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POLÍTICA DE ATENDIMENTO NO ENSINO BÁSICO EM PERNAMBUCO: continuidades e descontinuidades 1975-2001 Lia Parente Costa (VERSÃO A CONCLUIR)

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Page 1: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

POLÍTICA DE ATENDIMENTONO ENSINO BÁSICO EM PERNAMBUCO:

continuidades e descontinuidades1975-2001

Lia Parente Costa

(VERSÃO A CONCLUIR)

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INTRODUÇÃO

Este trabalho constitui um aprofundamento da análise realizada no texto

Políticas Públicas de Educação Básica em Pernambuco 1975-2001 – Parte I . Naquele

primeiro momento a análise debruçou-se sobre as diretrizes definidas, nos diferentes

períodos de administração governamental, para o conjunto do sistema público de

educação básica, ou seja, as medidas dirigidas ao tripé constitutivo do sistema

educacional - alunos, professores e escolas - em cada um dos níveis e modalidades de

ensino. Efetivou-se, assim, uma análise vertical da política educacional no Estado.

O exame, que ora se realiza, faz-se no sentido longitudinal, examinando-se, de

per si, os diversos níveis e modalidades de ensino em todo o período, buscando

verificar as possíveis continuidades, descontinuidades e continuidades-descontínuas,

que marcaram a política dirigida à educação básica no Estado.

A política educacional, em cada momento, envolve uma série de diretrizes e

ações referentes aos diferentes aspectos do sistema educacional. Ou seja, esta

política, em geral, diz respeito a um conjunto de medidas dirigidas ao sistema de

educação. Ela deve partir, em tese, de um diagnóstico, mais ou menos detalhado e

consistente, do alcance e dos problemas, quantitativos e qualitativos, nele encontrados,

definindo, então, de acordo com os recursos humanos e materiais existentes, os níveis

e as modalidades de educação a serem priorizados, as medidas compensatórias que

poderiam servir para minorar questões de ordem externa à escola - no caso brasileiro,

quase exclusivamente de ordem sócio-econômica - e que, no entanto, têm grande

impacto sobre as condições de aprendizagem, as possibilidades de retenção e de

continuidade dos estudos dos alunos incorporados ao sistema de educação e as

formas de incorporação dos que se encontram excluídos.

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Page 3: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

Ademais, a política de educação, como qualquer política pública, não é o mero

resultado da vontade de um governante. Na sua definição interfere, com maior ou

menor intensidade, uma multiplicidade de forças que vão desde interesses, inclusive

eleitorais, dos diferentes partidos e subgrupos partidários no poder, de acordos

internacionais, das concepções derivadas da produção científica e do debate entre

educadores, até à capacidade de pressão de diversos setores sociais, tais como

partidos políticos de oposição, grupos empresariais de diversos setores econômicos e

matizes políticos, pais, alunos e professores, como também as orientações

predominantes na organização burocrática direta ou indiretamente vinculada ao setor

de educação pública.

Também interfere na delimitação de uma política de educação a forma como se

expressa, em cada momento, o pacto federativo, que pode permitir um maior ou menor

grau de autonomia às instâncias estaduais e municipais, seja no que se refere aos

recursos próprios disponíveis ou aos transferidos pela União, seja no que diz respeito

ao detalhamento dado, no âmbito federal, às orientações e ações dele emanadas.

Uma análise longitudinal da política educacional, como se pretende, envolveria,

pois, realizar, a um só tempo, um exame das diretrizes e ações encetadas pelo Estado,

dos alcances e fragilidades do sistema educacional, bem como de suas múltiplas

influências e da realização concreta das medidas propostas, incluindo-se aí um

trabalho de campo que pudesse dar conta de como se processam as determinações

derivadas das diferentes instâncias que definem as ações a serem realizadas.

O trabalho, todavia, se limita à análise longitudinal da política educacional

contida nos documentos oficiais de cada período governamental, reduzindo-se,

ademais, no que diz respeito especificamente a este texto, ao exame da política de

atendimento, ou seja, às propostas referentes à inserção e percurso da população no

sistema público de ensino. Esta análise, entretanto, não é feita sem que sejam levadas

em conta as decisões emitidas na instância federal. Além disso, sempre que existam,

são utilizadas informações e análises derivadas de trabalhos sobre a situação da

educação básica em Pernambuco e no País.

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ENSINO BÁSICO:continuidades e descontinuidades

À primeira vista, poder-se-ia considerar a política educacional, em

Pernambuco, como coerentemente encaminhada para o progressivo incremento do

atendimento da população no sistema de educação pública, tanto no que diz respeito

às preocupações com a questão da quantidade, quanto aos problemas de qualidade do

ensino oferecido, a despeito de não terem sido superados muitos dos problemas

educacionais existentes, parece que “desde sempre”, como os de evasão, reprovação,

e repetência. A percepção desta continuidade parece contrariar outras expectativas

que orientaram este trabalho, ou seja, a da possível predominância da

“descontinuidade” das políticas educacionais (CUNHA, 1991; VIEIRA, 1998) ou do que foi

denominado de “continuidade-descontínua” (OLIVEIRA 2003).

Este primeiro exame, porém, não resiste nem mesmo à comparação entre duas

gestões subseqüentes, ainda quando se tratem de governadores de um mesmo

partido, ou subgrupo partidário, sendo possível verificar quão pouco há de continuidade

na política educacional. Assim é preciso considerar a política educacional como um

processo que encerra tanto continuidades, quanto descontinuidades e continuidades-

descontínuas, estas últimas responsáveis por um “saldo” final de um aparente esforço

comum de melhoria crescente do atendimento escolar.

Parece possível, entretanto, distinguir, de acordo com as prioridades definidas,

nos documentos oficiais, dois diferentes momentos no período analisado: a) o primeiro,

que se estende de 1975 a 1986, poderia ser visto principalmente em termos das

preocupações de ordem quantitativa, ou seja, voltado para o aumento da oferta das

oportunidades de acesso à educação pública formal, correspondendo às gestões de

dois dos governadores durante a fase mais autoritária do domínio militar, Moura

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Cavalcanti e Marco Antonio Maciel, e à de Roberto Magalhães, do mesmo partido dos

anteriores, conduzido ao cargo nas primeiras eleições diretas para o executivo estadual

desde 1964; b) o segundo, pós-1987, seria caracterizado pela prioridade conferida à

qualidade do ensino, e foi marcado por sucessivos eventos que culminaram com a

instituição do regime democrático no país, tais como a instalação da Assembléia

Nacional Constituinte e a subseqüente aprovação de uma nova Carta Constitucional

para o Brasil, as eleições diretas para prefeitos das capitais, dos municípios

considerados como de segurança nacional e das estâncias hidrominerais e, finalmente,

para a presidência da República, bem como, o que é mais importante para este

trabalho, os intensos debates, iniciados antes mesmo da eleição dos deputados

constituintes, sobre a educação nacional.

A relativa indiferenciação deste primeiro momento poderia ser parcialmente

justificada em termos da indistinção interna dos principais partidos políticos legalmente

reconhecidos até 1981, quando ocorreu a mudança na legislação partidária. De fato,

nos primeiros anos do período aqui considerado, até 1987 - quando assume o governo

de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, apoiado por uma gama de partidos

oposicionistas – o mesmo grupo partidário vinha conduzindo a administração do

Estado. Este fato, em si, poderia indicar uma continuidade, pois, a despeito das

observações constantemente feitas sobre a pouca significação político-ideológica dos

partidos políticos no Brasil, considera-se que, naquela ocasião, os laços políticos

predominantes se orientavam no sentido exclusivo de apoio ou oposição ao regime

autoritário, observando-se, assim, um raro momento de consenso interno nos partidos,

principalmente entre os políticos que davam sustentação aos governos militares, que

formavam a Arena, mais tarde transformada em PDS e, depois, também em PFL.

No que diz respeito propriamente à política educacional, o momento inicial, ou

seja, até 1987, como já se observou antes, deu prioridade à extensão das

oportunidades de acesso ao ensino fundamental, principalmente às quatro primeiras

séries, ainda que também se possa considerar a ampliação da oferta da alfabetização

de adultos, então conduzida quase exclusivamente pelo Mobral – Movimento Brasileiro

de Alfabetização. Esta fase da política educacional, portanto, se orientava para a

inclusão daqueles que se encontravam fora do sistema educacional e se fundamentava

num amplo programa de construção de escolas, tão fortemente enfatizado que deu

ensejo a que o Consed a ele se tenha referido como o período da “pedagogia do tijolo”.

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É preciso salientar que não se pretende aqui estabelecer uma separação rígida

entre os termos quantidade e qualidade, necessariamente vinculados. Ademais, a

própria reforma do ensino determinada pela Lei 5692/71 poderia ser vista como

refletindo preocupações de ordem qualitativa, na medida que definia a

profissionalização do ensino médio (ou ainda no nível fundamental, sempre que as

condições de oferta e de continuidade de escolarização conferissem a este nível a

terminalidade dos estudos) e propunha dobrar o tempo de educação obrigatória, de

quatro para oito anos, o que, certamente, poderia ter um significativo impacto sobre as

possibilidades de aquisição de conhecimentos. Infelizmente, a prioridade conferida à

imediata ampliação do acesso ao ensino de 1o.grau levou à adoção do “turno

intermediário”, reduzindo, desta forma, a jornada escolar diária e, assim, em princípio, a

significação da pretendida extensão do período de escolarização obrigatória.

Entretanto, mesmo em relação a esta primeira classificação de diferentes

momentos, em que se pode perceber uma semelhança com respeito às prioridades

definidas para a política educacional, a impressão de continuidade logo se desfaz: a

gestão de Marco Antonio Maciel (1979/1982), que se seguiu ao primeiro dos governos

analisados, Moura Cavalcanti (1975/1979), considerou, em plena sintonia com o

recomendado no III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto 1979-1985, do

MEC, que o aumento das oportunidades educacionais, apesar de ter se dado num

ritmo maior do que o da taxa de crescimento da população, não teria permitido a

incorporação ao sistema escolar das populações ditas “marginalizadas”, urbanas e

rurais, razão que serviu de justificativa para dedicar a estes grupos a prioridade da

política educacional de seu governo (CANUTO, 2003).

O atendimento a este segmento da população, todavia, foi entendido como

oferta de ensino não formal, ou não regular, com a justificativa de que a educação

escolar não seria do seu interesse, posto que se tratava de um universo de

analfabetos, desempregados e subempregados, para os quais importaria a oferta de

uma educação não formal, voltada para a possibilidade de incorporação imediata ao

trabalho. Note-se que esta postura não dizia respeito exclusivamente à educação de

jovens e adultos, mas se referia também à educação infantil, contando-se para isto com

a organização de Associações de Mães, que seriam treinadas para complementar, e

até substituir, o pessoal necessário para as atividades com o pré-escolar (CANUTO, op.

cit.). É preciso chamar atenção para o fato de que esta opção se fez quando ainda era

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extremamente alta a proporção de crianças de 7 a 14 anos que se encontrava fora da

escola.

É possível, deste modo, interpretar as medidas então tomadas quanto à

educação dos “marginalizados” como servindo a interesses clientelistas, na medida que

eram utilizadas pessoas da própria comunidade como “guardadeiras” para a educação

infantil, ou como docentes, na iniciação profissional, oferecendo-lhes, em troca,

material que lhes permitisse a melhoria de suas habitações.

Cabe, assim, dar crédito às palavras de Vieira, para quem “nada garante que

uma experiência bem sucedida no campo educacional seja em qual for à esfera do

Poder Público, venha a prosseguir na gestão subseqüente” (VIEIRA, op. cit.). Pode-se,

pois, imaginar o que acontece com as experiências que sequer foram avaliadas, como

foi o caso desta mudança de ênfase no atendimento, a que se fez referência

anteriormente.

A preocupação com a qualidade do ensino não se faz, portanto, prioridade na

política educacional, até 1987. Este fato, aliás, poderia ser visto como estando de

acordo com a perspectiva adotada: o que se enfatizava era o cumprimento das

diretrizes do Governo Federal de universalização do ensino fundamental. Não se

mencionava, em geral, a educação como um direito, ou o seu significado para a

construção da cidadania. De fato, a única menção à cidadania, no período, foi feita na

gestão Moura Cavalcanti, e era entendida apenas em relação aos deveres do cidadão,

sem qualquer referência aos seus direitos.

Surpreende, porém, que não se dirigisse à questão da qualidade do ensino

uma maior atenção, tanto mais quando se observa que a educação era pensada como

fator de desenvolvimento econômico. Difícil entender esta idéia instrumental da

educação sem que a ela fosse relacionado um tipo específico de ensino que pudesse

propiciar a assimilação dos conteúdos necessários ao projeto econômico-social

hegemônico, principalmente no que se refere a um novo padrão cultural, a “cultura do

industrialismo”, tal como o pretenderam os defensores do nacional-

desenvolvimentismo, antes de 1964, que propugnavam pela superação da cultura

livresca e academicista prevalecente no sistema de ensino brasileiro, unindo teoria e

prática, como já haviam realizado outros países desenvolvidos, enfatizando-se os

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Estados Unidos, país modelo sempre presente no desenvolvimentismo, antes e depois

de 1964.

A ênfase no binômio educação - desenvolvimento, naquele momento, serviu,

de fato, para estabelecer, mais uma vez na história da educação no Brasil, um sistema

dual: educação para o trabalho, para os pobres, e educação geral, propedêutica, para

os demais estudantes, características estas observáveis com respeito à educação de

adultos e, principalmente, ao ensino médio.1

À ênfase no aumento das oportunidades de acesso à educação correspondeu,

também para este primeiro momento, uma política de construção de escolas e de

“privatização” de recursos públicos, via locação de prédios, compra de vagas e

concessão de bolsas de estudo na rede privada.

O segundo momento do período analisado, ou seja, o que se inicia com o

governo Miguel Arraes, em 1987, foi marcado, como já se chamou atenção

anteriormente, pelas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, que foram

precedidas de amplos debates sobre a significação da democracia e o estabelecimento

de direitos democráticos.

No que diz respeito propriamente à educação, observou-se uma grande

mobilização dos educadores e professores, em suas associações e organismos de

representação. Foram realizados encontros e seminários de educação nos diferentes

estados, e diversas conferências nacionais, em que eram fortemente criticados os

‘descaminhos’ da educação no Brasil, definindo-se uma luta em defesa da escola

pública e recomendações para quase todos os aspectos que deveriam estar presentes

em uma política educacional que pretendesse realizar o resgate da educação nacional.

Além disto, este segundo momento pôde aproveitar-se dos resultados de novas

experiências de política educacional levadas a efeito nos estados em que a oposição

ao governo militar conquistou, ainda nas eleições de 1982, a direção do Executivo,

notadamente no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

1 As escolas privadas de ensino médio tenderam a “(...) disfarçar um currículo exclusivamente geral e propedêutico (preparação para o ensino superior) através de cursos falsamente profissionais mas “adequados” aos cursos universitários”. (CUNHA, 1975: 164)

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Nesta conjuntura, a vitória relativamente tardia das oposições em Pernambuco,

representada pela vitória eleitoral de Miguel Arraes, e relativamente tardia, permitiu

redefinições políticas significativas, tanto no que diz respeito aos aspectos econômico-

sociais, em geral, quanto no que se refere especificamente à educação pública.

A política educacional, sem pretender descuidar da incorporação da população

à escola, em especial da universalização do ensino fundamental, caracterizou-se por

uma acentuada preocupação com a qualidade do ensino público. Partiu-se da idéia de

que era necessário garantir a assimilação dos conteúdos definidos para o ensino

fundamental, o que equivaleu à máxima do ”direito à educação de qualidade”. Esta

preocupação com a qualidade se expressou na realização de programas de

qualificação para os professores e nas recomendações quanto aos métodos de ensino

a serem utilizados, que deveriam propiciar, além do domínio do conhecimento

socialmente produzido, condições para o exercício da criatividade e da crítica. Também

foi muito significativa a realização, no primeiro governo Arraes pós-1964, dos “Fóruns

Itinerantes de Educação”, que permitiram um amplo debate sobre os principais

problemas educacionais do Estado, a criação de um grande élan entre pais,

professores e alunos, e deram ao Plano Estadual de Educação 1988/1991 uma

conotação democrática, posto que resultante da manifestação das expectativas dos

diversos segmentos que deles participaram, deixando de constituir um esforço

exclusivo dos técnicos da SEC2.

Além de modificações quanto às concepções educacionais que deveriam

nortear o esforço de melhoria do ensino público, nesse momento muda-se a orientação

dada à construção de escolas. É verdade que no momento iniciado em 1987, foi

necessário, como nos governos anteriores, que o Executivo se dedicasse às tarefas de

recuperação, ampliação e mesmo construção de escolas, tanto para fazer face à

expansão do acesso ao sistema público de educação, quanto devido ao desgaste das

instalações, resultante não somente da qualidade das construções escolares, mas

também da intensidade de seu uso.

2 A forma como foram organizados os “Fóruns” foi alvo de muitas críticas por não terem caráter deliberativo. Sem embargo, é preciso considerar que apenas com aquela organização seria possível uma participação mais ampla da população interessada nos problemas educacionais, ainda que, é claro, todas as opiniões e desejos não tivessem iguais chances de incorporação ao Plano Estadual de Educação para o período.

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Entretanto não se pode pensar que se tratava de conferir prioridade à

construção. Pelo contrário, à ênfase à construção sucedeu-se uma grande

preocupação com os problemas derivados da equivocada distribuição espacial das

unidades escolares, que resultou na existência de escolas com excesso de oferta de

vagas, subutilizadas, portanto, e escolas superlotadas, situadas em regiões ou

municípios mais populosos. Deste modo, os governantes posteriores a 1987 afirmaram

pretender utilizar critérios de racionalidade para a construção e ampliação de escolas,

orientando-se por comprovada necessidade de incremento da oferta de vagas, ainda

que se possa observar a volta a esta política de construções, como foi o caso do

governo Joaquim Francisco (1971/1975) .

Foi igualmente diferente a postura dos governos deste segundo momento, em

especial as administrações dos períodos 1987/1990 e 1994/1997, correspondentes aos

dois mandatos exercidos pós-1964 por Miguel Arraes, quando foi feita a opção pelo

fortalecimento do sistema público, evitando a compra de vagas e a concessão de

bolsas de estudo.

A despeito da diferenciação percebida no período 1975/2001, como foi

destacado, seria possível ver, ao mesmo tempo, a política educacional analisada por

este estudo em termos de uma continuidade e de um permanente esforço no sentido

de aumentar o atendimento educacional à população, não somente àquela em idade

escolar, mas também aos jovens e adultos que não tiveram acesso à educação formal

na idade própria à freqüência aos bancos escolares, ou que, por razões diversas,

abandonaram a escola antes de completar seus estudos.

Estas observações sobre aspectos de continuidades e descontinuidades na

política educacional em Pernambuco, e sobre uma declarada melhoria na

compreensão do papel da educação, escondem, entretanto, não só o “vai e vem” com

que de fato foi conduzida, bem como a continuidade, esta verdadeira, de alguns

problemas que, ainda hoje demandam solução.

De fato, a despeito de todos os governos terem se comprometido, em seus

planos estaduais de educação, com a universalização da educação fundamental e com

a gradativa ampliação do ensino médio, passado mais de um quarto de século, pode-

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se bem observar que os feitos se encontram muito aquém do desejável e do que se

afirmava pretender.

Se é verdade que houve um significativo aumento na matrícula no ensino

fundamental e no ensino médio, é também verdade que a grande maioria da população

completa apenas quatro anos de escolarização, o que não significa necessariamente

que tenha concluído os quatro primeiros anos de educação obrigatória. Mais do que

isto, os exames de avaliação, determinados tanto pela Secretaria de Educação do

Estado, quanto pelo Ministério de Educação, têm revelado que os conteúdos vêm

sendo mal assimilados, observando-se, ao contrário das expectativas, uma queda

substancial na qualidade da aprendizagem, ainda que tenha melhorado

significativamente, o nível de formação dos docentes. Sem pretender colocar em

dúvida a importância da formação dos docentes, é, no entanto, óbvio, considerando-se

os mencionados exames, que os esforços de melhoria todavia não conseguiram os

resultados esperados.

A este respeito, é, sem dúvida, necessário repensar os limites do esforço a

empreender no interior da própria escola3, talvez se procurando mais intensamente

formas de neutralizar as condições sócio-econômicas externas.

Feitas tais considerações, são examinados, de modo mais aprofundado, os

diferentes níveis e modalidades de ensino, procurando mostrar como se comportou a

política educacional em Pernambuco entre 1975 e 2001, quando se desvelam mais

claramente as descontinuidades e continuidades que a caracterizam.

EDUCAÇÃO INFANTIL:compensatória?

Pernambuco poderia ser visto como tendo uma tradição relativamente longa na

oferta de educação infantil, posto que esta modalidade foi introduzida no Estado no

3 É preciso deixar claro que não se pensa aqui em medidas de ordem administrativa, de maior autonomia da unidade escolar. Esta foi uma experiência fortemente incentivada pela administração federal anterior, de Fernando Henrique Cardoso, sem que se produzisse, até o momento, a propalada revolução educacional.

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Page 12: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

século XIX. Mas, aqui, como no resto do Brasil, a origem desta modalidade de

educação obedeceu a uma orientação assistencial, dirigindo-se às crianças órfãs ou

abandonadas e aos filhos de mães solteiras. Posteriormente, na segunda década do

século passado, sob a influência de idéias liberais e, principalmente, das concepções

veiculadas pela “Escola Nova”, o ensino infantil foi introduzido em algumas escolas

públicas do Recife, em especial na Escola Normal e em alguns dos maiores grupos

escolares, seguindo o modelo dos “jardins de infância” (CARVALHO, 1985: ARAÚJO, 2002).

Estas primeiras experiências de educação infantil, propriamente dita, no

Estado, não corresponderam às intenções de seus promotores, Ulisses

Pernambucano, diretor da Escola Normal, durante o governo Sérgio Loreto (1922/26), e

Antonio Carneiro Leão, que voltou ao Recife em 19284, a convite do governador

Estácio Coimbra, para realizar a Reforma da Educação, seguindo o modelo da

“Reforma Fernando de Azevedo”, no Distrito Federal.

Estes introdutores do ensino infantil, Ulisses Pernambucano e Carneiro Leão,

pretendiam que esta modalidade de ensino se dirigisse preferencialmente às crianças

mais pobres. Conforme Carvalho, Ulisses Pernambucano teria criticado o fato de que

as turmas de jardim de infância fossem, ao contrário do que desejara com a sua

criação predominantemente ocupadas por crianças das camadas médias (op. cit.:41), o

que contrariava o propósito de “evitar o aumento das crianças abandonadas nas ruas e

entregues ao vício” (NAGLE: 1974). Estas observações dão conta de que, naquele

momento, como também posteriormente, na década de 70, a educação infantil era

pensada como mecanismo compensatório ou, mais precisamente, naquela ocasião,

para servir aos objetivos de higienização.

Em geral, a partir dessas experiências iniciais, foram mantidas e até ampliadas

as turmas de pré-escolar em várias escolas públicas do Recife, muitas vezes com o

propósito de servir de treinamento para as professorandas dos cursos normais, tendo

instalações próprias, ainda quando anexas às escolas normais, e orientação

pedagógica que preconizava a adoção de métodos então em voga, como os de

Froebel e de Montessori. Estes jardins de infância públicos, do mesmo modo que os

4 Carneiro Leão era pernambucano, tendo se formado na Faculdade de Direito do Recife. Antes de sua volta ao Recife ele ocupara,durante 4 anos (1922/26), no Rio de Janeiro, o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal.

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mantidos em escolas privadas eram, conforme Carvalho, ocupados principalmente por

crianças oriundas das camadas de rendas alta e média.

Para os filhos de trabalhadores, entretanto, predominava a perspectiva de

‘higienização’, preconizando-se o atendimento de pré-escolares, em bairros pobres da

Capital, para garantir-lhes alimentação e cuidados médicos. Este foi o sentido

fundamental do “Jardim de Infância dos Pobrezinhos”, da “Liga Protetora da Infância

Desvalida do Recife” e da “Campanha Pernambucana Pró-Infância”, todas durante o

governo de Barbosa Lima Sobrinho, na segunda metade dos anos 40 (CARVALHO, op. cit.).

Esta forma de tratamento dos pré-escolares da classe trabalhadora somente teria sido

distinto durante o curto período de existência do MCP – Movimento de Cultura Popular,

nos anos 60, que priorizava a participação popular, através das Associações de Bairro,

e que foi eliminado pelo movimento militar de 1964.

A educação infantil, depois do golpe de 1964, foi mais uma vez incentivada no

sistema público de educação, na década de 1970, a partir de indicação expressa do

Conselho Federal de Educação – CFE, em 1974, que recomendava a busca de fontes

de financiamento e a elaboração de uma legislação específica que disciplinasse a

implantação e o desenvolvimento do pré-escolar em todos os estados brasileiros,

particularmente no meio rural e nas regiões menos desenvolvidas.

Estas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola

contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da criança e,

assim, teria a função de prevenir o retardo escolar (FERRARI e GASPARY, 1980).

Interessantes são as informações reunidas por estes autores, mostrando que, a

despeito desta ótica “salvacionista”, o atendimento aos pré-escolares tendeu a se

concentrar nas regiões mais ricas e nas cidades maiores, nas capitais dos estados

principalmente, negando o propósito de servir de “antídoto às influências nefastas dos

ambientes pobres”. É possível que esta forma de expansão tenha, afinal, sido resultado

da crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, nos anos do

“milagre econômico”, levando à necessidade de procurar alternativas para o cuidado

das crianças das mães trabalhadoras.

Todavia, o sentido da introdução do pré-escolar no sistema público de

educação, nos anos 70, foi, segundo os autores supracitados, de “educação

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compensatória”, seguindo, com alguns anos de atraso, a adoção, nos Estados Unidos,

de uma série de programas educacionais que pretendiam fazer face às condições de

“privação cultural”, concepção que servia de fundamento teórico para este tipo de

educação.

Os mencionados autores criticam muito adequadamente o fato de não se ter

tomado conhecimento, aqui, das críticas dirigidas a esta concepção que, no caso da

América Latina, foi vulgarizada a partir dos estudos de Oscar Lewis no México e

América Central, com o conceito de “cultura da pobreza”. Chamava-se atenção, nestas

críticas, não somente para o caráter ideológico dos conceitos de “cultura da pobreza” e

de “privação cultural”, mas também para a inadequação das observações realizadas

por Lewis, posto que o que se tomava como resultante da privação cultural ou da

pobreza constituía, de fato, uma cultura distinta, seja por se tratarem de etnias

diferentes, seja por constituírem formas de adaptação ou resistência às condições de

vida desses grupos (QUIJANO, 1971; SANTOS,1970).

Na adoção desta “educação compensatória” tampouco foram consideradas as

avaliações negativas, com respeito aos programas introduzidos nos Estados Unidos,

de que teriam efeitos limitados e até desalentadores posto que falharam em seus

objetivos. Pelo contrário, como observa Patto, considerava-se que

A educação compensatória preventiva [teria] por objetivo impedir que o ambiente em

que a criança se desenvolve produza as conseqüências negativas que costuma

produzir. Neste sentido, a educação pré-primária seria utilizada como ‘antídoto’ às

influências nefastas dos ambientes pobres (PATTO, 1973).

É preciso observar o quanto há de preconceito nesta recomendação da

educação pré-escolar. Em nenhum momento eram considerados os problemas

internos da escola, inclusive suas próprias condições de funcionamento - mal

construídas, professores mal remunerados, a pequena extensão da jornada escolar,

bem como as questões de cultura de classes, principalmente no que se refere à

imposição de uma linguagem distinta daquela utilizada pelos estudantes - que se

encontram no cerne das mais importantes dificuldades de aprendizagem dos alunos

com origem nos grupos de renda mais baixa.

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O atendimento em massa no pré-escolar coincidiu, então, quase totalmente

com o começo do período em análise (1975). Inicialmente, durante a administração de

José de Moura Cavalcanti, dando continuidade ao que vinha sendo feito já no final do

governo anterior. O atendimento mais significativo, em termos quantitativos, se fazia no

Programa de Atendimento ao Pré-Escolar - Proape e nas Mini-Escolas.

O Proape tinha como objetivo precípuo fornecer às crianças de 4 a 6 anos uma

alimentação que superasse os problemas nutricionais que eram tidos, naquele

momento, como a causa mais significativa do fracasso escolar, determinando as

dificuldades de aprendizagem, não cabendo, pois, na verdade, considerar os espaços

criados por aquele programa como instituições educacionais.

Quanto às Mini-Escolas, tinham as limitações de congregarem um número

excessivo de crianças e de funcionarem em ambientes pouco adequados para

atividades educacionais - quase sempre ocupavam galpões anexados a escolas de

1o.grau ou mesmo os pátios cobertos que deveriam ser destinados à recreação dos

alunos do ensino regular, o que, é evidente, levava também ao sacrifício do espaço

destinado às demais crianças. Tanto o Proape quanto a Mini-Escola eram, de acordo

com Carvalho, desprovidos de orientação pedagógica específica, parecendo servir

mais adequadamente à “guarda” de crianças.

Uma exceção significativa a esta forma de conduzir o ensino infantil foi a

realizada pela Fundação Bernardo Van Leer que, através de convênio com a Secretaria

de Educação do Estado, pôde estabelecer, no Recife, os Centros de Educação Pré-

Escolar - inicialmente em Brasília Teimosa, e posteriormente também no Alto José do

Pinho, em Casa Amarela - para atendimento de crianças de 3 a 6 anos, em classes

maternais, jardim de infância e preliminar. Estes centros dispunham de orientação

pedagógica, social, psicológica e nutricional, constituindo, pois, uma experiência real de

educação infantil.

O enfoque de educação compensatória predominou, entretanto, em

Pernambuco até a segunda metade dos anos 80, tendo sido mesmo aprofundado no

período de governo Marco Antônio Maciel (1979/1982), que pretendeu atingir, de

acordo com as orientações do Governo Federal, as populações “carentes” ou

“marginais” que não tinham encontrado guarida na expansão do ensino de 1o.grau,

24

Page 16: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

efetivada na administração Moura Cavalcanti. Nesta perspectiva eram esquecidas,

convenientemente, as condições de produção dessa população “marginal” (KOWARICK,

1975;SIRGADO, 1980).

Naquele governo, de Marco Maciel, as preocupações de ordem pedagógica

estiveram particularmente ausentes: eram treinadas pessoas das “comunidades

carentes”, de preferência mães, que serviriam de “guardadeiras”. O próprio termo deixa

claro, portanto, a idéia de que se tratava de um depósito de pré-escolares, sem

qualquer propósito pedagógico. Também parecem óbvias as intenções clientelistas,

posto que a colaboração com as atividades “educativas” era recompensada com

material para construção ou recuperação das próprias casas das mães voluntárias ou

aquisição de terrenos para construção de moradia, como já foi mencionado.

Esta forma de encarar a educação infantil mudou durante o mandato de

Roberto Magalhães (1983/1987), quando a Secretaria de Educação do Estado

começou a aventar a idéia de que se iniciasse a alfabetização das crianças aos 6 anos

de idade, com o objetivo de evitar as dificuldades de aprendizagem observadas na

1a.série do 1o.grau. Em função deste propósito recomendava-se que fossem criadas

turmas de alfabetização, para as crianças com esta idade, particularmente na capital.

Difícil perceber as razões propriamente pedagógicas de semelhante recomendação,

posto que não há porque pensar que os problemas de aprendizagem possam ser mais

intensos nas cidades maiores.5

A idéia de utilização da educação infantil como momento de alfabetização para

minorar os problemas de reprovação na 1a.série do ensino fundamental também

orientou a expansão desta modalidade de ensino, cf. Plano Estadual de Educação

1992/1995, no Governo Joaquim Francisco Cavalcanti, ainda quando já se

estabelecera o consenso, não somente entre os educadores, mas também entre os

técnicos ligados a diferentes instâncias da administração educacional, no Brasil, de que

a educação infantil teria um fim em si mesma, não constituindo um ensino “pré”

qualquer coisa mais, o que revela o distanciamento da equipe então responsável pela

definição e condução da política educacional em Pernambuco, do teor dos debates

nacionais e o não reconhecimento das conquistas fixadas na Constituição de 1988.

5 Não há qualquer justificativa sobre esta escolha nas mensagens governamentais ou no Plano Estadual de Educação. Talvez o critério usado tenha sido então, simplesmente, a disponibilidade de professores em Recife.

25

Page 17: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

É possível ver que esta última perspectiva, da administração Joaquim

Francisco, era extremamente semelhante àquela inicial, podendo-se considerar ambas

como orientadas pela ótica da “educação compensatória”. De fato, o que parece

constituir a diferença entre elas é o fato de que a primeira, em que predominava o

Proape, era inspirada nas teorias sobre a influência negativa da desnutrição, enquanto

a segunda se pautava mais claramente pela idéia de “privação cultural”, ainda quando

não se a mencionava claramente, como no Plano Estadual de Educação da

administração Joaquim Francisco Cavalcanti.

Os demais governos do período analisado tenderam a orientar-se por um

melhor entendimento do que constitui a educação infantil, superando a idéia de que se

trata de um momento de preparação para o início da escolarização propriamente dita, a

ser iniciada aos 7 anos no ensino fundamental. É necessário salientar porém que,

diferentemente do que ocorreu com os demais níveis e modalidades de educação, com

respeito ao ensino pré-escolar não houve uma política específica nas administrações

Arraes: a expansão da educação infantil deveria ser feita através de ação junto à esfera

municipal, e teria, como prioridade, a “garantia de acesso ao sistema escolar de toda a

população de 05 a 07 anos...” (OLIVEIRA, 2002). Como conseqüência desta política

observou-se um significativo aumento do atendimento municipal ao pré-escolar, que

passou na primeira administração (1987/1990) de 32% para 41%, e de 41,5% para

61%, entre 1994 e 1998.

A mudança de enfoque do pré-escolar6, em Pernambuco, aliás, seguiu de perto

os debates nacionais entre professores e educadores, que foram, em parte,

incorporados pelos técnicos do Ministério de Educação e recomendados na

Constituição de 1988, que reconheceu como direito da criança o acesso à educação

infantil, em creches e pré-escolas. Este reconhecimento constitucional levou a que a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/1996) a consagrasse,

definindo a educação infantil como direito da criança de 0 a 6 anos, fazendo parte da

educação básica, juntamente com o ensino fundamental e o ensino médio.

Também, tal como ocorreu na maioria dos estados, em todo o Brasil, a

educação infantil, em Pernambuco, inicialmente predominante na rede privada (em

6 Recomenda-se atualmente evitar as expressões ‘pré-escolar’ ou ‘pré-primário’ para que assim não se confunda esta modalidade de educação como de iniciação à educação fundamental obrigatória.

26

Page 18: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

1978 correspondia a 48,8%) passou gradativamente à dependência administrativa

municipal7, da mesma forma que o ensino fundamental.

Este fato, no entanto, no caso do ensino infantil, encerra novos problemas:

enquanto o ensino fundamental foi claramente definido como obrigatório e de

responsabilidade municipal, a educação infantil, atribuída à mesma instância

administrativa, não é obrigatória, não havendo garantia das verbas a ela destinadas,

ficando na dependência da política educacional municipal e, mais que isto, dos

recursos municipais, quase sempre exíguos, dadas as condições falimentares da

maioria dos municípios (CERISARA, 2002.)8.

Cerisara chama atenção ainda para o fato de que uma portaria do Governo

Federal, Portaria n. 2854 de julho de 2000, da Secretaria de Assistência Social, tenha

estabelecido que os programas de assistência social permaneceriam recebendo

recursos para o atendimento à população infantil, o que, para ela, evidenciaria que a

educação infantil permaneceria com uma orientação de cunho assistencialista, a

despeito das determinações da LDB, que a classificavam como parte do ensino básico,

devendo, por isto, ser transferidas para a alçada das secretarias de educação

estaduais e municipais.

Outros problemas apontados por esta autora, dizem respeito às prioridades de

acesso e de formação de professores. Conforme a autora, tem sido privilegiado o

atendimento das crianças filhas de mães trabalhadoras e de renda baixa, o que

deslocaria o direito das crianças, tal como definido na Constituição, para um direito de

suas mães.

Quanto ao que diz respeito à formação dos docentes, o decreto presidencial de

n. 3554/2000 estabelece que a formação dos professores para a educação infantil deve

ser realizada “preferencialmente” em cursos normais superiores.9 Esta Portaria, no

entender de Cerisara, contrariaria as orientações da LDB/1996 que definia que todos

7 Em 1978, os municípios eram responsáveis por apenas 9,5% da matrícula, em 2001 corresponde a 57,2%, ultrapassando,portanto, a proporção da matrícula no ensino privado (CARNEIRO e SILVA, 2003).8 Talvez em Pernambuco já esteja aparecendo o problema: em 1998, a proporção de matrícula na rede municipal era de 61,1%, um pouco maior pois que a verificada em 2001.9 Segundo a autora, a Portaria definia, na verdade, que a formação deveria fazer-se exclusivamente nestes cursos, tendo sido modificada em decorrência dos protestos dos educadores.

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Page 19: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

os professores de ensino infantil e fundamental deveriam ter formação especifica em

nível superior.

No entender dos estudiosos da educação infantil, que constantemente

chamaram a atenção para a falta de preparação específica dos professores para este

tipo de ensino, a sua formação deveria ser feita nos cursos de pedagogia, existentes

nas universidades. A criação dos institutos superiores de educação e dos cursos

normais superiores, para os quais seriam dirigidos preferencialmente os professores de

ensino infantil, poderia vir a determinar uma estratificação entre técnicos formados nos

cursos de pedagogia, e professores com formação nestes novos cursos. Certamente

esta será uma conseqüência bem pouco alentadora quando se pretende a

profissionalização e valorização do magistério.

ENSINO FUNDAMENTAL:deterioração sem remédio?

As orientações dirigidas ao ensino fundamental tenderam ao que tem sido aqui

chamado de continuidade-descontínua. O que se pode perceber como contínuo foi o

propósito de garantir o aumento do acesso a este nível de ensino. Em todos os planos

estaduais de educação, de alguma forma, se fez referência à necessidade de propiciar

a expansão do atendimento escolar à população de 7 a 14 anos. Em cada um dos

diferentes planos foi considerada a proporção de crianças ainda não atingidas pelo

aumento da oferta de ensino e foram sugeridas, de algum modo, formas de incorporá-

las ao sistema educacional.

É verdade que o discurso a respeito era, algumas vezes, contraditório, como se

pode observar na primeira das gestões analisadas, de José Francisco de Moura

Cavalcanti. Para este governador, seria necessário garantir um aumento significativo

das oportunidades de acesso ao ensino fundamental, talvez mesmo a sua

universalização. Entretanto, a meta fixada foi de cerca de 68% do atendimento, nas

28

Page 20: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

quatro primeiras séries e de 18% para as últimas. Ao mesmo tempo, o Secretário de

Educação deste período apontava a impossibilidade de atingir as metas estabelecidas,

sem um correspondente aporte de recursos do Governo Federal e sem a ajuda de

grupos empresariais.

Estas idéias, de universalização do ensino fundamental e da necessidade de

contar com o auxílio federal, aliás, vêm de longa data. A decisão de tornar universal e

obrigatório o ensino elementar, como era então chamado, apareceu ainda na

Constituição do Império, mesmo que, conforme aponta Werebe (1963), se tratasse muito

mais de um ideal do que de uma possibilidade real. Na verdade, considerando-se a

inexistência de recursos humanos e materiais, bem como o fato da agricultura

extensiva ser quase a única atividade econômica, não se pode supor que se sentisse a

necessidade de educação, tanto da parte da população a ser beneficiada como por

parte dos grandes proprietários rurais que a empregava.

O propósito de universalizar o ensino elementar tomou, no caso de

Pernambuco, um maior impulso durante o governo Estácio Coimbra, quando se

processou a chamada “Reforma Carneiro Leão” (ainda que muitas das medidas

presentes nessa reforma já tivessem sido objeto de preocupação de Ulisses

Pernambucano, diretor da Escola Normal Oficial, no período anterior, durante a

administração Sérgio Loreto).

Nas formas sugeridas para fazer garantir a incorporação das crianças ao

sistema público de ensino, no período analisado, já é possível perceber diferenças.

Mas, chama atenção, também o fato de que, ainda quando parecia haver um consenso

quanto ao diagnóstico, as soluções propostas tendiam a ser diferentes. É interessante

mencionar também que o próprio diagnóstico não se fazia consensual quanto às

estatísticas apresentadas, sendo ora maior, ora menor o percentual do atendimento

escolar em governos imediatamente subseqüentes – talvez (claro!) devido à

desconfiança a respeito de números, quer porque parecem sempre poder ser

manipulados ao bel prazer de quem os produz, quer pela ausência de uma base

técnica que garantisse a confiabilidade dos dados produzidos.

A principal forma de realizar a expansão do atendimento no ensino

fundamental foi, nos primeiros anos, basicamente até 1987, através da construção e

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Page 21: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

ampliação de escolas. Neste sentido, o Secretário de Educação do primeiro dos

governos enfocados por este estudo, José Jorge de Vasconcelos Lima, na

administração Moura Cavalcanti, chegou a afirmar que “(...) esse programa [de

construções] alcançou a posição de ser o maior investimento no setor educacional, já

realizado no Estado” (EducAção – Relatório 1975/1976). Mas esta não constituiu uma

observação isolada: os demais secretários de educação deste primeiro momento, em

seus relatórios, fizeram menção à construção e à ampliação de escolas, quase sempre

fornecendo o número de novas unidades ou de novas salas que teriam sido

incorporadas ao parque educacional do Estado.

Outras formas de aumentar o atendimento escolar, como já se mencionou,

foram a locação de edifícios privados ou comunitários e a compra de vagas. A locação

de edifícios merece a crítica de muitas vezes não se tratarem de construções

adequadas às atividades educacionais. Esta e a compra de vagas, ademais,

freqüentemente serviram como mecanismo de “privatização” de recursos públicos,

prática constante não somente em Pernambuco, mas em todo o Nordeste, e mesmo

no Brasil.

Claro está que não se pretende aqui negar a importância do esforço

empreendido, ainda que se considere que muitas vezes ele se deu sem as devidas

preocupações com a qualidade do ensino, ou mesmo em detrimento dela, como foram

as ações que levaram à diminuição da jornada escolar diária, à introdução do turno

intermediário e à contratação de professores leigos. Sem embargo, o aumento da

oferta de educação escolar se fez, muitas vezes, obedecendo a ditames político-

eleitorais de fornecimento de escolas, orientação que, aliás, presidiu a expansão do

sistema público de ensino, no Brasil, durante toda a sua história - inicialmente se

dirigindo à construção dos grupos escolares, para o ensino fundamental, e depois para

a construção dos ginásios que permitiram a expansão do nível médio.

Entretanto, é possível considerar que a ênfase nesta opção de expansão do

sistema de ensino seria, do ponto de vista de cooptação política, justificável: afinal,

seria pouco provável que os pais dos novos alunos incorporados por esta expansão,

quase sempre analfabetos ou semi-analfabetos (a proporção de adultos analfabetos na

população em 1975 era ainda de mais de 25%) tivessem condições de julgar os

resultados da aprendizagem de seus filhos, sendo, talvez, satisfatório que

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Page 22: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

freqüentassem a escola, alternativa que lhes teria sido negada, por um motivo ou por

outro, (falta de escolas, ou a necessidade de incorporação precoce ao trabalho). Isto

parece dar razão às observações de Cunha, para quem:

Os problemas ligados ao acesso à escola têm constantemente aparecido como tema

político. A qualidade do ensino ministrado, entretanto, não teve a mesma projeção

dado o caráter urgente de qualquer escola que surge para a maioria da população

dela carente (op. cit., 1975:150).

Em qualquer hipótese, é necessário considerar que o resultado desta política

não foi de todo negativo. O aumento do atendimento no ensino fundamental foi

constante, passando a taxa líquida de matrícula de 62,9%, em 1978, quando terminou

a gestão José Francisco de Moura Cavalcanti, para 93,5%, em 2001, observando-se

um aumento ora mais acentuado, ora menos, em todo o período, de 1975 a 2001. E, se

é lamentável que persistam grandes problemas educacionais, é também verdadeiro

que este pode ser visto como o caso de a quantidade redundar em qualidade: diminuiu

significativamente o número de analfabetos, que era, na população de 15 ou mais

anos, de 50,8%, em 1970, para 24,5%, em 2000. Aumentou também o número médio

de anos de escolarização: em 1980, 42,5% do contingente populacional de 10 anos e

mais, em Pernambuco, não tinha instrução ou freqüentara a escola por menos de 1

ano; em 2001, esta taxa era de 19,6%, e 33,5% tinham o mínimo de 4 anos de

freqüência à escola.

Talvez fosse possível afirmar, evidentemente com um certo exagero, que, até

1987, não houve uma política específica para este nível de ensino. É verdade que

durante todos os anos que compreende este trabalho, em cada uma das gestões foi

definido algo sobre o ensino fundamental. As recomendações, entretanto, não parecem

específicas, principalmente ao serem considerados os problemas de evasão e

repetência e as suas explicações. Nada do que era então proposto parecia se dirigir

especificamente a fazer frente a estes problemas. De fato, pode-se mesmo afirmar

como o faz Saviani, que o ensino fundamental não recebia, no Brasil, maior atenção

por parte dos analistas, sendo necessário acrescentar que tampouco era alvo de

maiores preocupações dos governantes. Como acrescenta o mencionado autor, “...a

julgar pelo silêncio em torno dela, a escola primária [ou de 1o.grau] parece uma ilha de

paz e tranqüilidade”. (SAVIANI, 1978).

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Page 23: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

Em Pernambuco, quando a atenção se voltava para a educação fundamental, a

melhoria do ensino tomou, muitas vezes, a forma de programas dirigidos a algumas

escolas, em particular, ou ao treinamento ou preparação para o ensino de disciplinas

específicas, como, por exemplo, língua portuguesa ou matemática. Estes programas

tinham um caráter assistemático e, na maioria das vezes, se superpunham: apenas por

utilizarem metodologias distintas, ou qualquer outra particularidade, levavam à adoção

de estruturas paralelas, certamente onerosas e, mais que isto, prejudiciais ao

estabelecimento de uma política educacional para o conjunto do ensino público no

Estado. Parte do esforço assistemático de melhoria do ensino, neste primeiro

momento, consistiu no treinamento de professores leigos, levado a efeito através do

programa Logos II, que também serviu de estímulo para novas contratações de

professores sem a formação mínima requerida para o ensino nas 4 primeiras séries do

nível fundamental (OLIVEIRA, 1990).

No segundo momento que se distingue neste trabalho, a partir de 1987,

observa-se uma mudança significativa na orientação dada ao ensino fundamental.

Fazem parte deste esforço pela melhoria do ensino, o programa de capacitação de

professores, que se inicia ainda em 1987, primeiro ano do governo Arraes. Mas no que

diz respeito à qualidade do ensino propriamente, os esforços não se limitaram à

questão da formação dos professores. Era recomendado, a partir de então, também o

uso de metodologias que poderiam favorecer a aprendizagem, como as pedagogias

construtivista e freiriana, que ensejariam uma aprendizagem participante, evitando-se a

mera assimilação de conteúdos via simples memorização. Tentou-se, além disto, dirigir

cursos de alfabetização para os pais, de modo a garantir um ambiente doméstico

alfabetizador.

Parte desta experiência teria sido incorporada pela gestão que sucede à de

Miguel Arraes, - Joaquim Francisco Cavalcanti, 1991/1995 – pelo menos no que diz

respeito às preocupações de ordem metodológica e à orientação de que a educação

serviria à construção da cidadania. Entretanto, foram abandonados os Fóruns

Itinerantes de Educação, que serviram não somente, no primeiro ano de governo, para

a elaboração do Plano Estadual de Educação 1988/1991, mas, principalmente, para

criar um élan, uma nova perspectiva, entre professores, alunos e pais.

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Page 24: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

No momento (desde o início do primeiro mandato de F. H. Cardoso na

presidência “da nação”, mas em Pernambuco desde 1999) o ensino fundamental, de 1 a

a 4a séries, vem sendo transferido aos municípios, realizando, em parte (posto que se

limita a estas séries iniciais), o que preconiza a LDB/1996 e o Plano Nacional de

Educação – PNE, de 2001. Esta transferência, seguindo as orientações do MEC/INEP,

vem sendo acelerada, sem que se levem em conta as condições concretas dos

diferentes municípios para a implementação do ensino fundamental. Este fato talvez

tenha sido o principal responsável por uma queda contínua na qualidade do ensino a

despeito das avaliações otimistas do MEC (CASTRO, 1999).

ENSINO MÉDIO:a “escola para a vida”

O ensino médio sofreu as maiores descontinuidades, seguindo, aliás, mais de

perto do que qualquer outro nível ou modalidade de ensino, as orientações emanadas

do Governo Federal, o que não permite estabelecer tão bem o corte entre as

administrações pré e pós 1987, como se pôde fazer com respeito a outros níveis e

modalidades, em especial o ensino médio e a educação de adultos.

No início do período analisado, o Plano Estadual de Educação 1976/1979

previa a implantação do ensino médio, tal como recomendado pela reforma

educacional (Lei 5692/71). Ou seja, considerava-se, naquele Plano, que todavia não

fora implantado o ensino médio profissionalizante, como determinava a mencionada

Lei, sendo, portanto, necessário garantir a sua implementação, ao mesmo tempo em

que seria feita a ampliação de seu atendimento, proposta em 18%.

Para efetivar esta implantação do ensino médio profissionalizante recorreu-se,

desde a administração Moura Cavalcanti até meados dos anos 1980, à construção e

reforma de estabelecimentos escolares, de modo a abrigar, em alguns deles, o 1 o. e o

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Page 25: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

2o.graus, à locação de outros tantos prédios e à compra de vagas, o que permitiu uma

contínua “colaboração” com os proprietários de escolas particulares. O aumento das

oportunidades de acesso se fez também com a eliminação dos exames de admissão,

nas localidades em que não houvesse uma maior pressão por vagas, medida que,

seguramente, implicava deixar fora o Recife e os maiores municípios do Estado.

Como é de conhecimento generalizado, a transformação do ensino médio em

profissionalizante não satisfazia a qualquer grupo social que, naquele momento, a ele

tinha acesso, - nem mesmo aos estudantes de renda mais baixa, aos quais,

provavelmente, se dirigia esta profissionalização, como forma de conferir-lhes uma

terminalidade à escolarização, que deveria lhes garantir, ao mesmo tempo, condições

de inserção no mercado de trabalho. Em geral, esperava-se que este nível de ensino

servisse de porta de entrada para os cursos superiores, o que a realização de um curso

profissionalizante, no 3o.ano do 2o.grau, certamente não favoreceria, dada a

necessidade de somar todos os esforços para a preparação dos exames vestibulares10,

extremamente concorridos, posto que ainda não se verificara a imensa expansão de

faculdades, em cada porta, que vem se efetivando desde o início da década de 1980

e, com maior ênfase, nos últimos quatro anos.

Esta profissionalização também não teria sido do agrado dos dirigentes das

escolas privadas, uma vez que os cursos profissionalizantes representavam um custo

adicional sem a correspondente satisfação dos grupos de renda mais alta, sua clientela

preferencial. É verdade que esta profissionalização determinada pela Lei foi, de acordo

com Cunha, quase sempre contornada, através da realização de cursos que não eram

propriamente profissionalizantes, mas que constituiriam um auxílio para os cursos

superiores pretendidos (CUNHA, op. cit.).

Para o setor público, a profissionalização do ensino médio implicava num ônus

significativo, comprometidos que estavam os recursos financeiros do Estado com a

expansão do ensino fundamental obrigatório. Ademais, além da necessidade de

instalações e equipamentos, a implantação em massa de um ensino profissionalizante

requeria um grande número de professores, para as diferentes habilitações, que não

seriam tão fácil e rapidamente formados. A despeito disto, de uma provável falta de

10 Isto provavelmente devia ser verdadeiro mesmo para os alunos da rede pública, principalmente se for levada em conta a baixa chance ainda observada de acesso e conclusão do ensino médio na segunda metade da década de 1970.

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Page 26: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

professores habilitados, já na primeira das administrações aqui analisadas, se afirmava

que teriam sido ofertadas 60 habilitações profissionais, embora a escassez de

professores para o ensino médio e para as quatro últimas séries do ensino fundamental

fosse, e ainda hoje seja, uma constante, mesmo para a parte do currículo de educação

geral, fazendo necessárias medidas de treinamento, e mesmo de ”reciclagem”, de

professores com outras habilitações, em todos os governos deste primeiro momento.

Isto é particularmente visível com relação aos professores para educação física e para

as ditas ciências exatas11

Todavia, os problemas para a efetivação da reforma do ensino médio fizeram

com que, já em 1978, se modificasse a Lei 5692/71, determinando-se que a

profissionalização se aplicasse apenas àqueles que teriam neste nível de ensino o

ponto terminal de sua escolarização, brecha que, aliás, já era dada pela própria Lei,

permitindo que, em muitos casos, a profissionalização fosse efetuada ao término da

4a.série do ensino fundamental, momento que, ainda hoje, cerca de 25% da população

abandona a escola. Esta modificação da lei, bem como as disposições transitórias que

se tornaram prática corrente, como foi tantas vezes feito nas disposições legais para a

educação no Brasil, como aponta, muito a propósito, Werebe (op.cit.), deixaram a nu a

dualidade proposta para o ensino médio, determinando para uns, os economicamente

menos favorecidos, o trabalho e para os outros, a passagem para o ensino superior12.

Em Pernambuco, após a realização da avaliação do 2o. grau recomendada pelo

MEC, em 1981, considerou-se que seria necessário procurar alternativas menos

onerosas, mais realistas e mais condizentes com os interesses dos alunos, -

(Interessante notar que as modificações que permitem esta dualidade sempre são

introduzidas com o critério de “interesse do aluno”!). Foram propostas as seguintes

alterações, que redundariam em diferentes tipos de escolas: 1) as que ofereceriam

cursos técnicos e de auxiliar técnico; 2) algumas especializadas, devendo promover o

ensino de conhecimentos comuns a uma família ocupacional (aqui, o dualismo do

ensino médio bem poderia levar à especialização geográfica de ocupações); 3) as que

conferissem ênfase à educação geral e promovessem a oferta de disciplinas de

11 Atualmente esta escassez de professores se revela até para o ensino de línguas e de ciências humanas, cf.o Jornal do Commercio (Caderno Cidades, p.2, 5/8/2003) 12 O dualismo do ensino médio parece bem marcado em Pernambuco, naquele momento. No PEE 1980/1983 revelava-se a preocupação “com o aprofundamento de conhecimentos humanísticos aos alunos que apresentassem condições favoráveis” (CANUTO, op. cit.).

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Page 27: POLÍTICA DE ATENDIMENTO · Web viewEstas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da

formação especial, com carga horária reduzida; 4) as que aprofundassem os

conhecimentos de educação geral e informassem profissionalmente os estudantes.

A Secretaria de Educação, de acordo com esta orientação, deveria estabelecer

pólos de cursos profissionais constituídos por um conjunto de escolas para as quais

seriam canalizados maiores recursos financeiros, a fim de instrumentalizá-las para o

oferecimento de um ensino profissionalizante que servisse de fato como preparação

para o mercado de trabalho. No Plano Estadual de Educação desse governo, Marco

Maciel, prometia-se realizar um esforço significativo para a formação profissionalizante,

que deveria pautar-se pela competência e praticidade, conciliando as aptidões dos

estudantes com as necessidades do mercado de trabalho, de então e do futuro.

Comprometido com as tendências econômicas do Estado e com o sucesso dos

egressos na prestação de serviços, o sistema educacional de Pernambuco propiciaria

as condições para a elevação da produtividade do trabalho, ao mesmo tempo em que

contribuiria para reduzir as desigualdades de renda. Chama atenção aqui o

compromisso explícito com as teorias do capital humano presentes até 1987, a

despeito de, já em 1974, ter-se revelado com toda clareza a falência do “milagre

brasileiro”.

Os propósitos de profissionalização levaram à instalação de Centros

Politécnicos, na administração Marco Maciel, bem como à tentativa de fornecer noções

de técnicas agrícolas nas escolas do meio rural. Esta “profissionalização rural”

constituía uma intenção de governo desde o período Moura Cavalcanti. Considerava-se

a necessidade de “livrar o homem do campo da marginalidade tecnológica,

capacitando-o, inclusive, para a incorporação no processo produtivo urbano”. Não há

informações sobre o tipo de cursos oferecidos naquela administração.

No governo seguinte, os cursos listados, dirigidos tanto aos que concluíam as

quatro primeiras séries do ensino fundamental, quanto aos que atingiam o ensino

médio e a jovens e adultos, diziam respeito a técnicas agrícolas, corte e costura,

indústria caseira e técnicas do lar, os quais, seguramente, não contribuiriam muito para

este propósito manifestado de integração da população rural. Pelo contrário, constituía

mais uma forma de promover o dualismo no ensino de nível médio, acrescentando à

segregação produzida por trabalho versus continuidade dos estudos, a discriminação

rural-urbana, sem dúvidas irracional quando se considera a migração campo-cidade,

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muito intensa nos anos de 1970, e a estrutura fundiária, que impediria iniciativas de

adoção de novas tecnologias agrícolas.

Os Centros Politécnicos foram semi-abandonados, em função das

modificações nas orientações para o 2o.grau, de 1982, que restabeleceram a educação

geral. Posteriormente, no período da administração Joaquim Francisco Cavalcanti

(1991/1994), para responder às novas determinações de profissionalização no ensino

médio, que agora deveria ser efetivada ao mesmo tempo ou após a realização do

curso, e às intenções de desenvolvimento contidas na plataforma de governo - “Cresce

Pernambuco” (que pretendia ser uma adaptação local às propostas de Fernando Collor

para o Brasil, mas que, afinal, volta-se para as idéias desenvolvimentistas do passado,

afastando-se das intenções de modernização da economia do então presidente) -

propôs-se a recuperação destes centros politécnicos.

A despeito da visão desenvolvimentista, no Plano Estadual de Educação de

Educação 1992/1995, do Governo Joaquim Francisco Cavalcanti, o ensino médio foi

entendido como período em que deveriam ser adquiridas “(...) diversas e variadas

linguagens (...) tendo em vista simultaneamente a continuidade dos estudos e a

posterior ou concomitante profissionalização”.

Este nível de ensino seria responsável pela transmissão de um conjunto de

conhecimentos que permitissem ao estudante entender o mundo em que vive, o

cotidiano e o do trabalho, apreender os fundamentos científicos e suas relações com os

processos tecnológicos, bem como distinguir e utilizar corretamente a linguagem

própria de cada um deles.

Com o objetivo de minorar as dificuldades observadas neste nível de ensino,

caberia à Secretaria de Educação assessorar as escolas de modo a possibilitar: o

fortalecimento da aquisição dos conteúdos da Língua Portuguesa, disciplina que

deveria servir à integração das demais; desenvolver a apreensão dos conhecimentos

das ciências físicas e naturais e da matemática; promover a reflexão sobre o processo

histórico da sociedade brasileira, interrelacionada com os demais países do continente

americano e do mundo; a freqüência de alunos, se o desejassem, a cursos

profissionalizantes; assegurar a educação geral, de modo a permitir a continuidade dos

estudos, via vestibular, em cursos superiores; e, para alunos dos cursos de magistério,

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aprofundar os conteúdos gerais e de fundamentos metodológicos, necessários a

atividade docente, no pré-escolar e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.

A nova LDB/1996 e o PNE-2001 restabeleceram mais uma vez a

profissionalização no ensino médio. Agora, já não se tratava de orientação geral e

obrigatória: constitui uma alternativa, para quantos o queiram ou necessitem pela

obrigatoriedade, esta verdadeira, de inserção no trabalho, podendo ser realizada no

mesmo período dos estudos de nível médio ou depois de sua conclusão. Durante a

presidência de Fernando Henrique Cardoso, esta modificação, introduzida no ensino

médio foi apresentada à imprensa como “o ensino médio é agora para a vida”. Resta a

indagação: seria, até então, para a não vida, para a morte, para nada, afinal? O que

parece claro é o disfarce, com laivos de realismo, da renúncia a uma perspectiva mais

igualitária. Trata-se, sem nenhuma dúvida, de obediência ao princípio de “eqüidade”...

Assim, o ensino médio, no Estado, tal como se chamou atenção anteriormente,

foi vítima de modificações constantes, sendo ora profissionalizante, ora

profissionalizante em parte, ou mesmo não profissionalizante, obedecendo às

mudanças nas determinações emanadas do Ministério de Educação. Para alguns

autores, esta freqüente oscilação nas orientações dadas para este nível de ensino

decorre da falta de consenso entre os próprios educadores quanto às finalidades que

deveria ter, limitando-se o acordo à crítica ao estabelecimento de um sistema dual,

como se definia, ainda no fim do século XIX, nas escolas elementares, e

posteriormente, já desde a década de 1940, exceção feita para o curto período de

vigência da LDB/1961, interrompida com a 5692/71, para o ensino médio.

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