “identifica os grandes

grupos humanos que se relacionam e lutam entre si para produzir o próprio sustento,

criando relações de dominação para apropriarem-se do excedente gerado além do

mínimo necessário à subsistência”. Para Ridenti (2001), tendo em vista a

perspectiva ampliada, foi formulada a conhecida frase de Marx (1977), segundo a

qual “a história de todas as sociedades até nossos dias tem sido a história das lutas

de classes.”

Ao mesmo tempo, como indica o autor, no sentido restrito, só caberia falar

em classes nas sociedades industriais capitalistas, quando surge uma classe

burguesa, que concentra em suas mãos a propriedade dos meios de produção.

Assim, os trabalhadores veem-se obrigados “a vender sua força de trabalho para

sobreviver, e só constituem-se propriamente como classe quando se associam para

lutar contra a exploração a que são submetidos. Nesse sentido especifico aparece

as classes n´O capital.”(RIDENTI, 2001, p.14).

Vale salientar, porém: contemporaneamente, vem ganhando força uma

análise formalista, que prioriza quantificar os salários recebidos pelo chefe de

família, formando classes em torno do poder de consumo, negando as análises

dialéticas sobre a totalidade do modo de produção. De nossa parte, entendemos a

necessidade de uma primeira aproximação a partir do nível salarial, como fizemos

no segundo capítulo, mas acreditamos em uma análise das classes que defina o

papel por ela ocupado na produção.

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Nessa conjuntura, tendo como base a teoria marxista, Romcy (2011)

observa a tendência a uma dualidade no interior da classe trabalhadora no

capitalismo contemporâneo. Com fundamento na sua pesquisa na região de

Mossoró, a autora afirma que a grande maioria dos trabalhadores da região ganha

salários que pouco suprem as condições de subsistência, enquanto uma minoria

está empregada em altos cargos com bons salários

É importante ressaltar o caráter diminuto desses trabalhadores

especializados, os quais ocupam cargos com altos salários e alto poder de consumo,

formando uma classe média50, que não é proprietária dos meios de produção, mas

adentra de forma específica a organização do trabalho capitalista, em contradição

com a grande maioria da população da cidade, que vem se inserindo no mercado de

trabalho da cidade de forma precária.

Como fica claro, as remunerações dos gestores não obedecem aos

mecanismos que regem os salários da classe trabalhadora em geral, pois seus

salários estão diretamente relacionados à mais-valia acumulada pela empresa e

dessa maneira “tal como os burgueses, embora por formas jurídicas diferentes,

apropriam-se da mais-valia extorquida.” (BERNARDO, 2009, p. 274).

Essa fatia da classe trabalhadora remunerada com altos salários,

entendida como gestores, ou classe média, acirra uma contradição no interior da luta

de classes, que agora não pode mais ser lida apenas como uma luta entre os

proprietários dos meios de produção e despossuídos. Aliás, cabe ressaltar, a luta de

classes no mundo contemporâneo é muito mais complexa que na Inglaterra do

século XIX.

Conforme se sabe, as contradições capitalistas já saíram da esfera

restrita da produção para se encontrar como totalidade na esfera da produção da

vida, da produção do cotidiano (LEFEBVRE, 1999).

De todo modo, encaminhando a crítica da literatura estruturalista no

debate da política urbana, Marques (2003) reafirma a crítica a Castells, pois este

entende a cidade como lócus de reprodução da força de trabalho e, para ele, as

ações do Estado na cidade teriam como objetivo viabilizar a reprodução da força de 50 Lefebvre (1976, p. 17) afirma que “o Estado racional, portanto, constitucional, tem, segundo Hegel, uma base social: a classe média. Nesta classe se encontra a cultura que vai ao encontro, sustentando-a, da consciência do Estado. Não existe Estado moderno sem classe média, sua base tanto no que diz respeito à inteligência como à legalidade. [...] nesta classe média recrutam-se seja por cooptação, seja por via de concurso, os funcionários. Uma burocracia competente, selecionada mediante provas severas, eis a verdadeira base social e substancia do Estado.”

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trabalho, ao auxiliar a reprodução do capital. Nesse sentido, para Castells, uma

política pública como a melhoria dos transportes, a promoção de habitação, não

estaria beneficiando a classe trabalhadora, mas garantindo a reprodução da força de

trabalho e os processos de acumulação.

Outra análise a se encaixar na vertente estruturalista, segundo Marques

(2003), é desenvolvida por Lojkine(1981). Para ele, a cidade não seria lugar do

consumo coletivo, mas da reprodução das condições gerais de produção, que

incluiria transportes, comunicação, energia, água e esgoto, pois disso depende a

reprodução do sistema como um todo. Na visão de Marques (2003), ambas as

leituras ora citadas limitam o espaço de ação do Estado, ao entendê-lo apenas como

reprodutor das condições de produção.

Em discordância às perspectivas ora mencionadas, o autor define a

perspectiva neoinstitucionalista, e nela reivindica participação. Conforme

Marques(2003), em termos abstratos parte-se da premissa de serem as políticas

públicas definidas pela interação entre atores no interior de ambientes institucionais

e relacionais presentes nas comunidades políticas. E complementa:

As dinâmicas políticas são resultado dessas interações, tendo em conta os constrangimentos das instituições e das redes de relações pessoais e institucionais presentes. Essas dinâmicas são fortemente influenciadas por legados, já que tanto o ambiente institucional e as redes, quanto a própria política pública, são historicamente construídas. (MARQUES, 2003, p. 47).

Em um nível, segundo o autor, concreto, destacam-se três atores

considerados principais, por suas posições de poder mais vantajosas. São eles (1)

os membros da classe política, (2) os capitais envolvidos com a produção concreta

das obras contratadas pelo Estado e (3) os técnicos membros da burocracia do

Estado.

Esses atores conformam uma rede de relações complexa, no âmbito

pessoal, profissional, institucional e político. Nessa perspectiva, segundo Marques

(2003, p. 112): “Não importa se as empresas que se encontram conectadas ao

núcleo do poder (ligadas a pessoas que têm muitos contatos e próximas do

secretário) têm capitais elevados ou não, o que interessa é a intensidade dos seus

padrões de vínculo.”

No interior desse jogo de relações, ele enfatiza o papel da burocracia na

leitura das políticas públicas e afirma:

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Políticas são implementadas por técnicos que têm seu poder parcialmente originário de vínculos com políticos eleitos, mas também o retiram de seu conhecimento técnico e do funcionamento da máquina estatal. Os políticos necessitam desses técnicos (e de seus saberes) para realizar bons governos, independente de suas diretrizes de política, pois mesmo o mais maximizador dos políticos precisa das organizações do Estado e de seus funcionários para transformar decisões em resultados. (MARQUES, 2003, p. 102-103).

Quanto às empresas do setor construção, igualmente integrantes das

redes de relações, também são de grande importância na análise das dinâmicas e

articulações no interior das políticas públicas. Nas palavras do autor:

As empresas privadas de construção representam um dos mais destacados setores das empresas nacionais na economia brasileira, sendo que constituem, para alguns autores, um dos principais sustentáculos da chamada tríplice aliança entre o capital nacional, o multinacional e o Estado, tripé que instaura e desenvolve o capitalismo no brasileiro. (Lessa e Dain, 1982). Sua importância foi sendo desenvolvida paulatinamente, desde o início do processo de contratação, pelo Estado, de empresas privadas para a construção de obras e serviços de engenharia na década de 1940. Um elemento central na dinâmica desse setor econômico é o seu caráter intrinsecamente político – como trata-se de um mercado onde o único comprador é o Estado (oligospônio público), os preços são fortemente influenciados pelo seu comportamento e há fortes incentivos para a construção de vínculos entre os vendedores e os órgãos públicos, de forma a interferir nos preços e nas encomendas. (MARQUES, 2003, p. 196).

No entanto, para Marques, algo de significativo tem sido negligenciado

pela literatura de estudos urbanos, isto é, o fato de diferentes governos produzirem

políticas de conteúdos diversos. Na ótica de Marques (2003), o padrão de

investimentos é influenciado pela inclinação político-ideológica do prefeito, pois

“governantes de esquerda tendem a implementar um padrão de inversões mais

redistributivo socialmente do que a direita, que implementa política mais regressiva

socialmente.” (MARQUES, 2003, p. 222).

Ao discutir seu estudo das políticas desenvolvidas na prefeitura de São

Paulo nos governos de Paulo Maluf e Luísa Erundina, segundo argumenta este

autor, alguns poderiam sugerir, após a leitura, que existiria uma captura do Estado

por capitais envolvidos na produção do ambiente construído, porém:

Essa captura, entretanto, não é estrutural, mas parte do processo político, sendo reproduzida na arena eleitoral que decide o controle dos cargos eletivos no período democrático, assim como no interior do próprio Estado, onde a dinâmica da rede da burocracia reforça o controle sobre a política pública produzido pela hegemonia da direita no campo eleitoral.(MARQUES, 2003, p. 39).

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De nossa parte, concordamos em grande medida com a citada

argumentação no concernente aos aspectos relacionais entre as instâncias

econômica, política e social, bem como com a necessidade de reforçar o estudo

sobre as dinâmicas locais das políticas públicas. Contudo, acreditamos na

necessidade de uma distinção clara entre Estado e governo.

Nesse sentido, Souza (2006; 2010), pensando na ação dos movimentos

sociais urbanos, defende a necessidade de distinção entre o Estado51 como

estrutura e o governo como conjuntura, pois: “A utilização dessa margem de

manobra não há de se fazer, sem dúvida, sem muita cautela, exatamente porque

não se deve esquecer que, estruturalmente, o Estado não serve à liberdade, mas

sim à sua restrição e, em situações-limite, à sua supressão.”(SOUZA, 2010, p. 26).

De todo modo, convém destacar que a análise propiciada por Marx em

sua crítica da economia política de forma alguma nega o papel dos sujeitos sociais,

pelo contrário, procura enfatizar a produção social da realidade em contraponto ao

fetiche da mercadoria, a coisificação da realidade e a alienação em seus diversos

âmbitos. Estes são entendidos como elementos contraditórios contribuindo com a

tendência de afastar o homem de sua obra.

Na oitava tese Ad Feuerbach, Marx (2007, p.534) é enfático: “Toda vida

social é essencialmente prática. Todos os mistérios que conduzem a teoria ao

misticismo encontram sua solução na prática humana e na compreensão dessa

prática.”

Assim, como assevera Kosik (1976, p.49), em busca da superação da

mistificação do real pela economia política, o princípio metodológico da investigação

51 Na perspectiva defendida por Souza (2006), bem como por Marx (2008) o objetivo último de um movimento social organizado em busca da transformação social não é a construção de outro Estado, mas sim da autogestão generalizada, tendo a experiência da Comuna de Paris de 1871 como grande exemplo. Para uma crítica do capitalismo de Estado na União Soviética, ver Pannekoek (2007), Korsch (2008) e Debord (1997). Também faz-se importante explicitar o debate em Marx acerca do Estado. Como afirma Harvey (2005), em Marx não encontramos uma teoria sobre o Estado, mas apenas fragmentos dispersos. De nossa parte, acreditamos que em sua obra Guerra Civil na França (2008) fica claro uma mudança de opinião acerca da leitura do Estado, pois em outras obras como “Lutas de classe na França” ou “Manifesto comunista” ele defende a tomada do Estado como uma etapa de transição para o comunismo, assim como Lênin. Em “Guerra Civil na França” Marx mostra as origens do Estado absolutista como necessidade e força da classe burguesa recém-nascida, no intuito de acelerar a passagem do feudalismo para o capitalismo, deixando claro o caráter de classe do Estado. Nas palavras de Marx(2008, p 399): “Mas a classe operária não pode apossar-se simplesmente da maquinaria de Estado já pronta e fazê-la funcionar para seus próprios objetivos. O poder centralizado do Estado, como seus órgãos onipresentes: exercito permanente, polícia, burocracia, clero e magistratura – órgãos forjados segundo o plano de uma sistemática e hierárquica divisão do trabalho – têm origens nos dias da monarquia absoluta, ao serviço da nascente sociedade burguesa como arma poderosa nas suas lutas contra o feudalismo. ”

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dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade concreta, que antes de

tudo “significa que cada fenômeno pode ser compreendido como momento do todo”.

Em sua definição, Kosik (1976) afirma que a dialética não pode entender

a totalidade como um todo já feito e formalizado que determina as partes, pois seria,

de fato, uma falsa totalização, manifestando- se no princípio abstrato que despreza a

riqueza do real.

Neste caso, alerta para o fato de que o aspecto cotidiano como prática

traz o novo como possibilidade. Seja como for, isto não significa ser este (o novo)

um elemento externo ao mundo material; pelo contrário, porquanto este é produto

das contradições dialéticas da totalidade produzindo o novo. Em suas palavras:

Só uma concepção da matéria que na própria matéria descubra a negatividade e, por conseguinte, a capacidade de produzir novas qualidades e graus de evolução superiores, proporciona a possibilidade de explicar materialisticamente o novo como uma qualidade do mundo material. (KOSIK,1976, p.35).

Com isso, Kosik ressalta a importância da pesquisa como elemento

fundamental para desconstrução de hipóteses cristalizadas, pela apreensão da

riqueza do novo. Até este ponto, segundo podemos observar, a crítica da economia

política proposta por Marx traz o germe de ambas, mas busca sua superação,

mediante a aproximação com a práxis concreta.

A este propósito, Lefebvre (2001) alerta para as relações diretas entre

pessoas e grupos na produção do espaço. Ele as denomina de ordem próxima,

superando a análise estrutural da produção do espaço que se furta a analisar as

articulações mais íntimas. A questão é: existe uma interação dialética entre ordem

próxima e distante, pois a totalidade não está presente imediatamente na cidade. Há

outros níveis de realidade que não são transparentes por definição. Para Lefebvre

(2001, p. 48): “A ordem distante se projeta na/sobre a ordem próxima. Entretanto, a

ordem próxima não reflete a ordem distante na transparência”. E ele diz mais:

Apenas hoje é que começamos a apreender a especificidade da cidade (dos fenômenos urbanos). A cidade sempre teve relações com a sociedade no seu conjunto, com sua composição e seu funcionamento, com seus elementos constituintes (campo e agricultura, poder ofensivo e defensivo, poderes políticos, Estados, etc.), com sua história. Portanto, ela muda quando muda a sociedade no seu conjunto. Entretanto, as transformações da cidade não são resultados passivos da globalidade social, de suas modificações. A cidade depende também e não menos essencialmente das relações de imediatice, das relações diretas entre pessoas e grupos que compõem a sociedade (famílias, corpos organizados, profissões, corporações, etc.); ela não se reduz mais à organização dessas relações

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imediatas e diretas, nem suas metamorfoses se reduzem às mudanças nessas relações. Ela se situa num meio termo, a meio caminho entre aquilo que se chama de ordem próxima (relações dos indivíduos em grupos mais ou menos amplos ,mais ou menos organizados e estruturados, relações desses grupos entre eles) e a ordem distante, a ordem da sociedade, regida por grandes e poderosas instituições (igreja, Estado), por um código jurídico, formalizado ou não, por uma cultura e por conjuntos significantes. [...] essa ordem distante se projeta na realidade prático-sensível, torna-se visível ao se inscrever nela. [...] a cidade é uma mediação entre as mediações. (LEFEBVRE, 2001, p.46).

Note-se o seguinte: ao enfatizar tal relação, o autor alerta sobre a

produção social do espaço, construindo uma crítica à coisificação do espaço, que

entende o espaço como um ente e não como processo em produção. Mencionada

condição atribui um privilégio à dimensão técnica em detrimento da social, da coisa

ao invés do homem, possibilitando o surgimento dos tecnocratas, homens que

detêm as “competências” e “eficácia” para tratar da problemática das cidades.

Para Lefebvre (1969), os chamados “tecnocratas”, que são vistos em

ação no setor público da economia e da vida social, na realidade não comandam,

“dispõem apenas de um poder de decisão limitado; com efeito, engenheiros que se

tornaram administradores executam ordens, as ordens do poder político que dispõe

das variáveis estratégicas.” (Ibidem, p. 15).

Fica, pois, claro que a economia política como prática articula os agentes

produtores do espaço em todos os níveis e dimensões da realidade social, desde a

escala mundial, passa pela nacional e chega até a escala da cidade.

Em síntese, a nosso ver Gottdiener (1989; 1997) tem razão ao recuperar

o debate em torno da política urbana no tocante ao que ele denomina de estrutura e

ação. Nesta ótica, enfatiza a necessidade de uma abordagem sintética que

proporcione a união de ambos os momentos para o entendimento da produção

social do espaço urbano em uma totalidade52.

52 Um importante estudo que encontra os sujeitos na produção do espaço é o de Davis (2009) que ao discutir as linhas de poder na constituição da cidade de Los Angeles, reconstrói a história do poder na cidade como uma sucessão de hegemonias de elites sobre a política local, desde o século XIX até o fim do século XX. Para o autor: “É obvio que a complexidade policêntrica do sistema de elites já não é mais susceptível aos ditames de nenhuma dinastia única. Mas, se Los Angeles deixou, há muito tempo, de ser uma cidade proviciana com um único ‘comitê executivo da classe dominante’, ainda está longe de ser um mero loteamento de riqueza e poder difusos. O poder político na Califórnia meridional permanece sendo organizado pelas grandes constelações de capital privado, as quais, como em outros lugares, agem como governo permanente nas questões locais.”(DAVIS, 2009, p. 124). Outro autor que empreende uma discussão em torno dos sujeitos na produção do espaço é Jameson(2001), ao apresentar mais de perto as pessoas que fizeram a história espacial de Nova York. O autor se pergunta se poderíamos apresentar Robert Moses, a figura do planejador, o identificando como o agente e o vilão central nas transformações da cidade? Jameson (2001, p. 186) se questiona: “Moses foi realmente um ator da história, estava realmente atuando por si só?” respondendo o questionamento, o autor afirma que o indivíduo Moses não é representativo o suficiente para explicar e justificar toda a história, pois se

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Consoante explicita:

Não pode haver uma análise econômica que seja marxista a menos que expliquemos a natureza social do capitalismo. Isso requer o emprego do raciocínio dialético e uma avaliação da maneira simultânea pela qual as categorias marxistas são ao mesmo tempo sociais, políticas e econômicas. (GOTTDIENER, 1997, p. 196).

Neste ponto da argumentação, o autor afirma que a intervenção dos

agentes produtores do espaço na reestruturação capitalista do espaço se dá na

forma de redes de crescimento. Para ele, tais redes são, amiúde, coalizões público–

privadas as quais se mantêm através de burocracias locais profundamente

dependentes do crescimento.

Assim, conforme a argumentação do autor, as atividades das redes de

crescimento envolvem tanto a intervenção direta do Estado quanto uma certa

relação política que serve de suporte público para um comando partidário. Em

alguns casos, o governo local, por necessitar de legitimação política, se torna

sensível às reivindicações sociais. Confirma, assim, a tese do autor segundo a qual:

“As redes de crescimento não são meros manipuladores econômicos do espaço,

mas são compelidas pelo processo político.” (GOTTDIENER, 1997, p. 221). Ainda

como afirma:

A perspectiva produção social de espaço, especificada pela articulação dialética entre ação e estrutura, difere da perspectiva convencional num sentido fundamental, qualitativamente único. Em sua essência, a teoria convencional vê o ambiente construído como o resultado de milhares de decisões de demanda tomadas por grandes quantidades de atores urbanos separados: comerciantes, banqueiros, proprietários de casa própria e semelhantes. Ao meu ver, as formas de espaço são produzidas, ao contrário, pelo que se convencionou especificar como de articulação entre

faz necessário um agente que seja tanto um indivíduo quanto um representante da coletividade ao mesmo tempo. É aí que Jameson orienta seu enfoque para o entendimento do poder da família Rockefeller na produção do espaço de Nova York. No entanto, para o autor: “Tal enfoque numa família pode desagradar marxistas acadêmicos, para quem o capitalista é apenas a personificação do capital abstrato e que acreditam austeramente que qualquer discussão sobre indivíduos na analise econômica representa uma concessão ao populismo e ao empirismo” (JAMESON, 2001, p. 188). Outra autora que traz a perspectiva dos sujeitos na produção do espaço é Carlos (2011, p. 64), Para ela: “A noção de ‘produção do espaço’, como vimos, importa conteúdos e determinações, obriga-nos a considerar os vários níveis da realidade como momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade em sua complexidade. Obriga-nos a considerar o sujeito da ação: o Estado, como aquele da dominação política; o capital, com suas estratégias objetivando sua reprodução continuada (e aqui nos referimos às frações do capital, o industrial, o comercial e o financeiro e suas articulações como os demais setores da economia, como o mercado imobiliário); os sujeitos sociais que, em suas necessidades e seus desejos vinculados à realização da vida humana, têm o espaço como condição, meio e produto de sua ação. Esses níveis correspondem àqueles da prática sócio-espacial real (objetiva e subjetivamente) que ganha sentido como produtora dos lugares, encerrando em sua natureza um conteúdo social dado pelas relações sociais que se realizam num espaço-tempo determinado, como um processo de produção, apropriação, reprodução da vida, da realidade e do espaço em seus descompassos, portanto fundamentalmente, em suas contradições.”

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estruturas capitalistas tardias e as ações do setor propriedade, especialmente os efeitos de grupos escolhidos e do Estado na canalização do fluxo de desenvolvimento social para lugares e modelos específicos. (GOTTDIENER, 1997, p. 226).

No caso específico de nosso estudo, cabe destacar que Mossoró nos

primeiros anos do século XXI experimenta um processo de reestruturação de seu

ambiente construído. Sobressai a ampliação de vias, com os primeiros passos para

a consolidação do distrito industrial da cidade, mediante forte política de dotação de

infraestruturas econômicas, revitalização do espaço central com as obras na avenida

Rio Branco, bem como obras de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de

Mossoró.

Nesses casos, evidenciamos interação direta entre as escalas mundial,

nacional e local, na medida em que no contexto atual o financiamento das obras

vem de repasse do governo federal via PAC, com contrapartida da prefeitura. Se

observarmos historicamente, as primeiras obras de ampliação da infraestrutura

urbana na cidade também ocorreram em uma conjuntura similar, com o

financiamento do BNH e mediação local. Contudo, a escala mundial aparece nas

situações de crise econômica, aplicando a política urbana como uma política de

ajuste econômico nacional.

Ao avançar para a compreensão de nossos objetivos de pesquisa, no

tocante às tramas para implantação da infraestrutura de esgotamento sanitário, no

nível da cidade, em entrevista com o secretário municipal de Desenvolvimento

Territorial e Meio Ambiente, em fevereiro de 2011, ele comenta as articulações

locais no intuito de promover uma política de implantação da infraestrutura de

esgotamento sanitário em Mossoró. Nesse caso, apresenta uma versão segundo a

qual a grande responsável pelo avanço na implantação de tal infraestrutura na

cidade ainda no início dos anos 2000 se chama Rosalba Ciarline.

A esse respeito, de acordo com a revista da prefeitura de Mossoró (2004),

a então prefeita municipal Rosalba Ciarline (1996-2004) havia implantado uma

política de saneamento entre os anos de 2000 e 2004 em que ampliava

desmedidamente as áreas atendidas pelo esgotamento sanitário. Conforme a

reportagem:

Por conta das obras de esgotamento, Mossoró abriu caminho para a verticalização. Até então, alguns edifícios isolados eram construídos sem contar com o projeto de esgotamento sanitário, o que provocava transtornos. “O saneamento, de forma evidente, também incentiva a

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verticalização imobiliária. Não é possível a construção de um prédio de vinte andares sem saneamento básico. É um marco na nossa administração”, explica Rosalba. (REVISTA DA PREFEITURA DE MOSSORÓ, 2004).

Neste período, destaca-se a construção do plano diretor participativo de

Mossoró em 2006, com base no Estatuto da cidade (cf. LEI 10.257/2001), do qual

participaram representantes de comunidade, entidades sindicais, administradores

públicos, classe empresarial, entidades acadêmicas, cada qual com seus objetivos.

Concluído o documento, no referente ao texto sobre o sistema de

abastecimento de água e esgotamento sanitário consta o seguinte:

Para garantir a saúde e o bem estar da população, o Município deverá prover a população urbana e aglomerados rurais de sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, observando as seguintes diretrizes: I – assegurar o abastecimento de água e o esgotamento sanitário para toda a população do Município; II - controlar a portabilidade das águas distribuídas para abastecimento humano; III - reservar áreas para a instalação dos equipamentos necessários ao sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, de acordo com os projetos para instalações da rede pública; IV – exigir dos novos loteamentos, condomínios, construções e empreendimentos de impacto garantia de sistema adequado de abastecimento de água e esgotamento sanitário; V - controlar e orientar a implantação de sistemas alternativos nos locais de população de baixa renda; VI – priorizar a implantação dos sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário nos aglomerados urbanos de maior densidade atendendo requisitos de ordem técnica e de saúde pública que influenciam a necessidade urgente do serviço; VII – assegurar a vinculação da remuneração dos serviços de esgoto ao abastecimento d’água; VIII – estimular a criação de sistemas de reuso de água. (PLANO DIRETOR DE MOSSORÓ, 2006, Seção III, Subseção I, Art. 29).

Como evidenciado, a construção do plano diretor se dá em meio às

inúmeras políticas públicas de dotação de infraestrutura urbana no início dos anos

2000, com verbas advindas do Ministério das Cidades, recém-criado.

Nesse contexto, segundo observamos, a Rosário Edificações e

Pavimentação Ltda. (REPAV) foi sendo constantemente a construtora escolhida

para a realização de obras públicas na cidade. Em seu site, a empresa se

autoapresenta:

A Rosário Edificações e Pavimentação Ltda. – REPAV – iniciou suas atividades com a realização de obras públicas. Já na década de 90, começou o trabalho com incorporações que tem mudado a paisagem da cidade e realizado o sonho da casa própria para muita gente. Grandes obras públicas também estão em seu portfólio e já fazem parte do cotidiano das pessoas, como o Ginásio de Esportes Engenheiro Pedro Ciarlini, o Memorial da Resistência e a Praça da Convivência. Além de obras com utilidade pública, como a Expansão da rede de saneamento básico de Mossoró e a construção de milhares de casas vinculadas ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, do Governo Federal, as edificações comerciais

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também constam em seu currículo, como a imponente sede da distribuidora de alimentos Uvifrios, em Mossoró, e agora o moderno Centro Empresarial Caiçara, uma revolução no visual e no espaço do centro da cidade.53

Assim, a REPAV tem trânsito livre no poder público da cidade, sendo

responsável pela execução de grandes obras, entre as quais, a implantação da

infraestrutura de esgotamento sanitário, objeto de interesse de nosso trabalho.

Na conjuntura local, podemos perceber a visível influência exercida pelo

empresário. Durante grande parte da primeira década do século XXI, como é

possível verificar no SIS do Ministério do Trabalho, ele foi presidente do Sindicato

das Indústrias da Construção Civil de Mossoró (Sinduscom) até o ano de 2010,

tendo se licenciado em 2011.

Em entrevista ao site da FIERN em 2009, ano de sua reeleição para o

cargo, Jorge Rosário54 assim se pronunciou:

O mandato que foi renovado tem como uma das principais marcas a participação nas discussões que interessam ao setor. Ele lembra que o Sindicato da Construção Civil esteve presente, por exemplo, no debate para a elaboração do novo plano diretor da cidade. “Tivemos uma participação pró-ativa desde o início da gestão, nos momentos em que questões que interessam à construção civil estiveram em discussão. Agora, está em discussão o código de obras, a redução do ISS (Imposto Sobre Serviço), afirma”55.

Nesse contexto, relembramos a teoria de Correa (1989) inerente à

atuação dos agentes produtores do espaço. No caso, observamos uma articulação

íntima entre o proprietário dos meios de produção, a construtora, inclusive

conduzindo o sindicato patronal da indústria da construção, em articulação com os

proprietários fundiários e o próprio Estado, tendo em vista a valorização de

determinadas áreas da cidade a partir da implantação de infraestruturas. Não foi a

prefeita de Mossoró quem afirmou: “O saneamento básico projetado em nosso

governo lançou as bases do atual boom imobiliário.”?

Neste ponto da discussão, cabe mencionar as diretrizes do plano diretor

de Mossoró no tocante à criação de áreas especiais, no intuito de “induzir e restringir

53 Disponível em - <http://www.repavconstrutora.com.br/empresa.php> acessado no dia 13/06/2011. 54 A revista VEJA do dia 29/10/2011 destaca a empresa REPAV como uma construtora que vem crescendo em conjunto com o crescimento da cidade de Mossoró e afirma que: “Jorge Rosário é o retrato da força econômica de Mossoró(RN). O faturamento de sua construtora cresceu quinze vezes desde 2000.” 55Disponível em - <http://www.rn.iel.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=159&Itemid=73>acessado no dia 13/6/2011.

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os parâmetros e padrões de uso e ocupação do solo.”(PLANO DIRETOR DE

MOSSORÓ, 2006, Art. 45).

Nesse sentido, foi criada a Área Especial de Adensamento Urbano

(AEAU), no Bairro Nova Betânia e adjacências56, definida como: “A porção da cidade

destinada à aplicação dos instrumentos indutores do uso social da propriedade, de

modo a combater a especulação imobiliária e reduzir os vazios urbanos,

assegurando a otimização da infra-estrutura existente.”( PLANO DIRETOR DE

MOSSORÓ, 2006, Art. 46).

A este propósito, Elias e Pequeno (2010) apresentam uma argumentação

convincente:

Com isso, investidores privados e consumidores de moradia produzida pelo setor imobiliário tendem a voltar os olhos para um mesmo setor da cidade, promovendo, cada vez mais, a sua diferenciação social em relação às demais áreas e bairros. Configura-se, assim, a partir do que a nova política urbana estabelece, a reprodução de velhos processos com novas roupagens: a consolidação de uma cidade dividida entre a cidade do mercado imobiliário e a cidade informal; a disponibilidade de grandes vazios periféricos como alvo para programas habitacionais, pautados em velhos modelos. (ELIAS; PEQUENO, 2010, p. 256).

Somado à criação da AEAU, observamos a impressionante evolução do

acesso à rede geral de esgotamento sanitário no Bairro Nova Betânia durante a

primeira década do século XXI, como foi argumentado, contrariando as expectativas

de descentralização e ampliação do acesso ao serviço pelas classes mais pobres.

Com isso, tomando carona em torno do clima de crescimento econômico

e valorização do espaço, em 2004 a prefeita Fátima Rosado assume o mandato e

afirma seu desejo de continuar com as obras de saneamento na cidade. No entanto,

como já foi constatado, os investimentos em saneamento em Mossoró são

localizados nas áreas nas quais o mercado imobiliário tem grande atuação. Portanto,

entre aqueles que disputam as políticas na cidade, o mercado imobiliário sai

fortalecido.

Em reportagem no jornal O Mossoroense no dia 11 de março de 2011,

informava-se sobre a valorização do espaço local: “O preço do metro quadrado na

cidade cresceu vertiginosamente. De acordo com o atual presidente do Sindicato da

Indústria da Construção Civil (Sinduscom) em Mossoró, Weber Siqueira, o valor do

metro quadrado no bairro Nova Betânia, atualmente gira em torno de R$ 2.700.”

56 A este respeito verificar Elias e Pequeno (2010, p. 256), no qual é possível visualizar o cartograma acerca dos “instrumentos de combate à especulação imobiliária”, onde está delimitada a Área Especial de Adensamento Urbano, ou Mapa nº 05, Anexo 2 do plano diretor de Mossoró.

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Na mesma reportagem é feita uma correlação entre a valorização do

espaço e as políticas de saneamento. Para o proprietário de uma imobiliária, Jansen

Nogueira, "essa grande valorização está muito interligada à construção de

condomínios horizontais e verticais na cidade. Isso foi resultado de investimentos em

infraestrutura, principalmente saneamento básico".

Atualmente, conforme questionamos, tendo em vista as contradições

relacionadas aos baixos índices de acesso à infraestrutura de esgotamento sanitário

e os problemas de saúde em bairros periféricos, em contraponto à orientação das

políticas públicas para valorização de determinados bairros, evidenciam-se as lutas

de bairro que têm como objetivo as melhorias em suas condições de reprodução

mediante acesso às infraestruturas, abrindo perspectivas e possibilidades de

organização social?

Nesse sentido, em entrevista no dia 17 de janeiro de 2011 com a

enfermeira do posto de saúde do Bairro Belo Horizonte, que preferiu não se

identificar, obtivemos a seguinte informação: “As principais doenças relacionadas à

falta de saneamento básico que temos no bairro são as verminoses, dermatite,

diarreia, dengue. Não encontramos casos de leptospirose. Muitos casos de doenças

que vêm até o posto estão relacionados à falta de saneamento básico.”

A enfermeira ainda informou que “o principal problema são as águas

utilizadas pela população, principalmente as crianças. Muitas doenças que

encontramos são de veiculação hídrica, devido os esgotos a céu aberto.” Em sua

opinião, o problema se encontra nos baixos investimentos em “atenção básica” – o

saneamento básico faz parte da política de atenção básica.

Em trabalho de campo57, entrevistamos Maria Joseilda de Oliveira, agente

de saúde do Programa Saúde na Família no Bairro Belo Horizonte e também vice-

presidente do conselho comunitário do bairro. Nessa ocasião, ela comentou sobre a

necessidade de conclusão das obras de saneamento interrompidas pela metade,

penalizando a população, com muitos buracos, esgoto a céu aberto. Em suas

palavras: “A população fez muitas reclamações relacionadas à paralisação das

obras no conselho comunitário. Enviamos ofício à prefeitura devido as reclamações

da população, pois já estava mais de um ano com os buracos abertos.”

57 No dia 16 /1/ 2011.

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Ademais, em entrevista com uma moradora do Belo Horizonte58, segundo

afirmado: “O conselho comunitário é muito próximo da prefeitura, fazendo campanha

em época de eleição para o partido da prefeita. Assim, fica difícil organizar as

reclamações do bairro para a prefeitura, já que o conselho que deveria ser a favor

do bairro está com a prefeitura.”

No mesmo trabalho de campo, ao caminhar pelo Bairro Belo Horizonte,

conversamos com um morador da Rua Raimundo Jacinto da Costa, que em tom

indignado reclamou dos problemas da falta de esgotamento e da não conclusão das

obras por parte da prefeitura municipal. Ele afirmou que “existem problemas de

esgoto com o acúmulo de lixo, fedor diário, criação de animais na proximidade e

matança dos mesmos, que faz com que corra sangue fresco pelas valas dos

esgotos nas ruas.”

Ainda conforme este morador, a limpeza do esgoto vem sendo feita pelos

próprios moradores, haja vista as inúmeras doenças às quais as crianças estão

sujeitas por brincarem nos esgotos. Disse ele: “Em alguns locais o esgoto tem uma

profundidade maior que um metro, e a prefeitura não dá previsão de retorno das

obras.” A seguir, algumas fotos ilustrativas da situação no bairro ora citado.

Foto 13:Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte Foto 14: Esgoto a céu aberto Bairro Belo Horizonte 16/1/2011 16/1/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

58 No dia 16 /1/ 2011.

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Foto 15: Esgoto Bairro Belo Horizonte Foto 16: Bairro Belo Horizonte 19 /1/2011 19 /1/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo

Em entrevista com a enfermeira do posto de saúde do Santa Delmira no

dia 19 de janeiro de 2011, ela informou que:

O conjunto Santa Delmira é beneficiado com esgotamento sanitário, mas o Parque da Rosas, Promorar e Favela do Fio, que ficam próximos ao posto, não são. A maior parte dos atendimentos é do Parque das Rosas e é possível encontrar doenças relacionadas à falta de esgotamento sanitário como verminoses, diarreia. Isso se acentua em períodos de chuva, com casos nesses bairros de hepatite e dengue.

A enfermeira continuou: “É notório a diferença de saúde entre a

população do Santa Delmira e do Parque das Rosas. Em grande parte, a diferença

está na falta de esgotamento sanitário no Parque das Rosas, que acarreta maior

número de doentes.”

No conjunto Parque da Rosas, situado nas proximidades do Santa

Delmira, entrevistamos a presidente do conselho comunitário, dona Lúcia.59

Consoante ela informou, as reuniões do conselho comunitário sempre trazem como

reivindicação que a prefeitura tape as galerias de esgoto que estão a céu aberto. Em

suas palavras:

59 No dia 19 /1/ 2011.

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As galerias servem apenas para passar o esgoto que vem do Santa Delmira, mas trazem problemas de acúmulo de lixo, ratos, fedor, baratas. Na Favela do Fio, as galerias de esgoto construídas pela prefeitura passam no quintal, ao lado das casas de família. A coleta de lixo passa constante, mas não está resolvendo os problemas. Segundo a prefeitura, não existe previsão nem para fazer o sistema de esgotamento sanitário aqui do parque das Rosas, nem para tapar as galerias.

Conforme informou a entrevistada, a fundação do conselho comunitário

do Parque das Rosas ocorreu em 26 de outubro de 1993, juntamente com a

fundação do conjunto, mas desde lá a população não tem muitas conquistas. E,

ainda: Existem reuniões do conselho comunitário uma vez por mês, junto com o

conselho do Abolição 4, Santa Delmira, Promorar, Favela do Fio. Mas, “quando

fazemos reuniões e mobilização com a comunidade em torno dos problemas da falta

de infraestruturas como escola, posto de saúde, esgoto, aparecem em torno de 100

pessoas.” Dona Lúcia prossegue:

No Parque das Rosas não tem posto de saúde, por isso temos de ir ao posto do Santa Delmira. Não tem escola, temos de ir procurar o CAIC do Santa Delmira. Crianças de 8 anos tendo de atravessar duas pistas sozinhas. O Parque das Rosas não tem nada, dependemos das infraestruturas do Santa Delmira. O conjunto existe desde 1992, com a construção das casas em uma parceria entre prefeitura e governo. Fizeram o cadastro nas favelas para morar aqui. Eu por exemplo, morava na Favela do Abolição 3, mas tem pessoas de várias favelas da cidade. Desde de a construção do conjunto, nunca implantaram as infraestruturas necessárias.

Em corroboração a este depoimento, expomos algumas fotos

representativas da falta de infraestruturas e das condições precárias de moradia no

conjunto Parque das Rosas e Favela do Fio.

Foto 17:Galeria de esgoto Parque das Rosas Foto 18: Esgoto a céu aberto Favela do Fio 19/1/2011 19/1/2011 Fonte: Trabalho de campo Fonte: Trabalho de campo

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Foto 19: Crianças brincando no lixo Favela do Fio Foto 20: Favela do Fio 5/10/2007 5/10/2007 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Foto 21: Favela do Fio Foto 22: Favela do Fio 22/9/2011 22/9/2011 Fonte: Trabalho de campo. Fonte: Trabalho de campo.

Sobre a problemática de saúde relacionada à falta de esgotamento,

também entrevistamos a diretora do departamento de atenção integral da Secretaria

de Saúde. Obtivemos informações sobre os trabalhos com a construção do perfil

epidemiológico, a denominada territorialização do município.

Segundo a entrevistada, as políticas públicas de saúde partem do

“entendimento de território como ambiente no qual a população está inserida. A

depender do território a população está mais apta ou não a contrair doenças.”

Ela ainda informou que a caracterização propiciada pelo PSF identifica

problemática de falta de saneamento: esgoto, lixo e água tratada. “Essa

caracterização gera uma demanda de política pública, pois é perceptível a mudança

no perfil de saúde em áreas saneadas.” Complementarmente, afirmou que “as

políticas de esgotamento partem de necessidades já sentidas na Secretaria de

Saúde.”

Uma área na qual a Secretaria de Saúde identificou riscos e agravos

relacionados à falta de esgotamento sanitário foi nos Bairros Belo Horizonte e Santa

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Helena, ambos territórios caóticos com muitos casos de diarreia em crianças.

Segundo a diretora, “diarreias, verminoses, são identificados principalmente em

bairros sem esgotamento sanitário.”

Conforme destacado em entrevista com a gerente de Saúde da Prefeitura

de Mossoró60, de 800 a 1.000 famílias são atendidas pelas equipes da secretaria;

cada equipe é responsável por uma unidade de saúde. Segundo ela, em Mossoró,

existem quarenta unidades, mas determinadas áreas não são atendidas. São elas:

áreas de expansão da cidade (periferia) e uma parte do Bairro Santo Antônio.

De acordo com a coordenadora de atuação dos postos de saúde e

Programa Saúde da Família61, os vizinhos das áreas de expansão vêm atraídos

pelos serviços oferecidos pela prefeitura de Mossoró e acabam ”sufocando” o

sistema municipal.

Nas palavras da própria coordenadora, a dificuldade diz respeito ao

provimento das casas pela prefeitura, mas, quando isso acontece, ao mesmo tempo

já crescem novas favelas. Exemplo disso seriam os Bairros Santa Delmira e

Abolição 3 e 4. E acrescentou: “Esse negócio de criação de favelas deveria ser

proibido; quanto mais casas a prefeitura dá, mais favelas crescem; desse jeito nós

nunca vamos conseguir fazer um trabalho sério”.

De todo modo, em continuidade à discussão em torno dos agentes

políticos locais envolvidos no processo de produção do espaço urbano e

consolidação das desigualdades socioespaciais, chegamos à família dos Rosado,

uma elite histórica na cidade, que domina praticamente a totalidade dos cargos

políticos e tem no quadro de técnicos visível confiança nas relações de proximidade.

Ao discutir o “Mandonismo rosadista em Mossoró”, Lucas (2001)

menciona uma polêmica sobre o entendimento do coronelismo nos estudos de

política brasileira. Consoante afirma, os chefes políticos da família Rosado se

diferenciam dos chefes do coronelismo denominado clássico. Contraria, portanto, o

arcabouço teórico de toda uma linhagem de autores que associavam o coronelismo

diretamente aos grandes proprietários de terra.

Segundo a autora, a concepção de coronelismo vai ser ampliada nos

estudos dos anos 1940 e 1950. Para ela: “Nesses estudos o poder no sistema 60 Entrevista realizada no dia 5 /10/ 2007. 61 Entrevista realizada em trabalho de campo coletivo pelos membros do grupo de pesquisa Globalização, Agricultura e Urbanização em 14/2/2008.

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coronelista não é necessariamente vinculado à posse de terra, podendo originar-se

no âmbito de outras atividades, como o comércio e as profissões liberais.” (LUCAS,

2001, p . 52). Contudo, já no século XIX, a família Rosado dava sinais de dominação

política na cidade, porquanto a ascensão do patriarca da família ao Executivo

ocorreu ainda na república velha.

Em outro trabalho sobre a família dos Rosado, denominado “A (re)

invenção do lugar: os Rosado e o país de Mossoró”, Felipe (2001) descreve a

história da família que tem na chegada do farmacêutico paraibano Jerônimo Rosado

em 1890, filho de Jerônimo Ribeiro Rosado, natural da cidade de Coimbra/ Portugal,

o seu início. Os negócios da família começaram com a instalação de uma farmácia

em parceria com o médico Almeida Castro62. Mas, segundo Felipe, foi a partir de

1911, com o envolvimento com a mineração de gipsita no distrito de São Sebastião,

hoje município de governador Dix-Sept Rosado, no qual desenvolveu a atividade de

extração e exportação de gesso, que “deu a seus filhos o sustentáculo econômico

para o projeto político familiar”. (FELIPE, 2001, p.73).

Para Felipe (2001), os filhos de Jerônimo Rosado foram verdadeiros

herdeiros em busca do patrimônio e se distinguiam não apenas pelo capital

econômico, mas também pelo capital cultural, pois eram médicos, farmacêuticos,

agrônomos, professores universitários. Em suas palavras: “Homens proeminentes

que apresentavam um discurso de que só entraram na política para viabilizar os

sonhos e as ordens dos ancestrais.” (FELIPE, 2001, p.16).

Ainda como argumenta o autor, os Rosado se apropriaram da memória da

cidade, e, sobretudo, reforçaram seus heróis e mitos, e criaram outros, mediante

cultos, rituais e datas comemorativas, colocando-se na história da cidade e

denominando suas ações de tarefas sagradas. Para Felipe (2001, p.15-16): “Os

Rosado, grupo oligárquico-familiar que surge como poder político local após a

democratização do país, quando, a partir de 1946 membros da clã ocupam

mandatos políticos, percebem a força desses símbolos já cultuados pelo pai e chefe

do clã [...]”. Prossegue o autor:

62 Jerônimo Rosado vai para o Rio de Janeiro em 1885 onde se forma em Farmácia. Segundo Felipe (2001, p. 68), ele “viveu no Rio de Janeiro, no momento das grandes discussões sobre o movimento abolicionista e no período que antecede a proclamação da república. Certamente, conviveu com as idéias de legitimação do regime político republicano, que no Brasil passavam pelas teses do liberalismo americano, o jacobinismo no modelo francês e o positivismo que mitificava a humanidade e a sua idade de ouro.”

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E, através dessa imagética, os Rosado, que são conservadores, passam uma imagem de progressistas e, nessa dialógica de acomodação dos contrários, criam um culto à liberdade, quando a sua prática política passa por uma liturgia de dominação de pessoas e instituições. Mas, esse endurecer é sempre justificado pelas vozes do passado ou pelo “amor a Mossoró” ou, ainda, pelo sacrifício de toda família que se dedica única e exclusivamente à cidade. (FELIPE, 2001,p.25).

No plano político atual, observamos uma continuidade da dominação

familiar histórica. Diante desta situação o jornal do Congresso Nacional, chamado

Congresso em Foco em sua série de reportagens sobre as bancadas familiares

dispensaram atenção especial à família Rosado, afirmando que em Mossoró só dá

político na árvore dos Rosado63.

Como informa o jornal:

Um dos municípios mais prósperos do interior do Nordeste, Mossoró (RN), é o maior produtor de petróleo em terra e de sal marinho do país. Mas o solo da cidade, localizada a 285 km a oeste de Natal, produz mais que “ouro negro” e riqueza mineral. Brotou-se ali, no semiárido potiguar, uma das árvores genealógicas mais férteis de que se tem notícia na história recente da política brasileira: a família Rosado. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).

Inegavelmente, a dominação política tem grande fôlego quando

analisamos a bancada familiar, porquanto oito integrantes exercem mandato eletivo,

a começar pela governadora Rosalba Ciarlini Rosado (DEM), que renunciou ao

Senado para assumir o governo no início do ano de 2011. Incluem-se também os

primos deputados federais Betinho Rosado (DEM-RN) e Sandra Rosado (PSB-RN),

os dois deputados estaduais e dois vereadores e por fim a prefeita da cidade, Fátima

Rosado (DEM). Ainda nas palavras do jornal: “Do início do século passado pra cá,

essa árvore já frutificou dois governadores, dois senadores, cinco deputados

federais e sete prefeitos, além de diversos vereadores”.

Os dados históricos chegam a impressionar, pois:

Desde 1948, os Rosado perderam as eleições municipais uma única vez, em 1968. Ainda assim, por uma diferença mínima de 98 votos, e para um candidato que havia exercido o cargo anteriormente com o apoio deles. Até o final dos anos 70, só havia duas formas de ser prefeito de Mossoró: ser da família Rosado ou ter o apoio dela. Mas, nas últimas três décadas, só há uma maneira. Tem de ser necessariamente da família. De 1982 pra cá, a cidade de 250 mil habitantes teve apenas quatro prefeitos, todos Rosado. Dix-huit Rosado exerceu dois mandatos, Rosalba Ciarlini, três, e Fátima Rosado está em seu segundo governo. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).

63 Em Mossoró, só dá político na árvore dos Rosado 5/4/2011, jornal Congresso em Foco, http://congressoemfoco.uol.com.br/ - acessado em – 12/7/2011

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Outro fato a ser mencionado é este: A oposição à família dos Rosado é

feita pelos próprios Rosado, lembrando a famosa frase de Maquiavel, “dividir para

governar”. Existe a ala liderada hoje pela governadora Rosalba e seu marido, o ex-

deputado estadual Carlos Augusto Rosado, e pelo irmão dele, o deputado Betinho

Rosado; e o grupo encabeçado pela deputada Sandra Rosado e seu marido, o ex-

deputado Laíre Rosado. Como explica o documento produzido pelo Congresso em

Foco:

Uma rivalidade que começou a se ensaiar nas eleições de 1982, ganhou força no pleito de 1986 e se escancarou de vez na disputa de 1988, quando, pela primeira vez, os Rosado se enfrentaram diretamente nas urnas. Naquele ano, a então pedetista Rosalba venceu o confronto com Laíre Rosado e conquistou o primeiro de seus três mandatos como prefeita de Mossoró. Desde então, o grupo da atual governadora só perdeu uma das seis últimas eleições municipais para a outra facção da família. Foi em 1992, quando Dix-huit Rosado, que tinha a sobrinha Sandra como vice, se elegeu pela terceira vez. Com a morte do tio ainda no cargo, coube à vice-prefeita concluir os últimos dias de seu mandato. (JORNAL CONGRESSO EM FOCO, 5/4/2011).

Todos esses fatos fazem com que a família Rosado seja

reconhecidamente uma das mais consolidadas oligarquias locais em nível nacional,

como o Congresso em Foco conseguiu captar em sua série de reportagens, ao

entrevistar o ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado (DEM-RN), que afirmou:

“Somos uma oligarquia desde 1890. Todos os nossos mandatos foram conquistados

com o voto”, palavras retificadas pela sua esposa, atual governadora do Estado,

Rosalba Ciarlini (DEM), assim expressas: “Eu não aceito e considero inapropriado

esse termo, que é pejorativo. Acho que ele se expressou mal. Não somos uma

oligarquia, porque fomos eleitos livremente. O povo é que escolhe”64.

Para nosso trabalho certamente interessam as informações relativas à

oligarquia local, por ser a mediação para a política urbana desenvolvida na cidade,

conforme também observado por Elias e Pequeno (2010) ao afirmarem a

necessidade de observação das interações entre economia e política na

64 Rosalba refuta oligarquia e diz que povo escolhe. 5/4/2011, jornal Congresso em Foco, http://congressoemfoco.uol.com.br/ - acessado em 12/7/2011

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especificidade da cidade de Mossoró, com sua estrutura de poder oligárquica que há

décadas impera no Executivo municipal.

Com isso, tencionamos apresentar uma aproximação entre os processos

de ampliação da infraestrutura de esgotamento sanitário e os agentes econômicos e

políticos envolvidos, evidenciando uma articulação direta entre as partes

destacadas. Contudo, ainda exploraremos de forma mais detalhada os movimentos

de bairro e sua articulação no processo de reestruturação da cidade.

4.2 Movimentos de bairro na cidade de Mossoró no contexto dos agentes produtores do espaço

Na cidade de Mossoró, uma forma de organização social que tensionou

por algum tempo o processo de produção do espaço urbano foram as lutas de bairro

pelo acesso às infraestruturas urbanas básicas, como no caso do acesso à água

encanada e à moradia.

Para as lutas sociais, os agentes econômicos e políticos bem como as

formas jurídicas constituem entraves à realização de suas reivindicações. Ao mesmo

tempo, existe um forte processo de cooptação das lutas sociais no interior das redes

de crescimento enraizadas no local. Desse modo, se requer aproximações no intuito

de entendimento das formas de organização das comunidades.

Segundo Jacobi (1993, p.10), as diversas experiências de luta por acesso

à infraestrutura urbana básica na passagem da década de 1970 a 1980

possibilitaram trazer à tona, no nível teórico, “o papel dos movimentos sociais

urbanos como agentes que estabelecem um equilíbrio de forças diferenciado entre o

Estado e a sociedade civil”, ou agentes capazes de promover mudanças e “abrir

espaços de redefinição dos direitos sociais e da cidadania, enquanto expressão do

atendimento das necessidades básicas.”

Nesse caminho, como alerta Souza (2006), não se deve confundir uma

atividade pública organizada ou ativismos com a ideia de movimento social, pois

este último se detém “a um plano particularmente ambicioso de reivindicações e

propostas.” (SOUZA, 2006, p.274).

Para ele, os ativismos sociais são um conjunto mais amplo de ações

públicas organizadas, do qual os movimentos sociais seriam um subconjunto. Os

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ativismos não são confundidos com ações de quebra-quebra, nem de criminalidade

ordinária, nem de ações terroristas, pois além de ações civis organizadas devem ser

relativamente duradouras. No interior do debate, o autor encontra a diferenciação

entre ativismos urbanos stricto sensu e lato sensu. Em suas palavras:

Ativismos urbanos em sentido estrito e forte giram muito nítida e explicitamente em torno de problemas diretamente vinculados ao espaço social. A questão do acesso a equipamentos de consumo coletivo e, mais abrangente, as condições de reprodução da força de trabalho assumem, aqui, importância central. Trata-se de um tipo de ativismo que tem origem em um clamor pelo direito à cidade: luta por moradia e por infraestrutura técnica e social, luta por regularização fundiária e desestigmatização de espaços segregados, [...] luta por um espaço urbano mais agradável, mais “convivial” e menos injusto. Exemplos de ativismo stricto sensu são o ativismo de bairro convencional e os ativismos ocupantes de imóveis. (SOUZA, 2006, p. 280,281).

Quanto aos ativismos urbanos lato sensu, em sua argumentação, são

aqueles que embora tenham a cidade como palco preferencial, se referenciam

apenas indiretamente pela espacialidade urbana. Sua existência gravita em torno de

questões setoriais, como melhores condições de trabalho, luta contra as

desigualdades e injustiças de gênero etc.

Os movimentos sociais seriam uma modalidade especialmente crítica e

ambiciosa de ativismo social, distinta de ativismos “paroquiais”, caracterizados por

reivindicações pontuais, sem articulação com questionamentos mais profundos,

muitas vezes prisioneiros ou contaminados pelo clientelismo.

Para Gohn (1997, p. 12), “os movimentos transitam, fluem, acontecem em

espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais. Na maioria das

vezes eles estão questionando estas estruturas e propondo novas formas de

organização à sociedade política.”

No caso dos movimentos comunitários em Mossoró, observamos um

sentido profundo de paroquialismo, caracterizado por reivindicações pontuais e

profundo clientelismo em relação à família dos Rosado. Entrevistamos Manoel de

Souza, membro da frente integrada das associações comunitárias do município de

Mossoró65, e tivemos oportunidade de conhecer principalmente a história do

movimento comunitário nesta cidade.

Seu Manoel informou que iniciou os trabalhos comunitários em Mossoró

em 1971 na Igreja do Alto da Conceição. Como mencionou,

65 Na data de 17 de fevereiro de 2011.

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Sob animação da igreja, foram fundadas em 1971 as primeiras associações de moradores da cidade, no Alto do Xerém e Belo Horizonte. Em 1976 começou a organização da comunidade Walfredo Gurgel, sob orientação da própria COHAB, formaram o conselho66 comunitário do bairro.

Ainda como informou, na década de 1980 ocorreu um impulso no

movimento comunitário de Mossoró, com a febre de criação de associações

comunitárias. No ano de 1983 foram fundados os conselhos comunitários nos

Bairros Abolição 1 e 3. Afirma seu Manoel:

O conselho comunitário do Abolição 3, ao qual eu fazia parte, chegou a trazer o prefeito João Newton da Escócia para uma reunião, onde foi possível expor as demandas comunitárias. Como o conjunto havia sido fundado a pouco tempo, as demandas eram pelas infraestruturas de calçamento, escola, centro de saúde, praça.

Na década de 1980, diz o entrevistado, existiam muitas demandas por

infraestrutura na cidade. Tais demandas, somadas à orientação de criação dos

conselhos, criou um fermento que contribui com as lutas de bairro. Por sua vez,

Barreto (2011), em obra acerca do movimento comunitário de Mossoró, ressalta as

inúmeras lutas por infraestrutura urbana na cidade na década de 1980.

Conforme Manoel de Souza, fato marcante para o movimento comunitário

foi a criação das suas entidades na década de 1980. No caso da primeira, a

fundação ocorreu em 1986, ao ser instituída a União das Entidades Comunitárias de

Mossoró (Unecom), com 21 associações, na qual ele era filiado ao conselho do

Abolição 3. O primeiro presidente da Unecom foi Sebastião Almeida, atual

assistente/atendente de Betinho Rosado.

A princípio, todos os conselhos participavam da mesma entidade, mas

houve um novo racha no interior do movimento comunitário, e fundou-se então a

Central da Unidade Comunitária (CUC) em 1987, da qual José Wellington Barreto foi

o primeiro presidente, sendo filiado ao conselho comunitário do Abolição 4.

De acordo com Barreto (2011), o embate decisivo entre ambas as

correntes no movimento comunitário se deu logo no momento de fundação da nova

central comunitária, por conta da distribuição desigual do programa federal do leite

entre as comunidades. Em suas palavras:

66 A diferença fundamental entre os conselhos de bairro mediados pelo Estatuto da cidade no contexto atual e os conselhos organizados no âmbito da revolução russa, diz respeito à autonomia dos trabalhadores. A forma de conselho atual está embasada na Constituição de 1988 e prevê a participação no âmbito das decisões públicas, mas como exigência do Estado, aparece de forma superficial. Os conselhos ou Soviets, na revolução russa, seriam os trabalhadores auto-organizados contra as formas de dominação. Sobre os conselhos no interior da revolução russa, ver: Tragtenberg (2007); Pannekoek(2007).

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Aqui em Mossoró o cadastramento das entidades ficou a cargo do serviço social do município que por sua vez tinha como gestora a assistente social e hoje deputada federal Sandra Rosado. Sandra diretora do serviço social do município tinha como colaborador o professor Sebastião Almeida que era presidente da UNECOM. Sebastião definia quais entidades que iriam participar da distribuição do leite e Sandra estipulava a cota que cabia a cada uma delas. Muitas entidades de oposição ao governo municipal ficaram fora da distribuição dos tickets do leite, e outras recebiam cotas bem menores apesar de suas necessidades. (BARRETO, 2011, p. 27).

Segundo o autor, mediante forte pressão, com a consolidação da nova

entidade comunitária ocorreram melhoras na distribuição do leite. Para Barreto

(2011), faz-se importante frisar que o então prefeito da cidade Dix Huit Rosado

encontrou a oposição no interior da própria família, basicamente composta pelo

casal Carlos Augusto Rosado e Rosalba Ciarline, bem como pela parcela do

movimento comunitário que se ancorou na CUC.

Em termos gerais, como informou Manoel de Souza, a CUC era ligada ao

grupo político de Rosalba Ciarline, e a Unecom era ligada a Sandra Rosado. Embora

ambas sejam da mesma família, aparecem no cenário político local em lados

diferentes, a comprovar a dominação da família Rosado em vários âmbitos do

processo de produção do espaço da cidade. Caracteriza-se, portanto, a cooptação

das lutas de bairro, mostrando a impossibilidade de avanços estratégicos nas lutas

de bairro da cidade ainda na década de 1980.

De todo modo, cabe frisar a memória das lutas do movimento de bairro da

cidade de Mossoró. Por exemplo, entre os anos de 1989 e 1991 a COHAB-RN

ameaçava os mutuários do conjunto habitacional Abolição 4 com processo de

retomada dos imóveis em face da elevada inadimplência. De acordo com Barreto

(2011, p.25), o movimento comunitário conseguiu “a garantia de que ninguém

perdesse o seu imóvel residencial” mediante grande mobilização.

Em prosseguimento à argumentação, observa-se que o ponto alto das

lutas do movimento comunitário em Mossoró verifica-se na década de 1980, com as

reivindicações por infraestrutura, enquanto atualmente evidenciam-se grande

desmobilização e grande cooptação das lutas comunitárias. Nas palavras de seu

Manoel, “90% das entidades de bairro atualmente estão adormecidas. Os conselhos

atuantes atualmente são Sumaré, Walfredo Gurgel, Parque das Rosas, Abolição 4,

Redenção 1, Alto da Conceição. As lutas são por questões de infraestrutura:

calçamento, água, esgoto.”

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No referente à infraestrutura de esgotamento sanitário, seu Manoel

informou que no dia 30 de agosto de 2000 houve uma reunião no clube Nassau, na

qual foi entregue um documento com cinco pontos para a prefeita Rosalba Ciarline.

Como ressalta: “A prefeita na época prometeu melhorias no transporte e

esgotamento sanitário, mas até hoje anda não chegou nada no Abolição 3.”

Nesse sentido, segundo Souza (1988), podemos caracterizar as lutas

comunitárias em Mossoró como luta de bairro, presa dentro de limites

“corporativistas”, acanhada em sua pequena escala de atuação, desmobilizada,

exposta a impactos como a pouca renovação de lideranças.

Por ocasião do trabalho de campo67, também entrevistamos Nilton

Comunitário, do conselho comunitário do Santo Antônio. Como ele nos informou, já

está com 26 anos de movimento comunitário em Mossoró, observando as carências

do Santo Antônio em todo esse período. Disse ainda que presenciou a chegada de

pavimentação, posto de saúde, creche, escola. Teve muitas dificuldades nas lutas

pelo acesso à água, mas, na sua ótica, hoje está bem melhor.

E continua: “Nos anos que tinham essas dificuldades, o movimento

comunitário era mais ativo.” Hoje ele percebe a necessidade de surgir novas

lideranças, pois está se sentindo mais moderado e até desmotivado.

Ele também afirmou que o saneamento básico é uma reivindicação

importante das comunidades sem acesso. Por exemplo: “A maioria da população do

Santo Antônio não tem acesso ao saneamento básico, jogando a fossa e a água na

rua.”

Ainda como enfatizou, os problemas com o mau atendimento nos postos

de saúde, a violência crescente, o aumento do tráfico de drogas estão presentes

com muita força no Santo Antônio, pois se trata de uma população pobre, que tem

como perfil de empregos em sua maioria pedreiros e serventes.

Ademais, “99% das lideranças comunitárias estão engajadas nos

programas públicos, próximos à prefeitura.” Ele, por exemplo, trabalhou cerca de

oito anos com a atual governadora do Estado, Rosalba Ciarline, na qual ele informou

ter grande confiança em seu mandato como governadora.

É interessante observar que a maioria das lideranças comunitárias

entrevistadas, quando questionadas sobre as formas de gestão da cidade , entre

67 No dia 16 /2/ 2011.

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estas, o plano diretor, informa não ter conhecimento. De acordo com Nilton

Comunitário os conselhos comunitários são sempre convidados para as reuniões do

plano diretor, mas não demonstram interesse. “Hoje eu não sei quase nada do plano

diretor, imagine a população”, disse Nilton.

Seu Manoel também informou ter participado das reuniões do plano

diretor, bem como do plano de saneamento e mobilidade, mas percebe que a

participação dos conselhos comunitários está muito reduzida. Desse modo, não têm

poder de voz acentuado na orientação das políticas públicas para a cidade.

Nesse contexto, entramos em um debate já insistentemente travado no

interior dos círculos interessados pela reforma urbana, qual seja, o sentido da

participação popular na tomada de decisões sobre a produção do espaço e como se

dá essa participação. Segundo Souza (2006), é importante registrar que a

Constituição federal, maior marco legal formal do país, é omissa no capítulo sobre a

política urbana quanto à participação popular direta no planejamento e na gestão

urbana.

Esta matéria foi regulamentada pelo Estatuto da cidade, como exposto:

:

Coube ao Estatuto da cidade (cf. LEI 10.257/2001), que regulamenta o capítulo sobre a política urbana da constituição e tramitou durante mais de dez anos no congresso, dispor sobre a obrigatoriedade e as condições de participação popular direta no planejamento e gestão das cidades. Fê-lo de maneira insistente, reiterando o principio da participação várias vezes ao longo do corpo da lei – e essa é uma das virtudes do estatuto. (SOUZA, 2006, p. 218).

A geógrafa Arlete Moyses Rodrigues, entusiasta e militante da política

urbana implementada pelo Estatuto da cidade, acredita na importância deste

documento para a constituição do direito à cidade que seria o acesso universal a

bens, equipamentos e serviços urbanos. Nas palavras de Rodrigues (2004, p. 10-

11): “O estatuto da cidade estabelece normas de ordem pública e interesse social

que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e

bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.”

Para ela, no intuito de que a cidade cumpra sua função social, a

propriedade individual deve ser, no mínimo, relativizada, para garantir o acesso a

todos os moradores à cidade. Como ressalta, “essa relativização é expressa no

Estatuto, em especial nos artigos que reconhecem o direito de usucapião urbano e,

assim, indicam limites à especulação imobiliária.” (RODRIGUES, 2006, p. 11).

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Para a autora, o próprio processo de construção do documento foi

participativo, tendo os movimentos da sociedade civil em prol da reforma urbana em

luta ativa. Nesse sentido, acredito, se requer um melhor entendimento do que vem a

ser a tão propalada participação. Nas palavras de Souza:

A própria idéia de participação admite dois usos: um mais ousado, outro menos. Pode-se entendê-la como uma forma de proporcionar melhores chances de um exercício mais pleno de cidadania, dentro da perspectiva de uma maior e melhor integração a esta sociedade. Sem dúvida, a tendência lógica será acoplar esse tipo de defesa da participação a uma exigência de reformas sociais que permitam a mitigação de fatores limitantes dessa integração, como a pobreza, a desigualdade e o preconceito. Uma vez restringidas as concepções de “cidadania” e “conquista de direitos” aos marcos do binômio capitalismo + democracia representativa, e descoladas da perspectiva de uma superação do próprio status quo (como costuma ser o caso), o que resta como limite para a participação é a introdução de elementos de democracia direta que, se feita com arrojo e em circunstancias muito favoráveis, pode concretizar-se como uma consistente “co-gestão” do Estado e da sociedade civil, e até mesmo, aqui e ali, uma delegação de poder do primeiro para a segunda. Uma autentica autogestão não será sequer cogitada, e “participar” significara, para os cidadãos, tomar parte, diretamente, de processos decisórios, mais ou menos claramente sob a supervisão (e, em última instância sob a tutela) do aparelho de Estado, dentro do contexto geral de uma sociedade que é, e permanece sendo, heterônoma. (SOUZA, 2006, p. 194).

Ainda como assevera Souza, o projeto autonomista radicaliza o

significado de participação, no qual essa ideia aparece como horizonte e

possibilidade efetiva nas decisões de interesse coletivo, livre das restrições impostas

pelo Estado, onde não exista mais uma separação estrutural entre dirigentes e

dirigidos.

Contudo, a participação legitimada pelo Estatuto da cidade se dá no

interior de marcos legais, como afirma o referido autor, dentro de uma perspectiva

de maior integração a esta sociedade.

Harvey (2004) adentra a esse debate na perspectiva de discussão sobre

direitos universais nos marcos da Declaração de direitos humanos de 1948.

Conforme esta declaração, em seu art. 25, toda pessoa tem direito a um padrão de

vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, incluindo

alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e serviços sociais

indispensáveis, entre outros. Para ele: “Fazer com que entrassem estritamente em

vigor implicaria amplas e em alguns casos revolucionárias transformações da

economia política do capitalismo”. (HARVEY, 2004, p. 126).

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Com isso, Harvey, que na década de 1980 falava da expropriação dos

expropriadores, passa a encontrar possibilidades nas lutas pelos direitos humanos,

como tática para as próximas lutas sociais. Em suas palavras:

Marx não deixava afetar por discussões de direitos. Ele as via com freqüência como tentativas de impor um dado conjunto de direitos – os definidos pela burguesia – como um padrão universal a que todos deveriam aspirar. Mas se devem unir-se, não tem os operários do mundo inteiro de fazê-lo em torno de alguma concepção de seus direitos, bem como de sua missão histórica? Por motivos de política prática, parece indispensável alguma noção de direitos. (HARVEY, 2004, p. 131).

No entanto, acreditamos na necessidade de uma busca da essência do

processo, na construção de estratégias por parte dos movimentos sociais mais

avançados, deixando legados para que os ativismos de bairro possam refletir sobre

suas lutas. Citando Engels, Souza (2006) reafirma ser preciso desmascarar o caráter

intrinsecamente reacionário de quaisquer “soluções” que não ponham em xeque a

instituição da propriedade privada e o capitalismo em seu conjunto, “tanto mais em

uma hora em que grande parte da ‘esquerda urbana’ brasileira exaure suas forças

em uma apologia do potencial positivo de instrumentos legais como os contidos no

Estatuto da cidade e na medida provisória 2.220/2001.”(SOUZA, 2006, p. 290).

Para ele, o que se segue é uma grande onda de cooptação, pois a

perspectiva de “ser governo” ou de participar de uma parceria com o Estado no

âmbito de institucionalidades como os conselhos gestores e orçamentos

participativos acaba colaborando para o “desarmamento” e a domesticação de

muitas organizações de ativismos68.

Outra geógrafa que promove uma discussão sobre o Estatuto da cidade

radicalizando a concepção de “direito à cidade” é Carlos (2007). Consoante

argumenta, o Estatuto da cidade tem uma relevante importância pelo fato de colocar

em pauta o debate sobre o “direito à cidade” ao mesmo tempo em que “relativiza a

indiferença total do governo diante das desigualdades que fundamentam a produção 68 Autores como Randolph criticam a concepção de participação implantada, em nome do planejamento denominado de subversivo, profundamente baseado em estudiosos como Souza Santos e Habermas que afirmam a possibilidade de constituição de um poder comunicativo. Para este autor: “Não acontece uma ruptura ‘real’ ou ‘verdadeira’ porque essas modalidades participativas do planejamento se baseiam numa lógica de representação da sociedade e, particularmente, do espaço social que concebe, tendencialmente, qualquer ‘participação’ tão formal e abstrata que torna seu exercício concreto um mero acidente”. (RANDOLPH, 2007, p . 5). Villaça (2005) também chega as mesmas conclusões afirmando que estes planos diretores denominados de participativo não rompem com a lógica instrumental tradicional e criam apenas uma ilusão de participação.

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das cidades capitalistas”. (CARLOS, 2007, p. 113). No entanto, a autora alerta para

a necessidade de dialetizar seu papel na constituição de um projeto capaz de

sinalizar as transformações na cidade como momento de transformação radical da

sociedade.

Como afirma Carlos (2007), o Estatuto da cidade, bem como os

documentos que orientam os debates da conferência da cidade, trazem um sentido

reduzido e simplificado do que venha a ser o “direito à cidade”, entendido como

“direito à moradia mais serviços”, negando-o como direito pleno. E prossegue:

No limite último, podemos afirmar que o que aparece como “direito à cidade” está circunscrito ao que o Estado está disposto a ceder na gestão da cidade, sem todavia incomodar a realização do circuito do capital, ao contrário, criando plenas condições para sua realização. A questão mistificadora central é a redução (no estatuto e nos textos da conferência) do “direito à cidade” ao “direito à moradia”. Outro fetiche se refere à identificação da propriedade a uma “ função social” - presente na Constituição Federal - e um outro ainda, que é a questão do planejamento da cidade, chegando-se ao ponto de afirmar que os problemas vividos atualmente na cidade são conseqüências do que avaliam ser “falta de planejamento” e “gestão autoritária”. (CARLOS, 2007, p. 114).

No relacionado à Lei de função social da propriedade, ainda de acordo

com Carlos (2007), esta se torna uma limitação para movimentos sociais, pelo

respeito imposto à propriedade, em última instância, enquanto os movimentos

sociais urbanos consolidados historicamente constroem uma crítica à forma

propriedade como motor do processo de produção espacial da cidade. Conforme a

autora, com isso, a propriedade privada assume uma função “social” que obscurece

seu sentido segregador e desigual.

Sobre os processos participativos previstos no Estatuto da cidade, Carlos

(2007) argumenta que a forma de participação prevista como necessidade de

legitimação conjuga um espaço apropriado para cooptação das lutas que frutificam

na vida cotidiana a partir dos movimentos sociais, mas agora sob a coordenação do

Estado com seus ministérios e prefeituras. Nas palavras da autora:

O problema é que ao levar o debate para o seio do Estado, mesmo a partir dos movimentos sociais, estes ganham uma nova racionalidade, que é a aquela do próprio Estado e do planejamento que tem no espaço condição de sua dominação. É assim que o debate se estabelece dentro do Estado, e este fato não é desprovido de importância, sendo, aliás, essa situação que cria um significado especial para a expressão direito à cidade, esvaziada de seu sentido eminentemente social, para alçá-la ao plano político e, neste plano, passível de ser manipulado por uma racionalidade outra que não a

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dos movimentos sociais que sinalizam a contestação da propriedade privada do solo urbano e apontam para a autogestão. É neste sentido que a importância da conferência da cidade deve ser relativizada e não pode, em hipótese alguma, substituir os movimentos sociais, pois este têm uma atitude crítica em relação ao Estado e suas estratégias. (CARLOS, 2007, p. 116).

Como foi possível observar na clipagem sobre a construção do Plano

Diretor de Mossoró em 2005, fornecida pela prefeitura municipal, passava-se um ar

de participação popular, no qual o poder público estava convocando a população a

participar.

Um exemplo foi o seminário para discussão do orçamento cidadão do

município, no qual em reportagem ao jornal Gazeta do Oeste do dia 29/6/2005 o

então secretário de Cidadania, Francisco Carlos Carvalho, e de Planejamento e

Gestão Pública, Anselmo Carvalho, afirmaram que o segmento popular estava

amplamente mobilizado, e contava com a participação de representantes de

conselhos comunitários, associações de moradores, centros sociais, grupos de

jovens e idosos, clubes de mãe etc. De todo modo, como já argumentamos na

entrevista com Nilton Comunitário, quase a totalidade dos representantes de bairro

são próximos à prefeitura e mantêm um jogo de interesses no qual as comunidades

saem perdendo.

Tendo como referência o quadro de delegados aptos a votar na 4a

audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró, se

compararmos, por exemplo, o número de delegados representantes do poder

público municipal versus os delegados representantes dos movimentos sociais,

observaremos que os primeiros têm mais cadeiras e, por conseguinte, maior poder

de decisão sobre os caminhos trilhados durante as discussões.

Quadro 3: Delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró. Titulares Suplentes Administrador público federal 1 1 Administrador público estadual 1 1 Administrador público municipal 13 13 Câmara municipal de Mossoró 3 3 Movimentos sociais 9 9 Entidades sindicais 4 4 classe empresarial 4 4 Entidades acadêmicas e de pesquisa 2 2 ONGS 2 2 Conselhos regionais de profissionais 1 1 Fonte: Lista de frequência de delegados aptos a votar na 4a audiência pública para construção do plano diretor participativo de Mossoró, ocorrido no dia 9 de outubro de 2006 na plenária da Câmara Municipal.

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No contexto de aproximação entre os ativismos de bairro e a prefeitura,

entrevistamos Aline Couto69, responsável pelo centro de apoio aos conselhos

comunitários da prefeitura70. Segundo ela informou, o setor de apoio aos conselhos

comunitários foi fundado em 2005, em virtude de promessa de campanha da atual

prefeita Fafá Rosado.

De acordo com a entrevistada, os representantes comunitários procuram

o centro de apoio com vistas a redigir ofícios, abrir atas, em busca de orientações

sobre as eleições dos próprios conselhos. Ao mesmo tempo, organizam em conjunto

uma caravana da cidadania nos vários bairros, na qual aos conselhos compete

apenas promover a mobilização na comunidade. As principais demandas que

constam são documentos, RG, CPF, Registro de casamento, brindes para sorteio,

iluminação pública, calçamento, saneamento, limpeza urbana.

É evidente o caráter desmobilizado e desmobilizante promovido pela

interação entre a prefeitura e os movimentos de bairro porquanto os representantes,

69 No dia 16/2/2011. 70Através da entrevista com Aline Couto, foi possível o acesso ao projeto técnico do setor de apoio às ações comunitárias da Gerência Executiva do Desenvolvimento social (GEDS). Pretendemos fazer uma descrição do documento no intuito de contribuir com a exposição das contradições dos processos participativos mediados pelo Estado. Ao primeiro momento, o projeto técnico do setor de apoio às ações comunitárias define a comunidade, entendida como: “Um conjunto de pessoas agrupadas em um determinado espaço geográfico (local, regional, nacional, internacional), institucionalizado ou não, consciente ou não de pertencimento, em constante processo de interação política, cujas relações sociais e plurais dimensionam o sentido da vida interna e externa de seus membros e promovem modos de ver, sentir e pensar o mundo. Nesse sentido, a comunidade é uma realidade dinâmica, em constante construção e reconstrução.” (p.2) Em seguida o projeto define que o entendimento como comunidade passa a ser algo vago, delimitando a necessidade de entendimento das comunidades como grupo e a necessidade de construção das lideranças no sentido de manter a coesão social. A definição de líder aparece explicitamente na citação a seguir: “O líder, portanto, é aquela pessoa que assume a tarefa de orientar e influenciar os membros do grupo na direção de suas metas. O termo “liderança”, por sua vez, refere-se ao modo pelo qual a pessoa, na posição de líder, orienta e influencia os demais membros do grupo. Daí podermos falar em “estilos de liderança”.(p.3) Tendo em vista as delimitações supracitadas, o objetivo do projeto é contribuir para a promoção e “emancipação” das famílias vulneráveis socioeconomicamente, “através da viabilização do cadastramento, da organização e da legalização das entidades e associações comunitárias e integrantes dos movimentos populares.”(p.4). Como informa o projeto: “Para dar conta desses objetivos e atuando socialmente, a GEDS articula/integra programas, projetos e ações de cidadania, oferecendo soluções às necessidades da comunidade local. Integra-se à missão de trabalhar a cidadania e torná-la acessível aos cidadãos que encontram-se em situação de vulnerabilidade social, tendo como critério de relevância contribuir com a melhoria da qualidade de vida, nos planos individual, social e ambiental, das comunidades em que estão inseridos. Articulando-se, assim, com as entidades e lideranças comunitárias de Mossoró, que tem o compromisso de se inter-relacionar com a comunidade e contribuir com soluções para seus problemas específicos, mantendo-se sempre atentos as demandas locais.”(p.4) O projeto técnico do setor de apoio as ações comunitárias define como objetivos específicos na intervenção com os conselhos comunitários (1) Organizar e legalizar institucionalmente as entidades comunitárias; (2) Promover cursos de geração de renda às famílias vulnerabilizadas; (3) Realizar rodas de cidadania, a partir da realidade local; (4) Promover de forma sistemática encontro com as lideranças comunitárias; (5)Capacitar os Líderes Comunitários; (6) Incentivar a realização e articulação anualmente de: seminários, fóruns e debates, acerca de temática pertinentes. Com a descrição do projeto técnico do setor de apoio às comunidades, podemos ter maior ciência das interações e tentativas de interação entre a prefeitura de Mossoró e o movimento de bairro, e as fortes formas de cooptação do movimento. Na cidade de Mossoró, o movimento comunitário é visto como importante aliado às ações da prefeitura, pois na conjuntura atual dá legitimidade exigida pelo Estatuto da cidade às políticas municipais.

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conhecidos íntimos dos funcionários da secretária, como foi possível perceber em

trabalho de campo, ficam amarrados à burocracia proposta pela prefeitura, ao

mesmo tempo em que não abrem discussões amplas nas comunidades sobre seus

problemas. Existem algumas exceções, como no caso do Parque das Rosas,

comunidade próxima ao Santa Delmira, onde a representante ressaltou a

importância das assembleias para a construção coletiva das reivindicações, mas, até

então, estas não estavam sendo atendidas pela prefeitura.

Com isso, chegamos aos encaminhamentos finais para o entendimento

dos processos de produção de espaço, tendo como estudo empírico a cidade de

Mossoró. A nosso ver, a economia política do espaço é o saber que os agentes

produtores do espaço necessitavam para o triunfo de dominação da cidade.

Conforme entendemos, o saber em discussão propõe o acesso às

infraestruturas urbanas como indicador de qualidade de vida, renegando a

possibilidade de construção do “direito à cidade” e do “urbano” como valor de uso

generalizado para o âmbito do impossível, baseado na construção da cidadania e do

acesso ao capitalismo como grande vitória. Segundo Lefebvre (2004,p.136): “A

redução do urbano à moradia e aos equipamentos faz parte das estreitezas da vida

política, que se tornou sufocante, tanto à direita como à esquerda.” Sobre a

concepção de direito à cidade ,prossegue o autor:

[...] certos direitos abrem caminho, direitos que definem a civilização (na, porém freqüentemente contra a sociedade – pela, porém freqüentemente contra a “cultura”). Esses direitos mal reconhecidos tornam-se pouco a pouco costumeiros antes de se inscreverem nos códigos formalizados. Mudariam a realidade se entrassem para a prática social: direito ao trabalho, à instrução, à educação, à saúde, à habitação, aos lazeres, à vida. Entre esses direitos em formação figura o direito à cidade (não à cidade arcaica, mas à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais, etc.), a proclamação e a realização da vida urbana como reino do uso (da troca e do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio do econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria) e, por conseguinte, se inscrevem nas perspectivas da revolução sob a hegemonia da classe operária. (LEFEBVRE, 2006, p. 143).

Lefebvre (2004, p. 170) defende que uma das grandes dificuldades na

busca pelo “direito à cidade” e ao “urbano” está na passividade dos usuários, na

ausência de participação dos interessados. Em suas palavras: “Passividade que a

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ideologia da participação certamente não chegará a abalar. De fato, eles não têm o

longo hábito de delegar os seus interesses a seus representantes?”

A lógica predominante, segundo o autor, é a do Estado, do poder

concebido ou se concebendo como onisciente e onipresente. Nesse sentido, a

busca pelo “direito à cidade” deve ter como objetivo a transformação essencial da

forma de organização posta71. Em suas palavras:

Politicamente, essa perspectiva não pode ser concebida sem autogestão estendida da produção e das empresas às unidades territoriais. Extensão difícil. O termo “politicamente” presta-se à confusão, pois a autogestão generalizada implica o deperecimento do Estado e o fim da política como tal. Nesse sentido, a incompatibilidade entre o estatista e o urbano é radical. O estatista só pode impedir o urbano de tomar forma. (LEFEBVRE, 2004, p. 163).

Nesta ótica, a hipótese da urbanização completa levantada por Lefebvre

(2004) é também seu objetivo, ou seja, uma sociedade na qual todos tenham acesso

ao mundo urbano de forma comum. Hoje temos a urbanização em termos

quantitativos, amanhã, quem sabe, só a práxis dirá, teremos a urbanização em

termos qualitativos.

71 Pannekoek (2007) afirma que a possibilidade de auto-organização coloca mais problemas para os trabalhadores do que soluções, no entanto, essa perspectiva faz com que os trabalhadores vão se autoeducando na medida em que vão construindo suas lutas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das grandes dificuldades para os interessados em pesquisar as

desigualdades socioespaciais no contexto da geografia moderna está no

entendimento das desigualdades sociais do ponto de vista das relações

socioespaciais, ou seja, de como as relações desiguais, intrínsecas ao modo de

produção, contraditoriamente, se dão no espaço e no tempo, produzem espaço e

são transformadas em cada singularidade.

Como se sabe, as condições de organização da sociedade

contemporânea não permitem análises fundadas com base apenas em elementos

da primeira revolução industrial, mas é importante compreender que assim como lá,

contemporaneamente, o modo de produção capitalista na busca de sua

sobrevivência tem produzido constantes reestruturações nos diversos âmbitos da

vida, muitas destas à custa dos trabalhadores, com vistas à formação e/ou

restauração do poder de classe (HARVEY, 2008).

De todo modo, no plano de estudo das cidades, e das desigualdades nas

cidades, partimos do pressuposto de que esta no âmbito do modo de produção

capitalista se apresenta como local privilegiado de concentração de pessoas,

capitais, negócios, bem como sede do aparato de defesa da propriedade privada em

uma sociedade na qual tudo ou quase tudo virou/e/ou é mercadoria.

No entanto, também entendemos a necessidade de especificar de qual

cidade estamos tratando, inserida em uma conjuntura política regional/local

específica que a diferencia das demais cidades, mas não como um todo, pois a

estrutura se pronuncia ao mesmo tempo em que se articula com as especificidades,

a evidenciar a dialética entre a ordem próxima, as relações/conflitos presentes no

plano local, e a ordem distante, o poder econômico político global em sua articulação

nacional e sua busca pela reestruturação da grande crise que assola o sistema

capitalista desde o último quarto do século XX e início do século XXI.

A questão é a seguinte: existem inúmeros estudos em torno da cidade e

do urbano no Brasil no nível teórico e empírico, sempre com um discurso sobre as

cidades brasileiras e seu processo de urbanização/constituição das desigualdades

socioespaciais, mas que muitas vezes não conseguem captar a especificidade do

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novo. Ao mesmo tempo, temos ciência dos avanços da geografia crítica radical

brasileira no tocante ao urbano, como apresentamos no trabalho.

De toda forma, na nossa ótica, não basta se deter em torno da bibliografia

sobre o tema; se faz premente a atividade de pesquisa e inquirição quanto a uma

problemática capaz de elucidar novos processos no âmbito da urbanização

brasileira, mesmo que no nível local. Afinal, em termos de ciência, somente a

pesquisa traz a descoberta do novo como possibilidade.

Assim, em nossa pesquisa, partimos da necessidade do entendimento do

processo de constituição das desigualdades socioespaciais em torno da urbanização

de uma cidade média no interior do Nordeste brasileiro, no qual nos deparamos com

todo um processo prático em curso, que dificilmente pode ser explicado em toda sua

complexidade pelos esquemas de estudo da urbanização massificados durante os

anos 1970 e 1980 no âmbito da geografia brasileira.

No intuito de avançar no entendimento e na própria exposição do trabalho

de pesquisa, lançamos mão da possibilidade científica de trabalhar com variáveis

que indiquem os aspectos desiguais na urbanização da cidade de Mossoró, como o

acesso à infraestrutura de esgotamento sanitário e o rendimento em salários

mínimos por bairro, no qual identificamos que os bairros com maior poder aquisitivo

na cidade, como o Nova Betânia, apresentam o maior acesso a tal infraestrutura.

Este, por exemplo, deu um salto durante a primeira década do século XXI, ao passar

de um percentual de acesso no ano de 2000 de 1,25%, para 80,86% em 2010.

Em contradição, os bairros menos abastados detêm os menores acessos

à infraestrutura de esgotamento, deixando a população pobre da cidade exposta à

contração de doenças de veiculação hídrica, como pudemos verificar pelos trabalhos

de campo.

Chamou-nos atenção a intervenção desigual das políticas públicas no

interior do espaço urbano, pois ao dotar determinados espaços de equipamentos

que os valorizam, como a rede geral de esgoto, passam a viabilizar de forma direta

os empresários em sua empreitada de auferir maior renda do solo urbano,

aquecendo o mercado imobiliário da cidade com empreendimentos de luxo.

Até este momento, tais desigualdades podem ser encontradas em

diversas cidades brasileiras, confirmando a tendência geral de expansão das

desigualdades socioespaciais no espaço urbano. Contudo, como podemos

identificar no estudo, durante os anos pesquisados verificou-se um elevado aumento

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no acesso à rede geral de água encanada, chegando ao ano de 2010 com números

próximos da universalização desta infraestrutura na cidade, diferente da rede geral

de esgotamento que, no entanto, pode alcançar tal meta nas próximas décadas.

Nesse caminho, cabe ressaltar, como fizemos durante todo o trabalho,

que o acesso às infraestruturas urbanas como um indicador de qualidade de vida

renega a possibilidade de construção do direito à cidade como valor de uso

generalizado para o âmbito do impossível. Portanto, resume-se apenas ao acesso à

moradia e equipamentos, descontextualizando a possibilidade de uma sociedade

comum.

Se observarmos, porém, o caso da cidade de Mossoró, identificaremos

que o seu processo de urbanização está eivado de desigualdades, principalmente

desde a década de 1960, quando o número populacional urbano passa por visível

crescimento, quando a agroindústria do algodão e a indústria do sal tinham grande

capacidade de absorção de força de trabalho.

Como pudemos observar na dissertação, o fim da década de 1960 e início

de 1970 se apresenta para a cidade como um período de crise, no qual predominou

um caos social relativo ao número de desempregados produzido pela falência das

agroindústrias e reestruturação do parque salineiro.

É nesse contexto que se iniciam inúmeras obras públicas no intuito de

equipar a cidade até então em franco crescimento. A âncora é o Programa Nacional

de Desenvolvimento Urbano para Cidades de Porte Médio, ao absorver boa parte da

força de trabalho que se encontrava desempregada na cidade, construindo,

inclusive, a primeira etapa da infraestrutura de esgotamento sanitário local, através

do Planasa/BNH.

Diante de uma análise que privilegia a recomposição histórica do

processo de urbanização, novos elementos foram incorporados e ampliaram o

entendimento do quadro de desigualdades verificado na cidade

contemporaneamente. É mister, no entanto, aprofundar tal entendimento, saindo dos

aspectos meramente descritivos para incorporar o entendimento da lógica de

produção do espaço em nível mundial, bem como o papel dos agentes locais na

mediação entre a ordem distante e próxima.

Neste sentido, procuramos compreender a atuação da economia política

como prática no processo de urbanização brasileira, onde questionamos seu

estatuto científico e sua política de classe, constituindo uma crítica da economia

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política do espaço e de suas formas de intervenção na política, na economia e na

produção do espaço.

Mediante crítica aos programas de dotação de infraestruturas urbanas no

âmbito do BNH e do PAC, identificamos seu papel decisivo na política econômica

brasileira, com vistas à dinamização da indústria da construção civil, por meio dos

grandes contratos com as empresas de construção pesada, na tentativa de colocar a

economia nacional em posição dinâmica perante o quadro de crise internacional.

Autores como Maricato (2011), Rolnik e Klink (2011), Arantes e Fix (2010)

identificam as similaridades e diferenças entre a política econômica e urbana

difundida nos programas econômicos ora citados. Nesse caminho, sobressai

fortemente a aliança entre economia e política em detrimento do social.

Em ambos os momentos, tanto na política do BNH quanto no PAC,

observamos que existiu uma articulação local no intuito de captar os recursos

nacionais para os investimentos locais, como no caso da década de 1970, quando o

então governador do Estado do Rio Grande do Norte, Tarcísio Maia, se articulou

com o prefeito de Mossoró, Dix Huit Rosado, na provisão de infraestruturas para a

cidade. No contexto contemporâneo, como percebemos, a família Rosado ainda

ocupa a maioria dos cargos públicos, sendo nos últimos anos tanto governo do

Estado, no caso de Rosalba Ciarline Rosado, e prefeitura, no caso de Fátima

Rosado.

Assim, com o objetivo de trazer mais elementos para o entendimento da

produção do espaço de Mossoró, adentramos a discussão em torno do plano local,

dos agentes produtores do espaço e sua articulação com a economia política

nacional e global e suas estratégias de continuidade da dominação social no plano

local. A este respeito, expusemos os elementos relativos à política de ampliação das

infraestruturas urbanas no início dos anos 2000, no qual as forças locais,

aproveitando a onda de recursos advinda do recém-criado Ministério das Cidades,

reforçaram e promoveram a rede de crescimento local.

Chamou-nos atenção as dimensões do poder de classe exercido pela

família Rosado em Mossoró, que tem caminho livre para intervenção nos inúmeros

âmbitos econômicos e políticos em âmbito regional, e mostra esta força até no

exercício de cooptação das reivindicações sociais dos bairros carentes da cidade.

Ademais, em diálogos com o Prof. Renato Pequeno acerca das formas de

cooptação dos movimentos de bairro, fomos alertados sobre as diferenciações

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destes em cidades médias e metropolitanas. Nestas últimas, quando organizados,

eles denotam relativa força em suas reivindicações de orientação das políticas

públicas, ao contrário das cidades médias, onde estes se tornam presas para

continuidade da política paroquialista.

Parece-nos um questionamento em aberto, no concernente às

debilidades de orientação das políticas públicas dos movimentos urbanos em

cidades médias em face do acelerado processo de urbanização ao qual estas estão

submetidas. Tal situação nos propicia elementos para reflexão sobre a conjuntura e

articulação na/da política urbana nestas cidades, bem como quais agentes

produtores do espaço são favorecidos nesse processo.

Nestas condições, no tocante ao trabalho ora apresentado, se tivermos

conseguido demonstrar coerência na disposição da discussão, na qual se

apresentam elementos da ordem próxima e distante encadeados em uma

processualidade, acreditamos que um dos objetivos em termos de contribuição à

ciência geográfica foi alcançado.

De todo modo, este trabalho insiste na mensagem segundo a qual os

termos do crescimento econômico propostos no cerne do sistema capitalista não se

realizam em termos de distribuição e/ou melhorias para o social, mas sim em mais

concentração de riquezas e poder nas mãos de poucos. Em termos gerais,

defendemos que o espaço e a cidade trazem a marca da sociedade onde estão

inseridos, ao mesmo tempo em que viabilizam a mesma sociedade, fundada no ter,

favorecendo a hierarquia entre aqueles que detêm a propriedade e os que não têm.

Com esse parâmetro do que vem a ser a cidade sob o capitalismo,

avançamos para pensar as desigualdades em cidades brasileiras, pois

diferentemente das cidades na/da Europa e/ou Estados Unidos, no Brasil estas não

passaram por um período de estruturação associado ao Estado de bem-estar social.

Desse modo, exibem um quadro de desigualdades assustador. Se pensarmos nas

cidades do Nordeste brasileiro, a conjuntura também se faz diferenciada daquelas

onde a expansão do capital se deu em meados do século XX, como na região

Sudeste, por exemplo.

No caso das cidades nordestinas, a expansão do capital na década de

1980 associada a inúmeros fatores, como destacado na pesquisa, não trouxe

solução para os problemas de desigualdade socioespacial, pelo contrário, em alguns

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casos agravou ainda mais o quadro, haja vista o aumento do número de migrantes

expropriados do campo à procura de oportunidades nas cidades.

Estes elementos se revelam como fundamentos de ordem metodológica,

sobretudo ao contribuírem para o avanço da pesquisa e a busca da especificidade

da política urbana na cidade de Mossoró. Eles entraram em consonância com as

críticas desenvolvidas no âmbito da geografia radical no tocante a fugir das análises

estruturais na produção do espaço, sem as negar, mas no intuito de articular os

diversos níveis e dimensões das políticas públicas, que cada vez mais, têm

adquirido o tom de políticas espaciais.

No relacionado às perspectivas de transformação das cidades com vistas

à apropriação social do mundo urbano, encontramos as possibilidades nas inúmeras

notícias de mobilização social pelo mundo ao longo do curso do mestrado como um

sinal positivo72. Contudo, em nossa pesquisa, identificamos que o movimento de

bairro reivindicativo em Mossoró, em sua ânsia pelo acesso às benesses do mundo

urbano, teve força durante os anos 1980, porém foi se enfraquecendo cada vez

mais, na medida em que foi sendo cooptado pelos políticos da família Rosado.

Sobressai mais uma vez o caráter extremo de paroquialismo ao qual estas

organizações estão submetidas.

Por fim, a nosso ver, a luta contra a mercadificação da cidade, na qual os

interesses dos usuários sejam respeitados como um direito, deve passar

diretamente pela mobilização social, pela ocupação dos espaços, pela crítica da

economia política em sua forma prática, diferentemente das lutas que encontram

nas técnicas desenvolvidas por engenheiros, arquitetos, geógrafos, espaciólogos,

sociólogos etc. o horizonte para uma cidade melhor.

72 A este respeito, procurar Nicos Zagorakis, principalmente no referente à Luta de classes na Grécia – disponível em - http://pt.scribd.com/doc/22898448/A-Luta-de-Classes-na-Grecia-Nicos-Zagorakis - acessado em 15/10/2010.

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