poemas de circunstância

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poemas de circunstância

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Page 1: poemas de circunstância

poemas de circunstância

Page 2: poemas de circunstância

TÍTULO: Poemas de CircunstânciaAUTOR: António CardosoCapa: Costa Andrade1.a Edição: Casa dos Estudantes do Império.

Colecção de Autores Ultramarinos. Lisboa 1961Composição e impressão: Editorial Minerva. Lisboa.2.a Edição: União das Cidades Capitais de LínguaPortuguesa. UCCLA.A presente edição reproduz integralmente o texto da1.a edição.Artes Finais da Capa: Judite CíliaComposição e Paginação: Fotocompográfica. Almada.Impressão: Printer Portuguesa. Mem Martins.

Esta edição destina-se a ser distribuída gratuitamente peloJornal SOL, não podendo ser vendida separadamente.Tiragem: 45 000Lisboa 2014Depósito Legal: 378 384/14

Apoios Institucionais:

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COLECÇÃO AUTORES ULTRAMARINOS

ANTÓNIO CARDOSO

poemasde circunstância

L I S B O A

MCMLXI

Page 4: poemas de circunstância

COLECÇÃO AUTORES ULTRAMARINOS

Dirigida porCARLOS EDUARDO

COSTA ANDRADE

N.o 1 — Amor (Poemas, 1960) de M. AntónioN.o 2 — A Cidade e a Infância (Contos, 1960) de Luandino VieiraN.o 3 — Fuga (Poemas, 1960) de Arnaldo SantosN.o 4 — Poemas de Viriato da Cruz (1961)N.o 5 — Poemas de Circunstância, de António Cardoso

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O A U T O R

ANTÓNIO CARDOSO nasceu em Luanda a 8 de Abril de 1935onde frequentou o Liceu e hoje exerce a profissão de empregadocomercial. É um dos mais dinâmicos elementos da nova geraçãode intelectuais surgida em Angola em 1958 à volta de «Cultura»,jornal da Sociedade Cultural de Angola. Tem colaboração literáriaem Cultura, Jornal de Angola, Mensagem da C. E. I., e figura nacolectânea de «POETAS ANGOLANOS» editada pela Casa dosEstudantes do Império em 1959.

«Poemas de Circunstância», constitui o seu livro de estreia.

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a l i e n a ç ã o

Estes são os versos da minha alienaçãoe do ódio e da razãoque outros homens criaramem mim.No entanto,no fundo seco dos meus olhosainda moram crianças loiras e negrascantando uma qualquer canção de roda infantil!

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c o n q u i s t a

Desmedidamenteeu sinto a matéria em mim contidanas estrelas que vou percorrer no futuro.

Desmedidamenteeu sinto a matéria em mim contidaarrojar-se em tentáculos de braçoscobrindo distâncias de sóis futuros.

Desmedidamenteeu sinto a matéria em mim contidadesdobrar-se em Paz e Amorlevantando irmãos de perdidas lutas.

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p o e m a

Prende-me em teus braços de terraembala-me nesse veleiro de sonhoque levas no andarconduz-me com a bússola do teu olharpor todas as procelas do mundo.Agarrado à consciência valorosade homem útil na terrabastará somente o teu amorpara me completar e merecer a vitória da vida!

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á r v o r e d e f r u t o s

Cheiras ao cajú da minha infânciae tens a cor do barro vermelho molhadode antigamente;há sabor a manga a escorrer-te na bocae dureza de maboque a saltar-te nos seios.

Misturo-te com a terra vermelhae com as noitesde histórias antigasouvidas há muito.

No teu corposons antigos dos batuques à minha porta,com que me provocas,enchem-me o cérebro de fogo incontido.

Amor és o sonho feito carnedo meu bairro antigo do musseque!

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d e s â n i m o

Com a morte cá dentroque poema de amor e esperançate posso dar amor?

Árvore desenraizadamurchando à míngua d’águaque não lhe trazes amor,que poema de amor e esperançate posso ofertar ainda?

Que venham as crianças amanhãencher o mundo de balões e risosque venha o sol fecundantesemear a vida nova que não alcançoe que a árvore morra de morte natural!

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p o e m a

Quando será que este cacimbo nos abandonae o Sol virá sorrir por cima do meu telhado?

... antigamente, nos meus tempos de menino,o meu telhado de zincotinha uns furos pequenospor onde espreitava o Sol...

Antigamente...

Quando será que este céu pesado de chumbo nos[abandona

e aquele azul antigovirá sorrir por cima do meu telhado?

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p o e m a

I

Amanhã,quando morrer,eu quero ser enterradovirado para Oriente;De pé,braços cruzadosà espera que nasça o SOL!

Quer seja enterro falado(Um enterro burguês a valer),quer seja de pobre-diaboeu quero ficar assim:De pé,braços cruzadosà espera que nasça o SOL!

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II

Amanhãvai nascer um SOL maduropor cima do meu telhadode menino rico com tudo.

Amanhãvai nascer um SOL maduropor cima do capim podredos meninos pobres sem nada.

Depois,amanhã,(naquele dia de SOL madurocomo goiava que o morcego quer morder)O menino rico que mora dentro de mimmais todos os meninos pobresque moram dentro do mundovamos fazer uma roda grandee brincar novamenteas brincadeiras do antigamente.

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p o e m a

— para o Carlitos —

Sinto que vai chovermas sinto cá dentro no cérebro a doerainda a dor da tua partida, irmão.

Lembras-te, irmão,daquele vento feito de chuva miúdaque cheirava a barro molhadoe capim verde?Depois éramos quase nus a correrpelas pôças e a fazer barcos de papel.

Sinto que vai chovermas sinto cá dentro nos ouvidos ainda a doera dor de não mais te escutar, irmão.

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Lembras-te, irmão,da canção de chuva no telhado de zincodo nosso quarto pequeno?E depois era sonharque o vento nos levava uivando para longepara mundos belos e desconhecidosque acabavam na mangueira grande do quintal.

Sinto que vai chovere é como se no corpo todo eu sentisseuma ferida que não sei se é a tua idase os nossos tempos que já lá vão.

Mas lembras-te irmão, sequer,da mangueira grande do quintal?

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r o m a n c e

Stela era a minha pequenina namoradanos tempos da minha infância descuidada!Para colher o nascer de sol que tinha na bocaeu corria as barrocas e os areais vermelhos do meu

[bairroe lutava assanhado com outros miúdos brancos e pretos.De noite, quando havia muitas estrelase o céu era um buraco muito escuroeu deitava-me na areia vermelha e quente do meu bairroe no seu colo de meninaficava calado a sentir o tempo passar.O miúdo Artur cobiçava-mae que dor grande me doía cá dentrose os via juntos a falar.

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Uma vez, numa noite, de mãos dadas,

sentindo o vento molhado do tempo das chuvas,

eu disse-lhe apontando para o alto:

aquela é a minha estrela, qual é a tua?

E todas as noites

ficávamos deitados naquela minha rua antiga do

[musseque Braga

a espiar as estrelas que brincavam no céu.

Stela era a minha pequenina namoradanos tempos da minha infância descuidada!

Por ela eu lutava com sardões de todos os tamanhos,subia cajueiros impossíveis de subire era sempre o primeiro nas corridas.Ela dava-me os santos que escondia de todoscomo se fora o tesouro da ilha dos piratas.E eu ficava muito sério como quando me batiam.Um dia a minha pequenina namorada deixou o meu

[bairro.Nesse dia não corri, não lutei,não subi aos cajueiros do musseque Bragae os outros miúdos mais novos disseram: está doente.

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E à noite, sozinho, procurei as duas estrelase chorei como se tivesse apanhadoa maior tareia da minha vida!

Stela era a minha pequenina namoradanos tempos da minha infância descuidada.

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s a r i t a

Sarita mora no musseque,sofre no musseque,mas passeia garrida na baixatoda vermelha e azul,toda sorriso branco de marfim,e os brancos ficam a olhar,perdidos no seu olhar.Sarita usa brincos amarelos de latapenteado de deusa egípciaandar de gazela no mato,desce à cidadee sorri para toda a gente.Depois, às seis e meia,Sarita vai viver pró mussequecom os brancos perdidos no seu olhar!

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pela ca lçada da mar ia da fonte

Pela calçada da Maria da Fontemanhã cedo, muito cedo,a caminho da Baixa,desce um formigueiro negro de povo.É um rio novo que avança;rostos duros, olhos mortiços,deixaram ficar no Mussequeas histórias da noite que dura.

Pela calçada da Maria da Fonteseis e meia. Os sonhos regressamcom a noite que desce. Pelos caminhoshá olhares, promessas de beijose ritmos quentes a transbordar...Rostos duros, olhos de álcoollentamente o formigueiro negro de povodesagua Musseque em fora.

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Pela calçada da Maria da Fonteo povo desce, caminha, rumoreja,lembra por ora um mar tranquiloa vencer distâncias antigas.

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s ã o p a u l o

Anda no aruma cantigaque sai da roda dos meninos-velhos.A lua queda-se matreira à espreitados pares de namoradosno escuro das cubatas.Velhas sorriem tristescom o mistério da vida desvendadonos olhos sem luz.Gritos de homens perdidos e bêbadosfendem a noite.De repente silêncio: passa a ordem armada,arrastam-se sombras compridasde cipaios envergonhados.Homens brancos de todas as classesfarejam as mulatas costureiras da Baixa.Às vezes um sexo novomorre à esquina da casa do namorado,como se uma estrela s’apagasse no céu.

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Há recortes de luz em portas e janelase sombras aninhadas ouvindo histórias antigasde guerreiros e feitiços,d’esperanças, fatalismos e amores impossíveis.Velhos cachimbam no silênciocurvados ao desengano da noite que dura.Clareiras de luz em frente das tabernasE homens deitados com mulheres de vinte escudosespremem o desespero das suas vidas roubadas.Mas há ainda a esperança a compor a paisageme que ninguém vê;a esperança que se deita com elase vai com eles;que salta na cantigaque sai da roda dos meninos-velhos;que mora nos olhos dos namoradosque a lua persegue;que acompanha as mãos nas facadase enche os gritos e os silêncios todos do Musseque;a esperança que ela deixou ir no sexoe nas lágrimas que então chorou;a esperança que alimenta o ódio seco do namoradoe lhe enche o coração deserto;a esperança que os cobre de noite e luare s’esconde, quando a ordem armadaaparece com os cipaios envergonhados.

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c o m b o i o d e m a l a n g e

Prisioneiro no meu escritórioSonho as distâncias do matoQue me traz o apito do comboio

Que arfaGrande

el i v r e

Quando passa.

MINHA TERRA, MINHA TERRA,[MINHA TERRA

VENHO-DE-LONGE, VOU-PRA-LONGE,VENHO-DE-LONGE, VOU-PRA-LONGE,

Ainda um dia vou partirnesse comboio do mato

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que tem dor no vagão Je vou ser como ele

Que arfaGrande

el i v r e

Quando passa.

Depoistodo povo vai dizer:MINHA TERRA, MINHA TERRA,

[MINHA TERRA!

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u m d i a . . .

— ao António Jacinto —

Um dia eu vou fazer um romancecom as histórias da minha ruaantes de se chamar Silva Portoe os pretos irem embora.Vai entrar a lua e meninos sem cora Domingas quitata, o sô Floriano do talhocom muita mistura de amore muito suor de trabalho.Vou meter as cabras e os cães vadios da velha

[Espanhola,os batuques da Cidrália e dos Invejados,os batalhões do «Treze» e do «Setenta e Quatro»,o bêbado Rebocho, o velho Salambió,a Joana Maluca da garotada,cajueiros, cubatas, lixeiras,capim e piteiras,

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e mesmo no fim da história,quando os homens estão desesperadose as fardas passam em fila,acendo um sol de Fevereiro,semeio algumas esperançase parto com o meu veleiroa dar uma volta ao Mundo!

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Í N D I C E

ALIENAÇÃO ............................................................................ 7CONQUISTA ............................................................................. 8POEMA ...................................................................................... 9ÁRVORE DE FRUTOS ............................................................ 10DESÂNIMO .............................................................................. 11POEMA ...................................................................................... 12POEMA ...................................................................................... 13POEMA ...................................................................................... 15ROMANCE ................................................................................ 17SARITA ..................................................................................... 20PELA CALÇADA DA MARIA DA FONTE .......................... 21SÃO PAULO ............................................................................. 24COMBOIO DE MALANGE ..................................................... 25UM DIA ..................................................................................... 27

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