politica social no brasil (1964-2002)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS UNICAMPINSTITUTO DE ECONOMIA IE Poltica Social no Brasil (1964-2002):Entre a Cidadania e a Caridade Eduardo Fagnani TesedeDoutoradoapresentadaao Instituto de Economia da Unicamp para a obtenodottulodeDoutoremCincias Econmicas(readeconcentrao: PolticaSocial),sobaorientaodo ProfessorLivreDocenteJosCarlosde Souza Braga. Campinas, 19 de agosto de 2005 iiBANCAProf. Dr. Jos Carlos Braga IE/Unicamp (Orientador)Prof. Dr. Alosio Teixeira UFRJProf. Dr. Cludio Salm UFRJProf. Dr. Joo Manoel Cardoso de Mello IE/UnicampProfa. Dra. Snia Miriam Draibe IE/UnicampSUPLENTESProf. Dr. Carlos Alonso Barbosa de Oliveira IE/UnicampProfa. Dra. Wilns Henrique IE/UnicampProfa. Dra. Marta Arretche USPDATA19 de agosto de 2005 14:00 hs.iiiRESUMO Estatese, emsuas quatropartes, analisaas tenses existentes entredois movimentosopostos e determinantes da trajetria da poltica social brasileira entre 1964 e 2002.Um desses movimentos aponta o rumo da estruturao das bases institucionais, financeirase de proteo caractersticas do Estado Social em nosso pas. Esse processo, iniciado nosanos 30, ganhou notvel impulso a partir de meados dos anos 70, no mago da luta pelaredemocratizao do Brasil, e desaguou na Constituio de 1988.O outro movimento aponta na direo contrria: o da desestruturao daquelas bases. Apsas primeiras contramarchas(nosltimos anos datransiodemocrtica), omovimentorumo desestruturao do Estado Social esboado em 1988 ganhou vigor extraordinrio, apartir de 1990. Desde ento, abriu-se um novo ciclo de reformas agora contra-reformas,liberais e conservadoras.iv

v Em memria de Romeu Fagnani e de Vilmar E. Faria. Para Joo Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, referncias para a minha gerao de economistas. Para Frederico Mazzucchelli e Pedro George.Para Joo e Romeu.viSUMRIO AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................viiiINTRODUO................................................................................................................................................... ixPRIMEIRA PARTE A MODERNIZAO CONSERVADORA (1964-1984)...................... 1CAPTULO I TRAOS ESTRUTURAIS DA POLTICA SOCIAL......................................................................... 21. Carter regressivo do financiamento do gasto social ................................................................................ 32. Centralizao do processo decisrio....................................................................................................173. Privatizao do espaco pblico ............................................................................................................224. Fragmentao institucional ...................................................................................................................335. Reduzidos impactos na distribuio da renda......................................................................................34CAPTULO II PERIODIZAO DA POLTICA SOCIAL...............................................................................421. Gestao da estratgia de modernizao conservadora (1964-1967) ...............................................422. Modernizao em marcha (1968-1973) ...............................................................................................633. Tentativa de mudana (1974-1979)......................................................................................................714. Esgotamento da estratgia (1980-1984) ..............................................................................................78SEGUNDA PARTE RUMO AO ESTADO SOCIAL (1985-1988) ..............................................87CAPTULO I A FORMAO DA AGENDA DE REFORMAS PROGRESSISTAS .........................................881. Papel da oposio.................................................................................................................................892. Pacto da transio...............................................................................................................................1253. Retrica do Governo da Nova Repblica ..........................................................................................1284. Formao das agendas setoriais........................................................................................................132CAPTULO II OS IMPULSOS GOVERNAMENTAIS.................................................................................1521. Instituio do seguro-desemprego .....................................................................................................1522. Reincorporao da Reforma Agrria na agenda do governo............................................................1553. Reforma da Previdncia Social...........................................................................................................1564. Reforma Sanitria................................................................................................................................1725. Reforma Educacional ..........................................................................................................................1996. Reforma das Polticas Urbanas ..........................................................................................................2077. Reforo da alimentao popular .........................................................................................................219CAPTULO III OS NOVOS DIREITOS SOCIAIS.............................................................................................. 2281. Reforma Tributria e descentralizao..................................................................................................... 2282. Direitos trabalhistas e sindicais.................................................................................................................. 2303. Seguridade social e Oramento da Seguridade Social.......................................................................... 2344. Direitos educacionais .................................................................................................................................. 2475. Reforma Urbana........................................................................................................................................... 2546. Indefinies nas polticas urbanas ............................................................................................................ 256viiTERCEIRA PARTE AS PRIMEIRAS CONTRAMARCHAS (1987-1989)............................... 261CAPTULO I AS CONTRAMARCHAS NOS RUMOS DA POLTICA SOCIAL FEDERAL.............................. 2621. Retrocesso da Reforma Agrria ................................................................................................................ 2632. Colapso das polticas urbanas................................................................................................................... 2893. Obstculos Reforma Sanitria................................................................................................................ 2984. Continusmo na educao .............................................................................................................................................. 3015. Paralisia do seguro-desemprego............................................................................................................... 3136. Fragmentao da alimentao popular .................................................................................................... 3137. Reforo do clientelismo............................................................................................................................... 314CAPTULO II AS CONTRAMARCHAS NOS DIREITOS SOCIAIS.................................................................. 3301. Oposio na Assemblia Nacional Constituinte...................................................................................... 3312. Desorganizao oramentria e burocrtica........................................................................................... 3403. Desfigurao da Constituio, na regulamentao complementar ..................................................... 348QUARTA PARTE A CONTRA-REFORMA LIBERAL(1990-2002) ........................................ 377CAPTULO I A CONTRA-REFORMA TRUNCADA (1990-1992)..................................................................... 3781. Breve introduo (os direitos sociais, na contramo)............................................................................. 3802. Nova desfigurao dos direitos sociais .................................................................................................... 3913. Desorganizao burocrtica das polticas sociais .................................................................................. 401CAPTULO II A CONTRA-REFORMA EM MARCHA (1993-2002).................................................................. 4161. Incompatibilidade entre a estratgia macroeconmica e o desenvolvimento social ......................... 4182. Desorganizao do trabalho e excluso social ....................................................................................... 4253. Estreitamento das possibilidades de financiamento do gasto social ................................................... 4374. Supresso de direitos da previdncia social............................................................................................ 4445. Estiolamento das polticas urbanas......................................................................................................... 4696. Avanos institucionais e restries econmicas: o paradoxo das polticas de sade,educao fundamental e assistncia social............................................................................................. 5117. Rumo caridade: focalizao, a poltica social possvel ....................................................................... 537CONCLUSO............................................................................................................................................... 541REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................................................... 559viiiAGRADECIMENTOSEste trabalho fruto da convivncia commeus mestres, colegas e alunosdoInstitutodeEconomiadaUnicamp, ondesempreencontrei umambientederespeitoeseriedadeintelectual, decisivoparaoamadurecimentodestareflexoacadmica.Foi a queestudei ea que, nosltimosvinteanos, tenhotrabalhadocomoprofessor epesquisador. Assim, osprimeirosensaiosdestateseforaminiciados emmeados dos anos 80, quandoparticipei, comopesquisador, dasfases inaugurais do Ncleo de Estudos de Polticas Pblicas (Nepp) e do CentrodeEstudos deConjunturaePolticaEconmica(Cecon). Mais adiante, essareflexo prosseguiu na experincia como professor dos cursos que o Instituto deEconomia desenvolve na rea de Economia Social e do Trabalho e na convivnciaintelectual com meus colegas do Centro de Estudos Sindicais e de Economia doTrabalho (Cesit).Impossvel registrar todas as dvidas contradas nesta longa trajetria.Registrarei, apenas, algumas dvidas maiores. Aprimeira, comJooManoelCardoso de Mello, mestre e orientador, pela confiana e apoio constantes, desdeas fases embrionrias deste projeto, h mais de dez anos. A segunda, com JosCarlos Braga, companheiro de tantas caminhadas, pela leitura crtica e rigorosa dotextopreliminar, degrandevaliaparaoesclarecimentodeinmeraspassagensaindaimprecisas. Aterceira, comMarcioPercival AlvesPinto, amigodelongadata, pela lealdade reafirmada em momentos decisivos deste percurso.Registro ainda minha gratido a Carlos Alonso Barbosa de Oliveira,Frederico Mathias Mazzucchelli, Geraldo Di Giovanni, Jos Ricardo BarbosaGonalves, Liana Aureliano, Mariano Laplane, Paulo Eduardo Baltar, Paulo Vaz deArruda, Pedro Luiz Barros Silva, Plnio de Arruda Sampaio Junior, RicardoCarneiro, Rui deBrittolvaresAffonso, SniaDraibe, WaldirQuadroseWilsonCano, pelo apoio e estmulo manifestados em diferentes etapas.Tambm agradeo aos funcionrios do Instituto de Economia, aquirepresentados por Jos Alberto Curti, da Secretaria de Ps- Graduao, exemplode profissionalismo e dedicao.Destaco, ainda, que tambm contei com o apoio institucional da Fundaodo Desenvolvimento Administrativo (Fundap). Registro os meus sincerosagradecimentos sua direo e ao conjunto dos seus funcionrios.Agradeo, por fim, CaiaFittipaldi, quecuidoudaediodotextofinal,pelas atentas e alentadas observaes.ixINTRODUO Estatese,emsuasquatropartes,analisaatrajetriadapolticasocial brasileiraentre1964e2002.Oprincipaldesafiometodolgicoquetivede enfrentar foi analisar a poltica social como um todo, pelo conjunto dos setores que acompem.Tratou-sedetarefacomplexa,dadoque,emprimeirolugar,a literaturaespecializadadisponvelnotoriamentemarcadaporestudosdecorte setorial.Em segundo lugar, foi uma pesquisa difcil porque essa produo setorial relativamenterecente.Atosanos60,elaeraescassaparaamaiorpartedos segmentos,comexceodasreasdaeducao1e,emmenormedida,da previdncia.2 Na primeira metade dos anos 70, os estudos direcionaram-se para o debateemtornodacontrovrsiasobreadistribuiodarendaeo desenvolvimento.3Foisomenteapartirdasegundametadedosanos70,que ocorreuumprimeirosurtosignificativodeobras,grandepartedasquaisvoltada para a crtica da interveno do regime militar. Essa produo foi particularmente frtilnossetoresdasadeedaprevidnciasocial,paraaqualochamado movimentosanitaristabrasileirotevepapeldecisivo.4Nosetordaeducao, tambmemergiuumnmeroexpressivodecontribuies.5Nossetoresda habitao,6saneamentobsico7etransportepblico,8essaproduofoi relativamente modesta.

1 Destacam-se, dentre outros, os trabalhos de Teixeira (1950, 1956, 1959, 1968, 1969, 1969a, 1971, 1971b); Azevedo (1953); Maciel de Barros (1960); Fernandes (1966); Trigueiro (1967 e 1968); e Goertzel (1967).2Consultar,especialmente,FundaoGetlioVargas(1950);Sussekind(1955);Leite&Velloso(1963);e MPAS (1965).3Consultar,especialmente,MalaneWells(1973e1975);Bacha(1975e1978);Belluzzo(1975);Fishlow (1975); Hoffman (1975); Serra (1975); Tavares (1975); Tolipan e Tinelli (1975); e Wells (1975). A crtica era dirigida, especialmente, a Langoni (1973 e 1974). 4Dessaperspectiva,destacam-se,dentreoutras,asseguintescontribuiespioneiras,crticaspolticada sade instituda pelo regime militar: Yunes e Rochezel (1974); Donnangelo (1975); Gentille de Mello (1977); Luz (1979); Singer(1978);Guimares(1978);Cohn (1979); Cordeiro (1980); Braga e Paula (1981). Outras contribuies importantesforam dadas porLeite (1972); Malloy (1976 e 1979);e Resende e Mahar (1974). Sobre o Movimento Sanitrio, consultar Escorel (1987).5Destacam-se,especialmente,ostrabalhosdeCunha(1973a,1973be1975);Fernandes(1974e1975); Ribeiro (1975); Beisieguel (1974); Romanelli (1978); Saviane (1978); e Trigueiro (1978), dentre outros.6Consultar,especialmente,Souza(1974);Bolaffi(1975e1977);Azevedo(1975);eSoibelman(1978).Os primeirosestudosdetalhadossobreoFundodeGarantiaporTempodeServio(FGTS)foramAlmeida& Chautard (1976) e Ferrante (1978).7 Nesse caso, destaca-se o trabalho de Almeida (1977).8Noseencontrounenhumtrabalhorelevantesobreosetor.OsetoranalisadoindiretamenteemBarat (1978) e em Braga e Agune (1979).xEm terceiro lugar, nas dificuldades que esse trabalho enfrentou, est o fato dequealiteraturasetorialapresentalacunasnodesprezveis.Embora,apartir dos anos80, a produo setorial tenha ganhado vigor9 e, atualmente, apresente-seamplaediversificada,essabibliografiaaindapermanecedesigualentreos setores. H muitos estudos j disponveis nos casos da sade, previdncia social, educao,porexemplo;masaindanohamesmadisponibilidade,sobretudo, nasreasdesaneamentobsico,transportepblicoeassistnciasocial,por exemplo.Emfunodessaslacunas,aindanosfaltaminmerasinformaese conhecimentos sobre muitos temas e subtemas.Em quarto lugar, para dar conta das dificuldades dessa pesquisa, so raras asabordagensqueinvestigamasarticulaesdinmicasentreapolticasetorial analisadae a poltica econmica mais geral do governo. O mesmo se pode dizer em relao s imbricaes da poltica setorial com o processo poltico-institucional mais amplo. Trabalhos que contemplem essa dupla determinao so ainda mais escassos.Emquintolugar,osestudosquetentamsuperarasabordagenssetoriais no so freqentes.10 Essa trilha foi explorada por professores e pesquisadores do InstitutodeEconomiadaUnicamp,que,nosanos80,empreenderamesforos visandoacompreenderascaractersticasdosistemadeproteosocialque emergiu a partir dos anos 3011 e do perfil da interveno do Estado no conjunto daspolticassociaisnops-64.12Posteriormente,dosanos90emdiante,essa perspectiva analtica permanece restrita.13 Entretanto,emgeral,asabordagensglobalizantestambmapresentam limites.Emgrande medida,esses limites tambm se explicam como decorrncia doprecrioestgiodeconhecimentoempricoaindaexistenteacercadeum conjunto amplo de temas, como j foi observado.Esseslimitesdasanlisesgeneralizantestambmseexplicamcomo decorrnciadofatodeque,namaioriadoscasos,enfatiza-sedemasiadamente umdeterminadoeixoanaltico(evoluodalegislaosocialoudas transformaes institucionais no aparato burocrtico, por exemplo) em detrimento deoutros(naturezadasfontesdefinanciamento,magnitudeedireodogasto

9 Consultar Azeredo e Werneck Viana (1989).10Destaca-se,inicialmente,o trabalhopioneiro de Santos(1979),seguido porAbranches(1982) eCoimbra (1984), entre outros.11 Consultar Braga e Paula (1981) e Aureliano e Draibe (1989). 12ConsultarFagnani(1983e1985);Silva(1983);FagnanieSilva(1985);FariaeSilva(1985);Draibe (1986); e Faria e Castro (1989).13Nessaperspectivadestacam-se,especialmente,ostrabalhosdeDraibe(1995,1998a,1999e2003,entre outros).Tiveaoportunidadedecontribuirparaessedebate,comdoisestudospreparatriosparaestatese (Fagnani, 1997 e 1999). xisocial,produodebenseservios,porexemplo),igualmenterelevantespara compreender o todo.Outrofatorlimitantedasanlisesgeneralizantes,muitasvezes,omodo desigual como so enfocados os diversos segmentos que compem o agregado polticasocial.Emgeral,privilegiam-seossetoresconsagradosnosmodelosde Welfare State segundo a concepo do Estado liberal clssico (educao, sade, previdnciaeassistnciasocial),emdetrimentodeoutrossetores(transporte pblico, habitao popular e saneamento bsico, por exemplo), cuja incorporao agendagovernamentaltambmdeveriasercontempladaemvirtudeda especificidade da situao brasileira, de capitalismo tardio. Esseconjuntodefatoresimpeobjetivamenteinmerasbarreirass interpretaesdessaenvergadura,porquecresceoriscodeseincorrerem reducionismos tericos e em generalizaes imprecisas.Ciente desses riscos e da complexidade da tarefa, esta tese visou a seguir essatrilhaanalticaglobalizante.Opontodepartidafoiaconsideraodeduas ordensderazes,comosugeridasporSantos(1979:39-44),emseuestudo pioneiro.Aprimeiradessasrazesapontadiretamenteparaoprprioconceitode poltica social. Implica definir com maior preciso, o que se entende teoricamente por poltica social.Inicialmente,o autor questionaos critrios convencionais de agregao de itens oramentrios na rubrica poltica social adotados pela literatura internacional, nascomparaesacercadaparticipaodogastosocialemrelaoaoProduto InternoBruto(PIB)dediferentespases,segundoaconcepodoEstado liberal clssico. Nessas agregaes, via de regra, consensual a adio dos gastos com sadeeeducaoaosgastosmaisvariados,quesoreunidossobarubrica previdnciaouproteosocial.Todavia,afirmaSantos,essaconveno insuficiente,namedidaemqueamagnitudedoesforoparareduzir desigualdadesouinjustiasdifereentrepases.Determinadoproblema, consideradoagudoemumpassubdesenvolvido,podesermenosgraveemum pas desenvolvido, ou pode, at mesmo, no mais existir. Asegundaordemderazesobrigaaconsiderarqueamagnitudedo esforoparareduzirdesequilbriossociaissadquiresignificadoempricoe tericoreal,quandoseestabeleceoquadrogeraldecarnciasexistentesem cada pas. Essa descrio, to apurada quanto possvel, deve considerar os itens queintegramoagregadoinjustiasocialnopasestudado,cujaremoo,ou pelo menos atenuao, constitui o objetivo presuntivo de qualquer poltica social. Nesse sentido o autor recomenda que: Antes,portanto,dequesepossaaferirefetivamenteoimpactodalegislaosocial existenteemcadapas,ademaisdosgastosfinanceirosquesefazemsobsuagide,torna-se xiiimprescindvel que se delineiem o quadro de desequilbrios sociais e as carncias que a legislao e os gastos tentam reduzir (Santos, 1979:44). Considerando-seessaspremissas,opontodepartidadestatese compreenderqualoquadrogeralde carnciasestruturais existentes noBrasil, noperodoestudado.Nodifcilconcluirqueessequadroemnossopas complexo e tem muitas faces. Em primeiro lugar, preciso considerar que temos deficinciasestruturaisacumuladasnasreasconsagradasnosparadigmas clssicosdeEstadodoBem-Estar:sadepblica,educao,previdnciasocial, assistnciasocial,seguro-desempregoedemaisprogramasdeproteoe qualificao do trabalhador desempregado. Em um pas que apresenta nveis to elevadosdedesigualdadeedestituio,asuperaodessesproblemasrequer necessariamenteaintervenodoEstado,pormeiodepolticaspblicasde natureza universal.Emsegundolugar,temosque,almdessasreasconsagradasnos modelosclssicosdeEstadodeBem-Estar,aquestosocialnoBrasilinclui deficinciasigualmentecrnicaseestruturais,acumuladasnainfra-estrutura urbana(habitaopopular,saneamentobsicoetransportepblico).A incorporaodessessetoresnaagendadoEstadodecorredaespecificidadeda nossa situao de capitalismo tardio. Essa realidade difere da que se constata em pasesmaisavanadosque,viaderegra,equacionaramessesproblemash muito tempo e, portanto, os excluram de sua agenda social.Emterceirolugar,temosaindavivo,noBrasil,oproblemadaReforma Agrria.Essetematambmdeixoudeserquestoparaospasescentrais. EssasnaesfizeramaReformaAgrriaemnomedamodernizaodo capitalismo.OBrasil,ao contrrio,tevevrios ensaios abortados e, aqui, otema permanece atual, ao contrrio do que prega a voga liberal dominante. Emquartolugar,outrafacedanossamuitoespecficaquestosociala fomeeadestituioabsolutaqueatingemumcontingenteextraordinrioda populao.Nessesentido,osprogramasemergenciaisdesuplementao alimentar e de transferncia de renda tambm devem ser contemplados como um dos eixos para enfrentar a questo social no Brasil. O equvoco, aqui, pretender fazerdesseeixoaprpriaestratgiadeenfrentamentodoproblemasocial. Lamentavelmente, essaperspectivaequivocadade carter liberal e conservador, preconizadaporinstituiesinternacionaisdefomento(BancoMundial,2001-b, por exemplo), tem sido defendida por inmeros especialistas.14

Finalmente,emquintolugaremboranosejatradionaliteratura especializada acredito, decididamente, que preciso considerar a problemtica

14Consultar,especialmente:Henriques(org.)(2000);PaesdeBarroseFogel(2000);FerreiraeLitchfield (2000); Nri (2000 e 2004); ; Scheinkman e outros (2002); Giambiagi, Reis e Urani (org.) (2004); e Paes de Barros e Carvalho (2004). xiiido mercado de trabalho (emprego e renda) e das relaes sindicais e trabalhistas, cuja centralidade inequvoca. As oscilaes do mundo do trabalho tm evidentes repercussessobreoconjuntodascondiesdevida.Almdisso,nocaso brasileiro, humaclara imbricao domercadode trabalho com o financiamento dogastosocial.Damesmaforma,acarteiraassinadanoBrasilumdivisorde guas entrea cidadania e a caridade. Se todas essas razes no bastarem para justificaressaimpropriedadeconceitualqueestoucometendo,deforma intencional,valesempreapenarepetirofatoinsofismveldequeaprincipal polticasocial o crescimento econmicoe a gerao de emprego e renda. Mas essa condio, embora necessria, insuficiente para o desenvolvimento social. Interpretaesqueignoremessefatoedesqualifiquemaimportnciado crescimentoeconmicoedainclusodignanomercadodetrabalhocontrariam um senso elementar.15 Dessaperspectiva,assumem-senessatesedoisdesafioscomplexos.O primeirocompreenderapolticasocial,pelaapreensodaespecificidadeda aoestatalemcadaumenoconjuntodossetoresquecompemaquesto socialbrasileira.Osegundoconsiderarasimbricaesdinmicasdessa totalidade com os condicionantes estruturais de natureza poltica e econmica. A Trajetria da Poltica Social Brasileira, 1964-2002 Esta tese, em suas quatro partes, analisa as tenses existentes entre dois movimentos opostos e determinantes da trajetria da poltica social brasileira entre 1964e2002.Umdesses movimentosaponta orumoda estruturao dasbases institucionaisefinanceirascaractersticasdoEstadodeBem-EstarSocialem nossopas.Esseprocesso,esboadoapartirdosanos30,ganhounotvel impulso a partir de meados dos anos 70, no mago da luta pela redemocratizao doBrasil,edesaguounaConstituiode1988.Ooutromovimentoapontano sentidocontrrio:odadesestruturaodaquelasbasesinstitucionaise financeiras.Apsasprimeirascontramarchas(nosltimosanosdatransio democrtica),adesestruturaodafrgilcidadaniaconquistadaem1988foi revigorada a partir de 1990. Comessepanodefundo,procurodemonstrarque,entre1964e2002,a intervenoestatalnaspolticassociaisnoBrasilpassouportrsmomentos especficos.

15 Observe-se que essa interpretao tem sido defendida por diversos autores e instituies internacionais de fomento.Veja-se,porexemplo,aseguintepassagemdoRelatriosobreocombatepobrezanoBrasil elaboradopeloBancoMundial(2001b:13):Emboraocrescimentotalveznosejaaritmeticamente necessrioparaacabarcomapobrezaextremanoBrasil,ocrescimentopermanecesendoumelemento crtico para gerar oportunidades econmicas e melhorar as perspectivas para a reduo sustentada da pobreza. Dadootamanhopequenodohiatoderendaagregadodospobres,oBrasiltalveznopareaprecisarde crescimento para pr fim pobreza (grifo meu).xivOprimeirocorrespondeuaoperododaditaduramilitar(1964-1984), marcadopelaimplementaodeumaestratgiademodernizao conservadora16 naspolticas sociais. Essaestratgia potencializoua capacidade de interveno do Estado neste campo. A reforma dos mecanismos institucionais e burocrticos ampliou o alcance da gesto governamental. Da mesma forma, os novosmecanismosdefinanciamentoqueforamengendradosampliaramas possibilidades do gasto pblico nessa rea.Aanlisedosresultadosdapoltica social implementadaao longo do ciclo autoritrio revela que essa modernizao institucional e financeira possibilitou que houvesseexpansodaofertadebenseserviosqueatenderam,sobretudo,as camadasdemdiaedealtarenda.Poroutrolado,aanlisedosresultadosda polticasocialnops-64tambmrevelaocarterconservadordessa modernizao,namedidaemque,viaderegra,seusfrutosnoforam direcionadosparaapopulaomaispobreetiveramreduzidoimpactona redistribuio da renda.Buscandooaprofundamentodessespontos,puderetomarumareflexo iniciadanocomeodosanos80,17queprocuravademonstrarque,entre1964e 1984,aintervenodoEstadonaspolticassociaisapresentavaquatro caractersticas estruturais que estavam presentes e ativas, com especificidade, em cadaumdossetoresqueforamobjetodaaogovernamental(educao, previdnciasocial,assistnciasocial,sade,alimentaopopular,habitao, saneamento bsico e transporte pblico). Essas caractersticas estruturais so: o carterregressivodofinanciamentodo gastosocial; a centralizaodo processo decisrio no Executivo federal; a privatizao do espao pblico; e a fragmentao institucional.Essascaractersticasconfiguravamumadeterminadaestratgiade modernizao da interveno do Estado. Em conjunto, elas explicam, em grande medida,tantoaexpansodebenseserviosquantoalimitadacapacidadede redistribuio de renda demonstrada pela poltica social do regime militar.Tambm procuro demonstrar que, embora essas caractersticas estruturais tenhamsidoproeminentesemtodoocicloautoritrio,aestratgiade modernizao conservadora apresentou configuraes diferenciadas ao longo dos

16Essetermo,utilizadooriginalmenteporBarrigtonMooreJr.(1983),temsidoempregadonaanlisedas transformaeseconmicasepoltico-institucionaisocorridasnoBrasilduranteociclomilitar entre1964 e 1984 por diversos autores; por exemplo, por Tavares e Assis (1985) e Martins e Cruz (1983). 17 Como disse, ao desenvolver este captulo, pude aprofundar uma reflexo iniciada no comeo dos anos 80. Naquelapoca,procureicompreenderascaractersticasestruturaisdosistemadeproteosocialoudo perfildeinterveno do Estadono conjunto das polticas sociais que foram objeto da ao governamental nops-64.Nobinio1981-82,participeideamplapesquisacoordenadapeloProfessorVilmarFariasobre esse tema(Cebrap,1982). Entre 1983e1985 investiguei o perfil da interveno do Estado nos setores de saneamento bsico(Fagnani,1983) e de transportecoletivo urbano(Fagnani, 1985), que resultou em minha tesedemestrado.Posteriormente,escreviumtrabalhoconjunto(Fagnani&Silva,1985),sobreoperfilda intervenodoEstadonoconjuntodapolticasocialdoregimemilitar.Adiante,esseesforonoplano metodolgico foi aperfeioado por outros autores, com destaque para o trabalho de Draibe (1986).xvanos,refletindoadinmicapolticaeeconmicamaisampla.Mais especificamente,essaestratgiapassouporquatroetapas,asaber:gestao (1964-1967);amodernizaoemmarcha(1968-1973);atentativademudar (1974-1979); e o esgotamento (1980-1984). Osegundomomentocompreendeatransioparaanormalidade democrtica(1985-1989).Comosesabe,essatransiofoiconduzidaporuma amplaeheterogneacoalizodeforaspolticas,selandoumnovopacto conservador.AsfissurasnacomposiodachamadaAlianaDemocrtica refletiram-senanaturezaenosrumosdapolticasocial,sendontidosdois movimentosantagnicos.Deumlado,astentativasparaedificardasbases institucionais,financeirasedeproteocaractersticasdoEstadodeBem-Estar Social.EssemovimentoquedenominorumoaoEstadoSocialfoi impulsionadoporsetoresqueintegravamopactodatransio,lideradaspelos nomes histricos doMovimento Democrtico Brasileiro (MDB), principal frente de oposio ao regime militar, e contemplou trs frentes de luta.A primeira dessas frente de luta comeou a ser identificada em meados dos anos70,nobojodoprocessomaisamplodereorganizaodasociedadecivile de restaurao da democracia. Nesse contexto, construiu-se uma extensa agenda poltica,econmicaesocialdemudanas.Naprimeirametadedosanos80, podiam-seidentificaroscontornosdeumamploprojetodereformaprogressista decunhonacional,democrtico,desenvolvimentistaeredistributivo.Umdos cernesdesseprojetofoiaconstruodeumefetivoEstadoSocial,universale igualitrio.A segunda frente de luta ocorreu no mbito do chamado Governo da Nova Repblica (1985-1990), e seus principais protagonistas foram algumas das foras que fizeramoposioao regime militar que, a partir de 1985, passaram a ocupar postosdecomandonaburocraciafederal.Nobinio1985-1986,essasforas lideraramosesforospelaimplementaodoreferidoprojetodereformas progressistasconstrudonosestertoresdoregimeautoritrio.Dentreosensaios reformistasdeiniciativadoExecutivofederal,destacam-seareincorporaoda Reforma Agrria na agenda governamental; a instituio do seguro-desemprego; e acoordenaodeaesvisandosreformasdaprevidnciasocial,sade, polticas urbanas, educao e alimentao popular.AterceirafrentedelutatevecomolocusaAssembliaNacional Constituinte (1987-1988). A Constituio de 1988 representou etapa fundamental, emborainconclusa,daviabilizaodoprojetodereformasprogressistas.Com exceodaReformaAgrria,suasprincipaisbandeirasforaminscritasnanova ConstituiodaRepblica.Aanlisedotextoconstitucionalrevela,deforma inequvoca,umextraordinrioavanonareestruturaodosistemadeproteo socialbrasileiro.Desenhou-se,pelaprimeiraveznahistriadoBrasil,oembrio de um efetivo Estado Social, universal e equnime.xviDeoutrolado,observou-seummovimentoantagnico,impelidopelaala conservadora do pacto poltico da transio representada, sobretudo, pelo Partido daFrenteLiberal(PFL).Asreaessmudanas,presentesdesdeoincioda Nova Repblica, ganharam vigor a partir de 1987, quando ocorreu a fragmentao da Aliana Democrtica. Nesse contexto, as foras que haviam servido de base deapoiopolticoparaoregimemilitar,eintegravamopactodatransio, retornaramaocentrodopodereiniciaramasprimeirascontramarchasrumo desestruturao do precrio Estado Social, recm conquistado. Essas primeirascontramarchasreativass mudanas ocorreram em duas frentesdistintas.Aprimeira,manifestou-seporcontramarchaspropostas, diretamente,poraodoExecutivoFederal,naconduodosrumosdapoltica socialfederal.Deumlado,acpuladogovernoprocurouesterilizaroprojeto reformista,descontinuandoeminandoasiniciativasquevinhamsendo implementadasem1985-1986.OscasosmaisparadigmticosforamaReforma Agrriaeaspolticasfederaisurbanas(habitao,saneamentoetransporte pblico). Mas essa contramarcha tambm atingiu os setores da sade, previdncia social e educao, seguro-desemprego e suplementao alimentar. De outro lado, oExecutivoFederalreforouoaparatoburocrticodedicadoaoclientelismo.A partirdeento,essaopofoiampliada,emdetrimentodoprojetoreformistae das promessas da Aliana Democrtica.Asegundafrentedereaessmudanasmanifestou-sepelas contramarchas que visavam a desfigurar ou impedir a vigncia dos novos direitos constitucionais. Dentre as manobras encenadas com esse propsito, destacam-se aforteoposiotramitaodaagendareformistanaANC(1987-1988);o chamadodesmonteoramentrioeburocrtico,implementadoimediatamente apsapromulgaodaConstituiode1988;eastentativasdedesfiguraros direitossociaislevadasacabonoprocessoderegulamentaoconstitucional complementar (1988-1989).Finalmente,oterceiromomentodaintervenodoEstadonaspolticas sociaiscompreendeoperodo1990-2002.Essafasemarcadapela implementao de um ciclo de contra-reformas liberais, antagnicas ao projeto de reforma progressista quevnhamos acompanhando. Nestaquadra,caminhou-se, vigorosamente, no rumo da desestruturao do Estado Social recm conquistado.Noplanointernacional,aemergnciadesseciclofoicondicionadapelo ajusteereestruturaodospasescapitalistascentraisnocontextodaTerceira RevoluoIndustrial.Nessecenrio,somadoaofimdabipolaridademundial, foram rompidos os compromissos keynesianos selados nos chamados trinta anos de ouro (1945-1974). Do ponto de vista ideolgico, esse processo foi respaldado pelopensamentoneoliberal,quesetornouhegemnico.Noplanointerno,a implantaodocicloliberalfoifavorecidapeloesgotamentodoEstadoNacional xviiDesenvolvimentista e pela nova recomposio das foras polticas conservadoras, a partir da eleio de Fernando Collor de Mello.Oambientequeseformouapartirde1990era,portanto,absolutamente hostilfrgilcidadaniaconquistada.Nestecontextoadverso,assiste-se derrocadadefinitivadoreferidoprojetoreformista.Abriu-seumnovociclode contra-reformasliberais,cujofocoprivilegiadoeradesfiguraraConstituiode 1988.O contra-reformismo liberalizante compreendeu dois momentos. O primeiro, duranteocurtoGovernodeCollordeMello(1990-1992).O segundo inaugura-se comagestodeFernandoHenriqueCardosonocomandodoMinistrioda Fazenda(1993)eestende-seatofinaldoseusegundomandatopresidencial (2002).Otraomarcantedessaetapafoiaretomadavigorosadocontra-reformismo iniciado em 1990 e truncado pelo impeachment de Collor.Emsuma,osdesafiosnoforampoucos.Comopesquisador,sempre soube dadificuldade dealcanar plenamente alguns dos objetivos estabelecidos. Mesmo assim, pensei que o trajeto era intelectualmente necessrio. Em algumas etapas,percebi-meoptandopeloregistroobsessivodefatosecitaes, tangenciandooexagero.Acompreensodostemasfoiamadurecendonoritmo ora harmnico ora desarmnico dessa obstinao que se desdobrou nos ltimos dez anos , de eleger fragmentos e tentar encaix-los, pea a pea, na realidade queseiaformandoaosmeusolhos,emminhaanlise.Esperoqueestepuzzle estejaafinalvisvel,inteligvel,comformasidentificveis;equeestetrabalho contribua para o debate de idias que ajudem a melhorar o Brasil. 1 PRIMEIRA PARTE A MODERNIZAO CONSERVADORA (1964-1984) 2CAPTULO I TRAOS ESTRUTURAIS DA POLTICA SOCIAL Amodernizaoconservadoradapolticasocialrealizadanops-64 potencializou a capacidade de interveno do Estado. A reforma dos mecanismos institucionaiseburocrticosampliouoalcancedagestogovernamental.Da mesmaforma,osnovosmecanismosdefinanciamentoqueforamengendrados ampliaram as possibilidades do gasto pblico nessa rea.Aanlisedosresultadosdapoltica social implementadaao longo do ciclo autoritrio revela que essa modernizao institucional e financeira possibilitou que houvesse uma inequvoca expanso da oferta de bens e servios que atenderam, sobretudo,ascamadasdemdiaedealtarenda.Nessesentido,aspolticas sociaiscumpriramimportantepapelparalegitimaroregimejuntoaesses segmentos,basesdesuasustentaopoltica.Poroutrolado,aanlisedos resultadosdapolticasocialnops-64tambmrevelaocarterconservador dessamodernizao,namedidaemque,viaderegra,seusfrutosnoforam direcionadosparaapopulaomaispobreetiveramreduzidoimpactona redistribuio da renda.Buscandooaprofundamentodessespontos,pretendodemonstrarque, entre1964e1985,aintervenodoEstadonaspolticassociaisapresentava quatro caractersticas estruturais que estavam presentes, com especificidade, em cadaumdossetoresqueforamobjetodaaogovernamental(educao, previdnciasocial,assistnciasocial,sade,alimentaopopular,habitao, saneamento bsico e transporte pblico). Essas caractersticas estruturais so: o carter regressivo do financiamento do gasto social; a centralizao do processo decisrio no Executivo federal; a privatizao do espao pblico; e a fragmentao institucional. Essascaractersticasconfiguravamumadeterminadaestratgiade modernizao da interveno do Estado. Em conjunto, elas explicam, em grande medida,tantoaexpansodebenseserviosquantoalimitadacapacidadede redistribuio de renda demonstrada pela poltica social do regime militar.Aseguir,analiso essascaractersticas estruturaise as conseqncias que tiveram na determinao dessa limitada capacidade redistributiva naquela fase. 31 O CARTER REGRESSIVO DOS MECANISMOS DE FINANCIAMENTO DO GASTO SOCIAL Aanlisedanaturezadasfontesdefinanciamento,dadireoeda magnitude do gasto socialforneceindicaespara compreendermos as relaes entreapolticasocialeapolticaeconmicageraldogoverno,numperodo determinado. Nocasobrasileiro,entre1964e1984,eramuitovisvelqueosobjetivos quevisavameqidadesocialestavamemposioperifrica,nombitoda estratgiadedesenvolvimentoeconmico.Osmecanismosdefinanciamentoda polticasocialnopromoveramarticulaespositivasentreodesenvolvimento econmico e a distribuio da renda.OBrasilumpasdeindustrializaotardia.Nadcadados60, apresentavaenormeheterogeneidadesocialeregional,dramticaconcentrao da renda, formas precrias de insero no mercado de trabalho e um contingente expressivodeexcludosemiserveis,nocampoenacidade.Essascondies econmicasesociaiscolocavamlimitesobjetivosnaturezadasfontesde financiamentodaspolticassociais.Parapromoveraredistribuiodarenda, indiretamente,pelaspolticassociais,usando-ascomomecanismoefetivode combatepobreza,seriapreciso,necessariamente,utilizarfontesde financiamentonoreembolsveis.Entretanto,noautoritarismo,comona atualidade, essa obviedade foi olimpicamente desconsiderada.Aprincipalcaractersticadosmecanismosdefinanciamentodapoltica socialno ps-64foi seucarter regressivo. Essetrao erapercebido, sobretudo, pela restrita utilizao de recursos de natureza fiscal, aplicados a fundo perdido, sem exigncia de retorno financeiro.Como contrapartida, aschamadas contribuies sociais foram difundidas nosdiversossetoresetornaram-seaprincipalfontedefinanciamentodogasto social.Essascontribuiesincidemsobreafolhadesalriodomercadoformal urbano e so pagas pelos empregados e pelos empregadores.1 Como conseqncia da ampla difuso das contribuies sociais e de outros mecanismosauto-sustentveis,acapacidadefinanceiradoEstadopraticamente

1Observe-seque,em1964,foicriadaacontribuioparaosalrio-educao.Em1966,ascontribuies sociaispr-existentesforamincludasnoCdigoTributrioBrasileiro(Decreto-lein.27/66).Essefoi particularmenteocasodoFundodePrevidncia e AssistnciaSocial para aAssistncia Social (FPAS).Em 1966,foiinstitudooFundodeGarantiaporTempodeServios(FGTS),utilizadonofinanciamentodas polticas de habitao edesaneamento.Em 1970e1971,respectivamente,foraminstitudoso Programa de Integrao Social (PIS) e o Programa de Formao de Patrimnio do Servidor Pblico (Pasep), voltados para ofinanciamentodosprogramasdeinvestimentoacargodoBNDES.Em1973,foicriadooFundode Previdncia do Trabalhador Rural (Funrural), para financiar o Programa de Previdncia do Trabalhador Rural (Prorural).Posteriormente,nacrisedoinciodosanos80,foicriadooFundodeInvestimentoSocial (Finsocial). 4duplicouduranteocicloautoritrio.Noinciodosanos80,asreceitasdas contribuies sociais representavam um universo quase igual ao constitudo pelas receitas tributrias da Unio (Azeredo, 1987:4).Ocorre que as contribuies sociais estavam carregadas de desigualdades. Amaisevidentedelasqueascontribuiessociaisacentuavamocarter regressivo do sistema tributrio implantado em 1966-67 (Eris e outros, 1983). Em termosefetivos,elasincidiamapenassobreosalriodotrabalhador;aparte devida pelas empresas era repassada para o preo final das mercadorias. Assim, ascontribuiessociaisacabavamporgravartodososconsumidorese funcionavamcomomaisumimpostoindiretobasedaestruturatributria regressiva criada nos anos 60.Outradesigualdadeestavaimplcitanochamadovnculocontributivo. Dadoqueaproteosocialdependiadopagamentodacontribuio,squem contribussetinhadireitoaela.Essaregraexcluadaproteosocialtodaa populaoinseridaematividadesruraiseinformaisurbanas.Mesmonocasodo trabalhadordomercadoformalurbano,a proteo social dependiado vnculoao emprego, o que a tornava instvel, em funo da alta rotatividade do mercado de trabalho brasileiro.Ofinanciamentodossetoresdahabitaoedesaneamentobsico apresentavaumlimiteadicional,poiseraregidopelalgicadaauto-sustentao financeira.AsfontesdefinanciamentodapolticahabitacionaleramoFGTSea Caderneta de Poupana. Esses recursos eram onerosos, pois sobre eles incidiam correomonetria,juros,custosadministrativoselucrodosagentespblicose privadosenvolvidos.Emltimainstncia,opagamentodaprestaodacasa prpria deveria ser capaz de remunerar os ativos e os demais custos envolvidos.Essa regra de auto-sustentao financeira tambm presidia as decises de investimento no mbito da poltica nacional de saneamento. Em ltima instncia, o retorno das aplicaes no setor deveria ser inteiramente assegurado pelas tarifas cobradas dos consumidores dos servios.Esta primeira caracterstica da estratgia conservadora pode ser observada em quatro situaes setoriais especficas, detalhadas a seguir: habitao e saneamento; complexoprevidencirio(previdnciasocial,atenomdica previdenciria e assistncia social); sade pblica, alimentao popular e transporte coletivo urbano; e educao. 1.1 HABITAO E SANEAMENTO 5Nossetores de habitao e saneamento, as fontes de financiamento eram presididas, exclusivamente, pela lgica da auto-sustentao financeira.EssalgicaestavapresentenoSistemaFinanceirodaHabitao(SFH)e noSistemaFinanceirodoSaneamento(SFS).Emambososcasos,osrecursos aplicados tinham de gerar retorno financeiro suficiente para compensar a inflao, os juros, os custos administrativos e o lucro dos agentes privados. As principais fontes de financiamento da poltica habitacional, entre 1964 e 1985,eramoFGTSeosrecursosdepositadosnasCadernetasdePoupana. Esperava-sequeasaplicaesdessesrecursosnaconstruohabitacional gerassemretornosfinanceirossuficientespararemunerarosinvestidoresdas cadernetasdepoupanaeopatrimniodotrabalhadorretidonoFGTS.As mesmas aplicaes tambm deveriam gerar um excedente para a valorizao dos capitais(pblicoseprivados)queparticipavamdaintermediaofinanceira,do processo produtivo e da gesto da poltica habitacional.Almdacorreomonetria,ocustodacaptaoderecursosda Caderneta de Poupana era de cerca de 10% (juros de 6% ao ano, mais taxas e despesasoperacionais). O custo dos recursosdo FGTS era um pouco menor.A partirde1971,opatrimniodotrabalhadorno FGTS passoua sercorrigido com juros de 3%, metade do praticado na Caderneta de Poupana. Essa medida, que visava a baratear o custo do financiamento habitacional, penalizou o patrimnio do trabalhador.SobreosrecursosdoFGTS,almdosjuros,tambmincorriam correo monetria, taxas e despesas operacionais.TambmoequilbriodoSFHdependiadoretornodesuasaplicaes, resultantedopagamentodasprestaespeloscompradoresdeimveis.A capacidade de pagamento dos muturios era, portanto, uma varivel crucial. No surpreende que os recursos do SFH fossem direcionados como foram , para a parcela da populao classificada como clientela solvvel: os segmentos de mais altarenda,commaiorcrditonapraaecapacidadedehonrarseus compromissos.Poressavia,contudo,oSFHdesconsideravaorealquadrode carnciasdostrabalhadoresdebaixarenda,dospobresedosmiserveis,a imensamaioriadapopulaobrasileira.Defato,nosecogitoudeutilizar parcelasderecursosfiscaisnoreembolsveisnacomposiodofundingdo setorhabitacional;essapossibilidadenofoicontempladasequernos empreendimentos em habitao popular. fcilperceberoslimitesqueessesmecanismosdefinanciamento impuseramaumapolticadehabitaoapresentadacomodirigidaaosmais pobres,asmassasrfsevocadasporSandraCavalcante,umadas formuladorasdapolticahabitacionaldoregimemilitar.Ocustodosrecursosdo SFHeraabsolutamenteincompatvelcomacapacidadedepagamentoda populaodebaixarenda,submetidaaoarrochosalarial,inseguranado 6emprego,altarotatividadeeaumainserosempreprecrianomercadode trabalho.No final dos anos 60, essa incompatibilidade j era patente, na alta taxa de inadimplnciadosmuturiosdomercadopopular(Azevedo,1975).Essa constataofoidefinitivaparaaguinadadadapeloBNHapartirde1968,no sentidodepriorizarasfamliasderendamaiselevada.Comesse redirecionamento, j no final dos anos 60, o sonho da casa prpria desvaneceu-se, para os pobres.Algicadaauto-sustentaofinanceiratambmprevaleceuno financiamento do Plano Nacional de Saneamento (Planasa). O Sistema Financeiro do Saneamento (SFS) foi institudo em 1968 e regulamentado por um conjunto de dispositivos posteriores. Assim, o SFH precedeu o Planasa, institudo em 1971. Ofinanciamentodosinvestimentosemprogramasdesaneamentono mbitodoSFSeracompartilhadopeloBNHepelosgovernosestaduais.O principal recurso do BNH era o FGTS; e os recursos dos estados eram de origem oramentria.OBNHpreconizavaquecadagovernoestadualdestinasse anualmente 6% das suas receitas tributrias para a integralizao dos respectivos Fundos deguae Esgoto (FAE). O BNH (FGTS) e os governos estaduais (FAE) deveriamparticiparempartesiguaisdomontantederecursosemprestadoss Concessionrias Estaduais de Saneamento (CES). Comoo SFH, o SFS tambm no previa a aplicao de recursos fiscais no reembolsveis.OsformuladoresdoPlanasaacreditavamqueoequilbriopermanentede recursos seria assegurado pelos retornos dos ativos dos FAE. Preconizavam que os governos estaduaisdeveriam contribuir para a integralizao dos FAE apenas durante o perodo necessrio para a eliminao do dficit da oferta de servios do setor. Em 1969, o BNH estimava que a contribuio de 6% das receitas tributrias estaduais,paraformarosrespectivosFAE,seriasuficienteparao equacionamento do problema do abastecimento de gua no prazo mximo de 10 anos e para o controle dos casos crticos de poluio em prazo um pouco maior (MinistriodoInterior,1969,Anexo 1:15).Assim,uma vez eliminadoo dficitno setor,acontribuiodosestadospoderiaserdispensada.Apartirdeste momento, opatrimnio do FAE forneceria recursos para a contrapartida estadual aosrecursosdoFGTSemprestadospeloBNH.2Porestarazo,acapitalizao

2SegundooMinistriodoInterior(1971:38):AcapitalizaodosFAEpossibilitaraosestados,apsa realizao do programa inicial de abastecimento de gua, dispor de um fundo capaz de manter o atendimento permanentedademandaeacelerarosprogramasdepoluioatravsdainstalaodesistemasdeesgoto sanitrio. Acrescente-se que, ao final do Plano, os estados estaro liberados em seus oramentos da destinao de recursos para investimentos no setor. 7dosFAEeraumdosalicercesdoSFSedaprpriaviabilidadefinanceirado Planasa.3

Asustentaofinanceiratambmdependiadagestofinanceiraeficiente dasCES.Exigia-sequeasConcessionriasEstaduaisdeSaneamento(CES) gerassemlucrosoperacionaissuficientesparaamortizarosemprstimos contrados com o BNH (FGTS) e com os governos estaduais (FAE).4 Para atingir essametaoperacional,asCESdeveriamsergeridasemmoldesempresariais, segundo a lgica privada.5 OutracondioparaoequilbriodoSFSeraqueosserviosfossem unificados.Maisespecificamente:emcadaestadoseriacriadaumanicaCES, que encamparia todos os sistemas municipais.6 Segundo o BNH, a unificao dos serviosproporcionariaareduodasdespesasfixas,redundandoemmenor custooperacionalemenorestarifas.Tambmimplicariamaiorcapacidadede captaremprstimos;melhorassistnciatcnicaeadministrativa;viabilidadede execuo e operao dos servios nas cidades de menor populao e renda.7

3DeacordocomoMinistriodoInterior(1971:23):OFAEconstituiabaseeagarantiadoesquemaeo principalsuportedoSFS.Avelocidadenarealizaodoprogramae,portanto,otemponecessrioparase atingiremospropsitos,serem funo davelocidade de integralizao do respectivofundo e dosretornos dos emprstimos. 4SegundoaretricadoMinistriodoInterior(1971:36):Areceitatarifriadasconcessionriasestaduais, deduzidasasdespesasdeoperaoemanutenodossistemas,ouseja,areceitalquida,temqueser suficiente para cobrir as despesas financeiras decorrentes dos emprstimos programados para o Plano. fcil perceber que quanto menor for a despesa operacional das concessionrias para uma dada receita tarifria tanto maiorseracapacidadedeladetomaremprstimos.Porseresteaspectodesumaimportnciaparaa viabilidade do Plano, para ele devem convergir as atenes das autoridades dos estados.5 A defesa dessa forma de organizao encontra-se na seguinte passagem do documento oficial (Ministrio do Interior, 1971:46): importante, ainda, assinalar que sendo a administrao de sistemas de abastecimento de gua uma atividade de carter industrial imprescindvel que se d s companhias concessionrias estaduais umaorganizaobsicadeempresaprivada,emboraconsiderandoafinalidadesocialdasmesmas.Estas proposies so, a rigor, do ponto de vista tcnico e administrativo, a condio sine qua non. O aumento da eficinciatraduzidapormaiorprodutividade,amaiorflexibilidadeoperacional,aunificaode procedimentostcnicoseadministrativos,aoladodainquestionvelpossibilidade(nica)deatendimentoa comunidades pequenas e pobres, so corolrios das condies acima estabelecidas. Verdadeira pr-viabilidade do Plano no nvel tcnico e administrativo.6 Esse ponto mencionado pela retrica oficial nos seguintes termos: A viabilidade do atendimento de todos osmunicpios,mesmoosdemenorpopulao,dependebasicamentedaexistnciadeumaconcessionria nica em cada estado, com sistema tarifrio nico para todos os municpios ou por grupos de cidades, sistema essesuportvelpelapopulaodemaisbaixopoderaquisitivo,funodosalriomnimoregional.A transfernciaparaa entidadeconcessionriaestadual, numprazorazovel,dos sistemasqueatualmenteso administrados por entidades diversas, uma medida que se impe para a viabilizao geral do Plano em cada estado,reforando,almdisso,aposiodogovernoestadualnaconduodaPolticadeSaneamentono Estado (Ministrio do Interior, 1971:35).7Portodasessasrazes,em1969,paraoBNH,oSFSapresentavaumconjuntodevantagens:a)A possibilidade de programao global, flexvel, dinmica e realista em nveis metropolitano, estadual, regional enacional;b)Aviabilidadedoatendimentoaqualquerncleourbanobrasileiro,mesmoaosdemenor populaooupodereconmico,atravsdedosagemracionaldosrecursosoriginriosdedoaesede emprstimos,edaoperao,porummesmoconcessionrio,deumconjuntointegradodesistemas 8Estalgicadeauto-sustentaofinanceiraexplica,emgrandemedida,os resultadosinsatisfatriosobtidospeloPlanasanareadoesgotosanitrio.No inciodoPlano,asituaodoesgotosanitrioeramaisprecriaqueado abastecimentodegua.Em1970,apenas1/5dapopulaourbanabrasileira residia emdomiclios ligados redegeralde coletadeesgotos. Esse quadro, no entanto,nosensibilizouasautoridadesgovernamentais:noperodo1968-84, apenasumterodosrecursosdoPlanasaforamdestinadosaosprogramasde esgoto sanitrio.Emgrandemedida,issodecorreudofatodequeosinvestimentosem abastecimentodeguasomaislucrativos.Nofinaldosanos60,muitos municpiosapresentavamelevadosndicesdecoberturadeabastecimentode gua;eaprestaodessesserviosgeravareceitaoperacionalaosmunicpios. Portanto,asimplesencampaodossistemasmunicipaispossibilitariaqueas CES passassem, imediatamente, a auferir receitas operacionais. Esse fato ajuda-nosacompreenderporqueostextosinauguraisdoPlanasa,doinciodosanos 70,recomendavamoataqueinicialaoproblema,nascidadesondefosse elevada a influncia do consumo da guana composio da receita operacional das autarquias municipais.8

O descaso do Planasa no tocante ao esgoto sanitrio tambm decorreu do fatodeocustodeimplantaodessessistemasserrelativamentemaiselevado que o dos sistemas de abastecimento de gua. Segundo um dirigente do BNH, o custo per capita dos sistemas de esgoto era o dobro do praticado em sistemas de abastecimento de gua (Rego Monteiro, 1981:460). Em funo disso, no final dos

municipais; c) A mobilizao de recursos em escala requerida pelas dimenses do Pas e do problema, no s atravs da criao de um sistema financeiro adequado, como pela soma de esforos de todas as entidades que atuamnocampodesaneamentobsico,garantindo,deformapermanente,aexecuodosprogramas aprovados; d) A alta aceitao de implementao dos programas, somente possvel pelo ataque em massa ao problema,faceexistnciapermanentedosrecursosrequeridos,epelacompletadescentralizaoda execuodosprojetos;atarifaojustaque,sendosuportvelpelacomunidade,permitaaoperao,a manuteno e a expanso do sistema local (Ministrio do Interior, 1969:9).8Noinciodosanos70,essaorientaofoiexplicitadanosseguintestermos:Oaspectofinanceiro recomendaaconcentrao,noinciodoPlanasa,daexploraodesistemasqueconduzamaumamaior rentabilidade das concessionrias estaduais, ou seja, maiores disponibilidades lquidas. Desta forma, a seleo dosprojetos,dopontodevistadoestabelecimentodeprioridades,deverpartirdecidadesquepossuam maiores consumos comercial e industrial, de modo a proporcionar uma elevao na receita da concessionria (Ministrio do Interior, 1971:134).No final dos anos 70, Irvando M. Pires, alto dirigente do BNH, ratificou esta orientao, nos seguintes termos: grandeainflunciadoconsumodeguanacomposiodareceitaoperacional,jquedeterminao potencial econmico-financeiro da empresa estatal. Assim que, no incio do Plano, na seleo dos projetos dopontodevistadoestabelecimentodeprioridades,foramelescontratados,dentreoutrosparmetrosde anlise,apartirdascidadesdemaioresdisponibilidadeslquidas,oquegarantiriaacoberturadasdespesas previstas, pela cobrana de nveis mais elevados das tarifas de consumo domiciliar que excedessem o mnimo, assimcomodastarifasdosconsumosindustrialecomercial.Istoaconteceudeformarazovelnaquase totalidade das empresas, posto que, a partir de 1973, praticamente quase todas elas j eram responsveis pela explorao dos sistemas nas respectivas capitais, alm de outros de maior porte, no interior (Pires, 1977:34).9anos70,umaltodirigentedoBNHfoiclaroquantoaoslimitesqueoselevados investimentospercapitadossistemasdeesgotoimpunhamidiade estenderem-se esses servios aos municpios de menor porte:Se no tocante a abastecimento de gua lcito pensar numa expanso de atendimento a todososncleosurbanos, no campo dos esgotos sanitrios, em face dos elevados investimentos per capita, aconcentrao dos recursosdo Planasa nas reas metropolitanas, capitais e cidades demaiorportemedidaqueseaconselha,jqueinvivelseriapensarnomomentonuma ampliaodobenefcionessecampo, diantedo estgioem que seencontra nossatecnologia de projetos.possvelquecomoutrosprocedimentos,queconduzamreduodoscustose execuo por etapas, se torne vivel o atendimento no campo de esgotos (Pires, 1977:33). Emsuma,areformainstitucionalefinanceiradaintervenoestatalno saneamentobsico,realizadanops-64,potencializouessainterveno,fato observado pela efetiva ampliao da oferta de servios de abastecimento de gua. Todavia,aprevalnciadaregradaauto-sustentaofinanceirarevelou-secomo umadasfacesdocarterconservadordessamodernizao,queserefletiu, especialmente, no descaso em relao grave problemtica do esgoto sanitrio.1.2 O COMPLEXO PREVIDENCIRIO Asegundasituaosetorialespecficaabarcaossetoresdeprevidncia social,deassistnciamdicaprevidenciriaedeassistnciasocial.Em1977, essessetorespassaramaintegraroSistemaNacionaldePrevidnciae Assistncia Social (Sinpas).As fontes de financiamento desse chamado complexo previdencirio eram o Fundo da Previdncia e Assistncia Social (FPAS), a Contribuio da Unio e Outras Receitas, em que prevaleciam as aplicaes financeiras.O FPAS, principal fonte de financiamento do Sinpas, respondia por mais de 90%dototalderecursos.EsseFundoeraintegralizadopelascontribuies compulsriasdasempresasedosempregadosdomercadoformalurbano, incidentessobreafolhadesalrios,ecomaremuneraodeempregadorese trabalhadores autnomos, avulsos e domsticos. AsegundafontedefinanciamentodoSinpaseraaContribuioda Unio9.importanteressaltarqueaparticipaodogovernofederalno financiamento da previdncia social remonta dcada de 30. Entre 1934 e 1960, o financiamento da previdncia foi baseado no modelo tripartite, segundo o qual o Estado, os empregadores e os trabalhadores contribuam em partes iguais.

9AsprincipaisfontesdefinanciamentodaContribuiodaUnioeramosrecursosdaarrecadaodas loterias,dascompetieshpicas,dopreoex-refinariadecombustveisautomotores(queconstituama chamada quota de previdncia) (Oliveira e Azevedo, 1985). 10ALeiOrgnicadaPrevidnciaSocial (LOPS),aprovada em 1960,rompeu com o sistema tripartite; a partir de ento, a Contribuio da Unio passou a ser definidapelaquantiadestinadaafinanciaropagamentodepessoaleas despesasdaadministraogeraldaprevidnciasocial,bemcomosupriras deficincias financeiras verificadas. Em 1960, estimava-se que a contribuio da Unio para fazer frente a tais despesas corresponderia a cerca de 15% da receita total (Fleury Teixeira e Oliveira, 1986). Nops-64,essaregrafoimantida.Nessesentido,aContribuioda UniodeveriacobrirocusteiodoMinistriodaPrevidnciaedaAssistncia Social (MPAS) e das autarquias a ele vinculadas. A partir de 1977, com a criao doSistemaNacionaldePrevidnciaeAssistnciaSocial(Sinpas),essa contribuiodeveriafinanciarocusteiodoMPASedasseguintesentidades vinculadas: oInstituto Nacionalde PrevidnciaSocial (INPS); oInstituto Nacional deAssistnciaMdicadaPrevidnciaSocial(Inamps);oInstitutode AdministraoFinanceiradaPrevidnciaSocial(Iapas);aEmpresade Processamento de Dados da Previdncia Social (Dataprev); a Legio Brasileira de Assistncia (LBA); e a Fundao Nacional de Bem-Estar do Menor (Funabem).O primeiro indicador do carter regressivo do financiamento dos setores de previdncia social, de assistncia mdica previdenciria e de assistncia social no ps-64, foia reduzida participaode recursos fiscais. A Contribuio da Unio semprefoiresidual,mas,almdisso,decresceaolongodotempo:decercade 10% (1970-72), para 5,2% (1980). Essa pequena participao de recursos fiscais contrastavacomaexperinciainternacional.10Emborainsignificante,mesmo assim,osgovernosmilitareslanarammodoexpedientede,simplesmente, descumpriremalegislaoqueobrigaoaportederecursosnecessriosparao custeio da mquina administrativa. Em nenhum dos casos e momentos em que os recursosdoFPASforamsuficientesparacobrirasdespesas,areaeconmica aportou recursos para o MPAS.11

10ComoconstatamBragaePaula(1981:107):Ospadresmundiaisdefinanciamentoindicamqueos governos contribuem em mdia com 40% dos recursos previdencirios; esse percentual chega a 65% para um gruposelecionadodepasesdesenvolvidoseatmesmosubdesenvolvidos.(...)Comparada internacionalmente,portanto,acontribuiodogovernobrasileiroaosistemaprevidencirionitidamente insignificante. 11Esseartifcio,muitofreqentementeusadonahistriadaprevidnciasocialbrasileira,criticadoda seguinteforma,numdosmaiscompletosestudossobreapolticaprevidenciriadops-64,elaboradoem 1986,peloMPAS:AcontribuiodaUniointegraocompromissodecoberturadosegurosocial, juntamentecomcontribuiesdeempregados,desdeosprimrdiosdoSistema.AparticipaodaUnio, como preceito constitucional, est expressa para que fosse constituda com recolhimento obrigatrio e total Previdncia. Com isso, a obrigao constitucional e legal est em vigncia h 52 anos, gerando, no obstante, grandesdificuldadestantodeinterpretao,comonorepassederecursos.Peladefinioatualdo Regulamento de Custeio da Previdncia Social, competncia na Unio o custeio das despesas de pessoal e deadministraogeraldoINPS,InampseIapas,bemcomoacoberturadeeventuaisinsuficincias financeiras.ORegulamentodefineaContribuioda Uniocomoumitem permanente, com a participao efetivaeregularnocusteio,assemelhando-sedessamaneirascontribuiesdeempregadose 11Osegundoindicadordocarterregressivodofinanciamentodocomplexo previdencirionops-64estrelacionadoaoFPAS,principalfontede financiamento do setor. Assim como ocorria com as demais contribuies sociais, osassalariadosdomercadodetrabalhoformalurbanoeramtambmosnicos que,defato,arcavamcomofinanciamentodoFPAS.Esseargumentofoi defendido originalmente por Braga e Paula (1981). Esses autores sublinham que a contribuio compulsria dos trabalhadores sobre a folha de salrio acentuava o carternotoriamenteregressivodaestruturatributriabrasileira.Acontribuio dasempresaserarepassadaaospreosdosprodutose,assim,indiretamente, pesava sobre todos os consumidores. 12 Oterceiroindicadordocarterregressivodessemodelodefinanciamento eraaprevalnciadoconceitodesegurosocial,segundooqualoacessoaos benefciosdependiadacontribuioindividual. Essaregraexcluaparcela significativa da populao (rea rural e mercado informal urbano). A desigualdade eraparticularmentegritantenocasodapolticadesade.At1975,oacesso redeprivadadeassistnciamdica,gerenciadapeloInampsefinanciadapelo FPAS, dependia de o interessado poder comprovar que pagava o carn individual de contribuio ao INPS.O quarto indicador da regressividade dos mecanismos de financiamento do Sinpaseraummecanismoperverso,quepenalizavaostrabalhadoresdemenor renda: a fixao de uma alquota-teto de 10% sobre os salrios superiores ao teto devintesalriosmnimos.Comisso,ostrabalhadorescomsalriosmaisbaixos eramrelativamentemaispenalizadosqueaquelesquepercebiamsalrios superiores a vinte mnimos.13

empregadores. (...) O Grupo convergiu na interpretao de que a obrigao da Unio permanece imperiosa, insubstituveleabsoluta,nosujeitadeformaalgumaaofatodeelaexercer,ouno,afaculdadelegalde prover os meios de financiamento (grifos meus) (MPAS, 1986b:32-33). 12 De acordo com Braga e Paula (1981:107): Poder-se-ia argumentar que os empregadores suportam a maior partedosgastoscommedicinaprevidenciria.Nadamaisfalso.Defato,somenteascontribuiesdos empregados podemser consideradasum tributodireto. Aparcelapaga pelasempresas deve ser considerada como custos relativos a encargos sociais e, como tal, transferida aos consumidores sob a forma de aumento no preo dos produtos ou servios. Essa transferncia possvel, na medida em que j est amplamente firmado naeconomiabrasileiraocontroleoligoplicodaproduoedosmercados.(...)Nemasempresas,nema Unio,portanto,suportamfinanceiramenteaprevidnciasocial.(...)Emsuma,noh,arigor,nem capitalizao,nemrepartio,poissoosassalariadoseosconsumidoresemgeralquesuportamdiretaou indiretamente o financiamento dos servios mdicos previdencirios. 13 Estudo realizado pelo MPAS, em 1986, salientava nos seguintes termos essa disparidade entre alquota e o limite mximo de vinte salrios mnimos fixado para o salrio de contribuio: Para as pessoas que ganham attrssalriosmnimos,aalquotade8,5%sobreosproventosexcessiva,quandocomparadacoma alquotarealincidentesobrerendimentossuperioresaolimitedecontribuioquedefineumaalquotareal decrescente,quenopatamarde100salriosmnimoschegaareduzir-separa2%.Omesmolimite,fixado paraasempresas,oneramais pesadamenteaimensamaioriadaquelascujostrabalhadores ganhamatvinte salrios mnimos. Deve-se observar que dentro desse limite estariam 88% das empresas industriais e 92% das empresas comerciais brasileiras (MPAS, 1986b:30-31). 121.3SADEPBLICA,ALIMENTAOPOPULARETRANSPORTE COLETIVO URBANO A terceira situao setorial especfica abrange os setores de sade pblica, alimentao popular e o transporte coletivo urbano.Paraessessegmentos,noseinventarammecanismosengenhosos, baseadosemfontesautnomasaooramentofiscal.Aqui,semdvida,a dependnciaexclusivaaoTesourofederalfoiumdosprincipaisfatoresque contriburam para que esses setores fossem totalmente marginalizados na agenda do Executivo Federal, durante a ditadura.A poltica de sade no ps-64 era marcada pela hegemonia da assistncia mdicaprevidenciria.CoordenadapeloInamps,caracterizava-sepelacompra deserviosdosetorprivado(hospitais,clnicaselaboratrios)epelo credenciamentodemdicos.Essasaeseramfinanciadaspelascontribuies de trabalhadores e empregadores, para o FPAS. Em contrapartida, as aes de sade pblica, desenvolvidas pelo Ministrio daSadeefinanciadasporrecursosfiscais,receberamtratamentoresidual.A reduzidaparticipaorelativadoMinistriodaSadenoOramentoGeralda Unio (entre 0,9% e 2,2%) um dos indicadores desse descaso.14 Essarestriofinanceirafoimantidaaolongodoregimemilitar.Essa manutenodemonstraaposiosubalternadasadepblica,secomparada assistnciamdicaprevidenciriadesenvolvidapeloInamps.Observe-sequeos

Essa desigualdade ficou patente, na anlise da distribuio de salrios na economia em meados dos anos 80. De acordo com os dados da pesquisa IBGE/Rais: Em 1984, dos 22 milhes de assalariados, 15 milhes, ou seja,75%do total ganhavamat trssalrios mnimos, sendo que mais de 40% percebiam salrios menores que1,5salriomnimo.Taistrabalhadorescontribuemparaaprevidnciacomalquotade8,5%,enquanto 348.000trabalhadores,comrendimentossuperioresaotetodecontribuio,contribuamcomalquotas decrescentes, reduzindo-se sua alquota nominal de 10% de acordo com distncia entre o salrio percebido e o limite de contribuio. Os dois teros dos empregados que percebiam at cinco salrios mnimos respondiam porpoucomaisdeumquartodamassasalarial. Os 2%nas faixassalariais mais elevadas (acimadequinze salriosmnimos) se apropriavam de cerca de 20% do total das remuneraes pagas (cf. MPAS, 1986b:30-31). 14Sobreosprimeirosanosdoregimemilitar,BragaePaula(1981:91-6)sublinhamque:Apouca importncia das medidas de ateno coletiva sade da populao fica patente ao se verificar a participao decrescentedoOramentodoMinistriodaSadenoOramentoGeraldaUnio:em1968correspondiaa 2,21%deste;em 1972, a 1,40%. Em 1973 e 1974, o Ministrio da Sade continua sem receber prioridade napolticadegastosdogoverno.SuaparticipaonoOramentoGeraldaUniode0,91%e0,90%, respectivamente, inferior, ainda ao percentual atingido em 1972. Continuando a anlise do perodo 1964-72, BragaePaula (1981:91) ressaltam que: O comportamento dos gastos em alguns programas especficos no deixa a menor dvida sobre o declnio da Sade Pblica como opo de poltica social e, mais diretamente a diminuiodesuaimportnciapoltico-institucional.(...)Osdispndiosematenomaterno-infantil chegam,a1972,numpatamardegastorealinferioraoqueprevaleciaem1957.ComoServiode Tuberculose,gastava-seem1969menosdoqueem1964emenosaindadoqueem1956.Osgastoscom combate s endemias rurais realizados em 1969 so inferiores aos de 1964 assim como os de 1958. A lepra igualmente descurada no que diz respeito ao gasto estatal, constatando-se redues nos nveis reais.13programas de ateno mdico-hospitalar (Inamps) foram responsveis, em mdia, por85%dogastototalemsaderealizadopelogovernofederalentre1978e 1984.Nomesmoperodo,aparticipaorelativadoMinistriodaSadeno OramentoGeraldaUniofoisempreinferiora2,2%(Fagnani,BragaeSilva, 1989). Osetordealimentaopopular,partedasadepblica,tevetratamento similar.Essesegmento,desenvolvidopeloInstitutoNacionaldeAlimentaoe Nutrio(Inam),rgovinculadoaoMinistriodeSade,tambmcontoucom limitadosrecursos(Peliano,1985e1988).Umabreveanlisedosrelatriosde atividadedoInam,entre1974e1984,mostra,comclareza,osestreitoslimites oramentrios a que os programas dessa natureza foram submetidos.Otransportecoletivourbanosemprefoimarginalizadonaagenda governamental.Entre1964e1985,nocontoucomumabasefinanceirade suporte compatvelcom acrescente demandapor esses servios, decorrente do aceleradoprocessodeurbanizaodasociedadebrasileira.Marginalizadona estruturadefinanciamentodaPolticaNacionaldosTransportes,o desenvolvimentodotransportecoletivourbanodependeu,fundamentalmente,de recursosdosgovernosestaduaisemunicipais,penalizadospelaestrutura tributria vigente. O formato da Poltica Nacional de Transportes foi condicionado, em grande medida,pelomodoespecficodearticulaodessesetoraoprocessode industrializao. Entre 1950 e 1984, podem-se identificar trs momentos nos quais esse formato apresentou contedos diferenciados: 1956-74; 1974-79 e 1979-84.Oprimeiroperodo,queseinicianasegundametadedadcadados50, marcaoinciodaetapadeindustrializaopesada,emqueadinmicada economiabrasileirapassouasercomandadapelosetordebensdeconsumo durveis(emespecialpelaindstriaautomobilstica)edebensdecapital (sobretudopelosramosdematerialdetransportes,materialeltricoemetal-mecnico) (Cardoso de Mello, 1982).APolticaNacionaldeTransportespassouarefletiressadinmica, marcadanestaetapapelochamadopadroautomobilstico-rodovirio,que significaadominnciaautomobilsticanaproduodeequipamentos (automveis, caminhes enibus) acoplada modalidade rodoviria para cargas epassageirosanvelnacionalequeseimpecomosoluoderivadaparao transporte urbano e suburbano (Braga e Agune, 1979:14). Aestruturadefinanciamentofoiumdosprincipaisinstrumentosutilizados para a soldagem do padro automobilstico-rodovirio. No perodo 1956-74, essa basefinanceiraeraconstitudacomumconjuntodetaxaseimpostosfederais 14legalmente vinculados ao setor.15 Observe-se que mais de 75% desses recursos eramvinculadosaosetorrodovirio.Aparcelarestanteerarateadaentreos setores ferrovirio, porturio e hidrovirio. Nesta fase, o transporte coletivo urbano nofaziapartedaPolticaNacionaldosTransportese,portanto,noparticipava da referida estrutura de financiamento.O segundo perodo (1974-79) foi marcado pela tentativa do governo Geisel deimplementarumanovaestratgiadedesenvolvimento,consubstanciadanoII PlanoNacional de Desenvolvimento(Lessa,1978). Um dosncleosdesse Plano eraatransformaodamatrizenergtica,necessriaemvirtudedochoquedo petrleo de 1973. Nesse contexto, procurou-se alterar o perfil da Poltica Nacional deTransportes.Osetorrodoviriofoipenalizado,emfavordasmodalidades poupadorasdepetrleo:ferroviasehidrovias(notrfegodemercadorias)eo transporte coletivo (no trfego urbano de passageiros).Essefoiumdosfatoresquecontribuiuparaque,pelaprimeiravez,o transportecoletivourbanoaparecessenaagendafederalefosseincludona PolticaNacionaldeTransportes.ALein.6.261,de14/11/1975,estabeleceuo SistemaNacionaldeTransportesUrbanos(SNTU),autorizouaconstituioda EmpresaBrasileiradeTransportesUrbanos(EBTU)einstituiuoFundode Desenvolvimento dos Transportes Urbanos (FDTU). Refletindoestatentativadeinflexo,ocorreuumaligeiraalteraona estruturadefinanciamentodaPolticaNacionaldeTransportes.Entre1974e 1978, a participao relativa do setor rodovirio no total de recursos vinculados ao setordetransportesdeclinoude75%para56%.Essareduofoiparcialmente revertidaemfavordotransportecoletivourbano.Parcelasdosimpostosetaxas quefinanciavamosetorrodovirio(ImpostonicosobreLubrificantese CombustveisLquidoseGasosos,IULCLG;eaTaxaRodovirianica,TRU) passaram a integrar o Fundo de Desenvolvimento do Transporte Urbano (FDTU). Almdisso,foramcriadosdoisnovostributosparacomporessabasefinanceira dotransportecoletivourbano:oAdicionaldoIULCLG,comamaiorparcelade suasreceitasvinculadalegalmenteaosetor;eoAdicionaldaTRU,totalmente vinculadoaele.16Comisso,otransportecoletivourbanopassouacontarcom

15 Imposto nico sobre Lubrificantes e Combustveis Lquidos e Gasosos (IULCLG), Taxa Rodoviria nica (TRU),ImpostosobreosServiosdeTransportesRodovirioIntermunicipaleInterestadualdePessoase Cargas(ISTR),AdicionalaoFretedaMarinhaMercante(AFRMM,ex-TaxadeRenovaodaMarinha Mercante) e, finalmente, Taxa de Melhoramento dos Portos (TMP). Alm dessa base fiscal vinculada, o setor de transportes contava ainda com recursos provenientes da arrecadao dos pedgios. 16 Entre 1976 e 1979, o transporte coletivo urbano passou ter a seguinte base financeira vinculada ao FDTU: a) 18,1% da arrecadao total do IULCLG, sendo 12% destinados Unio, sem vinculao a qualquer rgo, e6,1% aosestadose aoDistrito Federal;b) 14%daarrecadaototaldaTRU destinada Unio/FDTU; c) 69% da arrecadao total do Adicional do IULCLG, sendo 45% vinculados Unio/FDTU e 24% aos estados eDistritoFederal;ed)100%daarrecadaototaldoAdicionaldaTRU,vinculadaintegralmente Unio/FDTU. 15receitastributriasquerepresentavampoucomaisde20%dototaldestinado legalmente ao setor de transportes como um todo. Noterceiroperodo(1979-84),aquestoenergticapassouater importnciaaindamaiornaestratgiaeconmicadogoverno,emvirtudedo segundochoquedopetrleo,ocorridonofinaldosanos70.Nessecontexto, assistiu-seaumanovatentativadeinflexonamatrizdostransportes,como mesmoobjetivodereduziroconsumodopetrleo.Notocanteaotransportede mercadorias,buscou-senovamenteprivilegiarasmodalidadesferroviriae hidroviria,anteosetorrodovirio.Notocanteaotransportedepassageiros, buscou-sepriorizaras modalidades de usocoletivo, em detrimentodo transporte individual.Essatentativa,entretanto,coincidiucomoagravamentodaconjuntura econmica,intensificadapelacrisecambialde1982.Agestoortodoxadacrise econmicaresultounoesgotamentodorecmimplantadomecanismode financiamentodotransportepblico.Noinciodosanos80,foiextintaareferida vinculaoderecursosfiscaisaprogramassetoriais.Essesrecursosforam centralizadosnoTesouronacional,sobocontroledaSeplan.Assim,nocaso especficodotransportecoletivourbano,asfontesfiscaisvinculadasaorecm-criado FDTU foram extintas. Na prtica, o prprio FDTU deixou de existir. Emsuma,sem1974otransportepblicofoiincorporadoagendado governofederal.Em1975,foiconstitudooFundodeDesenvolvimentodo TransportePblico(FDTU),comrecursosfiscaisprovenientesdoImpostonico sobreLubrificanteseCombustveisLquidoseGasosos(IULCLG)edaTRU. Entretanto, avigncia dessabase de financiamento foi muito curta. No incio dos anos80,essavinculaoderecursosfoiextintae,conseqentemente,oFDTU deixou de existir.1.4 EDUCAO Comoocorreunasdemaispolticassociais,nops-64ogovernofederal procurou minimizar a utilizao de recursos fiscais tambm na educao.Para isso, rompeu-se um mecanismo clssico de financiamento do setor a vinculaoderecursosfiscaisdeixoudeserobrigatria(sfoimantidacomo obrigatria para os municpios). Como contrapartida, criou-se o salrio-educao, umanovacontribuiosocialincidentesobreafolhadesalriosdomercadode trabalhoformalurbano,cujocarterregressivojsediscutiuacima.Essas medidas acarretaram a reduo do patamar de gastos federais no setor Osetordaeducaoapresentaduascaractersticassingulares.Em primeirolugar,desdeofinaldosculoXIX,foi-seconsolidandoadivisoea 16especializaodecompetncias,quantoaosnveisdeensino,entreastrs esferas de governo.17 Em segundo lugar, destaca-se o estabelecimento da poltica de vinculao dereceitastributriasparaeducao.Essaprticainiciou-secomoSubsdio Literrio (um gravame sobre carnes, vinhos e aguardentes, estabelecido em 1772) eprosseguiunoImprio,comvriastentativas,incluindooFundoEscolar propostoporRuiBarbosa.Em1932,foicriadaaTaxadeEducaoeSade, incidente sobre os documentos selados.Posteriormente,aConstituiode1934introduziuaobrigatoriedadede Unio,estadosemunicpiosaplicarememeducaopercentuaismnimosdas receitas de impostos (Melchior,1981).Oartigo 156 da Carta de 1934 estabelece queaUnioeosmunicpiosaplicaronuncamenosdedezporcento,eos estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante deimpostos,namanutenoedesenvolvimentodossistemaseducativos.Esse dispositivo foi excludo da Carta de 1937 e reincorporado na Constituio de 1946, cujo artigo 169 mantm a vinculao de 10% para a Unio e de 20% para estados e Distrito Federal, e eleva para 20% a dos municpios. A regulamentao da Carta de1946foilongaepolmicaeculminoucomaLeideDiretrizeseBasesda Educao Nacional(LDBE), sancionada em dezembro de1961(Lei n. 4.024/61). ComaLDBE,opercentualdaUniofoiampliadopara12%eodosestadose municpios foi mantido em 20%. Oregimemilitar(1964-85)inicialmenterevogouessemecanismo;ea Constituiode1967suprimiuodispositivoparaastrsesferasdegoverno. Posteriormente,em1969,aobrigatoriedadefoireintroduzidaapenasparaos municpios,paraseraplicadanoEnsinoPrimrio.Oartigo15daEmenda Constitucionaln.1/69desobrigouaUnio,osestadoseoDistritoFederalde vincular recursos educao. Os municpios voltaram a arcar com a obrigao de destinar20%dareceitatributria(nomaisreceitasdeimpostos)aoensino primrio (no mais em educao).AReformado1oe2oGrau,implementadaem1971(Lein.5.692/71), manteveessedispositivoparamunicpios(20%dareceitatributria)e acrescentounovavinculaoobrigatria:20%dasreceitasdoFundode ParticipaodosMunicpios(FPM).Osrecursosdessasfontespassaramaser

17SegundoAzevedo(1963:609):OtriunfodoprincpiofederativocomoadventodaRepblicanos consagrou, mas ampliou, o regime de descentralizao estabelecido pelo Ato Adicional de 1834 e, jogando a educaofundamental(primriaesecundria)doplanonacionalparaosplanos locais,subtraiu esfera do governo federal a organizao das bases em que se devia assentar o sistema nacional de educao.Damesmaperspectiva,Melchior(1981:12)salientaque:ComaProclamaodaRepblica,ogoverno central desligou-se definitivamente do ensino primrio, passando a responsabilidade para o Distrito Federal e limitando-se a uma ao supletiva. Com a implantao do regime republicano, buscou-se o fortalecimento das unidadesfederadas.Assimasresponsabilidadesforammaisoumenosdefinidas:ensinosuperiorcoma Unio, o primrio com os estados e o mdio com a iniciativa privada. 17aplicadosnorecm-criadoEnsinodoPrimeiroGrau,queincorporouosantigos nveis de ensino primrio e ginasial, com durao de oito anos.Para compensar a subtrao de recursos fiscais do Tesouro nacional para o financiamentodaeducao,ogovernofederalcriouosalrio-educao,uma contribuiosocialincidentesobreafolhadesalrioepagacompulsoriamente pelas empresas.18 Emsuma,nops-64,aUniodesobrigou-sedevincularrecursosfiscais paraeducao,rompendoumatradioiniciadaem1934.Emseulugar,criou umanovacontribuiosocial,osalrio-educao(avinculaoderecursos,por lei, foi mantida apenas para os governos municipais). 2 CENTRALIZAO DO PROCESSO DECISRIO AcentralizaodoprocessodecisrionoExecutivofederalestdescrita aquicomoasegundacaractersticaestruturaldaestratgiadogovernoparaa poltica social no ps-64.Essacaractersticafoicondicionada,emprimeirolugar,pelocontexto polticoeinstitucionalautocrticoprpriodoautoritarismo,marcadopela supresso dos direitos civis e polticos. Esse processo foi intensificado a partir de 1968, com a edio do Ato Institucional n. 5 (Martins, 1977; Gaspari, 2002-b). Estecenriofoifavorvelparaque,dentreospoderesrepublicanos, prevalecesseumPoderExecutivoforte,anteosPoderesLegislativoeJudicirio enfraquecidos.SoconhecidososexpedientesmedianteosquaisoExecutivo interferiu na autonomia do Legislativo, fechando o Congresso Nacional, cassando mandatosdeparlamentaresoposicionistasemanipulandoasregrastradicionais estabelecidas. O mesmo se verifica no tocante ao Poder Judicirio. emblemtica ainterfernciadoExecutivonacomposiodoSupremoTribunalFederal.Para obteramaioriadosvotosnainstnciasupremadajustiabrasileira,oExecutivo decretouaaposentadoriacompulsriademembrosno-alinhados,substitudos por juristas dceis ao Regime Militar.AforadoPoderExecutivoFederaltambmsemanifestavaanteos governosestaduaisemunicipais.Comosesabe,suspensasaseleiesdiretas, osgovernadoreseramaprovadosporumcolgioeleitoral,procedimentoque apenassuavizavaanomeao,peloPresidentedaRepblica,deinterventores estaduais.Omesmoocorreunocasodosprefeitosdascapitaisedeoutros municpiosconsiderados prioritriospelaLei de Segurana Nacional. Alm disso,

18 Os recursos do salrio-educao, arrecadados pela Unio e repassados aos estados e aos municpios, eram utilizadosnoensinode1e2graus.Cercade2/3dosrecursosdosalrio-educaoeramtransferidosaos estadosemunicpiose1/3ficavaempoderdoGovernoFederal.Essaparcelafinanciavaasatividadesdo FundoNacionaldeDesenvolvimentodaEducao(FNDE).Nofinaldoperododosgovernos militares,os recursos do salrio-educao representavam cerca de 10% do oramento do MEC. 18aConstituiode1967ampliousignificativamenteaspossibilidadesde intervenofederalnosestadosenosmunicpios,conferindopoderesilimitados ao Executivofederalpara decidir sobre o desmembramentoe ata extino dos estados (Affonso, 1997:12).Estecenriotambmfoipropcioparaqueasociedadecivil,emsentido amplo, fossealijada do processo poltico e do controle democrtico sobre a ao do Estado.Adestituiodasentidadessindicais,dagestodaspolticassociaisno ps-64 outra das faces desse movimento. Interrompia-se, assim, um longo ciclo, intensificado entre 1945e 1963,em queclasse trabalhadora tinha representao nadefiniodosrumosdaprevidnciasocial,dapolticasalarialedaprpria Justia do Trabalho.Em segundolugar, acentralizao do processo decisrio da poltica social noExecutivofederalmanifestou-se,noplanoeconmico,pelasreformas institucionaisimplementadasentre1964e1967,nosmarcosdamodernizao conservadoradosinstrumentosdepolticaeconmica(TavareseAssis,1985). Em ltima instncia, essas reformas visavam a ampliar as bases de financiamento daeconomianacionaleacentralizarseucontrolenombitodasautoridades econmicasfederais.EsseduploobjetivofoialcanadopelaReformaTributria, pelaReformaAdministrativaepelaReformadoSistemaFinanceiroNacional, todas realizadas entre 1965 e 1967.AReformaTributria(Oliveira,1981)foiumdosinstrumentosde consolidaodofederalismocentralizado,vigentenocicloautoritrio.Opoder polticodoExecutivofederalfoireforadopelaconcentraodobolotributrio nessa esfera de governo. Na mesma perspectiva, as transferncias negociadas foramdifundidascomomodalidadeprivilegiadadeinteraodaUniocomos governadores e com os prefeitos.19 AReforma do Sistema FinanceiroNacional (Sochaczewski,1983) tambm potencializouacapacidadedefinanciamentodaeconomiabrasileira,aomesmo tempoemqueampliouaconcentraodosrecursoseminstituies governamentaisvinculadasaoExecutivofederal.OSistemaFinanceiroda Habitao (SFH), forjadono mbito dessa reforma, exemplar, pois representou um formidvel instrumento de centralizao de poder institucional e financeiro das polticas de habitao e de saneamento no mbito do BNH.

19DeacordocomSerraeAfonso(1992:2):Acentralizaopolticaqueacompanhouainstalaoea consolidao do regime autoritrio em meados dos anos sessenta, projetou-se fortemente na rea das finanas pblicas.AUnioconcentrouemsuasmosomaiornmerodetributos(inclusivecontribuies),retevea maioria dos impostos de base econmica mais slida e passou a interferir na cobrana prpria dos estados e municpios.Comocontrapartida,etambmcomopropsitodeampliaresistematizararedistribuio regional da receita tributria nacional, concebeu-se um esquema de repartio intergovernamental de impostos mais sofisticado e efetivo do que o anteriormente vigente.19A Reforma Administrativa (Dias, 1968) propiciou a expanso das empresas pblicasque,regidaspelaLeidasSociedadesAnnimasefinanciadascom receitasoperacionaisprprias,adquiriramagilidadeeautonomiaemfacedo sistematradicional.Esseprocessofoiparticularmenteintensonoplanofederale repercutiu no aparato da poltica social. Aindanoplanoeconmico,acentralizaodoprocessodecisrioda polticasocialfoiumsubprodutodaestratgiadeestabilizaoimplementada entre1964e1967nombitodoProgramadeAoEconmicadoGoverno (Paeg).Aorestringirautilizaodefontesfiscaisnofinanciamentodaspolticas sociais, talestratgia induziuo uso dascontribuiessociais, controladas pelas burocracias federais.AcentralizaodoprocessodecisriodaspolticassociaisnoExecutivo federalmaterializou-senacriaodecomplexasagnciasburocrticasfederais, portadorasdeexpressivosrecursosdepoder,quepassaramaformular, implementaregerirpolticassetoriaisdecortenacionaleacontrolarfundos financeiros de magnitude considervel.Essacaractersticadaestratgiaadotadanops-64tambmapresenta singularidade que pode ser analisada por setor, como se v a seguir.Centralizao no Complexo Previdencirio Aprimeiramedidaqueresultounacentralizaodoprocessodecisrio nestecampofoiacriao,em1967,doInstitutoNacionaldePrevidnciaSocial (INPS).ComoINPS,foramextintososInstitutosdeAposentadoriaePenso (IAP),basedapolticaprevidenciriadoperodo1930-1964.Paralelamente,foi suprimida arepresentao daclasse trabalhadora, na administrao desses IAP. Desdeento,oINPSpassouasergerenciadopelatecnocraciafederale transformou-se na principalagnciade implementao das polticas nacionais de previdncia social e de assistncia mdica previdenciria.OsegundopassofoiacriaodoMinistriodaPrevidnciaeAssistncia Social(MPAS),em1974;edoSistemaNacionaldePrevidnciaeAssistncia Social (Sinpas), em 1977. Como mencionei, o Sinpas era coordenado pelo MPAS econtemplavaaspolticasdeprevidnciasocial,deassistnciamdicaede assistncia social.NombitodoSinpas,foiinstitudooInstitutoNacionaldeAssistncia MdicadaPrevidnciaSocial(Inamps).Atento,cabiaaoINPSprestara assistncia mdica previdenciria. Com o Inamps, a ao do INPS ficou restrita gestodosbenefciosdaprevidnciasocial.Comojmencionei,almdesses rgos,tambmintegravamoSinpasasseguintesagnciasgovernamentais: Iapas, Dataprev, Ceme, LBA e Funabem.20Paraqueseavalieopoderpoltico,institucionalefinanceirodoSinpas, observe-se que, ao final do perodo ditatorial, esse complexo empregava mais de 195milfuncionrios,havia3.400representaeslocaisespalhadaspelopas, 16.200imveispatrimoniais,41hospitaisprprios(9.761leitos),3.800hospitais contratados(195milleitos),33milmdicose10mildentistascredenciados.O Sinpas estava presente em todos os estados e em grande parte dos municpios de maior porte (Silva, 1992:15).Centralizao na EducaoNosetoreducacional,acentralizaodoprocessodecisriorevela-sena amplitudedascompetnciasexclusivasdoMinistriodaEducaoeCultura (MEC).AoMECcabiaregulamentar,paratodoopas,currculos,programas, carreiras domagistrio, jornadas de trabalho, material de ensino-aprendizagem e demais insumos bsicos para o funcionamento das escolas de 1 e de 2 grau.20 UmdossmbolosdacentralizaonosetoreducacionaleraoConselho FederaldeEducao(CFE).Formadodemembrosindicadosdiretamentepelo presidentedaRepblica,oCFEdetinhaextraordinriopoderparaautorizaro funcionamento dasinstituies de ensino superior, pblicas e privadas (Fonseca, 1992).OutroemblemadacentralizaoeraoProgramaNacionaldeMerenda Escolar(PNME).Duranteoperodoautoritrio,oExecutivofederalera responsvelpelacompraepeladistribuiodosprodutosalimentaresque compunhamamerenda,paratodasasescolaspblicasdetodososmunicpios brasileiros,doOiapoqueaoChu.Depoisdecomprar,oMECestocavae organizavaalogsticadetransportedosalimentosparacadaumdosmunicpios dopas.Noporacaso,umdoslobbiesmaispoderososexistenteseativosno MEC,entre1964e1985,foiodosproprietriosdeempresasdetransportede carga. Essa prtica vigorou at 1996, como um dos exemplos mais contundentes dasmazelasprovocadaspelacentralizaodaspolticassociaisnaditadura.A seguinte passagem do depoimento de um ex-dirigente do MEC, responsvel pela gesto do Programa Nacional da Merenda Escolar, reveladora: Houve um tempo em que a farinha de mandioca, que era servida na merenda escolar do Acre,eraproduzidanaregiodeCruzeirodoSul,bemprximafronteiracomoPeru.Era

20 Nas palavras de Mello (1994:57): Esse padro centralizador se reproduz em todas as esferas de governo, inclusivenamunicipal,poisasnormasqueoregemsonacionaiseoscostumesqueoapiamsoo autoritarismo e o clientelismo, dos quais nenhuma instncia governamental est isenta. Currculos, programas, estratos e carreiras do magistrio, jornadas de trabalho, materiais de ensino-aprendizagem, todos os insumos bsicos paraofuncionamentodas escolas, foramdecididosno nvelcentral,no emtermos de diretrizes ou normastcnicasbsicas,masdeformadetalhadaeburocrtica,queengessaagesto cotidianadas escolas. Com isso, muito pouco sobrou de margem de deciso a estas ltimas. O enorme centralismo e a verticalizao dos sistemas de ensino debilitaram as unidades prestadoras do servio educacional, isto , as escolas. 21comercializadaemRioBrancoouseja,viajara700kmparasercomercializadaevoltavaa CruzeirodoSulpara ser distribuda. Pagava-se um passeio areo de 1.400 km para ter merenda escolar de seus alunos e todos ns sabemos que o Cear tem um dos litorais mais piscosos do pasmasopeixeservidonamerendaescolarerapescadonoRioGrandedoSul,nasguas internacionaisdaArgentina.Ento,pagava-seotransporteemcaminhesfrigorficos,que rodavam mais de 4.000 km, para que o peixe chegasse ao Cear. Coisas desse tipo aconteciam (Depoimento de Carlos Pereira de Carvalho e Silva, ex-presidente da Fundao de Assistncia ao Estado, FAE, na CPI Emenda Calmon, prestado em agosto de 1988. Apud, NEPP, 1989:340). Acentralizaodapolticaeducacionaltambmevidenciadanuma infinidadedeprogramas,comooProgramaNacionaldoLivroDidtico,por exemplo,queimplicavaselecionar,produziredistribuirlivrosparatodasas escolas de todos os municpios do pas.Centralizao da Habitao e do Saneamento OutroexemplonotveldesseprocessooBancoNacionaldeHabitao (BNH),responsvelpelaformulaoeimplementaodaspolticasnacionaisde habitao e de saneamento.Nareahabitacional,oBNHconcentravaopodersobreagestodo Sistema Financeiro da Habitao (SFH) do qual faziam parte, como j vimos, o FGTSe as cadernetas de poupana centralizando e controlando as decises e aesafetasaoconjuntodasentidadesdoSistemaBrasileirodePoupanae Emprstimo(SBPE),asCompanhiasHabitacionais(Cohab)easCooperativas Habitacionais.OBNHdecidiasobreaoportunidadedetodososprojetosde habitao,emtodososmunicpiosbrasileiros.Cabiaaosagentespromotores submeterseus projetos burocracia do BNH; seaprovados,os projetos ficavam sujeitos s regras e s normas estabelecidas pelo rgo.O processo de centralizao da poltica nacional de saneamento bsico foi tambmemblemtico.OBNHconcentravaopodersobreagestodoSistema FinanceirodoSaneamento(SFS)esobreaatuaodasConcessionrias Estaduais de Saneamento (CES) criadas em Estado. At o final da dcada de 60, cabia,especialmente,aosmunicpiosoperarosistemadesaneamentobsico. ComoPlanoNacionaldeSaneamento(Planasa),oBNHeasCompanhias EstaduaisdeSaneamento(CES)passaramacontrolaramaiorpartedesses sistemasmunicipais.OSFS,basefinanceiradoPlanasa,recebiarecursosdo FGTSedosFAE;eeraadministradopeloBNH,noplanonacional,epelas ConcessionriasEstaduaisdeSaneamento,nombitoregional.OPlanasafoio coroamentodeumprocessodecentralizao(econmica,institucionale financeira)dasaesdegoverno,naesferafederal,tendo-secerceadoas possibilidadesdeosmunicpiosgerenciaremseusrespectivossistemaslocais,a participao das comunidades e os meios para o efetivo controle pela sociedade. 22O Planasa era inflexvel e preconizava um modelo nico, para um pas continental e heterogneo.Nasreasdetransportepblicoesuplementaoalimentarpolticas menos prioritrias no ps-64 , a interveno estatal obed