política de educação

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“POLÍTICA DE EDUCAÇÃO” 

Nos últimos dias recebi SMSs de diversos colegas alertando para a presença do

Jorge Pedreira, secretário de estado da educação, numa palestra a realizar em

Setúbal, no dia 16 de Novembro às 17h. A palestra era subordinado ao tema “Política

de Educação”, foi promovida pela distrital do PS mas era aberto a não-militantes. Eu lá

apareci, pensando que ia encontrar vários colegas da nossa escola, mas fui o único.

No auditório da Estalagem do Sado, estávamos oitenta pessoas, o que corresponde a

cerca de metade dos lugares. Esperava ver lá mais gente. Quase todos os presentes

eram militantes do PS e percebi mais tarde, pelas intervenções, que cerca de metade

dos presentes eram, também, professores. Eu, que sou apartidário e feroz crítico de

quase tudo o que seja políticos e seus comportamentos, e nada habituado a estas

lides, ali fiquei sentado ao lado de um colega de outra escola, na última fila.

Na mesa estava o secretário de estado, ladeado pelo ex-deputado, actual

presidente da distrital do PS (e também pintor) Vítor Ramalho, e por um indivíduo que

nunca falou e que desconheço. Na plateia reconheci de imediato o Humberto Daniel,

ex-presidente da junta de freguesia de S. Sebastião, e o Paulo Pedroso, deputado do

PS.

A palestra foi um misto de operação de charme e de apalpar o pulso aos

militantes sobre o assunto em causa. O secretário de estado falou durante 50m,

ininterruptamente e sem recurso a qualquer tópico escrito. Trazia, natural e

obviamente, a lição mais do que sabida. Disse essencialmente disparates, mentiras e

até ofendeu os professores. Aquelas coisas que estamos fartos de ouvir: os

professores trabalham poucas horas, nunca foram avaliados, não querem ser

avaliados, os sindicatos assinaram e agora não cumprem com o que assinaram, osprofessores eram uns privilegiados porque progrediam automaticamente nas carreiras,

o excessivo abandono escolar, a falta de hierarquias, o premiar do mérito, etc., etc.,

etc.

Depois houve inscrições para expor opiniões. 27 pessoas se inscreveram, entre

as quais eu, que falei mais ou menos a meio. Pensei que a generalidade dos militantes

aproveitasse a ocasião para tecer elogios às virtudes do ECD e do seu modelo de

avaliação, mas não foi isso que aconteceu. Começou por falar o militante ChocolateContradanças (é esse o seu nome) que foi professor e se disse desgostoso por ver o

estado de desmotivação em que a sua mulher está, ela ainda professora, e referiu que

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o PS iria perder a maioria absoluta devido a esta ME; foi aplaudido. O Humberto Daniel

teve uma intervenção bombástica ao começar por dizer que “por muito menos o

Correia e Campos foi para a rua”; foi aplaudido. Outros militantes se seguiram. O Paulo

Pedroso teceu críticas ferozes, também preocupado com os resultados eleitorais. Disse

“a Escola está agora pior” e, referindo-se a uma passagem do discurso do secretário de

estado em que este dizia que os últimos dez anos foram uma barafunda (não me

lembro se a palavra foi esta ou outra idêntica) nas escolas, Pedroso lembrou que “o PS

esteve 7 desses 10 anos no governo”; foi muito aplaudido. Seguiram-se outras

intervenções, de professores, alguns membros de conselhos executivos, ex-

professores e militantes do PS, cada uma apontando aspectos diferentes das

fraquezas deste modelo de avaliação, raramente se apontando virtudes.

Chegou a minha vez e quis partir mais alguma loiça, pois estava revoltado

sobretudo com uma frase dita pelo secretário de estado e que não havia sido ainda

comentada por ninguém. No final do seu discurso ele havia dito, referindo-se às

negociações com os sindicatos, que não estava na disposição de ceder nem de

renegociar. Coroou o seu raciocínio com o provérbio chinês “Quando se dá uma

bolacha a um rato, a seguir ele quer um copo de leite.” Assim, sem tirar nem pôr!

Depois de me apresentar, esclareci que sabia o que era uma metáfora mas que não

podia ficar indiferente à contextualização dada àquele provérbio, onde os professores

eram comparados aos ratos, e salientei:

— Um professor pode até aceitar uma bolacha e pode até beber um copo de

leite, mas também sabe desmontar uma ratoeira.

Tensão na sala, com muitos olhos em cima de mim, de pé, com o microfone na

mão. Mas não fraquejei e achei que devia ser ainda mais contundente. Depois de

referir as fraquezas deste modelo, a má-fé e as reais intenções que estão por trás dele

disse:— Isto é uma palhaçada!

Continuei dizendo que o ME está sempre a passar à opinião pública que os

professores trabalham poucas horas e que têm muito tempo de férias. Lembrei que:

— Em relação às horas, não sei como chegam a essa conclusão, pois eu nunca

trabalho menos de 40h por semana, e é frequente trabalhar bem mais. Quanto às férias

e às paragens, como nos podem atirar isso à cara se nos limitamos a cumprir o

calendário estipulado pelo ministério? Até parece que os professores andam a roubaralguma coisa a alguém.

Sabia que estava a pisar terrenos argilosos, mas arrisquei de novo:

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  — Isto é uma palhaçada!

Às tantas o Vítor Ramalho interveio e disse que não podia admitir esta

linguagem, que se tratava de um encontro de militantes do PS onde as pessoas se

respeitavam. Eu, que vejo na generalidade dos políticos pessoas que são tudo menos

sérias, estive-me nas tintas para os seus pruridos. Perguntei-lhe se os não-militantes

não podiam intervir. Ele disse que sim. Perguntei-lhe se me deixava continuar e

concluir a minha opinião. Disse de novo que sim, e eu continuei. Para concluir lembrei-

me de uma série de ataques que o secretário de estado fez aos professores e às suas

formações. A esses ataques respondi:

— Todos os professores têm formação média, superior ou equiparada, alguns

têm mestrado, outros têm doutoramento. Fizeram profissionalização dentro dos moldes

estipulados superiormente. Fazem acções de formação e actualização com

regularidade. Como nos podem atirar também isso à cara? Lembro que mais de 90%

dos professores têm habilitações académicas superiores às do primeiro-ministro.

Aí é que foram elas! Não se podia falar mal do ai-jesus de todos eles, ali.

Pateadas da mesa e de muitos dos presentes na plateia. Ainda perguntei, por duas

vezes:

— Estou a dizer alguma mentira?

Ninguém me disse que não. Sentei-me; ninguém bateu palmas. Ouvi

atentamente as intervenções seguintes, que pouco adiantaram ao já dito, de onde

ressaltaram preocupações, ora com os efeitos desta avaliação nos professores e nos

alunos, ora com a sua consequência nos resultados eleitorais do PS. Destaco o último

colega a falar que referiu conhecer como funcionam as coisas noutros países da

Europa, onde esteve várias vezes em trabalho, e de não saber de nenhum onde os

professores sejam divididos em duas carreiras. Questionava ele a que país, afinal,

tinha ido o ME inspirar-se.Para terminar, foi dada a palavra ao secretário de estado, que voltou a falar das

virtudes deste modelo de avaliação e da importância de o levar à prática. Foi um

discurso circular, onde muito pouco se reflectiram as preocupações colocadas pela

plateia.

Foi assim a minha aventura de quatro horas.

António Galrinho