poemas e canções em preto e branco sonia gemir
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Livro singelo e tocante da poeta Sonia Gemir, nascida em Goiana - PE. Entre densa e suave, Sonia é um longo poema que se mostra através de suas pequenas unidades. Lê-la é abrir-se para dentro, para contemplar as nuanças de um espelho que não cumpre sua função de espelho. Não espere se ver refletido, mas perceba o convite que há nos poemas da autora, convite para um silêncio de comunhão e entrega. Entregue-se a estes momentos que Sonia proporciona. Num mundo frenético como o nosso, momentos são artefatos extremamente preciosos. E Sonia sabe conduzir o leitor com leveza para um passeio por veios íntimos e ternos.TRANSCRIPT
SONIA GEMIR
Poemas e Canções
em Preto e Branco
Poemas
1. O amém de mamãe
2. Íntimos ou Via-sacra para G.H.G
3. Velha Chaga
4. Única
5. Banquetear-se
6. Conceda-me essa dança?
7. Invasão
8. Morta
9. Convite
10. A cama, esta Copmanheira
11. Sobrevivente
12. Minha prece
13. Jesus é poesia
14. Caminho do menino
15. Déa Pires Gemir (mamãe)
16. Confidencial
17. Dupla Face
18. Busca
19. Amor ondular
20.Recado de amor
21. Viagem de amor
22.Peleja
23. Perfil de suicida
24.Artes
25. Causa Mortis
26.Saudades
27. Cobiça
28.Fluxo
29.Chorando sob a chuva
30.Brasil Cativo
31. Certas Pessoas
32. Encontro na despedida
33. Reflexão
34.Despedida
35. Babel
36.Viagem
37. Paisagens
38.Meu Refúgio.
Canções
39.Frevo gostoso
40.Recofe, Escola de Frevo
41. O Relógio do vovô
42.Rendeira do Ceará
43.Dona de Casa
44.É preciso cantar
45. Amigo Poeta
46.Eita, João
47. À Procura da Terra Prometiva
48.Desalento
49.Prostituta
50.Considerações
51. Dados bibliográficos
POEMAS
O amém de mamãe
Óvulo e esperma
Eu era ainda e
Mamãe decide: carro, casa,
Um pai para minha filha,
Você vai dar menino: existe!
Fogo, gozo
Eu no útero,
Troféu de papai.
Tesouro de mamãe: nasço
Papai morre de orgia,
Herdo a cruz de terrível pacto,
Pessoas e motivos abismais
Versões de um jogo maldito
Em noite polar, cresço e me escondo
A porta, a fresta,
Não enxergo a aurora,
Bato na parede do meu quarto,
Escuro, sujo, fétido.
Mamãe grita: socorro, o doido está me matando!
A polícia se aproxima,
A multidão avança,
Ela segreda ao meu ouvido: quero ser feliz
Desgraçado,
Cartões de crédito, seguro de vida,
Esposo para Marina.
Foge, morre ou te interno
De vez no asilo,
Seja feita a vontade da minha filha. Amém!
Íntimos ou Via-Sacra para G.H.G
O substrato
De minha alma
Percorres.
Lento
Denso
Forte.
Viagem abissal
Onde
Nos corais revoltos
Me encontras
E nos arrecifes dos meus olhos,
Ondas não escoam.
Tormenta,
Tormento,
Sinto, fico
Fostes abstrato ser
E me habitas
Etéreo,
Eterno convívio.
Tormento,
Tormenta
Sinto.
Então saio em Via-Sacra
Pelas casas, praças
Becos e ruelas.
Estações desdobradas!
São vinte e sete ecos de dor
Que os flashbacks das cenas
Escancaram e
Ninguém vê.
Volto,
Acolho-te no meu íntimo
Onde
Ninguém te alcança
Nem maltrata.
Assim, sempre,
Tu, G.H.G,
Dormes e acordas
Comigo.
Velha Chaga
Ao invés da luz
Pariste-me trevas
Quando no tecer do meu corpo
Feriste minha alma.
Ermenegilda, não queres ver
A chaga que plantaste?
Removes tanto,
Que de mim explodem
Larvas vulcânicas
De raiva.
E como doi a Velha Chaga!
Ermenegilda, em ti
Não doi nada?
ÚNICA
Ela, eu, ele
Três medos
Se agigantam no espaço,
Fusco
Fuso
Circular.
Ela, eu, ele.
Doentes de guerra,
Antigos
Novos
Atuais.
Semimortos ou semivivos?
Perseguidos!
Ela - reza
Eu – veias abertas
Ele – ameaçado de injeção letal
Abultres no circo
Fazem apostas
Perguntam: - Quem vai?
- Quem fica?
Suspiros.
Ela reza reza até se dar conta
E diz: Éramos três.
Agora sou única.
BANQUETEAR-SE
A venda
Fabrica
A escuridão
Da hora
A hora
Quer
A eternidade do tempo
Gira gira
Desce, sobe
Pulsa
Se mostra
E morre sempre.
E a mão que ordena,
A mesma que trama,
Banqueteia-se!
CONCEDA-ME ESSA DANÇA?
O poema dorme.
A poesia
O roça,
Faz cócegas
E o beija.
Olhos nos olhos,
Ela o abraça,
E dançam dançam noite adentro
Mistura: de Blues
Jazz
Rock
Samba
Frevo
A luz e a Sombra
Testemunhas mudas
São voyeurs atrevidos.
Também dançam.
Reproduzem nas paredes do quarto
- o filme.
INVASÃO
Invadiram
Minha casa
Minha vida
Minha alma.
Trocaram
Móveis e emoções.
Outras cores,
Outros cheiros,
Outros sons.
Fazendo-me agregada,
Quando resolvi
Ser hóspede.
E como todo hóspede,
Um dia,
Parti.
MORTA
A dor
Mudou
Meu rosto
E minha voz
Corre distâncias
Dentro de mim.
Veias, artérias
Reclamam
Desconexas.
Neurônios
Incendeiam
Verdades, sonhos.
Pó sedimentado
Sou.
Vou
Para onde me levam.
A dor
Mudou meu rosto.
A voz
Fora de mim
Perde-se.
Os olhos
Sem brilho
Também calam.
CONVITE
Por que o convite?
A noite é festiva
Mas o poema, triste.
Tem
Fel, sal, vinagre,
Sangue gotejando
E fogo factum.
Gente louca vadia
Performando-se
Em laranjas moedas
Nas árvores.
Tem
Crises, golpes, bullyings.
Vampiros à luz do dia.
Droga!
São tantas coisas,
Tantas!
Repito: Por que o convite?
Se em noite festiva
Quem
(só) risos, amigos, aplausos.
Uma noite assim,
Poema que não é assim,
Se descarta.
Então para que convite?
A CAMA, ESTA COMPANHEIRA
Geralmente, na cama
Se nasce
Se dorme
Se ama
Se morre.
Geralmente, na cama
Se sonha
Se inspira
Se atormenta
Se trama.
A cama,
Mais do que a casa,
É aconchego
Para o rico delirante
E companheira fiel,
Na frieza do chão
Que a pobreza faz
De cama.
SOBREVIVENTE
Exilada
Dos meus mais puros sentimentos,
Andei atordoada
E obscura
Por tanto tempo,
qu´eu nem sei quanto!
Na volta
Ao território perdido,
Percorri interiores longínquos
E me achei,
Nos escombros de realidades amargas,
Soterrada,
Mas ainda viva.
MINHA PRECE
Senhor,
Não sei mais
O que é errado
Nem o que é certo.
Só sei
Que cansei
De conviver
Com tantos acertos errados.
Prefiro
Os erros-certos.
É com eles
qu´eu quero
Caminhar.
Mas, se por acaso,
Eu cair
No precipício,
Perdoa
Esta Filha Pródiga.
Dá-me a tua mão, Senhor
E me abraça
Na tua bondade infinita...
JESUS É POESIA
Quis o pai
Num belo dia
Que seu SANTO ESPÍRITO
Fecundasse MARIA.
O mundo então conheceu
A mais linda POESIA,
JESUS HOMEM-DEUS
Que nasceu de MARIA.
Havia tantas rimas
Na forma que conduzia
Que muitos quiseram segui-lo
Quando ELE lhes pedia.
Sua VOZ confortava o SIMPLES,
Mas o PODEROSO temia,
Para não ouvi-la mais
O crucificaram um dia.
Mas o ECO de sua voz
De Justiça, paz e amor
Em muitos corações
Para sempre RESSUSCITOU...
CAMINHOS DO MENINO
Lá vem o menininho,
Dando seus primeiros passos,
Seus pés incertos traçam
Seus primeiros caminhos...
Tão lindo o menininho,
Andando abre os braços
Como se isto o equilibrasse
Na hipótese de estar sozinho.
Adora andar apressado
Para mostrar o quanto aprendeu.
Não aguenta, cai sentado
Mas aplaude, ri e dá adeus.
Tão pequenino é ainda
Mas já tem o que ensinar,
Que mesmo caindo na Vida,
É preciso caminhar.
DÉA PIRES GEMIR (MAMÃE)
Translúcida
Tal alma pura
Põe luz na minha vida
Tantas vezes obscura.
Como uma fortaleza
Anima meus dias,
Sejam eles de tristeza
Ou mesmo de alegria.
Você é assim
E não sabe.
Na sua ingenuidade
Acha que precisa de mim.
Esta imagem que você criou
É fruto da BONDADE DE DEUS
Que de você nasceu
Em forma de AMOR.
CONFIDENCIAL
Só a ti, meu amor,
Eu me revelo.
Eu me entrego inteira
E sem medo.
Não me perguntas nada
E eu que sou calada,
Me descubro falando
O que não quero.
Se acerto, me aplaudes:
Nunca me censuras
Quando erro,
Mas me fazes entender
O que já nem enxergo!
Nó irremediável,
Me abraças,
Me acalmas
Com teu afeto.
O teu amor
Me humaniza, liberta!
Num mundo
Que me apedreja,
Tu és a mão que Deus
Me empresta,
Que se oferece
Sem limites...
DUPLA FACE
Você
É o meu lado louco
qu´eu quero tanto
E tenho medo
De ser.
Você
É o meu lado aventureiro
qu´eu admiro.
Você percorre mil paraísos
qu´eu não consigo
Ver.
Você
É o meu lado descartável,
Todos os erros qu´eu me proíbo,
Outra metade querida,
Outra razão de viver.
BUSCA
Eu te procurei
Em todos os lugares:
No ar
Na terra
Nos mares.
Eu te chamei
Aos quatro ventos.
Só o eco repetia
O meu tormento.
Fechei meus olhos
E te busquei em sonho.
Só em sonhos
Te fizeste presente.
AMOR ONDULAR
O mar é ondular
Como ondular é o teu amor
Por mim.
Quisera mergulhar
Neste amor
Sem me afogar.
É para lá
Qu´eu quero ir.
Mas te encontrei
Num dia de tempestade.
Talvez seja por isto,
qu´eu temo o teu amor.
Mas como mergulhar
Se me manténs na superfície?
À superfície, somente,
Quero voltar
Contigo,
Para vermos deste mar
Que o Horizonte (do Amor)
É infinito...
RECADO DE AMOR
Hoje,
Quero mergulhar
No teu olhar,
Me abandonar,
No mais profundo do mistério.
Vou te olhar com firmeza,
Deixar que leias
Pensamentos, desejos.
Nessa troca de olhares
(diálogo mudo).
Quero
Deslizar no teu corpo
Tocar teus músculos,
Descansar no teu ombro
Abraçar o teu tronco
Árvore frondosa, forte,
Deliciar-me de teus frutos.
Quero
Antes de ser homem
Sentir
Que és gente.
E muito mais.
Mergulhar na imensidão de tua alma.
Encontrar
A criança inocente
Que se desgasta no tempo,
Mas existe e eu procuro.
Juntos, olharemos na mesma direção.
Seremos, sobretudo,
Amigos amantes.
VIAGEM DE AMOR
Andei pelas ruas,
Apressada e sem rumo.
No coração,
Apenas a emoção
De querer estar contigo.
Combustível,
Impelindo meu corpo.
Pássaro louco
embolando
Para o vício colorido do amor.
E esbarrei nos teus braços,
Que me embalaram
Num longo abraço de ternura.
As horas
Eternizaram-se.
O silêncio,
Fez-se música de fundo,
Na aquarela desse mundo
Que se fundiu
Na translucidez da felicidade.
PELEJA
Vamos?
Tá ruim
Tá duro
Tá fusco.
Hoje ou amanhã?
Onde?
Lá!
OPS! Sei cantar,
Canto, danço,
Pulo, salto,
Grito, esmurro
No murro.
Em pé,
Sentada,
Deitada,
E agoea?
Vai ou não vai?
Sei lá,
Sol, si, dó, do?
Dor danada
De sobra
De sombra
Da lama
Da lágrima.
PERFIL SUICIDA
Já não há mais sonhos...
O passado – uma chaga imensa.
O presente – uma realidade repugnante.
O futuro – uma incógnita obscura.
Que fazer?
O suicida que mal se equilibra,
No chão,
Quer lhe dar a última emoção
De sua vida...
ARTES
//Risque os riscos/(re)invento traços/arrisque-se!
CAUSA MORTIS
Loucura improdutiva.
A mãe cala, cala a lei,
Fala a dor no coração
Da tia.
SAUDADES
//Hoje/meu corpo reclama/ beijos doces/vindos da lama.
COBIÇA
//Três meninos de rua/viviam o mesmo desejo./só um/ roubou-me o beijo.
FLUXO
//Andam por aí em tantos nomes/ partes de mim/ Sensações sem nome.
CHORANDO SOB A CHUVA
Esta chovendo,
Chovendo por todo o dia.
As lágrimas da Mulher,
Com aquela chuva
Se confundiam...
Sentiu que estava
Toda molhada.
Porém, quem mais estava,
O seu corpo
Ou a sua alma?
Começou a correr
E quanto mais corria
Mais vontade tinha.
Mas correr do quê?
Ela mesma não sabia,
Se era das mágoas,
Ou era da chuva
Que ela fugia...
BAILE DA CHUVA
A chuva que cai
Faz festa no chão.
São grossos pingos.
Descem e saltam no asfalto,
Parecendo um baile
De tanta animação.
Esta chuva que vai,
Alegra meu coração.
A chuva que cai
Depois faz confusão.
São muitos pingos que
Ficaram sem espaço.
Já não dançam e, revoltados,
Arrasam tudo pelo chão.
Morrem bichos, acabam casas,
Morre gente e plantação.
Esta chuva que cai,
Dilacera meu coração.
BRASIL CATIVO
Brasil, inflacionado
De Egoísmo
Corrosivo
Dos sonhos proletários.
Brasil, de contrastes múltiplos e infinitos,
De um povo perseguido
Por uma Culpa Danada:
A de ser pobre (sem poder e sem prestígio)
E ter que pagar
Por todos os crimes da Pátria.
Brasil faminto,
Que se arrasta perdido
Numa guerra fria e lenta,
Que quando não mata o corpo,
Devassa a alma
E a mente.
CERTAS PESSOAS
Há pessoas
Que não falam,
Gritam.
Não orientam,
Escandalizam.
Não veem,
Fiscalizam.
Perseguem outros
Como se fossem suas presas
Atentas ao menor deslize...
Há pessoas
Que esquecem dos elogios,
Mas lembram das críticas.
Não esclarecem,
Intrigam.
Não percebem o viável,
Impõem a sua vontade.
Não conquistam,
Dominam.
Descartam a inteligência
E usam o instinto.
Assim sendo,
A condição de Bicho aumenta.
O humano, a semelhança Divina,
Mingua...
Presentes são um fardo;
Ausentes, um alívio
Embora estejam rodeadas
De gente,
Não conhecem um Verdadeiro Amigo.
ENCONTRO NA DESPEDIDA
Não anda,
Não escuta,
Não fala.
A morte é o silêncio completo.
Silêncio, que fala
Bem perto da alma
E se espalha na mente.
Então, se entende
Tanta coisa que escapava!
Faltei o último encontro.
Só agora, na tua ausência,
Estou presente.
Só agora, chorei
As lágrimas qu´eu tinha.
Só agora, consegui falar
A mudez
Que nos separava.
Só agora, estás vivo.
Só agora, estou livre
Dos meus fantasmas.
REFLEXÃO
Olhos fixos
No lago
Está Marina,
Como se nunca
Houvesse visto
Seu rosto
Antes.
Mas são os outros
Que veem
Sua beleza
Refletida
Naquele espelho.
O que Marina vê
No espelho d´água,
Não é o seu rosto,
Mas o que lhe vai
N´alma...
DESPEDIDA
Eu vou.
Vou comigo mesma
Noutro caminho.
Preciso construir
O que restou
De mim.
Não posso ficar mais
Nesta multidão aturdida.
Se eu continuar aqui,
Corro o risco
De me perder de vista!
BABEL
Cinco
Dedos
Cinco
Continentes
Cinco
Filhos
Cinco
Sementes
Na terra
Incompatíveis.
VIAGEM
Vou
Eu me espero.
Vejo
Sinto
Apresso.
Desejos secretos
Em cada estação.
Vou
Nas curvas
Retas
Atalhos
Planícies e montes.
Passando o meu Ontem
Tentando o Amanhã.
E no resgate do sonho
Mergulho oceanos,
Encontro a direção.
Vou.
Eu me espero.
Não ficarei milímetro,
Nem segundos.
São jogos de guerra,
De mentiras inconfessas,
De verdades inventadas.
Vou.
É tarde?
Não tenho medo.
Vou comigo mesma
Noutro caminho. Vou!
PAISAGENS
Não vi a Torre Eiffel,
Não vi a Torre de Pisa,
Não escalei o Monte Everest,
Nem os mistérios de Machu Pichu.
Vi tão somente
O azul do céu
Com salpiques
Roxos e cinzas.
Colorindo velhos telhados
E a vida.
Pela janela do hospital.
Janela cerrada,
Janela de vidro.
MEU REFÚGIO
A arte é meu refúgio.
Com ela eu canto,
Grito, digo, danço,
Soluço.
A arte é meu refúgio.
Com ela, eu reflito,
Crio, sinto,
Descubro.
A arte é meu refúgio.
Se estou arruinada,
Num passo de mágica,
Ela me devolve tudo.
A arte é meu refúgio.
Se reconheço que não sou Nada,
Sonho e imagino
Que na vida eu posso Tudo.
CANÇÕES
FREVO GOSTOSO*
[Introdução]
Piririripi
Piririrapa
Piririripi
Ripirapa
[Bis]
Eita, que frevo gostoso
Eita, que frevo danado
Vai ficar mais gostoso
Com moreno ao meu lado.
[Refrão]
Acerto o passo, acerta o passo
Acerto o passo e vou
Seguindo a multidão.
Acerto o passo, acerto o passo
A folia é muito boa
Daqui não saio não.
Não adianta insistir
Nem reclamar
Vou ficando por aqui até
O carnaval passar.
Não adianta insistir
Nem reclamar
A folia só termina
Quando a quarta-feira chegar.
[Refrão]
* Homenagem prestada à autora no dia 19.02.2014 na UBE-PE. (União Brasileira de Escritores, Recife – PE)
RECIFE, ESCOLA DE FREVO*
Na ponta do pé
E no calcanhar, Bis
É na ponta do pé
E no calcanhar.
Vai, vai, vai, vai,
Na ponta do pé e no calcanhar.
Mais, mais, mais, mais
É na ponta do pé e no calcanhar.
Venha dançar, venha dançar.
Venha aprender a frevar, Bis
Recife é escola de frevo
Com o Balé Popular.
Vai ferrolhando, meu bem,
Passa a tesoura pra cá,
Como o Saci Pererê
Vamos dançar.
Na dobradiça vai bem,
É bom ainda lembrar
Que o formigueiro já vem
Pra esquentar.
Vai, vai, vai, vai
Na ponta do pé e no calcanhar. Bis
Mais, mais, mais, mais
É na ponta do pé e no calcanhar.
Vai ferrolhando...
Na dobradiça vai...
Vai, vai, vai, vai...* Homenagem prestada à autora no dia 19.02.2014 na UBE-PE. (União Brasileira de Escritores, Recife – PE)
O RELÓGIO DO VOVÔ
Não pares de tocar,
Tic-tac, tac-tic
Precisas trabalhar,
Tic-tac, tac-tic
Se pensas em parar,
Tic-tac, tac-tic
Vou te jogar pro ar
Tic-tac, tac-tic.
Vovô acorda todo dia aperriado
Olha o relógio
Que não para de tocar.
Se veste todo,
Come tudo apressado,
Vai correndoo pro trabalho,
Para não se atrasar.
Não pares de tocar...
Vovô chega no trabalho já cansado
E só Deus sabe
O trânsito que enfrentou,
Mas o Patrão com a cara de malvado,
Vai dizendo pro coitado
Que já o dispensou.
Não pares de tocar...
Vovô volta para casa envergonhado
Andou tanto mas, nada arranjou
Vendeu o relógio
Que estava no seu braço
Tanto tic-tic-tac
De nada adiantou.
RENDEIRA DO CEARÁ
Olha a rendeira!
Olha a renda, meu senhor,
Me venda um fio,
Pra enlaçar meu amor.
Entrança fio com fio,
Num entrelace de amor,
Linhas correm entre seus dedos
Em um ato criador.
Olha a rendeira...
Traça roupas, traça redes,
Traça colchas e o que quiser,
Sem saber traça sua sorte,
Condição de ser mulher.
Olha a rendeira...
Sua arte, suas rendas,
São feitas para exportar,
Percorrem tantos lugares
qu´ela não chegou a imaginar.
Olha a rendeira...
E assim passa os anos
Sempre humilde a trabalhar
No ofício da Rendeira
Na terra do Ceará.
Olha a rendeira...
DONA DE CASA
A minha vida aqui em casa
É muito dura!
Dia e noite, tem trabalho
Que tortura!
Lavar roupa, lavar prato,
Arrumar casa e engomar,
Criança e desaforo,
Que ainda tenho que enfrentar.
O almoço não sai não é?
Que porcaria de carne!
Que casa suja!
Meus cabelos e meu corpo perfumados,
De tempero, de tanto cozinhado,
Minha música tem sido
O “borbulhar” do caldeirão,
Que escuto dia e noite no fogão.
Não posso dormir,
Não posso sonhar,
Nenhuma janela
Onde eu possa olhar.
O mundo gira gira,
Neste giro quero entrar.
Preciso sorrir,
Preciso cantar,
Eu quero um palco
Onde eu possa dançar
No mundo, que me excita,
A minha vida vou mudar.
O mundo me excita
Para a Vida
Me encontrar.
É PRECISO CANTAR
Trago rosas
Pra quem não quer dar.
Faço rodas
Pra quem só ficará.
E para quem insiste
Em dizer não
Vou cantando esta canção!
Saber quem sou,
É preciso sentir,
Pra onde vou
É preciso ouvir
O coração
Que diz que amor não se cobra,
Mas se faz doação.
Faço cantos
Pra quem vai chorar.
Bato palmas,
Pra você ir dançar.
E pra quem insiste
Em dizer não,
Vou cantando esta canção:
Saber quem sou
É preciso sentir,
Pra onde vou
É preciso seguir,
Jesus-Irmão
Que ensina a amar a todos
Sem fazer distinção.
AMIGO POETA
Caro Poeta
Me ensinou
A seguir a vida
Mesmo com a dor.
Caro Poeta
Me despertou
A viver a vida
Com muito mais Amor.
Pra chegar é preciso antes caminhar,
Eu devia buscar
O que era meu.
Num engano é melhor recomeçar
E só parar para não
Esquecer quem Sou Eu.
Tudo isto já sabia de cor,
Mas, um dia você me apareceu,
Tanto disse
Como também me ajudou
A sair da solidão
Continuando só.
FITA, JOÃO
Olhando o gado morrendo
E o verde da plantação,
João apelou pra cidade
Deixou pra sempre o sertão.
Pensou que fosse a cidade
Terra da Promissão,
Mas sentiu-se tão enganado
Sofrendo judiação.
Eita João, eita João, eita João,
Já não tem nem dinheiro do pão,
Já não pode ter filhos mais não,
O que vai fazer João?
Eita João, eita João, eita João,
Só dá pra viver na ilusão,
Não suporta, nem crê em nada
Nesta vida ouviu tanto Não.
Eita João, eita João, eita João...
A PROCURA DA TERRA PROMETIDA
Agora eu quero saber
Da terra prometida.
Já estou cansada
De aguentar,
Tanto sofrer na minha vida.
Corri da seca
Pro mar.
Insisti em tantas saídas,
Mas, não consigo encontrar
A terra prometida.
O que é qu´eu vou fazer?
Onde é qu´eu vou morar?
Preciso comer
Preciso trabalhar.
É preciso caminhar,
É preciso caminhar,
É preciso caminhar,
Acabou-se o maná.
DESALENTO
Olham pra cima, olham pra cima
Não olham pra baixo, não olham pra baixo
Coitado do Homem
Coitado, coitado, coitado
Do Homem fraco!
Lá vem o Homem seguindo seu caminho!
Lá vem o Homem seguindo seu caminho:
Sacola no braço
O filho de lado
O corpo tão magro
Precisa de amparo
Está tão sozinho.
Está tão sozinho!
Olham pra cima, olham pra cima
Não olham pra baixo, não olham pra baixo
Coitado do Homem
Coitado, coitado, coitado
Do Homem fraco!
Lá vem o Homem perdido no caminho.
Lá vem o homem perdido no caminho:
Trazendo no rosto
Tão grande desgosto,
Um choque profundo
A marca do mundo
E o seu desafio
E o seu desafio!
Não olhem pra o alto
Olhem pra baixo
Cuidado com o homem
Cuidado, cuidado, cuidado
Cuidado com o Homem fraco!
Com o Homem fraco
Com o Homem fraco
Com o Homem fraco
Com o Homem!
PROSTITUTA
Perdida
Estou na estrada,
Buscando homens
Pra mim.
São eles,
O pão,
qu´eu trago
Pra cama,
Pra mim garantir.
Afagos qu´eles me fazemm,
Eu sei, não são feitos pra mim.
São meus, apenas
Maltratos,
De quem só quer se servir.
Desfolham meu corpo
E marcam,
minh´alma querendo partir.
Eu sei que me criticam.
Dizem qu´eu sou continuo nesta
Porque sou safada.
Mas, eu pergunto:
Nos abismos da vida
Quem consegue sair sozinho?
Quem? Responda!
Respondam homens e mulheres
Inocentes ou não
De um sistema
Que violenta
Os ideais,
A vida,
A alma.
Que obriga a fazer coisas
Que desagradam.
Só para dizer que se “venceu na vida”
Ou para simplesmente continuar vivendo
(se é que isto é vida).
Prostitutos e Prostitutas
É o que vocês são,
É o que nós somos.
CONSIDERAÇÕES
Para falar sobre “Poemas e Canções em Preto e Branco” de Sonia Gemir, é preciso
antes salientar dois de seus livros: “Turismo Sexual: Recife na Rota da Prostituição
Globalizada” e “Déa dos Martírios.” No primeiro, a autora descreve um dos problemas
sociais – turismo sexual – e tem como ponto de partida épocas passadas; os países do
Velho Mundo, países desenvolvidos, e vai encadeando aos tempos atuais, aos países
subdesenvolvidos ou Terceiro Mundo. Evidencia o Brasil, precisamente, a cidade do
Recife, no bairro da praia de Boa Viagem. É uma advertência! Essa obra não é para ficar só
em nossa região. É para andar o mundo! Ser traduzida para outras línguas.
O livro “Déa dos Martírios” narra a convivência e as descobertas de uma mãe e sua
filha, mostra toda bondade e fortaleza de Déa, a personagem protagonista do romance.
Agora, Sonia nos presenteia com “Poemas e Canções em Preto e Branco”. São versos
e composições musicais, nos quais a autora deixa fluir seus sentimentos de humildade,
generosidade, como defensora dos oprimidos e excluídos; todo seu altruísmo é desvelado
na obra.
Seus talentos, sua inteligência acima da média, virtudes, marcados nos seus fidalgos
traços fisionômicos, servem de alvo para inveja de tantos que tentam impedi-la das
oportunidades. Deus que tem poder sobre todas as coisas, ajuda-a a escalar
montanhas e chegar no pico que Ele mesmo para ela planejou.
Seus escritos literários, assim como suas canções (letra e música) revelam a luta pela
injustiça social e a pessoa apaziguadora que é a poetisa, escritora, compositora e
performer, Sonia Gemir. Na poesia ela foge dos modelos tradicionais, das amarras da
métrica e cria seu próprio estilo, assim leva o leitor (e também ouvinte de suas
composições musicais) a profundas reflexões. Parabéns!
Sineide Gemir.*
*Membro da União Brasileira de Escritores – UBE-PE, Associação Nordestina de
Trovadores – ANT e da Academia Internacional de Literatura e Artes – AILA.
Recife, 21 de julho de 2014.
DADOS BIBLIOGRÁFICOS
SONIA GEMIR, pernambucana de Goiana, é especialista em “Relações Internacionais na
Era da Globalização” – UNICAP-PE, com formação em Ciências Sociais e Biblioteconomia
– UFPE. Foi aluna ouvinte de Sociologia da Família, Antropologia Cultural e Literatura
Infantil no North Central Michigam College – U.S.A. Fez o curso de Formação do Ator –
UFPE, através do qual participou de peças como “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues,
“Fernando e o Cinto Acusador”, adaptada para comédia por Martins Pena. Tem dois livros
publicados: “Déa dos Martírios” (romance), “Turismo Sexual: Recife na Rota da
Prostituição Globalizada” (monografia). Sonia é palestrante.