poemas de cesario verde

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Cesario Verde Poesia Portuguesa literatura

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  • Sem ttuloCesrio Verde

    POESIAS

    DESLUMBRAMENTOS

    Milady, perigoso contempl-la,Quando passa aromtica e normal,Com seu tipo to nobre e to de sala,Com seus gestos de neve e de metal.

    Sem que nisso a desgoste ou desenfade,Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas,Eu vejo-a, com real solenidade,Ir impondo toilettes complicadas!...

    Em si tudo me atrai como um tesouro:O seu ar pensativo e senhoril,A sua voz que tem um timbre de ouroE o seu nevado e lcido perfil!

    Ah! Como me estonteia e me fascina...E , na graa distinta do seu porte,Como a Moda suprflua e feminina,E to alta e serena como a Morte!...

    Eu ontem encontrei-a, quando vinha,Britnica, e fazendo-me assombrar;Grande dama fatal, sempre sozinha,E com firmeza e msica no andar!

    O seu olhar possui, num jogo ardente,Um arcanjo e um demnio a ilumin-lo;Como um florete, fere agudamente,E afaga como o plo dum regalo!

    Pois bem. Conserve o gelo por esposo,E mostre, se eu beijar-lhe as brancas mos,O modo diplomtico e orgulhosoQue Ana de ustria mostrava aos cortesos.

    E enfim prossiga altiva como a Fama,Sem sorrisos, dramtica, cortante;Que eu procuro fundir na minha chamaSeu ermo corao, como um brilhante.

    Mas cuidado, mi1ady, no se afoite,

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  • Sem ttuloQue ho de acabar os brbaros reais;E os povos humilhados, pela noite,Para a vingana aguam os punhais.

    E um dia, flor do Luxo, nas estradas,Sob o cetim do Azul e as andorinhas,Eu hei-de ver errar, alucinadas,E arrastando farrapos - as rainhas!

    SETENTRIONAL

    Talvez j te no lembres, triste Helena,Dos passeios que dvamos sozinhos, tardinha, naquela terra amena,No tempo da colheita dos bons vinhos.

    Talvez j te no lembres, pesarosa,Da casinha caiada em que moramos,Nem do adro da ermida silenciosa,Onde ns tantas vezes conversamos.

    Talvez j te esquecesses, bonina,Que viveste no campo s comigo,Que te osculei a boca purpurina,E que fui o teu sol e o teu abrigo.

    Que fugiste comigo da Babel,Mulher como no h nem na Circssia,Que bebemos, ns dois, do mesmo fel,E regamos com prantos uma accia.

    Talvez j te no lembres com desgostoDaquelas brancas noites de mistrio,Em que a Lua sorria no teu rostoE nas lajes campais do cemitrio.

    Talvez j se apagassem as miragensDo tempo em que eu vivia nos teus seios,Quando as aves cantando entre as ramagensO teu nome diziam nos gorjeios.

    Quando, brisa outonia, como um manto,Os teus cabelos de mbar, desmanchados,Se prendiam nas folhas dum acanto,Ou nos bicos agrestes dos silvados.

    E eu ia desprend-los, como um pajem

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  • Sem ttuloQue a cauda solevasse aos teus vestidos,E ouvia murmurar doce aragemUns delrios de amor, entristecidos.

    Quando eu via, invejoso, mas sem queixas,Pousarem 'borboletas doidejantesNas tuas formosssimas madeixas,Daquela cor das messes lourejantes.

    E no pomar, ns dois, ombro com ombro,Caminhvamos ss e de mos dadas,Beijando os nossos rostos sem assombro,E colorindo as faces desbotadas.

    Quando Helena, bebamos, curvados,As guas nos ribeiros remansosos,E, nas sombras, olhando os cus amadosContvamos os astros luminosos.

    Quando, uma noite, em xtases camosAo sentir o chorar dalgumas fontes,E os cnticos das rs que sobre os limosQuebravam a solido dos altos montes.

    E assentados nos rudes escabelos,Sob os arcos de murta e sobre as relvas,Longamente sonhamos sonhos belos,Sentindo a fresquido das verdes selvas.

    Quando ao nascer da aurora, unidos ambosNum amor grande como um mar sem praiasOuvamos os meigos ditirambosQue os rouxinis teciam nas olaias.

    E, afastados da aldeia e dos casais,Eu contigo, abraado como as heras,Escondidos nas ondas dos trigais.Devolvia-te os beijos que me deras.

    Quando, se havia lama no caminho,Eu te levava ao colo sobre a greda,E o teu corpo nevado como arminhoPesava menos que um papel de seda.

    Talvez j te esquecesses dos poemetos,Revoltos como os bailes do Cassino,E daqueles byrnicos sonetosQue eu gravei no teu peito alabastrino.

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  • Sem ttulo

    De tudo certamente te esqueceste,Porque tudo no mundo morre e muda,E agora s triste e s como um cipreste,E como a campa jazes fria e muda.

    Esqueceste-te, sim, meu sonho querido,Que o nosso belo e lcido passadoFoi um nico abrao comprimido,Foi um beijo, por meses, prolongado.

    E foste sepultar-te, serafim,No claustro das Fiis emparedadas,Escondeste o teu rosto de marfimNo vu negro das freiras resignadas.

    E eu passo to calado como a MorteNesta velha cidade to sombria,Chorando aflitamente a minha sorteE prelibando o clix da agonia,

    E, tristssima Helena, com verdade,Se pudera na terra achar suplcios,Eu tambm me faria gordo fradeE cobriria a carne de cilcios

    NOITES GLIDASMERINA

    Rosto comprido, airosa, angelical, macia,Por vezes, a alem que eu sigo e que me agrada,Mais alva que o luar de inverno que me esfria,Nas ruas a que o gs d noites de balada;

    Sob os abafos bons que o Norte escolheria,Com seu passinho curto e em suas ls forrada,Recorda-me a elegncia, a graa, a galhardiaDe uma ovelhinha branca, ingnua e delicada.

    SARDENTA

    Tu, nesse corpo completo,O lctea virgem dourada,Tens o linftico aspectoDuma camlia melada.

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  • Sem ttuloMERIDIONAL

    CABELOS

    vagas de cabelo esparsas longamente,Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,E tendes o cristal dum lago refulgenteE a rude escurido dum largo e negro mar;

    Cabelos torrenciais daquela que me enleva,Deixai-me mergulhar as mos e os braos nusNo bratro febril da vossa grande treva,Que tem cintilaes e meigos cus de luz.

    Deixai-me navegar, morosamente, a remos,Quando ele estiver brando e livre de tufes,E, ao plcido luar, vagas, marulhemosE enchamos de harmonia as amplas solides.

    Deixai-me naufragar no cimo dos cachoposOcultos nesse abismo ebnico e to bomComo um licor renano a fermentar nos copos,Abismo que se espraia em rendas de Alenon!

    E, mgica mulher, minha Inigualvel,Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbvel,Entre o rumor banal dos hinos triunfais;

    Consente que eu aspire esse perfume raro,Que exalas da cabea erguida com fulgor,Perfume que estonteia um milionrio avaroE faz morrer de febre um louco sonhador.

    Eu sei que tu possuis balsmicos desejos,E vais na direo constante do querer,Mas ouo, ao ver-te andar, meldicos harpejos,Que fazem mansamente amar e elanguescer.

    E a tua cabeleira, errante pelas costas,Suponho que te serve, em noites de vero,De flcido espaldar aonde te recostasSe sentes o abandono e a morna prostrao.

    E ela h-de, ela h-de, um dia, em turbilhes insanosNos rolos envolver-me e armar-me do vigorQue antigamente deu, nos circos dos Romanos,

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  • Sem ttuloUm leo para ungir o corpo ao gladiador.

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    mantos de veludo esplndido e sombrio,Na vossa vastido posso talvez morrer!Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frioE quero asfixiar-me em ondas de prazer

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