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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 23ª CÂMARA CÍVEL Recurso de Apelação Cível nº 0022341-29.2012.8.19.0023 Apelante: MARCELO DE SOUZA NEVES FERREIRA Apeladas: CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA. E CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL Relator: Des. MURILO KIELING EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO. Relação jurídica de consumo. A temática que nutre a demanda está afeta a contrato de prestação de serviço médico e hospitalar. Alegação de erro médico. Cicatriz hipocrômica decorrente de reação alérgica do autor à substância aplicada para assepsia durante ato cirúrgico. Sentença de improcedência. Entidade hospitalar que responde pelo fato do serviço, independentemente da averiguação de culpa, sendo, contudo, necessária a demonstração dos elementos caracterizadores do dever de indenizar, quais sejam: conduta omissiva ou comissiva; nexo de causalidade e resultado lesivo. Todavia, não cabe responsabilizar o hospital pelo dano em si, sem adentrar ao exame da atuação do médico, pois é imprescindível que se comprove que este agiu como imperícia, imprudência ou negligência, para somente depois responder objetivamente o nosocômio. 2 - Inexiste nos autos vestígios de prova de que o autor tenha sido vítima de imperícia, ou de qualquer conduta culposa do profissional médico, quando do atendimento prestado nas dependências do nosocômio réu. A imperícia constitui a falta de aptidão, teórica ou técnica, no desempenho da profissão, a qual não restou demonstrado no caso em apreciação,

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

23ª CÂMARA CÍVEL

Recurso de Apelação Cível nº 0022341-29.2012.8.19.0023

Apelante: MARCELO DE SOUZA NEVES FERREIRA

Apeladas: CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA. E CENTRAL

NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL

Relator: Des. MURILO KIELING

EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO. Relação jurídica de consumo. A temática

que nutre a demanda está afeta a contrato de prestação de serviço

médico e hospitalar. Alegação de erro médico. Cicatriz hipocrômica

decorrente de reação alérgica do autor à substância aplicada para

assepsia durante ato cirúrgico. Sentença de improcedência. Entidade

hospitalar que responde pelo fato do serviço, independentemente da

averiguação de culpa, sendo, contudo, necessária a demonstração dos

elementos caracterizadores do dever de indenizar, quais sejam: conduta

omissiva ou comissiva; nexo de causalidade e resultado lesivo. Todavia,

não cabe responsabilizar o hospital pelo dano em si, sem adentrar ao

exame da atuação do médico, pois é imprescindível que se comprove que

este agiu como imperícia, imprudência ou negligência, para somente

depois responder objetivamente o nosocômio.

2 - Inexiste nos autos vestígios de prova de que o autor tenha sido vítima

de imperícia, ou de qualquer conduta culposa do profissional médico,

quando do atendimento prestado nas dependências do nosocômio réu. A

imperícia constitui a falta de aptidão, teórica ou técnica, no desempenho

da profissão, a qual não restou demonstrado no caso em apreciação,

precipuamente, porque não ocorreu a inobservância de normas técnicas

recomendáveis pela ciência médica. Laudo técnico apresentado pelo

perito nomeado, que foi contundente em afirmar que “não é de praxe se

fazer teste alérgico para produtos usados em assepsia...”, acrescentando,

inclusive, que “a reação alérgica a estes tipos de produtos são

raríssimas, quase inexistentes” (sic).

3 - Danos suportados pelo autor que decorreram de reação alérgica em

sua epiderme, em razão da aplicação de uma substância para assepsia,

comumente utilizada nos procedimentos cirúrgicos, com raríssima

manifestação alérgica, a qual somente ocorreu em função da

hipersensibilidade do paciente ao produto, circunstância que não

ostentava caráter de previsibilidade, tomando-se como base o nível

médio de capacitação profissional, nas coordenadas de tempo e de

espaço, assim como o que habitualmente se observa na prática médica.

4 – Ausência de evidências de distanciamento do procedimento adotado

pelo nosocômio, daqueles preconizados pela doutrina e prática médica

para o quadro clínico que ostentava o paciente à época do evento. Não se

cogita, igualmente, que o médico cirurgião tenha autuado com

precipitação e sem cautela e, muito menos, em inobservância dos

deveres exigidos pelas circunstâncias, o que aparta a caracterização da

imprudência e negligência. Descaracterização de erro médico.

Inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos suportados

pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de comportamento

antijurídico. Parte autora que não se desincumbiu do encargo de

comprovar o fato constitutivo de seu alegado direito a sustentar a

pretensão deduzida na peça vestibular. RECURSO CONHECIDO E

DESPROVIDO

Vistos, relatados e discutidos este RECURSO DE

APELAÇÃO CÍVEL nº 0022341-29.2012.8.19.0023, em que

figuram como Apelante MARCELO DE SOUZA NEVES

FERREIRA, e Apeladas CLÍNICA SÃO GONÇALO LTDA. e

CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL.

ACORDAM os Desembargadores que compõem a Vigésima

Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de

Janeiro, por UNANIMIDADE de votos, em CONHECER do recurso

e NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

O âmago do recurso de apelação caminha pela busca da

reforma do julgado, cuja temática de fundo versa sobre relação

jurídica de natureza consumerista. Os elementos estruturantes da

controvérsia estão bem alinhados pelo relatório firmado pela

sentença que, regimentalmente, aproveito:

Trata-se de ação proposta por MARCELO DE SOUZA

NEVES FERREIRA, em face de HOSPITAL E CLINICA

SÃO GONÇALO e CENTRAL NACIONAL UNIMED

- COOPERATIVA CENTRAL, alegando que se submeteu a

um procedimento cirúrgico para substituição da válvula mitral. Afira

que o procedimento foi realizado nas dependências do 1º Réu. Informa

que ficou internado por 17 (dezessete) dias por conta de uma

queimadura de terceiro grau, a qual foi produzida após os médicos

aplicarem um líquido no local da cirurgia, vindo a causar uma reação

na sua pele. Alega que não foi feito teste alérgico para verificar a

hipótese de alergia a algum medicamento. Dessa forma requer a

condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos estéticos

e morais.

Com a inicial vieram os documentos de tis. 24/210.

Decisão à fl. 212, deferindo a gratuidade de justiça e determinando a

citação dos réus.

Contestação do 1º Réu às fls. 217/230, acompanhada dos

documentos de fls. 237/358, arguindo preliminar de ilegitimidade

passiva, e no mérito, sustentando ausência de comprovação de erro na

conduta e de nexo causal, inexistência de danos morais.

Contestação do 2º Réu às fls. 359/379, acompanhada dos

documentos de fls. 389/444, arguindo preliminar de ilegitimidade

passiva, e no mérito, sustentando ausência de responsabilidade no caso

dos autos, inexistência do dever de indenizar. Requer a improcedência

dos pedidos autorais.

Réplica às fls. 447/451, reiterando os termos da peça inaugural.

Decisão às fls. 458/459, rejeitando a preliminares arguidas pelos

réus, deferindo a inversão do ônus da prova em favor do autor, e

ainda, deferindo a produção de prova pericial médica e documental

superveniente.

Laudo Pericial às fls. 485/488. Manifestação das partes às fls.

491/501.

A irresignação alveja a disposição do julgado, nos seguintes

termos:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos

autorais, em consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO

com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, I, do NCPC.

Condeno a parte autora nas custas e em honorários no total de 10%

sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 86, Parágrafo único, do

NCPC, suspensa a exigibilidade nos termos do art. 98, § 3ºdo

mesmo diploma.

Transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se.

P.R.I.

A parte autora interpôs recurso de apelação, às fls. 507/532,

pugnando pela reforma da sentença. Alega que “sofreu danos

permanentes em seu corpo e sua aparência, onde ficou provado que

o dano ocorreu por conduta dos médicos, tendo comprovada sua

culpa ou não, o dano foi derivado da conduta dos médicos”.

Assevera que “a não realização de teste alérgico que permitiria a

prescrição de profilaxia contra possíveis reações adversas,

desencadeou uma queimadura de 3º grau no autor (apelante), que

sofre até os dias de hoje”. Afirma a ocorrência de imperícia médica

na hipótese em apreciação. Aponta a imprescindibilidade da

inversão do ônus da prova. Reitera a pretensão de condenação das

rés, solidariamente, ao pagamento de reparação pelos danos morais

e estéticos, com o afastamento da figura da sucumbência recíproca.

Contrarrazões apresentadas pelas rés, às fls. 537/549 e

550/565, prestigiando o julgado.

EIS, EM APERTADA SÍNTESE, O RELATÓRIO.

PASSO ao voto.

Em primeiro passo, importa observar que o pacto avençado

entre os personagens da relação jurídica de prestação de serviços

médicos e hospitalares, em razão do status de seus protagonistas,

acaba alcançado pelos preceitos do microssistema consumerista.

A legislação consumerista visa corrigir a desigualdade

existente entre os polos da relação jurídica frente à impotência da

parte vulnerável nas negociações, haja vista a patente imposição da

vontade da prestadora de serviços na elaboração das cláusulas

contratuais, cujas disposições são apresentadas ao consumidor que a

elas adere sem que lhe seja permitida qualquer alteração.

Todavia, deve o consumidor comprovar os fatos que

envolveram o prestador de serviço no desatendimento de seu dever

jurídico, sendo que na via processual, a realização da prova obedece

às regras estabelecidas no Código de Processo Civil.

Assim, conquanto o Código de Defesa do Consumidor

permita a inversão do ônus probatório, na hipótese de relação de

consumo, quando presentes os requisitos previstos em seu artigo 6º,

inciso VIII, dúvida não remanesce que tal benefício não exime o

consumidor do ônus de comprovar minimamente o fato constitutivo

de seu alegado direito, a teor do artigo 373, inciso I, do Código de

Processo Civil.

Destarte, permanece a cargo da parte autora a produção das

provas constitutivas do seu direito, sendo tal fato apenas mitigado

em relação à comprovação que exija certa capacidade técnica, o

que não é o caso, assim como aos fatos negativos, de modo a evitar

que reste prejudicado o direito de defesa do prestador de serviço,

ante a impossibilidade de impor-lhe o ônus de produzir prova

“diabólica” ou impossível.

Vejamos a hipótese em concreto.

Versa o caso sub judice sobre responsabilidade civil em

decorrência de suposto erro médico, ocorrido por ocasião do

atendimento médico dispensado ao autor pela unidade hospitalar

demandada, a qual é credenciada à operadora de plano de saúde

ré.

Impende assinalar que para que emerja a responsabilidade

civil por dano causado à paciente em consequência da atuação

médica, imprescindível que reste concludentemente provado que o

evento decorreu de imprudência, negligência ou imperícia do

profissional, sob pena de decair a autora de sua pretensão,

consoante o disposto no § 4º, do artigo 14 do Código de Defesa do

Consumidor, in litteris:

Artigo 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente

da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos

consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem

como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua

fruição e riscos.

(...)

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será

apurada mediante a verificação de culpa”. (grifei)

A seu turno, a entidade hospitalar responde pelo fato do

serviço, independentemente da averiguação de culpa, sendo,

contudo, necessária a demonstração dos elementos caracterizadores

do dever de indenizar, quais sejam: conduta comissiva/omissiva;

nexo de causalidade e resultado lesivo.

Demais disso, não cabe responsabilizar o hospital pelo dano

em si, sem adentrar ao exame da atuação do médico, pois é preciso

que se comprove que este agiu como imperícia, imprudência ou

negligência, para somente depois responder objetivamente o

nosocômio e a operadora de plano de saúde.

Dito isso e da análise aos elementos coligidos aos autos,

observa-se que, ao contrário do alegado pela parte autora, inexiste

nos autos vestígios de prova de que tenha sido vítima de imperícia,

ou de qualquer conduta culposa do profissional médico, quando do

atendimento prestado nas dependências do nosocômio réu.

De fato, não desponta o aventado erro médico, que é o mau

resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do

médico. O erro médico pode se verificar por três vias principais. A

primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da falta de

observação das normas técnicas, por despreparo prático ou

insuficiência de conhecimento. A segunda hipótese é o da

imprudência e daí nasce o erro quando o médico por ação ou

omissão assume procedimentos de risco para o paciente sem

respaldo científico. A terceira vertente é a da negligência, quando o

profissional negligencia, trata com descaso ou pouco interesse os

deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a

instituição. O erro médico pode também se realizar por vias esconsas

quando decorre do resultado adverso da ação médica, do conjunto

de ações coletivas de planejamento para prevenção ou combate às

doenças.

Importa dizer que o erro médico, por muito que impressione, é,

do ponto de vista ôntico-fenomenológico, uma realidade conatural

ao próprio exercício da medicina, como todo o erro é inerente à

própria atividade humana, ocorrendo com inusitada frequência e

provocando, muitas vezes, lesão ou perigo grave para eminentes

bens jurídicos pessoais, tais como a integridade física, a saúde e até a

vida do paciente.

Não têm sido suficientes, entre nós, estudos sobre tal matéria e,

sobretudo comunicações científicas médicas e jurídicas que

abordem esta temática com a profundidade e extensão exigíveis e,

sobretudo, com a frequência que seria desejável. Escasseiam livros

ou mesmo artigos de revista que abordem, com a clareza

indispensável e sem quebra do rigor técnico-científico, esta

realidade, assim como ainda são insuficientes as intervenções orais

adrede realizadas por especialistas na matéria. Situação tanto mais

grave quanto parece haver, entre nós, algum equívoco conceitual

entre o erro médico, a negligência médica, o evento adverso e a

denominada violação das leges artis.

Tudo é tratado, sobretudo nos meios de comunicação social,

sob o denominador comum e sempre estigmatizante de “negligência

médica”, até mesmo nos casos em que a diligência dos profissionais

de saúde se revelou notória.

De igual sorte, a abundante informação noticiosa sobre casos

denominados, sem qualquer precisão terminológica também, de

erro médico.

Tal equivocidade de conceitos prejudica não apenas aqueles

que direta e profissionalmente lidam com a problemática do erro

médico – designadamente ao nível clínico e forense – mas a todos os

que se interessam por questões relacionadas direta ou

mediatamente com a saúde e a atividade médica, o que vale dizer

que importa a um público cultural e profissionalmente heterogéneo

e diversificado já que respeita a um património comum a todos,

constituído por valores e bens jurídicos eminentemente pessoais,

como a saúde, o corpo e a vida, que são ou podem ser atingidos por

erros médicos.

Assim, o que estará em causa será aferir se o médico, segundo

os seus conhecimentos e as suas capacidades pessoais, e, tendo ainda

em conta a sua liberdade na escolha dos meios de diagnóstico e

tratamento se encontrava em condições de cumprir o dever de

cuidado que integra o tipo negligente. Só respondendo

afirmativamente a esta questão poderá afirmar-se que o médico

documentou no fato qualidades pessoais de descuido ou leviandade

perante o Direito e as suas normas, pelas quais tem de responder, ou

seja, só assim se poderá concluir que o médico atuou com culpa

negligente. E, para determinar se o médico se encontrava ou não em

condições de cumprir o dever de cuidado que integra o tipo

negligente, há de ter-se em conta não o poder (de fazer) do médico

concretamente em causa, mas sim os conhecimentos e as

capacidades pessoais dos outros médicos como o agente, ou seja, se,

de acordo com a experiência, os outros, agindo em condições e sob

pressupostos fundamentalmente iguais àqueles que presidiram à

conduta do agente, teriam previsto a possibilidade de realização do

tipo de ilícito e a teriam evitado.

Quanto às chamadas legis artis, elas emergem de um conjunto

de regras fixadas pelos profissionais da medicina, expressas no

Código Deontológico da Ordem dos Médicos, em declarações de

princípios emanadas de Organizações Internacionais e Nacionais de

Médicos, das chamadas guidelines resultantes de protocolos de

atuação e de reuniões de consenso e dos pareceres das Comissões de

Ética.

E, não haverá que esquecer que como legis artis, se trata de um

conceito dinâmico sempre em atualização com o progresso científico

e, muitas vezes, de regras não reduzidas a escrito. Em resumo, não é

uma questão fácil e simples a averiguação da violação do dever

objetivo de cuidado (sobretudo quando o temos de aferir por uma

figura-padrão) e, por essa razão deve ser cuidadosamente fundado e

objetivado.

Pelo conjunto dos elementos colacionados ao processo, não se

visualiza na atuação do médico o afastamento do bom caminho, da

boa conduta, devido a uma percepção errônea dos fatos. Ao revés, a

circunstâncias sinalizam no sentido de um atuar pautado nos

protocolos médicos pertinentes ao caso concreto, sem que se possa

extrair com clareza alguma evidência de erro médico.

Com efeito, o laudo técnico apresentado pelo perito

nomeado, às fls. 485/488, foi contundente em afirmar que “não é de

praxe se fazer teste alérgico para produtos usados em assepsia...”,

acrescentando, inclusive, que “a reação alérgica a estes tipos de

produtos são raríssimas, quase inexistentes” (sic).

Nessa toada, não merece acolhida a asseveração de que

“inexistiu qualquer cuidado por parte do cirurgião, no manuseio da

ferramenta utilizada durante o ato cirúrgico. É incontroverso o total

despreparo do profissional em foco. Atuara com o mais completo

desconhecimento de noções primárias das técnicas de procedimento

cirúrgico”, precipuamente, porque sequer há vestígios de prova de

que a cirurgia cardíaca, individualmente considerada, não tenha

sido exitosa, sendo certo que os danos suportados pelo autor

decorreram de reação alérgica em sua epiderme, em razão da

aplicação de uma substância para assepsia, comumente utilizada

nos procedimentos cirúrgicos, com raríssima manifestação alérgica,

a qual somente ocorreu em função da hipersensibilidade do

paciente ao produto, circunstância que não ostentava o caráter de

previsibilidade, tomando-se como base o nível médio de

capacitação profissional, nas coordenadas de tempo e de espaço,

assim como o que habitualmente se observa na prática médica.

O professor GENIVAL VELOSO DE FRANÇA, professor

titular de medicina legal na Universidade Federal da Paraíba,

membro efetivo da junta diretiva da Sociedade Ibero-Americana

de Direito Médico e autor de diversos livros sobre medicina legal

também define o erro médico, verbis:

[...] Em primeiro lugar, é necessário distinguir o erro médico do

acidente imprevisível e do mal incontrolável.

O erro médico, quase sempre por culpa, é uma forma atípica e

inadequada de conduta profissional que supõe uma

inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à

saúde do paciente. É o dano que possa ser caracterizado como

imperícia, imprudência ou negligência do médico, no exercício

regular de suas atividades profissionais. Devem ser levados em

conta as condições do atendimento, a necessidade da ação e ou

meios empregados (grifo do autor). (FRANÇA, 2012, p. 547).

Destarte, como dito alhures, a responsabilidade do hospital,

embora objetiva, não é absoluta, podendo ser afastada quando

inexistir a culpa do profissional médico. Não é preciso que a culpa

do médico seja grave: basta que seja certa. Tem que haver certeza na

presença de culpa, no agir do médico, pois a atribuição de

responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos

objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que

males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa

intervenção.

Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,

deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três

pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato

lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem

juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no caso

o nexo causal, não há porque haver indenização.

Não se olvida que o nexo de causalidade indicado pelo

perito médico não se refere à ligação do ato jurídico ao fato, mas sim

do evento com a fisiopatologia da lesão, sequela ou doença. O

expert perquire se o evento ocorrido foi causador de uma lesão,

considerando no seu mister, somente, se há nexo técnico, ficando a

cargo do magistrado investigar a existência do nexo de causalidade

jurídico.

No presente caso, restou sobejamente demonstrada a

inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos

suportados pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de

erro médico imputável ao cirurgião.

Nesse passo, em análise à dinâmica dos fatos retratada nos

autos, constata-se que a assertiva de imperícia não resiste ao acervo

probatório neles produzido, restando afastado o nexo de

causalidade jurídico entre a conduta das rés e o resultado danoso.

Assim, forçoso reconhecer que a parte autora não se

desincumbiu do encargo de comprovar o fato constitutivo de seu

alegado direito a sustentar a pretensão deduzida na peça vestibular.

Em isoédrica cadência, confiram-se os precedentes desta

Corte Estadual:

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO ERRO MÉDICO. HISTERECTOMIA SUBTOTAL REALIZADA APÓS PARTO. PRETENSÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA PARTE AUTORA VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO DECISUM. PROVA PERICIAL ROBUSTA NO SENTIDO DA INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA IMPUTÁVEL AO RÉU. AUTORA QUE APRESENTOU INVERSÃO UTERINA, COM DIAGNÓSTICO DE PLACENTA ACRETA. TENTATIVA DE REVERSÃO DO QUADRO SEM SUCESSO, PERMANECENDO COM PERDA SANGUÍNEA ININTERRUPTA, QUE PODERIA LEVAR A PACIENTE AO ÓBITO. CONDUTA MÉDICA CORRETA, DIANTE DO QUADRO DA PACIENTE. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE NO CASO CONCRETO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1) O Código de Proteção e Defesa do Consumidor consagrou, de maneira induvidosa, a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos fatos ou vícios de produtos ou de serviços (artigos 12, 14, 18 e 20, Código de Proteção e Defesa do Consumidor), independentemente da existência de culpa, desconsiderando, no campo probatório, quaisquer investigações relacionadas à conduta do fornecedor - ressalva se faz à responsabilidade civil dos profissionais liberais que, nos termos do artigo 14, §4º, da Lei nº 8.078/90, se estabelece mediante verificação de culpa. 2) A responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor dano (patrimonial ou extrapatrimonial) decorrente da violação de um dever jurídico originário (legal ou contratual). 3) Destarte, para que se configure o dever de indenizar, não basta a simples existência de danos; mais do que isso, é preciso que decorram de conduta (comissiva ou omissiva) ilícita do sujeito a quem se imputa responsabilidade, sem o que não se estabelece o necessário e indispensável nexo causal. O comportamento antijurídico,

portanto, deverá ser a causa eficiente, direta e imediata dos danos reclamados. 4) O vocábulo erro possui larga sinonímia (falta, falha, engano, desacerto, equívoco, desvio, incorreção, inexatidão, entre outros significados). Erro pressupõe distanciamento do acerto, divórcio do desejado, distorção do planejado. O erro médico significa, em última instância, contrariar o correto. Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Daí, de se exigir dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica. 5) O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício da sua profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica. Daí decorre que, uma vez ministrado regular tratamento ao paciente, não haverá que se falar em responsabilidade civil médica, ainda que daquele tratamento não advenha o resultado curativo esperado. Tem-se que a responsabilidade civil médica é subjetiva, dependente da real prova da conduta culposa daquele profissional, resultante de sua imprudência, negligência ou imperícia. 6) Baseado na prova técnica produzida, verifica-se que a paciente seria portadora de placenta acreta, o que provocou a hipotonia uterina e inversão do útero, uma complicação rara, grave, do terceiro estágio do trabalho de parto, podendo levar a paciente a óbito. O laudo pericial concluiu que não ocorreu erro médico ou qualquer fato do serviço atribuível ao estabelecimento médico-hospitalar a justificar a procedência do pleito reparatório da parte autora, não se podendo confundir erro com intercorrência. 7) Recurso conhecido e não provido. (AC nº 0255672-80.2009.8.19.0004, Rel. Des. Werson Franco Pereira Rêgo, julgamento: 03/05/2017, Vigésima Quinta Câmara Cível). APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUPOSTO ERRO MÉDICO. MEDICAMENTO (AZELAN) QUE SOMADO PREDISPOSIÇÃO PESSOAL DO AUTOR, BEM COMO À EXPOSIÇÃO SOLAR, CAUSOU-LHE REAÇÕES ADVERSAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACERTO. Tanto a clínica quanto a médica assistente asseveram que os fatos decorreram de um efeito adverso, totalmente imprevisível e inesperado e potencializado em razão das características genéticas do autor e de exposição solar. Das provas carreadas aos autos, verifica-se que não há elementos suficientes para imputar qualquer responsabilidade aos réus. Laudo pericial conclusivo (I.E. 000489) dando conta de que não há nexo de causalidade entre as manchas encontradas na dato do exame pericial e o uso do medicamento Azelan. Deste modo, não tendo a perícia concluído pela ocorrência de erro médico, afigura-se correta a sentença de improcedência, que merece ser integralmente mantida, por seus próprios fundamentos.

Recurso conhecido e ao qual se nega provimento. (AC nº 0192357-58.2007.8.19.0001, Rel. Des. Wilson do Nascimento Reis, julgamento: 20/04/2017, Vigésima Sexta Câmara Cível).

Por tais fundamentos, conduzo o VOTO no sentido de

CONHECER do recurso interposto e NEGAR-LHE

PROVIMENTO, mantendo a sentença vergastada em sua

integralidade.

Rio de Janeiro, 19 de maio de 2017.

MURILO KIELING

Desembargador

Compete ao juiz, pois, verificar se houve culpa. Não é preciso que a

culpa do médico seja grave: basta que seja certa. Tem que haver

certeza na presença de culpa, no agir do médico, pois a atribuição de

responsabilidade e condenação por erro médico exige elementos

objetivos e seguros e não meras possibilidades ou conjecturas de que

males que surgem após a intervenção médica sejam frutos dessa

intervenção.

Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,

deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três

pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato

lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem

juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no

caso o nexo causal, não há porque haver indenização.

Esse agir culposo do médico necessita do nexo causal, ou seja,

deve ser o causador do dano ao paciente. Assim, tem-se os três

pressupostos da responsabilidade civil, no caso, do médico, o ato

lesivo (culposo), o dano e o nexo causal. Esses, quando ocorrem

juntos, geram a obrigação de indenizar. Na falta de um deles, no

caso o nexo causal, não há porque haver indenização.

Nessa linha de compreensão, inobstante se reconheça que a

cicatriz hipocrômica ostentada pelo autor tenha decorrido da

reação alérgica à aplicação de uma substância de assepsia durante

a realização do ato cirúrgico, por outro lado, não restou

caracterizado o aventado erro médico, consubstanciado em uma

conduta profissional inadequada, com inobservância técnica,

caracterizada por imperícia, negligência ou imprudência.

Não se olvida que o nexo de causalidade indicado pelo

perito médico não se refere à ligação do ato jurídico ao fato, mas sim

do evento com a fisiopatologia da lesão, sequela ou doença. O

expert perquire se o evento ocorrido foi causador de uma lesão,

considerando no seu mister, somente, se há nexo técnico, ficando a

cargo do magistrado investigar a existência do nexo de causalidade

jurídico.

No presente caso, restou sobejamente demonstrada a

inexistência de nexo de causalidade jurídico entre os danos

suportados pelo autor e a conduta das rés, diante da ausência de

erro médico ou de qualquer comportamento antijurídico a elas

imputável.

Nesse passo, em análise à dinâmica dos fatos retratada nos

autos, constata-se que a assertiva de imperícia não resiste ao acervo

probatório neles produzido, restando afastado o nexo de

causalidade jurídico entre a conduta da ré e o resultado danoso.

Assim, forçoso reconhecer que a parte autora não se

desincumbiu do encargo de comprovar o fato constitutivo de seu

alegado direito a sustentar a pretensão deduzida na peça vestibular.

Em isoédrica cadência, confiram-se os precedentes desta

Corte Estadual:

DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPOSTO ERRO MÉDICO. HISTERECTOMIA SUBTOTAL REALIZADA APÓS PARTO. PRETENSÃO REPARATÓRIA DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA PARTE AUTORA VISANDO À REFORMA INTEGRAL DO DECISUM. PROVA PERICIAL ROBUSTA NO SENTIDO DA INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA IMPUTÁVEL AO RÉU. AUTORA QUE APRESENTOU INVERSÃO UTERINA, COM DIAGNÓSTICO DE PLACENTA ACRETA. TENTATIVA DE REVERSÃO DO QUADRO SEM SUCESSO, PERMANECENDO COM PERDA SANGUÍNEA ININTERRUPTA, QUE PODERIA LEVAR A PACIENTE AO ÓBITO. CONDUTA MÉDICA CORRETA, DIANTE DO QUADRO DA PACIENTE. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE NO CASO CONCRETO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1) O Código de Proteção e

Defesa do Consumidor consagrou, de maneira induvidosa, a responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos fatos ou vícios de produtos ou de serviços (artigos 12, 14, 18 e 20, Código de Proteção e Defesa do Consumidor), independentemente da existência de culpa, desconsiderando, no campo probatório, quaisquer investigações relacionadas à conduta do fornecedor - ressalva se faz à responsabilidade civil dos profissionais liberais que, nos termos do artigo 14, §4º, da Lei nº 8.078/90, se estabelece mediante verificação de culpa. 2) A responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor dano (patrimonial ou extrapatrimonial) decorrente da violação de um dever jurídico originário (legal ou contratual). 3) Destarte, para que se configure o dever de indenizar, não basta a simples existência de danos; mais do que isso, é preciso que decorram de conduta (comissiva ou omissiva) ilícita do sujeito a quem se imputa responsabilidade, sem o que não se estabelece o necessário e indispensável nexo causal. O comportamento antijurídico, portanto, deverá ser a causa eficiente, direta e imediata dos danos reclamados. 4) O vocábulo erro possui larga sinonímia (falta, falha, engano, desacerto, equívoco, desvio, incorreção, inexatidão, entre outros significados). Erro pressupõe distanciamento do acerto, divórcio do desejado, distorção do planejado. O erro médico significa, em última instância, contrariar o correto. Encarando-se a doença como uma perversão do correto biológico, identificamos a doença como um erro da natureza. Ao médico, a responsabilidade de enfrentar os erros da natureza, corrigindo-os, quando possível. Daí, de se exigir dele a aplicação de conhecimentos adequados, das técnicas usuais disponíveis, probidade e zelo no trato dos enfermos. Aí residirá a distinção entre erro e insucesso. O erro está calcado na figura da culpa; o insucesso, na imponderabilidade biológica. 5) O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício da sua profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica. Daí decorre que, uma vez ministrado regular tratamento ao paciente, não haverá que se falar em responsabilidade civil médica, ainda que daquele tratamento não advenha o resultado curativo esperado. Tem-se que a responsabilidade civil médica é subjetiva, dependente da real prova da conduta culposa daquele profissional, resultante de sua imprudência, negligência ou imperícia. 6) Baseado na prova técnica produzida, verifica-se que a paciente seria portadora de placenta acreta, o que provocou a hipotonia uterina e inversão do útero, uma complicação rara, grave, do terceiro estágio do trabalho de parto, podendo levar a paciente a óbito. O laudo pericial concluiu que não ocorreu erro médico ou qualquer fato do serviço atribuível ao estabelecimento médico-hospitalar a justificar a procedência do pleito reparatório da parte autora, não se podendo confundir erro com intercorrência. 7) Recurso conhecido e não provido. (AC nº 0255672-80.2009.8.19.0004, Rel. Des. Werson Franco Pereira Rêgo, julgamento: 03/05/2017, Vigésima Quinta Câmara Cível).

APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SUPOSTO ERRO MÉDICO. MEDICAMENTO (AZELAN) QUE SOMADO PREDISPOSIÇÃO PESSOAL DO AUTOR, BEM COMO À EXPOSIÇÃO SOLAR, CAUSOU-LHE REAÇÕES ADVERSAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. ACERTO. Tanto a clínica quanto a médica assistente asseveram que os fatos decorreram de um efeito adverso, totalmente imprevisível e inesperado e potencializado em razão das características genéticas do autor e de exposição solar. Das provas carreadas aos autos, verifica-se que não há elementos suficientes para imputar qualquer responsabilidade aos réus. Laudo pericial conclusivo (I.E. 000489) dando conta de que não há nexo de causalidade entre as manchas encontradas na dato do exame pericial e o uso do medicamento Azelan. Deste modo, não tendo a perícia concluído pela ocorrência de erro médico, afigura-se correta a sentença de improcedência, que merece ser integralmente mantida, por seus próprios fundamentos. Recurso conhecido e ao qual se nega provimento. (AC nº 0192357-58.2007.8.19.0001, Rel. Des. Wilson do Nascimento Reis, julgamento: 20/04/2017, Vigésima Sexta Câmara Cível).

Por tais fundamentos, conduzo o VOTO no sentido de

CONHECER do recurso interposto e NEGAR-LHE

PROVIMENTO, mantendo a sentença vergastada em sua

integralidade.

Rio de Janeiro, 31 de maio de 2017.

MURILO KIELING

Desembargador