politica de verdade

2
Isabel Soares, Cavaco Silva e a “política de verdade” A recente inauguração das obras de requalificação do Castelo de Silves, na qual entendeu estar presente o Sr. Presidente da República, merece comentário político à luz do título escolhido. Cavaco Silva prestou um bom serviço a Isabel Soares em vésperas de eleições e branqueou uma obra pouco exemplar, como muitos silvenses bem sabem. Criou ainda um péssimo precedente, e que não poderá manter se quer ser “presidente de todos os portugueses”, apadrinhando publicamente em vésperas de autárquicas o lançamento de uma recandidatura em pleno Monumento Nacional, como o vídeo propagandístico projectado na Cisterna da Moura documenta. Mas vamos aos factos. A requalificação agora inaugurada fazia parte do Programa Polis iniciado em Fevereiro de 2002 e era, segundo os documentos então publicados, uma das suas primeiras prioridades, juntamente com o Centro Histórico da cidade. O Polis acabou por não acabar esta obra, nem a do Centro Histórico, que passou entretanto para a autarquia (como muitas outras!). O falso argumento, sempre invocado, dos constrangimentos impostos pela arqueologia serviu, e serve, para justificar que este projecto só agora estivesse terminado, o que não está. Falso argumento porque não é preciso ser especialista para saber que uma intervenção no Castelo teria constrangimentos arqueológicos. E as escavações foram iniciadas nos anos 80! Só isso seria razão suficiente para esta ter sido obra de arranque, pois havia projecto e havia diagnóstico prévio. Mas não: começou muito mais tarde. Mas a verdadeira hipocrisia desta inauguração, destoando do apelo à “política de verdade” feito recentemente por Manuela F. Leite aos autarcas algarvios, reside nas obras não acabadas e tudo acontecer como verdadeira encenação teatral (conforme, aliás, o que se passou há quatro anos na inauguração do Teatro Mascarenhas Gregório e hoje ainda fechado). É a política do “faz-de-conta”, do mais descarado marketing político, fazendo de todos nós tolos e contribuintes líquidos da palhaçada. Vejamos: em vésperas da cerimónia, abre-se uma vala de 2x80m, sem licenciamento do IGESPAR e qualquer acompanhamento arqueológico em área protegida por dois monumentos nacionais, só para poder ter água e esgotos na Casa de Chá que servirá o Porto de Honra. Estabelecimento entretanto fechado e assim estará até ser sujeito a concurso público de concessão. No Castelo, a sinalética é provisória, somente para a inauguração; futuramente, dará lugar a outra. Pagará em duplicado o contribuinte. Os textos ignoram que a maioria dos visitantes é de origem estrangeira; as torres, que deveriam já estar musealizadas, receberam ad hoc umas vitrinas e armários retirados ao Museu Municipal; o passeio-da-ronda continua, pelo estado de degradação em que se encontra, lugar para inúmeros acidentes (inclusive no dia da inauguração); a Cisterna da Moura, além do rasca projecto luminotécnico, apresenta-nos um vídeo que, nada tendo de histórico, só falta apelar directamente ao voto em Isabel Soares. A este propósito, bem gostaria de conhecer a opinião da Delegação Regional de Cultura e outros, que gerem este monumento nacional. E, também, sobre a consolidação das estruturas arqueológico/arquitectónicas que, em termos de segurança e conservação, deixam muito a desejar. Nem falo dos jardins, de que se queixaram já os próprios arquitectos paisagistas, e que só viram água corrente no dia D! Enfim, uma encenação que nos deixa muitas preocupações. Seja pela pressa em inaugurar o que em verdade não era inaugurável, seja pelo pó para debaixo do tapete que pretende realizar. E aqui referimo-nos à escandalosa situação visível a poucos metros, no Centro Histórico de Silves. Ruas em terra batida, esgotos ligados à rede de águas pluviais, cabos e tubagens em manifesto improviso, pedras, latas e vegetação selvagem proliferando. E as pessoas, é claro, ali procurando viver, apesar das condições,

Upload: manuel-ramos

Post on 07-Mar-2016

214 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Artigo no Barlavento, publicado em 16 de Julho de 2009, sobre a inauguração das obras de reabilitação do castelo de Silves.

TRANSCRIPT

Page 1: Politica de Verdade

Isabel Soares, Cavaco Silva e a “política de verdade” A recente inauguração das obras de requalificação do Castelo de Silves, na qual

entendeu estar presente o Sr. Presidente da República, merece comentário político à luz do título escolhido. Cavaco Silva prestou um bom serviço a Isabel Soares em vésperas de eleições e branqueou uma obra pouco exemplar, como muitos silvenses bem sabem. Criou ainda um péssimo precedente, e que não poderá manter se quer ser “presidente de todos os portugueses”, apadrinhando publicamente em vésperas de autárquicas o lançamento de uma recandidatura em pleno Monumento Nacional, como o vídeo propagandístico projectado na Cisterna da Moura documenta.

Mas vamos aos factos. A requalificação agora inaugurada fazia parte do Programa Polis iniciado em Fevereiro de 2002 e era, segundo os documentos então publicados, uma das suas primeiras prioridades, juntamente com o Centro Histórico da cidade. O Polis acabou por não acabar esta obra, nem a do Centro Histórico, que passou entretanto para a autarquia (como muitas outras!). O falso argumento, sempre invocado, dos constrangimentos impostos pela arqueologia serviu, e serve, para justificar que este projecto só agora estivesse terminado, o que não está. Falso argumento porque não é preciso ser especialista para saber que uma intervenção no Castelo teria constrangimentos arqueológicos. E as escavações foram iniciadas nos anos 80! Só isso seria razão suficiente para esta ter sido obra de arranque, pois havia projecto e havia diagnóstico prévio. Mas não: começou muito mais tarde.

Mas a verdadeira hipocrisia desta inauguração, destoando do apelo à “política de verdade” feito recentemente por Manuela F. Leite aos autarcas algarvios, reside nas obras não acabadas e tudo acontecer como verdadeira encenação teatral (conforme, aliás, o que se passou há quatro anos na inauguração do Teatro Mascarenhas Gregório e hoje ainda fechado). É a política do “faz-de-conta”, do mais descarado marketing político, fazendo de todos nós tolos e contribuintes líquidos da palhaçada. Vejamos: em vésperas da cerimónia, abre-se uma vala de 2x80m, sem licenciamento do IGESPAR e qualquer acompanhamento arqueológico em área protegida por dois monumentos nacionais, só para poder ter água e esgotos na Casa de Chá que servirá o Porto de Honra. Estabelecimento entretanto fechado e assim estará até ser sujeito a concurso público de concessão. No Castelo, a sinalética é provisória, somente para a inauguração; futuramente, dará lugar a outra. Pagará em duplicado o contribuinte. Os textos ignoram que a maioria dos visitantes é de origem estrangeira; as torres, que deveriam já estar musealizadas, receberam ad hoc umas vitrinas e armários retirados ao Museu Municipal; o passeio-da-ronda continua, pelo estado de degradação em que se encontra, lugar para inúmeros acidentes (inclusive no dia da inauguração); a Cisterna da Moura, além do rasca projecto luminotécnico, apresenta-nos um vídeo que, nada tendo de histórico, só falta apelar directamente ao voto em Isabel Soares. A este propósito, bem gostaria de conhecer a opinião da Delegação Regional de Cultura e outros, que gerem este monumento nacional. E, também, sobre a consolidação das estruturas arqueológico/arquitectónicas que, em termos de segurança e conservação, deixam muito a desejar. Nem falo dos jardins, de que se queixaram já os próprios arquitectos paisagistas, e que só viram água corrente no dia D!

Enfim, uma encenação que nos deixa muitas preocupações. Seja pela pressa em inaugurar o que em verdade não era inaugurável, seja pelo pó para debaixo do tapete que pretende realizar. E aqui referimo-nos à escandalosa situação visível a poucos metros, no Centro Histórico de Silves. Ruas em terra batida, esgotos ligados à rede de águas pluviais, cabos e tubagens em manifesto improviso, pedras, latas e vegetação selvagem proliferando. E as pessoas, é claro, ali procurando viver, apesar das condições,

Page 2: Politica de Verdade

vai para quatro anos. E não esqueço: um Museu, o da Arrochela, previsto há uma dúzia de anos e que o Polis prometeu concretizar.

Será isto a tal política de verdade? Manuel F. Castelo Ramos Vereador não permanente na CMS pela CDU Professor, Mestre em História da Arte http://vereadordacdu.blogspot.com/ Publicado no jornal Barlavento em 16 de Julho de 2009