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POLÍTICA DE ATENDIMENTONO ENSINO BÁSICO EM PERNAMBUCO:
continuidades e descontinuidades1975-2001
Lia Parente Costa
(VERSÃO A CONCLUIR)
INTRODUÇÃO
Este trabalho constitui um aprofundamento da análise realizada no texto
Políticas Públicas de Educação Básica em Pernambuco 1975-2001 – Parte I . Naquele
primeiro momento a análise debruçou-se sobre as diretrizes definidas, nos diferentes
períodos de administração governamental, para o conjunto do sistema público de
educação básica, ou seja, as medidas dirigidas ao tripé constitutivo do sistema
educacional - alunos, professores e escolas - em cada um dos níveis e modalidades de
ensino. Efetivou-se, assim, uma análise vertical da política educacional no Estado.
O exame, que ora se realiza, faz-se no sentido longitudinal, examinando-se, de
per si, os diversos níveis e modalidades de ensino em todo o período, buscando
verificar as possíveis continuidades, descontinuidades e continuidades-descontínuas,
que marcaram a política dirigida à educação básica no Estado.
A política educacional, em cada momento, envolve uma série de diretrizes e
ações referentes aos diferentes aspectos do sistema educacional. Ou seja, esta
política, em geral, diz respeito a um conjunto de medidas dirigidas ao sistema de
educação. Ela deve partir, em tese, de um diagnóstico, mais ou menos detalhado e
consistente, do alcance e dos problemas, quantitativos e qualitativos, nele encontrados,
definindo, então, de acordo com os recursos humanos e materiais existentes, os níveis
e as modalidades de educação a serem priorizados, as medidas compensatórias que
poderiam servir para minorar questões de ordem externa à escola - no caso brasileiro,
quase exclusivamente de ordem sócio-econômica - e que, no entanto, têm grande
impacto sobre as condições de aprendizagem, as possibilidades de retenção e de
continuidade dos estudos dos alunos incorporados ao sistema de educação e as
formas de incorporação dos que se encontram excluídos.
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Ademais, a política de educação, como qualquer política pública, não é o mero
resultado da vontade de um governante. Na sua definição interfere, com maior ou
menor intensidade, uma multiplicidade de forças que vão desde interesses, inclusive
eleitorais, dos diferentes partidos e subgrupos partidários no poder, de acordos
internacionais, das concepções derivadas da produção científica e do debate entre
educadores, até à capacidade de pressão de diversos setores sociais, tais como
partidos políticos de oposição, grupos empresariais de diversos setores econômicos e
matizes políticos, pais, alunos e professores, como também as orientações
predominantes na organização burocrática direta ou indiretamente vinculada ao setor
de educação pública.
Também interfere na delimitação de uma política de educação a forma como se
expressa, em cada momento, o pacto federativo, que pode permitir um maior ou menor
grau de autonomia às instâncias estaduais e municipais, seja no que se refere aos
recursos próprios disponíveis ou aos transferidos pela União, seja no que diz respeito
ao detalhamento dado, no âmbito federal, às orientações e ações dele emanadas.
Uma análise longitudinal da política educacional, como se pretende, envolveria,
pois, realizar, a um só tempo, um exame das diretrizes e ações encetadas pelo Estado,
dos alcances e fragilidades do sistema educacional, bem como de suas múltiplas
influências e da realização concreta das medidas propostas, incluindo-se aí um
trabalho de campo que pudesse dar conta de como se processam as determinações
derivadas das diferentes instâncias que definem as ações a serem realizadas.
O trabalho, todavia, se limita à análise longitudinal da política educacional
contida nos documentos oficiais de cada período governamental, reduzindo-se,
ademais, no que diz respeito especificamente a este texto, ao exame da política de
atendimento, ou seja, às propostas referentes à inserção e percurso da população no
sistema público de ensino. Esta análise, entretanto, não é feita sem que sejam levadas
em conta as decisões emitidas na instância federal. Além disso, sempre que existam,
são utilizadas informações e análises derivadas de trabalhos sobre a situação da
educação básica em Pernambuco e no País.
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ENSINO BÁSICO:continuidades e descontinuidades
À primeira vista, poder-se-ia considerar a política educacional, em
Pernambuco, como coerentemente encaminhada para o progressivo incremento do
atendimento da população no sistema de educação pública, tanto no que diz respeito
às preocupações com a questão da quantidade, quanto aos problemas de qualidade do
ensino oferecido, a despeito de não terem sido superados muitos dos problemas
educacionais existentes, parece que “desde sempre”, como os de evasão, reprovação,
e repetência. A percepção desta continuidade parece contrariar outras expectativas
que orientaram este trabalho, ou seja, a da possível predominância da
“descontinuidade” das políticas educacionais (CUNHA, 1991; VIEIRA, 1998) ou do que foi
denominado de “continuidade-descontínua” (OLIVEIRA 2003).
Este primeiro exame, porém, não resiste nem mesmo à comparação entre duas
gestões subseqüentes, ainda quando se tratem de governadores de um mesmo
partido, ou subgrupo partidário, sendo possível verificar quão pouco há de continuidade
na política educacional. Assim é preciso considerar a política educacional como um
processo que encerra tanto continuidades, quanto descontinuidades e continuidades-
descontínuas, estas últimas responsáveis por um “saldo” final de um aparente esforço
comum de melhoria crescente do atendimento escolar.
Parece possível, entretanto, distinguir, de acordo com as prioridades definidas,
nos documentos oficiais, dois diferentes momentos no período analisado: a) o primeiro,
que se estende de 1975 a 1986, poderia ser visto principalmente em termos das
preocupações de ordem quantitativa, ou seja, voltado para o aumento da oferta das
oportunidades de acesso à educação pública formal, correspondendo às gestões de
dois dos governadores durante a fase mais autoritária do domínio militar, Moura
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Cavalcanti e Marco Antonio Maciel, e à de Roberto Magalhães, do mesmo partido dos
anteriores, conduzido ao cargo nas primeiras eleições diretas para o executivo estadual
desde 1964; b) o segundo, pós-1987, seria caracterizado pela prioridade conferida à
qualidade do ensino, e foi marcado por sucessivos eventos que culminaram com a
instituição do regime democrático no país, tais como a instalação da Assembléia
Nacional Constituinte e a subseqüente aprovação de uma nova Carta Constitucional
para o Brasil, as eleições diretas para prefeitos das capitais, dos municípios
considerados como de segurança nacional e das estâncias hidrominerais e, finalmente,
para a presidência da República, bem como, o que é mais importante para este
trabalho, os intensos debates, iniciados antes mesmo da eleição dos deputados
constituintes, sobre a educação nacional.
A relativa indiferenciação deste primeiro momento poderia ser parcialmente
justificada em termos da indistinção interna dos principais partidos políticos legalmente
reconhecidos até 1981, quando ocorreu a mudança na legislação partidária. De fato,
nos primeiros anos do período aqui considerado, até 1987 - quando assume o governo
de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, apoiado por uma gama de partidos
oposicionistas – o mesmo grupo partidário vinha conduzindo a administração do
Estado. Este fato, em si, poderia indicar uma continuidade, pois, a despeito das
observações constantemente feitas sobre a pouca significação político-ideológica dos
partidos políticos no Brasil, considera-se que, naquela ocasião, os laços políticos
predominantes se orientavam no sentido exclusivo de apoio ou oposição ao regime
autoritário, observando-se, assim, um raro momento de consenso interno nos partidos,
principalmente entre os políticos que davam sustentação aos governos militares, que
formavam a Arena, mais tarde transformada em PDS e, depois, também em PFL.
No que diz respeito propriamente à política educacional, o momento inicial, ou
seja, até 1987, como já se observou antes, deu prioridade à extensão das
oportunidades de acesso ao ensino fundamental, principalmente às quatro primeiras
séries, ainda que também se possa considerar a ampliação da oferta da alfabetização
de adultos, então conduzida quase exclusivamente pelo Mobral – Movimento Brasileiro
de Alfabetização. Esta fase da política educacional, portanto, se orientava para a
inclusão daqueles que se encontravam fora do sistema educacional e se fundamentava
num amplo programa de construção de escolas, tão fortemente enfatizado que deu
ensejo a que o Consed a ele se tenha referido como o período da “pedagogia do tijolo”.
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É preciso salientar que não se pretende aqui estabelecer uma separação rígida
entre os termos quantidade e qualidade, necessariamente vinculados. Ademais, a
própria reforma do ensino determinada pela Lei 5692/71 poderia ser vista como
refletindo preocupações de ordem qualitativa, na medida que definia a
profissionalização do ensino médio (ou ainda no nível fundamental, sempre que as
condições de oferta e de continuidade de escolarização conferissem a este nível a
terminalidade dos estudos) e propunha dobrar o tempo de educação obrigatória, de
quatro para oito anos, o que, certamente, poderia ter um significativo impacto sobre as
possibilidades de aquisição de conhecimentos. Infelizmente, a prioridade conferida à
imediata ampliação do acesso ao ensino de 1o.grau levou à adoção do “turno
intermediário”, reduzindo, desta forma, a jornada escolar diária e, assim, em princípio, a
significação da pretendida extensão do período de escolarização obrigatória.
Entretanto, mesmo em relação a esta primeira classificação de diferentes
momentos, em que se pode perceber uma semelhança com respeito às prioridades
definidas para a política educacional, a impressão de continuidade logo se desfaz: a
gestão de Marco Antonio Maciel (1979/1982), que se seguiu ao primeiro dos governos
analisados, Moura Cavalcanti (1975/1979), considerou, em plena sintonia com o
recomendado no III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto 1979-1985, do
MEC, que o aumento das oportunidades educacionais, apesar de ter se dado num
ritmo maior do que o da taxa de crescimento da população, não teria permitido a
incorporação ao sistema escolar das populações ditas “marginalizadas”, urbanas e
rurais, razão que serviu de justificativa para dedicar a estes grupos a prioridade da
política educacional de seu governo (CANUTO, 2003).
O atendimento a este segmento da população, todavia, foi entendido como
oferta de ensino não formal, ou não regular, com a justificativa de que a educação
escolar não seria do seu interesse, posto que se tratava de um universo de
analfabetos, desempregados e subempregados, para os quais importaria a oferta de
uma educação não formal, voltada para a possibilidade de incorporação imediata ao
trabalho. Note-se que esta postura não dizia respeito exclusivamente à educação de
jovens e adultos, mas se referia também à educação infantil, contando-se para isto com
a organização de Associações de Mães, que seriam treinadas para complementar, e
até substituir, o pessoal necessário para as atividades com o pré-escolar (CANUTO, op.
cit.). É preciso chamar atenção para o fato de que esta opção se fez quando ainda era
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extremamente alta a proporção de crianças de 7 a 14 anos que se encontrava fora da
escola.
É possível, deste modo, interpretar as medidas então tomadas quanto à
educação dos “marginalizados” como servindo a interesses clientelistas, na medida que
eram utilizadas pessoas da própria comunidade como “guardadeiras” para a educação
infantil, ou como docentes, na iniciação profissional, oferecendo-lhes, em troca,
material que lhes permitisse a melhoria de suas habitações.
Cabe, assim, dar crédito às palavras de Vieira, para quem “nada garante que
uma experiência bem sucedida no campo educacional seja em qual for à esfera do
Poder Público, venha a prosseguir na gestão subseqüente” (VIEIRA, op. cit.). Pode-se,
pois, imaginar o que acontece com as experiências que sequer foram avaliadas, como
foi o caso desta mudança de ênfase no atendimento, a que se fez referência
anteriormente.
A preocupação com a qualidade do ensino não se faz, portanto, prioridade na
política educacional, até 1987. Este fato, aliás, poderia ser visto como estando de
acordo com a perspectiva adotada: o que se enfatizava era o cumprimento das
diretrizes do Governo Federal de universalização do ensino fundamental. Não se
mencionava, em geral, a educação como um direito, ou o seu significado para a
construção da cidadania. De fato, a única menção à cidadania, no período, foi feita na
gestão Moura Cavalcanti, e era entendida apenas em relação aos deveres do cidadão,
sem qualquer referência aos seus direitos.
Surpreende, porém, que não se dirigisse à questão da qualidade do ensino
uma maior atenção, tanto mais quando se observa que a educação era pensada como
fator de desenvolvimento econômico. Difícil entender esta idéia instrumental da
educação sem que a ela fosse relacionado um tipo específico de ensino que pudesse
propiciar a assimilação dos conteúdos necessários ao projeto econômico-social
hegemônico, principalmente no que se refere a um novo padrão cultural, a “cultura do
industrialismo”, tal como o pretenderam os defensores do nacional-
desenvolvimentismo, antes de 1964, que propugnavam pela superação da cultura
livresca e academicista prevalecente no sistema de ensino brasileiro, unindo teoria e
prática, como já haviam realizado outros países desenvolvidos, enfatizando-se os
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Estados Unidos, país modelo sempre presente no desenvolvimentismo, antes e depois
de 1964.
A ênfase no binômio educação - desenvolvimento, naquele momento, serviu,
de fato, para estabelecer, mais uma vez na história da educação no Brasil, um sistema
dual: educação para o trabalho, para os pobres, e educação geral, propedêutica, para
os demais estudantes, características estas observáveis com respeito à educação de
adultos e, principalmente, ao ensino médio.1
À ênfase no aumento das oportunidades de acesso à educação correspondeu,
também para este primeiro momento, uma política de construção de escolas e de
“privatização” de recursos públicos, via locação de prédios, compra de vagas e
concessão de bolsas de estudo na rede privada.
O segundo momento do período analisado, ou seja, o que se inicia com o
governo Miguel Arraes, em 1987, foi marcado, como já se chamou atenção
anteriormente, pelas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, que foram
precedidas de amplos debates sobre a significação da democracia e o estabelecimento
de direitos democráticos.
No que diz respeito propriamente à educação, observou-se uma grande
mobilização dos educadores e professores, em suas associações e organismos de
representação. Foram realizados encontros e seminários de educação nos diferentes
estados, e diversas conferências nacionais, em que eram fortemente criticados os
‘descaminhos’ da educação no Brasil, definindo-se uma luta em defesa da escola
pública e recomendações para quase todos os aspectos que deveriam estar presentes
em uma política educacional que pretendesse realizar o resgate da educação nacional.
Além disto, este segundo momento pôde aproveitar-se dos resultados de novas
experiências de política educacional levadas a efeito nos estados em que a oposição
ao governo militar conquistou, ainda nas eleições de 1982, a direção do Executivo,
notadamente no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
1 As escolas privadas de ensino médio tenderam a “(...) disfarçar um currículo exclusivamente geral e propedêutico (preparação para o ensino superior) através de cursos falsamente profissionais mas “adequados” aos cursos universitários”. (CUNHA, 1975: 164)
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Nesta conjuntura, a vitória relativamente tardia das oposições em Pernambuco,
representada pela vitória eleitoral de Miguel Arraes, e relativamente tardia, permitiu
redefinições políticas significativas, tanto no que diz respeito aos aspectos econômico-
sociais, em geral, quanto no que se refere especificamente à educação pública.
A política educacional, sem pretender descuidar da incorporação da população
à escola, em especial da universalização do ensino fundamental, caracterizou-se por
uma acentuada preocupação com a qualidade do ensino público. Partiu-se da idéia de
que era necessário garantir a assimilação dos conteúdos definidos para o ensino
fundamental, o que equivaleu à máxima do ”direito à educação de qualidade”. Esta
preocupação com a qualidade se expressou na realização de programas de
qualificação para os professores e nas recomendações quanto aos métodos de ensino
a serem utilizados, que deveriam propiciar, além do domínio do conhecimento
socialmente produzido, condições para o exercício da criatividade e da crítica. Também
foi muito significativa a realização, no primeiro governo Arraes pós-1964, dos “Fóruns
Itinerantes de Educação”, que permitiram um amplo debate sobre os principais
problemas educacionais do Estado, a criação de um grande élan entre pais,
professores e alunos, e deram ao Plano Estadual de Educação 1988/1991 uma
conotação democrática, posto que resultante da manifestação das expectativas dos
diversos segmentos que deles participaram, deixando de constituir um esforço
exclusivo dos técnicos da SEC2.
Além de modificações quanto às concepções educacionais que deveriam
nortear o esforço de melhoria do ensino público, nesse momento muda-se a orientação
dada à construção de escolas. É verdade que no momento iniciado em 1987, foi
necessário, como nos governos anteriores, que o Executivo se dedicasse às tarefas de
recuperação, ampliação e mesmo construção de escolas, tanto para fazer face à
expansão do acesso ao sistema público de educação, quanto devido ao desgaste das
instalações, resultante não somente da qualidade das construções escolares, mas
também da intensidade de seu uso.
2 A forma como foram organizados os “Fóruns” foi alvo de muitas críticas por não terem caráter deliberativo. Sem embargo, é preciso considerar que apenas com aquela organização seria possível uma participação mais ampla da população interessada nos problemas educacionais, ainda que, é claro, todas as opiniões e desejos não tivessem iguais chances de incorporação ao Plano Estadual de Educação para o período.
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Entretanto não se pode pensar que se tratava de conferir prioridade à
construção. Pelo contrário, à ênfase à construção sucedeu-se uma grande
preocupação com os problemas derivados da equivocada distribuição espacial das
unidades escolares, que resultou na existência de escolas com excesso de oferta de
vagas, subutilizadas, portanto, e escolas superlotadas, situadas em regiões ou
municípios mais populosos. Deste modo, os governantes posteriores a 1987 afirmaram
pretender utilizar critérios de racionalidade para a construção e ampliação de escolas,
orientando-se por comprovada necessidade de incremento da oferta de vagas, ainda
que se possa observar a volta a esta política de construções, como foi o caso do
governo Joaquim Francisco (1971/1975) .
Foi igualmente diferente a postura dos governos deste segundo momento, em
especial as administrações dos períodos 1987/1990 e 1994/1997, correspondentes aos
dois mandatos exercidos pós-1964 por Miguel Arraes, quando foi feita a opção pelo
fortalecimento do sistema público, evitando a compra de vagas e a concessão de
bolsas de estudo.
A despeito da diferenciação percebida no período 1975/2001, como foi
destacado, seria possível ver, ao mesmo tempo, a política educacional analisada por
este estudo em termos de uma continuidade e de um permanente esforço no sentido
de aumentar o atendimento educacional à população, não somente àquela em idade
escolar, mas também aos jovens e adultos que não tiveram acesso à educação formal
na idade própria à freqüência aos bancos escolares, ou que, por razões diversas,
abandonaram a escola antes de completar seus estudos.
Estas observações sobre aspectos de continuidades e descontinuidades na
política educacional em Pernambuco, e sobre uma declarada melhoria na
compreensão do papel da educação, escondem, entretanto, não só o “vai e vem” com
que de fato foi conduzida, bem como a continuidade, esta verdadeira, de alguns
problemas que, ainda hoje demandam solução.
De fato, a despeito de todos os governos terem se comprometido, em seus
planos estaduais de educação, com a universalização da educação fundamental e com
a gradativa ampliação do ensino médio, passado mais de um quarto de século, pode-
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se bem observar que os feitos se encontram muito aquém do desejável e do que se
afirmava pretender.
Se é verdade que houve um significativo aumento na matrícula no ensino
fundamental e no ensino médio, é também verdade que a grande maioria da população
completa apenas quatro anos de escolarização, o que não significa necessariamente
que tenha concluído os quatro primeiros anos de educação obrigatória. Mais do que
isto, os exames de avaliação, determinados tanto pela Secretaria de Educação do
Estado, quanto pelo Ministério de Educação, têm revelado que os conteúdos vêm
sendo mal assimilados, observando-se, ao contrário das expectativas, uma queda
substancial na qualidade da aprendizagem, ainda que tenha melhorado
significativamente, o nível de formação dos docentes. Sem pretender colocar em
dúvida a importância da formação dos docentes, é, no entanto, óbvio, considerando-se
os mencionados exames, que os esforços de melhoria todavia não conseguiram os
resultados esperados.
A este respeito, é, sem dúvida, necessário repensar os limites do esforço a
empreender no interior da própria escola3, talvez se procurando mais intensamente
formas de neutralizar as condições sócio-econômicas externas.
Feitas tais considerações, são examinados, de modo mais aprofundado, os
diferentes níveis e modalidades de ensino, procurando mostrar como se comportou a
política educacional em Pernambuco entre 1975 e 2001, quando se desvelam mais
claramente as descontinuidades e continuidades que a caracterizam.
EDUCAÇÃO INFANTIL:compensatória?
Pernambuco poderia ser visto como tendo uma tradição relativamente longa na
oferta de educação infantil, posto que esta modalidade foi introduzida no Estado no
3 É preciso deixar claro que não se pensa aqui em medidas de ordem administrativa, de maior autonomia da unidade escolar. Esta foi uma experiência fortemente incentivada pela administração federal anterior, de Fernando Henrique Cardoso, sem que se produzisse, até o momento, a propalada revolução educacional.
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século XIX. Mas, aqui, como no resto do Brasil, a origem desta modalidade de
educação obedeceu a uma orientação assistencial, dirigindo-se às crianças órfãs ou
abandonadas e aos filhos de mães solteiras. Posteriormente, na segunda década do
século passado, sob a influência de idéias liberais e, principalmente, das concepções
veiculadas pela “Escola Nova”, o ensino infantil foi introduzido em algumas escolas
públicas do Recife, em especial na Escola Normal e em alguns dos maiores grupos
escolares, seguindo o modelo dos “jardins de infância” (CARVALHO, 1985: ARAÚJO, 2002).
Estas primeiras experiências de educação infantil, propriamente dita, no
Estado, não corresponderam às intenções de seus promotores, Ulisses
Pernambucano, diretor da Escola Normal, durante o governo Sérgio Loreto (1922/26), e
Antonio Carneiro Leão, que voltou ao Recife em 19284, a convite do governador
Estácio Coimbra, para realizar a Reforma da Educação, seguindo o modelo da
“Reforma Fernando de Azevedo”, no Distrito Federal.
Estes introdutores do ensino infantil, Ulisses Pernambucano e Carneiro Leão,
pretendiam que esta modalidade de ensino se dirigisse preferencialmente às crianças
mais pobres. Conforme Carvalho, Ulisses Pernambucano teria criticado o fato de que
as turmas de jardim de infância fossem, ao contrário do que desejara com a sua
criação predominantemente ocupadas por crianças das camadas médias (op. cit.:41), o
que contrariava o propósito de “evitar o aumento das crianças abandonadas nas ruas e
entregues ao vício” (NAGLE: 1974). Estas observações dão conta de que, naquele
momento, como também posteriormente, na década de 70, a educação infantil era
pensada como mecanismo compensatório ou, mais precisamente, naquela ocasião,
para servir aos objetivos de higienização.
Em geral, a partir dessas experiências iniciais, foram mantidas e até ampliadas
as turmas de pré-escolar em várias escolas públicas do Recife, muitas vezes com o
propósito de servir de treinamento para as professorandas dos cursos normais, tendo
instalações próprias, ainda quando anexas às escolas normais, e orientação
pedagógica que preconizava a adoção de métodos então em voga, como os de
Froebel e de Montessori. Estes jardins de infância públicos, do mesmo modo que os
4 Carneiro Leão era pernambucano, tendo se formado na Faculdade de Direito do Recife. Antes de sua volta ao Recife ele ocupara,durante 4 anos (1922/26), no Rio de Janeiro, o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal.
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mantidos em escolas privadas eram, conforme Carvalho, ocupados principalmente por
crianças oriundas das camadas de rendas alta e média.
Para os filhos de trabalhadores, entretanto, predominava a perspectiva de
‘higienização’, preconizando-se o atendimento de pré-escolares, em bairros pobres da
Capital, para garantir-lhes alimentação e cuidados médicos. Este foi o sentido
fundamental do “Jardim de Infância dos Pobrezinhos”, da “Liga Protetora da Infância
Desvalida do Recife” e da “Campanha Pernambucana Pró-Infância”, todas durante o
governo de Barbosa Lima Sobrinho, na segunda metade dos anos 40 (CARVALHO, op. cit.).
Esta forma de tratamento dos pré-escolares da classe trabalhadora somente teria sido
distinto durante o curto período de existência do MCP – Movimento de Cultura Popular,
nos anos 60, que priorizava a participação popular, através das Associações de Bairro,
e que foi eliminado pelo movimento militar de 1964.
A educação infantil, depois do golpe de 1964, foi mais uma vez incentivada no
sistema público de educação, na década de 1970, a partir de indicação expressa do
Conselho Federal de Educação – CFE, em 1974, que recomendava a busca de fontes
de financiamento e a elaboração de uma legislação específica que disciplinasse a
implantação e o desenvolvimento do pré-escolar em todos os estados brasileiros,
particularmente no meio rural e nas regiões menos desenvolvidas.
Estas recomendações se fundamentavam na idéia de que a pré-escola
contribuiria para o desenvolvimento pleno de todas as potencialidades da criança e,
assim, teria a função de prevenir o retardo escolar (FERRARI e GASPARY, 1980).
Interessantes são as informações reunidas por estes autores, mostrando que, a
despeito desta ótica “salvacionista”, o atendimento aos pré-escolares tendeu a se
concentrar nas regiões mais ricas e nas cidades maiores, nas capitais dos estados
principalmente, negando o propósito de servir de “antídoto às influências nefastas dos
ambientes pobres”. É possível que esta forma de expansão tenha, afinal, sido resultado
da crescente incorporação das mulheres ao mercado de trabalho, nos anos do
“milagre econômico”, levando à necessidade de procurar alternativas para o cuidado
das crianças das mães trabalhadoras.
Todavia, o sentido da introdução do pré-escolar no sistema público de
educação, nos anos 70, foi, segundo os autores supracitados, de “educação
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compensatória”, seguindo, com alguns anos de atraso, a adoção, nos Estados Unidos,
de uma série de programas educacionais que pretendiam fazer face às condições de
“privação cultural”, concepção que servia de fundamento teórico para este tipo de
educação.
Os mencionados autores criticam muito adequadamente o fato de não se ter
tomado conhecimento, aqui, das críticas dirigidas a esta concepção que, no caso da
América Latina, foi vulgarizada a partir dos estudos de Oscar Lewis no México e
América Central, com o conceito de “cultura da pobreza”. Chamava-se atenção, nestas
críticas, não somente para o caráter ideológico dos conceitos de “cultura da pobreza” e
de “privação cultural”, mas também para a inadequação das observações realizadas
por Lewis, posto que o que se tomava como resultante da privação cultural ou da
pobreza constituía, de fato, uma cultura distinta, seja por se tratarem de etnias
diferentes, seja por constituírem formas de adaptação ou resistência às condições de
vida desses grupos (QUIJANO, 1971; SANTOS,1970).
Na adoção desta “educação compensatória” tampouco foram consideradas as
avaliações negativas, com respeito aos programas introduzidos nos Estados Unidos,
de que teriam efeitos limitados e até desalentadores posto que falharam em seus
objetivos. Pelo contrário, como observa Patto, considerava-se que
A educação compensatória preventiva [teria] por objetivo impedir que o ambiente em
que a criança se desenvolve produza as conseqüências negativas que costuma
produzir. Neste sentido, a educação pré-primária seria utilizada como ‘antídoto’ às
influências nefastas dos ambientes pobres (PATTO, 1973).
É preciso observar o quanto há de preconceito nesta recomendação da
educação pré-escolar. Em nenhum momento eram considerados os problemas
internos da escola, inclusive suas próprias condições de funcionamento - mal
construídas, professores mal remunerados, a pequena extensão da jornada escolar,
bem como as questões de cultura de classes, principalmente no que se refere à
imposição de uma linguagem distinta daquela utilizada pelos estudantes - que se
encontram no cerne das mais importantes dificuldades de aprendizagem dos alunos
com origem nos grupos de renda mais baixa.
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O atendimento em massa no pré-escolar coincidiu, então, quase totalmente
com o começo do período em análise (1975). Inicialmente, durante a administração de
José de Moura Cavalcanti, dando continuidade ao que vinha sendo feito já no final do
governo anterior. O atendimento mais significativo, em termos quantitativos, se fazia no
Programa de Atendimento ao Pré-Escolar - Proape e nas Mini-Escolas.
O Proape tinha como objetivo precípuo fornecer às crianças de 4 a 6 anos uma
alimentação que superasse os problemas nutricionais que eram tidos, naquele
momento, como a causa mais significativa do fracasso escolar, determinando as
dificuldades de aprendizagem, não cabendo, pois, na verdade, considerar os espaços
criados por aquele programa como instituições educacionais.
Quanto às Mini-Escolas, tinham as limitações de congregarem um número
excessivo de crianças e de funcionarem em ambientes pouco adequados para
atividades educacionais - quase sempre ocupavam galpões anexados a escolas de
1o.grau ou mesmo os pátios cobertos que deveriam ser destinados à recreação dos
alunos do ensino regular, o que, é evidente, levava também ao sacrifício do espaço
destinado às demais crianças. Tanto o Proape quanto a Mini-Escola eram, de acordo
com Carvalho, desprovidos de orientação pedagógica específica, parecendo servir
mais adequadamente à “guarda” de crianças.
Uma exceção significativa a esta forma de conduzir o ensino infantil foi a
realizada pela Fundação Bernardo Van Leer que, através de convênio com a Secretaria
de Educação do Estado, pôde estabelecer, no Recife, os Centros de Educação Pré-
Escolar - inicialmente em Brasília Teimosa, e posteriormente também no Alto José do
Pinho, em Casa Amarela - para atendimento de crianças de 3 a 6 anos, em classes
maternais, jardim de infância e preliminar. Estes centros dispunham de orientação
pedagógica, social, psicológica e nutricional, constituindo, pois, uma experiência real de
educação infantil.
O enfoque de educação compensatória predominou, entretanto, em
Pernambuco até a segunda metade dos anos 80, tendo sido mesmo aprofundado no
período de governo Marco Antônio Maciel (1979/1982), que pretendeu atingir, de
acordo com as orientações do Governo Federal, as populações “carentes” ou
“marginais” que não tinham encontrado guarida na expansão do ensino de 1o.grau,
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efetivada na administração Moura Cavalcanti. Nesta perspectiva eram esquecidas,
convenientemente, as condições de produção dessa população “marginal” (KOWARICK,
1975;SIRGADO, 1980).
Naquele governo, de Marco Maciel, as preocupações de ordem pedagógica
estiveram particularmente ausentes: eram treinadas pessoas das “comunidades
carentes”, de preferência mães, que serviriam de “guardadeiras”. O próprio termo deixa
claro, portanto, a idéia de que se tratava de um depósito de pré-escolares, sem
qualquer propósito pedagógico. Também parecem óbvias as intenções clientelistas,
posto que a colaboração com as atividades “educativas” era recompensada com
material para construção ou recuperação das próprias casas das mães voluntárias ou
aquisição de terrenos para construção de moradia, como já foi mencionado.
Esta forma de encarar a educação infantil mudou durante o mandato de
Roberto Magalhães (1983/1987), quando a Secretaria de Educação do Estado
começou a aventar a idéia de que se iniciasse a alfabetização das crianças aos 6 anos
de idade, com o objetivo de evitar as dificuldades de aprendizagem observadas na
1a.série do 1o.grau. Em função deste propósito recomendava-se que fossem criadas
turmas de alfabetização, para as crianças com esta idade, particularmente na capital.
Difícil perceber as razões propriamente pedagógicas de semelhante recomendação,
posto que não há porque pensar que os problemas de aprendizagem possam ser mais
intensos nas cidades maiores.5
A idéia de utilização da educação infantil como momento de alfabetização para
minorar os problemas de reprovação na 1a.série do ensino fundamental também
orientou a expansão desta modalidade de ensino, cf. Plano Estadual de Educação
1992/1995, no Governo Joaquim Francisco Cavalcanti, ainda quando já se
estabelecera o consenso, não somente entre os educadores, mas também entre os
técnicos ligados a diferentes instâncias da administração educacional, no Brasil, de que
a educação infantil teria um fim em si mesma, não constituindo um ensino “pré”
qualquer coisa mais, o que revela o distanciamento da equipe então responsável pela
definição e condução da política educacional em Pernambuco, do teor dos debates
nacionais e o não reconhecimento das conquistas fixadas na Constituição de 1988.
5 Não há qualquer justificativa sobre esta escolha nas mensagens governamentais ou no Plano Estadual de Educação. Talvez o critério usado tenha sido então, simplesmente, a disponibilidade de professores em Recife.
25
É possível ver que esta última perspectiva, da administração Joaquim
Francisco, era extremamente semelhante àquela inicial, podendo-se considerar ambas
como orientadas pela ótica da “educação compensatória”. De fato, o que parece
constituir a diferença entre elas é o fato de que a primeira, em que predominava o
Proape, era inspirada nas teorias sobre a influência negativa da desnutrição, enquanto
a segunda se pautava mais claramente pela idéia de “privação cultural”, ainda quando
não se a mencionava claramente, como no Plano Estadual de Educação da
administração Joaquim Francisco Cavalcanti.
Os demais governos do período analisado tenderam a orientar-se por um
melhor entendimento do que constitui a educação infantil, superando a idéia de que se
trata de um momento de preparação para o início da escolarização propriamente dita, a
ser iniciada aos 7 anos no ensino fundamental. É necessário salientar porém que,
diferentemente do que ocorreu com os demais níveis e modalidades de educação, com
respeito ao ensino pré-escolar não houve uma política específica nas administrações
Arraes: a expansão da educação infantil deveria ser feita através de ação junto à esfera
municipal, e teria, como prioridade, a “garantia de acesso ao sistema escolar de toda a
população de 05 a 07 anos...” (OLIVEIRA, 2002). Como conseqüência desta política
observou-se um significativo aumento do atendimento municipal ao pré-escolar, que
passou na primeira administração (1987/1990) de 32% para 41%, e de 41,5% para
61%, entre 1994 e 1998.
A mudança de enfoque do pré-escolar6, em Pernambuco, aliás, seguiu de perto
os debates nacionais entre professores e educadores, que foram, em parte,
incorporados pelos técnicos do Ministério de Educação e recomendados na
Constituição de 1988, que reconheceu como direito da criança o acesso à educação
infantil, em creches e pré-escolas. Este reconhecimento constitucional levou a que a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9394/1996) a consagrasse,
definindo a educação infantil como direito da criança de 0 a 6 anos, fazendo parte da
educação básica, juntamente com o ensino fundamental e o ensino médio.
Também, tal como ocorreu na maioria dos estados, em todo o Brasil, a
educação infantil, em Pernambuco, inicialmente predominante na rede privada (em
6 Recomenda-se atualmente evitar as expressões ‘pré-escolar’ ou ‘pré-primário’ para que assim não se confunda esta modalidade de educação como de iniciação à educação fundamental obrigatória.
26
1978 correspondia a 48,8%) passou gradativamente à dependência administrativa
municipal7, da mesma forma que o ensino fundamental.
Este fato, no entanto, no caso do ensino infantil, encerra novos problemas:
enquanto o ensino fundamental foi claramente definido como obrigatório e de
responsabilidade municipal, a educação infantil, atribuída à mesma instância
administrativa, não é obrigatória, não havendo garantia das verbas a ela destinadas,
ficando na dependência da política educacional municipal e, mais que isto, dos
recursos municipais, quase sempre exíguos, dadas as condições falimentares da
maioria dos municípios (CERISARA, 2002.)8.
Cerisara chama atenção ainda para o fato de que uma portaria do Governo
Federal, Portaria n. 2854 de julho de 2000, da Secretaria de Assistência Social, tenha
estabelecido que os programas de assistência social permaneceriam recebendo
recursos para o atendimento à população infantil, o que, para ela, evidenciaria que a
educação infantil permaneceria com uma orientação de cunho assistencialista, a
despeito das determinações da LDB, que a classificavam como parte do ensino básico,
devendo, por isto, ser transferidas para a alçada das secretarias de educação
estaduais e municipais.
Outros problemas apontados por esta autora, dizem respeito às prioridades de
acesso e de formação de professores. Conforme a autora, tem sido privilegiado o
atendimento das crianças filhas de mães trabalhadoras e de renda baixa, o que
deslocaria o direito das crianças, tal como definido na Constituição, para um direito de
suas mães.
Quanto ao que diz respeito à formação dos docentes, o decreto presidencial de
n. 3554/2000 estabelece que a formação dos professores para a educação infantil deve
ser realizada “preferencialmente” em cursos normais superiores.9 Esta Portaria, no
entender de Cerisara, contrariaria as orientações da LDB/1996 que definia que todos
7 Em 1978, os municípios eram responsáveis por apenas 9,5% da matrícula, em 2001 corresponde a 57,2%, ultrapassando,portanto, a proporção da matrícula no ensino privado (CARNEIRO e SILVA, 2003).8 Talvez em Pernambuco já esteja aparecendo o problema: em 1998, a proporção de matrícula na rede municipal era de 61,1%, um pouco maior pois que a verificada em 2001.9 Segundo a autora, a Portaria definia, na verdade, que a formação deveria fazer-se exclusivamente nestes cursos, tendo sido modificada em decorrência dos protestos dos educadores.
27
os professores de ensino infantil e fundamental deveriam ter formação especifica em
nível superior.
No entender dos estudiosos da educação infantil, que constantemente
chamaram a atenção para a falta de preparação específica dos professores para este
tipo de ensino, a sua formação deveria ser feita nos cursos de pedagogia, existentes
nas universidades. A criação dos institutos superiores de educação e dos cursos
normais superiores, para os quais seriam dirigidos preferencialmente os professores de
ensino infantil, poderia vir a determinar uma estratificação entre técnicos formados nos
cursos de pedagogia, e professores com formação nestes novos cursos. Certamente
esta será uma conseqüência bem pouco alentadora quando se pretende a
profissionalização e valorização do magistério.
ENSINO FUNDAMENTAL:deterioração sem remédio?
As orientações dirigidas ao ensino fundamental tenderam ao que tem sido aqui
chamado de continuidade-descontínua. O que se pode perceber como contínuo foi o
propósito de garantir o aumento do acesso a este nível de ensino. Em todos os planos
estaduais de educação, de alguma forma, se fez referência à necessidade de propiciar
a expansão do atendimento escolar à população de 7 a 14 anos. Em cada um dos
diferentes planos foi considerada a proporção de crianças ainda não atingidas pelo
aumento da oferta de ensino e foram sugeridas, de algum modo, formas de incorporá-
las ao sistema educacional.
É verdade que o discurso a respeito era, algumas vezes, contraditório, como se
pode observar na primeira das gestões analisadas, de José Francisco de Moura
Cavalcanti. Para este governador, seria necessário garantir um aumento significativo
das oportunidades de acesso ao ensino fundamental, talvez mesmo a sua
universalização. Entretanto, a meta fixada foi de cerca de 68% do atendimento, nas
28
quatro primeiras séries e de 18% para as últimas. Ao mesmo tempo, o Secretário de
Educação deste período apontava a impossibilidade de atingir as metas estabelecidas,
sem um correspondente aporte de recursos do Governo Federal e sem a ajuda de
grupos empresariais.
Estas idéias, de universalização do ensino fundamental e da necessidade de
contar com o auxílio federal, aliás, vêm de longa data. A decisão de tornar universal e
obrigatório o ensino elementar, como era então chamado, apareceu ainda na
Constituição do Império, mesmo que, conforme aponta Werebe (1963), se tratasse muito
mais de um ideal do que de uma possibilidade real. Na verdade, considerando-se a
inexistência de recursos humanos e materiais, bem como o fato da agricultura
extensiva ser quase a única atividade econômica, não se pode supor que se sentisse a
necessidade de educação, tanto da parte da população a ser beneficiada como por
parte dos grandes proprietários rurais que a empregava.
O propósito de universalizar o ensino elementar tomou, no caso de
Pernambuco, um maior impulso durante o governo Estácio Coimbra, quando se
processou a chamada “Reforma Carneiro Leão” (ainda que muitas das medidas
presentes nessa reforma já tivessem sido objeto de preocupação de Ulisses
Pernambucano, diretor da Escola Normal Oficial, no período anterior, durante a
administração Sérgio Loreto).
Nas formas sugeridas para fazer garantir a incorporação das crianças ao
sistema público de ensino, no período analisado, já é possível perceber diferenças.
Mas, chama atenção, também o fato de que, ainda quando parecia haver um consenso
quanto ao diagnóstico, as soluções propostas tendiam a ser diferentes. É interessante
mencionar também que o próprio diagnóstico não se fazia consensual quanto às
estatísticas apresentadas, sendo ora maior, ora menor o percentual do atendimento
escolar em governos imediatamente subseqüentes – talvez (claro!) devido à
desconfiança a respeito de números, quer porque parecem sempre poder ser
manipulados ao bel prazer de quem os produz, quer pela ausência de uma base
técnica que garantisse a confiabilidade dos dados produzidos.
A principal forma de realizar a expansão do atendimento no ensino
fundamental foi, nos primeiros anos, basicamente até 1987, através da construção e
29
ampliação de escolas. Neste sentido, o Secretário de Educação do primeiro dos
governos enfocados por este estudo, José Jorge de Vasconcelos Lima, na
administração Moura Cavalcanti, chegou a afirmar que “(...) esse programa [de
construções] alcançou a posição de ser o maior investimento no setor educacional, já
realizado no Estado” (EducAção – Relatório 1975/1976). Mas esta não constituiu uma
observação isolada: os demais secretários de educação deste primeiro momento, em
seus relatórios, fizeram menção à construção e à ampliação de escolas, quase sempre
fornecendo o número de novas unidades ou de novas salas que teriam sido
incorporadas ao parque educacional do Estado.
Outras formas de aumentar o atendimento escolar, como já se mencionou,
foram a locação de edifícios privados ou comunitários e a compra de vagas. A locação
de edifícios merece a crítica de muitas vezes não se tratarem de construções
adequadas às atividades educacionais. Esta e a compra de vagas, ademais,
freqüentemente serviram como mecanismo de “privatização” de recursos públicos,
prática constante não somente em Pernambuco, mas em todo o Nordeste, e mesmo
no Brasil.
Claro está que não se pretende aqui negar a importância do esforço
empreendido, ainda que se considere que muitas vezes ele se deu sem as devidas
preocupações com a qualidade do ensino, ou mesmo em detrimento dela, como foram
as ações que levaram à diminuição da jornada escolar diária, à introdução do turno
intermediário e à contratação de professores leigos. Sem embargo, o aumento da
oferta de educação escolar se fez, muitas vezes, obedecendo a ditames político-
eleitorais de fornecimento de escolas, orientação que, aliás, presidiu a expansão do
sistema público de ensino, no Brasil, durante toda a sua história - inicialmente se
dirigindo à construção dos grupos escolares, para o ensino fundamental, e depois para
a construção dos ginásios que permitiram a expansão do nível médio.
Entretanto, é possível considerar que a ênfase nesta opção de expansão do
sistema de ensino seria, do ponto de vista de cooptação política, justificável: afinal,
seria pouco provável que os pais dos novos alunos incorporados por esta expansão,
quase sempre analfabetos ou semi-analfabetos (a proporção de adultos analfabetos na
população em 1975 era ainda de mais de 25%) tivessem condições de julgar os
resultados da aprendizagem de seus filhos, sendo, talvez, satisfatório que
30
freqüentassem a escola, alternativa que lhes teria sido negada, por um motivo ou por
outro, (falta de escolas, ou a necessidade de incorporação precoce ao trabalho). Isto
parece dar razão às observações de Cunha, para quem:
Os problemas ligados ao acesso à escola têm constantemente aparecido como tema
político. A qualidade do ensino ministrado, entretanto, não teve a mesma projeção
dado o caráter urgente de qualquer escola que surge para a maioria da população
dela carente (op. cit., 1975:150).
Em qualquer hipótese, é necessário considerar que o resultado desta política
não foi de todo negativo. O aumento do atendimento no ensino fundamental foi
constante, passando a taxa líquida de matrícula de 62,9%, em 1978, quando terminou
a gestão José Francisco de Moura Cavalcanti, para 93,5%, em 2001, observando-se
um aumento ora mais acentuado, ora menos, em todo o período, de 1975 a 2001. E, se
é lamentável que persistam grandes problemas educacionais, é também verdadeiro
que este pode ser visto como o caso de a quantidade redundar em qualidade: diminuiu
significativamente o número de analfabetos, que era, na população de 15 ou mais
anos, de 50,8%, em 1970, para 24,5%, em 2000. Aumentou também o número médio
de anos de escolarização: em 1980, 42,5% do contingente populacional de 10 anos e
mais, em Pernambuco, não tinha instrução ou freqüentara a escola por menos de 1
ano; em 2001, esta taxa era de 19,6%, e 33,5% tinham o mínimo de 4 anos de
freqüência à escola.
Talvez fosse possível afirmar, evidentemente com um certo exagero, que, até
1987, não houve uma política específica para este nível de ensino. É verdade que
durante todos os anos que compreende este trabalho, em cada uma das gestões foi
definido algo sobre o ensino fundamental. As recomendações, entretanto, não parecem
específicas, principalmente ao serem considerados os problemas de evasão e
repetência e as suas explicações. Nada do que era então proposto parecia se dirigir
especificamente a fazer frente a estes problemas. De fato, pode-se mesmo afirmar
como o faz Saviani, que o ensino fundamental não recebia, no Brasil, maior atenção
por parte dos analistas, sendo necessário acrescentar que tampouco era alvo de
maiores preocupações dos governantes. Como acrescenta o mencionado autor, “...a
julgar pelo silêncio em torno dela, a escola primária [ou de 1o.grau] parece uma ilha de
paz e tranqüilidade”. (SAVIANI, 1978).
31
Em Pernambuco, quando a atenção se voltava para a educação fundamental, a
melhoria do ensino tomou, muitas vezes, a forma de programas dirigidos a algumas
escolas, em particular, ou ao treinamento ou preparação para o ensino de disciplinas
específicas, como, por exemplo, língua portuguesa ou matemática. Estes programas
tinham um caráter assistemático e, na maioria das vezes, se superpunham: apenas por
utilizarem metodologias distintas, ou qualquer outra particularidade, levavam à adoção
de estruturas paralelas, certamente onerosas e, mais que isto, prejudiciais ao
estabelecimento de uma política educacional para o conjunto do ensino público no
Estado. Parte do esforço assistemático de melhoria do ensino, neste primeiro
momento, consistiu no treinamento de professores leigos, levado a efeito através do
programa Logos II, que também serviu de estímulo para novas contratações de
professores sem a formação mínima requerida para o ensino nas 4 primeiras séries do
nível fundamental (OLIVEIRA, 1990).
No segundo momento que se distingue neste trabalho, a partir de 1987,
observa-se uma mudança significativa na orientação dada ao ensino fundamental.
Fazem parte deste esforço pela melhoria do ensino, o programa de capacitação de
professores, que se inicia ainda em 1987, primeiro ano do governo Arraes. Mas no que
diz respeito à qualidade do ensino propriamente, os esforços não se limitaram à
questão da formação dos professores. Era recomendado, a partir de então, também o
uso de metodologias que poderiam favorecer a aprendizagem, como as pedagogias
construtivista e freiriana, que ensejariam uma aprendizagem participante, evitando-se a
mera assimilação de conteúdos via simples memorização. Tentou-se, além disto, dirigir
cursos de alfabetização para os pais, de modo a garantir um ambiente doméstico
alfabetizador.
Parte desta experiência teria sido incorporada pela gestão que sucede à de
Miguel Arraes, - Joaquim Francisco Cavalcanti, 1991/1995 – pelo menos no que diz
respeito às preocupações de ordem metodológica e à orientação de que a educação
serviria à construção da cidadania. Entretanto, foram abandonados os Fóruns
Itinerantes de Educação, que serviram não somente, no primeiro ano de governo, para
a elaboração do Plano Estadual de Educação 1988/1991, mas, principalmente, para
criar um élan, uma nova perspectiva, entre professores, alunos e pais.
32
No momento (desde o início do primeiro mandato de F. H. Cardoso na
presidência “da nação”, mas em Pernambuco desde 1999) o ensino fundamental, de 1 a
a 4a séries, vem sendo transferido aos municípios, realizando, em parte (posto que se
limita a estas séries iniciais), o que preconiza a LDB/1996 e o Plano Nacional de
Educação – PNE, de 2001. Esta transferência, seguindo as orientações do MEC/INEP,
vem sendo acelerada, sem que se levem em conta as condições concretas dos
diferentes municípios para a implementação do ensino fundamental. Este fato talvez
tenha sido o principal responsável por uma queda contínua na qualidade do ensino a
despeito das avaliações otimistas do MEC (CASTRO, 1999).
ENSINO MÉDIO:a “escola para a vida”
O ensino médio sofreu as maiores descontinuidades, seguindo, aliás, mais de
perto do que qualquer outro nível ou modalidade de ensino, as orientações emanadas
do Governo Federal, o que não permite estabelecer tão bem o corte entre as
administrações pré e pós 1987, como se pôde fazer com respeito a outros níveis e
modalidades, em especial o ensino médio e a educação de adultos.
No início do período analisado, o Plano Estadual de Educação 1976/1979
previa a implantação do ensino médio, tal como recomendado pela reforma
educacional (Lei 5692/71). Ou seja, considerava-se, naquele Plano, que todavia não
fora implantado o ensino médio profissionalizante, como determinava a mencionada
Lei, sendo, portanto, necessário garantir a sua implementação, ao mesmo tempo em
que seria feita a ampliação de seu atendimento, proposta em 18%.
Para efetivar esta implantação do ensino médio profissionalizante recorreu-se,
desde a administração Moura Cavalcanti até meados dos anos 1980, à construção e
reforma de estabelecimentos escolares, de modo a abrigar, em alguns deles, o 1 o. e o
33
2o.graus, à locação de outros tantos prédios e à compra de vagas, o que permitiu uma
contínua “colaboração” com os proprietários de escolas particulares. O aumento das
oportunidades de acesso se fez também com a eliminação dos exames de admissão,
nas localidades em que não houvesse uma maior pressão por vagas, medida que,
seguramente, implicava deixar fora o Recife e os maiores municípios do Estado.
Como é de conhecimento generalizado, a transformação do ensino médio em
profissionalizante não satisfazia a qualquer grupo social que, naquele momento, a ele
tinha acesso, - nem mesmo aos estudantes de renda mais baixa, aos quais,
provavelmente, se dirigia esta profissionalização, como forma de conferir-lhes uma
terminalidade à escolarização, que deveria lhes garantir, ao mesmo tempo, condições
de inserção no mercado de trabalho. Em geral, esperava-se que este nível de ensino
servisse de porta de entrada para os cursos superiores, o que a realização de um curso
profissionalizante, no 3o.ano do 2o.grau, certamente não favoreceria, dada a
necessidade de somar todos os esforços para a preparação dos exames vestibulares10,
extremamente concorridos, posto que ainda não se verificara a imensa expansão de
faculdades, em cada porta, que vem se efetivando desde o início da década de 1980
e, com maior ênfase, nos últimos quatro anos.
Esta profissionalização também não teria sido do agrado dos dirigentes das
escolas privadas, uma vez que os cursos profissionalizantes representavam um custo
adicional sem a correspondente satisfação dos grupos de renda mais alta, sua clientela
preferencial. É verdade que esta profissionalização determinada pela Lei foi, de acordo
com Cunha, quase sempre contornada, através da realização de cursos que não eram
propriamente profissionalizantes, mas que constituiriam um auxílio para os cursos
superiores pretendidos (CUNHA, op. cit.).
Para o setor público, a profissionalização do ensino médio implicava num ônus
significativo, comprometidos que estavam os recursos financeiros do Estado com a
expansão do ensino fundamental obrigatório. Ademais, além da necessidade de
instalações e equipamentos, a implantação em massa de um ensino profissionalizante
requeria um grande número de professores, para as diferentes habilitações, que não
seriam tão fácil e rapidamente formados. A despeito disto, de uma provável falta de
10 Isto provavelmente devia ser verdadeiro mesmo para os alunos da rede pública, principalmente se for levada em conta a baixa chance ainda observada de acesso e conclusão do ensino médio na segunda metade da década de 1970.
34
professores habilitados, já na primeira das administrações aqui analisadas, se afirmava
que teriam sido ofertadas 60 habilitações profissionais, embora a escassez de
professores para o ensino médio e para as quatro últimas séries do ensino fundamental
fosse, e ainda hoje seja, uma constante, mesmo para a parte do currículo de educação
geral, fazendo necessárias medidas de treinamento, e mesmo de ”reciclagem”, de
professores com outras habilitações, em todos os governos deste primeiro momento.
Isto é particularmente visível com relação aos professores para educação física e para
as ditas ciências exatas11
Todavia, os problemas para a efetivação da reforma do ensino médio fizeram
com que, já em 1978, se modificasse a Lei 5692/71, determinando-se que a
profissionalização se aplicasse apenas àqueles que teriam neste nível de ensino o
ponto terminal de sua escolarização, brecha que, aliás, já era dada pela própria Lei,
permitindo que, em muitos casos, a profissionalização fosse efetuada ao término da
4a.série do ensino fundamental, momento que, ainda hoje, cerca de 25% da população
abandona a escola. Esta modificação da lei, bem como as disposições transitórias que
se tornaram prática corrente, como foi tantas vezes feito nas disposições legais para a
educação no Brasil, como aponta, muito a propósito, Werebe (op.cit.), deixaram a nu a
dualidade proposta para o ensino médio, determinando para uns, os economicamente
menos favorecidos, o trabalho e para os outros, a passagem para o ensino superior12.
Em Pernambuco, após a realização da avaliação do 2o. grau recomendada pelo
MEC, em 1981, considerou-se que seria necessário procurar alternativas menos
onerosas, mais realistas e mais condizentes com os interesses dos alunos, -
(Interessante notar que as modificações que permitem esta dualidade sempre são
introduzidas com o critério de “interesse do aluno”!). Foram propostas as seguintes
alterações, que redundariam em diferentes tipos de escolas: 1) as que ofereceriam
cursos técnicos e de auxiliar técnico; 2) algumas especializadas, devendo promover o
ensino de conhecimentos comuns a uma família ocupacional (aqui, o dualismo do
ensino médio bem poderia levar à especialização geográfica de ocupações); 3) as que
conferissem ênfase à educação geral e promovessem a oferta de disciplinas de
11 Atualmente esta escassez de professores se revela até para o ensino de línguas e de ciências humanas, cf.o Jornal do Commercio (Caderno Cidades, p.2, 5/8/2003) 12 O dualismo do ensino médio parece bem marcado em Pernambuco, naquele momento. No PEE 1980/1983 revelava-se a preocupação “com o aprofundamento de conhecimentos humanísticos aos alunos que apresentassem condições favoráveis” (CANUTO, op. cit.).
35
formação especial, com carga horária reduzida; 4) as que aprofundassem os
conhecimentos de educação geral e informassem profissionalmente os estudantes.
A Secretaria de Educação, de acordo com esta orientação, deveria estabelecer
pólos de cursos profissionais constituídos por um conjunto de escolas para as quais
seriam canalizados maiores recursos financeiros, a fim de instrumentalizá-las para o
oferecimento de um ensino profissionalizante que servisse de fato como preparação
para o mercado de trabalho. No Plano Estadual de Educação desse governo, Marco
Maciel, prometia-se realizar um esforço significativo para a formação profissionalizante,
que deveria pautar-se pela competência e praticidade, conciliando as aptidões dos
estudantes com as necessidades do mercado de trabalho, de então e do futuro.
Comprometido com as tendências econômicas do Estado e com o sucesso dos
egressos na prestação de serviços, o sistema educacional de Pernambuco propiciaria
as condições para a elevação da produtividade do trabalho, ao mesmo tempo em que
contribuiria para reduzir as desigualdades de renda. Chama atenção aqui o
compromisso explícito com as teorias do capital humano presentes até 1987, a
despeito de, já em 1974, ter-se revelado com toda clareza a falência do “milagre
brasileiro”.
Os propósitos de profissionalização levaram à instalação de Centros
Politécnicos, na administração Marco Maciel, bem como à tentativa de fornecer noções
de técnicas agrícolas nas escolas do meio rural. Esta “profissionalização rural”
constituía uma intenção de governo desde o período Moura Cavalcanti. Considerava-se
a necessidade de “livrar o homem do campo da marginalidade tecnológica,
capacitando-o, inclusive, para a incorporação no processo produtivo urbano”. Não há
informações sobre o tipo de cursos oferecidos naquela administração.
No governo seguinte, os cursos listados, dirigidos tanto aos que concluíam as
quatro primeiras séries do ensino fundamental, quanto aos que atingiam o ensino
médio e a jovens e adultos, diziam respeito a técnicas agrícolas, corte e costura,
indústria caseira e técnicas do lar, os quais, seguramente, não contribuiriam muito para
este propósito manifestado de integração da população rural. Pelo contrário, constituía
mais uma forma de promover o dualismo no ensino de nível médio, acrescentando à
segregação produzida por trabalho versus continuidade dos estudos, a discriminação
rural-urbana, sem dúvidas irracional quando se considera a migração campo-cidade,
36
muito intensa nos anos de 1970, e a estrutura fundiária, que impediria iniciativas de
adoção de novas tecnologias agrícolas.
Os Centros Politécnicos foram semi-abandonados, em função das
modificações nas orientações para o 2o.grau, de 1982, que restabeleceram a educação
geral. Posteriormente, no período da administração Joaquim Francisco Cavalcanti
(1991/1994), para responder às novas determinações de profissionalização no ensino
médio, que agora deveria ser efetivada ao mesmo tempo ou após a realização do
curso, e às intenções de desenvolvimento contidas na plataforma de governo - “Cresce
Pernambuco” (que pretendia ser uma adaptação local às propostas de Fernando Collor
para o Brasil, mas que, afinal, volta-se para as idéias desenvolvimentistas do passado,
afastando-se das intenções de modernização da economia do então presidente) -
propôs-se a recuperação destes centros politécnicos.
A despeito da visão desenvolvimentista, no Plano Estadual de Educação de
Educação 1992/1995, do Governo Joaquim Francisco Cavalcanti, o ensino médio foi
entendido como período em que deveriam ser adquiridas “(...) diversas e variadas
linguagens (...) tendo em vista simultaneamente a continuidade dos estudos e a
posterior ou concomitante profissionalização”.
Este nível de ensino seria responsável pela transmissão de um conjunto de
conhecimentos que permitissem ao estudante entender o mundo em que vive, o
cotidiano e o do trabalho, apreender os fundamentos científicos e suas relações com os
processos tecnológicos, bem como distinguir e utilizar corretamente a linguagem
própria de cada um deles.
Com o objetivo de minorar as dificuldades observadas neste nível de ensino,
caberia à Secretaria de Educação assessorar as escolas de modo a possibilitar: o
fortalecimento da aquisição dos conteúdos da Língua Portuguesa, disciplina que
deveria servir à integração das demais; desenvolver a apreensão dos conhecimentos
das ciências físicas e naturais e da matemática; promover a reflexão sobre o processo
histórico da sociedade brasileira, interrelacionada com os demais países do continente
americano e do mundo; a freqüência de alunos, se o desejassem, a cursos
profissionalizantes; assegurar a educação geral, de modo a permitir a continuidade dos
estudos, via vestibular, em cursos superiores; e, para alunos dos cursos de magistério,
37
aprofundar os conteúdos gerais e de fundamentos metodológicos, necessários a
atividade docente, no pré-escolar e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental.
A nova LDB/1996 e o PNE-2001 restabeleceram mais uma vez a
profissionalização no ensino médio. Agora, já não se tratava de orientação geral e
obrigatória: constitui uma alternativa, para quantos o queiram ou necessitem pela
obrigatoriedade, esta verdadeira, de inserção no trabalho, podendo ser realizada no
mesmo período dos estudos de nível médio ou depois de sua conclusão. Durante a
presidência de Fernando Henrique Cardoso, esta modificação, introduzida no ensino
médio foi apresentada à imprensa como “o ensino médio é agora para a vida”. Resta a
indagação: seria, até então, para a não vida, para a morte, para nada, afinal? O que
parece claro é o disfarce, com laivos de realismo, da renúncia a uma perspectiva mais
igualitária. Trata-se, sem nenhuma dúvida, de obediência ao princípio de “eqüidade”...
Assim, o ensino médio, no Estado, tal como se chamou atenção anteriormente,
foi vítima de modificações constantes, sendo ora profissionalizante, ora
profissionalizante em parte, ou mesmo não profissionalizante, obedecendo às
mudanças nas determinações emanadas do Ministério de Educação. Para alguns
autores, esta freqüente oscilação nas orientações dadas para este nível de ensino
decorre da falta de consenso entre os próprios educadores quanto às finalidades que
deveria ter, limitando-se o acordo à crítica ao estabelecimento de um sistema dual,
como se definia, ainda no fim do século XIX, nas escolas elementares, e
posteriormente, já desde a década de 1940, exceção feita para o curto período de
vigência da LDB/1961, interrompida com a 5692/71, para o ensino médio.
38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CANUTO, Vera R. de A. Governo Marco Antônio de Oliveira Maciel (1979-1982). In OLIVEIRA, Mª das Graças C. de, COSTA, Lia P. e CANUTO, Vera R. de A. Políticas Públicas de Educação Básica em Pernambuco 1975-2001 – Parte I. Recife: 2003.
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