poesia em amílcar cabral

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Poemas recolhidos em “Emergência da Poesia em Amílcar Cabral”, Oswaldo Osório, 1984.) SIM QUERO-TE … Quero-te quando solitário cismo na nossa vida, nossa triste vida … e optimista, esperançoso eu vejo o meu futuro, o teu futuro, e uma vida melhor … Quero-te quando a nossa melodia, a nossa morna, cantas docemente … … e eu sonho, eu vivo, e eu subo a escada mágica da tua voz serena, e eu vou viver contigo! Quero-te quando contemplo o nosso mundo, um mundo de misérias, de dor, e de ilusões … … e penso, e creio e tenho a máxima Certeza de que o romper da aurora do “dia para todos” não tarda … e vem já perto … … E o mundo de misérias será um mundo de Homens … Eu quero-te! Eu quero-te! Como o dia de amanhã! … NAUS SEM RUMO Dispersas, emersas, sozinhas sôbre o Oceano … Sequiosas, rochosas, pedaços do Africano, do negro continente, as engeitadas filhas,

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Poesia Em Amílcar Cabral

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Page 1: Poesia Em Amílcar Cabral

Poemas recolhidos em “Emergência da Poesia em Amílcar Cabral”, Oswaldo Osório, 1984.)

SIM QUERO-TE …

Quero-te quando solitário cismo

na nossa vida,

nossa triste vida …

e optimista, esperançoso eu vejo

o meu futuro,

o teu futuro,

e uma vida melhor …

Quero-te quando a nossa melodia,

a nossa morna,

cantas docemente …

… e eu sonho, eu vivo, e eu subo a escada mágica

da tua voz serena,

e eu vou viver contigo!

Quero-te quando contemplo o nosso mundo,

um mundo de misérias,

de dor,

e de ilusões …

… e penso, e creio e tenho

a máxima Certeza

de que o romper da aurora

do “dia para todos”

não tarda … e vem já perto …

… E o mundo de misérias

será um mundo de Homens …

Eu quero-te! Eu quero-te!

Como o dia de amanhã! …

NAUS SEM RUMO

Dispersas,

emersas,

sozinhas sôbre o Oceano …

Sequiosas,

rochosas,

pedaços do Africano,

do negro continente,

as engeitadas filhas,

Page 2: Poesia Em Amílcar Cabral

nossas ilhas,

navegam tristemente …

Qual naus da antiguidade,

qual naus

do velho Portugal,

aquelas que as entradas

do imenso mar abriram …

As naus

que as nossas descobriram.

Ao vento, à tempestade,

navegam

de Cabo Verde as ilhas,

as filhas

do ingente

e negro continente …

São dez as caravelas

em busca do Infinito …

São dez as caravelas,

sem velas,

em busca do Infinito …

A tempestade e ao vento,

caminham …

navegam mansamente

as ilhas,

as filhas

do negro continente …

- Onde ides naus da Fome,

da Morna,

do Sonho,

e da Desgraça? …

- Onde ides? …

Sem rumo e sem ter fito,

Sozinhas,

dispersas,

emersas,

nós vamos,

sonhando,

sofrendo,

em busca do Infinito! …

QUE FAZER?! …

Page 3: Poesia Em Amílcar Cabral

Eu não compreendo o Amor,

eu não compreendo a Vida

Mistérios insondáveis,

Formidáveis,

Mistérios que o Homem enfrenta

Mistérios de um mistério

Que é a alma humana …

Eu não compreendo a Vida:

Há luta entre os humanos,

Há guerra,

Há fome, e há injustiça imensa:

H á pobres seculares,

Aspirações que morrem …

Enquanto os fortes gastam

Em gastos não precisos

Aquilo que outros querem …

Eu não compreendo o amor:

Amamos quem sabemos impossível

Sentir por nós aquilo

Que tanto cobiçamos …

A Vida não me entende,

Eu não compreendo a Vida.

Quero entender o Amor,

E o amor não me compreende!

EU SOU TUDO E SOU NADA …

Eu sou tudo e sou nada,

Mas busco-me incessantemente,

- Não me encontro!

Oh farrapos de nuvens, passarões não alados,

levai-me convosco!

Já não quero esta vida,

quero ir nos espaços

para onde não sei.

(POEMAS DA JUVENTUDE)

Eu lembro-me ainda dos tempos antigos, Dos tempos sem nome, só teus e só teus …

Em que eras um homem de poucos amigos,

Metido contigo, contigo e com Deus …

Outro homem és hoje – e outro serás,

Bem forte na luta, em prol dos Humanos.

Page 4: Poesia Em Amílcar Cabral

Na luta da vida – eu sei – vencerás,

Num Mundo de todos, sem Mal e sem danos.

NO FUNDO DE MIM MESMO

No fundo de mim mesmo

eu sinto qualquer coisa que fere minha carne,

que me dilacera e tortura …

… qualquer coisa estranha (talvez seja ilusão),

qualquer coisa estranha que eu tenho não sei onde

que faz sangrar meu corpo,

que faz sangrar também

a Humanidade inteira!

Sangue.

Sangue escaldante pingando gota a gota

no íntimo de mim mesmo,

na taça inesgotável das minhas esperanças!

Luta tremenda, esta luta do Homem:

E beberei de novo – sempre, sempre, sempre -

este sangue não sangue, que escorre do meu corpo,

este sangue invisível – que é talvez a Vida!