poesia mato-grossense de exaltaÇÃo da terra · demonstração de sincera amizade. Às pessoas que...

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ADENIL DA COSTA CLARO POESIA MATO-GROSSENSE DE EXALTAÇÃO DA TERRA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS CUIABÁ-MT 2005

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ADENIL DA COSTA CLARO

POESIA MATO-GROSSENSE DE EXALTAÇÃO DA TERRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

CUIABÁ-MT 2005

ADENIL DA COSTA CLARO

POESIA MATO-GROSSENSE DE EXALTAÇÃO DA TERRA

Dissertação apresentada ao Programa Mestrado em

Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da

Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de

Linguagem.

Área de concentração: Estudos Literários e Culturais.

Orientadora: Profª. Dra. Célia Maria Domingues da Rocha

Reis

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

CUIABÁ-MT 2005

C613p

Claro, Adenil da Costa.

Poesia mato-grossense de exaltação da terra./ Adenil da Costa Claro. – Cuiabá: o autor, 2005. 129p. Orientadora: Prof. Dra. Célia Maria Domingues da Rocha Reis. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de Linguagens. Campus Cuiabá. 1. Literatura. 2. Crítica literária. 3. Estilística literária. 4. Literatura Brasileira. 5. Literatura mato-grossense. 6. Ufanismo. 7. Poesia mato-grossense. I. Título.

CDU 82.09(817.2)

FOLHA DE APROVAÇÃO

iv

DEDICATÓRIA

Ao “seu” Abelardo, querido pai (in memorian), que não teve a oportunidade de

participar da nossa alegria no final desse trabalho.

À “dona” Arminda, mãe incansável e dedicada.

À minha esposa Antonia, tolerante e dedicada, que soube administrar o lar durante a

minha ausência material.

Aos filhos Adenil Júnior e Larissa Aparecida, torcedores fiéis nessa batalha.

Aos irmãos consangüíneos Fátima Cristina, Antonio Sérgio, Maria Nilda, Neusa e

Celso, eternos companheiros.

Ao Moacir Land Eckert, compartilhando alegrias com a família.

v

AGRADECIMENTOS

À Profª. Drª. Célia Maria Domingues da Rocha Reis pela dedicação, competência e

extrema paciência na orientação desta monografia.

Ao Prof. Dr. Hidelberto de Souza Ribeiro, que muito me incentivou para que

realizasse esse curso de mestrado.

À Profª. Drª. Hilda Gomes Dutra Magalhães, mão amiga na qualificação.

À Profª. Ms. Maria Celeste Saad Guirra, eterna conselheira.

Ao Prof. Dr. Mário Cezar Silva Leite, pelas indicações de leituras e idéias

norteadoras durante as etapas de créditos em disciplinas.

Aos Professores do Departamento de Letras do Instituto de Ciências e Letras do

Médio Araguaia da Universidade Federal de Mato Grosso, pelo incentivo.

Ao Prof. José da Silva, irmão de fé, colaborador técnico incansável nessa

dissertação.

Aos servidores técnico-administrativos do Instituto de Ciências e Letras do Médio

Araguaia, companheiros de longa data, pelo apoio dispensado durante todo o curso.

Aos colegas da 1a Turma do Mestrado do Instituto de Linguagens, pela

demonstração de sincera amizade.

Às pessoas que sempre acreditaram em mim.

vi

RESUMO CLARO, A.C. Poesia Mato-grossense de exaltação da terra.

O presente trabalho propõe um panorama da Literatura Mato-grossense.

Cronologicamente, o estudo compreende entre a primeira metade do século XX, 1919 a 1940

– Dom Aquino Corrêa, com a Terra Natal, obra composta, em sua maioria, com certo rigor

formal, seguindo a tradição parnasiana; a seguir a produção do poeta Silva Freire,

acompanhando as transformações estéticas que se revelaram a partir da década de 50, em

Mato Grosso, com o advento da moderna poesia que por aqui aportara, tendo sido escolhida a

obra Águas de Visitação, publicação póstuma de 1979 e, finalmente, a poesia atual e de

denúncia de Marilza Ribeiro, dos anos 70 até nossos dias, contidas em obras que não foram

editadas, Textura Solar e Gosto de Bocaiúva com Picumã. Os três poetas têm em comum a

temática da louvação da terra e buscam tratar das belezas e riquezas naturais existentes no

Estado de Mato Grosso, seja para exaltá-la, como é o caso de Dom Aquino, seja para

visualizar o homem neste contexto territorial, no período anterior ao crescimento urbano, com

a exuberância natural dos vários espaços geográficos, e a destruição promovida pelo capital,

peculiaridade da poeta Marilza Ribeiro, ou situando-o como aquele que extrai, via trabalho

exaustivo, os sonhos e os minérios do solo. Dividido em 2 capítulos distintos, no primeiro,

além de uma apresentação dos poetas nos aspectos literário e de inserção sócio-histórica, traz

uma discussão sobre os termos ao redor dos quais se deu a seleção do corpus, treze poemas,

sendo seis de Dom Aquino Corrêa, seis de Marilza Ribeiro e um de Silva Freire.

Palavras–chave: Literatura Mato-grossense, Ufanismo literário, Estilística literária,

vii

ABSTRACT This study aims to present an overview of Mato-Grossense Literature. This study, which

spans the early 20th century to the present-day, comprises works by three poets: Dom Aquino

Corrêa, Benedito Silva Freire e Marilza Ribeiro. Corrêa’s Terra Natal, composed mostly in

proper forms, complies with the Parnassian traditions and conventions; Freire’s Águas de

Visitação, posthumously published in 1979, concerns the aesthetic transformations which

took place in Mato Grosso during the 1950s after the advent of Modernism and Ribeiro’s

Textura Solar and Gosto de Bocaiúva com Picumã, works yet to be published, are

contemporary and express vehement disapproval openly. Mato Grosso land praising is a

common theme found in their works. These poets try to reveal the natural beauties and

resources of the State of Mato Grosso and each poet chooses a different way: Corrêa discloses

and exalts Mato Grosso natural beauties and Ribeiro, as she visualizes man in two distinct

geographical spaces and moments--before and after urban growth--, no doubt exposes how an

exuberant nature has been steadily destroyed by capitalism. This study is organized in two

chapters: the first chapter deals with the social, historical and literary aspects of the poets’

works as well as discusses the criteria for the selection of the corpus, which totals thirteen

poems: six poems by Corrêa, six poems by Ribeiro and a single one by Freire. In chapter two,

all poems are analyzed from a stylistic and a critical perspective.

Key Words: Mato-Grossense Literature, Literary stylistics.

viii

SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................... vi

ABSTRACT ................................................................................................... vii

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 09

CAPÍTULO I ................................................................................................. 14

A EXALTAÇÃO DA TERRA COMO TEMA NA PRODUÇÃO LITERÁRIA

MATO-GROSSENSE ......................................................................................

14

CAPÍTULO II ................................................................................................. 47

II.1. TERRA DO BERÇO! TERRA EVOCATIVA E LINDA ........................... 47

II.1.1 Pantanal ................................................................................................ 47

II.1.2 Lufada ................................................................................................... 52

II.1.3 Laranjeira Cuiabana ............................................................................ 56

II.1.4 Chuva dos Cajus ................................................................................... 59

II.1.5 O Sabiá ................................................................................................. 62

II.1.6 Cuiabá ................................................................................................... 64

II.2. O UMBIGO TELÚRICO ......................................................................... 68

II.2.1 Cuiabá – Americália ............................................................................. 68

II.2.2 Poemas da obra Gosto de Bocaiúva com Picumã – III ......................... 76

II.2.3 – IV ........................................................................................................ 80

II.2.4 – IX ........................................................................................................ 85

II.2.5 – XXXIV ................................................................................................ 91

II.2.6 – XXXV .................................................................................................. 95

II.3. O CASCALHO NO TATO DO PÉ .......................................................... 98

II.3.1 Garimpo da Infinitude .......................................................................... 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 121

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................ 125

INTRODUÇÃO

O projeto que resultou nessa dissertação - “Poesia Mato-grossense de Exaltação da

Terra” – é fruto de uma idéia antiga, surgida no período em que cursava Licenciatura Plena

em Letras, no campus da UFMT, de Pontal do Araguaia, no Instituto de Ciências e Letras do

Médio Araguaia, concluído em 1988. Sempre me detive nas poucas informações de que

dispúnhamos sobre essa literatura produzida por autores próximos a nós, que pouco se

expandia além da fronteira municipal de Cuiabá. Raras exceções, recebíamos revistas, como a

Educação em Mato Grosso editada pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato

Grosso desde aproximadamente o ano 1978. Alguns dos seus números, como por exemplo, o

20 e 22 (1983), 23 e 26 (1984), 27 e 28 (1985) e 32 e 34 (1986) traziam alguns artigos

aproveitados como conteúdo para se estudar a disciplina Literatura Mato-Grossense, cuja

ementa previa um período de estudo da Literatura do Centro-Oeste – compreendida entre

Brasília, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e um período, especificamente, de

Literatura de Mato Grosso ou as obras História da Literatura Mato-Grossense (1970), de

Rubens de Mendonça e História da Cultura Mato-Grossense (s/d), de Lenine Povoas. Foi

nessa época que conheci uma parte da produção de Dom Aquino Corrêa, Marilza Ribeiro,

Silva Freire, Tertuliano Amarilha, José de Mesquita, Padre Raimundo Pombo, entre outros.

O meu interesse por essa produção se deveu à riqueza dos temas, à maneira simples

com que os autores descreviam os sentimentos com relação, principalmente, a Cuiabá, e o

apego explícito a valores culturais da capital. Embora estivesse afastado fisicamente daqueles

espaços naturais invocados pelos poetas, sentia-me atraído pelos quadros literários escritos

sobre a grandeza da fauna e da flora. Desses textos, principalmente dos poemas, surgiu a

vontade de aprofundar-me no conhecimento dessa Literatura do Estado de Mato Grosso até

então desconhecida. Mesmo não havendo grande oferta de livros para pesquisa, as poucas

obras de que dispunha a biblioteca setorial do Instituto, naquela época, contribuíram

enormemente para o incentivo em buscar outras fontes que complementassem o que já tinha

estudado, mas faltavam-me condições para fazer um curso de pós-graduação stricto sensu

Acabei, então, “guardando” essa vontade para ocasião oportuna.

Em escala crescente, após o meu ingresso como docente da Universidade Federal de

Mato Grosso, pude observar o interesse pelos estudos dessa literatura por graduandos e

10

graduados, nos Cursos de Letras nos municípios do interior do Estado, turmas regulares ou

especiais, como em Água Boa, Alto Araguaia, Barra do Garças, Luciara, Rondonópolis e

outras localidades, que não se apresentavam como manifestações acanhadas, mas como

trabalhos de expressivo valor acadêmico, e nos vários eventos de que participei, nas Semanas

de Letras, Simpósios de Literatura, Concursos de Poesias. Tudo isso despertou-me o antigo

interesse de fazer um mestrado nessa área.

A criação de uma biblioteca de Literatura Mato-Grossense, na década de 90, pela

Profª. Drª. Hilda Gomes Dutra Magalhães foi uma boa oportunidade para fazer novas leituras.

Com a implantação do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Estudos de

Linguagem – no Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, no início

do 3º milênio, elaborei uma proposta de trabalho que se voltava para a apresentação de um

panorama da Literatura Mato-grossense, entre os séculos XIX e XX, concernente à produção

de poesias com temas ufanistas, que exaltam a beleza e a exuberância da natureza regional.

Era uma forma de dar continuidade aos vários estudos realizados no campus do Médio

Araguaia/UFMT, além dos da Profa. Hilda Magalhães, como os da Profa. Ms. Raimunda

Alves Batista Campos com o tema O Negro na Literatura Mato-grossense; da Profª. Drª.

Célia Maria Domingues da Rocha Reis, com enfoque para a obra de uma das mais

importantes poetas do Estado, Marilza Ribeiro; da Profª.Ms. Gilvone Furtado Miguel sobre a

obra de Guilherme Dicke.

Interessando-me em saber como os poetas Dom Aquino Corrêa, mais antigo, Silva

Freire, moderno, e Marilza Ribeiro, entre moderna e contemporânea escolhidos para esse

trabalho, constantes no elenco dos primeiros escritores estudados ainda na época da

graduação, que produziam obras com temas regionais, fiz um estudo comparativo, na primeira

parte desta pesquisa, intitulado A Exaltação da Terra como tema na Produção Literária

Mato-grossense, discutindo a “exaltação” como um ufanismo na sua vertente telúrica, e

aproximando os poetas, que se manifestaram sob os mais diferentes ângulos

Na segunda parte, após seleção de treze poemas, busquei conhecê-los, suas

composições, suas idéias. Ressalto que, embora tenha colocado as análises após o estudo

comparativo, elas constituíram o ponto de partida da pesquisa. Os textos selecionados

apresentam algumas divergências quanto ao tema da exaltação da natureza, da terra e modos

diferentes de caracterizá-las, pois, segundo Octávio Paz “o poeta se alimenta de estilos. Sem

eles não haveria poemas. Os estilos nascem, crescem e morrem. Os poemas permanecem, e

cada um deles constitui uma unidade auto-suficiente, um exemplar isolado, que não se

repetirá jamais”. (1982:21). Assim, particularmente, os poetas apontaram as belezas que

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oferecem a terra à sua volta: a produção literária de Dom Aquino Corrêa está voltada para a

contemplação da natureza, representada por poemas obedientes aos cânones do

parnasianismo, por absoluta vocação, e sem muito compromisso com o social.

Os outros dois poetas – Marilza Ribeiro, que apresenta uma poesia social, versos que

revelam o espectro da destruição do meio-ambiente, que lhe é acolhedor e fornece o sustento

dele. A criação poética de Silva Freire, no recorte feito, aponta para o usufruto do solo pelo

homem, constituída por uma linguagem aparentemente objetiva, apresenta as relações entre o

garimpeiro e a natureza, na extração das riquezas minerais, entre outros, perpassando noções

de cultura e identidade regional. Ambos, diferentes do estilo formal aquineano, procuraram

empregar os vocábulos para constituir versos e estrofes de modo distante dos padrões, porque

a palavra “...em liberdade, mostra todas as suas entranhas, todos os seus sentidos e alusões”

(Paz, 1982:26). À parte os selecionados há, ainda, na produção desses três poetas, um grande

número de poemas que tratam do mesmo assunto.

Em princípio, a seleção de autores e textos foi ampla, devido à freqüência do tema em

questão. Depois, em função do tempo exigido para a conclusão do trabalho, tive de reduzir o

material, até mesmo para me deter melhor sobre aqueles que julguei mais significativos. O

recorte feito foi para a poética de D. Aquino Corrêa , com análise dos poemas “Pantanal”,

“Lufada”, “Laranjeira Cuiabana”, “Chuva dos Cajus”, “O Sabiá” e “Cuiabá” retirados da sua

principal obra Terra Natal, nas suas 1a- e 3a- edições, datadas de 1940 e 1985,

respectivamente; de Marilza Ribeiro, com os poemas “CUIABÁ-AMERICALIA” extraído da

coletânea Textura Solar, obra que não foi publicada, e os demais “III”, “IV”, “IX”, “XXXIV”

e “XXXV”, retirados da obra Gosto de Bocaiúva com Picumã, também não publicada, e o

poema “ Garimpo da infinitude”, de Silva Freire, extraído da sua obra Águas de Visitação, de

1991.

O critério de apresentação dos poetas, na segunda parte, foi o da ordem cronológica,

ou seja, o poeta mais antigo, um dos precursores da Literatura Mato-grossense, D.Aquino

Corrêa, seguido de Marilza Ribeiro, voz feminina e de denúncia: a poeta ainda atua no meio

artístico na Capital do Estado, mas cuja produção selecionada foi mais ou menos

contemporânea da de Silva Freire, embora continue produzindo até hoje, sendo por isso

colocada entre o Moderno e o Contemporâneo. Encerrando o corpus, um poema de estilo

arrojado, longo, como são todos os poemas da sua obra Águas de Visitação, Silva Freire, que,

até hoje, passados muitos anos, mantém um caráter de novidade que surpreende o leitor.

Convém considerar que o Mestrado em Estudos Literários ofereceu-me oportunidades

para desenvolver esse trabalho de forma satisfatória. Em todo o processo e na sua conclusão,

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recebi uma contribuição não só em razão das discussões sobre o objeto do meu trabalho,

como docente – a Literatura, mas também uma abertura para a compreensão do que é a

pesquisa e como essa atividade intelectual verdadeiramente faz crescer a Universidade.

A metodologia utilizada na consecução deste trabalho, do tipo qualitativa, baseou-se

no estudo de campo, como entrevistas e pesquisa bibliográfica com estudos teóricos voltados

para o detalhamento do aspecto literário dos poemas aqui circunscritos, como os estilísticos,

principalmente, e outros, de natureza sócio-historiográfica e literária.

Preliminarmente busquei entender a teoria de Amado Alonso que se reporta aos

aspectos do conteúdo e da forma poética em Matéria y Forma en Poesia (1965), leitura

importante para a análise poética. A partir daí, aprofundei os estudos sobre os recursos

estilísticos atendendo às recorrências do aspecto formal dos poemas, como as figuras, a

constituição sintática, efeitos sonoros, etc, tratados por Nilce Sant’anna Martins (2000), José

Lemos Monteiro (1991), Victor Manuel de Aguiar e Silva (1993), Orlando Pires (1985) e

Hênio Tavares (1981). Em linha complementar, e talvez a mais importante para a

compreensão da essência poético-literária, está Octávio Paz (1982).

Quanto à historiografia literária foram estudados, entre outros, Afrânio Coutinho

(1995), Alfredo Bosi (1986; 1992 e 2002), Antonio Cândido (1985) e Hilda Gomes Dutra

Magalhães (2001), que ofereceram um vasto painel de compreensão sobre a produção

literária, tanto nacional quanto regional. Este último aspecto foi contemplado com a obra

História da Literatura de Mato Grosso – Século XX, de Hilda Magalhães, publicado em 2001,

que oferece um conjunto de informações sobre a Literatura produzida em Mato Grosso, desde

os primórdios até os nossos dias, que amplia e atualiza as obras pioneiras de Rubens de

Mendonça e de Lenine Povoas, já referidas.

De Antônio Cândido foi estudada a obra Formação da Literatura Brasileira:

momentos decisivos, que traça o perfil histórico-sócio-econômico e cultural do país, de forma

evolutiva, alertando para o fato de que sendo este “ um livro de história literária, [isso] implica

a convicção de que o ponto de vista histórico é um dos modos legítimos de estudar

literatura...(1981:30) e Literatura e Sociedade” (1985). Para compreender os fatos histórico-

políticos contemporâneos que perpassam os poemas de Marilza Ribeiro, principalmente em se

tratando de fronteiras, tive acesso ao trabalho do sociólogo Hidelberto de Sousa Ribeiro, O

Migrante e a Cidade: dilemas e conflitos (2001). Na mesma linha de abordagem também

encontrei respaldo na obra de José de Sousa Martins, O Tempo da Fronteira: retorno à

controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira (1996) e na

tese de doutorado defendida por Lylia da Silva Guedes Galetti, Nos Confins da

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Civilização:sertão, fronteira e identidade nas representações sobre Mato Grosso, sobre as

implicações sócio-culturais advindas do afastamento geográfico.

Enfim, é conveniente ressaltar que, para compreender a tendência da poesia mato-

grossense, não há que se debruçar somente sobre as produções de autores atuais, mas também

naqueles que, embora considerados passadistas, a exemplo do poeta Dom Aquino Correa,

muito divulgado, deixaram vasta produção merecedora de discussão e análise. Nesses

escritores encontram-se temas voltados para a exaltação da natureza, que são relevantes para

se pensar a formação da identidade cultural do Estado.

A produção contemporânea, representada por Marilza Ribeiro, Silva Freire, Pedro

Casaldáliga, entre outros menos conhecidos, como Divino Arbués, Wanderley Vasconcelos,

Arlinda Morbeck, segue a trilha deixada pelos poetas anteriores, cada qual com um modo

próprio de se expressar, fazer poesia, mas em todos eles há relevo para a literatura ufanista,

que compreende a exaltação e a defesa da natureza, da região, tema recorrente desde os

primórdios da Literatura Brasileira.

CAPÍTULO I

A EXALTAÇÃO DA TERRA COMO TEMA NA PRODUÇÃO

LITERÁRIA MATO-GROSSENSE

O meu sentimento nativista (...)sempre se doeu desta adoração da natureza. (...)eu não fiz, nem mandei fazer, o céu e as montanhas, as matas e os rios. Já os achei prontos.

Machado de Assis

Fazendo uma leitura de obras da literatura produzida em Mato Grosso, nota-se uma

temática bastante comum entre os escritores, no que concerne à produção de poemas - a

exaltação da terra. Há uma valorização da beleza e exuberância desse conjunto geográfico

transposto, sobretudo, para o discurso poético, numa atitude literária ufanista.

São muitos os verbetes, encontrados em dicionários, de termos que se colocam na

esfera do lexema “ufanismo”. Em princípio, tem-se a interjeição “ufa”, expressão que indica

um sentimento de alívio e cansaço em relação a um trabalho extenuante que foi concluído; ou

sentimento de admiração diante de algo considerado de grandes proporções, de grande beleza,

ou ainda de ironia. Há o uso do verbo “ufanar”, o ato de vangloriar-se, envaidecer-se; o

substantivo “ufania”, como uma qualidade de ufano (adjetivo), emoção que se coloca de

modo exagerado, uma vaidade descabida, soberba, ou algo que, pelo seu valor extremado,

seja motivo de glória, de honra. Aurélio Buarque de Holanda assinala, em seu Novo

dicionário de Língua Portuguesa, que o termo “ufanismo” (do verbo “ufanar” + ismo), surge

por alusão ao livro Por que me ufano do meu país, do Conde Afonso Celso, explicando-o

como a “atitude, posição ou sentimento dos que, influenciados pelo potencial das riquezas

brasileiras, pelas belezas naturais do país etc, dele se vangloriam, desmedidamente”.

É o que ocorre, por exemplo, na poética de Dom Aquino Corrêa (1885-1956), poeta e

Arcebispo de Cuiabá, conhecedor e profundo admirador das paisagens do extenso território

mato-grossense. Ele soube descrevê-la com maestria, utilizando-se da fôrma parnasiana, mas

aproveitando as características do Romantismo para interagir com os cenários observados,

como nestes versos retirados de uma de suas várias publicações, Terra Natal:

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O imenso pantanal se estira e dorme. (...) Uma árvore braceja a copa informe. (...) A infinita soidão do plaino verde. (Pantanal, 1940:99; 1985:90)

(...) Ao beijo rosicler das madrugadas (...) Sai rio afora, e o rio todo estua (Lufada, 1940:100; 1985:91)

Eu amo, ó minha terra, a verde laranjeira (...) Terra do berço! Terra evocativa e linda! (Laranjeira Cuiabana, 1940:153; 1985:141)

Outro poeta religioso, representante da vasta região do Vale do Araguaia, é Dom

Pedro Casaldáliga (1928) que enaltece a natureza local. Veja-se o fragmento do poema “Junto

ao Vosso Canto” (1983:131)

Seja minha ausência como um vôo de garças abraçando a Tarde,

nesse vôo de garças que invadiu o Dia com o vosso Canto Velhos de Esperança -tantas Luas cheias, tantas Noites foscas – eu e o Araguaia já nos conhecemos, rios de um só rio ajeitando o curso entre Deus e o Povo.

Vozes poéticas femininas também produzem nessa temática, como Arlinda Morbeck

(1889-1961), que dedicou poemas cantando a natureza, como em “Trinado do Sabiá”, contido

no livro Poesias, organizado por Valdon Varjão (s.d):

Escutávamos o cantar melodioso do louro Sabiá no arvoredo, do rumor do ribeiro vaporoso o Sabiá não demonstrava medo!

16

O Sabiá trinava e repetia sua amena canção muito saudosa, depois, pra o palmeiral fugia olhando o brilhar da luz esplendorosa!

Maria de Arruda Müller(1898-2003), em vários poemas, enfoca as paisagens naturais

do Estado, principalmente do espaço em que se insere a capital, berço e origem do território,

com a poetização de fatos e personagens históricos, a descrição dos aspectos desse chão mato-

grossense, como no fragmento abaixo em que faz alusão aos bandeirantes e às nações

indígenas que ali viviam:

Era das Bandeiras: Século XVIII! No enredamento feraz, das silvas tropicais Cheias de ásperas, terríficas surpresas. Dormias sob o céu estrelado, no silêncio Feito dos mil sons da Natureza! (...) Berço de aborígines valentes, Paiaguás, borôros, guatós, coxiponés, Rebentos das raças ameríndias Que, na imensidade do torrão, viviam Há milênios, livres, soberanos... (Cuiabá, 1998:27) Há textos dessa autora, como “Ante a queimada” (1998:45)

A macega, ontem verde, perfilada, Quais colunas de posfiro e metal, Dobra-se triste, desclorofilada, Espectro da ardente vida vegetal!

O chão tão ressequido, atormentado, Nos meses de verão, impiedoso, Desfaz-se, em leve pó, imponderado Que o vênto remoinha, descuidoso!

Escuta-se uma súplica, um lamento, Té as entranhas profundas do solo... De sede, ou angústia, martírio incruento! A mata e os seres pungem sem consolo... que mostram uma ligeira aproximação com dois poemas de Dom Aquino Corrêa, que serão

estudados adiante:

17

Agosto. Em cinza e pó e fumo envoltas (...) Rangem rodomoinhando as folhas soltas (Chuva dos Cajus, 1940:158; 1985:146) Lá suspira um sabiá. Nos broncos arredores, Nem árvore em flor para o seu ninho amado, (O Sabiá, 1940:186; 1985:170)

Mais contemporâneos temos Marilza Ribeiro(1934) e Silva Freire(1928-1991). A

poeta faz referências a determinados lugares, como a Cuiabá, exaltando-a como a mais

importante cidade e o centro das atenções do grande Estado, como no poema “Cuiabá-

Americália”, da obra inédita Textura Solar (s.p.):

CUIABÁ AMERICÁLIA ÔLHO-SOL

UMBIGO TELÚRICO Noutro momento, apresentando um discurso aberto e corajoso, em Gosto de bocaiúva

com picumã (também inédita), denuncia o que o ‘progresso’ está fazendo com a natureza:

Os sertões sendo revirados para serem cidades que eclodem numa visão atordoante de artifícios de de um progresso acelerado... (...) ...os olhares estão inchados pelos medos uns dos outros (poema XXXV)

denotando a tristeza e preocupação do homem que, pela idade, pode conhecer o ‘antes’ e o ‘depois’:

Quem vai ficando antigo é que vai vendo o quanto vai se acaban- do o sossego da mata viçosa e bem cheia de misté- rios.

( poema III)

Silva Freire trabalha tanto com valores materiais quanto abstratos para falar de

natureza. Não a exalta diretamente, mas tematiza com freqüência a sua riqueza, as paisagens

do cerrado, as riquezas minerais, numa visão mais objetiva, mais social. É o que ocorre no

poema “Garimpo da Infinitude”, no qual insere o homem numa das mais rudes formas de

trabalho, o garimpo, sempre longe da civilização e dos recursos da modernidade, tentando

garantir o seu sustento, criando regras de convívio social:

18

-nem ladrão nem documento o compromisso é oral.... (In: Águas de Visitação, 1999:23) -despaizado na demarcação da espera o homem

garimpa seu destino (Idem:16)

e lutando com a terra, tentando amansá-la, para retirar dela as suas preciosidades:

-o que permanece da sorte nem é o cansaço -é a procura da pedra -a trama íntima do acaso nos fundos quintais de furna (Idem:18)

A natureza não é amena para esse tipo de trabalho, pois está sendo violentada e revirada.

Podem eles, então, ter a felicidade de alcançar a fortuna

-no picuá de cipó de imbé o pré-bambúrrio é forma de feijãozinmho azulinha na primeira vista da gema

-festa garimpeira: tem besta ruana de 7 palmos no pescoço que monta um lenço perfumado bordado de valentia (Idem:25)

ou a fatalidade:

-luto no mapa facial... -velho garimpeiro é glebra humana no edital do loteamento (Idem:17) O ufanismo pode ser entendido, então, como uma atitude contemplativa de valores

materiais ou abstratos que se desvendam ao olhar do eu contemplante, sobre um lugar e/ou

circunstância. No caso do presente trabalho, a compreensão será a da convivência entre

homem e espaço físico, sentimento íntimo motivado pelo apego ou paixão a situações que

exigem dele o acolhimento e a defesa dessa espécie de sentimento. Manifesto o ufanismo, os

19

poetas buscam, através da expressão literária, em verso ou prosa, caracterizar uma vertente

que se liga à exaltação da terra, o telurismo.

O termo telurismo TELLUS, ÚRIS, é proveniente da língua latina, em que 1. “ A

terra”; 2. “Terreno” ; “ solo”; 3. “Terra, região”; 4. “A Terra (personificada e divinizada) é um

sinônimo poético de Terra”. (Torrinha, 1985:860). Note-se que o autor do dicionário latino

apresenta quatro significados para o termo, sendo semelhantes o primeiro e o último e,

conforme transcrição, na quarta acepção faz-se a discussão em torno da palavra.

Para Donaldo Schüller (1986:43) o “telurismo procura devolver chão ao homem que

se perdeu na artificialidade dos centros urbanos. Do passado, ainda que inventado, deverão

subir energias para suportar as agressões do presente e a insegurança do futuro”. É esse

“chão” que Marilza Ribeiro ”devolve” em versos ao leitor, temática freqüente em sua obra:

Os sertões sendo revirados para serem cidades que eclodem

numa visão atordoante de artifícios de de um progresso acelerado, onde a percepção do acontecer é diferente, imposta por a- certos e desacertos sobre o ritmo de vi- da do caboclo de fala mansa, já tão dila- cerado pela nova coreografia do desviver. (In: Gosto de Bocaiúva com Picumã , poema XXXV)

A poeta revela com certa freqüência uma espécie de idealismo acerca do termo

“sertão”, procurando descrevê-lo como um “paraíso perdido” que, segundo Juan-Eduardo

Cirlot é o “símbolo do centro místico (...)de sua manifestação espacial (...)símbolo de um

estado espiritual, correspondente àquele em que não cabem interrogações nem distinções”

(1984:445-6). Tal espaço é uma extensão do que se colocava sob o olhar da poeta na época

dos tenros e despreocupados anos, numa cidade que ainda primava pelas belezas naturais. É

uma extensão do que ela vê acontecendo com a depredação, desmatamento, sofrimento das

pessoas que ocupavam esse paraíso “transfigurado” pela ambição do homem que dele se

apossam e o tornam propriedade particular.

Há um vislumbre da imagem viva dessa interação homem/sertão e o segundo termo

ainda pode ser entendido, utilizando-se uma outra idéia de Cirlot, como “Terra Prometida” ou

“Terra Santa(...), por sua concepção dos mundos como ‘estados’ e das paisagens como

expresssões(...). Ali onde há paz e perfeição, realiza-se no tempo o que no espaço adota a

forma de uma terra prometida” (1984:564):

No caminhar manso do sertanejo se apreende seu ritmo tão cheio de cuidados. Seu olhar atento vai colhendo

do ambiente os sinais de uma linguagem que só ele entende: o canto do bacurau, a corrida

20

da saracura, o rastro da canguçu, o movimen- to do sucuri no taquaral, o piado da alma-de-gato, os pulos dos macacos sauim pelos galhos e cipós e até o chamado de longe da sêa Ritóca pra hora do café. (In: Gosto do Bocaiúva com Picumã, poema XXX)

José Fernandes afirma que, quando se trata de telurismo, tende-se a relacioná-lo com o

regionalismo, mas que essa relação, quase simultânea, se prende, sobretudo, à definição do

vocábulo apresentada pelos dicionários: “influência do solo de uma região nos costumes,

caráter etc, dos habitantes” (1981:171). Frente a essa possível relação o autor fez o seguinte

comentário:

Enquanto no regionalismo há o registro ou a recriação de componentes culturais e paisagísticos de uma determinada região, visando à produção de ideologias ou à simples cristalização do arcabouço cultural, no telurismo ocorre a interiorização dos elementos culturais e paisagísticos, concorrendo para a existência de uma simbiose entre o homem e a terra.(1981:171)

Os dois termos, regionalismo e telurismo, estão bem distintos na concepção do crítico

literário. O primeiro se apresenta de forma mais comum em todos os usos quando se quer

definir determinados espaços geográficos, não deixando com isso de envolver a questão

cultural dos sujeitos nesses espaços. Telúrico, por sua vez, é o contexto em que o homem

expressa e incorpora em si esse patrimônio ambiental, cultural, tornando una a razão de

existência entre ele e a terra, sentimento que resulta numa expressão sensível da terra, como

se ela se tornasse o próprio corpo do eu que expressa. Nesse sentido, é comum a figura da

personificação da terra, como nos versos aquineanos:

Freme a terra selvagem e opulenta, Numa orgia de vida, que rebenta Em festa, em riso, em músicas, em flores. (Lufada, 1940:100; 1985:91)

ou, em outros termos, as riquezas que realizam o sonho do homem, declarados na vida

garimpeira descrita por Silva Freire:

-o garimpo vaza eco da sorte no pilão da bateia (...) ...é bambúrrio na cátria (Garimpo da Infinitude, 1991: 13).

21

Estas são algumas tentativas esparsas de compreensão do que seja o termo telurismo

apontadas por José Fernandes, que conclui: “(...) a fusão do homem com a terra exerce um

poder de elevação do ser ou de encontro do ser com a essência” (1981:171). Entende-se que

essa “união” do homem com o solo em que vive e dele retira seu sustento, configure-se, não

só como ato de valorização desse espaço, mas um modo de ascensão, um tornar-se dono de si,

superior às circunstâncias que o rodeiam. De outro modo, é uma espécie de enlevo espiritual,

um estar aquém do materialismo expresso pelo pó, a terra, que um dia ele terá que retornar.

A simbiose entre homem e terra, proposta por Fernandes, passa, evidentemente, pelo

critério estético. A orientação, no caso, pode ser dada por Antonio Cândido (1981):

(...)O poeta deve ter duas qualidades: engenho e juízo; aquele, subordinado à imaginação, este, seu guia, muito mais importante, decorrente da reflexão. Daí não haver beleza sem obediência à razão, que aponta o objetivo da arte: a verdade. (...)para ser poeta é preciso ser retórico, ou seja, ter a arte de persuadir, a qual supõe juízo e critério. (1981:48)

O crítico expõe uma antiga discussão sobre o fazer poético – o engenho, a

originalidade, a capacidade inventiva, que apresenta o poder do poeta na captação das

situações do real, daquilo que nele há de essencial, do que revela o homem, da sua verdade

espontaneamente colocada. Espontaneidade tem a ver com o que não é artificial, forjado,

tanto em relação ao conteúdo, que pode mostrar a superficialidade das relações humanas ou o

lugar comum, como na forma, com o uso excessivo de recursos ou a ausência deles, o que

deixa de ser arte literária para ser texto referencial. É essa espontaneidade que convence o

leitor e pode determinar o valor literário da obra.

Refletindo sobre essas questões no âmbito da temática do telurismo, entendemos que,

para compreender a sua expressão, seria necessário, antes, compreender o que os poetas

disseram, ou seja, fazer uma análise dos poemas e verificar os recursos com que foram

construídos e sob que ponto de vista se apresentam os recortes da realidade. E daí abstrair a

teoria. Foi esse o percurso.

As constantes leituras me levaram a três poetas, estudados na segunda parte, que, cada

um a seu modo e com diferentes contribuições, podem ser considerados como expoentes da

literatura de Mato Grosso – Dom Aquino, Marilza Ribeiro e Silva Freire, de cuja produção

selecionamos poemas que explanam imagens da natureza, às vezes com resquícios

primitivos, outras, desfiguradas, depredadas, descritivas, mais críticas em relação à

circunstância histórica ou simplesmente de fruição.

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A partir desse ponto das minhas reflexões, tentarei estabelecer algumas relações entre

esses autores, sempre tendo como base a temática da exaltação da terra. Para isso, farei uso

dos poemas selecionados para a análise, de outros textos da produção dos autores e de

aspectos biográficos que considero importantes para aprofundar esse estudo.

Segundo Corsíndio Monteiro, Dom Francisco de Aquino Corrêa1 publicou, no que diz

respeito à sua Poética, as Odes, em 1917; Terra Natal2 , cuja 1a edição é de 1919, a 2a de

1922, a 3a de 1940, a 4a de 1985 e Nova et Vetera, com uma única estampa, a de 1947.

O prefácio da obra Terra Natal é um discurso proferido por Dom Aquino na

instalação do Centro Mato-Grossense de Letras, hoje Academia Mato-grossense de Letras,

ocorrido em 7 de setembro de 1921, em que o poeta revela uma motivação religiosa na base

de sua produção poética. Por exemplo, em referência ao brasão daquele Centro Acadêmico,

criado por ele mesmo, utilizou, como insígnia, uma rosa, símbolo da beleza, inscrevendo em

torno dela a legenda Pulchritudinis studium habentes: “estudiosos da beleza”3, e ambos, rosa

e legenda, são justificados à luz dos escritos bíblicos:

...entoado, há vinte e dois séculos, na harpa solitária de um daqueles vates de Sião, pensadores e moralistas, lá naquele rincão pequenino da terra prometida, Canaã, os rios de leite e mel e das rosas que não morrem, vem ecoando de geração em geração, nas páginas da Bíblia... (1940:21 e 1985:16)).

Fazendo referência a essa construção sagrada do Eclesiástico (44:6), que trata sobre

“Elogio dos Antepassados”, o arcebispo-poeta procura não esconder o seu ideal de também

cantar as maravilhas da sua terra e exaltá-la em forma de poesia. Numa outra citação latina,

complementa a sua intenção: Laudemus viros gloriosos...pulchritudinis studium habentes, que

se traduz como “Homens ricos de virtude que tinham gosto pela beleza” e viviam em paz em

suas casas e foram a glória do seu tempo.

Quanto ao estilo, o Parnasianismo foi uma bandeira para D. Aquino Corrêa. Sob o

título de A Beleza da Forma, declarou o poeta:

1 D.Francisco de Aquino Corrêa nasceu em 02/04/1885, em Cuiabá. Ordenou-se o mais jovem bispo do mundo (29 anos), Presidente de Estado do Brasil (32 anos) e Arcebispo brasileiro (36 anos). Foi o primeiro brasileiro a ascender ao episcopado e único mato-grossense a ter assento na Academia Brasileira de Letras (30/09/1927). Faleceu em março de 1956. 2 Notei que na 3a edição, lançada em 1940 pela Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, alguns poemas apresentam palavras grafadas de forma errônea, como por exemplo o termo a miude, separado e sem acento ortográfico. Outras palavras também estão sem acentuação. Já na edição de 1985, organizada por Corsíndio Monteiro, esses erros foram corrigidos e os poemas se apresentam sem qualquer problema relacionado à ortografia ou ausência de acentuação de palavras. 3 A tradução das citações latinas foi realizada pelo Pe. José Barbisan, da Diocese de Barra do Garças – MT, em entrevista realizada em julho de 2004, durante a qual comentou algumas notas biográficas de Dom Aquino Corrêa.

23

...à luz da crítica, distinguem-se, na obra literária, duas entidades, a forma e a matéria ou fundo, assim também resplandecem nela duas belezas: a beleza da forma e a beleza da matéria. Cultivá-las ambas, eis a missão do Centro Mato-grossense de Letras. A beleza da forma teve, como sabeis, a sua última palavra, nessa escola parnasiana da segunda metade do século findo, que, prestigiada por dois grandes insulanos dos trópicos, Leconte4 e Herédia5, domina hoje, em boa hora, toda a literatura nacional (1940:24 e 1985:18).

Dom Aquino exerceu grande influência na produção poética do Estado. Em 1940,

quando ele fez a declaração citada acima, a Literatura difundida nos grandes centros do

Brasil, já se encontrava na 2a fase do Modernismo, apresentando valores como Drummond de

Andrade, Jorge de Lima, Murilo Mendes, entre outros. Quando Dom Aquino declara e insiste

que o ideal do parnasianismo dominava “ toda a literatura nacional”, está claro que o poeta,

tinha consciência do que ocorria no resto do país, das mudanças da mentalidade artística, mas

impôs uma tendência (ele tinha poderes para isso), insistindo no não reconhecimento da

modernidade das letras literárias.

Adiante, no mesmo prefácio, o poeta-religioso confirma que tinha conhecimento da

produção literária que se produzia no Brasil, pois, ao aclamar um poeta local, João Severiano

da Fonseca, informa que todo o seu livro “...recama de tão mimosa poesia local, que o próprio

Euclides da Cunha não desdenhou transladá-la para o bronze monumental dos seus “Sertões”.

(1940:33).De fato, Euclides da Cunha faz n’Os Sertões uma revelação das maravilhas

existentes na região de Mato Grosso:

...a natureza de Mato Grosso balanceia os exageros de Bucke. É excepcional e nitidamente destacada. Nenhuma se assemelha. Toda a imponência selvagem, toda a exuberância inconceptível, unidas à brutalidade máxima dos elementos (...) a terra afeiçoada à vida; a natureza fecunda erguida na opoteose triunfal dos dias deslumbrantes e calmos; e o solo abrolhando em vegetação fantástica – farto, irrigado de rios que irradiam pelos quatro pontos cardeais... (Cunha, 1981:54)

Percebe-se uma nítida influência da obra Os Sertões sobre Terra Natal, que apresenta,

à moda do primeiro, três partes distintas, não idênticas, como divisor de idéias. Os Sertões

está dividido em A Terra, O Homem, A Luta. A coletânea de poemas aquineanos, Terra

Natal, divide-se em A Natureza, O Homem, As Tradições. São temas distintos em cada uma

das obras, mas é possível aproximá-los. A Terra, descrita por Euclides da Cunha, em forma

4 Charles-Marie-René Leconte de Lisle (França 1818-1895) publicou: Poemas Antigos 1852) reunindo todos os elementos formais e temáticos da nova escola (Parnasianismo); Poemas Bárbaros (1862) que deu ao autor um imenso prestígio e a liderança do movimento a partir de 1865, e Poemas Trágicos (1886). 5 José Maria de Herédia (1842-1895), poeta francês de origem cubana, autor de Os Troféus, uma coleção de 118 sonetos e poemas avulsos que o tornaram mestre do soneto francês.

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prosódica e extensa, retrata o cenário, às vezes da miséria, outras vezes da fartura, de uma

mesma região, como é o caso do Nordeste. Em A Natureza, D. Aquino descreve em versos, as

surpreendentes paisagens da terra mato-grossense, rica e viva, com algumas pinceladas de

tons religiosos.

A segunda parte tratada nas duas produções se referem ao Homem. A maioria dos

poemas inseridos nesta parte do livro trata-se de textos encomiásticos, dirigidos a cronistas,

bandeirantes ou heróis das batalhas pela independência e defesa do território, não só mato-

grossense mas também nacional. Enaltece tribos indígenas, como bravas e guerreiras, que

também participaram da história de Mato Grosso, sendo perseguidas, escravizadas ou

massacradas, quando do desbravamento pelos bandeirantes. De outro lado, em o Homem,

Euclides da Cunha traça os perfis psico-sociológicos do sertanejo, do jagunço, do gaúcho,

todos tipos díspares, apresentando um amplo estudo do homem brasileiro. As últimas partes –

A Luta e As Tradições, contidas n’Os Sertões e Terra Natal, respectivamente, diferenciam-se

pelo conteúdo. Enquanto naquela, a parte mais importante do livro, o autor narra, como

correspondente de guerra, as várias expedições do Exército que foram enviadas à região, na

tentativa de sufocar a Rebelião do Arraial de Canudos, esta, poetizada por D.Aquino, tem o

intuito de exaltar a natureza, seus rios, fauna, flora, as riquezas minerais, entremeando os

versos com temas religiosos, como nos poemas Paládio de Minha Terra (1940:139) que

sublima a flora, a natureza, a terra e também a Virgem Maria, citando as várias denominações

como é conhecida pelos católicos em Carme Secular (1940:159), poema religioso que

rememora os vários bispos que serviram em Cuiabá e engrandece a capital do Estado e a

riqueza mineral (ouro) e Ave Maria (1940:199), poema de louvação à natureza e com traços

religiosos, entre outros. Uma das principais vertentes temáticas desse autor, fica claro, é o

realce à natureza.

Ainda no final da década de 30 e início da de 40 do século passado, período de

efervescência da carreira poética de Dom Aquino, há informações de que alguns escritores e

intelectuais se movimentaram, em Mato Grosso, no sentido de modernização literária. O Prof.

Dr. Mário Cezar Silva Leite, no artigo “Literatura, Regionalismo e Identidades”, na recente

publicação Mapas da Mina: estudos de literatura em Mato Grosso, esclarece que esse

movimento tinha como ideais uma “...reação ao domínio, predomínio do grupo anterior e não

se opõe exatamente à produção ou ao discurso regionalista, mas sim à produção e ao discursos

antigo, passadista”. (2005:242). Entende-se, portanto, que o grupo declarava seu repúdio à

produção aquineana, expressão do parnasiano e, como complementa o professor, do

“romantismo tardio e permanente”. ( 2005:243).

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Na seqüência do seu discurso, o poeta continua a sua defesa do estilo parnasiano e

afirma que o “ parnasianismo (...) nada mais significa senão a escola literária, cujo supremo

ideal é a perfeição da forma. Tudo o mais é aí secundário, ou mesmo extravagante” (1940: 25

e 1985:18). Em conformidade com esse conceito, buscou a perfeição formal, a regularidade

em seus poemas, a maioria deles decassílabos e em forma de soneto. Quanto à

“extravagância”, é um termo que referenciam o estilo literário, o Romantismo, que tende à

expressão desequilibrada das emoções, mesmo que ele tenha utilizado algumas de suas

características em seus poemas, principalmente quando se tratavam de temas voltados para a

exaltação da natureza. Ainda no prefácio, no subtítulo “O Estudo do Vernáculo”, defende o

seu apreço ao parnasianismo, pela relevância de algumas características desse movimento

literário como “versos límpidos e cantantes, rimas claras e opulentas, estrofes impecáveis

como ânforas de Atenas, imagens plásticas e esplendorosas, e aconselha: estudemos

carinhosamente o vernáculo, na lição assídua dos modelos...” (1940:25-7 e 1985:18-9)

Em “A Beleza da Matéria” (1940:24 e 1985:21), outra parte que compõe o longo

pronunciamento naquele 7 de setembro de 1921, deu um conselho aos fundadores que naquele

momento estavam criando o Centro Mato-Grossense de Letras, sobre as implicações e

objetivos daquela agremiação, dentre elas, devotar, nas produções literárias, especial atenção

à terra e suas belezas. Complementa ainda que, como obrigação de todos, a criação daquele

Centro fosse difundida como marca registrada de cunho essencialmente mato-grossense e,

nele, deveriam existir “as bases da literatura regional”.

Noutro trecho do discurso faz uma rápida alusão a Couto Magalhães6 e lembra que

este, “...tão despreocupado e singelo, vibra, atavia-se, guinda-se como por encanto, diante das

grandiosas maravilhas naturais do Araguaia” (1940:33; 1985:23).

O padre Pedro Cometti7, na obra biográfica, Dom Aquino Corrêa – Vida e obra,

confirma o que já se tem dito sobre o poeta, principalmente sobre a obra Terra Natal, segundo

livro de poemas publicado pelo escritor, em 1919, o primeiro fora publicado em 1917, como

homenagem ao segundo centenário de Mato Grosso e que o primeiro fora publicado em 1917.

A avaliação que o padre faz é que é uma obra de rara beleza, referindo-se às composições que

6 Dom Aquino faz referências, em forma de exemplificações no seu discurso, de alguns nomes ligados à Tradição Cultural, entre eles Silva Pontes, o desenhista Hércules Florence, da expedição Langsdorft (1825), João Severiano da Fonseca, Taunay e Couto de Magalhães, que escreveram sobre as belezas e encantamentos da natureza mato-grossense. Este último, como ele diz, digno representante da região do Araguaia e que possuía um estilo “despreocupado e singelo” que vibrava diante das grandezas naturais. (1985:21) 7 O padre Pedro Cometti, ordenado em 1945 na Venerada Sé de Cuiabá, foi discípulo aplicado e secretário do então Arcebispo de Cuiabá, Dom Aquino Corrêa, até o ano da morte dele em 1956.

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seguiam a perfeição clássica na forma e temas voltados também para a natureza, às palmeiras,

às fontes, aos pássaros e às cidades:

...o sorrir das flores, o trinar dos pássaros a se casarem ao murmúrio cantante das torrentes caudalosas nas alvoradas álacres dos sóis ou a cativante nostalgia das tardes sertanejas, ao tramontar do sol.(...) as cidades mato-grossenses desfilam num cortejo olímpico de versos, que lhes cantam as origens e acontecimentos relevantes. (Cometti, 1994:530-1).

Além de fazer comentários sobre a obra de Dom Aquino, o padre Cometti também fala

de sua fortuna crítica. Ele menciona, por exemplo, o estudo feito por Osório Duque Estrada,

comentando que este autor, em princípio, havia lido com desconfiança as primeiras páginas da

obra Terra Natal, porque não o conhecia bem e, além do mais, por se tratar de um religioso –

um arcebispo, mas que, ao final da leitura declarou tratar-se de um poeta de muito talento,

afirmando que “a obra do Arcebispo de Cuiabá era capaz de impressionar qualquer leitor; que

era necessário granjear para o autor um lugar de honra no Parnaso” (1994:531).

Outro escritor que fez comentários sobre D.Aquino foi José de Mesquita, também

mato-grossense, sobre a publicação da terceira edição de Terra Natal, em 1940. Entre vários

elogios e observações sobre algumas características dessa obra, chama a atenção quando diz

que o poeta-religioso, além do grande amor pela terra, revelado no uso indiscriminado e

perfeito da construção precedida de pronome, “minha terra”, em grande parte dos seus

poemas, também revelou-se profundamente consciente da sua condição de religioso:

A par do amor a Maria, sua Musa Celeste, o amor à sua cidade bem querida, a musa terrestre dos seus sonhos representa esse maravilhoso transfert pela sublimação poética, dos profanos amores, que a lei moral e os votos religiosos lhe vedaram. (1994:.532)

Esse excerto foi retirado da Revista Mato-grossense de Letras (s.d:39-40), sob o título

A Poesia de D.Aquino, escrito por José de Mesquita e citado por Cometti. Para Mesquita, o

poeta-arcebispo encontrou, nas imagens da sua bela Cuiabá, os motivos de um intenso amor, o

mesmo amor que carnalmente não poderia sentir, pela sua condição de sacerdote,

substituindo-o pelo apego ao chão da sua Terra Natal.

Marilza Ribeiro, muito bem aceita no meio universitário, no Estado de Mato Grosso,

tem uma maneira especial de expor suas idéias, buscando o expediente da naturalidade,

expondo nesse tipo de construção, as suas denúncias e seus desabafos que encantam os

leitores. Nasceu em Cuiabá, nas águas de março de 1934. Foi locutora de rádio – uma das

primeiras da história da cidade, e produtora do programa “Viajando pela PanAir” e

“Caleidoscópio Feminino”, na emissora de rádio “A Voz do Oeste”, de Cuiabá.

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Iniciou timidamente sua produção literária, na adolescência, com alguns contos. No

início da década de 50, participou de um grupo literário, em Cuiabá, do qual fazia parte

também Silva Freire, divulgando a poesia através de saraus, e já tinham como meta a

propagação de poesias nas escolas, promovendo a aproximação do público com a arte (Reis,

2001).

Afastada das badalações do mundo artístico, segundo ela

“.. ...por falta de oportunidade ou (...), pela recusa de convites para participar de eventos literários e expor sua poesia, (...)porque ‘não sabe falar desse assunto’ e também porque escreve para si mesma, mais como uma necessidade de exteriorização que por pretensões literárias” (Reis, 2001:192),

Marilza Ribeiro assume a publicação das suas obras e a sua produção é reconhecida e

estudada casualmente por poucos pesquisadores e acadêmicos dos cursos de Letras.

Muitos de seus poemas revelam um lado preocupado com as minorias discriminadas

na sociedade. Mesmo afastada do seu local de nascimento, residindo em São Paulo por alguns

anos, “não se desprende das figuras emblemáticas do seu estado de origem, posseiros,

garimpeiros, etc” (Reis, 2001:199). Todos os poemas da coletânea Gosto de bocaiúva com

picumã exploram essa temática. Segundo pesquisas, Marilza Ribeiro foi a única poeta que se

destacou, ao explorar essa modalidade de tema, preocupando-se com o homem que se instala

na terra, ambos ameaçados pelo grande capital: aquele pela expulsão que o transformará em

errante e esta pela degeneração proporcionada pela abertura das fronteiras agrícolas:

Se colocada num parâmetro com a poesia feminina que aí se produziu, e em alguns casos com a literatura masculina, a poesia de Marilza Ribeiro assume um caráter de vanguarda por essa temática social-regionalizante, e pelo direcionamento que dá à sua obra, em relação a essa temática.(Reis, 2001:199)

Vive atualmente na Capital do Estado e publicou Meu grito: poemas para um tempo

de angústia (1973); Corpo Desnudo (1981), Cantos da terra do sol (1997) e A dança dos

girassóis (2004), e a antologia Palavras de mim (2005), que contém poemas das obras

publicadas e de outras, que ainda não foram publicadas, dentre elas, Cuiabá por um fio;

Cuiabá Dona Menina; Gosto de Bocaiúva com Picumã e Textura Solar.

Um poeta que, desde que levou a público sua produção, chamou a atenção no cenário

cuiabano, foi Silva Freire. Nasceu em Mimoso, em 1928, foi advogado, professor, poeta e

jornalista. Em Cuiabá, 1949, juntamente com Wlademir Dias Pino, cria as revistas O arauto

da juvenília e O saci , importantes meios de divulgação dos novos valores. Publicou as obras

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Águas de Visitação (1979), Barroco Branco (1989) e Trilogia Cuiabana (1991) – volumes I e

II, além de poemas em vários jornais e revistas de Mato Grosso. Silva Freire apresenta

novidades na forma de compor seus poemas, quanto ao aspecto visual e em termos temáticos.

Fala de pessoas no exercício de profissões, do garimpo, no poema Garimpo da Infinitude,

inserido na coletânea “Águas de Visitação”, das redeiras, em As redes; dos ceramistas, em Os

oleiros; do homem enegrecido das carvoarias em Carvoeiro/vegetal entre outros. Faleceu em

1991.

Hilda Gomes Dutra Magalhães (2001:162) considera Silva Freire “ um autor

experimental, cuja arte desafia o bom tom e o conservadorismo da literatura clássica, o que a

torna, em determinados casos, algo hermética(...)” Dessa forma, ao selecionar os três autores

para a pesquisa, já antevia essa evolução na produção literária mato-grossense, iniciando com

um ferrenho defensor do parnasianismo, tendência do primeiro, e concluindo com as

tendências contemporâneas dos outros dois poetas. Adiante, Hilda Magalhães complementa a

biografia do poeta informando que sua obra “...reserva-nos muitas surpresas estéticas, que

emergem do texto sob o signo da contemporaneidade (...) que confabula o falar regional e o

erudito, o poético e o racional, nas sendas da experimentação, na busca do texto sempre

novo,” (2001:181).

Quanto à temática, os três poetas foram unânimes em reconhecer no Estado de Mato

Grosso a diversidade biológica e dela retirarem inspiração para criar seus poemas.

Aproximando-os, percebo que Marilza Ribeiro e Silva Freire enfocam a natureza de forma

mais objetiva, com uma linguagem construída de neologismos e enriquecida com aspectos da

cultura mato-grossense. A poeta, principalmente, tenta provocar alarde sobre a situação da

terra, que requer reparos e cuidados dos poderes constituídos. Os dois autores modernos

retiram dessa mesma natureza corrompida, outrora cantada como dócil por Dom Aquino, o

verdadeiro sentido para a sobrevivência do homem que a destrói.

De um modo geral, os escritores, contadores de causos, que moravam ou que

passavam por aqui, falaram das paisagens. É certo que nem todos tiveram a mesma

característica expressiva de exaltação, mas, de modo particular, cada um procurou expor seus

sentimentos em relação à terra. A admiração pelos cenários naturais lembra a mesma que

sentiam os portugueses no Brasil, registrada na literatura de informação.

Anteriormente a Marilza Ribeiro e a Silva Freire, Generoso Ponce8, ao assumir a

direção do Centro Mato-Grossense, uma entidade criada no Rio de Janeiro, então capital do

8 Por Mato Grosso. Discurso pronunciado em 15 de agosto de 1928, no Centro Mato-grossense, Rio de Janeiro, por ocasião da posse de sua diretoria.

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Brasil, que tinha como meta “fazer propaganda do Estado” e servia como ponto de encontro

dos estudantes de Mato Grosso que para ali se deslocaram, assim se pronunciou referindo-se

aos estrangeiros que desembarcavam no país:

Grande terra natal, grande Matto Grosso, como não te conhecem os que blasfemam contra ti (...) o teu solo, o teu clima, o teu povo! (...) Temos na terra, que possui todas as riquezas do país! Os elementos para tornarmos um dia realidade esse sonho admirável! (...) Empenhemo-nos mato-grossenses! Por dar ao Brasil, ainda um dia, esse esplêndido espetáculo de um grande sonho que um grande povo com entusiasmo tornou realidade.(1928:10-21)

Note-se que o seu discurso em defesa do espaço físico, realidade que muito bem

conheceu e por isso tinha autoridade para defender, é semelhante ao de Dom Aquino, em

termos de construção poética.

Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2001:24) afirma que “um grupo de enunciados

e imagens que se repetem, com certa regularidade, em diferentes discursos, em diferentes

épocas, com diferentes estilos, e não pensá-la uma homogeneidade, uma identidade presente

na natureza”, é algo que pode ser entendido como “região”. Cada poeta emprega o seu

próprio estilo para apresentar as mais variadas formas de poemas. Cada imagem é particular

aos olhos e aos sentidos do eu-lírico, por isso não são idênticas as construções que servem,

por exemplo, para exaltar a flora:

E a primavera, em festivais fanfarras,

Solta, de árvores em árvores, as cigarras, Chamando ao sol e à vida as brancas flores. (Dom Aquino. Chuva dos Cajus, 1940:158; 1985:146) ...vastidão vegetal sob as rama- gens quietas daqueles arbustos e arvoredos... (Marilza Ribeiro. Gosto de Bocaiúva com Picumã, poema III) -no picuá de cipó de imbé (Silva Freire.Garimpo da Infinitude: 1999:25)

Neste último fragmento o poeta fala em “picuá”, um recipiente cilíndrico e oco que o

garimpeiro utiliza para guardar diamantes. Artesanalmente são fabricados com caules de

plantas, em forma de caniços, como o bambu, a taquara, ou ainda de couro, de ossos, etc,

procedendo-se o seu fechamento com uma rolha. Este picuá é feito de uma planta ou

trepadeira que desprende das árvores, conhecida como cipó de imbé, da família das aráceas,

encontradas em matas úmidas, fazendo uma alusão a flora.

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Um outro exemplo, em imagens que anunciam o dia:

Sai rio afora, e o rio todo estua No arrepio das rijas rabanadas. Rebrilha o sol: na luz intensa e crua, Palpitam as libélulas douradas. (Dom Aquino .Lufada) -clareia o dia: o garimpo irrompe do lusco-fusco (Silva Freire.Garimpo da Infinitude) CLARIDADE NA BOCA DA MADRUGADA (Marilza Ribeiro.CUIABÁ-AMERICÁLIA) ou que fazem referência à língua: Não ingruvinha a manga da brusa pra ficá bem foló!’ – foi falando a dona Zita do Nhô Cambito. (Marilza Ribeiro, Gosto de bocaiúva com picumã: poema III ) Sobre esse último aspecto, o autor de Invenção do Nordeste e outras Artes explica que,

em virtude das distâncias que separam as regiões, à extensão territorial do Brasil e “ao contato

com diferentes grupos étnicos e lingüísticos, a língua portuguesa teria se segmentado em

línguas regionais, em torno dos diferentes núcleos de povoamento e colonização..”.

(Albuquerque, 2001:118). Diante da exposição, penso que Marilza Ribeiro ilustra no poema

“III”, um trecho significativo de língua regional.

O crítico José Fernandes (1992:359) entende que o termo “regionalismo”, da maneira

superficial com que às vezes se apresenta, não garante a sua distinção, porque a “simples

abordagem de temas rurais não caracteriza o regionalismo; sua existência pressupõe uma

perfeita identificação do homem com a terra, expressa na cristalização das tradições locais,

como costumes, superstições, mitos, lendas, linguagem, etc”. De acordo com o crítico, esse é

o entendimento que se aproxima da conceituação de “telurismo”, que só é possível pensá-lo

através da abordagem sobre o regionalismo que a ele se interage. Pode-se, ainda, repensar

esse comentário e possivelmente estendê-lo à literatura, aos escritores, à discussão de uma

“regionalização” ou “nacionalização” de poetas.

Essa discussão me leva a considerar as relações entre região/regionalismo/

nação/nacionalismo e universalidade:

Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade de vocabulário e nada mais. Aprecia-se a cor local, mas é preciso que a imaginação lhe dê os seus toque, e que estes sejam naturais, não de acarreto.(Assis,1992:807)

31

Tendo em vista essa produção, com uma temática específica – uma fala da própria

localidade, do próprio meio, penso que os poetas têm uma consciência de sua inserção num

espaço maior – cidade, Estado, país, continente, em sentido estrito, quando abordam questões

que, estando mais próximos a eles, abrangem o homem local, ou, em sentido lato, quando

abordam a história de todos os tempos – a exploração do homem pelo homem, as paisagens,

profissões, hábitos e costumes, como nos versos de Silva Freire:

-o garimpo é hermético estranhamente aberto

ao receber o rito hirto mito e o místico

ou em conflitos sócio-políticos de ocorrência comum entre, por exemplo, etnias, à moda de

Marilza Ribeiro:

TRAÇOS DAS NAÇÕES EXTERMINADAS INCAS MAIAS ASTECAS PAYAGUÁS

KADIWÉS GUANÁS MBAIÁ-GUAICURUS TERENAS GUAHARIBOS

Assim procedendo revelam, nos versos, um aprofundamento, uma ampliação do

conceito de regionalismo, para o de nacionalidade e universalidade, pertinentes a esse

sentimento de identidade, de enraizamento.

Um sentimento de nação, pela expressão dos valores individuais e próprios da vontade

da sua população, independente das condições humanas, de etnias, religião e língua. Segundo

Afrânio Coutinho (1995)

Desde o Romantismo, (...) um fato da maior significação foi a crescente importância do Brasil regional. As influências geográficas, econômicas, folclóricas, tradicionais, que deixaram traços marcantes e características distintivas na vida, costumes, temperamento, linguagem, expressões artísticas, maneiras de ser e sentir, agir e trabalhar, fizeram-se perceber na vida intelectual brasileira desde que a consciência nacional brotou para a independência política e cultural.(1995:201)

32

O grande escritor, Machado de Assis, afirma que “ O que se deve exigir do escritor

antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu

país...” (1992:804).

Além de retratar a paisagem, há algo mais intenso, que o poeta deve observar, no que

há de material, na existência de um povo, a vida que dali decorre, as angústias e alegrias, não

o que se coloca na superfície, mas as questões mais íntimas, somente “captáveis” pela arte.

Retomamos aqui o que diz Fernandes sobre a “interiorização dos elementos culturais e

paisagísticos”, citação feita anteriormente, (cf. p. 21) para compreender melhor o termo

culturais.

Alfredo Bosi (1992:11) indica que os vocábulos cultura, colônia e colonização

“derivam do mesmo verbo latino colo e que este significou, na língua de Roma, eu moro, eu

ocupo a terra e, por extensão, eu trabalho, eu cultivo o campo”. A identificação desse verbo

latino com o termo telurismo, citados na seqüência deste trabalho, por Torrinha, Schüller,

Albuquerque e Fernandes foram importantes, pois os vocábulos se aproximam muito em

termos de significação. Mais do que procurar em cada uma das citações o seu entendimento,

chamou-me a atenção a evocação que se fez ao eu, ao homem, explícita ou implicitamente, na

maioria das vezes nos enunciados daqueles teóricos, reconhecendo-o como um ser integrado

no meio em que vive.

Refletindo sobre as poéticas em estudo, e pensando em Hannerz “...para manter a

cultura em movimento, as pessoas, enquanto atores e rede de atores, têm de inventar cultura,

refletir sobre ela, fazer experiências com ela, recordá-la (ou armazená-la de alguma maneira),

discutí-la ou transmiti-la”. (1997:12) percebi, em maior ou menor grau, nos poemas, essa

consciência, num envolvimento dos sujeitos com a natureza geograficamente colocada, ou

não. No primeiro caso, há aqueles personagens que estão próximos à terra, respeitando-a,

como é o caso do sertanejo, da poesia de Marilza Ribeiro, contrário ao “homem motorizado”,

produto urbano que o capitalismo gerou.

Nos textos selecionados de Dom Aquino, o nível de participação humana é diferente.

O poeta deixa transparecer nos poemas uma atitude contemplativa na natureza, há um eu que

“olha” a paisagem, seja pela sua magnificência manifesta por vocábulos que imprimem

grandiosidade, seja pela exposição de quadros opostos à beleza, quando ela se apresenta em

processo de degradação, modificando os cenários outrora esplendorosos. Não há manifestação

do eu-lírico em forma de crítica ao homem como autor dessas agressões. O meio ambiente é

sublimado no máximo grau possível, mas o eu-lírico fica indiferente às ameaças, como é o

caso das queimadas, que só o incomodam, mas diante das quais não emite crítica,

33

Agosto. Em cinza e pó e fumo envoltas As canículas chispam no ar ardente. (Chuva dos Cajus,1940:158; 1985:141)

ou o desrespeito à vida e a perpetuação de espécies, como na prática de interceptação dos

peixes que seguem as rotas das desovas, através da piracema, declarando a participação

formal do homem – pescadores, sem qualquer preocupação com o extermínio das espécies

aquáticas. É uma poesia comportada, descompromissada com o social.

Sai rio afora, e o rio todo estua (...) A límpida canção dos pescadores. (Lufada, 1940:100; 1985:91)

Nesse estilo eloqüente e extasiado, há momentos em que declara suas emoções

incluindo o leitor

Terra do berço! Terra evocativa e linda! Em ti o coração, como o fruto dourado, Remoça-nos também de esperança e de amor. (Laranjeira Cuiabana, 1940:153; 1985:141)

A construção com a forma verbal remoça-nos, flexionado na 1a pessoa do plural, deixa

claro esse envolvimento com o leitor, sem nomeá-lo. Nos demais poemas de Dom Aquino,

não ocorreu mais nenhuma situação de exterioridade no que se refere à co-participação eu-

lírico/leitor, declaradamente expostas no âmbito do tema da exaltação da natureza.

À parte os seus poemas lírico-religiosos e a vasta produção de textos que o compõe,

como sermões ou cartas pastorais, Dom Aquino buscou sintetizar em Terra Natal as

composições que por certo ganhariam o gosto popular, por se tratar de criações que

apresentavam a região. Assim, os temas variam entre exaltação da natureza, poemas que

tratam de descrições e situações que envolvem os mais dignos representantes da

biodiversidade como o sabiá, os cajus, as laranjeiras, os peixes, o pantanal:

E ei-lo a cantar, pedindo a chuva ao céu...

(O Sabiá, 1940:186; 1985:170)

Vibram todas as vozes cristalinas De crianças e de pássaros cantores. (Chuva dos Cajus, 1940:158; 1985:146)

Eu amo, ó minha terra, a verde laranjeira

(...) Onde o ouro do teu solo estreleja e reluz.

(Laranjeira Cuiabana, 1940:153; 1985:141)

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Verde mar de gramíneas, mar parado, (...) o imenso pantanal se estira e dorme. (Pantanal, 1940:99; 1985:90)

Há inúmeros poemas que anunciam poeticamente a existência de riquezas minerais

nos vários garimpos de ouro e de diamantes no Estado de Mato Grosso. O garimpo, como será

detalhado adiante pelo poeta Silva Freire, é uma conseqüência da escassez de oportunidades

no mercado de trabalho e também pela falta de qualificação profissional do homem. Dom

Aquino reporta, conforme se observa nos fragmentos abaixo, algumas situações relativas à

abundância existente nos vários garimpos:

(...) As lendárias regiões, onde brotam os rios E erram em solo de ouro, os tapuias bravios, Num sonho de esmeraldas e diamantes à flux. (Marcha para o Oeste, 1940:11; 1985:31) (...) Eis a terra das minas faiscantes, Eldorado como outros não há, (...) O diamante sorri nas grupiaras Dos teus rios que jorram, a flux. (Hino Mato-Grossense, 1940:43; 1985:37) (...) Cabral, a quem tanto ouro maravilha, Funda as gloriosas minas da “Forquilha”. (Forquilha, 1940:51; 1985:45) E ei-los que chegam a estes sítios belos, Onde o ouro excede todos os castelos Do sonho audaz do bandeirante... (Lavras do Sutil, 1940:118; 1985:109)

Sua preocupação, quanto à degradação do meio ambiente, não estava explícita ou, é

mínima. Nos poemas citados, ele relata a conquista do território pelos bandeirantes, atraídos,

principalmente, pelas informações da existência de garimpos. Mas outros poemas atenuam,

ainda que pouco, essa questão:

Foste a cidade de ouro no passado. És a Cidade Verde na Esperança. (Cuiabá, 1985:51) E como é lindo, nobre, imorredouro O poema dessa fúlgida legenda: “Confiemos na virtude, mais que no ouro!” (Brasão Extinto: 1940:141; 1985: 39)

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Que é das minas de outrora? Ai! São fossas enormes Da necrópole fria (...) Choram por ti, gentil princesa decaída! (A Morta Capital, 1940:57; 1985:52)

No primeiro fragmento, temos dois verbos que reforçam a idéia de mudança de

pensamento do eu-lírico com relação à natureza: um no pretérito perfeito, Foste, e o outro,

És, no presente, ambos no modo indicativo. Como o poema fala de Cuiabá, o primeiro verbo

se refere ao momento em que a cidade estava ocupada e sendo explorada por aventureiros,

quando vivia num clima de bonança provocado pela efervescência dos vários negócios que

giravam em torno da compra e da venda do ouro. Atualmente, com a escassez das pedras e

dos metais preciosos, procura sobreviver com um comércio razoável e não diferente dos

demais espalhados pelo país. O verbo ser – És –no presente, pode ser compreendido nos

versos seguintes.

O segundo exemplo foi retirado de um poema que trata sobre o Brasão do Estado de

Mato Grosso. O poeta procura substituir a fartura material – o ouro, pela disposição

comportamental dos seus homens – a virtude, qualidade moral e indispensável, valor utilitário

pelo valor subjetivo, envolvendo-se com os demais, quando utiliza o verbo confiemos, modo

imperativo.

No último exemplo, o poeta retoma com certo lamento o assunto sobre as grandezas

das minas que em outros tempos existiam. Do que servia como ponto de atração aos

aventureiros e que por eles foram tomados – os minérios – hoje só restam os estragos

provocados no solo, como as fossas enormes, contrastando com o tom fúnebre, necrópole fria,

consolo possível ante a destruição.

Ainda nesta sua publicação, Terra Natal, Dom Aquino Corrêa dedicou-se a alguns

poemas encomiásticos que enaltecem figuras co-partícipes do contexto histórico do Estado,

como Moreira Cabral, poema com o mesmo título, em que descreve a figura desse

desbravador, chegando a compará-lo a Pedro Álvares Cabral:

Tu, sangue de Cabral, foi teu consolo

Sonhar, como ele, um misterioso ideal: Ele, afrontando o mar: para transpô-lo, Tu, vencendo o sertão largo e brutal. (Moreira Cabral, 1940:119; 1985:110)

Também Miguel Sutil foi enaltecido por Dom Aquino, como bandeirante que, em busca das

minas de ouro, fora auxiliado na empreitada por dois índios:

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(...) Miguel Sutil de Sorocaba avança Rumo ao mistério do sertão agreste. (...) Vão-lhe à frente dois índios, e a Esperança Visões de ouro não há, que não lhe empreste. E Ei-los que chegam a estes sítios belos, Onde o ouro excede todos os castelos Do sonho audaz do bandeirante... (Lavras do Sutil, 1940:118; 1985:109) ou numa homenagem à tribo dos Paiaguá, narrando sua bravura e destreza, seja como

canoeiros ou como guerreiros, através de um poema que apresenta alguma aproximação

rítmica com o épico I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias, com seus versos construídos com

quatro sílabas poéticas, num total de nove quadras

Nasci à beira Da água ligeira, Sou Paiaguá! De sul a norte, Tribo mais forte Que nós não há. (Canção do Paiaguá, 1940:113; 1985:105) Em outros textos focaliza descrições das principais cidades que compunham o vasto

território do Estado de Mato Grosso ainda indiviso, como “Miranda”, “Campo Grande”,

“Aquidauana”, “Corumbá”, etc:

Tão bela és tu, que o teu selvagem rio,

Ao morder estes céspedes amenos, Dá longas voltas, por que possa, amenos Contemplar teu mimoso casario. (Corumbá, 1940: 60; 1985:55) Dom Aquino tornou-se figura emblemática, não só pelo importante cargo que ocupou

de Presidente do Estado de Mato Grosso, que não o impediu de continuar suas outras

atividades, pois já tinha construído o seu alicerce como orador e poeta:

Em Dom Aquino deve-se observar o jogo construído entre o regional e o nacional em torno de sua obra e personalidade na história literária em Mato Grosso. Um dos fortes motivos da exaltação regional é o fato de ter se tornado nacionalmente conhecido e reconhecido. Ser o único mato-grossense a pertencer a Academia Brasileira de Letras... (Leite, 2005:34).

Através das imagens extraídas do cenário mato-grossense, tudo era matéria de poesia,

Dom Aquino encontrou meios para a difusão da literatura, seja freqüentando a Academia

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Mato-grossense de Letras, ou participando de eventos públicos, nos tinha a oportunidade de

pronunciar discursos e, nestes, através da sua verve retórica, ser aclamado pelos presentes, ou

mesmo, como religioso, através dos seus sermões, segundo confirma Hilda Gomes Dutra

Magalhães “...tendo sido Dom Aquino o último da estirpe dos grandes oradores sacro-

poéticos” (2001:51). Em todas essas maneiras de se fazer pronunciar, o poeta

incansavelmente procurou descrever as riquezas minerais, a abundância das águas, as terras

férteis e os vastos campos para serem explorados, através da agricultura ou da pecuária.

Corsíndio Monteiro declara que “Havia em Dom Aquino um comportamento sentimental com

relação a seu Estado natal, (...)Mato Grosso sempre foi o seu grande assunto” (1984:29).

Dono de um grande número de qualificativos - “o melhor orador”, “príncipe das Letras

Mato-grossenses”, foi muito exaltado pela sua dedicação, como poeta, em razão do esforço de

divulgar a sua terra. Conforme informa a Profª. Draª. Lylia da Silva Guedes Galetti, “...as

poesias de Dom Aquino foram ensinadas às crianças das escolas públicas, assim como o hino

que passou a ser executado em festas e solenidades públicas” (2000:291). Sobre o Hino Mato-

Grossense, de autoria também do poeta-religioso, Galetti diz que se constitui de versos que

expõem um rico linguajar e

....sintetiza o conteúdo simbólico do brasão de armas e amplifica o tom ufanista de exaltação da terra e da gente mato-grossense. Na linguagem musical, mais acessível ao grosso da população, na sua maior parte analfabeta, o hino popularizou uma imagem do Estado e os ideais e valores que Dom Aquino considerava fundamental incutir na alma dos mato-grossenses. (2000:289-90)

Com respeito aos ideais e valores considerados importantes para Dom Aquino, que

ele achava que deveriam também serem sentidos pelos conterrâneos, ressalta-se também a

admiração pelo Estado de origem:

Limitando qual novo colosso O ocidente do imenso Brasil (...) Nosso berço glorioso e gentil,

a rememoração e homenagem aos desbravadores que, no afã de descobrir riquezas e enviá-las

à Coroa Portuguesa, também fundaram os pequenos núcleos habitacionais que mais tarde se

tornaram cidades,

Que o valor de imortais bandeirantes, (...) Terra de ouro, Que sonhara Moreira Cabral (...)Dos teus bravos a glória se expande

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o compromisso dos Mato-grossenses com a terra que os acolhe, amando-a e trabalhando para

ao seu engrandecimento:

O ouro deu-te renome tão grande, Porém mais amor te dará!

Ouve, pois, nossas juras solenes De fazermos em paz e união, Teu progresso imortal como a fênix

A louvação à natureza: Eis a terra das minas faiscantes, Eldorado como outros não há, (...) Terra noiva do sol! Linda terra (...) No teu verde planalto escampado, E nos teus pantanais como o mar,

(...) E da fauna e da flora o índio goza A opulência em teus virgens sertões.

O poeta procurou na criação do Hino Mato-grossense manifestar não só o seu

sentimento pela terra natal, mas disseminar, contrariamente, um alarde sobre as riquezas

existentes em Mato Grosso, incitando/convidando os aventureiros a se deslocarem para esse

ponto do país.

Nessa apresentação da propaganda da terra, anterior não só a Dom Aquino Corrêa,

como também aos poetas nacionalistas, a difusão não se restringiu aos recursos

materiais/comerciais que a terra possa oferecer, mas às qualidades descritas como lugares

aprazíveis e que se assemelham ao paraíso. É o caso da referência de José Murilo de Carvalho

(1998:2), sobre o padre Simão de Vasconcelos que, por si só e da maneira como foi elaborada,

é o próprio conceito de exaltação da natureza

...o padre Simão de Vasconcelos, em sua crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil”, publicada em 1663, recorrendo ao testemunho de viajantes e baseado em suas próprias observações, afirma estar diante de um “espanto da natureza” e não hesita em dizer que “poderíamos fazer comparações ou semelhança de alguma parte sua com aquele paraíso da terra em que Deus nosso senhor, como em jardim, pôs o nosso pai Adam”. Sem dúvida, diz o entusiasmado jesuíta, a terra brasílica era superior aos Campos Elísios

Claro está que, embora o jesuíta tenha vislumbrado esse encanto proporcionado pelas

belezas naturais, ainda pelos idos do ano de 1663, e que, em conseqüência do desbravamento

39

e em nome do progresso, a natureza tenha sofrido transformações radicais, sepultando aos

poucos as imagens ou detalhes desta primeira visão que teve o religioso e outros viajantes

desse paraíso terreal, a perseverança em tecer comentários sobre aquele “espanto da

natureza” e vê-la cantada até os dias de hoje, como temas poéticos das várias produções

literárias é que anima críticos e pesquisadores de Literatura. Apesar do avanço tecnológico e

da ganância do capital, ainda restam “vestígios”, por sinal muito significativos, daquilo que o

homem não conseguiu apagar totalmente na natureza.

Marilza Ribeiro, por sua vez, expõe o homem como antagonista do próprio homem,

em situação de explorador/explorado, atribuindo-lhe culpa ou inocentando-o diante do quadro

caótico que a história apresenta.

No único poema retirado da coletânea Textura Solar, no fragmento abaixo, a figura do

homem pode ser observada de várias maneiras, entre elas quando ele desencadeia atrocidades,

como no extermínio de nações indígenas

(...) PAYAGUÁS KADIWÉS GUANÁS MBAIÁ-GUIACURUS TERENAS GUAHARIBOS

O poema, uma ilustração com detalhes que causam impacto nos leitores, mostra a

violência e o extermínio a que foram submetidas muitas tribos, principalmente à época da

colonização em Mato Grosso, pelo interesse na apropriação das terras e das riquezas nelas

contidas.

A perseguição aos índios e a tentativa de dizimação por que têm passado várias etnias

faz recordar um fato ocorrido, após a segunda metade do século XX, precisamente em 1963,

segundo José de Souza Martins (1996) que cita um relato de Darcy Ribeiro contido na sua

obra Os Índios e a Civilização - a integração das populações indígenas no Brasil moderno

(1997:189-90), num dos casos de expedições de caça ao índio, organizadas por brancos, em

que os responsáveis por um seringal no Mato Grosso destruíram e massacraram uma aldeia

dos índios Cinta Larga

...de avião, em vôos rasantes, foram jogadas dinamites sobre a aldeia, ao mesmo tempo que uma metralhadora era disparada sobre os índios que corriam em pânico. Os atacantes voltaram por terra e metralharam outro grupo de índios acampados a beira de um rio (1996:36)

Nota-se que a poeta apenas instigou a curiosidade sobre o assunto, em rápidas

palavras, aqueles acontecimentos que culminaram com a extinção também das tribos

40

ancestrais da América Latina. Os Cinta Larga não foram inseridos no poema de Marilza

Ribeiro, mas a comparação entre dois períodos serve para mostrar o grau de

comprometimento do homem, o branco, e da sua ação definitiva sobre outro homem, o índio.

Ardorosa defensora do social e do meio ambiente, a poeta não se omitiu em denunciar

as mazelas infringidas ao homem desprotegido, perseguido e marginalizado pela desenfreada

e moderna sociedade de consumo capitalista, seja via deterioração da natureza, seja pelo

cerceamento dos seus direitos constituídos. É um desvendamento da intimidade possibilitado

pela observância do seu comportamento. Um outro exemplo:

Faca de sol Corta o espaço Estilhaço do brilho Percorre o corpo sem vida do lavrador posseiro exilado da vida... (Faca de sol)

O fragmento de poema acima mencionado se encontra na coletânea Canto da Terra do

Sol, (1992:7), que exemplifica a percepção da tendência da poeta com referência à violência

ao homem do campo, um fato marcante no país, gerado por sucessivas crises econômicas pela

falta de uma política agrária comprometida com a realidade do homem que vive afastado dos

grandes centros, sem grandes chances de sobrevivência. Isso contribuiu para a redução de

emprego, e inúmeras famílias atingidas são obrigadas a se deslocarem para diferentes lugares,

procurando melhores condições de vida, muitas vezes, buscando a aproximação com parentes

que tiveram o mesmo destino. Esses deslocamentos, sempre para o espaço urbano, é cercado

de dificuldades materiais e, sobretudo, mentais, determinadas pelo afastamento da terra de

origem, o desenraizamento, tema preferencial nessa poesia contemporânea. Hidelberto de

Sousa Ribeiro, sociólogo, num estudo que fez sobre a migração, afirma que

Desenraizados de sua terra, muitos migraram por múltiplos lugares, viveram experiências de deslocamentos que os coloca numa situação de “desgarrados”.(...) “desgarramento” é um termo usado para qualificar aqueles que foram expulsos do campo devido ao desenvolvimento da agricultura e à ganância dos fazendeiros. Como resultado desse processo, rompem-se as bases do poder na zona rural (...) provoca conflitos entre a burguesia agrária e esse “exército” de excluídos, que agora invade fazendas, acampa à beira das estradas e luta por uma reforma agrária como resgate à cidadania( 2001:16)

41

Essa alusão ao “desgarramento” relativa ao “desenraizamento”, pode ser entendida

como a perda da identidade cultural e social do homem no espaço em que vivia. A partir da

sua migração, ele fica exposto a toda sorte de violência física, moral, espiritual.

Após a sua expulsão da zona rural, afastado do pedaço de chão, que era de sua

propriedade ou no qual trabalhava como meeiro, condições que lhe garantiam a sobrevivência

e a dos seus familiares, sem qualificação profissional, exposto ao servilismo capitalista,

ocupam as ruas das cidades, perambulando em busca de algum trabalho ou implorando

favores, sujeitando-se muitas vezes à mendicância. Segundo Ribeiro,”...sua vida na cidade

torna-se extremamente difícil, de modo que sente saudade do mundo rural, concebendo-o

como um lugar mítico, de felicidade” (2001:11). O homem torna-se uma figura errante, pois

qualquer lugar não é o seu de outrora, gerando daí o conflito: a identidade dele não está na

cidade, está no campo. As rememorações do lugar de nascimento, os parentes e as amizades

deixadas para trás, levam-no a sentir solidão e um vazio no seu íntimo. A terra, a natureza que

tinha ao seu redor, os rios, os sons provocados pelos insetos, aves e animais tornaram-se

lembranças sofridas e desanimadoras. Há agora um estranho mundo onde deve viver.

Os tentáculos do urbanismo industrializado enlaçam a alma dos homens nômades para mantê-los sempre afastados de todos os lugares que vão sendo modificados...

( Gosto de bocaiúva com picumã, XXXIV) ou

Os sertões sendo revirados para serem cidades que eclodem numa visão atordoante de artifícios de um progresso acelerado (idem, XXXV) A fauna e a flora foram elementos inseridos na temática da exaltação da terra na

produção literária de Marilza Ribeiro. Utilizando-se de um discurso que escancara a realidade,

a poeta não esconde a maneira como a natureza é violada, desrespeitando-se os direitos

ambientais. Entram torrencialmente nesses versos, ainda que não citados explicitamente, os

grileiros de terras, os especuladores, as famigeradas explorações imobiliárias, que invadem

terras devolutas e as transferem para os grandes proprietários e empresas multinacionais.

Sobre esses acontecimentos o eu poemático assim se declara, diante do espetáculo insano

Bem na beira das cidades é que inicia o desterro do cerrado, banido da sua calma. (Idem, III)

42

Sempre é a fumaça do escapamento mais seu ronco afoito, que esspa- lham pelo espaço verde o eco da invasão desme- dida desses homens estranhos que vão pisando duro pelo acampamento da natureza. (Idem, IV) A natureza torna-se refém dos desmandos e das atitudes impunes do homem. Não há

providências por parte dos organismos políticos ou dos poderes constituídos que possam frear

a devastação. A abertura de estradas e o loteamento de grandes áreas provocam a destruição

das exuberantes florestas, o extermínio de espécies vegetais, muitas, desconhecidas.

O aspecto ambiental sofreu uma ligeira mudança a partir da década de 70 em Mato

Grosso. A partir daquele momento passou a existir uma conscientização, principalmente no

público jovem, através da educação que inclui nos seus currículos uma ampla discussão sobre

o problema da degradação ambiental. O avanço das práticas destrutivas do homem contra o

meio-ambiente também mereceu a atenção de vários segmentos da sociedade. Era necessária

uma tomada de posição para, pelo menos, controlar a situação.

Marilza Ribeiro procurou instituir o homem em todos os seus poemas. Nos fragmentos

que seguem tem-se os “homens emotivos” que trazem lembranças da terra natal

...dos ho- mens, esses que nunca mais puderam chorar diante de uma cachoeira ou tocar nas pétalas da orquídea (Gosto de bocaiúva com picumã, III) A tristeza do homem triste fica quase sempre engasgada porque sua boca não canta mais a alegria brotada de dentro da sua meninice (Idem, IX)

ou homens desprovidos de sentimentalismo e de apego às origens, que estão a serviço do

grande capital, imbuídos da intenção de desbravar e, como conseqüência dessa invasão,

deteriorar e comprometer o meio-ambiente

...da invasão desme- dida desses homens estranhos que vão pisando duro pelo acampamento da natureza. (Idem, IV)

A realidade expressa do homem humilde, sujeitando-se aos caprichos do poder

dominante que o tornou subserviente, afasta dele qualquer possibilidade de retomar os seus

direitos de posse da terra que outrora lhe pertenceu

...imposta por a- certos e desacertos sobre o ritmo de vi- da do caboclo de fala mansa...

43

(Idem, XXXV)

Percebemos até aqui o diferencial entre Dom Aquino Correa que exalta a terra, sem

envolver ou explicitar o homem sobre e o seu estar/pertencer a este espaço, e Marilza Ribeiro

que, contrariamente, consegue focar a beleza da terra compartilhada e usufruída pelo homem,

que dela retira seu sustento, impondo, como sugestão, a obrigação de defendê-la como sua

propriedade ou usufruto.

Utilizando-se de uma técnica revolucionária para criar poemas, em que a economia de

palavras e o preciosismo da sonoridade são suas principais características, Silva Freire

também deixou registrada a sua exaltação à natureza, apontando o que a terra pode oferecer

ao homem em termos de riquezas minerais como o ouro ou o diamante.

-clareia o dia: o garimpo irrompe do lusco-fusco nasce da mancha

do rego na dobra do golfo do aparelho da lata paraguaia no caixão da grupiara (Garimpo da Infinitude, 1999:22) O garimpo é o meio de sobrevivência de milhares de homens que deixaram o trabalho

no campo, ou mesmo dos excluídos na zona urbana, desempregados, sem uma formação

profissional que garanta uma ocupação no mercado de trabalho. A busca incessante pela

riqueza extraída do solo é formada por verdadeiros agrupamentos de pessoas em torno de

jazidas que se localizam, principalmente, em regiões em que a natureza ainda parece estar

intacta. Essa natureza, portanto, oferece a possibilidade de ser explorada racionalmente, como

desejam os ambientalistas, fato que não ocorre, haja vista a precariedade em que se encontram

várias regiões que outrora se tornaram verdadeiros “formigueiros humanos” em busca do

metal precioso, hoje, abandonadas como áreas degradadas, esburacadas e, no caso dos

mananciais hídricos, poluídas pelos recursos químicos usados durante a extração, como o

mercúrio.

Silva Freire, último poeta que compõe o corpus desta pesquisa, apresenta uma

linguagem diferente dos outros dois que o precederam. Segundo Mário Cezar Silva Leite, “um

dos representantes máximos dessa geração de ruptura e modernidade torna-se, com o tempo,

um grande ícone do regionalismo, ao lado de Dom Aquino e José de Mesquita: o escritor

Silva Freire” (2005:43).

44

No espaço compreendido antes da metade do século XX, época da efervescente

produção literária do poeta religioso, outros autores já estavam trilhando os caminhos das

novidades na arte de escrever como, por exemplo, Wladimir Dias Pino, também poeta mato-

grossense, que revolucionou a criação poética por meio de radicalismos lingüísticos. Sobre

essa nova linguagem literária, manifesta-se Angel Rama:

...é o autor que se reintegra na própria comunidade lingüística, falando a partir dela, (...) é a partir de seu sistema lingüístico que trabalha o escritor que não procura imitar de fora uma fala regional, mas sim elaborá-la de dentro com finalidades literárias. (...) será de seu interesse trabalhar as possibilidades que seu próprio comportamento lingüístico lhe apresenta para construir, a partir dele, uma língua literária específica da criação artística. (2001:220).

O que fez Silva Freire foi acompanhar os ideais da nova poesia, despojada de requintes

formais, mas que, em sua pena, ganha outras sofisticações, tematizando o político, o social, o

econômico e o cultural.

Na criação de Garimpo da Infinitude o eu-lírico não se manifesta somente em função

do garimpo, mas explana o potencial existente na terra, no espaço onde está localizada essa

atividade, envolvendo os homens que buscam escancará-la, deixando-a nua, para que dela

aflorem as riquezas que estão escondidas.

No prefácio de Águas de Visitação, a Profª. Drª. Lúcia Helena Vendrúsculo Possari

comenta que o poeta “opta pela não continuidade, não-sucessão linear, semântica ou lógico

discursiva” nas estrofes que compõem os poemas dessa coletânea, transformando os textos

numa aglomeração de palavras que formam os versos e estes as estrofes, e complementa

adiante que “os efeitos de sentidos a cargo do leitor – como pretendia o autor – desenham-se

num conjunto de palavras não-necessariamente ligadas etimologicamente...” (1999:10), pois

se o leitor desejar, poderá ler estrofes aleatoriamente que nelas identificará ou terá uma noção

do tema do poema. Como exemplo, em mais de dez estrofes há o uso de uma mesma estrutura

sintática, introduções de vocábulos que nomeiam a profissão garimpeiro ou o local em que

este homem exerce o seu trabalho – o garimpo

-o garimpeiro crava

(p.13) -o garimpeiro codifica... (p.14)

-o jovem garimpeiro golpeia (p.18)

45

-o garimpeiro grimpa (p.20)

-o garimpo vaza

(p.13)

-o garimpo é de frente (p.15)

-no garimpo é nati-morto o meio amor. (p.24)

Em todo o texto estão deflagradas as atitudes de agressões à natureza, mas o eu-lírico,

aparentemente sem atribuir culpas, detém-se em narrar o cotidiano do homem garimpeiro,

apresenta-o como trabalhador que exerce uma profissão rústica e sacrificada, que explorou a

terra e muito mais a si mesmo, extraindo do solo a sua subsistência. A sutileza do poeta foi a

de abordar a abnegação desse homem e os frutos colhidos.

Na representação poética, há a indicação de que entre os homens existe uma espécie de

união. Vão sendo atraídos para o garimpo, às vezes famílias, pais, irmãos, filhos, e todos estão

imbuídos da mesma intenção, a busca da fortuna rápida:

-outros amigos o pai irmão o esmo o meio o meia-praça (p.14)

Dessa forma, em todas as estrofes, o autor procurou declarar a atividade garimpeira

como profissão, ou modo de sobrevivência de homens destituídos de posses, mas possuídos

de esperanças, porque a terra em que garimpam não lhes pertence. Se a sorte ajudar

-no picuá a herança plumária (p.15)

...é bambúrrio

na cátria (p.17)

Mas logo poderá encontrar quem fique com o prêmio do seu esforço, por um preço às vezes

insignificante

46

-na capa do capanga o capangueiro. (p.29) e, sem alternativas, vê-se obrigado a negociar o fruto do seu trabalho, para saldar dívidas

contraídas com o próprio patrão.

As imagens gráficas produzidas pelo preenchimento das estrofes na superfície do

papel e também os espaços que não foram completados, estes em maior quantidade e

abrangência, indicam um outro tipo de leitura disponível ao leitor. O aspecto gráfico, neste

tipo de poema moderno, contribui para o entendimento do texto, uma vez que aguça a

curiosidade em desvendar enigmas subentendidos nas palavras, versos ou estrofes.

No próximo capítulo faço uma ampla análise estilística dos poemas escolhidos,

retomando características dos estilos de cada poeta, das tendências literárias que adotaram nas

suas produções e confrontos que permitem distinguir as suas diferenças.

CAPÍTULO II

II.1. – TERRA DO BERÇO! TERRA EVOCATIVA E LINDA! Os poemas que seguem, de autoria de D.Francisco de Aquino Corrêa, foram retirados

da obra Terra Natal, respectivamente, da parte I – A Natureza, “Pantanal”(1940:99 e 1985:90)

e “Lufada”(1940:100 e 1985:91) e da parte II – As Tradições – são eles “Laranjeira

Cuiabana”(1940:153 e 1985:141), “Chuva dos Cajus”(1940:158 e 1985:146), “O

Sabiá”(1940:186 e 1985:170) e “Cuiabá”. Este último não aparece na edição de 1940,

somente na edição de 1985:51. As análises dos poemas seguirão a seqüência nominal dos

títulos acima referenciados.

De modo geral, os poemas apresentam forma fixa, são sonetos, composição poética

composta de quatorze versos, dispostos em dois quartetos e dois tercetos. Dois apresentam-se

com doze sílabas poéticas (alexandrinos) – “Laranjeira Cuiabana” e “O Sabiá”. Os demais são

decassílabos.

Inicio a análise pelo poema “Pantanal”.

II.1.1. PANTANAL

PANTANAL Verde mar de gramíneas, mar parado, Que os corixos, qual serpe desconforme De cristal, vão cruzando, lado a lado, O imenso pantanal se estira e dorme. Pasta, em manadas plácidas, o gado. Lá foge um cervo. E, de onde em onde, enorme, Como velho navio abandonado, Uma árvore braceja a copa informe. Não vibra um eco só de voz alguma: Ao longe, silencioso e desmedido, O bando das pernaltas lá se perde. Mas, de repente, em amplo vôo, a anhuma Enche do seu nostálgico gemido, A infinita soidão do plaino verde.

O título do poema se refere a uma zona geofísica compreendida entre os Estados de

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, na baixada do rio Paraguai. Segundo Marcos de Amorim

Coelho e Lygia Terra, o pantanal “...é uma formação complexa, uma faixa de transição,

48

composta de espécies das florestas, dos cerrados e dos campos. Localizado em uma extensa

planície inundável (...) é uma das mais diversificadas reservas naturais do planeta”

(2005:190). São algumas das particularidades desse espaço ecológico que o poeta Dom

Aquino transforma em versos.

Nilce Sant’Anna Martins em Introdução à Estilística, fala sobre a escolha de

vocábulos para compor textos literários.

...de pouca utilidade seriam duas ou mais palavras que executassem exatamente o mesmo papel, que exprimissem exatamente o mesmo sentido, a mesma nota expressiva (...) Dentre uma constelação de palavras que têm um mesmo valor referencial, temos a possibilidade de escolher a que, por uma peculiaridade determinada, mais se ajusta ao pensamento, ao contexto em que se deve inserir. (2000:104-5)

Nesse sentido, percebi que há uma seleção cuidadosa de termos que apropriadamente

se colocam sob a égide do título “Pantanal”, termo que está amplamente distribuído nos

versos por metáforas, algumas personificadas, cada qual com força expressiva, diferenciadas

entre si, pormenorizando a representação imagética desse espaço físico: verde mar de

gramíneas, mar parado, e o imenso pantanal se estira e dorme. O emprego da expressão mar

parado entre vírgulas, particulariza a metáfora, indicando que não há movimento, mas

estaticidade nesse “mar enraizado”. Na última estrofe, último verso, o eu-lírico retoma a idéia

contida a partir do título e, procurando não se afastar dela, cromatiza a expressão: ...plaino

verde.

Há alguns recortes desse cenário – uma árvore braceja a copa informe, o adjetivo

“informe” contendo a idéia da não uniformidade dos galhos e folhas da árvore.

No aspecto visual do poema há um alongamento de dois versos, embora continuem

decassílabos: Lá foge um cervo. E, de onde em onde , enorme, e Mas, de repente, em amplo

vôo, a anhuma. O primeiro verso oferece a idéia de extensão territorial daquele espaço

geográfico. Neste contexto, parece que o eu-lírico busca um fôlego maior para descrever uma

paisagem mais além, distante dos olhos. No verso seguinte caracteriza-se novamente o

aspecto de expansão, de enormidade, intensificado pelo vocábulo “amplo”.

A estilística do som, ou fonoestilística, ainda segundo Nilce Martins, fornece algumas

pistas para que se possa ilustrar valores expressivos, de natureza sonora dos vocábulos, que

contribuem não só para a cadência dos versos nas estrofes, como também para o entendimento

dos textos e que “constituem um complexo sonoro de extraordinária importância na função

emotiva e poética”. Complementando essa idéia, a estilista cita Bally:

49

Não há dúvida de que na matéria fônica se escondem possibilidades expressivas.(...) tudo que produza sensações musculares e acústicas (...) jogos de timbres vocálicos, melodia, repetição, assonância e aliterações, silêncios, etc. (Martins, 2000:26).

Há figuras de harmonia no poema, o que causa um efeito de musicalidade, como as

aliterações [l], [p], [v] (lado, pasta, plácidas, pernaltas, perde, vão, vibra), além dos

encontros consonantais (cristal, cruzando, plácidas, vibra).

De cristal vão cruzando, lado a lado (...)

Pasta, em manadas plácidas, o gado (...)Não vibra um eco só de voz alguma

(...) O bando de pernaltas lá se perde

as assonâncias, em [a]

Verde mar de gramíneas, mar parado, e adiante em [e]

Lá foge um cervo. E, de onde em onde, enorme,

assonância da nasal, uma construção que cria um eco, um alongamento

...de onde em onde ...

tratando-se de uma locução adverbial espacial. Nesse conjunto estão presentes também as

rimas consoantes ou perfeitas exemplificadas nos vocábulos gado/abandonado;

enorme/disforme; rica quanto a categoria gramatical, alguma/anhuma, paroxítonas, dispostas

alternadamente (ABAB) nas quadras e misturadas, CDE, nos tercetos.

Há prosopopéia nos versos. O “pantanal” ganha existência, assim como os elementos

que o compõem

O imenso pantanal estira e dorme e

Uma árvore braceja a copa informe.

no primeiro, o adjetivo imenso fornece a imagem de extensão desse pantanal que, pelo seu

tamanho ou pela distância em que é observado, parece estar deitado, em repouso, adormecido.

Os verbos estira e dorme, que compõem este verso reforçam a idéia da personificação, pois

somente dos seres animados se concebem tais ações. No segundo verso, o verbo braceja

invoca a significação de vida, de envolvimento e cuidado, aparentemente separando a árvore,

que “braceja” naquilo que faz parte dela própria, a “copa”.

50

Nas imagens de cada estrofe, os substantivos estão ligados entre si por sinonímia, o

que revela uma peculiaridade do estilo do autor, que usa esse recurso em vários momentos,

como um modo de exaltar de inúmeras formas a sua terra.

Na 1a estrofe, 1º verso, a metáfora mar de gramíneas é formada pela palavra mar –

água, com o elemento grama, verde, vegetal que prolifera em superfícies; nos 2º e 3º versos

corixos qual serpe desconforme de cristal – corixos são canais de água que escorrem das

lagoas para os rios próximos. Neste verso o poeta compara esses canais a serpentes,

imperceptíveis, que rastejam de um lugar para outro, reforçando essa idéia de deslocamento

com a locução verbal empregada vão cruzando. Nota-se que a vírgula, neste exemplo, é uma

pausa que antecede uma comparação do que são os corixos. No 4º verso temos, pela primeira

vez, o vocábulo que deu nome ao poema – pantanal. Aproximando os vocábulos temos a

trajetória geográfica das águas: do pantanal, comparado ao mar, mas “mar vegetal”, saem os

canais de água que se dirigem aos rios próximos. Esses canais, corixos, são comparados à

serpe, transparente como o cristal que, no trajeto, lembram a forma anatômica do réptil.

Na 2a estrofe, 1º verso, há referência a animais quadrúpedes, na indicação coletiva

manadas plácidas, manadas de gado. Observa-se a inversão que se constrói no verso Pasta,

em manadas plácidas, o gado. Os termos colocados entre vírgulas remetem à idéia de

tranqüilidade, de calmaria, que existe naquele espaço descrito. O verbo pasta, no indicativo,

indica uma espécie de ação despreocupada, além de cotidiana, naquelas paisagens que os

olhos ufanistas contemplam.

No 2º verso temos o substantivo cervo9. Este termo, enquanto substantivo, encontra-se

isolado neste verso, mas o poeta reforça a sua importância no texto e na região do Pantanal,

ligando-o a um outro termo, o verbo foge. Animal silvestre, hoje em fase de extinção, o cervo

se afasta velozmente quando pressente uma presença ou uma ameaça. Nesse caso, ao

contrário do coletivo empregado para o exemplo anterior, ocorre aqui uma indicação

individual: o cervo foge, ação que dá dinamismo à cena, em antítese com a estaticidade das

“manadas plácidas”.

Nos 3º e 4º versos temos os vocábulos navio, árvore e copa. Apresenta-se uma árvore,

numa planície descampada, abraçando a sua própria copa. Essa imagem é comparada a um

velho navio abandonado. Navio, neste poema, coloca-se no campo semântico de mar,

sinônimo conotativo de Pantanal. Em outro sentido, diferente do mencionado acima, essa

mesma imagem, distorcida, lembra uma árvore parasita que absorve nutrientes da outra para

9 Também conhecido como veado galheiro e que habita os banhados e regiões pantaneiras.

51

viver ou, pela inundação, que se agarra a outra, tentando salvar-se. Antes, no 2º verso,

observa-se uma locução adverbial de onde em onde, revelando que há outras árvores que

aparecem na paisagem, embora não sejam muitas e nem apareçam juntas.

Na 3a estrofe, o eu-lírico observa na paisagem o visual, o movimento e o som, em sua

presença ou ausência. Nos 1º e 3º versos as palavras eco e voz, colocam-se como manifestação

verbal, mas esse som é inexistente, porque o verbo vibra está precedido de um advérbio de

negação que lhe retira toda e qualquer propriedade de manifestação sonora. No verso inteiro

há uma informação de que Não vibra um eco só de voz alguma: (..). A inserção dos dois

pontos no final deste versos presta-se a encerrar o enunciado: reina silêncio naquele momento

no Pantanal, mesmo com o bando de pernaltas10 , que “lá se perde”. A palavra “bando” se

liga a “manada” da estrofe anterior, também numa relação de antítese, pois o coletivo

geralmente é barulhento, o que não ocorre com esses animais, conforme revela o adjetivo

“plácidas”. O verbo perde revela a fusão dos elementos naquele espaço.

Nos versos

Mas, de repente, em amplo vôo, a anhuma11 enche do seu nostálgico gemido,

uma ave faz-se anunciar, durante o seu percurso, pelo lamento melancólico que quebra a

monotonia da imensa planície esverdeada. O verbo enche, que aí aparece, tem uma conotação

de ressonância, porque é a ação do cantar de um pássaro, diminuto em termos de grandeza

frente à grandiosidade a que está exposto é seu gemido, que consegue ocupar os abstratos

espaços à sua volta, preenchendo a soidão, forma sincopada do vocábulo solidão, do plaino

verde. Plaino é uma forma epentética de “plano” (que se refere à planície). Segundo Massaud

Moisés (1997:334) “...se trata de um tópico da Fonética, (...) que, comprometendo o número

de sílabas dos verbos, colaboram para a criação do ritmo”. Consiste numa mudança de forma

por acréscimo, no meio do vocábulo. Complementa a palavra plaino o adjetivo verde e,

retomando o 1º verso da 1a estrofe, lá se encontra o mesmo adjetivo qualificando mar (de

gramíneas). Este plaino, plano ou planície verde de soidão (solidão) enfatizada pelo adjetivo

infinita, é a imensidão do Pantanal, onde cada coisa é por si só e se harmoniza num conjunto

que extasia a alma do homem e ele, não conseguindo interagir com essa beleza natural,

contempla-a na perspectiva do isolamento. Manoel de Barros, ao definir o pantanal diz que o

homem pantaneiro é a continuação do elemento água: “No pantanal ninguém passa régua.

10 Pernalta é uma espécie de ave que vive nos terrenos alagadiços, possuindo longas pernas para melhor se adequar ao solo na busca de alimentos 11 Trata-se de uma ave típica das regiões pantaneiras.

52

Sobremuito quando chove. A régua é existidura de limite. E o pantanal não tem limite”

(s.d:29).

A adjetivação enfatiza a visão de solidão em parado, plácidas, abandonado,

silencioso, nostálgico; além de expressar variedades como desconforme, informe, mar de

gramíneas (...) que os corixos qual serpes.... No 2º verso temos os corixos, simbolicamente

representados como uma extensa serpente, forma alterada, irregular, que

qualificam/quantificam pantanal.

O poema está dividido em quatro partes significativas.

Na 1a estrofe há uma descrição do pantanal e a apresentação de uma totalidade, como

numa tomada panorâmica que procura visualizar, no geral, os aspectos físicos da região em

que se situa a imensa área alagadiça, sem particularizá-las neste momento. Na 2a estrofe tem-

se a idéia de aproximação, de detalhamento do visual anterior, captando a existência de

animais e vegetais que completam/preenchem aquele espaço na natureza. Na 3a estrofe, apesar

de na estrofe anterior haver a referência à fauna e flora que compõem aquela região, o eu-

lírico chama a atenção para o aspecto da quietude, do silêncio reinante entre eles. A última

estrofe, após fornecer um quadro exuberante sobre o pantanal, detalhando suas

particularidades, rompe com toda a quietude que vinha sendo contemplada pelo leitor. Há

uma quebra na monotonia desse espaço físico natural: um gemido oriundo do cantar de uma

ave em pleno vôo sobre essa imensidão pantanosa. Gemido também do poeta, expresso nos

versos plangentes desse poema-pantanal.

II.1.2. LUFADA

LUFADA Plenilúnio de abril. Desmaia a lua,

Ao beijo rosicler das madrugadas E eis sai dos pantanais, onde flutua, O cardume de escamas nacaradas. Sai rio afora, e o rio todo estua No arrepio das rijas rabanadas. Rebrilha o sol: na luz intensa e crua, Palpitam as libélulas douradas. Freme a terra selvagem e opulenta, Numa orgia de vida, que rebenta Em festa, em riso, em músicas, em flores. E para o azul, como um gorjear bravio De pássaro feliz, sobe do rio A límpida canção dos pescadores.

53

O segundo poema tem como título “Lufada”, o fenômeno da piracema, no Rio Cuiabá,

expressão da língua tupi. Nas duas edições da obra Terra Natal, em que está inserido o

poema, nas primeira e terceira edições, no final do texto, há uma nota explicativa sobre a

palavra lufada:

Lufada, no Rio Cuiabá, é a piracema dos tupis, isto é, o estrepitoso tumultuar dos peixes ao saírem, rio acima, das baías e pantanais, quando estes vazam, o que vai coincidir com a linda estação da lua cheia de abril ou maio. Por esse tempo, costumam também aparecer sobre a cidade enxames de libélulas ou lavadeiras e, por esse fato, os cuiabanos apelidaram mães de peixe (1940:100)

A composição desse poema retrata o estilo tendente ao clássico de Dom Aquino.

Trata-se de um soneto que apresenta regularidade nos efeitos sonoros, versos decassílabos

com rimas perfeitas - lua/flutua; estua/crua; madrugadas/nacarada. Quanto à tonicidade

predominam as rimas com vocábulos femininos lua/flutua; rabanadas/douradas entre outras.

Na sua distribuição no soneto apresentam-se como cruzadas ou alternadas (ABAB) nos

quartetos e emparelhadas (CCD) nos tercetos.

É um poema que apresenta vivacidade, se comparado com a estaticidade do anterior,

como podemos observar pela seleção lexical – os substantivos concretos que se assemelham

entre si, plenilúnio, lua e madrugadas; rio, pantanais cardume e escama; sol e luz; canção,

música, orgia e festa; terra, vida, flores e pássaros e libélulas; os adjetivos límpida, rosicler,

nacaradas, douradas e azul dão colorido ao texto. Os demais adjetivos como rijas, cruas,

selvagem e bravio representam aspectos primitivos e ainda intactos da natureza. Os dois

últimos qualificativos – intensa e opulenta procuram engrandecer e fortificar o espetáculo que

perpetua a espécie dos peixes para a futura desova. Esse aspecto lexical demonstra relação

entre alguns elementos da natureza que revelam a emoção do eu-lírico ao descrevê-las diante

do belo quadro da piracema.

Predomina no poema a ação – os verbos sai e sobe se referem aos peixes que deixam

os pantanais, no longo trajeto até o ponto da desova, na cabeceira do(s) rio(s), o fenômeno da

piracema; estua, palpitar, freme e rebenta têm suas proximidades como vibrações, entusiasmo

e emoções provocados pela grandeza do espetáculo que é a lufada.

O leitor moderno, ao ler o poema, participa do euforismo que impregna o eu-lírico ao

narrar aquele espetáculo, mas não se assusta com a inserção de personagens – os pescadores –

livremente aproveitando esse período para sua atividade:

E para o azul, como um gorjear bravio

De pássaro feliz, sob do rio A límpida canção dos pescadores.

54

e que hoje é considerada crime contra a natureza porque pode levar as espécies à extinção,

conforme prescreve várias portarias de órgãos ligados à fiscalização e preservação do meio-

ambiente, prevendo penas que variam de multas a prisões pelo desrespeito à lei.

Alguns poemas de Terra Natal foram escritos antes da década de 20 do século

passado. Não é de se estranhar que, à época, não havia preocupação com a degradação da

natureza e poucos fizeram reflexões ou pelo menos evocaram a necessidade de preservar o

meio-ambiente. Naquele período, em nome do progresso e da integração do Estado à

Federação, corroborados pela falta de comunicação entre os habitantes locais e os grandes

centros, que caracterizava o isolamento, e a crescente taxa de analfabetismo, muitos abusos e

agressões à fauna e à flora foram desencadeados, sem a menor responsabilidade, tanto pela

inépcia e truculência política de muitos governantes, quanto pela índole da ganância e do

sonho em conquistar fortuna fácil.

Para a expressão desse “espetáculo”, há os efeitos sonoros do poema “Lufada”,

aliterações e assonâncias: na estância que introduz o poema destaca-se a aliteração das

consoantes [p] e [k] – plenilúnio, pantanais, rosicler, cardume, escamas e nacaradas. As

sensações auditivas na primeira, [p], surda, com ruído abafado, dá idéia de explosão, nos dois

substantivos que representam; a segunda [k], também surda, sugerindo com seus ruídos

demorados, sons que se identificam a rachaduras (divisões) na própria pronúncia.(Martins,

2000:34-5) A aliteração em [l], constritiva lateral, encontradas nos vocábulos plenilúnio,

flutua e libélulas, indicam o deslizar, o fluir, o rolar.(Monteiro, 1991:102) Para Monteiro, o

som [l] pode ser observado em dois grupos sensoriais: o cinético, que se identifica com a

teoria de Martins quando se refere a “deslizar” e “rolar”, porque indicam movimentos e a

sensação táctil de “leveza”. Os quatro vocábulos, então, pelas suas significações, podem ser

perfeitamente adequados às duas teorias e correspondem à significação no poema: Plenilúnio

– a lua cheia, o espetáculo proporcionado pela luminosidade integral do satélite da terra, com

idéia de fruição, de abundância de luminosidade, de mistérios; flutua (o cardume), libélulas

(que deslizam sobre a lâmina dágua) todos com sentido de leveza, de suavidade.

Destaco nos versos a assonância do [a] desmaia a lua, madrugadas, pantanais, flutua,

cardume, escamas, nacaradas, rabanadas, douradas Pode-se pensar em claridade, amplidão,

nitidez e colorido.

Há, na aliteração em [R], consoante vibrante dupla, nos vocábulos rio, rijas,

rabanadas, rebrilha, terra e rebenta, uma vibração, atrito, o efeito das rápidas agitações das

caudas dos peixes.

55

Outra aliteração significante é a do som em [f] freme, festa e flores que indica

velocidade, agitação (freme = vibrar, agitar) e festa, a comemoração; flores – beleza, sopro da

vida. Ao vocábulo flores se estenderia a idéia de sopro = vida. A assonância recorrente é [e]

em freme, festa, selvagem, opulenta, uniformidade sonora que contribui para o ritmo alegre do

verso.

A estrofe que encerra o poema tem como aliteração a consoante [p], surda, com idéia

de força, peso, ruído, com pássaro e pescadores. São dois substantivos com significados

opostos: um ser humano e uma ave. Nota-se que o eu-lírico apenas faz uma comparação entre

esses dois seres, com intuito de retirar do segundo uma característica que lhe é própria, a sua

linguagem, canto bravio, silvestre, para fazer uma comparação com a límpida canção

proferida pelos pescadores. A construção comparativa vai além, ao afirmar que o gorjear

bravio é de pássaro feliz, deixando a idéia de que o pescador também é feliz perante toda

aquela fartura de peixes à sua volta, que são presas fáceis nesta situação, porque andam em

cardumes e muitas vezes estão famintos e cansados pelo longo trajeto que percorrem.

A assonância que encerra o poema neste terceto é [u], da série posterior, em azul e

bravio que imitam sons profundos, cheios, caracterizado como idéia de fechamento. O termo

azul é uma metáfora referente à abóbada celeste, o infinito representado pela

semicircunferência, de horizonte a horizonte. Bravio é característica do canto do pássaro.

O poema se abre com um índice de tempo, relativo ao fato exposto no título. O poeta

enfoca um período do dia por meio da prosopopéia. A primeira, Desmaia a lua, construção

um tanto melancólica, pois indica uma perda dos sentidos, um sair de si. A lua, cheia de

beleza e mistério é responsável pelos ciclos vitais, das estações do ano, dos períodos de

fertilidade. Convida ao devaneio, simboliza uma situação de fenômeno, antecedendo o seu

estágio decrescente no mês e no ano, especificamente a piracema.

A outra prosopopéia, sinestésica, beijo rosicler das madrugadas, é o primeiro termo

como saudação ao novo dia que surge e se aparenta com cores avermelhadas/alaranjadas, a

aurora. Uma metonímia introduz os atores da cena: o “cardume de escamas”, em que o termo

“escamas” generaliza o vocábulo “peixes”. O substantivo coletivo que antecede escamas tem

o objetivo de quantificar o número desses cordados, razão principal do tema explorado em

todo o texto.

O poeta dá um colorido especial ao texto, empregando algumas tonalidades aos

elementos que compõem o poema: o céu – azul; a aurora – rosicler; as escamas dos peixes –

nacaradas e as libélulas douradas. Algumas das cores são semelhantes e dão aspecto de

uniformidade: rosicler, nacaradas e douradas.

56

Os atores todos, no palco natural, fazem “fremer a terra” em festa, em riso, em

músicas, em flores, uma gradação. A expressão sinonímica antecedente é orgia de vida que

rebenta e assim indica que há um termo maior – festa – a grande concentração de alegrias,

riso, músicas que intermediam o acontecimento. Há uma lógica na gradação, o primeiro termo

festa é “agitação”, “barulho” e “descontração” e o último, flores, é um movimento de

crescimento, de vida que brota.

Os últimos versos trazem uma outra comemoração – a dos pescadores. Há uma rima

externa – flores/pescadores, quem se traduz como uma aproximação entre o homem que

sobrevive da pesca e o encanto colorido advindo da flora, juntos, situados naquele trajeto do

rio, interpretado pelo eu poemático como uma imagem que se revelava como atividade

normal para aquele tempo.

II.1.3. LARANJEIRA CUIABANA LARANJEIRA CUIABANA

Eu amo, ó minha terra, a verde laranjeira

Que, mesmo ao dardejar dos teus estios crus, Ergue a fronde a sorrir, sempre viva e faceira, Onde o ouro do teu solo estreleja e reluz. Amo-a ainda mais, porém, se na estação fagueira, Ela, em flor, enche os céus de perfumes a flux, E os velhos pomos de ouro, aos frêmitos da leira, Reverdecem ao sol, num milagre da luz. Terra do berço! Terra evocativa e linda! Em ti o coração, como fruto dourado, Remoça-nos também de esperança e de amor, Ao céu azul da infância, onde ele sente ainda, Nos eflúvios sutis, que exalam do passado, O aroma virginal da sua vida em flor!. Em conformidade com o título os versos fazem uma louvação à laranjeira, árvore

frutífera bastante comum no Brasil. Pelo índice de repetição do conteúdo e sem muitas

novidades, aproximando os termos como “terra”, “berço”, “coração”, “frutos”, “esperança” e

“amor”, é o texto de menor valor estético dos poemas aqui relacionados.

As figuras criadas com substantivos como terra, laranjeira e ouro e verbos como amo,

estreleja, reverdece e remoça-nos, expõem o sentimento amoroso do eu-lírico pela sua terra.

A presença de orações subordinadas dá-nos idéia de dissertação, ou seja, ao mesmo tempo em

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que há poesia no texto, também pode-se acompanhar o raciocínio expositivo/explicativo do

tema relevante, detalhando-se a particularidade de sua localização.

A idéia geral do poema, a partir do título, vai surgindo em quase todos os versos. Na

primeira estrofe tem-se os versos

Eu amo, ó minha terra, a verde laranjeira (...) Onde o ouro do seu solo estreleja e reluz.

na segunda estrofe:

Amo-a ainda mais...

reafirmando o objeto contido na estrofe anterior; e continua com

Ela, em flor, enche os céus de perfumes a flux E os velhos pomos de ouro... Reverdecem...

Por meio de vocativos “ó minha terra”, “Terra do berço! Terra evocativa e linda!”,

enriquecidos pelos adjetivos “evocativa” e “linda” o eu-lírico dirige-se à Terra para louvar-

lhe a árvore e os seus frutos.

O poema é um soneto alexandrino irregular 12 (4-8-12). As rimas, quanto à sua

distribuição, são cruzadas (ABAB) nos dois quartetos e misturadas (CDE) nos dois tercetos:

quanto à semelhança de sons são perfeitas – laranjeira/faceira/fagueira e também imperfeitas

crus/reluz/flux; quanto à categoria gramatical são ricas – laranjeira/faceira e com relação à

tonicidade são femininas – laranjeira/leira e também aparecem rimas masculinas, como nas

oxítonas cruz/reluz.

Reforçando sobre o efeito sonoro da assonância, ensina Hênio Tavares (1981:217)

que são seqüência de vozes e sílabas semelhantes, mas não idênticas, que interferem no

sentido dos versos. Por exemplo, em

Eu amo, ó minha terra, a verde laranjeira ou

Onde o ouro do teu solo...

temos os sons vocálicos [ô] e [ó]. O [ó] interjeitivo, aberto e solene, indica a elevação de voz

para dirigir-se à terra numa relação de intimidade “eu-minha”. No segundo caso, a assonância

recorrente a partir da vogal [ô], grave, arredondado [õdi o ouro] traduzido como farto, cheio, e

o vocábulo ouro, metal precioso, é pronunciado com vigor, valorizando-se enquanto

significado. Após o [ô], novamente, encaminha-se para a idéia de abaixamento, em direção à

própria superfície – solo.

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Quanto à outra figura de harmonia, percebe-se aliteração em [f], [s] e [v]: na primeira

estrofe ...a verde laranjeira/Ergue a fronde a sorrir, sempre viva e faceira; na segunda estrofe

Ela, em flor, enche os céus de perfumes a flux e no último verso do poema aroma virginal da

sua vida em flor. A primeira seqüência [f], labiodental, em flor, perfumes e flux, encerra a

sensação auditiva de sopro, idéia que se coaduna com a de perfume, aroma, diluído no ar e

com o termo flux que tem sentido de abundância – a flor de laranjeira exala perfumes em

abundância. Já na segunda estância, a aliteração em [s], consoante alveolar, está presente nos

vocábulos sorrir, sempre e faceira. Auxiliada pela labiodental [f] dá idéia de vento, enquanto

sensações auditiva e também táctil, indicando suavidade. A aproximação desses vocábulos,

nos mesmo versos com os termos antecessores Ergue a fronde, expõe a idéia do eu-lírico de

que a laranjeira se levanta, movimenta a sua copa, aguardando o sopro, o fluir da vida nos

pomos que reverdecem. Finalmente, em [v], labiodental, nas palavras verde, viva, velhos,

virginal e vida, sinalizam o sopro, o fluir da vida, uma sensação cinética de movimento.

indica fuga, escapamento. Os três primeiros adjetivos se relacionam ao substantivo laranjeira

que, apesar dos verões – estios –, seus velhos frutos não sucumbiram frente à aspereza

provocada pela estação quente e seca. Continuou viva, aguardando as chuvas.

Por essa razão aparece a árvore personificada, como no 3º verso da primeira estância e

ligada a outros elementos que a configuram no texto em relação às estações do ano, estação

fagueira, numa alusão ao inverno e, adiante, Reverdecem ao sol, num milagre de luz

construindo uma bela imagem, onde a própria claridade provocada pelo astro provoca o

fenômeno da fotossíntese, modificando e vivificando o arbusto, refazendo a sua coloração

esverdeada, que é símbolo de vida.

A estância que encerra o poema procura estabelecer uma ligação com o passado. Três

adjetivos assumem características importantes e comprovam essa intenção do eu poemático:

azul, sutis e virginal: o primeiro refere-se ao firmamento Ao céu azul... A cor azul é associada

à pureza, à brandura, à limpidez, à inocência feliz, sem turbulências; sutis liga-se à infância,

aos tenros anos de felicidade; virginal se relaciona com eflúvios, sinônimo de perfumes,

“recordações” sentidas ao perceber o aroma das “flores dos laranjais”, uma sinestesia que traz

à memória aqueles doces e ingênuos tempos de criança, o céu azul da infância.

Os dois últimos vocábulos do poema, vida e flor, também estão relacionados com a

infância, porque há uma relação entre o existir sem preocupações com a efemeridade do

tempo, representados pelos sonhos de todos os homens quando crianças. A preposição em une

os dois termos e reforça a idéia de que a infância é a melhor fase da existência.

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II.1.4. CHUVA DOS CAJUS CHUVA DOS CAJUS

Agosto. Em cinza e pó e fumo envoltas As canículas chispam no ar ardente. Lá choram os sabiás, e tristemente Rangem rodomoinhando as folhas soltas. Mas eis que o vento, com ferais escoltas De raios e trovões, rompe, fremente! Rolam bulcões no espaço, e de repente, A chuva cai das amplidões revoltas. Estiou. No céu lavado, as auras finas Vibram todas em vozes cristalinas De crianças e de pássaros cantores. E a primavera, em festivais fanfarras, Solta, de árvores em árvores, as cigarras, Chamando ao sol e à vida as brancas flores. O quarto poema destacado na obra Terra Natal, de D.Francisco de Aquino Corrêa é

“Chuva dos Cajus”. A preposição contraída que une os substantivos – dos - nesse título,

sugere uma circunstância temporal específica. Trata-se de uma chuva, não uma qualquer, mas

aquela que fará florir os cajueiros.

O poema é um soneto decassílabo e suas rimas, quanto à distribuição, são interpoladas

(ABBA) nas quadras, e emparelhadas (CCD) nos tercetos. Pelo seu conteúdo, pode ser

visualizado em quadros climáticos.

No primeiro quadro, primeiro verso, tem-se o vocábulo Agosto, o fim do outono,

período místico, tido como um mês de fatalidades, com dias quentes, de tristeza e desolação

na natureza. As imagens vão sendo descritas com vocábulos sugestivos, por meio de

hipérbatos, termos invertidos nos versos em cinza, pó e fumo envoltas/ as canículas chispam

no ar ardente, referências a um procedimento comum na região, nessa época, a queima de

canaviais, de plantações de milho, entre outras lavouras, que ficaram inúteis após as

colheitas, e que muitas vezes atingem as matas próximas, mas isso não é dito no poema. As

queimadas também são feitas após os desmatamentos e ocorrem durante todo o ano. Na

linguagem comum de grandes e pequenos agricultores a queimada tem como significado, após

o desmatamento, a “limpeza da área” para o plantio.

Intensificam as imagens algumas sugestões sonoras, em [R] como nos verbos Rangem

e rodomoinhando, que correspondem à ação do vento sobre as folhas; em [ch] a sensação de

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uma certa irritação nos dois verbos chispam as canículas, isto é, os caniços ou hastes das

plantas ressequidas tornam-se material inflamável e propagador de chamas quando

incendiadas e, consequentemente, choram os sabiás que estão perdendo seus ninhos em meio

a essa devastação; assonâncias em [ô], sugerindo mistério e tristeza como nas palavras

Agosto e envoltas; em [i] com idéias de pequenez e estreitamento em cinza, canículas e

tristemente. Há uma figura de construção, polissíndeto, observado na repetição da conjunção

e no primeiro verso da primeira estrofe, que compõe o hipérbato já mencionado e uma figura

de pensamento, prosopopéia, no verso rangem (...) as folhas soltas, que parecem violentadas

pela força implacável dos ventos.

As rimas que aparecem nessa estrofe são perfeitas, envoltas/soltas, ardente/tristemente,

de mesma categoria gramatical, e contribuem para a criação dessa atmosfera de melancolia.

No segundo quadro, segunda estrofe, depara-se com vento, raios, trovões e bulcões. É

o bom presságio, pois prenuncia uma transformação do quadro descrito anteriormente, a

chuva, mas não é um anúncio que se faz com amenidades. A chuva vem acompanhada de

turbulências, provocando terror. Toda a estrofe descreve uma espécie de revolta e ameaça,

desencadeadas na atmosfera e dirigida à terra hostilizada pelo homem.

Há aliterações em [R], que lembram abalo, tremor, atrito nas palavras raios, rompe e

rolam, estes verbos, que denotam a ação, e aquele, a força da natureza que cumpre o ciclo das

águas; na locução adverbial de repente e o adjetivo revoltas; em [f] como em ferais e

fremente, adjetivos, a agitação, a intensidade do espetáculo sinistro e vibrante, as assonâncias

[u] em vento, bulcões – nevoeiros, e chuva, com idéias de fechamento, escuridão, um certo

medo. Quanto à tonicidade das palavras constata-se uma rima feminina entre fremente e

repente e a ocorrência de uma rima interna exemplificada nos termos trovões /bulcões

/amplidões uma construção (sinestésica) com ligeira referência aos ecos provocados pelo

conjunto desses fenômenos.

A penúltima estrofe apresenta-se como um abrandamento da situação que fora descrita

pelo eu-lírico como sufocante e triste, na introdução do poema. O aspecto climático daquele

espaço imaginário foi alterado. Abre o cenário o verbo intransitivo Estiou, seguido de ponto

final, forma de construção que, assim colocada, assume importância mítica - lembra a

passagem bíblica no livro do Gênesis – fim do dilúvio, em que Noé12, quando a chuva cessou,

solta uma ave que vai em busca de terra seca, retornando com um ramo de oliveira no bico.

As vozes cristalinas, sons que quebram o silêncio e propiciam a retomada do ritmo da vida,

12 Bíblia Sagrada. 1992:55

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emitida por crianças e pássaros, são esse ramo de oliveira – anúncio de um novo tempo. Há

aliterações em [v] vibram, verbo indicador de ação e vozes, idéia de sopro e energia, em [k]

com cristalina, crianças e cantores com sugestão de ruídos demorados e fortes. Há ocorrência

de assonâncias em [a] relacionada à claridade e alegria nas palavras lavado, auras e pássaros;

em [i] com sugestão de estridência e agudeza são exemplos os vocábulos finas e cristalinas e

as assonâncias nasais em crianças e cantores.

Há, ainda nessa terceira estrofe, uma metáfora, céu lavado, situação de aparência do

infinito azul, depois da primeira chuva, que culminou com o fechamento do ciclo do outono,

quando as águas das primeiras chuvas purificam a atmosfera, afastando delas as impurezas e o

aspecto poluído e sombrio, que estavam sob a forma de fumaça, provocada pelas queimadas

na terra. Os adjetivos que complementam essa estrofe, lavado e finas interpenetram-se porque

caracterizam, respectivamente, o céu após a chuva e a aragem, o vento brando que sopra, a

tranqüilidade após a intempérie.

A última estrofe é uma complementação da anterior, apresentando uma visão de

elementos de superfície, com palavras que se relacionam como conseqüência do quadro

anterior – primavera, festivais, fanfarras, árvores, cigarras, vida e flores. Como foi dito, o

outono – Agosto - foi agora substituído pela primavera que se instala, após o assombro de

raios e trovões, expressa nos festivais, nas fanfarras, nas ensurdecedoras manifestações das

cigarras, no sol, vida e flores. O sol, diferente do quadro inicial, é mais ameno e brilhante,

favorecendo a vida e revigorando as flores que há pouco surgiram. Há aliterações em [f] com

sugestão de sopro, de fluir da vida, em festivais, fanfarras e flores. Segundo Orlando Pires

(1985:97) a expressividade do estrato fônico de um texto quase sempre emana das iterações

fônicas que ele apresenta e que, com relação ao aspecto qualitativo, a expressividade das

consoantes bilabiais e labiodentais – [p],[b],[m]; [f],[v] sugerem idéias suaves, ternura,

coisas macias. A caracterização das “flores brancas” e das vozes cristalinas, dão ênfase à

claridade do dia, após a chuva, além de, no caso das flores, que encerra o poema, indicar os

ciclos. A flor precede o fruto.

O recurso da personificação, que inicia – Rangem (...)as folhas e encerra o poema – as

cigarras, chamando ao sol (...), imagens distintas – uma com relação ao vegetal e outra

voltada para um inseto, recebem o poder de determinar o contexto de duas situações

climáticas – o outono implacável e tristonho, e a chegada da festiva primavera.

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II.1.5. O SABIÁ O SABIÁ

Fins da seca. Em adusto e hirto pau do cerrado, Lá suspira um sabiá. Nos broncos arredores, Nem uma árvore em flor para o seu ninho amado, Pois se o céu não dá chuva, a terra não dá flores! E ei-lo a cantar, pedindo a chuva ao céu que, empoado, Parece alheio e surdo aos seus doces clamores: Na atmosfera pesada e grossa, lado a lado, Fuzilam, sempre mais, os sois abrasadores. Afla, de longe a longe, em mornas baforadas, O bochorno que varre as últimas queimadas: Depois....a calmaria, e nem folha se move! E o triste sabiá lá canta, canta, canta... Mas põe, na sua voz, tanta ternura, tanta, Que o céu, por fim, borbulha em lágrimas e chove! Este soneto alexandrino traz como personagem central o sabiá, ave existente em

Cuiabá em grande número e que foi presença marcante nas representações artísticas. Segundo

Helmut Sick (1986:630) “o canto do sabiá é exaltado em todas as regiões da terra, cada país

apontando, com orgulho, a espécie mais canora da sua área, alegando ser ela superior entre as

outras”.

De forma gradativa, o poema expõe a tristeza de um sabiá, o protagonista de um

problema atmosférico. A ave, desconsolada, procura um local para fazer o seu ninho. Num

segundo momento é retratado o seu desespero em busca de uma resposta – a chuva. Na

terceira parte a natureza parece que se “humanizou” e vai se preparando para satisfazer os

desejos do triste sabiá. Os últimos resquícios da destruição provocada pelas queimadas são

eliminados, sendo “varridas” pelo vento. Finalmente, o sabiá, como se tivesse uma

premonição e, num último esforço, coloca toda a sua emoção num canto apelativo e instintivo,

invocando às alturas para que caia a chuva. O “céu se comove” e atende-lhe a súplica.

O canto suplicante se constrói verso a verso, nas sibilantes [s] fins, seca, cerrado,

suspira, sabiá, céu, flores, doces, clamores; nas rimas cruzadas (ABAB) e emparelhadas

(CCD), consoantes e paroxítonas. Há uma suavidade nas nasais dos termos nem e ninho,

sendo o primeiro um vocábulo caracterizado como conjunção coordenativa de ação negativa,

pois o eu-lírico informa que não existe uma só árvore em flor para que a ave construa o ninho,

seu abrigo. Um detalhe importante a observar neste último vocábulo é que, conforme expõe a

obra de Helmut Sick (1986:630), “a construção dos ninhos é da responsabilidade dos sabiás

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fêmeas”. Portanto, o nosso personagem neste poema é feminino. A adjetivação erudita

qualifica o cenário estéril – adusto - queimados; hirto – ríspido; broncos - ásperos, agrestes,

que determinam a relação de causa e conseqüência, por meio do verbo conjugado e repetido

por duas vezes na última estrofe da 1a- estância e expõe ao eu-lírico uma condição, de forma

hipotética

...se o céu não dá chuva, a terra não dá flores!

Entre sinestesias, “(...).construções forjadas, que tiram do domínio das sensações o

efeito verbal (...)”, segundo Hênio Tavares (1981:368), surge o vento que exerce o trabalho

de varrer, limpar, os resquícios (cinzas) do que restou dos incêndios casuais ou propositais:

Afla(...)em mornas baforadas, o bochorno que varre as últimas queimadas,

três termos existentes neste terceto oferecem a idéia de sombrio que são baforadas, bochorno

e queimadas e estão semanticamente interligados, porque resultam de sensações captadas pelo

eu poemático que identifica, no espaço geográfico em que se situa, esses tipos de ocorrências

que são respostas da natureza frente a tanta degradação provocada pelo homem. Há as

prosopopéias que humaniza aves e astros, as primeiras dependentes, neste caso, das condições

atmosféricas.

E ei-lo a cantar, pedindo a chuva ao céu que, empoado, Parece alheio e surdo aos seus doces clamores: O sabiá emite o seu apelo derradeiro. A reiteração do verbo cantar, com a aliteração

dos sons [k] e [t] em triste, canta, tanta ternura, tanta, sons velados e prolongados,

provocam a metáfora final

...o céu(...)borbulha em lágrimas e chove!

Mais uma vez o eu-lírico retoma, num poema, a questão da seca, ou do fim do outono,

como o fez em Chuva dos Cajus, explanando os efeitos mais devastadores que provocam as

queimadas provocadas pela iniciativa dos homens.

Há um percurso lírico no poema, que inicia com os termos Fins da seca e é concluído

com um termo oposto O céu (...)borbulha em lágrimas e chove! Em todos os poemas, o poeta

sempre dá chance à natureza.

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II.1.6. CUIABÁ CUIABÁ

Lá no meio da selva verdejante

Num pedaço de terra solitária, Banhada pelo sol fulvo e cantante, Existe uma cidade legendária... É a bela Cuiabá, bicentenária Que tem o pedestal de ouro ofuscante, Onde chegou o bravo bandeirante Em busca da riqueza extraordinária. Oh! Cuiabá, das lendas brasileiras Foste o sonho de glória das bandeiras Eldorado de luz e de bonança. O teu futuro está profetizado: Foste a cidade de ouro no passado, És a Cidade Verde na Esperança. Esse poema é uma homenagem à capital do Estado de Mato Grosso, localizada no

centro da América do Sul, fundada em 1719 e foi escrito há oitenta e seis anos, quando

Cuiabá era uma cidade cercada de grandes florestas e isolada dos grandes centros do Brasil.

Uma das referências freqüentes, tanto literária como histórica, é o fato de, no início, quando

ainda era um povoado, o ouro era encontrado à flor do solo, após as chuvas, quando as

enxurradas lavavam a terra.

Na primeira estrofe do soneto, o poeta prepara o leitor para conhecer a cidade, tendo

como base referencial os substantivos selva, terra e cidade, descrevendo-a com grande

eloquência. O emprego de adjetivos que qualificam estes termos auxiliam na descrição desse

espaço chamando à atenção para a natureza verdejante e o interesse histórico expresso no

emprego do termo legendária. Da parte do eu-lírico notam-se os traços do seu ufanismo:

É a bela Cuiabá, bicentenária Que tem o pedestal de ouro ofuscante,

e alguma particularidade nesse apego à terra que pode ser o próprio telurismo:

Lá no meio da selva verdejante Num pedaço de terra solitária Banhada pelo sol fulvo e cantante, Existe uma cidade legendária.

Das figuras de harmonia, presentes nesta primeira estância, pode-se destacar a

presença da aliteração em [s] que denota os sons sibilantes e suaves em selva, solitária e sol e

em [r] e [R] que indicam vibração como nos vocábulos terra e legendária. A assonância em

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[a] traduz a amplidão e a claridade observadas nos vocábulos terra, solitária, banhada e

legendária; em [ã]exprimindo sons velados e prolongados como em banhada, verdejante e

cantante, sendo estas duas últimas exemplos de rima perfeita. Ainda quanto à qualidade das

rimas, os vocábulos legendária e solitária constróem rimas femininas e ricas. Há a

presença de uma gradação ascendente constituída com selva, terra e cidade assim

interpretada: selva, o revestimento natural da terra, o início; depois a chegada do colonizador

e a implantação dos garimpos e a criação de povoados (cidades) próximas das minas que

foram descobertas.

O idealismo é recorrente nos poemas de Dom Aquino, com versificação regular,

períodos construídos com excesso de adjetivos, intercalados, como nesse poema, que

apresenta o núcleo – a cidade de Cuiabá – no 3º verso, após uma apresentação laudatória.

Na estrofe seguinte há a descrição espacial: a cidade legendária, que antes fora terra

solitária, nascida na selva verdejante, É a bela Cuiabá. São duas as referências principais à

cidade que podem ser tomadas em metáforas cromáticas: o verde em princípio e, ao final, o

alaranjado/dourado, apresentado pelas imagens:

...sol fulvo e cantante, (...) ...pedestal de ouro ofuscante, (...)

Eldorado de luz e de bonança. Nesse último caso, é a referência à riqueza aurífera do solo cuiabano, extraída pelo

...bravo bandeirante

que buscava a ...riqueza extraordinária.

há aliterações em [b] que sugerem explosão e força, enquanto sentido auditivo, e volume

(peso) na sensação tática, predominante, como se observa nos adjetivos bela e bicentenária

que caracterizam o espaço Cuiabá, e bravo, juntamente com o verbo busca, enaltecendo o

bandeirante. Finalizando esta estrofe, as palavras ofuscante e bandeirante, bicentenária e

extraordinária são exemplos de rimas perfeitas.

A idéia que os versos expressam, em adjetivação generosa é a do heroísmo desses

personagens. Dom Aquino não revela nenhuma consciência política dos reais interesses

dessas bandeiras, cuja “missão política” era desbravar fronteiras, integrar o território

longínquo e procurar riquezas para a coroa portuguesa, conforme expõe Elizabeth Madureira

Siqueira (1990: 7-8)

66

...as bandeiras foram expedições organizadas com a finalidade primeira de caçar índios, objetivando vendê-los (...)como mão-de-obra escrava. (...)Foi na busca dos índios Coxiponé que a bandeira de Antônio Pires de Campos, em 1718, atingiu o rio Coxipó. (...)veio outra, comandada por Pascoal Moreira Cabral (1719) a qual, acidentalmente, encontrou ouro nas barrancas do citado rio.

O relato acima confirma a ação violenta praticada pelos bandeirantes, com fatos

obscuros que a História do Brasil procurou, às vezes camuflar ou narrar de forma mais

branda, com pinceladas heróicas e inquestionáveis. A verdade é que as riquezas estavam

dentro das terras dos nossos primitivos que, além de a perderem, também lhes fora arrancada

a liberdade.

O primeiro terceto do poema reforça o conteúdo da estrofe anterior. Cuiabá, enquanto

eldorado, ganhou notoriedade nacional. Os aventureiros, ávidos pelo enriquecimento através

do ouro e do diamante, enfrentaram uma série de adversidades nos garimpos, pois “as

precárias condições de vida junto às zonas mineradoras fizeram com que a fome e outras

formas de violência passassem a fazer parte do dia-a-dia da população” (Madureira,1990:10).

No poema, a assonância em [ó], som cheio, arredondado, que dá idéia de profundidade,

particularmente descrita na interjeição oh, uma elevação de voz, e nos substantivos glória

eldorado, são traços ufanistas para exaltar à terra essa idéia. Há uma recorrência de aliteração

em [l], que oferece a sugestão de fluência, deslizamento, como nos vocábulos lendas e luz,

subjetivamente ligados. O primeiro, lenda, segundo teoriza Irene Machado (1994:97)

“...apresenta uma relação direta com o momento histórico do povo que a cria (...)o modo de

pensar(...), num dado momento do seu desenvolvimento”

Verifica-se uma outra aliteração em [b], som mais forte, explosivo, encontrada nas

palavras bandeiras, brasileiras e bonança, palavras que constituem a unidade dessa

compreensão distanciada da realidade, mesmo revelando admiração e até um certo apego pela

terra natal, como se observa em todos os versos, sobretudo nos últimos. Nestes, trabalha de

maneira concomitante três aspectos temporais para encerrar a sua mensagem: primeiramente

sobre um provável futuro, uma profecia, declarada no 1º verso. O eu poemático, no 2º verso,

resgata, com euforia, uma suposta “glória” do passado.

Encerra o poema fazendo uma referência ao presente, afirmando que o verde da sua

vegetação é importante e, simbolicamente, esta cor representa a esperança que conforma e

anima o espírito. Esperança de uma vida melhor para o seu povo, para que o futuro se

cumpra, como anuncia o primeiro verso desta última estrofe

O teu futuro está profetizado.

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A locução adjetiva de ouro e o adjetivo verde são caracterizadores de duas situações ímpares

nesta estrofe. A locução enaltece a cidade, os seus espaços físicos, chamando a uma reflexão

para os sonhos e as realidades do passado, porque está antecedido de um verbo no pretérito. O

adjetivo verde só se relaciona com o abstrato, porque denota expectativa e fé em um povo. A

aliteração em [p] que indica força confirma os dois termos profetizado e passado. O primeiro

é resultado do segundo. A assonância em [a] é forma de abertura, entusiasmo e também se

aplicam à sílabas tônicas dos dois vocábulos exemplificativos da aliteração. A assonância em

[u] dá uma idéia de fechamento, redondez e as palavras futuro e ouro podem significar essas

concepções, pois fechamento é sinônimo também de realização, e redondez, anatomicamente,

se aproxima de círculo, o que pode remeter a uma interpretação de que o metal precioso foi o

principal responsável, naquele espaço restrito, fechado, pelo engrandecimento da região que

ficaram registrados nos anais historiográficos.

Foste a cidade de ouro no passado,

As marcas que ficaram no solo, em muitas regiões, são resultados dos garimpos que

rasgaram a terra. Ao mesmo tempo em que empregavam multidões que neles buscavam

trabalho, também deixaram as conseqüências do comprometimento do meio-ambiente.

Posteriormente, segundo vaticina o eu-lírico, Cuiabá se recompôs e volta a ter uma nova

roupagem, através do colorido produzido pela flora urbana, símbolo também da Esperança do

seu povo.

És a Cidade Verde na Esperança.

II.2. – UMBIGO TELÚRICO

Os seis poemas escolhidos de Marilza Ribeiro para esta análise estão assim

distribuídos: o primeiro inscrito em Textura Solar, e os demais III, IV, IX, XXXIV e XXXV,

títulos numéricos da obra Gosto de bocaiúva com picumã. A seleção desses textos obedeceu

aos critérios temático - poemas voltados à exaltação da terra e da natureza.

II.2.1.“CUIABÁ AMERICÁLIA

AMERICÁLIA ÔLHO-SOL UMBIGO TELÚRICO DO PLANETA AMÉRICA LATINA ARENA POVOADA DEMÔNIOS SONHOS E SOLDADOS ILUSÕES ESFAQUEADAS SIGNOS ALUCINADOS CUIABÁ-AMERICÁLIA PASSOS NAS RUAS DE SOMBRAS E DE PEDRAS PROCISSÕES, VELAS E ROSÁRIOS TOURADAS E CIRCOS ARMADOS SOBRE O FOGO DAS HORAS PUNHAIS CRAVADOS NA GARGANTA DAS TRAIÇÕES ESPANTO DO AMANHECER RIOS DE SANGUE RAÍZES DO ACONTECER ESPALHAM PELO VENTRE DA HISTÓRIA

69

TRAÇOS DAS NAÇÕES EXTERMINADAS INCAS MAIAS ASTECAS PAYAGUÁS KADIWÉS GUANÁS MBAIÁ-GUAICURUS TERENAS GUAHARIBOS PELO TERROR MECANTIL DAS ARMAS TERRAS E CACHAÇAS... CICLONE DOS GESTOS NERVOSOS PASSOS PETRIFICADOS CAMPO-DA-FÔRCA MORTE CANÇÃO DA MOÇÃO CLARIDADE NA BOCA DA MADRUGADA”.

Como é comum em muitos dos seus poemas, não apresenta título. É todo escrito em

letras maiúsculas, sem nenhuma pontuação, com exceção apenas da ocorrência de reticências

em três das suas estrofes. Na ausência do título, farei referência ao poema usando os dois

primeiros versos – “CUIABÁ AMERICÁLIA”.

Diferente da produção de Dom Aquino Corrêa, é um poema de fronteiras, porque

segundo conceitos dicionarizados o vocábulo se refere”...a extremidade de um país ou região

do lado onde confina com outro” (Ferreira, 1986: 657)e sendo assim extrapola os limites

circunscritos de localização não só do Estado de Mato Grosso, representado pela sua Capital –

Cuiabá, como também do próprio país, envolvendo num contexto maior que é a própria

América. Num primeiro momento pode-se pensar nos limites materiais dessa fronteira,

divisão territorial, pois a poeta vai se referir aos povos indígenas e, conforme José de Souza

Martins “...a história contemporânea da fronteira, no Brasil, é a história das lutas étnicas e

sociais” (1996:26) dessas povos que viveram nas Américas Central e do Sul, fazendo uma

alusão comparativa entre outras nações que vivem/viveram no Brasil. Todas tiveram o

mesmo destino: foram perseguidas, algumas dizimadas, pelo branco.

A outra noção de fronteira que se pode atribuir a este poema e aos demais que serão

analisados, refere-se à própria separação que há entre os homens, não só indígenas, dentro de

um espaço geográfico, mas na não aceitação do outro dentro dos seus domínios. Novamente

encontrei no autor anteriormente citado de que “não só os índios da fronteira foram

70

envolvidos na luta violenta pela terra (...), também os moradores antigos (...) foram

alcançados pela violência dos grandes proprietários de terra (...)pelas expulsões” (1996:26).

Pelas circunstâncias como ocorreram os fatos, esses incidentes podem ser parecidos com os

que aconteceram dentro da própria extensão regional de que trata Marilza Ribeiro, descrita

como:

UMBIGO TELÚRICO DO PLANETA AMÉRICA LATINA

ocorrem as diferenças não só sócio-culturais da população, mas a inexistência do direito e da

liberdade de ir e vir, pois nesta aglomeração humana convivem

DEMÔNIOS SONHOS E SOLDADOS

Composto de quatro estrofes sinuosamente expostas na folha de papel, apresenta fatos

vividos na cidade de Cuiabá que se repetiram, de um modo geral, também nas demais nações

da América Latina, como a feroz e quase aniquilação dos povos indígenas que viram suas

terras serem invadidas e devastadas pelo desbravador, em conseqüência da famigerada busca

do vil metal e das pedras preciosas.

O aspecto ótico do poema apresenta uma espécie de labirinto, uma vez que os versos

que compõem suas estrofes iniciam na margem esquerda do bloco ou estância, adentram e

retornam nesse mesmo bloco, numa espécie de ziguezague. Esta imagem representa a

instabilidade diante dos fatos que são narrados sucessivamente. Os primeiros versos de cada

uma das estrofes aparecem como motivadores dos demais na estância. No primeiro verso, a

denominação do espaço de referência CUIABÁ; no segundo AMERICÁLIA; no terceiro, nome

composto ÔLHO-SOL, sugere a centralização desse espaço indicado anteriormente. Assim

colocado, o entendimento é de que há uma necessidade de valorização do que é dito ou

exposto, por isso o ritmo rápido e a economia de vocábulos em cada verso.

O poema é colocado entre aspas. Este procedimento de colocação de aspas é uma

prática comum em textos referenciais, empregado por críticos e pesquisadores, para citar

idéias ou palavras de outrem, que garantam ou reforcem uma discussão. No caso específico

do poema de Marilza Ribeiro, composto na sua maioria por substantivos, referem-se em parte,

a uma possível retomada ou um entendimento, dos fatos históricos mencionados, substituindo

as longas exposições de motivos, tão comuns entre os historiadores, por uma espécie de

flashes ou tomadas cinematográficas de situações, empregando vocábulos que causam uma

espécie de surpresa ao leitor.

71

CUIABÁ (...) UMBIGO TELÚRICO DO PLANETA AMÉRICA LATINA (...) ESPALHAM PELO VENTRE DA HISTÓRIA (...) TRAÇOS DAS NAÇÕES EXTERMINADAS (...)PAYAGUÁS KADIWÉS (...) TERENAS

A região do Estado de Mato Grosso, de acordo com a sua localização no mapa da

América Latina, segundo Rand McNally (1982:46) está “localizada no coração da América

do Sul, (...) entrou para a história do Brasil com a penetração em seu território, a partir do

século XVII, de bandeirantes paulistas em busca de ouro...”. O eu-lírico apresenta Cuiabá

pelas metáforas ÔLHO-SOL e UMBIGO TELÚRICO, expressões compostas que indicam um

ponto de referência nuclear, revelando a significância que tem essa cidade para ele no espaço

físico de Mato Grosso. Por outro lado, o adjetivo TELÚRICO, segundo nos informa José

Fernandes (1992:171-2), apresenta certa relação com o regionalismo, porque neste

(...) praticado pela maioria dos ficcionistas e poetas, normalmente ligado ao determinismo naturalista, longe de promover a ascensão do homem ao universal, o circunscreve ao local, sem lhe proporcionar a abertura de novos horizontes existenciais (...). O regionalismo (...) mantém o ser em um plano horizontal, enquanto no telurismo ele tende para a verticalidade.

O substantivo UMBIGO, utilizado pela poeta, revela uma conotação expressiva, com

idéia de apego, de familiaridade, parentesco. A terra – CUIABÁ-AMERICÁLIA está colocada

como o ponto de convergência, o ÔLHO-SOL da América do Sul, dos paises latinos

geograficamente irmanados. Embora o UMBIGO seja a cicatriz de desligamento, o termo

também pode significar o centro das atenções desses sentimentos do homem que esteja

vinculado a esta extensão delimitada, ou a cicatriz que simboliza o rompimento e, partir dele a

liberdade e a esperança individuais.

A questão indígena no território, como as perseguições e os massacres de muitos

silvícolas, praticados pelos primeiros desbravadores bandeirantes, é outro enfoque destacado

por Marilza no poema. Elizabeth Madureira Siqueira (1990:137) informa que os índios,

embora não aceitassem essa condição, foram submetidos como mão-de-obra pelos primeiros

72

bandeirantes. Rebelaram-se contra essa “invasão branca” e obtiveram um resultado

desastroso:

Perderam a batalha, porém a guerra continua até hoje, demonstrando, claramente, a força da resistência indígena que em nosso país dura quase 500 anos (...)Os primeiros indígenas, que na atual região de Mato Grosso, demonstram-se resistentes, foram os PAIAGUÁ, GUAICURU E CAIAPÓ.

Os verdadeiros donos da terra, os primitivos que receberam nomeações como

PAIAGUÁ, KADIWÉS, GUAICURUS, TERENAS e outros do homem civilizado, são

lembrados nos versos como NAÇÕES EXTERMINADAS. O eu-lírico revolve o passado e faz

uma referência também sobre outras nações aborígenes da América Latina, INCAS (Peru),

MAIAS (México) e ASTECAS (México), em versos assindéticos, numa gradação, das nações

mais remotas até as que ainda sobrevivem entre nós, todas co-partícipes na AMERICÁLIA,

vocábulo composto por um substantivo “AMÉRICA” + “LIA”, formando um neologismo.

Pode-se pensar numa relação deste vocábulo com tropicália e, mais detidamente, encontrei o

termo “tropicalismo” aplicando-o ao contexto do poema que, nas palavras de Lídia Santos

“...o tropicalismo evidencia uma circulação de idéias, uma tentativa em diversas linguagens,

de responder ao impasse de um modelo cultural (...) que se erigia numa exaltação dos valores

nacionais que estavam presentes nas camadas populares” (1990:116). Portanto, o

entendimento é de que a poeta que viveu essa época turbulenta da ascensão da esquerda em

1964, quis, ao criar o termo “AMERICÁLIA” , referendar uma lembrança do que foram os

ideais daquele movimento liderado, principalmente na música por Caetano Veloso e Gilberto

Gil e, como complementa a autora adiante a “América Latina, à qual os brasileiros raramente

demonstraram consciência de pertencer, estava, portanto, na moda” (1996:117).

Na primeira estrofe há figuras de som como as aliterações e as assonâncias. As

primeiras, em [p] com sugestões de sons explosivos, fortes. Quando Marilza se refere à

AMERICÁLIA, junção ou à maneira das “Américas” ela quis dar dimensão universal à sua

idéia, pois aquela situação se repetirá outras vezes, em outros lugares, daí o vocábulo

PLANETA (AMÉRICA LATINA) com a forma forte da consoante inicial. Esse PLANETA

abriga seres humanos, povos indígenas, que repartiam o espaço com os brancos (DEMÔNIOS

E SOLDADOS). Nesse caso, embora seja colocada a conjunção [e], que indica paridade,

DEMÔNIOS é sinônimo de SOLDADOS pelo contexto do poema, aqueles que destróem os

sonhos, que impõem SIGNOS ALUCINADOS, ideologias massacrantes, apresentando

aliterações em [s], sons sibilantes que dão idéia de prolongamento, indicando que a situação

se mantém.

73

Esses personagens se colocam na ARENA POVOADA, referência a um espaço da

Antigüidade Romana, que pode ser comentado sob dois aspectos: um espaço onde se

apresentavam peças teatrais, com um palco, na maioria das vezes em forma de círculo e o

público participando como atores coadjuvantes. Em outro aspecto o termo ARENA também

está relacionado com o povo romano, desta vez como o palco das carnificinas ordenadas pelos

Césares contra os cristãos. As duas acepções sobre o termo encontram guarida nas intenções

do eu poemático. O espaço a que se refere como “América Latina” é palco das maiores

violências contra o homem, desde os séculos dos descobrimentos, através de atrocidades,

como a expulsão ou a própria extinção dos povos indígenas, seguidas, em tempos modernos,

de revoluções promovidas pela inépcia, corrupção e autoritarismo dos governantes. Os

espectadores, tão dominados como aqueles de outrora, com seus ritos espirituais –

PROCISSÕES, VELAS e ROSÁRIOS, e profanos – TOURADAS e CIRCOS ARMADOS, são

sacrificados moral e psicologicamente, circundando e povoando essa arena de descalabro e

injustiças.

Há assonância em [u], representando sons profundos, que sugerem idéias de

fechamento, redondeza e tristeza (2000:29-33) em UMBIGO, TELÚRICO, ILUSÕES e

ALUCINADOS. A metáfora ILUSÕES ESFAQUEADAS traz um duplo sentido, do plano do

invisível, dos pensamentos, dos sonhos – as “ilusões”, e do plano material, da violência física

que tolhe aqueles sonhos. O último termo é um adjetivo, ALUCINADOS, significando algo

“fora de si”, também “fantasioso”, que caracteriza o substantivo SIGNOS e compõe uma outra

metáfora – SIGNOS ALUCINADOS, uma auto-referência a todos os vocábulos do poema por

terem a força da expressividade e chamarem a atenção para as denúncias que o eu-lírico se

propõe a relatar.

De um modo geral, todas as estrofes apresentam metáforas político-históricas, que

remetem ao domínio do colonizador sobre o colonizado, que incluem também as já referidas

questões culturais-religiosas, em PROCISSÕES, VELAS e ROSÁRIOS; e atividades

tradicionais, que são a diversão do povo – TOURADAS e CIRCOS.

Nos versos abaixo se observa um certo surrealismo nas imagens descritas

SOBRE O FOGO DAS HORAS PUNHAIS CRAVADOS . NA GARGANTA DAS TRAIÇÕES (...) RIOS DE SANGUE

74

Há a materialização do substantivo abstrato, fazendo referência às formas de violência

– assassinatos por esfaqueamento, degolamentos, num eixo que traduz imagens anteriores –

de sensações auditivas, pela sugestão do substantivo PASSOS NAS RUAS, a dos sons nasais

indicando a extensão dos sofrimentos SOMBRA, PROCISSÕES, TRAIÇÕES, SANGUE e

LAMENTO; a repetição do som [t], como uma percussão, nos vocábulos TRAÇOS, TERENAS,

TERROR, MERCANTIL, TERRAS, que se apresentam relacionados entre si, oferecendo a

imagem de causalidade do extermínio dos TERENAS, e de muitas etnias, praticado pelo

homem branco durante a invasão dos seus territórios, com a “terra”, colocada em meio à

barganha:

ARMAS TERRAS CACHAÇAS...

denunciando o interesse, a ambição pelo enriquecimento, um contraponto com o terceiro

verso da segunda estrofe do poema CUIABÁ, de D.Aquino Corrêa, em que este enaltece a

figura do desbravador em ...o bravo bandeirante (cf. p 67). Complementam essa estrofe duas

locuções adverbiais: (ESPANTO) DO AMANHECER, como índice de temporalidade, que

significa tempo, acontecimento provisório, pois tudo flui e, a seguinte, de modo, (RAÍZES)

DO ACONTECER, significando a iminência dos fatos; o verbo ESPALHAM encontra-se

intermediando duas figuras de pensamento, a prosopopéia, em VENTRE DA HISTÓRIA e a

hipérbole RIOS DE SANGUE.

A seleção vocabular desse poema revela um movimento intenso, violador de uma

ordem estabelecida. Nesse sentido, cria-se um paradoxo na última estrofe - os signos se

organizam nas estrofes sob o eixo da “sombra”:

DEMÔNIOS, (...) PUNHAIS CRAVADOS, (...) RIOS DE SANGUE,

indicada pela sinédoque “PASSOS”,

PASSOS NAS RUAS DE SOMBRAS DE PEDRAS

das forças ameaçadoras, e PASSOS de pedras, indiferentes, duros, decisivos.

75

Nesse momento o poema apresenta uma outra situação, em antítese, alegre, com

palavras como CANÇÃO, CLARIDADE e BOCA compostas por sons abertos, uma oposição à

idéia anterior.

O poema se apresenta com uma gradação e um assíndeto, pois cada verso não está

ligado ao outro por conjunção, mas no conjunto eles se relacionam e formam o todo, ou seja,

diante da morte têm-se os

GESTOS NERVOSOS, PASSOS PETRIFICADOS, CAMPO DA FÔRCA,

(...) CANÇÃO DA MOÇÃO...

O adjetivo NERVOSOS compõe o primeiro verso nesta última estância, qualificando o

substantivo GESTOS e demonstrando a indignação do eu-lírico que, ao empregá-lo, quis

reviver a idéia de violência, aliada à rapidez com que eram resolvidas as pendências.

Trata-se de um poema complexo, com tema de denúncia social, uma das preferências

temáticas da poeta. Seu amor ou o seu apego pela terra, exaltação da terra, ora está explícito,

como em parte das duas primeiras estrofes

CUIABÁ AMERICÁLIA ÔLHO-SOL UMBIGO TELÚRICO DO PLANETA AMÉRICA

LATINA ou CUIABÁ-AMERICÁLIA (...) PROCISÕES, VELAS E ROSÁRIOS TOURADAS E CIRCOS ARMADOS

Ora implícito e mesclado às denúncias que parecem ser expelidas do interior da poeta, como

num grande desabafo pelo sofrimento e tristeza de sua gente.

ARENA POVOADA

DEMÔNIOS SONHOS E SOLDADOS ILUSÕES ESFAQUEADAS SIGNOS ALUCINADOS (...) RIOS DE SANGUE

76

(...) TRAÇOS DAS NAÇÕES EXTERMINADAS (...) CAMPO DA FÔRCA MORTE II.2.2. – POEMAS DA OBRA GOSTO DE BOCAIÚVA COM PICUMÃ13 III

Bem na beira das cidades é que inicia o desterro do cerrado, banido da sua calma.

São farrapos. são mesmo farrapos a roupagem da antiga fala Cuiabana, de tão estragada pelo esquecimento ou Pelo receio de ser ela mesma.

Não ingruvinha a manga da brusa pra ficá bem foló’! – foi falando a dona Zita de Nhô Cambito. Ela vai mo- delando o vestido e o sotaque no costurar das coisas e da palavra dizente. Ninguém como ela consegue apanhar os traços e os sons no mesmo ritmo da explicação. Vai passando caminhão rumo ao bem fundo do horizonte, onde as fábricas vomitam o negrume da afobação dos ho- mens esses que nunca mais puderam chorar diante de uma cachoeira ou tocar nas pétalas da orquídea presa nos cabelos dos cipós. O cerrado manda seu brando recado e meio ao canto das serie- mas. Elas ficam lá do outro lado da cor da planí- cie. As mãos do menino vão recolhendo os pedaços do ovinho do pás- saro, todo pintado da bondade da vida. As rodas dos carros espantam as borboletas que rodopiam deses- peradas em busca da vastidão vegetal sob as rama- gens quietas daqueles arbustos e arvoredos tão sinceros de tudo e agora tão ameaçados pela ci- dade. Quem vai ficando antigo é que vai vendo o quanto vai se acaban- do sossego da mata viçosa e bem cheia de misté- rios. Os poemas que seguem, retirados da coletânea Gosto de Bocaiúva com Picumã,

possuem uma configuração diferente. Compostos em quase prosa, podem ser divididos em

partes. Cada parte é um todo em si mesmo, com temática própria, que, às vezes, é retomada

em outras. A divisão das partes, em estrofes, pode ser feita observando-se a maior extensão de

alguns versos em relação aos demais. Conforme é esclarecido na biografia de Marilza Ribeiro,

13 Como foi dito, os títulos dos poemas dessa coletânea são intitulados por algarismos romanos.

77

A reflexão sobre os acontecimentos históricos, a superação de muitos problemas vividos em São Paulo, o distanciamento da terra natal, ativaram, no retorno, uma vinculação mais profunda com a terra. Nesse período a poetisa dá uma cor local à composição dos poemas gosto de bocaiúva com picumã, obra que não possui páginas numeradas, sendo a numeração dos títulos dos poemas dados em algarismos romanos, e onde cada poema não possui um núcleo temático comum, mas vários núcleos desenvolvidos cada qual em uma estrofe...(Reis, 2001:201)

Há, em todos eles uma antítese espaço-temporal – um saudosismo da integridade da

natureza do passado, da infância do eu-lírico, das pessoas das relações dele, com os costumes,

crenças, momentos em que revela muito lirismo, em detrimento da modernidade destruidora.

Diferente do anterior, em relação ao aspecto formal, pode-se considerar que há uma divisão

de estrofes pelo modo como os primeiros versos (ou linhas) de cada uma das estrofes

diferenciam-se das demais, iniciando-se com um afastamento à esquerda e, dessa forma,

demarcando cada uma das estâncias.

Composto por oito estrofes, num total de vinte e nove versos dispostos

horizontalmente, cada uma dessas estrofes não segue rigorosamente um número específico de

versos. Pode-se perceber estrofes com dois versos, três, seis, etc. A primeira estrofe anuncia o

tema do poema.

Na estrofe introdutória há aliterações em [b] beira e banido, idéia de tristeza,

sinônimos de “expulsão” e, neste caso, do cerrado que está circunvizinhando uma cidade que

pode desaparecer para ceder-lhe o espaço; em [s], sibilos, com cidades e cerrado, a primeira

representa um sério risco a qualquer meio-ambiente.

Identifica-se uma estrutura de recorrência lingüística intensificada pela palavra mesmo,

colocada no verso como sinal de reforço:

São farrapos...são mesmo farrapos... que se presta a realçar o “estado” em que se encontra o linguajar cuiabano, culturalmente

desprestigiado em função do status da língua do colonizador.

Na terceira estrofe há aliterações em [f], em ficá, foló e foi falando. O segundo termo

ficá, forma popular do verbo ficar, e foló que se traduz por “fofa”, “elegante” é adjetivo

caracterizador de brusa, é um rotacismo (troca do [r] pelo[L] para o termo blusa; em [k] com

sensação auditiva de ruídos demorados costurar, consegue e coisas é o entendimento que tem

o eu-lírico sobre a própria fala e ação de dona Zita, personagem identificada no poema que

aparece dialogando, exemplificada em dizente, segundo Salvatore D’Onófrio os “autores

brasileiros, partindo de um lastro de falas regionais, (...) alteram as palavras conferindo-lhes

78

um sabor de novidade” (1995:21-2). Neste trecho do poema há um lirismo construído a partir

dos termos que são próprios da linguagem cuiabana. Manoel Mourivaldo Santiago Almeida

ilustra sobre o assunto, descrevendo o quadro das consoantes que ouve na oralidade cuiabana

Numa mesma família observamos que os filhos de até doze anos utilizam a mesma variedade lingüística de seus país, só recorrem a variedade lingüística dos seus pares em situação bem familiar (...)Observamos também que as mulheres - até mesmo por permanecerem mais em casa do que os homens, que saem para a labuta além das fronteiras do falar local – deixam mais transparentes os traços que caracterizam o falar cuiabano. (2004: 1-2)

a autora consegue captar também na antiga língua cuiabana, hoje restrita a pequenos grupos

compostos de pessoas idosas, que nem sempre se expressam na presença de estranhos e que

procuram manter como meios de comunicação familiar, portanto privativa, traços que deixam

transparecer uma certa melodia, uma fala quase cantada, muito semelhante ao que expõe a

personagem dona Zita:

Não ingruvinha a manga da brusa prá ficá bem foló... O termo ingruvinha retoma o aspecto da fala popular que significa “amassar”, “deformar” ou

“amarrotar”.

Também os sons nasalizados como no advérbio não, atitude proibitiva, ditada pela

mulher que costura e o pronome ninguém, particularizando a personagem como única a

praticar duas coisas ao mesmo tempo:

..apanhar os traços e os sons no mesmo ritmo da explicação.

A quarta estância apresenta três vocábulos relacionados à natureza: cachoeira,

orquídea e cipó e uma locução verbal vai passando, além das figuras de construção

prosopopéia e metáfora. No verso

as fábricas vomitam o negrume da afobação dos ho- mens.

a prosopopéia “as fábricas vomitam” aponta uma atitude repelente, mas coerente com a

estância e o verso, revelando o estado deplorável em que se encontra o homem escravizado

nos centros de produção industrial. A metáfora “o negrume da afobação dos homens”,

representada pela fumaça que expele das chaminés, coloca-se como poluente do ar e dos

79

valores humanos, isto é, a agitação do dia-a-dia do indivíduo preso aos ditames impostos

pelos patrões.

A essa dissolução do homem, contrapõe-se uma imagem natural:

....cabelos dos cipós. que está se referindo a uma particularidade da natureza, as pétalas das orquídeas presas nos

cabelos dos cipós, que não são mais observadas pelo homem, em permanente estado de

confinamento e estresse, como revelam as assonâncias em [u] com sugestão de tristeza e

amargura com fundo, negrume, nunca, sem tempo para admirá-la, o que poderia ser um fator

de reconstrução de si mesmo, a pausa necessária ao crescimento interior.

A partir deste poema o eu poemático inicia uma prática que vai se estender aos outros

textos que serão analisados: a inserção do vocábulo “caminhões” e, em algumas

oportunidades, narrando/descrevendo atitudes dos motoristas dessas “máquinas”.

A quinta estância é dedicada a natureza, pois os seus principais vocábulos indicam

essa condição. Observa-se duas rimas internas em cerrado/recado e brando/canto. As

assonâncias em [ã] sugerem alongamento no verbo manda e no adjetivo brando, que

qualifica o recado enviado:

O cerrado manda seu brando recado em meio ao canto das serie-

mas. A “brandura” do recado é uma ironia da autora, pois a seriema é ave característica da

região Centro-Oeste, principalmente no Estado de Mato Grosso, com o seu habitat natural nos

cerrados, tem um canto semelhante a uma gargalhada humana, de alta sonoridade, provocado

pela estridência.

Na sexta estrofe, composta com apenas dois versos, o eu-lírico manifesta-se pela

natureza de uma forma mais comovida, quando narra a ação de um menino, na curiosidade da

infância, que junta as cascas de um ovo de passarinho, talvez destruído por um “animal

racional e civilizado”. Na aliteração em [v], identificada inicialmente na locução verbal vão

recolhendo, fornecem idéia de liberdade, porque são as mãos do menino, representação da

pureza, que reúne o ovinho (despedaçado), outrora uma célula fecundada, que era símbolo da

vida.

As mãos do menino vão recolhendo os pedaços do ovinho

A penúltima estrofe do poema apresenta uma rima interna formada pelos termos

vastidão/ tão. As aliterações em [R] sugerem sons vibrantes para carros, rodas e rodopiam, os

80

dois primeiros termos são ícones da modernidade, que quebram a monotonia da natureza e

flagelam insetos e animais incautos e expostos à violência provocada pela velocidade; em [b

em borboletas, vítimas dos veículos, e busca e em [v] com idéias de sopro e liberdade no

enunciado vastidão vegetal, refúgio dos lepidópteros.

Os dois adjetivos desesperadas e quietas constituem um paradoxo entre um inseto e

um vegetal e seus comportamentos de liberdade para o primeiro e de estático para o segundo,

frente ao progresso trazido pelas cidades.

Na última estância o eu-lírico apresenta uma espécie de reminiscência e de saudade da

natureza misteriosa, uma vez que alertou, na primeira estrofe, para a possibilidade da sua

extinção. Composta de três versos, sendo que o último, motivado pela separação de sílabas, na

passagem do segundo para o terceiro versos, propositadamente, o eu-lírico, isolando-o, criou

novo vocábulo rios. Considerando dessa forma, como construção proposital, dois são os

termos nesta estrofe que se referem a natureza – mata e rios. A rima interna construída com

os vocábulos ficando/acabando reforçam a idéia da necessidade de preservar ambos.

As locuções verbais vai ficando, vai vendo e vai se acabando se referem ao homem e à

sua progressiva perda de liberdade, o seu prazer e a acolhedora paz que só se encontra na

natureza. Os adjetivos antigo e viçosa qualificam o homem e a mata, respectivamente,

fazendo um confronto entre o racional e o selvagem, numa difícil batalha de sobrevivência de

ambos.

É possível estabelecer dois tipos de linguagem no texto: as primeiras quatro estâncias

denotam o regionalismo: beira, farrapos, Cuiabana, estragada, ingruvinha, foló, brusa, dona

Zita de Nhô Cambito, dizente, negrume, etc, e as quatro últimas a fala culta brando, planície,

bondade, rodopiam, vastidão vegetal, arbustos, arvoredos, viçosa etc.

É um poema nostálgico, embora apresente traços críticos e de denúncias sobre as

transformações que ocorrem com a devastação do cerrado. Realça a verdadeira necessidade

de resguardar e proteger o maior patrimônio da humanidade que é a natureza. Há uma

exaltação dessa natureza, o canto de suas belezas e prodígios, acentuando sempre de forma

rápida, os seus valores positivos de “bondade”, “quietude” e “sossego”. A poeta consegue

estabelecer o confronto com os dois lados dessa questão: o lirismo e a tragédia que se

avizinha.

81

II.2.3. IV

Sempre é a fumaça do escapamento mais seu ronco afoito, que espa- lham pelo espaço verde o eco da invasão desme- dida desses homens estranhos que vão pisando duro pelo acampamento da natureza. Assim me aconselhava seu Teodorico: “Convém, bem na hora d a tar- dezinha, enlear a palavra em cuidados e deixar que o calango verde se vá como um fugitivo va- dio e, assim de vez, se livrar do intrometido” Mesmo assim não faltou a dose do licor de jeni- papo pra espantar meus receios. Mulher que fui sendo, aprendi a teimar com meus assobios já tão Desconjurados pelos tementes às leis dos pré- conceitos. O som tão displicente a sair de mim mesma, desanuviava qualquer propósito e me con- duzia à distração, pelo pensar em nada. Mal chega dezembro e os mangueirais tornam-se floridos com o um santuário vegetal que, no quintais, ficam aco- lhendo meus deuses mágicos para a dança da Lua-Mãe. Desde quando o vento como um capeta desmanchou o vestido de nu- vens da Lua-Mãe, ela se fez desnuda e acabou despencando risadas na noite junina, quando o povo mistura festa com namoro.

O poema em destaque recebe como título apenas o número quatro – IV – e está

composto por cinco estrofes, três delas de quatro versos cada uma e as outras duas com seis e

com cinco, totalizando vinte e três versos.

Observa-se, na segunda estância, quatro versos que se destacam entre aspas, indicando

um diálogo de um personagem, seu Teodorico, com o eu-lírico.

Na primeira estrofe a poeta faz denúncias quanto à prática abusiva de invasão e

destruição do meio-ambiente. Inicialmente refere-se à desobediência à lei pela invasão

praticada, construindo uma prosopopéia,

Sempre é a fumaça do escapamento mais seu ronco afoito... referindo-se aos veículos que vão atravessando a natureza, o desmate com as motosserras,

máquinas rápidas e poderosas, instrumentos que abatem centenas de árvores em poucas horas.

Usando uma sinestesia, a poeta atribui a uma imagem sonora, o eco, vibrações de som,

a materialidade, a realidade do depredamento, o

(...) o eco da invasão desme- medida... informação intensificada pelos verbos espalham e pisando: o primeiro é sonoro e olfativo,

...fumaça do escapamento mais seu ronco afoito,

82

referindo-se à ação de homens e suas máquinas provocando desmatamentos, e pisando é

atitude também dos homens, caracterizados por estranhos, sem identidade, que agora

avançam pelas matas, violando o meio-ambiente, após as derrubadas, demarcando suas áreas

de terras. O adjetivo duro caracteriza com que intensidade ocorre essa violação.

Tudo isso ocorre lá, onde a natureza acampa, na referência (...) acampamento da natureza

metáfora, que faz toda extensão nos arredores das cidades, onde houve a destruição dos

recursos naturais que outrora existiam. O que restou da natureza é observado pelo eu-lírico

com tristeza e sofrimento. Com o avanço territorial das metrópoles, a natureza se transformou

num simples acampamento, palavra que pode ser poeticamente compreendida como o berço,

o local, onde a natureza se estende mas, por outro lado, lembra o que atende ao provisório, ao

paliativo, a cidade, o que de certa forma tem idéia de diminuição do que antes era uma

grandeza exuberante. Há a ocorrência de uma rima interna nesta primeira estrofe, composta

pelos vocábulos escapamento/acampamento que, se não fosse a interpretação do primeiro,

como elemento que polui a atmosfera, poder-se-ia atribuir-lhe significação de fuga da cidade

para natureza. Mas não é esta a mensagem do eu poemático.

A segunda estância, que apresenta comentários anteriores, uma outra época, Assim me aconselhava... iniciada pelo pretérito imperfeito, caracteriza um diálogo entre o eu-lírico e um personagem

identificado como seu Teodorico, conforme se observa na abertura de aspas, marcas do

discurso indireto:

...“Convém, bem na hora da tar-

dezinha, enlear a palavra em cuidados e deixar que o calango verde se vá como um fugitivo va- dio e, assim de vez, se livrar do intrometido.” O verbo convém, na abertura da estrofe, admite uma conveniência entre os sujeitos que

dialogam, representado também por um verbo, enlear, que forma uma rima interna com outro

verbo – deixar,

(...)enlear a palavra em cuidados e deixar... insinuando que esse diálogo deve se fazer no sussurro. Há uma circunstância de tempo com a

locução adverbial temporal de tardezinha, apresentando um acentuado lirismo neste ponto do

poema: a hora em que as pessoas, tendo concluído a labuta do dia, sentavam-se para

83

descansar. A estrofe, nesse caso, contém uma elipse, figura de tempo – houve a exclusão do

fato de que o eu lírico se assustou com um calango verde e, para acalmá-la, o seu Teodorico

faz duas coisas – afirma que é só abaixar o tom da voz que o réptil se vai e, com um certo

gosto, em versos separados,

(...)pra espantar meus receios.

uma

(...)dose de licor de jeni-

papo.... espécie de confraternização.

O emprego dos adjetivos, em comparação, “como um” intrometido, fugitivo e vadio,

(...) e deixar que o calango verde se vá como um fugitivo va- dio e, assim de vez, se livrar do intrometido”... compondo rimas internas assonânticas, se voltam para uma denúncia. Diante do medo, o

conselho da autoridade ali, “seu Teodorico”, foi, não o de matar, acabar, mas deixar o

calango partir, um respeito àquilo que estava no convívio.

A idéia de aconselhamento se mantém na figura de construção, hipérbato, que abre a terceira estrofe,

Mulher que fui sendo... em que a poeta expõe sua particularidade de ser, uma metalinguagem que prenuncia o seu

estilo – de rebelação, de denúncia: o dia-a-dia em que foi se transformando numa mulher que

afirma os seus princípios, a sua vontade

(...)aprendi a teimar...

o verbo teimar refere-se à atitude do eu-lírico que expõe um comportamento avesso aos

preceitos pudicos

(...)aprendi a teimar com meus assobios...

contrários à moral, vigente, nesse simples ato – o de uma mulher que assobiava. Como fica

claro, essa mulher irá quebrar o estabelecido, irá transpor as convenções. O substantivo

tementes relaciona-se àqueles que condenavam sua atitude.

84

(...).já tão

desconjurados pelos tementes às leis dos pré- conceitos.

Mas o assobio tinha uma função (...)desanuviava qualquer propósito.... metáfora do relaxamento mental. O assobio, sonoramente sugerido pelos sons sibilantes,

prolongados e suaves nos substantivos assobios e sons e nos verbos sair e sendo, este como

parte da locução verbal fui sendo,

(...)me con -

duzia à distração, pelo pensar em nada.

e o pronome indefinido nada, uma espécie de abstração do pensamento.

Duas rimas internas tementes/displicente, em que o primeiro está relacionado às

pessoas com comportamento tradicional e que criticam a atitude da mulher, o segundo está se

referindo ao som produzido pelo assobio e as outras duas rimas compostas pelos verbos

teimar/pensar enquanto ação do eu-lírico. O emprego do advérbio tão, de intensidade, em

duas passagens no texto – tão desconjurado (assobios) e tão displicente (expelido pela

poeta) diferenciam bem as duas situações em que se encontrava aquela mulher (eu-lírico)

enfrentando as leis dos preconceitos.

Na penúltima estrofe há o substantivo coletivo mangueirais, as várias árvores

frutíferas que, juntas, são sacralizadas - santuário vegetal, nos quintais e, o espaço ao redor

das casas, não determinado pelo eu-lírico, pode ser o seu ou um quintal universal – o espaço

das crianças, do brinquedo, da liberdade, da gula.

Neste santuário vegetal ocorre a florescência das árvores, em determinada época do

ano, precisamente em dezembro, cenário de beleza e encantamento, propício para a acolhida

dos deuses mágicos para a dança da Lua-Mãe. O eu-lírico está rememorando fatos da

infância em que brincava sob as mangueiras e criava os seus amigos imaginários:

(...)meus deuses mágicos... Uma rima interna construída com os vocábulos mangueirais e quintais reforça o espaço e o

seu conteúdo

Na última estrofe do poema, sugerindo amplitude, alegria, rebelação, o que é contrário

à vontade dos “tementes”, o eu-lírico evoca uma ”força do mal”, o capeta, em situação

bastante promissora e sensual, trazido em comparação com o vento

85

Desde quando o vento como um capeta desmanchou o vestido..

sinônimo de “traquinas”, o que promove desordens e “inferniza” ambientes, mas que nesse

caso, não foi ruim. O eu-lírico utilizou esta palavra para explicar o modo com que o vento

havia dissipado as nuvens, “roupagem” da Lua-Mãe. A palavra risadas está plenamente

relacionada com a alegria desse desanuviamento na prosopopéia

(...) despencando risadas...

Os adjetivos juninos referem-se aos festejos folclóricos e espirituais, de comemoração

aos santos de devoção católica, Santo Antonio, São João e São Pedro. O verbo desmanchou

antecede a locução adjetiva de nuvens, referindo-se ao vestido da Lua-Mãe que deixou de

existir, índice de passagem do tempo, revelando uma prática do povo, que “confunde”

propositadamente,

(...)festa com namoro.

vestígio de erotismo, que complementa a personificação

(...)ela se fez desnuda ...

na ação praticada pela entidade Lua-Mãe, novamente traços de sensualismo do texto, onde

tudo se transformou em festa, divertimento do povo.

O substantivo vento é o coadjuvante da história, o promotor da condição favorável à

realização da festa.

Uma rima interna assonântica desnuda/mistura envolve duas situações: primeiro é a

Lua-Mãe que se desnuda ou foi desnudada pelo vento, elemento masculino, uma vez que as

nuvens eram como um véu que ocultava todo o pudor daquele astro/entidade feminina. A Lua

tornou-se, após o “ímpeto lascivo” do vento, mais radiante, esplendorosa

...despencando risadas....

nos festejos juninos, onde o povo está contagiado de alegria, não só pelos folguedos, mas

também pelo brilho excessivo desse astro numa “noite de São João” e

(...)mistura festa com namoro.

86

II.2.4. IX

Esse pânico de invasão da dissonância da cidade a triturar o silêncio com seus dedos de aço nem permitem mais o ouvir bem no fundo da quietude noturna os piados, chiados, ruídos que varam as noites– essa branda sonoridade da mata, mais os pino- tes dos peixes nas águas marulhantes do rio Cuiabá, prôs lados da sua nascente.

A tristeza do homem triste fica quase sempre engasgada porque

sua boca não canta mais a alegria brotada de dentro da sua meninice. Enquanto madrugada,bem antes do agora, meu pai ia recolhendo os frutos do pequizeiro e ainda mastigando en- tre os dentes o sabor das jabuticabas mais os pedaços alegres das cantigas que minha avó sem- pre cantava.

A máquina-caminhão que atravessa o cerrado vai carregando os Fardos enormes, recortando o cenário crivado de out-doors que cercam o início da cidade, ladean- do a estrada e espirrando sua visão fabricada de signos, que o motorista vai engolindo com o olhar.

A mulher do viajante-caminhoneiro fica. Sempre fica à espera de quem forja em seu horizonte a sua erradica- ção de todos os lugares. Acabando por deixar suas raízes soltas no ar. É o homem motorizado, simples, de pés-de-rosas, consumindo-se no dis- tanciamento das paragens. Aquele que passa sem- pre veloz por perto dos rios, plantas animais, sem tempo para tocar-lhes mansamente. Poema narrativo, composto de cinco estrofes, totalizando vinte e nove versos. Nele, a

poeta apresenta o trinômio que ocupará boa parte dos versos dessa obra – caminhão, cidade,

cerrado, o primeiro intermediando as relações antagônicas entre a natureza versus

desenvolvimento.

Há em algumas estrofes do poema vocábulos que expõem fortes críticas e denúncias à

sociedade de um modo geral, como por exemplo:

(...)invasão da dissonância da cidade a triturar o silêncio...

A tristeza do homem triste...

(...)cenário crivado de out-doors...

(...) visão fabricada de signos...

de quem forja em seu horizonte a sua erradica- ção

87

substituídos por estes outros que amenizam as construções referidas acima:

(...) sonoridade da mata (...) pino-

tes dos peixes nas águas marulhantes do rio Cuiabá... (...)frutos do pequizeiro...

(...)sabor das jabuticabas... (...) rios, plantas, animais,

A primeira estância introduz o termo pânico, medo extremo, da

(...).invasão da dissonância da cidade...

dissonância provocada por veículos, pessoas, edifícios, no panorama desvairado, no fluxo

contínuo das metrópoles, que justificam a reclamação do eu-lírico

(...)nem permitem

mais o ouvir bem no fundo da quietude... Em antítese à agressão sonora oriunda das cidades, há a sonoridade das matas, amena

como se observa nos substantivos piados, próprio das aves noturnas que habitam as matas e

pinotes dos peixes sob a superfície da água em busca de alimentos, ou se defendendo de

algum predador, produzindo um leve ruído que não quebra a harmonia, porque é rápido e

suave ao ouvido.

A grande metáfora nuclear, sócio-histórica, é a que se coloca como conclusão

(...)triturar o silêncio com os seus dedos de aço...

O termo triturar é expressivo, fragmentador do silêncio, violentador do cotidiano,

invasor das emoções humanas, ação da dissonância¸ sinedoquicamente apresentada pelos

dedos de aço, uma antítese deflagrada à quietude noturna que representa um estado de

espírito, de calma e um quase silêncio absoluto, construção que se reveste de uma vida própria

com atribuições humanas, um silêncio que se constrói na mata, os chiados dos insetos e

outros pequenos animais, aves e os saltos que dão os peixes. A flora, o rio Cuiabá, com suas

águas marulhantes, somam-se a “sinfonia” dos vários sons, amenos, que são produzidos e

complementam o conjunto sonoro da natureza no entorno da cidade, que o eu-lírico faz

questão de citar no poema, estendendo-o em forma de grandiosidade.

88

Colocam-se, em relação de oposição, o substantivo pânico e o adjetivo branda, a

sonoridade da mata, os piados, chiados, pinotes, um chamamento para as questões relativas à

preservação do meio ambiente, uma insatisfação do eu-lírico, brado contra o ruído urbano, de

máquinas e multidões, que invadem privacidades e provocam inquietações generalizadas.

A segunda estrofe se apresenta com a conseqüência, num pleonasmo

A tristeza do homem triste...

o eu-lírico reforça que o estado emocional desse homem é duplamente afetado, pois o verbo

fica renova esse estado de melancolia frente aos descasos narrados e descritos pelo eu-lírico

na estrofe anterior. A tristeza toma corpo e envolve o homem, obstáculo colocado à

manifestação da sua alegria, do canto, do “desanuviamento”, metáfora recorrente, que se

apresenta ressentida, emudecida pela condição imposta. Há uma rima interna construída com

os termos engasgada e brotada, formas nominais de temporalidade ligadas por antítese, aos

termos triste (adjetivo) e alegria (substantivo), pois os primeiros termos se referem ao homem

(adulto) e o segundo à meninice (reminiscências), imagem que se estende para a estrofe

seguinte.

Na terceira estrofe os substantivos madrugada, pequizeiro e jabuticabas traduzem, no

poema, alegria e tranqüilidade. O primeiro é índice de tempo cronológico, de que se serve o

eu poemático para estabelecer um elo de saudade com o genitor e jabuticabas, com o seu

sabor doce e interiorizado, que suscitam lembranças queridas do eu-lírico. Confirma-se aqui a

idéia do canto como manifestação de otimismo, de felicidade.

(...)das cantigas que minha avó sem-

pre cantava.

São figuras emblemáticas para o eu-lírico os verbos mastigando e cantava, a saciedade

e a expressão humana de bem estar, um dos pontos de busca do eu-lírico nos seres humanos.

A metáfora caracterizada no enunciado

(...).mastigando...

(...)os pedaços alegres das cantigas...

denota homenagens, primeiramente ao pai, que o eu-lírico procura não só enaltecer nessa

lembrança, como também agregá-lo ao tema que explora no poema e, em seguida, a um outro

parentesco que é minha avó, enquanto origem desses simples traços culturais que foram

repassados em forma de cantigas. Mastigar, no contexto tem o sentido de degustar e também

89

de continuar lembrando, “ruminando” acontecimentos, através das cantigas aprendidas em

tempos idos. Isolados, os termos oferecem uma imagem descritiva ao leitor, porque o sentido

de “mastigar” é uma operação que antecede o ato de engolir e digerir os alimentos.

“Mastigar” trechos sonoros de músicas é uma passagem poética importante nesta estância,

pois representa um aspecto cultural da família, que a poeta vai recolhendo, ação praticada

pelo pai, e que, com a locução adverbial de tempo do agora, nomeia o tempo presente,

momento em que o eu poemático se dispõe a criar no poema.

Nas duas últimas estâncias a poeta redimensiona o tema que vinha tratando nas três

estâncias anteriores e passa a focalizar, de uma outra forma, o cenário do cerrado que foi

modificado com a chegada do homem explorador: as máquinas e os seus condutores

(homens); as estradas e os out-doors, divulgando produtos e serviços, muitos de empresas

multinacionais e que, em forma de violação, ocultam paisagens que existem por trás dessas

grandes placas e as personagens que passam, compõem um texto diferente com esse cenário

superposto.

Os verbos carregando, recortando, se referem à máquina-caminhão; ladeando aos

out-doors, imagem qualquer fabricada de signos e, num tom mais agressivo, encontra-se o

verbo, espirrando, que a poeta descreve como ação praticada por esses mecanismos de

propaganda comercial, sempre “expelindo”, impondo seus interesses aos olhos dos viajantes.

Outros vocábulos, como os verbos atravessa e vai indicam via de acesso. O cerrado,

entrecortado por rodovias, que o caminhão transpõe; o adjetivo crivado, também com sentido

provocador, pois este verbo, entre outros empregos, pode ser utilizado para comentar atitudes

de violência, por exemplo, “crivado de balas” ou “crivado de perfurações” e, no poema

refere-se a distribuição abusiva dos out-doors às margens das estradas; os substantivos

cenário e fardos, nesta construção, fazem alusão aos painéis que contrastam com a natureza e

os produtos que transportam a máquina-caminhão .

A figura de construção

....vai engolindo com o olhar.

os out-doors que circulam a cidade, é uma metáfora traduzida que indica a fusão desses

painéis, indivisíveis aos olhos de quem passa rapidamente, por isso se tornam cada vez mais

ousados, com redução de palavras e predomínio de ícones. Duas locuções verbais unem

objeto e ser humano: vai carregando referindo-se ao termo máquina-caminhão e vai

engolindo, referindo-se ao motorista. “Engolir” não pressupõe o “mastigar” da infância, visto

anteriormente.

90

Na última estrofe, observa-se o emprego excessivo de adjetivação. O verbo fica,

apresentado duas vezes no início da estância, é um determinativo que se coloca como um

destino. O destino de submissão de alguém:

A mulher do viajante-caminhoneiro...

não necessariamente esposa, mas aquela que sempre espera pelo seu retorno,

incansavelmente.

No substantivo raízes encontra-se uma referência também ao caminhoneiro, viajante,

sem endereço fixo, que permanece pouco tempo junto à família, por isso a conotação

(...)raízes soltas no ar...

idéia de algo que não está preso a lugar nenhum, reafirmando o distanciamento do lar cada

vez maior, motivado pelas constantes viagens. Em contrapartida o adjetivo mansamente é

uma expressão instituída pelo eu-lírico para reclamar da pressa e da falta de tempo dos

motoristas, que apenas dedicam alguns rápidos desvios dos olhos na estrada, como se essas

exuberantes imagens é que passassem pelos viajantes e não eles pelas paisagens, ficando para

traz a natureza como os rios, as plantas, os animais e as paisagens

(...)sem

pre veloz por perto dos rios, plantas, animais sem tempo para tocar-lhes mansamente.

sem que eles possam tocar-lhes, observar-lhes mais demoradamente. Olhar a natureza.

Aproveitar o que ela nos oferece de beleza e provisão. É o que pede o eu-lírico, nesse sentido.

Há uma passagem no poema “III”, analisado anteriormente, semelhante aos três últimos

versos deste poema. Naquele o eu-lírico assim se expressa

(...)ho- mens, esses que nunca mais puderam chorar diante

de uma cachoeira ou tocar nas pétalas da orquídea presa nos cabelos dos cipós.

No poema “IX” destaca-se

(...)É o homem motorizado, (...) consumindo-se no dis-

tanciamento da paragens Aquele que passa sem- pre veloz por perto dos rios plantas, animais, sem tempo para tocar-lhes mansamente.

91

A proximidade entre as duas estrofes diz respeito às agitações vividas em nome do progresso,

as correrias do dia-a-dia do ser humano, a quase perda da identidade

(...)consumindo-se no dis-

tanciamento... E muitos, ainda, talvez nem estejam preparados para essa nova realidade de um dia poder

(...) chorar diante....

ou conviver com a falta daquele que

(...)passa sem-

pre veloz...

II .2.2.5. XXXIV

De fulgor instantâneo é a chuva de verão De grossas gotas re- Luzentes a despencar do bojo das nuvens fofas e escu- ras, ela cai tão passageira e refrescante como um na- moro de adolescente . Serve muito bem para fazer ex- plodir em torvelinho a realidade da floração, antes tão imersa na intimidade dos troncos e raízes.

Há certos homens das estradas, aqueles que convivem com o per- curso para lugare longínquos que acabam vendo no rosto dos outros um pouco dos rostos amados que se perderam no tempo e na distância. Entretanto, ao sentirem que não são reais mas uma alucinação das lembranças e da falta, então, sentem-se mais isola- dos ainda. Continuam a correr, levando consigo não só a carga física do caminhão, mas a carga de um vazio imenso que lhe toma conta de suas profundezas e do qual não conseguem se livrar mais.

Os tentáculos do urbanismo industrializado enlaçam a alma dos homens nômades para mantê-los sempre afastados de todos os lugares que vã o sendo modificados como se nada mais pudesse significar uma constância mas sim gestos vagos, esfumaçados. Ruas, casas esqui- nas e avenidas serão desfiguradas para serem sempre diferentes, prestes a desaparecer num futuro próxi- mo saturado de fragilidade e poeira. O poema XXXIV apresenta-se com vinte e oito versos distribuídos em três estrofes,

também irregular quanto ao número de versos em cada estrofe – a primeira se apresenta com

seis versos, a segunda com dez e a última com oito.

A primeira estrofe descreve particularidades sobre uma chuva de verão, fenômeno que

se apresenta no sentido de utilidade, como se observa no emprego dos verbos cai (a chuva) e

serve para a florescência imersa das plantas. Mas essa idéia utilitária fica submersa pela

92

camada de adjetivos que revelam o profundo prazer do eu-lírico - fulgor, grossas, reluzentes,

fofas, refrescante. O termo floração (florescência) vem acompanhado dos substantivos

intimidade e raízes, aquele enquanto condição recôndita do vegetal que aguarda o início do

seu período fértil para a reprodução e, o segundo, mantém fixo no solo a árvore que está em

flor. Há uma idéia de penumbra nos substantivos fulgor e nuvens (escuras) da mesma forma

relacionada à chuva, particularmente indicada com uma locução adjetiva, de verão.

A ausência da luz, o interno, o escuro, nos dois casos

(...)nuvens fofas e escu-

ras ...

(...)

(...)imersa na intimidade...

indicam um processo de gestação da chuva e da floração, respectivamente, que se manifestam

não de modo lento, mas “explodem”, reluzentes, em torvelinho, grossas, refrescantes.

(...)cai tão passageira e refrescante como um na-

moro de adolescente.

Nestes dois versos exemplificados, pode-se perceber a sonoridade em forma de sopro e

dos sons sibilantes com o emprego da aliteração em [s].

O substantivo realidade, entremeado pelos termos torvelinho e floração vêm

confirmar a importância da chuva neste contexto, pois ocorreu o desabrochamento das flores.

O emprego dos verbos despencar e explodir indicam duas imagens espacialmente descritas na

verticalidade: o primeiro está relacionado às gotas de chuva, de cima para baixo; o segundo a

brotação vegetal, de baixo para cima: a água que cai, entra na terra e a fecunda; da terra sai o

broto, voltado para a luz, nutriente que, reativando a cadeia de reprodução mantém a vida, na

gradação em chuva de verão, floração e troncos e raízes.Todos com idéia de natureza.

O enfoque na segunda estância do poema é direcionado ao caminhoneiro, homens das

estradas que vivem em constantes deslocamentos, tanto internos quanto externos, por isso

atentei para o que diz José de Souza Martins, no seu trabalho O Tempo da Fronteira: retorno

à controvérsia sobre o tempo histórico da frente de expansão e da frente pioneira, que “...a

fronteira é, simultaneamente, lugar da alteridade e da expressão da contemporaneidade dos

tempos históricos” (1996:25). Os caminhoneiros circulam por vários outros espaços,

afastados daquele que convive normalmente ou do de origem, levando/trazendo, além das

cargas que são o motivo dos seus deslocamentos, conhecimentos dos mais diversos rincões,

93

culturas expressas na linguagem, hábitos e comportamentos diferenciados, que já estão

interiorizados como aprendizado. Pelo simples fato de ultrapassarem os limites territoriais do

seu Estado ou do próprio país, como é o caso dos caminhoneiros que trabalham em Mato

Grosso, zona fronteiriça com a Bolívia e Paraguai, daí seguindo para outros países da

América do Sul, os personagens inominados e reconhecidos apenas como homens das

estradas transportam duas espécies de “cargas” distintas. A primeira carga diz de algo

transportado fisicamente, o volume material com peso, tamanho, densidade, aquilo que vai

dentro da carroceria do caminhão, no percurso das estradas que levam, no sentido de

fluência e deslizamento, os homens e essa carga para lugares (paragens) caracterizado pelo

adjetivo longínquos.

A outra carga respeita àquilo que pesa intimamente em alguém, neste caso no

motorista, aquele mesmo que transporta a outra carga materializada. No seu percurso de idas

e vindas, o caminhoneiro se depara com rostos desconhecidos que aparentemente não lhe

dizem respeito, mas que o fazem lembrar dos rostos amados, lembrança entremeada pela

tristeza e lamento. Tais sentimentos provocam um estado emotivo que o leva a um vazio

imenso não existente materialmente, mas que está preenchido pela angústia oriunda da

(...) alucinação das

lembranças e da falta, daqueles que realmente são tão caros – a família, os amigos ou os próprios filhos, isolados

uns dos outros. O advérbio não expõe a dificuldade em que se encontra o caminhoneiro para

se livrar dessa “carga” que toma conta de suas profundezas. Dessa forma, continuam a correr,

transportando as duas “cargas”, a segunda é mais pesada que a primeira, porque naquela é o

caminhão, a máquina que sem nenhum sentimento, se incumbe de transportar e, nesta, é o

homem.

Duas construções com rimas internas se encontram em distância/lembrança e

amados/isolados relacionadas com o substantivo rostos (de outros). As locuções verbais

acabam vendo e continuam a correr situam o indivíduo num universo comum, onde todos

parecem ser iguais, fisionomicamente:

Há certos homens(...) (...)que acabam vendo no

rosto dos outros um pouco dos rostos amados que se perderam no tempo e na distância.

94

Nestes três últimos versos há uma figura de pensamento, a hipérbole

(...)carga de um vazio imenso que lhe toma conta de suas profundezas ...

em que o ser humano armazena o nada no vazio do seu interior. “Nada “ e “vazio” não no

sentido do vácuo, mas daqueles sentimentos sofridos, que tomam conta do “eu”.

É uma estrofe deslocada da primeira, só mantendo uma retomada do tema com a

próxima estrofe.

Na estância final há uma imagem que materializa zoomorficamente a realidade

Os tentáculos do urbanismo industrializado enlaçam a alma dos

homens nômades...

reforçando as denúncias do eu-lírico sobre a devastação da natureza e constante crítica à

urbanização que aprisiona, absorve, escraviza o homem no mercado capitalista.

O substantivo alma representa os homens e casas separados pelos tentáculos. A

distância mantida apresenta um paradoxo – o que é constante é a distância, não a

proximidade, que seria vital aos sujeitos, restando os gestos vagos; o adjetivo afastados

também é qualificativo de homens que contribuem para a sua própria nulidade, frente ao

crescente desenvolvimento das cidades.

Acentuando o tom pessimista, a poeta inseriu o substantivo fragilidade e poeira numa

clara alusão a tudo que é material e que se dissolve com o passar do tempo, como as

Ruas, casas, esqui-

nas e avenidas ... confirmadas pelo verbo desaparecer que decreta o fim dos mesmos espaços na interioridade

do eu.

Rimas internas são construídas com os vocábulos afastados/modificados/esfumaçados

reiterando a proposição de que o homem atualmente isola-se de tudo e de todos.

O poema inicia-se “ameno”, com imagens que traduzem suavidade

(...)chuva de verão. (...)nuvens fofas... (...) refrescante como na-

moro de adolescente.

e vai progredindo para situações mais realistas do cotidiano estafante das ações humanas.

Na última estrofe a poeta mantém a idéia contida na estância anterior, transferindo a

angústia que outrora se localizava nas estradas, mais precisamente no interior de uma

95

“cabine” de caminhão”, para o urbano, agitado, onde as pessoas também estão “perdidas”,

fragilizadas, vislumbrando-se o fim desse espaço de uma forma trágica

(...)prestes a desaparecer num futuro próxi- mo saturado de fragilidade e poeira.

As estrofes mantêm entre si metáforas paralelas que estão sendo fecundadas no

interior da nuvem, dos troncos, da cabine, que, interiorizadas, podem ser como vida ou

desintegração - morte.

II.2.2.6. XXXV

Os sertões sendo revirados para serem cidades que eclodem numa visão atordoante de artifícios de um progresso acelerado, onde a percepção do acontecer é diferente, imposta por a- acertos e desacertos sobre o ritmo de vi- da do caboclo de fala mansa, já tão dila- cerado pela nova coreografia do desviver.

São novas as sensações da cidade contemporânea , diversas daquelas de outrora, onde os sentidos eram mais alertas e espontâneos, entregues ao contato com a natureza. Agora, os olhares estão inchados pelos medos uns dos outros e dessas horas todas que inspiram uma guer- ra densa e estranha entre homens e mulhe- res

Há, no canto da seriema, um pouco de malícia, de lamento, um pouco dessa imensidão toda de seu vi- ver tão livre. As três estrofes que compõem o poema retratam a temática da degradação do meio

ambiente em conseqüência da formação de cidades, que avançam sobre os espaços de

preservação. Dessa forma, Marilza Ribeiro declara o seu apego à terra de forma diferenciada

de Dom Aquino: enquanto aquele se restringiu a exaltar as belezas naturais, esta, em meio a

alguns lances apaixonados sobre a mesma terra, a que conheceu no seu passado, denuncia

iradamente os abusos que são praticados no presente.

Na primeira estrofe o adjetivo atordoante, indica a forma massacrante com que se

transformam os pequenos povoados. Estas cidades surgem de forma muito rápida e acabam

por “esmagar” tradições dos primeiros habitantes daqueles espaços, como é o caso do caboclo

96

de fala mansa, que a tudo assiste de forma pacífica, mas sempre com uma ponta de tristeza

em cada transformação porque passa sua “terra natal”, como se vê no substantivo artifícios

significando, neste contexto, as “desculpas” apresentadas pelo poder dominante, burgueses e

políticos, políticos-burgueses, em busca de interesses particulares, sem oferecer nenhuma

estrutura que protejam a população e a natureza circundante, como ocorreu com a abertura de

garimpos, no início da colonização mato-grossense, causas agudas da depredação.

Os versos revelam isso, repetidamente. A imprecação não é para as cidades, mas pelo

modo como elas vão sendo edificadas, com homens desrespeitados, violados, desprovidos.

Não há mediação e sentido de conservação, num convívio equilibrado. Há uma imposição de

um sobre o outro, sem tréguas.

Os substantivos sertões e cidades se apresentam em forma de oposição: dos sertões

tem-se uma imagem de aspecto primitivo, acolhedor e, portanto, responsável pela sustentação

do segundo que avança, de forma devastadora, sobre os limites do primeiro; nos verbos no

gerúndio e infinitivo, respectivamente, sendo e serem, indicando essa profanação, reforçada

pelo verbo revirados

(...)cidades que eclodem...

As críticas do eu-lírico sobre a “devastação” dos sertões que precisam ser revirados,

para futuramente se tornarem aglomerados urbanos, encontra eco na nova coreografia do

desviver. Aponta as conseqüências de uma espécie de corrupção dos habitantes simples e

humildes, como no caso o do caboclo de fala mansa, expressão da humildade, que lembra

ligeiramente a personagem Dona Zita de Nhô Cambito, referenciado no poema “III”. que

pode ser submetido à violência da desapropriação. A construção de uma rima interna com os

vocábulos revirados/acelerado/dilacerado estabelecem artisticamente as transformações ou

mudanças em três situações-contexto: sertão/progresso/ritmo de vida.

No segundo bloco do poema o adjetivo contemporânea é sinônimo de modernidade e

espontâneos eram os gestos e comportamentos do povo, antes do avanço daquela

modernidade; o advérbio outrora, como expressão de tempo (passado), antes do “político

desbravador”, vem complementar as conseqüências desse progresso, que gerou uma espécie

de batalha entre os habitantes

(...)guer- ra...entre homens e mulheres.

e estabelece a distinção entre as cidades de hoje, novas, com as de outrora, nas suas várias

situações: transformações que alteraram comportamento e atitudes dos habitantes como o

97

inchaço populacional, resultado da modernidade, indicando o contraste na “quase” dolência

da cidade antiga; e os vocábulos alertas e natureza se apresentam com uma conotação de

lembrança, revividas no presente, sobre os antigos comportamentos das pessoas pacatas que

admiravam aquela exuberância gratuita. A partir de agora, a sobrevivência depende de todos

que compartilham o

(...)medo uns dos outros.

a causa de uma guerra densa e estranha.

Nos últimos versos reina a seriema, de cujo canto emana malícia, que revela imensidão

que a poeta insiste em reviver, de uma existência ainda livre.

Além de malícia que é significante do canto da cariama cristata, denominação

científica da seriema, ave-símbolo do cerrado e que se encontra em extinção, há ainda no

canto um tom de tristeza. É um tom que, na verdade, está no interior do eu-lírico. Após a

constatação da destruição da natureza, a seriema não poderia cantar alegremente, mas cantar

no estilo da poeta – sensual, de “malícia” e triste, pelo embrutecimento do homem.

A poeta procurou sintetizar, neste último bloco, um conteúdo que vinha expondo nas

duas outras estrofes: utilizou a temática que gira em torno da modernidade, que procura

conscientizar o homem quanto à preservação do meio-ambiente, com o provincianismo, a

natureza, o saudosismo.

Há, através da imagem da seriema, uma comparação entre ela e “homens”, implícita e

explicitamente: a primeira emite os seus “gritos estridentes”, ou canto, quando está ameaçada

ou porque quer anunciar-se. Vive livremente nos campos e planícies, embora sua espécie

esteja ameaçada. Ao contrário, a maioria dos homens, por sua vez, não tem a coragem de

bradar/reivindicar, por isso perde os mínimos direitos, como os de ir e vir, através das

ameaças que afetam a sua cidadania. Agem com conformismo e submissão.

II.3. – CASCALHO NO TATO DO PÉ Selecionei para a análise o poema “Garimpo da Infinitude” retirado da obra Águas de

Visitação (1999:13), edição póstuma, publicada pela Associação dos Docentes da UFMT

(ADUFMAT), em reconhecimento aos méritos do poeta. É um poema que não obedece

esquema rítmico uniforme e nem número regular de versos por estância.

Observando quantitativamente, parece haver uma discrepância entre o número de

poemas dos autores selecionados para estudo. Ocorre que, embora o autor crie versos de

modo bastante econômico, usando um mínimo de conectivos, seus poemas são muito

extensos. “Garimpo da Infinitude” é composto por quarenta e quatro estrofes (p. 13 a 25 da

obra), sendo a que se apresenta como a menor estrofe é a trigésima sexta, com apenas dois

versos e as duas maiores são as trigésima e trigésima segunda, com dez versos cada uma. A

transcrição a seguir, quanto à disposição das estrofes, apresenta-se do mesmo modo como

encontra-se na obra.

II.3.1. GARIMPO DA INFINITUDE

garimpo da infinitude -o garimpo vaza eco da sorte no pião da bateia

-o garimpo é hermético estranhamente aberto ao receber o rito hirto mito e o místico

-o garimpeiro crava na lavra pálpebra/forma que arredonda o chibiu -o garimpeiro codifica o sonho minerador -o garimpeiro decodifica a leitura da mancha

99

-outros amigos: o pai irmão o êsmo o meio o meia-praça

o garimpo talha moe remoe remorrendo na brita do sol no brilho da vida no budum do lençol

-o garimpo é de frente de frente que curva o movimento do círculo

-o garimpo! grimpa do olho no escondido do tato o furtivo do brilho nas brenhas do acesso

no picuá a herança plumária engaiola diamente e o vigia com flecha de buriti

-no bloco do corpo

mono-bateia recurvo encanto na patrulha dos córregos -a maleita impacienta esperança: -é arco-íris da fome na febre fina do corpo -é o decimal da balança no turvo que a vista encolhe -é limo na pele de areia lá nos debruns do garimpo

100

-a currutela dicionaria:

-a conversa lisa da água -o gago que fala e cascalha -o ritmo molhado de pedras -sotaque saído do rego -oral na notícia da forma -faiscar na sobra da queima

-despaizado na demarcação da espera o homem garimpa seu destino ..é bambúrrio na cátria/ no catre izidoro é diamante: é dia d.a ...amante

-luto no mapa facial... -velho garimpeiro é glebra humana no edital do loteamento

-a barriga ruge geme de gente na boca da sede na sede do engano na seda da gema

-é domingo no a-pé da precata -na barraca garimpeiros dormem o rateio imaterial da bateia -uno – ouro – aro é o que se deita no longitudinal sem glória do rústico velório

101

-jovem garimpeiro golpeia de saraquá incontrolável íris se abrindo no remoinho da bateia em delírio

-o que permanece

da sorte nem é o cansaço -é a procura da pedra -a trama íntima do acaso nos fundos quintais de furna

-a multi-função do garimpo

amigo/ é desilusionar a maturidade da busca a infância da procura o ágil na seleção a intuição do sonho e o só

-a uni-função do garimpeiro

se forma no sulco cavado na sala da cara na sela do corpo na percepção do emblema da sorte

-na eleição profissional do garimpo

o homem oficia a rejeição que o liberta do patrão

-mão de pilão(garimpo) a mão de meu pai pilando o logro do tempo a têmpora a luz de 4 ventos/ ...fessô

102

-o garimpeiro grimpa a escadaria do palácio no colar da majestade: grimpa o que brilha no gasto ensolarado da enxada

-no dia do achado um conto-de-réis é chama que acende cigarro

fumo goiano brilho de palha de milho bornal caxirí ou canivete de picuá garimpeiro grana e cartas da namorada -no carumbé bagerê é refúgio calos /elos caídos dos olhos/ espetam de fuga a mandinga do cubu

-mas é vencido afinal o profissional do sonho batido pela tecnologia na lavra...

-clareia o dia: o garimpo irrompe do lusco-fusco nasce da mancha do rego na dobra do golfo no aparelho da lata paraguaia no caixão da grupiara

103

-alto dia: a currutela se insinua tine re-tine azeda diamante de enrola -parte da tarde: crianças pegam no estudo/ na escola é só chibiu escrita da bateação leitura da grinfa classe da indústria e farinha da fazendinha e buzo... madrepérola no cabo do revólver

-na capa

do capanga o capangueiro campeia o capataz...

-o tempo passa em pratos os prantos feitos de fatos atos faca/ diamante de enrola

-o garimpeiro conflita seu inventário descobre a lavoura percebe a influência lava o povoado e nasce a cidade na faiscação do sol minerador

-nem ladrão nem documento o compromisso é oral...

104

-antraz de sete olhos: reumatismo no sentimento ou chuveiro cravejado de maldade

-dinheiro que garimpa é risco de giz se a cor do ser se desmancha no caminho da terra -no garimpo é nati-morto o meio-amor /fraterno é por igual/ -é o inteiro do amigo que nome de certidão é apelido do popular

-no matame fervure d’água faz o desmonte assopra areia revela o cascalho no tato do pé -no picuá de cipó de imbé o pré-bambúrrio é forma de feijãozinho azulinha na primeira vista da gêma

-festa garimpeira: tem besta ruana de 7 palmos no pescoço que monta um lenço perfumado bordado de valentia...

-no batido da corrida sopra areia é resumo de serviço

rio abaixo eixo garimpo de da rio acima peixe infinitude

O poema é, como o título prenuncia, um garimpo sem fim, que transcende a

materialidade. Nesta acepção pode-se dizer que se trata da “exploração” de pedras preciosas,

105

ou de atitudes, ou de palavras. Para a primeira colocação, “garimpo” ou “exploração”, temos,

na estrofe que segue, a designação rítmico-sonora, assonância em [i, o] nas paroxítonas, do

lugar do garimpo

- garimpo ! grimpa do olho no escondido do tato o furtivo do brilho nas brenhas do acesso14

Todos os versos indicam, metaforicamente, fazendo uso dos sentidos humanos, a

condição do garimpo, sempre no útero da terra, distante, na grimpa do olho, olhos que

contemplam sempre do alto, do cume; no escondido do tato, em relação a onde se coloca o

minério – o furtivo do brilho; em lugares de difícil acesso, nas brenhas. Brilho é o resultado

ou a resposta que o olho busca, pois o termo antecedente, furtivo, tem, entre outros

significados, o de dissimulado, aquele que pode enganar e não confirmar a “preciosidade da

pedra” cobiçada, que é o diamante.

A outra acepção “garimpo de atitudes” é apresentada na estrofe seguinte pelo poeta,

que vai recolhendo, na bateia dos versos, os gestos, o comportamentos às vezes impulsivo do

homem garimpeiro para, por exemplo, extravasar toda a sua alegria, manifestar o júbilo pela

conquista de uma vitória, como no caso, o achado da preciosidade do diamante.

-no dia do achado um conto-de-réis é chama que acende cigarro

Nessa estância, o garimpeiro que encontra uma pedra preciosa, após grande labuta e

sacrifício, dá-se ao luxo de acender um cigarro com uma cédula de dinheiro, no caso uma nota

de um conto de réis, um valor exorbitante no contexto de época em que essa moeda era

vigente no país.

Quanto a “garimpo de palavras”, esse refere-se ao próprio estilo de garimpagem da

língua, na busca do termo mais acertado para expressar essa atividade econômica, com uma

variabilidade de recursos:

Anadiplose, figura de construção por repetição, na 7a- estrofe,

-o garimpo é de frente de frente que curva...

14 Na análise, a disposição dos versos usados como exemplo será a mesma das estrofes do poema.

106

Haplologia, na 9a estrofe, termo que está substituindo outro, como diamente/diamante,

na 9a estrofe

engaiola o diamente

Neologismo, na 10a estrofe, o poeta cria uma palavra composta como ilustração da

atividade garimpeira, o corpo que se torna uma bateia

-no bloco do corpo

mono-bateia... Prosopopéia e sinestesia, na 12a e 37a estrofes, -a currutela dicionaria -a conversa lisa da água (...) -rítmo molhado de pedras -sotaque saído do rego -antraz de sete olhos...

Anacoluto, na 22a estrofe há indícios de uma construção que deforma a realidade,

introduzida pelo neologismo uni-função, com mudança abrupta de assunto:

-a uni-função do garimpeiro

se forma no sulco cavado na sala da cara na sela do corpo ... Aférese, omissão de sons iniciais, na 24a estrofe a luz de 4 versos/ ...fessô Enumeração, na 27a estrofe, o eu-lírico informa o conteúdo de um bornal de

garimpeiro

fumo goiano brilho de palha de milho caxirí ou canivete picuá grana e cartas da namorada

107

Construção de vocábulos com radicais (prefixos) idênticos – 33a estrofe

-na capa do capanga o capangueiro

(...) o capataz Os versos desse poema expressam, em imagens surpreendentes, vários aspectos da

atividade garimpeira, sua geografia, o elemento humano que exerce essa atividade e em que

condições, os mitos e ilusões que a envolvem, desde a visão da primeira pedra, como na

estrofe abaixo, até o que ele é capaz de fazer quando encontra o sonhado minério, como

acender o cigarro com uma cédula:

-no picuá de cipó de imbé o pré-bambúrrio é forma de feijãozinho azulinha na primeira vista da gema picuá de cipó de imbé é um recipiente artesanal, onde os garimpeiros guardam o produto da

garimpagem. O prefixo “pré” na expressão pré-bambúrrio tem como significado uma ação

que antecipa uma grande descoberta de pedra preciosa que dará ao garimpeiro a tão sonhada

fortuna, porque o eu-lírico procura demonstrar a imagem do que seria a tão cobiçada

representação da sorte – o diamante. O pré-bambúrrio, é um vislumbre, uma “modesta” pedra

em forma de feijãozinho, pequena, de cor singela, azulinha, adjetivo que recebeu um sufixo

diminutivo, porque é caracterizador do substantivo feijãozinho que a todos encantou à

primeira vista, por que era gêma, que tem valor de pedra preciosa.

O poema “garimpo da infinitude” apresenta alguns aspectos do concretismo, mas no

movimento que causa a sua ruptura, o poema-práxis. Concretismo porque o texto fala do que

propõe a poesia práxis que, segundo João Antonio Neto (1981:15) “...em vez da palavra-

coisa, passa-se à palavra-energia; o poema é um produto animado, capaz de ser manipulado

pelo próprio leitor. A palavra escrita continua, mas a questão está no significado, através de

alterações provocadas por recursos lingüísticos” 15. O texto encontra-se estruturado de forma

não-tradicional no espaço em branco do papel, fugindo à forma da verticalidade tradicional

que conhecemos; as estrofes e versos ganham efeito visual, colocado em forma de blocos de

15 Citação retirada da “Revista Educação em Mato Grosso” – ano 4/1981 – nº 12 – ENFOQUES Abordagem à Literatura de Mato Grosso

108

vocábulos aproximados por paralelismos sintáticos, como se fossem um aglomerado de

barracas de garimpeiro:

-outros amigos: o pai irmão

o êsmo o meio o meia-praça

No bloco transcrito acima, pelas palavras que o compõem e pelo aspecto visual, os

versos revelam que os membros de uma família vão se envolvendo nessa atividade e ficando à

deriva da sociedade, a êsmo, sem rumo. Nota-se, ainda, a importância da paternidade. Entre

tantos, o pai aparece como o primeiro neste rol que compõe o grupo de trabalhadores. O

espaço em branco existente, visualmente percebido no interior desse bloco, traduz um vazio

que ainda não foi preenchido por alguém de confiança: somente um desconhecido foi

admitido – o êsmo. O termo meia-praça é uma referência ao trabalhador sindicalizado que

“paga para explorar” ouro ou diamante em terras de terceiros, assumindo o compromisso de

entregar parte da produção, uma vez que recebe alimentação e ferramentas para desenvolver o

trabalho.

No segundo bloco, as barracas de garimpeiro estão muito aproximadas e parecem em

torno de um filão descoberto, onde se juntam os homens em busca das pedras preciosas, como

por exemplo, na estrofe

o garimpo talha moe remoe moenda remorrendo na brita do sol no brilho da vida no budum do lençol

Vê-se um verso em destaque o garimpo talha em que o verbo “talhar” tem, entre

outros significados, o de abrir e, portanto é, num espaço qualquer, não detalhado, que o

“garimpo se abre”. Seguem-se uma série de vocábulos que dão idéia de “triturar” ou

“esmagar” o produto bruto que a natureza oferece para ser depurado e nele se buscar a

“esperança da fortuna” - moe, remoe, moenda e remorrendo, figura de construção por

repetição, denominada poliptoto, porque emprega uma palavra sob diversas formas. Gradação

de palavras localizadas pelas locuções adverbiais metafóricas, construída nessa estrutura

rítmica e sonora com uma aliteração oclusiva em [b], na brita do sol, no brilho da vida, no

109

budum do lençol, e rima externa moe/remoe e sol/lençol que indica a morte gradativa do

homem do garimpo – remorrendo, perdendo o “brilho da vida”, depois de tanto esforço,

exposto ao sol escaldante, no budum do lençol, o odor fétido causado pela transpiração.

As primeira, segunda e sétima estrofes tratam do aspecto material do garimpo.

-o garimpo vaza eco da sorte no pião da bateia

Na primeira estrofe, os vocábulos que aliteram garimpo e pião, indicam, o primeiro,

fonte de trabalho, a mina, e o segundo, a imagem em forma de rodopio, produzida pela

movimentação que faz o garimpeiro ao lavar o cascalho que contém na bateia, utensílio de

madeira, em forma de gamela, utilizada para a lavagem de cascalho nos garimpos. De um

modo geral, há no poema a idéia da utopia, da ilusão dos garimpeiros que confiam na sorte de

enriquecerem no garimpo, e o que se pode ‘vazar’, um eco, uma ressonância que pode estar

no fundo da bateia, após a lavagem do cascalho, é o prenúncio de alguma esperança de

mudança de vida.

- o garimpo é hermético estranhamente aberto ao receber o rito hirto mito e o místico Na segunda estrofe temos uma antítese vocabular representada pelos adjetivos

hermético e aberto. Os dois vocábulos se referem a garimpo e o primeiro qualifica-o como

um aglomerado fechado, reservado. Nele convivem várias pessoas em busca de riquezas. O

termo, aberto, acompanhado pela palavra estranhamente, vem da idéia de que o garimpo seja

acessível aos aventureiros, mas que talvez eles sejam aceitos de forma hesitante pelos que lá

já estão, porque isso significa um aumento da concorrência. Na seqüência de adjetivos

qualificadores de garimpo, há rima entre os vocábulos rito/hirto/mito/místico, o conjunto de

tudo o que cabe nesse lugar, os rituais, as crendices e superstições, daí a estranheza da

abertura. Além dos adjetivos hermético e aberto, outros dois complementam a estância hirto e

místico, também relacionados com o substantivo garimpo.

-o garimpo é de frente de frente que curva o movimento do círculo Na sétima estância os verbos é e curva estão conjugados no presente do indicativo,

terceira pessoa do singular, o primeiro referindo-se ao termo antecedente garimpo, com

110

predicado nominal de frente e o segundo à locução adverbial de frente. Os vocábulos curva e

círculo, manifestam-se com a assonância em [u], sugerindo fechamento, apresentando certa

proximidade de significação espacial, sendo com o primeiro idéia de sinuosidade e com o

segundo uma imagem de circunferência, portanto, de fechamento. O garimpo, neste caso,

como expõe o eu-lírico, é de frente, frontal, ou seja, apresenta-se ao homem que o explora

com os seus desníveis e oscilações, por isso a curva. Adiante fecha-se, pelo movimento, em si

mesmo, enquanto círculo. Há aliteração em [f] com idéia de saída, proporcionada pela

pronúncia em sopro observadas nos vocábulos repetitivos (de)frente e (de) frente.

-no garimpo é nati-morto o meio-amor /fraterno é por igual/ -é o inteiro do amigo que nome de certidão é apelido do popular

A trigésima nona estrofe faz uma referência sobre o convívio dos garimpeiros

naqueles espaços de trabalho. Toda a estância requer reflexão, afirmando algumas regras de

convívio em que as meias-verdades, meias atitudes não são aceitas – não se admite a idéia de

“amor pela metade”

-no garimpo é nati-morto o meio-amor

nem amizades superficiais,

/fraterno é por igual/ - é o inteiro do amigo,

Não há distinção social e ninguém precisa de identificação de cartório. Cada qual é conhecido

por um pseudônimo, um apelido que o caracteriza:

nome de certidão é apelido

do popular

A aliteração em [p] contida nas palavras garimpo, apelido e popular dão essa idéia de peso e

explosão aos vocábulos; a estridência provocada pela vogal [i] nas palavras igual, inteiro,

amigo e apelido,termos que sugerem estreitamento, é entendido como consolidação nesse

contexto. O verbo “ser” repetido por quatro vezes, refere-se aos termos garimpo, fraterno,

inteiro e certidão, o que indica uma busca de definição, de compreensão do contexto. Dois

adjetivos complementam esta estrofe, fraterno e popular.

111

Nas terceira, quarta, décima nona, vigésima quinta e trigésima quinta estrofes o eu-

lírico apresenta o trabalhador ou a razão da existência do garimpo: o garimpeiro e o seu

trabalho, expressão que tem nos verbos o seu núcleo

-o garimpeiro crava na lavra pálpebra/forma que arredonda o chibiu

Na terceira estrofe três verbos indicam a ação deste homem crava, lavra, estas duas

formando rima externa, e arredonda sempre no presente do indicativo, o que confere um

dinamismo à cena; apresentam também aliteração em [r] com idéia de vibração e assonância

em [a]em palavras sugerindo idéias definidas. O substantivo chibiu, pequeno diamante, é um

termo regional. Alguns dicionários trazem o vocábulo grafado com “x” – xibiu. A construção

pálpebra/forma indica que o garimpeiro imagina uma pedra preciosa, o próprio chibiu que

espera encontrar e assim, mentalmente, vai moldando-a.

-o garimpeiro codifica o sonho minerador -o garimpeiro decodifica a leitura da mancha

Na quarta estrofe os verbos que indicam a ação do garimpeiro, codifica e decodifica,

concorrem para a construção da rima interna, e com os quais o eu-lírico procurou estabelecer

a ação desse mesmo homem em duas circunstâncias: no primeiro momento ele codifica algo,

ou seja, “interpreta” as intenções advindas do sonho minerador e, no segundo, decodifica,

assume, de forma objetiva, as “rédeas” daquele empreendimento que é o garimpo,

empenhando-se ainda mais na busca da fortuna.

-jovem garimpeiro golpeia de saraquá

incontrolável íris se abrindo no remoinho da bateia em delírio

Na décima nona estância o verbo golpear refere-se à força física que imprime o jovem

garimpeiro na cavadeira, abrindo o terreno e, ao mesmo tempo da vibração da ferramenta,

seus olhos “se abrindo” para a urgência da pedra na lavagem do cascalho, antes retirado por

ele, e que agora está sendo “apurado” na bateia. Três ocorrências de aliterações em [r]

sugerindo vibrações em saraquá, incontrolável, íris, abrindo, remoinho e delírio seguidos, em

alguns dos exemplos, da assonância em [i] que sonoriza a batida.

112

-o garimpeiro grimpa a escadaria do palácio

no colar da majestade: grimpa o que brilha

no gasto ensolarado da enxada A vigésima quinta estância apresenta os verbos grimpa referindo-se ao garimpeiro, e

brilha, sugerindo uma imagem comparativa entre a jóia que a majestade traz ao pescoço –

colar, contrastando com a ferramenta do trabalhador, já meio gasta, por isso reluzente, com o

contato direto com o cascalho, do qual “brotou” as pedras preciosas ou o ouro para a

confecção daquela jóia. Por duas vezes o eu poemático empregou o vocábulo grimpa nesta

estrofe: no primeiro caso, como a localização em que poderia se encontrar o garimpeiro, no

lugar mais alto da escadaria do palácio, representado, dessa forma, numa crítica social em

que todo o esforço, suor e vontade de encontrar a pedra preciosa, transformou-se numa jóia

que não está no seu pescoço, mas no corpo do poder (majestade). No segundo caso, é o

“brilho” que cabe ao trabalhador – não o da pedra, mas o da enxada.

-o garimpeiro conflita seu inventário

descobre a lavoura percebe a influência lava o povoado e nasce a cidade na faiscação do sol minerador

Nesta última estrofe têm-se os verbos conflita, descobre, percebe, lava e nasce todos

relacionados ao termo garimpeiro, com exceção de nasce que se refere ao termo a cidade. O

eu lírico enumera os vários acontecimentos que envolvem o nascimento de uma cidade em

torno do garimpo. O substantivo inventário, no contexto, pode ser entendido como toda a

trajetória da sua vida no garimpo que conflita, que não lhe trouxe lucros, e um outro

inventário – a cidade que nasce, com outras atividades de subsistência, mas, reiteram os

versos:

nasce a cidade na faiscação do sol minerador o garimpo permanece, nas metáforas cidade na faiscação e sol minerador. Faiscação é

também uma atividade que alguns desenvolvem nos velhos garimpos - revirar o cascalho

abandonado em busca de ”faíscas” de ouro ou de diamantes que podem ter ficado ocultos por

algum motivo. A expressão sol minerador, uma prosopopéia, atribuindo-se ao astro os

poderes de secar o cascalho retirados dos rios e barrancos, para neles despontar as “faíscas”

113

que muitos homens ainda sonham encontrar. Há duas ocorrências de aliterações que

complementam a estrofe: em [s] produzindo sons sibilantes, agregada à assonância em [i]

sugerindo o mesmo efeito sonoro como se quisessem se anunciar para uma nova realidade que

é a cidade, sol, influência.

O aspecto social do garimpo é formalizado pelo eu-lírico como uma espécie de detalhe

que precisa ser anunciado/denunciado. São os entusiasmos concorrendo com as mazelas e

penúrias, antagônicas, para os garimpeiros na busca alucinada pela fortuna, suscitadas nas

décima primeira, trigésima sétima, décima quinta e décima oitava estrofes, pela ordem de

ocorrências no poema.

-a maleita impacienta esperança:

-é arco-íris da fome na febre fina do corpo -é o decimal da balança no turvo que a vista encolhe -é limo na pele de areia lá nos debruns do garimpo. A maleita é um dos maiores inimigos do homem garimpeiro. A estrofe acima, décima

primeira, trata sobre o assunto. Há uma rima esperança/balança que parece contrapor-se à

situação do homem doente: curar-se para continuar trabalhando – esperança - e a febre, que

não regride e ameaça, é o decimal da balança. O verbo impacienta antropomorfiza a emoção

– “a esperança impacienta-se” pela doença contraída, cujos sintomas vão sendo colocados

metaforicamente nas aliterações fome, febre, fina; no hipérbato no turvo que a vista encolhe, a

redução da capacidade visual; a alteração da pele, lá na “orla”, nos debruns do garimpo.

A trigésima sétima estância revela outro entrave para os aventureiros em busca do

sonhado eldorado.

-antraz de sete olhos:

reumatismo no sentimento ou chuveiro cravejado de maldade Os termos que introduzem a estrofe indicam uma grave enfermidade caracterizada por

inflamação da pele. Outros dois vocábulos complementam os termos anteriores reumatismo,

também com peculiaridades inflamatórias de articulações, mas tais problemas são detectados

nos “sentimentos”. A conjunção alternativa indica a relação das expressões como sinônimos.

A maldade pode caracterizar um sofrimento a que foi submetido o homem garimpeiro, por ter

encontrado pedras preciosas, à semelhança de um chuveiro cravejado de pedras preciosas que

114

adornam uma jóia. O verbo cravejado é um vocábulo que insinua, neste contexto, mais que a

doença física, o mal espiritual, o poder, a ganância, que faz com que um homem domine

outro.

-luto no mapa facial... -velho garimpeiro é glebra humana no edital do loteamento

Nessa décima quinta estrofe o termo luto encaminha-se para algo fúnebre, a morte de

um velho garimpeiro. Há três construções distintas: mapa facial, referência a feição do rosto

de alguém, que deixa transparecer a morte; glebra humana, um terreno que contém mineral

(glebra) e humana é metáfora expressiva, sugerindo uma área de terra que pudesse ter vida

própria e, edital do loteamento, o “atestado de óbito” desse garimpeiro, ou o seu túmulo.

Nota-se, ainda, que a estância oferece uma sugestão de niilismo, o homem que se reduz a

simples glebra (terra). A rima interna facial/edital apresenta uma dualidade: um único verbo

fez a mediação dessa transformação.

-uno – ouro –aro

é o que se deita no longitudinal sem glória do rústico velório

Esta estrofe, décima oitava, enquanto cerimônia sagrada entre os cristãos, também

apresenta traços fúnebres ou de tristeza pela morte de alguém pela expressão no longitudinal

sem glória – a posição de quem está sendo velado e pela palavra velório. Somente um verbo

deita, referindo-se aos termos antecedentes uno, ouro e aro. Esses três termos, se analisados

separadamente, tem significâncias diversas: uno remete à idéia de único e indivisível, uma

força superior; ouro, que tanto pode referir-se ao metal precioso, quanto a uma idéia de

riqueza e aro retoma novamente a idéia de circunferência, de ciclo. No conjunto poder-se-ia

traduzir uma existência, uma vida, que partiu de um lugar, buscou, retornou, sem a sorte do

êxito da busca. Nesta condição, seguindo os outros termos que completam a estrofe, a

sugestão é de que “um garimpeiro” não teve essa sorte ou não alcançou a plenitude de

enriquecimento

...se deita no longitudinal sem glória

115

É uma imagem aproximada de uma urna funerária, simples, com um corpo (garimpeiro),

porque os termos rústico velório reforçam a sugestão. A assonância em [u] sugere

fechamento e na aliteração em [r], com idéias de vibração, se encontra nas palavras uno, ouro,

aro e rústico e velório.

Esta estrofe apresenta uma outra particularidade para o poema. Situada quase no meio

do texto, indica uma divisão entre duas situações distintas entre os garimpeiros – com a morte

do velho garimpeiro, apresentada na décima quinta estância, fecha-se o ciclo, o aro, com os

homens mais idosos, experientes e pioneiros neste árduo trabalho. A próxima estância, a

décima nona, é uma seqüência da anterior: um novo ciclo é instaurado no garimpo, a vida

continuou:

-jovem garimpeiro golpeia de saraquá incontrolável íris se abrindo...

O aspecto político do garimpo, encontra-se nas estrofes vigésima terceira e vigésima

nona. Na primeira

-na eleição profissional do garimpo o homem oficia a rejeição que o liberta do patrão o termo eleição tem o significado de “escolha”, prática democrática, por se constituir uma

forma de abolir a escravização. O garimpeiro, apesar de todas as adversidades que poderá

encontrar pela frente, opta pelo trabalho árduo, mas “livre” da exploração do patrão e das

obediências cegas ditadas pelo capitalismo, ao oficializar a rejeição. As rimas construídas

com eleição/rejeição/patrão apresentam uma seqüência: promove-se a “livre escolha” entre

os homens; o resultado é o ilusório afastamento do patrão. O adjetivo profissional caracteriza

o termo eleição, que se refere a pleito, à escolha e à vontade particular de optar pelo garimpo

como profissão do homem e, patrão passa a ser antítese da anterior, porque é o representante

da opressão.

Na estrofe vigésima nona

-mas é vencido afinal o profissional do sonho batido pela tecnologia na lavra... dois vocábulos que permitem rima servem para dar o tom político de toda a estrofe, afinal e,

novamente, o vocábulo profissional, como na vigésima terceira estância, que apresenta uma

116

outra conotação. O primeiro é um advérbio que admite a idéia de conclusão de algo, uma vez

que o garimpeiro é vencido. Além disso é um profissional do sonho, aquele que enfrenta todas

as intempéries naturais/morais para alcançar a sua meta ou (sonho). O que faz esse

profissional ser derrotado é o avanço da tecnologia, pois os garimpos se transformaram em

atividades industriais e, a maioria destas, é garantida por subsídios governamentais a juros

baixos, modernizando o espaço de extração através de máquinas que dispensam, em muitos

casos, o trabalho manual do garimpeiro. A assonância em [i], com várias ocorrências neste

poema, é como um grito, por isso estridente, que se faz ouvir em várias situações/estrofes,

como nesta, exemplificada pelas palavras vencido, profissional e batido.

Outras denúncias são observadas, neste texto freireano, nas trigésima, trigésima

segunda e trigésima terceira estrofes. O eu-lírico procurou mostrar uma realidade pouco

conhecida/divulgada, sobre a real situação a que estão submetidos não só os garimpeiros, mas

os seus familiares sobre os riscos a que estão sujeitos numa área de garimpo. A trigésima

estância relata

-clareia o dia:

o garimpo irrompe do lusco-fusco nasce da mancha do rego da dobra do golfo

no aparelho da lata paraguaia no caixão da grupiara que a partir do nascer do sol

-clareia o dia: ...do lusco-fusco

iniciam-se as atividades no garimpo, comparando esse nascimento do dia ao diamante que

nasce da mancha. A partir daí o eu-lírico passa a localizar alguns espaços existentes no

garimpo, utilizando-se de uma linguagem própria, além de mancha que é o ponto escolhido

para se abrir um garimpo, por apresentar remotos vestígios de diamante ou do ouro; rego

conduz a água para a lavagem do cascalho que é retirado do rio; dobra pode indicar uma

tarefa que deverá ser repetida, por exemplo, lavar todo o cascalho, já examinado, mais uma

vez; golfo significa, na linguagem garimpeira do Estado de Mato Grosso, um depósito de

diamantes no leito profundo dos rios. Justifica-se a escolha deste trecho, ainda, pelo que está

apontado nos dois versos seguintes:

117

no aparelho da lata paraguaia

que se referem ao escafandro, uma parafernália também conhecida como roupa impermeável,

que mantém os mergulhadores submersos, nos rios dos garimpos por longo tempo, graças às

suas propriedades de manter ar bombeado por máquinas que ficam nas plataformas de balsas.

Além de ser um trabalho exaustivo e arriscado, pois há garimpeiros que trabalham no fundo

dos rios, enviando cascalho para ser levado na superfície, por até seis horas, com pequenos

intervalos, quando são içados para a plataforma (balsa) para que se possa realizar algum

reparo no equipamento ou para descanso. O detalhe, presente no poema, é que este escafandro

é da lata paraguaia, ou seja, um equipamento importado do país vizinho, sem nenhuma

garantia de funcionalidade e segurança, além da isenção de “culpabilidade” do patrão, caso

funcione mal.

O termo caixão que, em outros empregos, tem um sentido fúnebre, colocado

propositadamente, em se tratando de riscos para o homem, refere-se ao local aberto no solo ou

nos barrancos dos rios em que os garimpeiros trabalham. O outro termo é grupiara e tem o

significado aproximado de cascalho ralo, onde os homens garimpam. Quanto às principais

aliterações que fornecem vigor à estância encontram-se em [g] e [k] que, além dos sons

demorados, imprimem impacto em garimpo, golfo e grupiara, clareia e caixão e em [r]

indicando vibrações irr ompe, rego, clareia, aparelho, paraguaia.

Na trigésima segunda estrofe

-parte da tarde: crianças pegam no estudo/ na escola é só chibiu escrita da bateação leitura da grinfa classe da indústria e farinha da fazendinha e buzo

madrepérola no cabo do revólver

há uma informação do que ocorre na “currutela”, os pequenos aglomerados que vão se

formando em torno ou próximos dos garimpos

-parte da tarde crianças pegam no estudo/

A expressão é só chibiu pode se referir também aos menores, aos pequenos, porque o termo,

em linguagem garimpeira significa um diamante diminuto. O assunto que reina ali é o

garimpo, pois quando o eu-lírico se expressa com escrita da bateação, este último termo com

118

significado sobre a lavação do cascalho na bateia, seria a interpretação de leituras ou sinais,

enquanto procedimentos didáticos, tal como ocorre com o trabalhador que “faz a leitura” do

resumo de cascalho que sobrou no fundo do seu instrumento que é a bateia, apresentando-lhe

sinais de proximidade ou não para a “captura”, o “achamento” da sonhada pedra preciosa ou o

ouro. Leitura da grinfa refere-se a uma interpretação da música, do canto de algum pássaro;

classe da indústria pode se referir à própria turma, às crianças, que trabalham naquela

indústria, que é o garimpo, como operárias. Farinha da fazendinha faz uma referência ao

alimento que esses menores consomem, ou na escola ou com seus familiares. Buzo é

divertimento, pois é uma espécie de jogo muito popular.

A estrofe se encerra com o revólver. É uma arma qualquer, ornamentada com uma

cobertura idêntica às conchas do mar que a embelezam e escamoteiam o seu símbolo de

perigo ou de ação mortífera, e diz respeito à estrofe seguinte, trigésima terceira, que trata de

denúncia:

-na capa do capanga

o capangueiro campeia o capataz O vocábulo capanga possui alguns significados inerentes ao próprio tema do poema,

mas, para esse contexto, opta-se pelo entendimento de que se trata de uma pessoa violenta,

contratada para intimidar ou matar outras pessoas. Se anexar o termo capa como modo ou

atitude de encobrir algo ou algum acontecimento, então, o capanga procura “intimidar” o

capangueiro, comprador de diamantes nos garimpos, e este busca refúgio no capataz que é o

responsável ou o chefe dos garimpeiros. A violência,nestas localidades, foge ao controle das

autoridades policiais. Há, portanto, por parte do “patrão” a necessidade de assegurar o seu

lucro, contratando homens que “inibem” a ação daqueles que constituem obstáculos aos seus

“negócios”. As aliterações em [[k] e [p], nos desdobramentos das palavras capa, capanga,

capangueiro, campeia, e capataz sugerem pronúncias demoradas, ruídos abafados e fortes.

Na trigésima oitava estância, também de denúncia, há aspectos materiais versus

espirituais neste texto de Silva Freire

-dinheiro que garimpa é risco de giz se a cor do ser se desmancha no caminho da terra A metáfora que se faz com o dinheiro e o risco de giz é pertinente. O segundo termo, não

grava em profundidade e nem garante a sua perpetuação, pois ao menor sopro do vento, pode

119

ser levado como o pó que registrava escrita, números, desenhos etc. Assim é o dinheiro que

garimpa, que busca concretizar o sonho da fortuna, pagando empregados, meeiros, meia-

praça e toda categoria de trabalhadores braçais. Se a sorte não vier, o dinheiro não retorna. As

duas últimas linhas desse bloco estão compostas por quatro vocábulos cor, ser, desmancha e

terra. A primeira idéia sobre esse conjunto de termos é que se pode juntar os dois primeiros,

cor e ser (com referência ao homem), relacionando-os de volta a risco de giz, pois ambos se

desmancham, desaparecem, se transformam em pó, que é simbolizado por terra. Tudo é

perecível e efêmero. Dois verbos, garimpa, referindo-se ao vocábulo dinheiro e desmancha,

ao termo ser, estão intimamente ligados. A atividade de garimpar é entendida como trabalhar,

procurar ou explorar locais ou áreas em busca de preciosidades como pedras ou metais e

desmanchar é o efeito de reverter algo que já estava em construção, trabalhado ou concluído.

Em outro sentido, para garimpar há que se desmanchar o terreno, revolver rios, desfigurar

paisagens. Há que se pensar, ainda, sobre o “desmanche”, de que trata o eu-lírico, em forma

de insinuação, sobre a única condição a que todo homem está sujeito, igualando-se a qualquer

outro, ou seja, em tom funesto, todos perecem e apodrecem As aliterações em [d] - dinheiro e

desmancha, podem indicar, mais uma vez, uma atitude de violência – o dinheiro obtido

nunca é só daquele que o obtém, há a necessidade de divisão e em [r] com sugestões de

rasgos e vibrações nas palavras garimpa e risco.

Nas muitas estrofes há referências a termos regionais, culturais ou específicos da

linguagem existente nos garimpos.

Na nona estrofe um termo se refere a uma espécie de palmeira, buriti e outro, como

termo específico de utensílio para guardar as pedras encontradas pelos garimpeiros, o picuá.

Na décima quarta estrofe tem-se os termos específicos empregados pelos garimpeiros:

bambúrrio com idéia de sorte e fortuna inesperada; catre é uma cama rústica, utilizada pelo

garimpeiro; cátria, local aberto para retirada de cascalho para a lavagem e izidoro é uma outra

espécie de cama, também conhecida como jirau, construída de varas e forrada com folhas.

Na vigésima sétima estrofe há um conjunto de informações sobre o conteúdo de

objetos que existem no

Fumo goiano Brilho de palha de milho bornal Caxiri ou canivete de picuá

garimpeiro grana e cartas da namorada

120

Na vigésima oitava estância, carumbé é o nome de um bairro de Cuiabá ou o jabuti

macho; bagerê é comida, refeição e cubu significa azar. Uma metáfora complementa esta

estância, referendada entre barras, como se fosse um acontecimento à parte, mas que,

liricamente, significam a imagem das lágrimas de alguém que caem, lágrimas significativas,

trazendo dor, do passado, do presente sofrido.

/elos caídos dos olhos/

Finalmente, na quadragésima estrofe mais três vocábulos específicos sobre a

linguagem no meio garimpeiro feijãozinho, azulinha e gêma que são formas ou aspectos dos

diamantes. O poeta, utilizando esses vocábulos, quis mostrar um outro lado do garimpo que

não é tão sofrido, como muitos imaginam. A alegria do garimpeiro, quando “arranca” do chão

um diamante, por menor que seja, feijãozinho, de tonalidade graciosa, azulinha, tem os

significados de troféu pela vitória, prêmio pela perseverança e, em se tratando de semelhança

ao gênero alimentício, feijão, esse pequeno diamante representa o sustento para sua família

por um bom tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término dessa dissertação, que não é o término da pesquisa, reflito sobre as

dificuldades apresentadas e vencidas no trajeto de sua elaboração e os resultados a que

cheguei.

Trabalhar com literatura local, mais precisamente com a produção literária mato-

grossense, exige do pesquisador muita paciência e engajamento. A paciência, bandeira de

luta do pesquisador, está centrada no enfrentamento de situações adversas, muitas vezes

previstas no projeto de pesquisa, em nosso caso, as dificuldades de encontrar material sobre

os autores estudados.

O presente trabalho compreendeu dois capítulos. O primeiro, de caráter mais geral,

apresentou os poetas Dom Aquino Corrêa, Marilza Ribeiro e Silva Freire, cuja produção,

diversa entre si na maneira como enfocam o tema da exaltação da natureza, indicaram os

caminhos para que se pudesse entender, desde a simples contemplação, sem o

comprometimento quanto a sua preservação e defesa, até as mais críticas declarações sobre a

realidade e necessidade de conter os avanços que degradam e ameaçam esse vasto espaço

ambiental, rico e reconhecido como o mais belo da América do Sul.

Os outros dados que foram abordados no capítulo inicial dizem respeito às definições

para o termo ufanismo, principal eixo do trabalho, buscando a sua aproximação com o

telurismo. No conjunto, todos os poemas oferecem afinidades com esses dois termos. Procurei

fazer relações, ainda, entre os significados de sertão, região, nacionalismo e

nacionalidade,um caminho para compreender o regionalismo..

Foi possível traçar um percurso da produção literária em Mato Grosso exemplificada

m três poetas. Cada um, à sua maneira, em formas fixas ou em textos em que a modernidade

da estrutura poemática permitiu abandonar os cânones rígidos da velha tradição parnasiana,

fez referências aos quadros da terra, das pessoas que nela habitam, de seus costumes, dos

recursos naturais que têm à sua disposição, do seu cheiro, da sua cor, da sua luminosidade.

122

Essa particularidade registrada pelos autores e a semelhança quanto ao tema foi o que

mais me chamou a atenção. Se um deles retratou o que os olhos podiam admirar, indo pouco

adiante, contrário a ele, os demais entronizaram essas mesmas imagens, com uma visão mais

aguda, e assim puderam enxergar além do deleite prazeroso do canto do sabiá, das quedas das

cascatas, do murmurar das águas.

A partir da análise estilística que “...pretende dizer o que é um poema pelo estudo dos

hábitos verbais do poeta” (Paz, 1983:18), busquei estudar amiúde essas várias recorrências,

atento aos ensinamentos de Amado Alonso porque “las palavras, pues, tienem sus leyes

proprias: leyes de significación, de sugerencia y de construcción”. (1965: 25), através dos

efeitos sonoros dos vocábulos e da sua plurissignificação. Auxiliaram-me ainda, na análise e

comentários dos poemas, o contexto sócio-cultural e as informações sobre a vida/vivência dos

três autores.

Dom Aquino, Marilza e Freire ofereceram, através dos seus textos, a idéia de

“transfiguração” por que passa o patrimônio ambiental no Estado de Mato Grosso, que sofre

diuturnamente a ação predadora, conseqüência da ganância capitalista, mas onde se podem,

ainda, observar áreas naturais constituídas de florestas, recursos hídricos e riquezas minerais

abundantes.

A Literatura Mato-grossense possui um grande número de poetas e prosadores para

serem referenciados em pesquisas como esta, com o tema da exaltação da terra, que não se

esgota. Nesse sentido, é importante valorizar as obras de dois modos: pelo que elas oferecem

como tema e como forma, a originalidade, a criatividade, o engenho do artista,

À poesia não se deve chegar somente pela forma, que em si mesma é impessoal, nem somente pelo sentido, per si redutor da artisticidade do texto literário, mas pela unidade de ambos, que provoca aquela sensação de gosto, do que satisfaz de imediato, uma emoção, por exemplo, de beleza.(Reis, 2001:176-7).

Aqui, então, defendo a poética de Dom Aquino, pelo valor literário que ele possui, pela

valorização do patrimônio natural, mesmo que alheia, de certa forma, aos problemas sócio-

ambientais. Considero-a, sobretudo, como uma contribuição expressiva para a Literatura

Mato-grossense.

Por outro lado, Marilza Ribeiro apresenta uma poesia social. Segundo René Wellek e

Austin Warren:

Um escritor não pode deixar de exprimir a sua experiência e a sua concepção total de vida. (...) Será especificamente valorativo o critério que

123

declare que um autor deve exprimir integralmente a vida do seu tempo, que ele deve ser “representativo” da sua época e da sua sociedade. (1983:114)

Utilizando-se de alguns expedientes sentimentais, próprios do eu-lírico feminino,

procura extravasar a saudade através das lembranças da infância, mesclando memórias

pessoais e familiares, vividas num espaço geográfico afastado dos grandes centros, por isso

mais ameno e aconchegante, como era o caso da cidade de Cuiabá há algumas décadas atrás.

A poeta não envereda só por esse caminho da admiração da natureza, mas incomoda-a a

maneira como esta vem sendo modificada, destruída em suas formas originais, pela expansão

do capitalismo.

Seus poemas, assim, são mistos de ligeiras pinceladas de adoração mais a declarada

indignação frente aos acontecimentos relacionados à depredação. Contrário aos ditames da

poesia comportada, que insinua o não envolvimento do eu-poemático com questões políticas

ou ideológicas, Marilza se dispõe a criar textos engajados, voltados para o homem, simples ou

abastado, inserindo vocábulos que expressam as diferentes condições humanas, representadas

como matéria de poesia, de forma realística, mostrando as condições sócio-econômicas, a

história como registro dos fatos, sem se esquecer da esperança que (re)move os mais diversos

comportamentos de um povo. Por isso a poesia social tende a ser coletiva, o eu voltado

sempre para o outro, criando um discurso plural.

Um tanto diferente dos ideais da poeta, mas com alguma coisa em comum, também se

coloca Silva Freire no poema Garimpo da Infinitude, apresentando os ideais utópicos do

enriquecimento e também a degradação do homem, através dos garimpos. O eu-lírico

vivencia o cotidiano de uma comunidade movida pelos sonhos e ambições, não só da fortuna,

mas da própria sobrevivência, ideais utópicos do garimpo, contrastando-os com os reveses

representados nas derrotas e nas tristezas.

Há inúmeras outras possibilidades de pesquisas que podem ser desenvolvidas pela

comunidade acadêmica, em se tratando de ufanismo/telurismo na Literatura Mato-grossense,

buscando como referencial os vários poetas e escritores, contemporâneos ou não, que

retrataram/retratam em suas obras a exaltação da natureza. O ufanismo pode ser entendido

como um modo de enaltecer ou contemplar as paisagens regionais, reconhecê-las como algo

de pertença, de intimidade e de proximidade para o homem, como se esses cenários fizessem

parte do seu convívio familiar, sem estabelecimento dos limites de parentesco. Assim, a partir

do grau de relevância da natureza que são circunscritas nos poemas, pode-se depreender o

significado de telurismo como sendo a significância da terra para este homem que nela habita

124

e dela retira o seu sustento, e a sua própria identificação. Por outro lado, o ufanismo pode

significar um modo de defesa desse espaço. Daí a referência à ‘fronteira’ física e humana. O

estudo de fronteiras é feito quando está havendo uma invasão dos direitos do outro, quando o

outro está sendo desrespeitado.

De tudo isso, o importante é que o lirismo, a arte poética, sejam o ponto de partida

para o social, o histórico... e possa atingir o leitor, que se emociona e interage.

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