policialização da pm do rs.pdf

648

Click here to load reader

Upload: igor-marquez

Post on 11-Feb-2016

140 views

Category:

Documents


56 download

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Romeu Machado Karnikowski

    DE EXRCITO ESTADUAL POLICIA-MILITAR: O PAPEL DOS OFICIAIS NA POLICIALIZAO DA BRIGADA MILITAR (1892 1988).

    Orientador: Prof. Dr. Jos Vicente Tavares

    PORTO ALEGRE

    2010

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS

    INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    DE EXRCITO ESTADUAL POLICIA-MILITAR: O PAPEL DOS OFICIAIS NA POLICIALIZAO DA BRIGADA MILITAR (1892 1988).

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia,

    do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade

    Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como requisito parcial

    para a obteno do grau de DOUTOR EM SOCIOLOGIA.

    Romeu Machado Karnikowski

    Prof. Dr. Jos Vicente Tavares dos Santos

    PORTO ALEGRE

    2010

  • FICHA CATALOGRAFICA

    Karnikowski, Romeu Machado.

    De exrcito estadual polcia-militar: o papel dos oficiais na policializao da Brigada Militar (1892-1988).

    (Tese Doutorado; Sociologia) Porto Alegre: UFRGS, 2010.

    1. Exrcito Estadual 2. Polcia Militar 3. Oficiais 4. Policializao 5. Policiamento Ostensivo 6. Ethos Militar e Profisssionalismo Policial-Militar 7. Sociologia Histrica.

  • DE EXRCITO ESTADUAL POLICIA-MILITAR: O PAPEL DOS OFICIAIS NA POLICIALIZAO DA BRIGADA MILITAR (1892 1988).

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sociologia, do Instituto de

    Filosofia e Cincias Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    (UFRGS), como requisito parcial para a obteno do grau de DOUTOR EM

    SOCIOLOGIA.

    Aprovada em 08 de outubro de 2010.

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________________

    Prof. Dr. Michel Misse PPGS/UFRJ

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Luiz Alberto Grij PPGH/UFRGS

    _________________________________________________________________

    Prof. Dr. Alex Nique Teixeira PPGS/UFRGS

    ________________________________________________________________

    Prof. Dr. Letcia Maria Schabbach PPGS/UFRGS

  • DEDICATRIA

    Dedico esta tese a minha filha Helena, ao meu filho Ulisses e minha me Maria de Lourdes (in memoriam).

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar ao extraordinrio Professor Doutor Jos Vicente Tavares dos Santos, meu orientador; diria que excelso em tudo que representa na minha vida de estudioso apaixonado pelos assuntos de segurana e polcia e magnifico em seu humor ferino e contundente. Ao Curso de Ps-Graduo em Sociologia da UFRGS e todos os seus magnficos professores, funcionrios e colegas. Agradeo especialmente a Regiane incansvel no departamento e a Luciana, anjo da guarda do Tavares que so exemplo ao mesmo tempo humano e de profissionalismo. So acontecimentos e pessoas que jamais esquecerei. A minha filha Helena Matter Karnikowski cujo nascimento foi inspirao decisiva na feitura desta tese e ao meu filho Ulisses Stefanello Karnikowski um dos homens mais fantsticos que eu j conheci, um ser humano maravilhoso, um lider efetivo e o corao mais generoso do mundo e a Belair Stefanello a sua me. Dedicar este trabalho aos meus afilhados Alex Ricardo Agra de futuro brilhante e Vinicius Alexandre Karnikowski brigadiano brilhante e agradecer ao Amarildo Luis da Silva, um dos mais brilhantes militares da BM pelo incentivo e aos meus compadres e Ricardo Agra e Max Veleda. Aos coronis Srgio Abreu e Altair Freitas Cunha, ao lutador Clemente de Uruguaiana, soldado Perkoski e aos brigadianos de Passo Fundo: Fontoura, Schimito e Vaz. Tambm ao ento capito Monteiro, ao coronel Penna Rey, ao tenente Alex Caiel e ao tenente Aparcio Santellano e especialmente ao tenente Joo Aguirre, ao ento tenente-coronel Fbio Duarte, sargento Marquinho Lang, o ento major Martins e a todo pessoal da UGEIRM-Sindicato. Aos meus grandes amigos Paulo Leal, Osmar Veronese; ao Romulo e ao Joel incansveis lutadores, a Narinha Sotter admirvel e a Elsa Hann infatigvel. A Rosane Matter, a Isabelly, maravilhosa e tambm a seus pais e avs Jorge e Roselane Matter pela pacincia e aos meus amados irmos Norma, Andr, Celestino, Rita, Luiz, Vera, Orlando e Mrcio - Alice e Ronaldo (in memoriam). Especialmente aos meus irmos Norma e ao Andr por sua eterna pacincia. Aos meus grande amigos da Livraria Nova Roma: Andr, Carlinhos, Marquinhos, Bolo, Adriano do BOE, Alex, Alori, Robson, Ivonete, grande Bertelli e Dr. Cabeda e em especial ao grande jornalista da segurana Wandeley Soares, meu eterno guru e o maior cronista e analista da segurana pblica do Brasil e ao Correio Brigadiano ou ABC da Segurana, principal rgo de informao da rea de segurana pblica. As Associaes da BM: ASOFBM, ASSTBM e ABAMF. Ao Museu da Brigada Militar, a major Janaina e sua Equipe e a Academia de Polcia da Brigada Militar, a IBCM e todos os Militares do Estado que ajudaram na construo desta tese. Aos professores Michel Misse, Luiz Alberto Grij, Alex Nique Teixeira, Letcia Maria Schabbach, Dani Rudnicki, Antnio Cattani, Marcos Rolim e Jos Paulo Bisol. Enfim, a todos que de uma maneira ou de outra contribuiram para a efetivao dessa tese.

  • 14

    RESUMO

    A Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul foi criada como exrcito estadual, de modo que seus oficiais formaram uma classe de militares profissionais e especializados na arte da guerra. Assim, os oficiais da Brigada Militar tornaram-se uma elite militar com base em trs elementos: a Misso Instrutora do Exrcito que a passou a treinar a Brigada Militar desde 1909; o Curso de Preparao Militar e a grande experincia blica adquirida nas guerras insurrecionais. A Unio, a partir de 1934, retira o carter blico das milcias estaduais transformando-as em polcias militares. A Brigada Militar permanece exclusivamente exrcito estadual at 1950 quando tem incio o seu longo processo de policializao, desencadeando o choque cultural entre os valores blico-militares e os de polcia. Os oficias profissionalizados como militares e treinados para a guerra tiveram imensas dificuldades em se adaptar aos desgnios e agruras dos servios policias onde no havia medalhas, glria ou glamour a que estavam acostumados. Os oficiais formados pelo ethos militar, na sua maior parte, resistiram a policializao, grosso modo imposta pela Unio. No foi fcil para os oficiais, militares profissionais e especializados na arte da guerra, adaptar-se aos servios do policiamento. A Brigada Militar a despeito de tudo, sedimentou a sua policializao, atravs da polcia ostensiva preventiva, mantendo ainda muito dos valores blico-militares. A Brigada Militar, no processo de policializao, avanou em trs dimenses de polcia: de ordem, durante o regime militar; de segurana antes e depois do regime militar e comunitria dentro de uma perspectiva democrtica. Dessa forma, a Brigada Militar foi transformada de exrcito estadual em fora policial-militar e desde a Constituio de 1988, o sua oficialidade busca, mais abertamente, o ciclo completo de polcia. A sedimentao da Brigada Militar como polcia militar que nesta tese denominada de policializao - se constituiu uma das marcas mais importantes e significativas na segurana pblica estadual. Assim, a insero da Brigada Militar como rgo de segurana pblica, redefiniu os rumos do policiamento ostensivo no Estado do Rio Grande do Sul. PALAVRAS-CHAVES: Brigada Militar; Polcia Militar; Exrcito Estadual; Oficiais; Profissionalismo e Especializao Militar; Elite Militar; Cultura Militar; Policializao; Polcia Ostensiva; Destacamentos de Polcia; Profissionalismo e Especializao Policial.

  • ABSTRACT

    The Military Brigade of Rio Grande do Sul was created as a military state, so that his officers have formed a class of military professionals and skilled in the art of war. Thus, the officers of the Military Brigade became a military elite based on three elements: the mission of the instructor that the Army began to train the Brigade since 1909, the Course for Military Readiness and the extensive experience gained in the wars insurrectionary war. The Union, from 1934, removes the warlike character of the state militias turning them into military police. The State Army remains exclusively until 1950 when the state begins its long process of policializao, triggering the clash between cultural values and the military and military police. The official professionalized as military and trained for war were immense difficulties in adapting to the designs and travails of police departments where there were no medals, glory or glamor that were accustomed. The officers trained by the military ethos, mostly endured policializao roughly imposed by the Union was not easy for officials, military professionals and skilled in the art of war, starvation of adapting services to policing. The Military in spite of everything, cemented his policializao through overt preventive police, still keeping much of military values and military. The Military Brigade policializao characterized as three types of police equipment order, security and criminal. Thus, the State Army was transformed into military police force and since the Constitution of 1988, its officers search the complete cycle of police. The sedimentation of the Military Brigade and police force - which in this thesis is called policializao - it was one of the most important brands and significant public safety statewide. Thus, the insertion of the Military Police as an organ of public security, has redefined the direction of beat policing in Rio Grande do Sul KEY WORDS: Military Police, Military Police, State Army, Official, Military Professionalism and specialization; Elite Military, Military Culture; Policializao; Ostensive Police, Police detachments; Police Professionalism and Expertise.

  • 14

    RSUM

    La Brigade militaire de Rio Grande do Sul a t cr comme un Etat militaire, de sorte que ses officiers ont form une classe de militaires professionnels et qualifis dans l'art de la guerre. Ainsi, les officiers de la brigade militaire est devenu une lite militaire repose sur trois lments: la mission de l'instructeur que l'arme a commenc former la brigade depuis 1909, le cours de prparation militaire et la vaste exprience acquise dans les guerres de guerre insurrectionnelle. L'Union, partir de 1934, supprime le caractre belliqueux des Arme d'tat en les transformant en de la police militaire. L'arme reste exclusivement militaire jusqu'en 1950 quand l'Brigade militaire commence son long processus de policializao, dclenchant l'affrontement entre les valeurs culturelles et la militaire. Le fonctionnaire professionnalis que militaires et entrans la guerre ont t d'immenses difficults s'adapter aux modles et aux vicissitudes des services de police o il n'y avait pas de mdailles, la gloire ou glamour qui taient habitus. Les officiers forms par l'thos militaire, pour la plupart, peu prs rsist policializao imposes par l'Union n'a pas t facile pour les fonctionnaires, les militaires professionnels et qualifis dans l'art de la guerre, la famine de l'adaptation des services de police. Le militaire en dpit de tout, a ciment son policializao par le biais manifestes de police prventive, tout en gardant une grande partie de valeurs militaires. La brigade militaire policializao caractris comme trois types de police: ordre, la scurit et pnales. Ainsi, la police militaire l'Arme de terre a t transforme en police d'Etat militaire et que la Constitution de 1988, sa recherche officiers du cycle complet de la police. La sdimentation de la brigade militaire et de police - qui, dans cette thse est appel policializao - il a t l'une des marques les plus importantes et significatives de la scurit publique l'tat. Ainsi, l'insertion de la police militaire en tant qu'organe de la scurit publique, a redfini le sens du rythme de police Rio Grande do Sul. MOTS CLS: la Police Militaire, Arme de l'tat, Officiel, Militaire Professionnalisme et de Spcialisation; lite Militaire, La Culture Militaire; Policializao; Police Ostensive, Dtachements de la Police; Police Professionnalisme et l'Expertise.

  • SUMRIO

    INTRODUO ......................................................................................................... 14 PARTE I .................................................................................................................... 90 CAPITULO I ............................................................................................................. 90 1. A FORMAO DO EXRCITO ESTADUAL DO RS ................................... 90

    1.1. As duas naturezas da Brigada Militar ............................................................. 90

    1.2. A cultura blica e o esprito militar dos gachos ............................................. 93

    1.3. O exrcito pretoriano do RS .............................................................................. 96

    1.4. Segurana pblica no RS no final do sculo XIX ............................................ 128

    1.5. Organizao dos servios policiais no RS ......................................................... 131

    1.6. A segurana pblica em Porto Alegre no final do sculo XIX ........................ 139

    1.7. A estrutura da Brigada Militar: a consolidao do exrcito estadual. .......... 147

    1.8. Comando de Massot: refinamento dos valores militares ................................ 157

    1.9. Curso de Preparao Militar: auge do ethos militar ....................................... 168

    1.10. Misso Instrutora do Exrcito: sedimentao do ethos militar .................... 178

    1.11. Trs tipos originrios de oficiais da Brigada Militar .................................... 184 CAPTULO II ............................................................................................................ 191

    2 A BRIGADA MILITAR ENTRE EXRCITO E POLCIA ........................... 191

    2.1. A afirmao da BM como exrcito estadual ..................................................... 191

    2.2. Etapas da crise de um exrcito estadual ........................................................... 193

    2.3. O comeo do fim dos exrcitos estaduais .......................................................... 205

    2.4. Reorganizao das polcias no Rio Grande do Sul .......................................... 214

    2.5. Ser extinta ou ser polcia: permanece como fora militar ............................... 228

    2.6. A Segunda Guerra Mundial e os militares da BM .......................................... 249

    2.7. A era dos destacamentos da BM: 1937-1967 .................................................... 253

    2.8. A Brigada Militar na Constituio Estadual de 1947 ...................................... 258

    2.9. As fardas da Brigada Militar: smbolos da militaridade ................................ 267

    2.10. Ventos da mudana no exrcito estadual ........................................................ 274

  • PARTE II. ................................................................................................................... 277 CAPTULO III ........................................................................................................... 277

    3. A FASE DE TRANSIO PARA O POLICIAMENTO (1950-1967) ............. 277

    3.1. Inicia a policializao: Portaria n 588/50 ......................................................... 277

    3.2. O comando do Coronel Peracchi de Barcellos: tem incio a policializao.... 282

    3.3. Lei Estadual n 1.753/52: Estatuto da Brigada Militar ................................... 290

    3.4. 1954: Congresso das Polcias Militares em SP ................................................. 293

    3.5. Cia. Pedro e Paulo, o Curso de Polcia para Oficiais e a Polcia Rural Montada ........................................................................................................... 298 3.6. O papel militar do Estado-Maior da Brigada Militar ..................................... 308

    3.7. O efetivo empregado nos servios de policiamento .......................................... 313

    3.8. Diviso de Policiamento Militar e os Delegados de Polcia Militar ................ 319

    3.9. Policializao: a Brigada Militar no policiamento civil................................... 323

    3.10. Alterar os Arts. 221 e 223 da CE: a policializao ......................................... 326

    3.11. Misso auxiliar: no misso igual da Brigada e das PMS............................. 331

    3.12. O papel da BM e das PMS em uma guerra total ........................................... 332

    3.13. Atribuies das PMS na sua misso precpua: a policial .............................. 335

    3.14. Militar: adjetivo avassalante ............................................................................ 336

    3.15. A Brigada Militar e o policiamento ostensivo do RS ..................................... 337

    3.16. Desenvolvimento na formao dos quadros da BM ...................................... 339

    3.17. Inconstitucionalidade da CE na misso da Brigada Militar ......................... 340

    3.18. O conflito entre a natureza militar e a policial............................................... 342

    3.19. A Brigada Polcia, mas ainda continua exrcito ............................................ 347

    3.20. Os oficiais entre a Brigada exrcito e a Brigada polcia ................................ 350

    3.21. A Policializao: a BM como fora policial militar ...................................... 356

    3.22. Movimento da Legalidade: ressurge o exrcito estadual .......................... 366

    3.23. Especializao imperfeita do policiamento ..................................................... 368

    CAPTULO IV ........................................................................................................... 377

    4. AS TRANSFORMAES POLICIAS DA BRIGADA MILITAR .................. 377

    4.1. A Brigada Militar e o Regime Autoritrio-Militar de 1964 ............................ 377

    4.2. Inicia a Policia Militar Ostensiva ...................................................................... 379

  • 4.3. Manual de Instruo para os Destacamentos de Polcia ................................. 390

    4.4. Decretos-Leis n 317/67 e 667/69: controle das PMS pela Unio .................... 397

    4.5 Novo papel da oficialidade: avano dos oficiais superiores ............................. 412

    4.6. A Brigada Militar na Constituio Estadual de 1970 ...................................... 421

    4.7. Reorganizao como fora polcial militar ...................................................... 426

    4.8. Policializao: fora de represso ou de segurana pblica ........................... 436

    4.9. Avano na especializao policial-militar ......................................................... 439

    4.10. Fundamentos do Policiamento Ostensivo ....................................................... 442

    4.11. A expanso da Brigada Militar no RS ............................................................ 448

    PARTE III .................................................................................................................. 458 CAPTULO V ............................................................................................................ 458 5. AFIRMAO DA BRIGADA POLCIA-MILITAR ........................................ 458

    5.1. Polcia Militar mas ainda exrcito estadual ...................................................... 458

    5.2. Diretrizes do Policiamento Ostensivo ................................................................ 475

    5.3. O novo Estatuto da Brigada Militar de 1978 ................................................... 477

    5.4. O Regulamento Disciplinar e a Justia Militar Estadual ................................ 480

    5.5. Policializao de gnero e a reestruturao da BM ......................................... 486

    5.6. Cada vez mais uma organizao policial militar ............................................. 499

    5.7. A Policializao na direo da Constituio de 1988 ....................................... 509

    5.8. A Policializao e a ecloso da violncia nos Anos 1980 .................................. 515

    5.9. As etapas da policializao ................................................................................. 519

    5.10. Efeito da policializao: as praas como sujeitos de polcia .......................... 525

    5.11. A afirmao do profissionalismo da oficialidade ........................................... 531

    5.12. Os oficiais e o poder de polcia ......................................................................... 535

    5.13. Policializao: trs tipos de polcia .................................................................. 541 CAPTULO VI ........................................................................................................... 545

    6. A FORMAO DOS OFICIAIS DA BRIGADA MILITAR ............................ 545

    6.1. A formao de uma elite militar ........................................................................ 545

    6.2. Tipos de dominao: afirmao da elite burocrtica ...................................... 545

    6.3. Oficiais da BM: elite militar e estratgica ........................................................ 553

  • 6.4. A reproduo de uma elite militar .................................................................... 557

    6.5. Centro de Instruo Militar: usina do ethos militar ........................................ 559

    6.6. A continuao da formao militar e do ethos blico ...................................... 575

    6.7. Transformaes de polcia na Academia da BM ............................................. 588

    6.8. Maior formao policial militar na Academia ................................................. 593

    6.9. Formao, a profissionalizao e a carreira dos oficiais ................................. 595

    6.10. A Brigada Militar a partir da Constituio de 1988 ...................................... 600

    CONCLUSO ............................................................................................................ 606 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 628

  • 14

    INTRODUO

    A trajetria da transformao de exrcito em polcia Esta uma tese de sociologia histrica que tem como tema o processo de

    policializao da Brigada Militar e o papel dos seus oficiais na sua transformao de

    exrcito estadual em organizao policial-militar. Para compreender-se o significado

    desse processo, torna-se importante acentuar que a milcia gacha foi criada como fora

    blica, com estrutura similar a do Exrcito Nacional e que ao longo da Primeira

    Repblica profissionalizou-se na atividade de guerra. Em 1891, durante o perodo de

    estudo para a criao de uma fora militar estadual, Demtrio Ribeiro um dos mais

    ferrenhos opositores de Jlio de Castilhos alarmado com esse estudo, definiu a futura

    corporao como um exrcito policial, que teria funo de guarda pretoriana de

    Castilhos e na sustentao militar do seu regime. A Brigada Militar, na verdade, sempre

    se caracterizou como milcia blica desde a sua criao em 1837, que desde o final dos

    anos quarenta passou a designar a sua fundao, o padro institudo na suas fileiras era

    rigorosamente militar, com clara finalidade guerreira, com o propsito inicial de

    proteger Porto Alegre das temidas tropas farroupilhas, como os jornais da cidade

    designavam os revoltosos, a despeito do seu nome Fora Policial. Esse carter guerreiro

    da milcia gacha consolidou-se a partir de 1892, quando entra na fase blica-militar

    sendo batizada nos combates da Revoluo Federalista (1893-1895), na manuteno do

    regime republicano-castilhista, contra os libertadores-maragatos denominados tambm

    de federalistas. Um fato fundamental na profissionalizao militar da fora foi a chegada

    e a longa permanncia da Misso Instrutora do Exrcito, a partir do convnio firmado

    em 1909, que consubstanciou a grande experincia blica adquirida nas inmeras

    guerras insurrecionais que participou at os anos trinta.

    A Constituio Federal de 1988, dispe em seu artigo 144, o modelo dual de

    meias polcias nos Estados e Distrito Federal, determinando no 4, a polcia civil na

    apurao das infraes penais e no 5, a polcia militar nos servio de policiamento

    ostensivo de carter preventivo. A primeira herdeira das funes de polcia judiciria e

  • 15

    a segunda de polcia administrativa. Atualmente, parece normal essa estrutura de

    polcia, principalmente, onde a polcia militar atua de forma fardada na preveno dos

    crimes. Nem sempre foi assim. A Revoluo de 1930 determinou o fim do sistema

    federativo liberal, que vigorou at ento, desencadeando um intenso processo de

    centralizao poltica, jurdica e administrativa na Unio esvaziando os estados da

    Federao dos seus principais poderes, entre os quais de manter suas milcias como

    exrcito. A Brigada Militar, bem como as demais milcias dos estados, comea a ser

    desbelicizada e esvaziada do seu contedo de exrcito estadual pelos dirigentes da

    Revoluo de 1930, substancializados nesse intento na Lei n 192, de 17 de janeiro de

    1936. Essa lei determinou que as milcias dos Estados, denominadas desde a

    Constituio de 1934, por polcias militares, a condio de tropas de segunda linha e

    de reserva do Exrcito, mas sem a fora blica que tiveram at ento. Alm disso, ela

    ditou que as Polcias Militares deveriam estar sob o controle da Fora Federal, mas no

    definiu claramente qual o papel das mesmas no mbito dos Estados, de modo que a Lei

    n 192/36 provocou uma profunda crise de identidade nas foras estaduais entre bem ser

    polcia ou continuar como exrcitos estaduais. Na Brigada Militar essa situao incidiu

    em uma situao terrvel, mesmo que a Constituio do Estado do Rio Grande do Sul de

    1947 assegurasse a ela o papel de exrcito afrontando assim disposio da Constituio

    Federal de 1946. Como resposta essa crise o nico caminho encontrado para a sua

    superao foi a de transformar-se em polcia militar.

    Assim, a partir do incio da dcada de cinquenta ela enceta os primeiros passos

    no seu longo e lento processo de policializao que a transformou de exrcito estadual

    em organizao de polcia-militar. Esse processo teve causas imperativamente externas

    corporao, sobretudo, a determinao da Unio, com base na Lei n 192/36, em

    transformar as milcias estaduais em organizaes policiais. No seio da Brigada Militar

    a policializao no ocorreu de modo algum tranqilo e nem de uma forma linear. E

    isso era mais evidente quando a milcia sara dos dramticos acontecimentos polticos e

    insurrecionais do Brasil, onde ela fora protagonista com o renome de poderoso exrcito

    estadual. Por circunstncia dos eventos histricos que mudaram profundamente a

    realidade do Brasil, em pouco tempo, a Brigada Militar teve sua existncia afetada, onde

    ela foi quase extinta, de forma que teve adaptar-se em realizar servios de policiamento,

  • 16

    ocupar os espaos das recm suprimidas guardas municipais. A partir dos anos

    cinquenta, a Brigada Militar avanou lentamente nos servios de policiamento

    ostensivo, primeiro por meio dos seus destacamentos, auxiliando as diligncias nas

    delegacias e postos policiais e depois atravs do policiamento de duplas denominadas

    Pedro e Paulo primeiramente em Porto Alegra e no Interior com o Regimento de

    Polcia Rural Montada estacionado em Santa Maria. Esse processo que denominamos de

    policializao, provocou o surgimento de dois grupos de oficiais: os conservadores que

    acreditava que a policializao implicasse na desmilitarizao e na descaracterizao da

    Brigada Militar, resistiram tenazmente sua transformao em polcia, lutando para ela

    permanecer como exrcito estadual, pois eram testemunhas dos freqentes conflitos dos

    brigadianos dos destacamentos com policiais e guardas civis nas delegacias, alm de

    argumentarem que os brigadianos ficaram numa escala muito inferior na estrutura dos

    servios policiais do Rio Grande do Sul; o segundo grupo era formado pelos oficiais

    modernizadores que, inicialmente, se aglutiniram em torno do coronel Peracchi de

    Barcellos. Os modernizadores compreenderam, naquele perodo de profunda crise de

    identidade vivenciada pela milcia, que havia somente um caminho para a milcia

    sobreviver: ser cada vez mais ser uma instituio policial, pois para eles no existia

    outra alternativa para a Brigada Militar, sendo que do contrrio ela corria o srio risco

    de ser extinta, como foi levantada na Constituinte Estadual de 1947. Os modernizadores

    perceberam destacadamente o coronel Peracchi de Barcellos os novos tempos que

    sopravam no mundo depois da Segunda Guerra Mundial e tambm que as polcias

    passavam a ocupar uma significao muito maior dentro dessa nova realidade e para

    tanto a Brigada Militar deveria avanar nessa seara, ou seja, transformar-se em polcia

    ou ser extinta. O processo de policializao da milcia tem profundos reflexos nos

    servios de policiamento no Estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, a estrutura

    policial existente no Brasil, est mergulhada em profunda crise, em razo de vrios

    fatores, sendo um dos principais, a existncia do sistema dual de polcia administrativa

    e judiciria criada pela Lei Imperial n 261, de 3 de dezembro de 1841 e,

    principalmente, com seu Decreto regulamentador n 120, de 31 de janeiro de 1842, que

    criaram as polcias nos Estados e que culminou na Constituio Federal de 1988. Esse

    modelo consolidou a sua dualidade, afirmada no Decreto n 120/1842, com a entrada

  • 17

    das polcias militares nos servios de policiamento ostensivo, a partir do final dos anos

    sessenta, mais especificamente com o Decreto-lei n 317/67. Esse aspecto, ainda mais

    evidente quando a Polcia Civil entre 1952 e 1967, tinha prerrogativa do ciclo completo,

    sendo ela tambm responsvel pela maior parte da polcia ostensiva em Porto Alegre,

    travs da Guarda Civil, dos Guardas de Trnsito, das Rdios Patrulhas e tambm dos

    Guardas Noturnos que era uma polcia particular vinculada Guarda Civil que

    fiscalizava e superviosionava esse tipo de servio.

    Esta tese est estruturada em seis captulos onde estudamos os aspectos

    histricos e sociolgicos da Brigada Militar, desde o sculo XIX, at a promulgao da

    Constituio de 1988, enfocando os primeiros passos de exrcito estadual transformado

    gradativamente em organizao policial, a partir de 1950 at ela assumir a

    responsabilidade exclusiva pelo policiamento ostensivo preventivo em 1967. Esta tese,

    dessa forma sobre o papel dos oficiais na policializao da Brigada Militar com base

    nos seus valores profundamente arraigados na cultura militar. Este captulo aborda esse

    dealbar, onde a Brigada Militar jamais abandonou a sua natureza blica militar, mesmo

    que por determinao de uma nova realidade constitucional ela fosse deslocada para

    realizar alguns servios de polcia, atravs dos destacamentos em substituio s

    guardas municipais que foram extintas em 1935 e que at ento eram responsveis por

    esse tipo de servio. Mas mesmo assim, a fora gacha permaneceu uma estrutura

    militar de carter profundamente blico sendo que essa posio recrudesceu com a

    Constituio estadual de 1947. A rigor a policializao est entremeada por trs tipos de

    polcia, dentro das quais, a Brigada Militar veio a se constituir, marcada

    consequentemente pela respectiva fase: entre 1950 e 1967, a Brigada Militar foi

    caracterizada pela especializao imperfeita do policiamento, devido a presena macia

    do ethos militar que incidia nos oficiais uma verdadeira averso ao servio de

    policiamento. A despeito da importncia da criao de unidades como a Companhia de

    Polcia Pedro e Paulo e do Regimento de Polcia Rural Montada em 1955 a

    perspectiva do policiamento ainda parecia distante ao corpo de oficiais da Brigada

    Militar. Isso era evidente quando consideramos que o primeiro Curso de Polcia

    destinado aos oficiais somente veio a ser aplicado em 1955 em razo da criao das

  • 18

    referidas unidades. Os oficiais treinados para a guerra no Centro de Instruo Militar

    no estavam preparados para os servios de policiamento.

    A segunda etapa da policializao comeou em 1967, quando a Brigada Militar

    assumiu a incumbncia exclusiva do policiamento ostensivo preventivo em todo o

    Estado, por fora do Decreto-lei n 317/67, que tambm provocou a extino da Guarda

    Civil e dos servios de Rdio Patrulha. Mas a prerrogativa do policiamento ostensivo,

    ao mesmo tempo, que aprofundou a policializao, caracterizou a Brigada Militar como

    uma polcia de ordem com funo de uma polcia de Estado. O regime militar de 1964

    que determinou a incumbncia desse tipo de servio s polcias militares dos Estados,

    atravs do Decreto-lei n 317/67, colocou-as como polcia de ordem, ou seja, como parte

    do aparelho repressivo do Estado, cuja finalidade principal era assegurar a vigncia do

    regime por meio da represso aos subversivos, terroristas e opositores do mesmo,

    atravs da presena militar ostensiva nas ruas das cidades e meio rural do Brasil. A

    polcia de ordem tem como fundamento a razo de Estado e foi para manter a segurana

    do Estado que as polcias militares foram inseridas no policiamento ostensivo como

    uma extenso do Exrcito nas ruas das cidades do Brasil. A polcia de ordem se tornou

    uma caracterstica muito forte nas policiais militares, pois o mtodo de represso aos

    subversivos e opositores do regime de 1964, acabou se estendendo aos segmentos

    segregados e fragilizados da sociedade como os pauperizados, negros pobres (chamados

    inclusive nos jornais de criolos), ndios errantes, favelados, drogados, bbados,

    vagabundos e mendigos, enfim todos os bestializados deserdados da estadania

    predominante no Brasil. Nesse sentido, as polcias militares como polcias de ordem

    foram se antagonizando com a sociedade a medida que colocavam no mesmo objetivo

    de ao os subversivos e os bestializados em uma represso muito violenta. A

    ordem era defender o regime militar contra os seus inimigos chamados de

    subversivos. No entanto com o avanar do regime esse tipo de ao foi catalisado contra

    os grupos segregados que passaram cada vez mais ser alvo das batidas policiais. O

    resultado disso foi a constituio de policiais militares distantes da sociedade. Cabe

    ressaltar que todas as polcias devem ter na sua estrutura o elemento de ordem que

    Dominique Monjardet chama tambm de polcia de soberania, pois o elemento que a

    agrega ao Estado; no entanto, o problema quando esse elemento se torna predominante

  • 19

    levando ser uma polcia unilateral, o que inevitavelmente a torna uma corporao

    violenta, uma vez que sua finalidade principal a manuteno do poder do Estado e no

    da segurana da sociedade. Este tipo de polcia tem sua base de legitimidade calcada

    somente no Estado, na razo que este se torna o fiador incondicional das aes policiais

    muitas vezes marcadas pelo arbtrio. Nesse sentido, a polcia de ordem tem seus

    objetivos fundamentais voltados para o Estado na medida este que defini o que

    ordem pblica, enquanto que a segurana independe de existncia estatal.

    Uma terceira etapa da policializao a constituio de uma polcia de

    segurana que somente vem acontecer a partir da Constituio Federal de 1988. A

    polcia de segurana tem como fundamento a cidadania e seu objetivo essencial

    preservao da incolumidade da pessoa, do patrimnio e da tranqilidade pblica. A

    viso de que a Brigada Militar deveria ser uma polcia de segurana comeou a ser

    forjada, efetivamente, em 1989, quando criada a disciplina de Direitos Humanos como

    matria obrigatria nos cursos da milcia gacha. A criao dessa disciplina a primeira

    consequncia da Constituio Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, no que

    tange a retomada da concepo de democracia e da idia de cidadania na Brigada

    Militar. Assim, a polcia de segurana, diferentemente da polcia de ordem, tem como

    escopo fundamental a segurana da sociedade e dentro desse iderio a Brigada Militar

    comea a ser preparada para atuar tendo como base de legitimidade o art. 144 da

    Constituio Federal.

    Nessa mesma linha, podemos inferir outro elemento constituidor da

    policializao a polcia criminal dentro da qual pode realizar apurao de infraes

    penais - que projeto dos oficiais inovadores como parte da concepo de uma polcia

    militar de ciclo completo. Nesse aspecto, ela deve ser ao mesmo tempo uma polcia de

    ordem, uma polcia de segurana e uma polcia criminal, tendo esses elementos em

    equilbrio e no dissonante como foi durante o regime militar quando as polcias

    militares, por determinao da Inspetoria Geral das Polcias Militares (IGPM), foram

    quase que exclusivamente polcias de ordem.

  • 20

    A dupla natureza da Brigada Militar: a militar e a policial

    A Brigada Militar atualmente uma corporao policial militar do Estado do Rio

    Grande do Sul, nascida primeiro como exrcito estadual, ou seja, como fora blico-

    militar sendo transformada a partir de 1950, dentro de um processo longo e sinuoso, em

    uma organizao policial-militar com a responsabilidade pela vigilncia ostensiva na

    preveno dos crimes e pelos servios de bombeiros, embora continuasse a manter a sua

    vertente blico-militar. Ela denominada constitucionalmente de polcia militar, mas

    durante vrias dcadas recebeu a denominao legal de fora pblica do Estado, que no

    devemos confundir com o substantivo composto Fora Pblica do Estado de So Paulo,

    de modo que no caso da Brigada Militar a referncia fora pblica totalmente

    adjetiva, denotando a sua qualificao e no a sua denominao como era a de So

    Paulo at a dcada de sessenta, quando, por determinao federal, ela passa a ser

    denominada de Polcia Militar. A Brigada Militar traz em seu nome dois termos que

    identificam desde logo a sua formao guerreira e blica, voltada para a pugna e para a

    luta: o primeiro termo, brigada, no sentido etimolgico, advm do celta brigat que

    significa lutar ou no verbo brigar na lngua portuguesa. No sentido institucional

    brigada vem a ser uma unidade militar situada entre o regimento e o batalho e a

    diviso, constituindo uma unidade fundamental dos exrcitos modernos. Historicamente

    ela foi criada por Gustavo Adolfo (1594-1632), rei da Sucia durante a Guerra dos

    Trinta Anos (1618-1648), para fazer frente aos temveis teros espanhis que se

    constitua um corpo de infantaria formada por lanceiros, arcabuzeiros ou mosqueteiros e

    espadachins, criados pelo Gro Capito de Espanha Gonzalo de Crdoba (1453-1516) e

    que dominou os campos de batalha da Europa por mais de cem anos. A inveno da

    brigada desencadeou o fim do predomnio dos teros em razo de ter demonstrado

    maior capacidade de manobra ttica que as pesadas formaes da famosa infantaria

    espanhola. Cada brigada era composta em mdia por seis batalhes apoiados por

    canhes. O batalho uma unidade militar criada pelo holands Guilherme de Orange-

    Nassau e aperfeioada por Maurcio de Nassau, na Guerra contra Espanha no final do

    sculo XVI, constituindo uma formao blica composta de quinhentos homens

    divididos entre lanceiros e arcabuzeiros. O batalho, por sua vez, uma inveno militar

    organizacional holandesa da ltima parte do sculo XVI, surgida nas guerras contra a

  • 21

    Espanha. A partir da inveno dos teros, batalhes e das brigadas tem incio a

    predominncia da infantaria sobre a cavalaria que de fato j havia comeado com a

    infantaria inglesa sobre a cavalaria francesa na Guerra dos Cem Anos (1337-1453). A

    brigada como unidade militar fundamental advm da predominncia da infantaria,

    especilmente dos teros espanhis, sobretudo, pelo incio de larga utilizao de armas

    de fogo como canho e mosquetes que devastavam as cargas de cavalaria.

    O exrcito espanhol estava entre os primeiros a usar canhes em larga escala entre a infantaria. Algo como 1/6 de seus soldados nas guerras italianas levavam canhes; a maioria, no entanto, permanecia como lanceiros. Uma variedade de armas explosivas foram tentadas no incio, mas as duas mais importantes eram os arcabuzes de 10 libras, 5 ps e mosquetes de 15 libras e 6 ps. Em meados do sculo XVI, o mosquete de dois canos, disparado de um descanso bifurcado, tornou-se a arma principal; lanava uma bala de 2 onas que podia penetrar qualquer forma armadura existente, e possua um alcance de aproximadamente 300 jardas. Uma grande quantidade de outros materiais tinha que se carregada para funcionamento dos canhes o que poderia no ocorrer em ms condies climticas. Entretanto, o seu uso exigia uma disciplina rigorosa, porque havia cerca de uma centena de movimentos diferentes necessrios para obter qualquer tipo de fogo rpido. O poder de fogo concentrado de fileiras de homens exigia mesmo uma coordenao mais severa e rotineira (GIDDENS: 2001, p. 132).

    Diante de tamanho poder de fogo e potncia militar do exrcito espanhol,

    basicamente formado pelos teros, podemos entender a importncia do advento das

    brigadas suecas nos campos de batalha. As vitrias retumbantes do exrcito sueco na

    Guerra dos Trinta Anos, deveu-se muito criao da brigada como unidade militar

    fundamental pelo gnio militar do rei Gustavo Adolfo, cujo modelo foi adotado pelos

    demais Estados europeus em seus exrcitos e cuja importncia para a organizao

    militar somente foi superado com a inveno da diviso no sculo XVIII.

    Simbolicamente a superao dos teros pela criao das modernas brigadas marcou

    tambm o incio da decadncia da Espanha como potncia militar.

    O segundo termo que designa a milcia gacha o nome militar que ao mesmo

    tempo o seu nome prprio e constitui o seu adjetivo. A etimologia de militar advm do

    latim miles, militis ou ainda milites que significa soldado com sinonmia em lutar como

    indica Antnio Houaiss. O conceito de militar est intimamente ligado guerra, ao

    sentido de blico, da luta e do soldado profissional. Todos esses elementos indicam que

  • 22

    militar antes de tudo o guerreiro que pode ser em uma forma institucionalizada um

    soldado servindo uma cidade, uma comunidade ou mesmo subordinado a um chefe.

    Assim, o termo militar est relacionado ao combatente, ao guerreiro e ao soldado

    profissional treinado para a guerra. O milites tinha a funo de eliminar fisicamente o

    inimigo da civitas (polis) para no ser destruda por ele. Para isso, o milites recebia

    intenso treinamento blico e recebia e at mesmo fabricava armas cada vez mais

    mortferas na salvaguarda da cidade e da sua ordem pblica. Dessa forma, o milites era a

    antpoda do polites dedicado economia interna da civitas ou polis. O milites

    (legionrio ou tropa auxiliar) devido ao seu treinamento totalmente voltado destruio

    do inimigo e para suportar as longas marchas de guerra, estava impedido de entrar na

    civitas como homem de armas porque poderiam vir a ser torna um perigo institucional

    para Roma e para prpria populao da civitas. Na razo que o legionrio guerreiro

    com as mos sujas de sangue no podia entrar na civitas, o imperador Augustus

    criou a Guarda Pretoriana com a finalidade de prestar a segurana do imperador e dos

    magistrados romanos nas dimenses da capital do Imprio embora os servios de

    segurana da urbe fosse realizado pelas coortes dos vigiles subordinadas ao praefectus

    vigiles cujo cargo tambm foi criado por Augustos. Os prceres romanos bem sabiam

    dos perigos que representavam para a Repblica manter legies armadas no mbito da

    sua civitas e isso foi comprovado ao longo do sculo III da nossa Era.

    A histria militar e a policial

    A histria militar tem pelo menos quatro mil anos. A histria da polcia

    profissional no mais que dois sculos. A primeira enfoca a atividade humana da guerra

    entre grupos humanos (aldeias, cidades-estados, povos, reinos, estados e pases) e abarca

    a evoluo dos combates, batalhas, armas e o poderio blico dos grupos e cujo objetivo

    a conquista e a vitria sobre os inimigos. A segunda se volta para um servio que se

    presta para preservar a segurana e a tranqilidade das pessoas e da sua estrutura

    patrimonial no interior desses grupos. A ttulo de argumento denominaremos esses

    grupos humanos pela designao genrica de polis (comunidade-poltica). Assim,

    podemos inferir que a histria militar a histria da guerra entre as poleis e a histria da

    polcia a histria da segurana interna dessas poleis. A partir dessa frmula geral

  • 23

    podemos estabelecer os elementos distintivos entre esses dois tipos de atividade

    humana. Mas enquanto a guerra desenvolveu os pendores militares dos seres humanos e

    a civilizao de forma alguma amainou esse aspecto, o trabalho de polcia o resultado

    da consolidao de um tipo de civilizao constituda pelo Estado-Nao.

    A histria escrita do mundo , em larga medida, uma histria de guerras, porque os Estados em que vivemos nasceram de conquistas, guerras civis, ou lutas pela independncia. Ademais, os grandes estadistas da histria escrita foram, em geral, homens de violncia pois, ainda que no fossem guerreiros e muitos no o foram -, compreendiam o uso da violncia e no hesitavam em coloca-la em prtica para seus fins (KEEGAN: 2006, p. 492).

    A histria militar, nesse sentido, narra a trajetria de violncia e confrontos dos

    grupos humanos visando a atingir objetivos econmicos, culturais ou polticos. Num

    aspecto mais amplo a atividade militar sempre desemboca em uma dimenso poltica,

    porque sempre vai servir algum interesse de classes sociais ou de Estados no

    aquilhoamento dos seus fins. A histria das guerras, segundo Robert Nisbet, est

    entrelaada na formao da cultura ocidental.

    A filosfica social ocidental comea em circunstncias de guerra. Foi a guerra, acima de tudo o mais, que ditou as reformas revolucionrias de Clstenes em Atenas, em 509 A.C., as quais geraram as polis e tambm, pela primeira vez, um exrcito e uma marinha capazes de vencer at mesmo a grande poderosa Prsia. E foi novamente em circunstncias de guerra tratando-se desta vez, da humilhante derrota de Atenas por Esparta, durante a fase final do sculo V A.C. que o maior dos filsofos ocidentais, Plato escreveu na sua obra A Repblica, repleta de valores no s meramente polticos, mas tambm militares. O Direito Romano, nica contribuio realmente grande de Roma para o Oeste, veio a existir, em grande parte na base da institucionalizao do imperium militar para a sociedade romana como um todo. E, chagando ao mundo moderno que surgiu das runas da sociedade medieval, dificilmente encontramos um filsofo importante que no se interessasse, at certo ponto isto , se ele se ocupasse, ainda que ligeiramente, de assuntos polticos e sociais com o papel da guerra e com valores da guerra em sua relao com a sociedade e com a mudana social (NISBET: 1982, p. 24).

    Segundo Nisbet, a comunidade militar est alicerada sobre oito elementos

    fundamentais, sem os quais a organizao militar no subsistiria: violncia, pois o

    sujeito militar se caracteriza, antes de tudo, por sua dedicao violncia; juventude o

  • 24

    segundo elemento dentro dos quais encolve as qualidades da fora fsica atinentes a ela;

    individualismo que est na base na iniciativa prpria de cada militar; centralizao que

    abarca o tipo de organizao e comando piramidal; competio que caracterstica to

    prpria da sociedade militar como a violncia; contrato que est na relao entre o chefe

    militar e seus soldados; secularismo que est na razo dos militares estarem

    desamarrados das suas obrigaes religiosas no que tange guerra; disciplina que o

    cimento fundamental da organizao militar e por ltimo o comunismo, cujo conceito

    Nisbet se baseou na idia do comunismo blico de Max Weber e que enfoca a igualdade

    de recompensas dos militares (NISBET: 1982, pp. 28/33).

    Embora herdeira, em alguns aspectos das tradies e valores militares, a histria

    da polcia se volta para uma direo diferente dos fatos blicos e suas conseqncias tais

    como a destruio de comunidades e de vidas. Um dos elementos que fundamentam o

    surgimento das polcias, ainda que dentro de valores militares, a o controle da

    violncia, sobretudo, de um elemento que comeava a se definir na modernidade com o

    aparecimento dos Cdigos Jurdicos, especialmente, os penais: a criminalidade. Em um

    sentido mais amplo a polcia surge como resultado de duas revolues: da Francesa no

    sentido de constituir as polcias militares, atravs das gendarmarias e da Industrial na

    necessidade das autoridades constiturem um corpo permanente e profissionalizado para

    controlar e reprimir as classes populares. Como podemos ver, a polcia tem uma histria

    institucional muito recente e enfoca um aspecto mais complexo e at mesmo

    complicado que so as relaes internas dos Estados modernos. Num sentido mais

    especfico, a histria da polcia profissional tem duas origens determinadas: a polcia de

    segurana surgiu na Frana na primeira metade do sculo XIX e do policiamento

    fardado profissional na Inglaterra em 1829, com as reformas de Robert Peel para

    substituir as foras militares no controle e represso das classes populares que

    grassavam com o andar da Primeira Revoluo Industrial.

    A polcia praticamente uma recm chegada ao sistema anglo-americano de justia criminal. A Constituio no faz meno a ela. As constituies das primeiras cidades tambm no a mencionam, pela simples razo que, da forma como a conhecemos, a polcia ainda no tinha sido inventada. Em seu lugar, as cidades tinham um sistema um pouco rgido de vigias noturnos e guardas que trabalhavam para os tribunais, suplementado pela acusao privada dos transgressores atravs

  • 25

    de cortes de nvel inferior. O vigia noturno e o guarda do dia, surgidos na Idade Mdia, eram figuras familiares e cmicas nas peas de Shakespeare e no foram substitudos at os anos de 1820, quando a polcia de Londres foi reorganizada por Robert Peel. Como bem conhecido, o precedente pra a polcia nos Estados Unidos veio do estabelecimento da Polcia Metropolitana de Londres em 1829. Peel usou sua experincia militar na Irlanda para criar uma organizao de controle social, que estava a meio caminho entre uma fora militar e uma fora civil. A nova polcia resolveu tanto problemas tticos como polticos: ela era mais barata que uma fora militar; criava menos ressentimentos; e respondia melhor autoridade civil (BAYLEY in TONRY e MORRIS: 2003, p. 579).

    Em sua anlise, Bayley descreve que, mesmo que tenha surgido com elementos

    de militaridade, a polcia surgiu como elemento inovador no controle das classes

    sociais, no lugar das foras militares quase como uma conseqncia inevitvel do

    Estado moderno. Mas a polcia no foi de modo algum aceita sem resistncia.

    Um exame do processo pelo qual veio a ser criado na Inglaterra o moderno policiamento profissional torna problemtica a idia de sua aceitao generalizada. A criao da polcia foi um processo demorado e penoso, frente a resistncia implacvel e hostilidade latente. No final do sculo XVIII e comeo do sculo XIX, a idia de polcia era um assunto ferozmente constestado (REINER: 2004, p. 37).

    A polcia profissional assim, surgiu em um contexto de grande conflito social

    provocado pela acumulao de riquezas, inferindo-se que ela foi criada para conter os

    anseios de violncia e destruio nessa realidade conflituosa.

    Os relatos tradicionais sobre as origens e o desenvolvimento do policiamento na Inglaterra seguiam um esquema de premissas claramente conservadoras. A polcia era vista como uma instituio inevitvel, claramente beneficente, um marco do orgulho nacional, que tinha sido desenvolvida pelo gnio pragmtico ingls, em resposta a ameaas aterradoras ordem social e vida civilizada. Houve uma oposio inicial polcia, surgida de direitos adquiridos, da m vontade ou da ignorncia cega e que foi dissipada rapidamente, quando os benefcios de uma instituio policial benigna tornaram-se aparentes para todos (REINER: 2004, p. 37).

    Mais adiante Reiner assevera que essa viso conservadora, quase cartesiana

    sobre a origem e significado da polcia profissional, a certa altura passa a ser contestada

    por uma viso mais revisionista onde deve ser ressaltado o contexto de extrema tenso e

    conflito social em que ela foi criada.

  • 26

    O revisionismo enfatiza que a industrializao e a urbanizao ocorreram em um quadro especificamente capitalista. O crime e a desordem conseqncias do industrialismo que os tradicionalistas identificavam com as bases da demanda pela ordem no categorias slidas e imutveis. Cada uma delas foi definida de formas variadas, de diversos pontos de vista polticos e por classes sociais diferentes. Na raiz do novo problema de ordem estavam a mudana e o acentuado padro de diviso das classes, e conflitos urbanos e rurais associados ao crescimento do capitalismo (REINER: 2004, p. 50).

    A polcia uma instituio iminentemente moderna com o objetivo fundamental

    de controlar o crime e manter a paz na Sociedade por meio do emprego da violncia

    fsica. Isso constitui a diferena importante que se estabelece entre o policial e o militar

    que tem como essncia a eliminao fsica do inimigo. Enquanto o primeiro tem a

    legitimidade para usar a violncia fsica na Sociedade e o segundo no tem essa

    legitimidade, pois a possibilidade de usar a violncia somente em caso de guerra.

    Polcia: o que e como funciona?

    Embora a atividade de polcia, o nome polcia e a viso de polcia nos parecem

    algo normal, to presente na vida das sociedades modernas, to maciamente colocada

    junto dos acontecimentos das nossas vidas cotidianas, atravs de filmes, seriados,

    novelas, gibis, romances, jornais dirios e noticirios de televiso que parece

    surpreendente qualquer definio de polcia. interessante verificar que polcia no

    sculo XIX era algo mais raro nas vidas das pessoas, mas no sculo XX toma dimenses

    incomensurveis nas sociedades modernas. Mas apesar de toda essa presena fsica da

    polcia na vida cotidiana, ela um monstro, uma esfinge do Estado em que os cidados

    para no serem devorados devem decifr-la. Dessa forma, polcia um fenmeno to

    normal e ao mesmo tempo distante da vida cotidiana das pessoas talvez porque ao tratar

    com a violncia ele provoque temores indefinidos nas mesmas.

    A nossa empresa difcil em decifrar essa esfinge, parte inicialmente das

    definies de alguns dos mais importantes e renomados socilogos (que se destacaram

    como policilogos) tais como David H. Bayley, Robert Reiner, Herman Goldstein,

    Dominique Monjardet, Jean-Claude Monet e Eric H. Monkkonen. Esses autores

  • 27

    trabalharam teorias de polcia que serviro de cimento na busca de definies e

    conceitualizaes de polcia e formas de policiamento. A primeira toma definio mais

    institucional enquanto que a segunda mais funcional dentro dessa abordagem. Esses

    cientistas sociais envidaram enorme esforo na busca de elucidar e responder o que

    significa que qual o real papel da polcia nas sociedades atuais e nesse sentido eles

    construram teorias sobre esse tipo de organizao do Estado moderno.

    Esses socilogos, entre outros, foram responsveis pelo ativamento, de forma

    direta e indireta, pelas pesquisas que deram origem as grandes teorias sobre polcia e

    policiamento na sociedade moderna. Na verdade, o assunto polcia, a despeito de sua

    importncia, permaneceu estranhamente desconhecido no universo acadmico, por

    muito tempo. Mais recentemente, os cientistas sociais, contrariamente essa

    perspectiva, trazem para a ordem dos debates a grande relevncia do fenmeno de

    polcia para a nossa realidade. Nesse sentido, importante definir o que polcia e

    como se oferece esse aspecto social e administrativo to presente na vida dos cidados

    na atualidade. Assim, podemos definir polcia como um rgo de Estado com a

    finalidade de proporcionar a segurana das pessoas atravs da represso e apurao das

    infraes penais adotando tambm a vigilncia ostensiva de carter preventivo.

    No muito tempo atrs, a polcia podia ser reconhecida por duas funes muito

    claras: prevenir o crime e por outra parte prender os criminosos. Esta ltima era a

    funo mais evidente, principalmente no que tange ao policiamento ostensivo, embora

    este tivesse carter preventivo. A eficincia de uma polcia era medida na proporo das

    prises que efetuava (GOLDSTEIN: 2003, p. 88). em relao ao crime que Herman

    Goldstein enumera dez diferentes caractersticas principais da funo policial:

    A polcia tem, no final das contas, dez diferentes tarefas ou responsabilidades em relao ao crime: (1) reduzir as oportunidades de pessoas cometerem crimes (dando proteo aos cidados e propriedade que possa ser o alvo de um ataque criminoso); (2) interceder em situaes em que, se fosse permitido que exacerbassem, teriam maiores possibilidades de resultar em um crime grave; (3) criar uma atmosfera que impea algum de cometer um crime (ao desenvolver uma aura de onipresena policial); (4) detectar atividades criminosas antes que o mal seja feito (desvendando planos de explodir um prdio, de seqestrar uma pessoa, de assaltar um comerciante, ou de roubar um caminho carregado

  • 28

    de peles); (5) socorrer pessoas que esto sob um ataque criminoso ( no caso de estupro ou de assalto mo armada) e, depois, ajuda-las a se recuperar dessa experincia; (6) deter criminosos no momento em que esto cometendo os seus crimes (como arrombadores, batedores de carteira ou trombadinhas); (7) investigar crimes relatados polcia em um esforo para soluciona-los e para identificar os responsveis; (8) localizar e prender pessoas identificadas como tendo cometido um crime; (9) recuperar bens perdidos atravs de uma ao criminosa; e (10) auxiliar no tribunal aqueles que foram vtimas de ataque criminoso (GOLDSTEIN: 2003: p. 89).

    Segundo Goldstein a polcia pode ser definida no abarcamento dessas dez

    funes sempre na perspectiva de combater e controlar o crime se valendo de formas e

    mtodos que lhe so inerentes da sua atividade. Nesse sentido a polcia e sempre ser a

    anttese da criminalidade, em uma imagem mais evidente que o prprio sistema

    judicirio. Um elemento fundamental no funcionamento de uma polcia estabelecer se

    seu grau de eficincia contra o crime est relacionado ao seu poder. O poder de polcia,

    no plano sociolgico, um dos elementos definidores mais importantes de uma

    corporao concebida para combater o crime. Nesse patamar, o poder de polcia, que

    inclui o poder de polcia jurdico enfeixado no administrativo e judicirio, est

    vinculado ao grau de desenvolvimento de uma sociedade.

    O poder de polcia tende a ser maior em pases pobres, iletrados e subdesenvolvidos. Outro estudo que usa os mesmos dados mostrou que o poder de polcia por unidade da populao associado com a desigualdade relativa entre grupos no interior dos pases em matria de educao, emprego qualificado e rendimentos. Quanto maior essa desigualdade, maior a fora da polcia. A inferncia seria de que as desigualdades geram problemas sociais que requerem uma presena substancial da polcia. Onde o poder da polcia medido em relao ao territrio, a associao mais significativa com o nmero per capita de pessoal militar. Mo de obra militar, quer em termos absolutos, quer relativa populao, responde por entre 65% e 80% da variao na densidade policial (BAYLEY: 2001, p. 92).

    Essa assertiva se encaixa realidade brasileira, onde o efetivo das polcias

    militares correspondem a quase meio milho de militares, sendo os Estados de So

    Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paran e Rio Grande do Sul, ou seja apenas

    seis, renem quase a metade do efetivo das polcias militares de todo o Pas. So

    estruturas enormes incumbidas do policiamento ostensivo de carter preventivo, o que

    permite indagar se esse tipo de servio policial continua eficiente diante do alastramento

  • 29

    da violncia em todo o Brasil. A polcia no seu sentido mais reconhecido deve funcionar

    na preveno e na represso ao crime em todas as suas formas.

    Conceitos e definies de polcia

    Para o socilogo portugus Antnio Francisco de Sousa identifica dois tipos

    conceituais de polcia. A primeira no sentido amplo e a segunda no sentido restrito.

    O sentido amplo de polcia tem as suas razes bem mergulhadas na histria. At o sculo XIX, a polcia confundiu-se com toda a atividade administrativa (incluindo a de bem-estar) e mesmo com todo o Direito. J numa acepo mais restrita, mas ainda ampla, a polcia compreendia todas as normas que visavam a tranqilidade, a salubridade ou a segurana pblicas e, em geral, o interesse da vida em coletividade...Em sentido restrito, a polcia circunscreve-se nos nossos dias s foras de ordem e segurana pblicas, confundindo-se com as acepes corrente e institucional (SOUSA: 2009, p. 2).

    O socilogo David Bayley define polcia enquanto instituio dentro de trs

    dimenses: fora fsica, uso interno e autorizao coletiva para seu funcionamento. A

    fora fsica o elemento mais evidente dos trs, sempre que se pensa em polcia a

    primeira imagem que aparece do emprego da fora fsica. Segundo Bayley, a

    incumbncia exclusiva da polcia o uso da fora fsica, por ameaa ou real, no sentido

    de afeta comportamento. Por outro lado, essa fora no pode ser em si mesma, se

    fossem assim entraria no terreno da pura arbitrariedade. O uso da fora fsica somente

    pode se afirmar dentro da legitimidade se possuir autorizao coletiva para us-la, at

    mesmo porque esses servidores estariam irreconhecveis como policiais se no tivessem

    a autoridade no uso da fora fsica (BAYLEY: 2001, p. 20).

    O uso interno o segundo elemento definidor. O uso interno serve para

    distinguir a atividade policial dos objetivos dos exrcitos que foram criados para

    defender a comunidade contra os seus inimigos externos. Essa compreenso

    fundamental, pois para Bayley mesmo quando ocasionalmente o exrcito utilizado no

    mbito interno ele constitu-se momentaneamente em polcia. O uso interno tambm

    praticamente define a etimologia desse tipo de organizao quer ela pblica ou privada,

    embora na atualidade predomine a viso de que as polcias devam ser necessariamente

  • 30

    pblicas. A autorizao coletiva ou da comunidade o terceiro elemento que define a

    polcia na concepo de Bayley, pois para ele necessrio para que se possa excluir do

    termo polcia as pessoas que utilizam de fora dentro da sociedade para propsitos no-

    coletivos (BAYLEY: 2001, p. 20).

    Outro enfoque importante na sua definio est na origem e na etimologia da

    palavra polcia. Essa etimologia vem do grego polis, que era a Cidade-Estado no

    mundo helnico. Politia era a constituio que cimentava a existncia institucional das

    poleis. Da que polis = polcia, que o segmento que com o decorrer do tempo veio a

    ser encarregado na manuteno da administrao. A palavra polcia originalmente

    implicava todas as funes administrativas que no eram eclesisticas e nesse sentido, o

    policiamento dentro da estrutura do Estado era visto como parte inseparvel da

    administrao da coroa (BAYLEY: 2001, p. 52). Sergio Bova incide em uma

    abordagem que est nessa mesma linha de raciocnio. A definio de polcia comea,

    desde a sua origem etimolgica, pelas instituies que acionavam o funcionamento geral

    da Cidade-estado, sendo que na Idade Mdia, polcia se definia pela boa ordem da

    sociedade civil a cargo das autoridades polticas em contraposio a boa ordem moral

    sob a responsabilidade das autoridades religiosas. Depois do sculo XVI, o termo

    polcia abrangia toda a atividade da administrao pblica, de forma que toda a funo

    estatal administrativa era compreendida por esse significado. Segundo Bova, no incio

    do sculo XIX, esse conceito passou a ter, novamente um recorte mais restrito, quando

    ele passou a identificar com a atividade voltada a assegurar a defesa da comunidade dos

    seus perigos internos, enfeixados nas aes e situaes que violassem a ordem e a

    segurana pblica (BOVA in BOBBIO: 2002, p. 944).

    importante observar que o conceito moderno de polcia est fundamentado e

    uma importante distino institucional ocorrida na Idade Mdia. No incio desse

    histrico, Santo Agostinho (354-413) concebeu a idia das duas cidades que est na

    base da teoria do Papa Gelasio das duas espadas que fundamentou a separao entre a

    esfera de poder espiritual a cargo da Igreja e do poder poltico sob a responsabilidade

    das autoridades mundanas. Franois Chtelet escreveu que a concepo das duas

    espadas teve por finalidade normalizar as relaes entre os reinos brbaros e o Bispo de

  • 31

    Roma, depois da separao do Imprio Romano, principalmente, depois da queda do

    Imprio do Ocidente. Segundo a teoria das duas espadas a ordem temporal estava

    afeta aos reinos e aos prncipes e a ordem espiritual ao Bispo de Roma (Papa) e tinha

    como fundamento a idia de que somente Deus tinha a plenitudo potestatis (potncia

    suprema) que refletia na cidade dos homens cindido entre o elemento espiritual e o

    elemento material, de modo que a plenitudo postestatis delegava dois tipos de poderes

    distintos: a auctoritas do Bispo de Roma (Pontfice) que significava o poder espiritual

    acima dos reinos e a postestas do Rei que era o poder temporal. Dessa forma, polcia

    passou a designar os atos e procedimentos temporais dos prncipes que estavam ligados

    ao princpio da potestas de forma que a atividade do poder temporal que no final da

    Idade Mdia passou a ser denominada de polcia, sendo que ainda no sculo XIX, se

    designava a administrao governamental como polcia, ou seja, toda a atividade do

    prncipe que no fosse derivada da auctoritas.

    Supe-se que, surgindo como variante dos termos clssicos poltica e politia, a palavra polcia teria sido cunhada por letrados medievais, provavelmente do sculo XIV. Incorporando-se ao jargo da chanchelaria do Duque de Borgonha, dali teria difundido para outras cortes europias. Em seu significado originrio, polcia remeteria s idias de governo e bom governo dentro de um reino ou cidade e da a as de boa ordem, ordem e mesmo civilidade e urbanidade. (BARRETO: 2010, p. 196).

    no seio desse dualismo medieval que o termo poltica variando com polcia

    se vinculou com a administrao da ordem terrena na esfera da potestas.

    Os romanos tomam de emprstimo aos gregos o termo politeia (que corresponde para eles a dois conceitos, o de res publica, a coisa pblica, e o de civitas, que designa os negcios da cidade), mas o latinizaram para politia, derivado da palavra polis que significa cidade. Paralelamente os seus juristas do um contedo e um lugar especficos noo de polcia, em construes tericas que visam a justificar a imperium constitui o fundamento ltimo do poder coercitivo do Estado a potestas e aquele que se manifesta concretamente atravs da ao administrativa, judiciria e policial. A essncia da funo governamental consiste em definir as fronteiras entre o pblico e o privado, atravs da produo de normas cujo respeito assegurado por rgos administrativos especficos, que utilizam, se necessrio, o constrangimento fsico. Em Roma, o praefectus urbis o prefeito da cidade dispe tanto do poder de editar regulamentos referentes a todos

  • 32

    os aspectos da vida social quanto da autoridade sobre os corpos de polcia especializados (MONET: 2001, p. 20).

    Nesse ponto, como podemos ver resulta a ambiguidade do termo e da utilizao

    de polcia como elemento de poder de Estado. Pierangelo Schiera escreve o seguinte a

    respeito dessa significao:

    No difcil descobrir no termo grego politeia e no latino tardo-medieval politia a origem etimolgica da moderna polcia. Mas, tanto no pensamento grego clssico como na sua aceitao por influncia da Escolstica (politia ordinata), o termo conserva uma simplificao global e finalstica, distante tanto da compreenso contempornea e da do sculo passado (polcia entendida como setor subsidirio da atividade do Estado, visando, sobretudo preveno e punio dos ilcitos, mediante o emprego de um aparelho rgido e autoritrio de investigao e interveno), quanto do contedo que lhe foi atribudo a partir do Humanismo, na acepo peculiar de Estado de polcia. Se, na verdade, politeia significava para Aristteles o ordenamento abrangente da polis em resumo a sua constituio e se, para Santo Toms, a politia ordinata era aquele ordenamento global da vida terrena em que se conseguia superar o dualismo prprio do mundo cristo entre esfera religiosa e mundana, para uma outra concepo o termo no designava o Governo mas, quando muito a forma de Governo, possuindo, por isso, um significado descritivo, esttico, no um significado prescritivo, ativo (BOBBIO: 2002, p. 410).

    Assim, o significado de polcia, alm de determinar a postestas do prncipe,

    designava as aes no sentido de cuidar da polis, tal como disposta no livro Poltica de

    Aristteles, de forma que nas monarquias europias, sobretudo, nas Absolutistas, onde

    poltica ou por outra polcia passou a significar administrao dos assuntos do reino

    que se referiam as coisas mundanas, ou seja, das finalidades no religiosas e no

    espirituais atinentes esfera humana. Mas logo o termo polcia se ligou as aes de

    normatizao e de controle social do reino no sentido de preservao da sua ordem

    interna. no contexto do Absolutismo que so criadas as primeiras instituies de

    polcia visando ao maior controle administrativo dos sditos (administrativo e no

    policial na sua acepo moderna).

    O Rei Luis XIV criou em 1665, o cargo de tenente general de polcia de Paris

    com poderes administrativos e dentro dele de intervir na vida cotidiana dos seus sditos,

    verificando-se experincia bastante exitosa no sentido de controle social da cidade,

  • 33

    sendo copiado pelo Czar Pedro I que criou a figura do chefe de polcia de So

    Petesburgo (1718), seguido por Frederico II em Berlim (1742) e Maria Teresa

    Habsburgo em Viena (1751). Esses tenentes generais comearam a dispor de imensos

    poderes, muito mais de polcia poltica do que de polcia de segurana dentro do qual

    visavam a manuteno da ordem pblica e, sobretudo, administrativa nas grandes

    cidades da Europa ao longo do sculo XVIII (BAYLEY: 2001, pp.43/52). Mas as

    grandes modificaes sociais, econmicas e polticas trazidas pela Revoluo Industrial

    e a Revoluo Francesa obrigaram uma modificao importante na concepo de polcia

    como atos de governo. Nessa realidade ocorreu a necessidade do Estado passar a

    reprimir mais diretamente a criminalidade, sufocar os movimentos revolucionrios e ao

    mesmo tempo preservar a segurana das pessoas que a Revoluo Francesa transformou

    de sditos em cidados (KRANTZ: 1990, pp. 107/280). Nessa era de transformaes

    profundas, Franois Vidocq (1775-1857) criou a concepo de polcia de segurana,

    dessa forma ele o pai da polcia francesa, e no mesmo sentido da concepo de

    polcia moderna. Franois Vidocq instituiu a no Estado burocrtico moderno a

    concepo da polcia de segurana (preveno e represso dos crimes) comeando a

    separar essa idia do sentido de polcia enquanto administrao do Estado. Essa

    concepo de polcia administrao se confundia na constituio da figura do tenente

    general de polcia, que agia muito mais no sentido de impor a autoridade do prncipe (rei

    ou governante) nos lugares mais afastados das cidades modernas do que preservar a

    segurana dos seus habitantes.

    A rigor a polcia um fenmeno, essencialmente moderno. O seu bero a

    Inglaterra da Primeira Revoluo Industrial durante o primeiro quartel do sculo XIX.

    Egon Bittner analisa as condies que permitiram o seu aparecimento.

    O fato mais notvel acerca do momento da fundao da polcia moderna que, considerando a seqncia, ela constitui o ltimo tijolo da construo bsica na estruturao do governo executivo moderno. O recrutamento militar, a cobrana de impostos, o planejamento econmico e fiscal, o servio social e um conjunto de outros rgos administrativos antecedeu a polcia por vrias geraes. At mesmo a educao pblica existia, em uma forma limitada, na Prssia e na Frana, muito antes de Sir Robert Peel encaminhar para o Parlamento o Projeto de Lei que estabelecia a Polcia Metropolitana de Londres. Isso parece estranho, pois as monarquias absolutas dos sculos XVII e XVIII tiveram amplas

  • 34

    razes para criar esse tipo de instituio, que poderia fornecer-lhes os meios para a vigilncia contnua e detalhada dos cidados. Mesmo assim, no os desenvolveram, e confiavam em mtodos herdados de controle do crime e manuteno da paz, enfrentando problemas aos serem confrontados por poderes mobilizados de maneira contingente. O que ocorre aps a criao da polcia requer uma explicao e uma ateno direcionadas para circunstncias particulares que cercaram tal ato (BITTNER: 2003, p. 107).

    O socilogo francs Jean-Claude Monet faz a sua anlise sobre o fenmeno do

    aparecimento da polcia na sociedade moderna.

    durante o sculo XIX que a palavra polcia ganha na Europa seus significados atuais, atravs de um duplo movimento de especializao. Primeiramente, especializao policial: todas as capitais europias so ento palco de motins, insurreies e revolues; as tarefas de manuteno da ordem ganham, pois, importncia e, como se torna cada vez mais difcil de utilizar o exrcito para a manuteno da ordem urbana, formam-se organizaes policiais macias, cujos agentes so cada vez mais organizados, equipados e treinados para controlar as multides. Especializao judiciria tambm: o sculo XIX a grande poca da racionalizao do direito criminal e da extenso do aparelho judicirio; as instncias encarregadas das perseguies pblicas se desenvolvem; as organizaes policiais aliam-se ao movimento e se especializam numa funo de auxiliares da justia penal; da em diante, a palavra polcia remete diretamente quele ramo da organizao administrativa encarregada de reprimir as infraes s leis e aos regulamentos e de impedir movimentos coletivos que agitam com freqncia cada vez maior o corao das cidades em plena expanso (MONET: 2001, p. 23).

    Na atualidade, essa estrutura bsica que diferencia a atividade policial da blica-

    militar ainda vlida, no que no devemos esquecer que os policiais devem ser

    treinados para manuteno da paz interna de uma comunidade enquanto que os militares

    so treinados para matar o inimigo da comunidade ou do pas. O uso interno define,

    dessa forma, a natureza distinta dessas duas instituies: a polcia voltada para a polis,

    para manuteno da ordem e segurana interna, na represso ao crime e o exrcito, em

    razo de sua natureza militar, est dirigido para o inimigo externo, treinado diariamente

    para matar e eliminar fisicamente esse inimigo.

    Nesse sentido, a polcia no nasce por si mesma, porque ela est atrelada a

    sistemas sociais que lhe concedem a devida autoridade. Nessa acepo, polcia no

    significa necessariamente uma criao do Estado, mas uma organizao que

  • 35

    simplesmente recebe a autorizao coletiva para o uso da fora fsica. Assim, polcia

    assenta a sua legitimidade na autorizao coletiva e no pelo fato de ela ser do Estado

    ou no. Muitas polcias estatais e estamos acostumados a pensar somente em polcias

    como rgos do Estado perderam legitimidade por perderem autorizao coletiva, por

    causa de uma srie de fatores entre os quais atuaes truculentas e de excessiva fora,

    pouca efetividade no combate ou do controle do crime e violncia social e outros

    agravantes. O simples fato de ela ser uma polcia criada pelo Estado no lhes concede

    automaticamente legitimidade, uma vez que o Estado no o nico tipo de

    comunidade que pode criar uma fora policial (BAYLEY: 2001, p. 21). No entanto, a

    autoridade policial tem base fundamental nessa autorizao coletiva, muito mais que na

    autorizao legal dada pelo Estado. Da o perigo da polcia, assentida no uso da fora,

    ter como fonte da sua autoridade a disposio legal do Estado. Esse o primeiro passo

    para uma polcia de Estado, separada da sociedade que tem por fim uma atuao

    puramente autoritria e truculenta. Dessas trs concepes, na construo terica de

    Bayley, podemos deduzir que uma verdadeira organizao de polcia aquela que tem a

    autorizao coletiva para o uso da fora no mbito interno das comunidades ou

    sociedades. Nesse aspecto, ele conclui que a fora policial autorizada por um grupo

    social a aplicar fora fsica dentro desse grupo. E sem esses elementos a polcia no

    existe (BAYLEY: 2001, p. 22).

    O socilogo Robert Reiner, no seu esforo em defini-la, parte de duas questes

    fundamentais: quem a polcia? O que policiamento? Essa distino para ele

    nevrlgica para se compreender o fenmeno da existncia das polcias. Nesse sentido,

    para Reiner o sentido de polcia se refere a um certo tipo de instituio social,

    enquanto policiamento implica um conjunto de processos com funes sociais

    determinadas. Nem todas as sociedades possuem instituies policiais, mas o

    policiamento uma necessidade em toda e qualquer ordem social, dentro do quais as

    agncias de polcia criadas pelo Estado vm a ser apenas um exemplo de policiamento

    (REINER: 2004, p. 20). Segundo Reiner qualquer cidado atualmente tem a noo

    mnima e intuitiva o que polcia. Desse aspecto, continua Reiner, emerge o conceito

    quase obrigatrio de polcia.

  • 36

    Ela em princpio, identificada como uma corporao de pessoas patrulhando os espaos pblicos, usando uniforme azul, munida de um amplo mandato para controlar o crime, manter a ordem e exercer algumas funes negociveis de servio social. Alm disso, as organizaes policiais, tm, alm de detetives no uniformizados, basicamente ocupados com a investigao e o processamento de delitos criminais, tambm gerentes e pessoal administrativo em sua retaguarda (REINER: 2004, p. 19).

    Reiner baseia a sua definio nas polcias existentes no mundo anglo-saxo,

    principalmente dos Estados Unidos, mas as suas concluses servem para qualquer

    sociedade que adota a polcia, estatal ou mesmo privada, como forma de controle e

    combate da criminalidade, que tem como corolrio imediato a dissiminao da

    violncia. Existe uma intuio de que a polcia um elemento essencial da ordem em

    geral, sinnimo de garantia da segurana social, um sentimento de que sem ela

    subsistir o barbarismo. Para Reiner, existe nas sociedades modernas um fetichismo da

    polcia, a pressuposio ideolgica de que a polcia um pr-requisito essencial para a

    ordem social, e que, sem a fora policial, o caos vai instalar-se (REINER: 2004, p. 19).

    A distino entre a instituio de polcia e o conceito de policiamento o

    aspecto angular na concepo de Reiner. Como vimos acima, polcia refere-se ao rgo

    do estado ou organizao privada encarregada de efetuar a represso ao crime, enquanto

    que para Reiner a idia de policiamento um aspecto do conceito mais geral de

    controle social. Considerando que em algumas teorias sociolgicas, o controle social

    visto, de modo amplo, como tudo aquilo que contribui na reproduo da ordem social.

    (REINER: 2004, p. 20). Dentro desse aspecto de controle social est inserida a idia de

    policiamento, esta por sua vez, em um modo mais especifico abarca o sentido de

    represso ao crime ou no controle da violncia.

    Reiner define policiamento como a tentativa de manter a segurana por meio de

    vigilncia e ameaa de sano. O policiamento implica o conjunto de atividades cujo

    objetivo preservar a segurana de uma ordem social particular ou da ordem social em

    geral (REINER: 2004, p. 22). O fundamento final do policiamento, no importa qual

    seja as suas formas, mtodos ou caractersticas, a segurana social em geral.

    Policiamento a propriedade mais ampla da polcia, no sentido de aferir a ordem

    pblica tanto de forma preventiva como na forma repressiva. A primeira forma mais

  • 37

    conhecida de policiamento e ela pode se dar de dois modos: uniformizada-ostensiva que

    mesmo a viso clssica de polcia que atua atravs da presena dos policiais

    uniformizados. O segundo modo a ao preventiva mais ampla, com aes nas

    escolas, bairros e na comunidade em geral, atravs de cursos, palestras e educao sobre

    drogas, criminalidade em geral e principalmente a violncia. A segunda forma de

    policiamento repressiva que envolve um espectro maior da estrutura do Estado, alm

    da prpria polcia, como o aparelho judicirio, incluindo o Ministrio Pblico.

    Dominique Monjardet analisa que polcia se define por sua dinmica interna

    lastreada em trs pontas de uma pirmide: a instituio que abarca a instrumentalidade,

    os valores e o controle; a organizao que trata-se da diviso do trabalho, ofcios e da

    burocracia e por terceiro a profisso que entende os interesses, a cultura e as coalizes.

    Sob o aspecto dessa pirmide, a polcia como instituio uma ferramenta nas mos da

    autoridade poltica para empregar a fora quando esta se torna necessria para fazer

    aplicar ou respeitar a lei, isto , os valores que animam a sociedade considerada ou, pelo

    menos, o poder que se exerce sobre ela (MONJARDET: 2003, p. 207). Mas a polcia

    como fora pura e simples e na concepo de Monjardet ela no consegue ultrapassar

    esse aspecto, na sua ordem de funcionamento segue uma estrutura interna que a sua

    motriz cotidiana. Essa dinmica interna, resumida nas trs dimenses que configuram a

    instituio, a organizao e a profisso, deve considerar o elemento humano, o policial

    que enverga o uniforme ou na sua ao de represso ao crime como essencial nessa

    estrutura.

    Como no h mais polcia sem policiais tal como no h escola sem professores, uma profisso policial, em seu sentido mais descritivo entendida como o conjunto daqueles a quem atribudo o estatuto policial, desenvolve necessariamente interesses prprios, uma cultura de ofcio(s), de elementos de identidade e de identidade e de distino com base em suas condies de trabalho e de emprego, a partir de suas prticas cotidianas e por mecanismos de sanes e retribuies sociais de suas atividades. Quer seja fracionada em grupos distintos e mesmo concorrentes, ou unitria, a profisso necessariamente ope, a uma instrumentalizao pura e perfeita, a uma dinmica prpria, que mais facilmente ainda pode se traduzir por inflexes da poltica prescrita (resistncia ou incentivo), por ser a tarefa policial por natureza difcil de delimitar e de programar (MONJARDET: 2003, p. 208).

  • 38

    A dinmica interna manifesta a tipologia das polcias. Monjardet considera trs

    tipos: polcia da ordem ou polcia de soberania; polcia criminal e por terceiro, a polcia

    urbana. Devemos considerar cada uma dos trs tipos. Na teoria de Monjardet, a polcia

    da ordem que tambm pode ser chamada polcia de soberania, surgiu desprendendo-se

    lentamente do exrcito e das redes de espionagem e de vigilncia interna.

    Essa polcia de soberania, brao armado do Estado na ordem interna, tem no mais das vezes trs ramos. Uma polcia de ordem no sentido estrito, unidades especiais militarizadas encarregadas de dominar os movimentos coletivos, e notadamente de impedir-lhes, pela fora, o recurso violncia. Uma polcia de inteligncia, que visa a prevenir o poder de todo o compl ou ameaa contra seus detentores atuais. Uma polcia de fronteiras, polcia dos estrangeiros, da imigrao (e s vezes da imigrao). Essa polcia de soberania est inteiramente nas mos e sob a autoridade exclusiva do poder. (MONJARDET: 2003, p. 281).

    Esta por excelncia a polcia de Estado e se enquadra no que podemos chamar

    de polcias polticas, cuja finalidade a manuteno pela coero legitima legitima o

    quanto for possvel dos regimes. claro que a polcia da ordem ou soberania no se

    presta somente finalidade de assegurar pela fora a vigncia de um regime poltico de

    exceo ou no, mas dentro de uma ordem democrtica ela est voltada mais para a

    preservao das suas instituies ou pelo menos tem um peso maior nesse sentido. No

    devemos esquecer que a Constituio Federal de 1988 colocou as polcias no Captulo

    da Segurana Pblica dentro do Ttulo V, denominado Da Defesa do Estado e das

    Instituies Democrticas.

    O segundo tipo de polcia na viso de Monjardet a polcia criminal que tem a

    finalidade de instrumentalizar a fora e os meios de atuar para reprimir os grupos e os

    elementos da sociedade que no obedecem as suas leis.

    A polcia criminal assim polcia da sociedade e no s sobre a sociedade, mas especializada num segmento social. Sua organizao e sua profisso se desenvolvem numa lgica tcnica muito autnoma. De maneira geral, suas relaes com sua sociedade no so diretas, mas mediatizadas pela cpula do aparelho de represso penal, comumente a justia. (MONJARDET: 2003, p. 283).

    A polcia criminal, que no Brasil chamada de polcia judiciria, na maior parte

    dos pases europeus est institucionalmente ligada ao aparelho judicirio, e nessa

  • 39

    dimenso reside o seu controle. Quando Monjardet acentua que essa polcia

    especializada num segmento social, ele deve estar falando que profissionalizou na

    represso aos elementos sociais que cometem crimes, ou seja, na pura e simples

    represso penal. Infelizmente, ele no esclarece de forma mais especifica essa questo

    importante, somente a traz a ordem da discusso sobre esse tema to importante. O

    terceiro tipo de polcia a urbana. Esse tipo a clssica polcia uniformizada, que no

    Brasil denominada de preventiva e tem a finalidade de fazer respeitar a paz pblica,

    compor os conflitos interpessoais e as desavenas dos grupos. Ela se impe pela sua

    simples autoridade no empregando nunca a coero e a fora alm dessa autoridade

    recebida. A sua funo a manuteno da ordem pblica, no pela dominao,