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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS Departamento de ciências jurídicas ALUNA: GERMANA DA SILVA LEAL ORIENTADOR: ARI FERREIRA DE QUEIROZ PODER DE POLÍCIA: PROPORCIONALIDADE E ABUSO DE PODER GOIÂNIA 2007 1 Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Goiás, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Ari Ferreira de Queiroz.

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁSDepartamento de ciências jurídicas

ALUNA: GERMANA DA SILVA LEALORIENTADOR: ARI FERREIRA DE QUEIROZ

PODER DE POLÍCIA: PROPORCIONALIDADE E ABUSO DE PODER

GOIÂNIA2007

1

Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Goiás, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Ari Ferreira de Queiroz.

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Banca examinadora

__________________________

__________________________

__________________________

2

Dedicatória

Aos meus amados e abençoados pais, Ao meu orientador Ari Ferreira de Queiroz.

3

Agradecimentos

A Deus pela infinita misericórdia e ajuda sempre presente nas madrugadas de estudo;

Aos meus pais pelo apoio e incentivo constantes; Ao meu orientador Professor Ari Ferreira de

Queiroz pelo direcionamento e competência com a qual me conduziu neste trabalho;

A todas as pessoas que de alguma forma participaram de minha caminhada dando força e estímulo.

4

Resumo: Como estrutura maior de representação do poder público através dos três níveis de Poder, o Estado tem o dever de propiciar à sociedade como um todo uma situação em que seja possível vivenciar o que apregoa o texto legal quanto ao que se refere a uma convivência coletiva harmônica - um estado de segurança pública real e presente. Para isso este ente se utiliza, através de seus representantes, do poder de polícia. Visto aqui como um poder inerente à Administração pública, se difunde de forma abrangente por todas as vertentes administrativas e em uma atitude de supressão da vontade individual, quando esta tende a dissuadir-se do bem-estar coletivo, age de maneira coercitiva e discricionária para restabelecer qualquer situação de desvirtuamento da ordem. É mais um instrumento limitador, mas também limitado, que o poder público tem ao seu dispor para imprimir à realidade concreta, o desejo maior de uma nação soberana e democrática, qual seja, um Estado democrático de direito. Isto é, o do bem comum.

Palavras-chaves: Estado. Sociedade. Poder de polícia. Segurança. Administração. Bem comum.

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................1

CAPÍTULO IORIGEM DO PODER DE POLÍCIA

1. ASPECTOS HISTÓRICOS.......................................................................3

2. QUESTÕES CONCEITUAIS....................................................................6

3. A IGREJA E O PODER DE POLÍCIA........................................................10

4. A EXPRESSÃO PODER DE POLÍCIA.......................................................14

5. ATOS DE EXPRESSÃO DO PODER DE POLÍCIA.........................................16

CAPÍTULO II

ORDEM PÚBLICA, SEGURANÇA PÚBLICA E PODER DE POLÍCIA

1. QUESTÕES CONCEITUAIS..................................................................19

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍCIA E PODER DE POLÍCIA.....................22

3. PODER DE POLÍCIA E SEGURANÇA NACIONAL.......................................29

6

4. POLÍCIA JUDICIÁRIA E POLÍCIA ADMINISTRATIVA................................33

5. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E APURAÇÃO DE DELITOS...............36

CAPÍTULO III

O PODER DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1. CARACTERÍSTICAS OU ATRIBUTOS DO PODER DE POLÍCIA....................40

1.1 NOÇÕES....................................................................................40

1.2 A DISCRICIONARIEDADE DO PODER DE POLÍCIA............................41

1.3 A AUTO-EXECUTORIEDADE DO PODER DE POLÍCIA.........................43

1.4 A COERCIBILIDADE DO PODER DE POLÍCIA...................................46

1.5 O PODER DE POLÍCIA COMO UMA ATIVIDADE NEGATIVA.................47

2. ATUAÇÃO E ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO PODER DE POLÍCIA..................48

3. A HEGEMONIA DA FACE PREVENTIVA SOBRE A FACE REPRESSIVA..........51

4. O PODER DE POLÍCIA E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......53

5. FUNDAMENTO E FINALIDADE DO PODER DE POLÍCIA.............................56

CAPÍTULO IV

LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO E ABUSO DO PODER DE POLÍCIA

1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.......................60

2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA E INSEGURANÇA PÚBLICA EM MEIO AO COLAPSO DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO.......................65

2.1 ASPECTOS RELATIVOS À SEGURANÇA PÚBLICA...............................66

2.2 O SISTEMA CRIMINAL E A REALIDADE DA POLÍCIA..........................72

3. POLÍCIAS MILITAR E CIVIL NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA..........76

3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS SOBRE A POLÍCIA MILITAR........................76

3.2 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS DA POLÍCIA MILITAR......................77

3.3 ABUSO DE PODER NO ÂMBITO DA POLÍCIA MILITAR........................79

3.4 CONCEITO E ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL.......................................80

7

3.5 ABUSO DE PODER NO ÂMBITO DA POLÍCIA CIVIL............................82

4. LIMITES DO PODER DE POLÍCIA..........................................................85

5. EXTENSÃO EXCEPCIONAL DO PODER DE POLÍCIA.................................86

6. CONCLUSÃO.....................................................................................88

BIBLIOGRAFIA.........................................................................92

8

INTRODUÇÃO

O Estado, responsável pela preservação e manutenção da ordem e segurança dos cidadãos em sociedade, busca através de seus agentes a concreção de meios sancionadores e coercitivos capazes de restringir condutas particulares que venham a afetar negativamente a coletividade ou o próprio Estado.

Esta atividade do ente estatal fundamenta-se legalmente tanto na Constituição Federal quanto em normas de ordem pública e busca precipuamente garantir a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo abrangendo valores de ordem material, moral e espiritual do povo.

A própria Constituição Federal ao outorgar aos indivíduos uma vasta gama de direitos, assegurando-os por meio de diversos dispositivos, deixa claro além da plena liberdade de exercício conferida aos cidadãos, a necessidade de imposição de limites.

Não sendo, portanto, incondicionados os direitos conferidos pela Lei aos indivíduos, faz-se necessária a observância por parte do Estado democrático de direito garantir o gozo dos mesmos por parte dos cidadãos de maneira que o interesse coletivo se ache tutelado em face de abusos que venham a feri-lo.

Com esse intuito, é que o Estado através de seus Poderes estabelece um mecanismo de frenagem da conduta individual. Inicialmente, tal atividade acha-se cumprida pelo Poder Legislativo, a quem incumbe a formulação de leis que estabeleçam condições e limites de exercício à fruição de direitos individuais e coletivos.

No entanto, como não bastam tais providências, é preciso que a Administração Pública de maneira efetiva aja nos casos concretos, intervindo em situações que destoem do que regulamenta a Lei e, assim, façam-na cumprir.

Agindo dessa forma, o Estado através de seus agentes, estará utilizando dos poderes administrativos, instrumento de trabalho do administrador público, especificamente do poder de polícia, evidenciado através da prevenção e repressão da conduta negativa e anti-social, preservando o interesse geral da comunidade em face do abuso do direito individual.

É, portanto, o poder de polícia, faculdade discricionária da Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens e direitos individuais, em benefício da sociedade ou do próprio Estado.

9

Tendo então como objeto, todo bem, direito ou atividade pessoal que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança desta. Ao condicionar direitos e o uso de bens individuais delimita a execução das atividades por meio de fiscalização e controle.

Atualmente, o tema relativo ao poder de polícia é largamente discutido principalmente quanto à medida de sua aplicabilidade. Até que ponto e de que maneira deverá atuar o Estado por meio do poder de polícia sem ferir a garantia conferida pela Constituição Federal às liberdades pessoais?

Como resposta a tal indagação, faz-se necessário observar dentre outros aspectos, a proporcionalidade imputada ao ente estatal na execução das medidas coercitivas e, a fuga deste princípio, o que resultará em abuso de poder por parte do Estado.

Estes e outros pontos serão levantados neste trabalho no afã de expor o presente tema de maneira clara e explicativa com o objetivo de situar o poder de polícia na esfera que propõe a Lei Maior.

10

CAPÍTULO I: ORIGEM DO PODER DE POLÍCIA

1. ASPECTOS HISTÓRICOS

Para se entender o significado do termo poder de polícia, faz-se necessário

primeiramente situá-lo historicamente ao longo do tempo, inicialmente, na

Antigüidade e Idade Média, em seguida dentro do que se denominou estado de

polícia e, por fim, dentro do estado de direito compreendido neste o estado liberal,

o social e o democrático.

A palavra portuguesa polícia, representada nas várias línguas românicas e

anglo-germânicas, origina-se do grego politeia através da forma latina politia.

Ligada etimologicamente ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego pólis (=

cidade, Estado), indicou entre os antigos helênicos a constituição do Estado, o

bom ordenamento,1 sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade-

estado (pólis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão.2

Na Antigüidade, então, limitou-se à organização do Estado estabelecendo a

idéia de governo e estrutura deste. Durante a Idade Média, no período feudal, o

sentido do vocábulo teve nova vertente, tendo sido usado para designar a boa

ordem da sociedade civil sob a autoridade do Estado, em contraposição à boa

ordem moral e religiosa da competência exclusiva da autoridade eclesiástica. 3

Nesta época, havia o jus politiae, poder do qual o príncipe era detentor e

que designava a este ampla ingerência na vida particular dos cidadãos, incluindo a

1 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 405.2 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 109.3 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 405.

11

vida religiosa e espiritual, sempre com o pretexto de alcançar a segurança e o

bem-estar coletivo. Compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que

se colocavam fora do alcance dos tribunais. Esta fase foi denominada de estado de

polícia. 4

Ainda na Idade Média, retira-se, a partir do século XI, da noção de polícia o

aspecto referente às relações internacionais e já se detecta o exercício do poder de

polícia, tal como é hoje considerado, no âmbito das comunas (municípios)

européias, por seus administradores, contribuindo para fixar a raiz nascente da

cidade moderna. Saindo aos poucos do âmbito da polícia as matérias relativas à

justiça e às finanças. 5

A primeira etapa do estado moderno foi então caracterizada por uma fase

de opressão nas vidas dos cidadãos, com o poder intervencionista do príncipe.

Uma total intromissão do Estado, caracterizando o direito de polícia do soberano.

Era a época do estado iluminista, no qual o governante agia de acordo com a sua

própria lei, segundo a sua ótica particular e sem limitações.

Logo depois vem a segunda fase do estado moderno: o estado de direito, o

qual se desenvolve sob a égide de princípios, como o liberalismo e a legalidade,

advindos da Revolução Francesa ocorrida no século XVIII.

Com o estado de direito, inaugura-se nova fase em que já não se aceita a

idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Além de que a

preocupação passa a ser a de assegurar ao indivíduo uma série de direitos

subjetivos, dentre os quais a liberdade. Em conseqüência, tudo o que significasse

uma interferência nessa liberdade deveria ter um caráter excepcional. A regra era

o livre exercício dos direitos individuais assegurados nas Declarações Universais de

Direitos, transpostos depois para as constituições.6

A partir de então, polícia passa a ser vista como uma parte das atividades

4 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 109.5 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 331-332.6 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 109-110.

12

da Administração, destinada a manter a ordem, a tranqüilidade, a salubridade

públicas. Momento em que o vocábulo “polícia” deixou de ser usado isoladamente

e surgiu primeiramente na França, a expressão polícia administrativa;7 sendo esta

essencialmente uma polícia de segurança.8

Um outro momento se inicia, ainda com idéias liberais, em que a atuação

estatal não se limita mais à segurança, entendendo-se também à ordem

econômica e social e, antes mesmo de iniciar-se o século XX, fala-se em uma

polícia geral, relativa à segurança pública, e em polícias especiais, que atuam nos

mais variados setores da atividade dos particulares.9

Foi o momento do estado social, no qual a polícia passou a ter nova face,

preocupando-se com questões relacionadas ao bem-estar da coletividade sempre

com o objetivo de adequar o exercício dos direitos individuais a uma situação de

harmonia com o interesse geral.

Posteriormente, em um terceiro momento do Estado de Direito, observa-se

uma preocupação do ente estatal com sua face democrática, o que refletiu no

exercício do poder de polícia. Momento em que a população obrigatoriamente

participa das negociações, relativas à sociedade como um todo, em nível de

constituição, estando até organizada, muitas vezes, em classes.

É o estado democrático de direito procurando garantir aos cidadãos o pleno

exercício dos direitos e liberdades pessoais assegurados em Lei e, ainda

vinculando seus atos ao que esta propõe. De maneira que o exercício do poder de

polícia não seja mais do que o que esteja definido como suficiente à garantia da

convivência pacífica da coletividade.

Assim, a evolução do poder de polícia ao longo da história norteou sua

execução nos dias atuais e permitiu a consagração de um Direito Administrativo

estruturado e embasado em princípios basilares à atuação da Administração

7 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 332.8 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 110.9 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 110.

13

Pública. A qual procura contrabalancear de um lado a garantia de efetivação plena

dos direitos individuais almejada pelo cidadão, e de outro a contensão desse

mesmo direito quando seu exercício individual venha sobrepujar o coletivo.

2. QUESTÕES CONCEITUAIS

Grande relevância tem neste ponto, para esclarecimento pertinente do

trabalhado realizado, expor por parte de doutrinadores e também da legislação, o

conceito de poder de polícia ao longo dos tempos como requisito primário e sólido

necessário à compreensão e desenvolvimento do tema.

Pelo conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de

polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos

individuais em benefício da segurança.10 Sob essa ótica, o poder de polícia acha-se

norteado pela noção que lhe emprestavam os gregos, na qual a polícia significava

o próprio governo, idéia aceita também pelos norte-americanos na lição de Paulo

Almeida Dutra:

O poder de polícia é, entre eles (os americanos), o poder do Estado de promover a saúde pública, a segurança, a moral e o bem-estar geral; ou, como foi mais simples e compreensivamente descrito, o poder de governar homens e coisas.11

Ainda neste sentido, o poder de polícia, em geral, sempre existiu no Estado,

qualquer que tenha sido sua natureza e funções, no que diz respeito aos fins da

sociedade a ele referida, quer tenha tido um caráter amplo de política interna

(concepção originária da polícia como governo), quer tenha sido concebido como

instituição essencialmente administrativa, ou como administração jurídica, ou

administração social do Estado. A idéia de Estado é inseparável da de polícia.12

Modernamente, poder de polícia é a faculdade de que dispõe a

Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens,

atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

10 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 111.11 DUTRA, Paulo de Almeida. Desvio de poder. São Paulo: Max Limonad, 1986. p. 3412 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 419.

14

É o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os

abusos do direito individual.13

Sob esse ângulo, Petrônio Braz conceitua o poder de polícia como “um

poder de vigilância objetivando o bem-estar social, impedindo que os abusos dos

direitos pessoais possam perturbar ou ameaçar os interesses gerais da

coletividade”.14

Concordando com esse pensamento, Odete Medauar tem o poder de polícia

como “a atividade da Administração que impõe limites ao exercício de direitos e

liberdades.” Para ela, é uma das atividades em que a Administração mais expressa

sua face autoridade e imperativa. Pois, “onde existe um ordenamento, este não

pode deixar de adotar medidas para disciplinar o exercício de direitos

fundamentais de indivíduos e grupos”.15

Assim expõe também Odília Oliveira ao ter o poder de polícia como

“conjunto de atribuições da Administração Pública, consistentes em atos

normativos e atos individuais executórios, de fiscalização e controle da atividade

privada, não só mediante a prevenção, mas também por via da repressão de atos

violadores da ordem jurídica, que tenham repercussão social”.16

Ainda sob este ponto de vista, corrobora Maria Sílvia Zanella Di Pietro ao

afirmar que “o poder de polícia é tido como a atividade do Estado consistente em

limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.17

Sem embargo, convém expor segundo a visão de Celso Antônio Bandeira

de Mello, seu conceito de poder de polícia evidenciando um sentido amplo e estrito

deste:

A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade

13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 131.14 BRAZ, Petrônio. Manual de direito administrativo. 2. ed. Leme: Editora de Direito, 2001, p. 141.15 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 331.16 OLIVEIRA, Odília Ferreira da Luz. Implicações da distinção entre poder de polícia e serviço público. Revista de direito público, n. 74, p. 208-209.17 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 111.

15

ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos.A expressão “poder de polícia” pode ser tomada em sentido mais estrito, relacionando-se unicamente com as intervenções, quer gerais e abstratas, como os regulamentos, quer concretas e específicas (tais as autorizações, as licenças, as injunções), do poder Executivo destinadas a alcançar o mesmo fim de prevenir e obstar ao desenvolvimento de atividades particulares contrastantes com os interesses sociais. Esta acepção mais limitada responde à noção de polícia administrativa.18

Noutro aspecto, traz José Cretella Júnior que, por informar todo o sistema

de proteção que funciona atualmente nos estados de direito, o poder de polícia

deve “satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranqüilidade, a

segurança e a salubridade públicas”.

Em contrapartida, partindo-se do fato de que o conceito de poder de polícia,

ao longo dos tempos teve várias faces, correspondendo à realidade histórica de

cada época e, que hoje, acha-se dotado de vasta abrangência, seria estabelecer

uma grande limitação condicioná-lo a um tríplice objetivo como o exposto acima.

Coadunando com esse pensamento Maria Sílvia Zanella Di Pietro acrescenta

que o interesse público a que deve atender a execução do poder de polícia, “diz

respeito aos mais variados setores da sociedade, tais como segurança, moral,

saúde, meio ambiente, defesa do consumidor, patrimônio cultural, propriedade”.19

Então, não há que se indagar se há no exercício do poder de polícia o trio:

tranqüilidade, segurança e salubridade públicas. Principalmente no Brasil, onde

este poder é visto pela maior parte dos doutrinadores como atuante nas mais

diversificadas esferas da sociedade. Neste sentido, afirma Celso Antônio Bandeira

de Mello:

Ocorre que no Brasil só existem regulamentos executivos, isto é, para a fiel execução das leis. Foge à alçada regulamentar inovar na ordem jurídica. Para nós, então, não interessa indagar se se trata de segurança, ordem ou salubridade públicas, ou qualquer outro setor, uma vez que se encontram niveladas todas as intervenções da

18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 718.19 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 111.

16

Administração.20

É ainda dessa noção que esse autor acentua os sentidos amplo e estrito do

poder de polícia já expostos em momento anterior. Não se limitando, portanto, a

uma definição rígida do termo. Partindo desse pressuposto, tem-se no artigo 78 do

Código Tribunal Nacional, referente à cobrança de taxa, um conceito para o poder

de polícia da Administração:

Considera-se poder de polícia da atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Há também na Constituição Federal de 1988, em vários artigos e incisos,

abordagem do legislador a cerca do poder de polícia como, por exemplo, o artigo

5º, VI, VIII, XIII, XVI, XXIII e XXIV, artigo 145, II, artigo 170 e artigo 172, entre

outros.

Ainda a título de conceituação, mas abordando um outro aspecto

extremamente relevante, Marçal Justen Filho afirma que “o poder de polícia

administrativa é a competência administrativa de disciplinar o exercício da

autonomia privada para a realização de direitos fundamentais e da democracia,

segundo os princípios da legalidade e da proporcionalidade”.21

A partir deste conceito é possível depreender que além de zelar pela

convivência dos cidadãos em sociedade, assegurando seus direitos e permitindo o

livre exercício deles, a execução do poder de polícia a que se pautar nos princípios

que regem a administração pública de forma que não se desvie do que propõe a lei

e ainda o realize de maneira ponderada.

Assim, a partir de todas as definições oferecidas tanto pela legislação

quanto pelos diversos doutrinadores, é possível observar o caráter limitativo da

conduta individual do ser humano por parte do poder de polícia, em prol de uma

20 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 734-735.21 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.385.

17

situação de convivência social aceitável e permissiva de benefícios à coletividade.

3. A IGREJA E O PODER DE POLÍCIA

É possível observar através de registros da história da humanidade que ao

longo dos tempos a Igreja e o Estado estiveram ligados. Ora de forma conflitante

em que o representante político e o detentor do poder espiritual interferiam um na

ação do outro, cada qual buscando a supremacia de seu poder e ora unidos

estabelecendo laços de força dos dois poderes. É o que se observa, por exemplo,

no Império romano (de 27 a.C. a 476 d.C). Período em que os cristãos foram

severamente perseguidos e a Igreja cristã não exerceu grande influência na

sociedade:

Ao imperador, supremo mandatário, cabia exercer totalmente o controle político, sobrepondo-se ao Senado. A ele competia nomear magistrados, controlar os exércitos, interferindo, até mesmo, nas questões religiosas.22

Somente após a aceitação do cristianismo promovida pelo imperador

Constantino (313-337) por meio do Edito de Milão, o qual “concedeu liberdade de

culto aos cristãos, já importantes em número e influência”23, é que a igreja católica

passou a ter interferência direta em todos os setores da sociedade.

Foi então na Idade Média que se observou a supremacia desta instituição

feudal, a maior do ocidente europeu. Uma vez que “atuando em todos os níveis da

vida social, a Igreja estabeleceu normas, orientou comportamentos e, sobretudo,

imprimiu nos ideais do homem medieval os valores teológicos, isto é, a cultura

religiosa”.24

Essa interferência direta da Igreja foi decisiva para a aceitação da

mentalidade de uma sociedade imóvel e estratificada que culminou na sustentação

da realidade política vivenciada na época, necessariamente desigual:

Coube, assim, ao clero forjar a mentalidade da época, reforçando o predomínio dos senhores feudais (clero e nobreza), justificando os privilégios estabelecidos e oferecendo ao povo, em troca, a promessa do

22 VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 90.23 VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 93.24 VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 111.

18

paraíso celestial.25

Era, na verdade, uma aliança de cooperação entre o Estado e a Igreja, em

que esta exercendo sua supremacia, enaltecia a situação política e social vigente

em troca de maior fortalecimento de suas bases. E, a cada medida que tomava em

prol do fortalecimento do poder do soberano, tornava-se por parte deste mais

protegida:

Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e outros servos, obrigados a venerar e a amar a Deus, e que os servos estejam obrigados a amar e venerar o seu senhor.26

Em alguns momentos, foi possível observar confusão entre o papel da Igreja

e do Estado. Este se estruturando aos poucos, de acordo com as mudanças

trazidas pelas modificações ao longo dos tempos, principalmente da economia, e

aquela devido ao forte poderio que deteve, fazendo as vezes de Estado ao impor

penalidades ao homem que se achasse contrário ao seus dogmas:

Em sua obsessão pelo poder, os papas passaram a intervir sistematicamente em assuntos de política e economia, acabando por enfrentar a resistência da realeza.27

É possível, portanto, observar que a relação Igreja-Estado tem feito parte

diretamente da vida do homem e direcionado a conduta deste. Por meio da

doutrina cristã, a qual prega a paz entre os homens, a Igreja tem se relacionado

com as questões sociais que envolvem o ser humano e, buscado imprimir a

necessidade do alcance de um bem comum a todos, dado o fato de o homem ter

sido criado à imagem e semelhança de Deus e por isso ser responsável pelo

exercício dos seus direitos individuais com os demais pertencentes ao seu grupo

social.

Esse bem comum não é senão finalidade social a ser cumprida pelo Estado

e na lição de Dalmo Dallari de Abreu é perfeitamente definido pelo Papa João

XXIII:

O bem comum consiste no conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da

25 VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 111.26 ANGERS, St. Laud de. In: FREITAS, Gustavo de. 900 textos e documentos de história. Lisboa: Plátano, 1975.27 VICENTINO, Cláudio. História geral. 8. ed. São Paulo: Scipione, 1999, p. 152.

19

personalidade humana. (...) Como se vê não é feita referência a uma espécie particular de bens, indicando, em lugar disso, um conjunto de condições, incluindo a ordem jurídica e a garantia de possibilidades, que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. Nesta idéia de integral desenvolvimento da personalidade está compreendido tudo, inclusive os valores materiais e espirituais, que cada homem julgue necessário para a expansão de sua personalidade. Ao se afirmar, portanto, que a sociedade humana tem por finalidade o bem comum, isto quer dizer que ela busca a criação de condições que permitam a cada homem e a cada grupo social a consecução de seus respectivos fins particulares.”28

Dessa forma, é necessário que antes de qualquer lucro pessoal ou interesse

particular, a sociedade coloque o bem comum à frente de suas relações e todos

sejam beneficiados.

Porém, os homens, por si mesmos, individualmente, revelam-se incapazes

de coordenar seus esforços para a verdadeira construção do bem comum, pois ele

carreia em seu bojo complexas teias de relações humanas. Por isso, o Estado e os

governantes têm a missão de assumir a construção dessa obra monumental.29

É daí, então, que advêm a necessidade da atuação do ente estatal através

do poder de polícia, no sentido de controlar, ajudar e regular as atividades

individuais e, assim, direcioná-las de forma harmoniosa ao bem comum.

Para que esta missão do Estado se concretize é imperioso que exista um

sistema de segurança humana capaz de coibir no caso concreto ações

desfavoráveis ao bem comum e possibilite um mínimo de segurança à

coletividade. A este sistema dá-se o nome de polícia, o qual segundo José Cretella

Júnior, “é a atividade concreta exercida pelo Estado para assegurar a ordem

pública através de limitações legais impostas à liberdade coletiva e individual.”30

A existência da polícia como meio de assegurar a ordem pública, promover a

segurança necessária à coletividade e, assim possibilitar o bem comum coaduna

com a doutrina social da Igreja. “Destarte, a polícia, em si, como concebida, é um

importante elo de ligação entre o Estado e a doutrina social da Igreja.”31

28 Papa João XXIII. Pacem in terris (Encíclica), I, 58.29 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 19.30 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 414.31 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen

20

4. A EXPRESSÃO PODER DE POLÍCIA

Tem origem na jurisprudência norte-americana. A expressão técnica advém

do inglês police power. José Maria Pinheiro Madeira citando Henrique de Carvalho

Simas, diz:

A expressão veio dos Estados Unidos: police power. Criação da jurisprudência dos tribunais americanos, significa, nada mais nada menos, uma atividade discricionária (não arbitrária) do governo, que age com certa liberdade para aquilatar da convivência, oportunidade ou alcance da aplicação das medidas limitativas ou disciplinadoras dos direitos individuais.32

Concordando com esta afirmação José Cretella Júnior acentua que a

expressão é bastante moderna e, que após ter sido criada em país de língua

inglesa, expandiu-se pelo direito público de todo o mundo. Faz ainda um breve

relato da utilização da expressão:

Em 1827, no caso Brown “versus” Maryland, o juiz Marshall, presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, trata do poder de polícia, se bem que a expressão integral, estereotipada - police power – ainda não lhe tivesse ocorrido de modo nítido, tanto assim que, em seu voto, nada menos que 10 vocábulos se interpõem entre os termos constitutivos da denominação. O mesmo juiz, em caso anterior (1824), Gibbons “versus” Ogden, empregara os mesmos vocábulos, também afastados um do outro, não ocorrendo, ainda, a expressão “police power”. Em 1853, no caso Commonwealth “versus” Alger, o juiz Shaw, fez alusão à relatividade dos direitos de propriedade, subordinados aos demais interesses particulares e coletivos. No caso Noble, a expressão, agora para sempre consagrada, aparece na íntegra, pela primeira vez: “Pode dizer-se, de um modo geral, que o police power se estende a todas as grandes necessidades públicas”.33

Em outra vertente, acentua Celso Antônio Bandeira de Mello que a

expressão poder de polícia traz consigo “a evolução de uma época pretérita, a do

‘Estado de Polícia’, que precedeu ao Estado de Direito”. Carregando consigo “a

suposição de prerrogativas dantes existentes em prol do ‘príncipe’ e que se faz

comunicar inadvertidamente ao Poder Executivo”. Dessa forma, “raciocina-se

Júris, 2000, p. 22.32 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 10.33 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 420.

21

como se existisse uma ‘natural’ titularidade de poderes em prol da Administração

e como se dela emanasse intrinsecamente, fruto de um abstrato ‘poder de

polícia’”.34

Atualmente, na quase totalidade dos países europeus, excepcionalmente à

França, “o tema é tratado sob a titulação ‘limitações administrativas à liberdade e

à propriedade’, e não mais sob o rótulo ‘poder de polícia’”.35

Contudo, como na realidade brasileira a denominação é largamente

empregada, tanto por doutrinadores como pela legislação, será chamada então de

poder de polícia a prerrogativa da Administração de impor limitações à conduta

individual do particular em prol do bem comum e, há que se ressaltar a diferença

entre o poder de polícia e a polícia para que não ocorram conflitos nos atos de

expressão de um e de outros resultantes de má-definição. É o que assinala José

Cretella Júnior:

A polícia é (...), a atividade exercida pelo Estado para assegurar a ordem pública e particular mediante limitações impostas à liberdade coletiva e individual dos cidadãos, tem âmbito mais restrito do que o poder de polícia que é a faculdade atribuída pela Constituição do poder legislativo para regulamentar os direitos individuais, promovendo o bem-estar geral.36

Neste sentido, na lição de Álvaro Lazzarini, “podemos dizer que o poder de

polícia é uma potencialidade, é algo em potência, ao passo que a polícia é uma

realidade, é algo em ato. O poder de polícia legitima a ação da polícia e sua

própria existência.”37

5. ATOS DE EXPRESSÃO DO PODER DE POLÍCIA

Na lição de Marçal Justen Filho, “a natureza de poder de polícia conduz, na

grande parte dos casos, à sua exteriorização por meio de atos administrativos

unilaterais. A especificação da espécie de ato adequado depende das

34 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 717.35 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 717.36 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 423.37 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 186.

22

circunstâncias e da natureza.”38

Neste sentido, tomando-se a atuação do poder de polícia em sentido amplo,

com abrangência em atividades dos Poderes Executivo e Legislativo, tem-se o

exercício de atos que podem ser normativos em geral, e concretos ou operações

materiais. José Maria Pinheiro Madeira afirma que:

(...) pelos atos normativos em geral, que são leis, criam-se as limitações administrativas ao exercício dos direitos e atividades individuais, estabelecendo-se normas gerais e abstratas dirigidas indistintamente às pessoas que estejam em idêntica situação;e que disciplinando a aplicação da lei aos casos concretos, pode o Executivo baixar decreto, resoluções, portarias, instruções.39

(...) os atos administrativos e operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto compreendem medidas preventivas como fiscalização, vistoria, ordem, notificação, autorização, licenças, objetivando adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas (dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias deterioradas, internação de doente com patologia contagiosa), com a finalidade de coagir o infrator a cumprir a lei.40

Na lição de Odete Medauar, “a licença é ato administrativo vinculado pelo

qual o poder público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências

legais, possibilita-lhe a realização de atividades ou de fatos materiais, vedados

sem tal apreciação.” Como exemplo de licença cite-se: “licença de construir,

licença ambiental, licença de localização e funcionamento.”41

Ainda sob o olhar desta autora, tem-se agora a autorização “como ato

administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administração consente no

exercício de certa atividade; no âmbito do poder de polícia, diz respeito, ao

exercício de atividades cujo livre exercício pode, em muitos casos, constituir

perigo ou dano para a coletividade, mas que não é importuno impedir de modo

absoluto.” Os exemplos mais comuns são o porte de armas e o comércio de fogos. 42

38 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.385.39 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 4840 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 4841 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 337.42 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 337-338.

23

Como exemplo de regulamentos ou portarias, tem-se também “as que

proíbem soltar balões em épocas de festas juninas” e “das normas

administrativas, as que disciplinam horário e condições de vendas de bebidas

alcoólicas em certos locais. São disposições genéricas próprias da atividade de

polícia administrativa.” 43 Em outra vertente, tem-se:

(...) as injunções concretas, como as que exigem a dissolução de uma reunião subversiva, apreensão de edição de revista ou jornal que contenha noticiário ou reportagem sediciosa, imoral ou dissoluta, fechamento de estabelecimento comercial aberto sem a prévia obediência aos requisitos normativos, interdição de hotel utilizado para exploração de lenocínio, guinchamento de veículo que obstrua via pública, são atos específicos de polícia administrativa praticados em obediência a preceitos legais e regulamentares.44

Diógenes Gasparini complementa ainda, que “a atribuição de polícia

administrativa também compreende os atos de fiscalização. Por eles, previnem-se

os danos decorrentes da ação dos administrados.”45 Como exemplo, tem-se:

(...) a fiscalização dos estabelecimentos de pasto (restaurantes, bares e lanchonetes), no que concerne à higiene e à qualidade dos alimentos postos ao consumo público; das construções, no que respeita a higiene, segurança, habitabilidade; de atividades (caça e pesca), no que diz respeito á época, ao local e aos equipamentos utilizados; dos táxis, no que se refere à segurança, à higiene e à aferição dos taxímetros.”46

Dessa forma, é possível depreender que o poder de polícia está inserido

por toda a Administração e seus atos de expressão são, portanto, inúmeros e

repercutem sobremaneira dentro da sociedade.

CAPÍTULO II: ORDEM PÚBLICA, SEGURANÇA PÚBLICA E PODER DE

43 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 731.44 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 731.45 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132-133.46 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132-133.

24

POLÍCIA

1. QUESTÕES CONCEITUAIS

A ordem pública, objeto de profunda necessidade para a convivência

saudável da coletividade, possui conceituação diversa e abrangente na doutrina

dominante em face da amplitude que possui.

A atual Constituição Federal no artigo 144, faz menção à ordem pública ao

afirmar que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de

todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio”, mas não oferece definição exata ao termo.

Por isso, “consideramos mais procedente entender que a ordem pública

não se limita às noções de segurança e de tranqüilidade, mas também abrange os

conceitos de ordem moral, estética, política e econômica.”47 É neste sentido, por

exemplo, que age amplamente a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

quando menciona questão de ordem pública:

PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE –ILEGITIMIDADE PASSIVA – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO – DILAÇÃO PROBATÓRIA – PRECEDENTES.1. A controvérsia essencial destes autos restringe-se à exclusão dorecorrente do pólo passivo da relação jurídica, por meio de argüição de exceção de pré-executividade.2. A exceção de pré-executividade é admitida nas hipóteses em que a matéria objeto de defesa, pelo executado, seja de ordem pública e, portanto, cognoscível de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e graude jurisdição, como, por exemplo, as condições da ação e os pressupostos processuais (artigo 267, § 3º, do Código de ProcessoCivil).3. Sobre a exclusão da responsabilidade do recorrente, na hipótesedos autos, denota-se inexistir respaldo legal. Frise-se que a inclusão do co-responsável à execução, na forma do art. 135 do CTN, origina-se do disposto no art. 4º da LEF. Nesse sentido, independentemente de terem nomes expressamente lançados na CDA, os co-responsáveis podem ser citados e, além disto, terem seus bens penhorados. (...)48

Assim, por ordem pública, não se entende somente a ausência de

47 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 86.48 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 787116/SC, relatora ministra Eliana Calmon, julgamento 21/06/2007, DJ 29-06-2007, p. 541.

25

desordem, mas também a atuação preventiva que possibilite a não ocorrência de

lesões à convivência pacífica da comunidade. Daí ser necessária a atuação do

poder de polícia no sentido de promover a situação de ordem pública, a qual “há

de ser garantida através de mecanismos de segurança pública, que haverão de ser

adotados por órgãos específicos.”49

Tais órgãos, de acordo com o texto constitucional mencionado acima, nos

incisos I, II, III, IV, V e § 8º, são a própria polícia, organizada em corporações e

distinta pela competência que cada uma possui, ou seja, a polícia federal, a polícia

rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias militares

e corpos de bombeiros militares, além das guardas municipais que os municípios

poderão constituir.

Além destes, conta-se com a polícia administrativa, pois esta na lição de

José Cretella Júnior, “tem por objeto a manutenção da ordem pública e exerce

atividades a priori, antes dos acontecimentos, procurando evitar que os crimes se

verifiquem.”50

Ainda sob o ponto de vista deste autor, “à polícia administrativa ou

preventiva incumbe, em geral, a vigilância, a proteção da sociedade, manutenção

da ordem e tranqüilidade públicas, bem assim, assegurar os direitos individuais e

auxiliar a execução dos atos e decisões da Justiça e da administração.”51

Neste sentido, é inegável que para a existência da ordem pública, faz-se

necessária a atuação da polícia, esta encarada também em sentido amplo e não

somente sob sua face repressiva, uma vez que na realidade brasileira, à polícia

cumpre também a prevenção dos delitos.

Sem embargo, cumpre observar que embora aja distinção entre as polícias

administrativa e judiciária, no Brasil esta diferença “não tem integral aplicação,

porque a nossa polícia é mista, cabendo ao mesmo órgão atividades preventivas e

49 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 85.50 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 416.51 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 416.

26

repressivas.”52

Neste aspecto, José Cretella Júnior conceitua polícia como “a operação que

tem por fim assegurar por via geral ou individual, preventivamente e por certas

medidas apropriadas (que constituem seu objeto), a tranqüilidade, a segurança e

a salubridade públicas, a fim de prevenir as ofensas aos direitos e propriedades

dos indivíduos que poderiam resultar numa falta de tranqüilidade, de segurança ou

de salubridade.”53

Ainda neste sentido, é notório, “que a ordem pública existe sempre que não

há desordem, atos de violência, de que espécie for, contra pessoas, bens ou o

próprio Estado. Mas ela não pode ser concebida única e exclusivamente sob esta

ótica. Não se trata de figura jurídica, embora dela se origine e tenha a sua

existência formal.”54 Assim, na lição de Álvaro Lazzarini:

A ordem pública encerra um contexto maior, no qual se encontra a noção de segurança pública, como estado antidelitual, resultante da observância das normas penais, com ações policiais repressivas ou preventivas típicas, na limitação das liberdades individuais.55

Dessa forma, mesmo que de forma ampla, a ordem pública é objeto de

busca e preservação por parte do poder público, uma vez que sem ela será

impossível a convivência social.

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POLÍCIA E PODER DE POLÍCIA

A Constituição Federal no artigo 2º acentua que “são poderes da União,

independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. No

Estado Moderno ao contrário do Antigo e Medieval, a existência dos três poderes

tem o objetivo de defender os interesses do povo, colecionados no bem-estar,

ordem social e bem comum em contraposição aos anseios individuais.

52 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 92.53 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 409.54 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 95.55 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 202.

27

Em concordância com essa afirmativa, acentua Alexandre de Moraes que

“o objetivo inicial da clássica separação das funções do Estado e distribuição entre

órgãos autônomos e independentes tinha como finalidade a proteção da liberdade

individual contra o arbítrio de um governante onipotente”. 56

Reis Friede afirma ainda que “a divisão do poder de Estado em três órgãos

distintos (Legislativo, Executivo e Judiciário), independentes e harmônicos entre

si, representa a essência do sistema constitucional. Uma Constituição que não

contenha este princípio não é Constituição, como afirmaram os teóricos do

liberalismo”.57

Sob esta ótica, “é tão fundamental, na concepção do Estado Moderno, o

princípio da separação dos Poderes que, no art. 16 da Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, promulgada na França em 26 de agosto de 1789, foi

firmado o princípio de que “toda sociedade em que a garantia dos direitos não é

assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem constituição”58,

vale dizer é um Estado politicamente não evoluído”. 59(...)

Nesse contexto, é imprescindível salientar que a clássica separação dos

poderes reconhecida e acatada como dogma dos Estados liberais, teve origem no

século XVIII por Montesquieu a partir da compilação de diversas divagações de

filósofos na obra intitulada “O Espírito das Leis”, a qual expôs a necessidade de

impedir a tirania dos governantes que caracterizou os Estados absolutistas do

passado.

Sem embargo, necessário é pontuar que “essa separação de poderes não

pode ser entendida da maneira absoluta como pretendiam, nos primeiros tempos,

os teóricos do ‘presidencialismo puro’ norte-americano. Nem decorre da doutrina

de Montesquieu que cada um dos três clássicos poderes deva funcionar com plena

independência, plena autonomia, fechado em departamento estanque. Melhor será

56 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 370.57 FRIEDE. Reis. Curso de ciência política e teoria geral do estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 459.58 FENET, Alain. Les libertes publiques en France. 1. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1976, p. 35.59 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 25-26.

28

falar-se em separação de funções. A divisão é formal, não substancial”. 60

“Isso é tanto mais importante, quando sabe-se que as atividades da

Administração Pública, típicas do Poder Executivo, coexistem nos dois outros

Poderes, isto é, no Legislativo e no Judiciário”.61(...) Salientando-se, entretanto,

que tal ocorrência em nada compromete a competência legítima e específica de

cada Poder.

Sob esta ótica, imprescindível é expor o conceito de Administração Pública,

embora nem sempre esta definição seja encontrada de forma bem definida devido

aos vários sentidos dados à expressão. A saber:

Poderes criados, distribuídos e administrados pelo governo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, para atender a necessidades e interesses da coletividade, com execução de atividades e serviços públicos(...)62

Na lição de Hely Lopes Meirelles, se “administrar é gerir interesses,

segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação

alheias”, e sendo estes bens da coletividade, “realiza-se administração pública”.63

Sendo assim, para este autor, Administração Pública, “é a gestão de bens e

interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual e municipal,

segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum”.64 Nesta

linha, Laubadére, administrativista francês, acentua que:

Administração Pública é o ramo do direito público interno que compreende a organização e a atividade daquilo que se denomina corretamente Administração, isto é, o conjunto de autoridades, agentes e organismos encarregados, sob o impulso dos poderes políticos, de assegurar as múltiplas intervenções do Estado moderno.65

60 MALUF, Sahid. Teoria geral do estado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 205-207.61 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 27.62 GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri. Dicionário técnico jurídico. 5. ed. São Paulo: Rideel, 2003, p. 50.63 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 84.64 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 84.65 LAUBADÉRE, André. Manuel de droit administratif. 10.ed. Paris: Ledy, 1977. p. 11.

29

Odete Medauar assinala duas faces de observação para o termo. Sob o

aspecto funcional, Administração Pública significa “um conjunto de atividades do

Estado que auxiliam as instituições políticas de cúpula no exercício de funções de

governo, que organizam a realização das finalidades públicas postas por tais

instituições e que produzem serviços, bens e utilidades para a população (...)”66

Já sob a vertente organizacional, a Administração Pública “representa o

conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para

a população, coadjuvando as instituições políticas de cúpula no exercício das

funções de governo.”67

Na mesma assertiva, mas com diferentes denominações, Maria Sylvia

Zanella Di Pietro atribui um sentido subjetivo e objetivo à expressão. Segundo ela,

subjetivamente a Administração Pública compreende as pessoas jurídicas, órgãos

e agentes públicos incumbidos do exercício da função administrativa.

Objetivamente, a expressão se refere à natureza da atividade exercida por estes

entes, sendo neste caso a própria atividade administrativa de competência

precípua do Poder Executivo.68

Mormente devido principalmente à diversidade conceitual acerca da

Administração Pública, imprescindível é a diferenciação entre esta e Governo.

A função política ou de governo compreende um dos três elementos

necessários à existência do Estado. Ao longo dos tempos esteve intrinsecamente

relacionada com a função administrativa, de forma que sob o aspecto material,

não se distinguem.

No entanto, juridicamente há diferença entre os termos, pois aos órgãos do

Governo cabe “a competência de tomar decisões políticas, dotadas de forte carga

de discricionariedade, mas não de arbítrio, em relação à comunidade governada,

enquanto que os órgãos da Administração Pública têm a seu cargo a aplicação

66 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 44.67 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 44.68 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 54.

30

daquelas decisões governamentais, que sejam exeqüíveis em termos de ação

concreta.”69

Em outras palavras, à Administração cabe o papel de execução, de

operacionalização aplicada ao caso concreto das ordens emanadas pelo Governo, o

qual possui atribuição de comando político do Estado.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro citando Renato Alessi, afirma que a função

política ou de governo, “implica uma atividade de ordem superior referida à

direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a

determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras

funções, buscando a unidade da soberania estatal”.70

Neste contexto, necessário é acentuar para a devida compreensão da

atividade administrativa, que esta se acha “efetivamente subordinada à ação

governamental”, o que “obriga o agente administrativo a cumprir a decisão

governamental”.71

No entanto, muito embora havendo sujeição, tanto os atos de Governo

dotados de soberania política e direção quanto os da Administração evidenciados

na execução, por meio de atos concretos voltados para a realização dos fins

estatais, visam a satisfação das necessidades coletivas, ou seja, o fim precípuo do

Estado, qual seja, o bem-comum da coletividade.

Neste afã, é que a organização e funcionamento da Administração Pública

se acham, no Brasil, alicerçados na Lei e em casos excepcionais em decretos

conforme preceitua o artigo 84, inciso VI, da Constituição Federal.72

Como bem afirma Hely Lopes Meirelles, “a natureza da administração

pública é a de um múnus público, isto é, a de um encargo de defesa, conservação

69 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 28.70 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 56.71 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 28.72 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.

31

e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade”73, o que obriga o

administrador público ou agente público no exercício de sua atividade, a agir

conforme os preceitos de Direito e morais inerentes à posição que ocupam.

Consubstanciados então no que determina a Lei, é que se acham também

os administradores públicos subordinados aos princípios da administração pública

previstos no artigo 37, caput, da Constituição Federal e no artigo 2º da Lei federal

9.784 de 29.01.1999. Quais sejam: princípio da legalidade, moralidade,

impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade,

proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e

supremacia do interesse público. Hely Lopes Meirelles explana a respeito:

Como salientado, por esses padrões é que deverão se pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública.74

É nesta linha de ação que as atividades administrativas deverão se pautar,

ou seja, com o objetivo maior e principal de alcançar o bem-comum, pois a

Administração Pública deverá satisfazer o interesse geral, o que não conseguirá se

estiver em pé de igualdade com particulares.75

Entretanto, como nem sempre as ordens e o interesse público são

plenamente aceitos e atendidos por parte da coletividade, o poder público, na

figura da Administração, conta com a ação da polícia e com o Poder de Polícia na

concretização da vontade geral em detrimento da vontade individual e particular.

Neste degrau, discussão presente é em relação à diferenciação entre a

atuação da polícia e do poder de polícia. Isto, porque ao longo dos anos a noção

de polícia sofreu mudanças tendo em alguns momentos o propósito de promover o

bem-estar social e em outros sendo norteada pela idéia de que ao Estado somente

deveria ser reservada a polícia pertinente à segurança e a defesa.

73 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 85.74 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 87.75 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32.

32

No entanto, depois de eclodirem vários pontos de vista acerca desta

discussão, é predominante por parte da doutrina a aceitação da polícia bem como

das ações administrativas decorrentes do Poder de Polícia, de que o bem-estar

social deverá ser o fim último a ser alcançado. Mesmo que em algumas culturas

ora se verifique com maior ênfase a proteção à segurança, moralidade e

salubridade.

Neste sentido, afirma José Maria Pinheiro Madeira que “a polícia é,

portanto, uma atividade estatal com determinado fim, sendo preciso firmar, por

meio de seus órgãos, se essa manifestação é uma atividade legislativa ou

administrativa e em que casos é matéria própria do direito constitucional ou do

direito administrativo”.76

Esclarece ainda que o Poder de Polícia atua restringindo o exercício do

direito de propriedade e liberdade, mas que deve limitar-se aos fatos humanos,

uma vez que, segundo ele, “as medidas pertinentes a fatos da natureza não são

de polícia administrativa, e sim de segurança ou de defesa”.77

Este mesmo autor expõe concordantemente com o pensamento de José

Cretella Júnior, idéia anteriormente exposta no primeiro capítulo deste trabalho,

de que o Poder de Polícia legitima a si próprio e à própria polícia. Sendo portanto,

uma possibilidade estatal de fiscalização e restrição de, através da polícia - forma

organizada – limitar as atividades funestas dos cidadãos.78 Exemplificativamente

se dá também o entendimento da douta jurisprudência, a saber:

EMENTA: 1. RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA. Poder de polícia exercido pelo IBAMA. Lei nº. 10.165/2000. Constitucionalidade. Precedente do Plenário. Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental quando a parte agravante não infirma os fundamentos adotados na decisão agravada.. 2. RECURSO. Agravo. Regimental. Jurisprudência assentada sobre a matéria. Caráter meramente abusivo. Litigância de má-fé. Imposição de

76 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 32.77 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 30-31.78 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 30-31.

33

multa. Aplicação do art. 557, § 2º, cc. arts. 14, II e III, e 17, VII, do CPC. Quando abusiva a interposição de agravo, manifestamente inadmissível ou infundado, deve o Tribunal condenar a agravante a pagar multa ao agravado.79

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. TRR. REGULAMENTAÇÃO DL 395/38. RECEPÇÃO. PORTARIA MINISTERIAL. VALIDADE. 1. O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna. 2. O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor. 2. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e, na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988, apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440. 3. A Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribuição conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido.80

3. PODER DE POLÍCIA E SEGURANÇA NACIONAL

Nunca se falou tanto sobre a segurança da sociedade quanto nos dias

atuais. Assuntos como a exacerbada violência e criminalidade têm sido discutidos

nos mais variados meios de comunicação e têm ainda incitado e intrigado

escritores e leitores das mais diversas classes sociais e níveis culturais.

Conseqüentemente, a grande indagação que se tem feito é, se não

exatamente desta forma, mas neste sentido, sobre o que foi feito de tão grave

para que a segurança falhasse tanto ao ponto de os índices de violência terem

chegado ao nível em que se encontram, pois até mesmo o mais simples dos civis

desprovido de qualquer espécie de requinte tem sofrido os efeitos da insegurança,

uma vez que mesmo não sabendo falar sobre eles, indesejavelmente é possível

senti-los.

Talvez a resposta não seja necessariamente afirmativa, ou seja, não se

trata do que foi feito e sim do que não se fez. E várias são as teorias e sugestões 79 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE-AGR 397342/SC, relator ministro Cézar Peluso, julgamento 08/08/2006, DJ 01-09-2006 pp- 01424 ement vol-02245-07 pp- 01424.80 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 349686/PE, relatora ministra Ellen Gracie, julgamento 14/06/2005, DJ 05-08-2005 pp- 00119 ement vol-02199-06 pp- 01118.

34

que tentam explicar a desordem na qual se acha revestida a segurança nacional.

Há quem defenda a posição norte-americana de que a criminalidade

diminuirá se os criminosos forem tirados de circulação, assim como há quem

afirme que a eficácia da segurança de um país não se medirá pelo número de

presos que este possua.81

Neste ângulo, há a grande discussão acerca do real papel de um presídio na

vida de alguém. Ou seja, até que ponto este ser humano será reeducado para uma

nova vida em sociedade, curado das anomalias do passado e não transformado em

um criminoso mais perigoso do que era quando lá entrou.

Há também quem concorde com a idéia de que a solução está em

investimento capacitatório das diversas polícias, como por exemplo, a adoção de

métodos de investigação altamente tecnológicos que permitam aprimorar o

trabalho de elucidação dos diversos crimes, bem como a integração da polícia com

a comunidade e ainda, o rigor nas leis e a celeridade nos processos. Os quais

possibilitem ao criminoso ter ciência de que por ter cometido um crime, irá

responder por ele de maneira substancial.82

Não podendo passar por despercebida, há a opinião de que o erro se

encontra na falta de investimentos no setor educacional – esta defendida pelo

atual presidente do Brasil Luís Inácio Lula da Silva – uma vez que quando não se

investe em escolas, necessário será investir-se em cadeias.83

Em outra perspectiva, há quem vá mais longe com a afirmação de que o

colapso da segurança nacional encontra-se na falta de gestão do Estado, ou seja,

na incapacidade do ente estatal de gerir de forma firme, coerente e produtiva

ações voltadas não só para a punição de criminosos como para a prevenção de

possíveis delitos e, conseqüentemente promover uma situação de segurança para

a população.84

81 MAINARDI, D. Vamos soltar os bandidos. VEJA, São Paulo, nº. 18, p. 193, maio de 2005.82 MUELLER, R. Crime e castigo. VEJA, São Paulo, nº. 44, p. 11, 14-15, novembro de 2005.83 CARNEIRO, M. e PEREIRA, C. Terror em São Paulo. VEJA, São Paulo, nº. 20, p. 48, maio de 2006. 84 CARNEIRO, M. e PEREIRA, C. Terror em São Paulo. VEJA, São Paulo, nº. 20, p. 48, maio de 2006.

35

Uma vez que a segurança nacional é função do Poder Nacional e, portanto,

imprescindível à convivência da população, necessidade básica de toda e qualquer

sociedade e ainda instrumento do poder público para que o homem possa realizar

suas atividades do modo mais perfeito possível.

Além de que, “qualquer país precisa estruturar-se para defender os valores

nacionais contra ameaças que se manifestem, seja no âmbito externo, das

relações internacionais, seja no âmbito interno”.85

Esta preocupação é, por exemplo, verificada no artigo 9º da Constituição

portuguesa, o qual trata das tarefas fundamentais do Estado português:

São tarefas fundamentais do Estado:(...)e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;

Nessa esteira, as atuações do Estado voltadas para a promoção do bem-

comum e conseqüentemente de uma situação de segurança social, têm-se

utilizado do poder de polícia como mecanismo de frenagem de direitos e liberdades

individuais, o que tem demonstrado eficiência e aplausos por parte dos demais

segmentos da sociedade brasileira.86

Mormente, no Brasil apesar de os índices de criminalidade estarem numa

fase de grande repercussão, os dados que se têm não demonstram que haja uma

ideologia por detrás das ações criminosas. Trata-se de uma criminalidade comum

situada no âmbito da ordem pública.

Entretanto, quando há ocorrências que ameacem a ordem interna através

de manifestações públicas e greves, as quais resultem em depredação de

patrimônio público, são acionados os Serviços de Informações e a polícia de ordem

política e social que buscarão medidas neutralizadoras dos grupos responsáveis.87

85 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 106.86 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 106.87 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 107.

36

Por outro lado, ultimamente o que muito se tem verificado é a atuação de

policiais envolvidos em crimes, na maioria das vezes juntamente com criminosos.

Além de inúmeras ações autoritárias que acabam por desencadear e confirmar por

parte da população o descrédito desta no fator segurança nacional.

Alguns estudiosos afirmam que as ações autoritárias no âmbito de policiais

são mais comuns por parte da polícia ostensiva ou de segurança, as conhecidas

polícias militares. Muito se devendo ao fato de que há certa dificuldade nesta força

em interpretar adequadamente suas missões e de se estruturar de conformidade

com elas.88 Sobre este fato, complementa José Maria Pinheiro Madeira:

Como esta polícia pouco investiga, acaba atuando arbitrariamente, passando por cima dos direitos individuais atribuídos a todos os cidadãos pela Constituição Federal. E quando a própria polícia descumpre a lei, pode-se ter a mais plena certeza de que a ordem interna não está garantida, assim como não está sendo preservada a ordem pública nem assegurada segurança pública aos cidadãos.89

Sendo assim, o uso do poder de polícia como mecanismo de atuação do

Estado, não estará atingindo sua finalidade por meio de ações carregadas de

autoritarismo e, sem dúvida, a omissão do ente estatal diante de uma necessidade

tão básica e ao mesmo tempo de tamanha abrangência como a segurança

nacional, urge ações reparatórias de imprescindível monta.

4. POLÍCIA JUDICIÁRIA E POLÍCIA ADMINISTRATIVA

O Poder de Polícia também pode ser denominado polícia administrativa.

Esta sinonímia resulta de alguns ordenamentos, por exemplo, o francês. E, neste

contexto, tornou-se clássica a diferenciação entre polícia administrativa e polícia

judiciária.

Comumente e em um primeiro momento, há uma tendência predominante

entre a doutrina de resumir a diferenciação entre as duas polícias atribuindo à

primeira um caráter preventivo e à segunda, um repressivo. No entanto, de acordo 88 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 107.89 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 109.

37

com a lição de alguns autores, entre eles Álvaro Lazzarini, esta diferenciação não é

absoluta, em vista de as duas polícias autuarem tanto preventiva quanto

repressivamente.

Exemplificativamente, uma atuação preventiva da polícia administrativa

seria a proibição do porte de arma ou a direção de veículos automotores por quem

não estivesse devidamente habilitado, ao passo que uma atuação da mesma

polícia só que de forma repressiva seria por ocasião da apreensão de arma usada

indevidamente ou de licença do motorista infrator.90 José Maria Pinheiro Madeira

acentua, neste sentido:

Mas ainda assim falta precisão ao critério, pois se pode inferir que a polícia judiciária, embora seja repressiva em relação ao indivíduo infrator da lei penal, é também preventiva em relação ao interesse geral, porque, punindo-o, procura evitar que o indivíduo volte a incidir na mesma infração.91

Notadamente, a polícia administrativa é regida pelo Direito Administrativo,

atua através de agentes credenciados por diversos órgãos públicos e incide sobre

bens, direitos ou atividades, enquanto a polícia judiciária incide sobre as pessoas,

é regida pelo Direito Processual Penal92, têm como agentes policiais civis e

militares e está diretamente relacionada com a liberdade de ir e vir.93 Outra

diferença importante é apontada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

A polícia judiciária é privativa de corporações especializadas (polícia civil e militar), enquanto a polícia administrativa se reparte entre diversos órgãos da Administração, incluindo, além da própria polícia militar, os vários órgãos de fiscalização aos quais a lei atribua esse mister, como os que atuam nas áreas da saúde, educação, trabalho, previdência e assistência social.94

Neste sentido, complementa José Maria Pinheiro Madeira ao estabelecer

ainda uma diferença entre a repressão exercida pelas duas polícias. Ou seja, a

90 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 37.91 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 37.92 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 240.93 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 39.94 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 113.

38

polícia administrativa age repressivamente quando obsta a uma atividade

particular já em curso, uma vez que esta tenha se revelado divergente ao

interesse público. A polícia judiciária reprime enquadrando o perturbador nas

normas penais vigentes em auxílio ao Poder Judiciário.95

Não obstante, o mesmo autor acentua que “a repressão típica da polícia

administrativa somente se justifica enquanto ainda houver proveito na sua ação,

isto é, enquanto da sua aplicação ainda possam ser evitados danos futuros”. Pois,

uma vez que as atividades se encontrarem em fase final, será considerado abuso

por parte da Administração o uso de sua competência policial. .96

Nesta esteira afirma Álvaro Lazzarini que o fator de diferenciação entre as

atividades exercidas pelas duas polícias não está relacionado com a qualificação do

órgão policial em civil ou militar97, bem como não se atém a regras de organização

caracterizadas pela presença de coação.98

Por outro lado, um fator de diferenciação válido é o fato de que os atos da

polícia administrativa exaurem-se neles mesmos. Por exemplo, fundados em uma

autorização ou licença, não precisam buscar solidez em qualquer ato futuro. O

que, por sua vez, não acontece com os atos da polícia judiciária que embasados

pela perquirição de um acontecimento só encontram justificativa na intenção

futura de serem submetidos ao Poder Judiciário.99

Sendo assim, levando o caráter eclético de atuação das duas polícias no

sentido de atuarem de modo preventivo e repressivo, necessário é acatar a lição

de Álvaro Lazzarini ao afirmar que o norte diferenciador reside na ocorrência ou

não de ilícito penal. Ou seja, quando este existir, tratar-se-á com a polícia

judiciária e quando se tratar de ilícito puramente administrativo, atuará a polícia

administrativa.100

95 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 38-39.96 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 41.97 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 241.98 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 42.99 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 41.100 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

39

5. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA E APURAÇÃO DE DELITOS

O artigo 144 da Constituição Federal ao dispor sobre a segurança pública e

conseqüentemente ao definir a competência das forças policiais, atribui o exercício

das polícias civis e militares. O que impulsiona a constatação de atribuições

previstas constitucionalmente a esses órgãos de polícia. Assim dispõe o texto

legal:

Artigo 144: (...)(...)§4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.§5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;(...)

Segundo essa norma, a polícia militar - forma de atuação da polícia

administrativa - exerce o caráter ostensivo, ou seja, a forma visível de atuação

através de uniformes, viaturas caracterizadas, equipamentos e armamentos,

buscando promover a preservação da ordem pública, e a polícia judiciária, por sua

vez, atua investigativamente na apuração dos delitos. Acentua neste sentido José

Maria Pinheiro Madeira:

a) Polícia administrativa (polícia ostensiva e de preservação da ordem pública, exercida pela autoridade de polícia administrativa), que tem por formas de atuação o policiamento ostensivo, velado e semivelado e a investigação (inteligência policial: informações). (...)

b) Polícia judiciária (autoridade de polícia judiciária), que tem por formas de atuação a investigação criminal (apuração de delitos), polícia judiciária propriamente dita (procedimentos) e custódia de presos.101

Entretanto, a crítica reside no fato de que na prática há uma obscuridade no

âmbito de atuação de cada uma das polícias e ainda, entre elas, uma rivalidade,

conduzindo a população a um estado de incerteza sobre a quem dirigir suas

queixas, além de que a falta de clareza no exercício das polícias facilita o abuso de

autoridade por parte de policiais.102

1999, p. 240.101 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 96-97.102 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 104.

40

A priori, sabe-se que pelo menos até o presente momento, à polícia militar

cabe policiar as ruas na busca de promover a segurança da população contra a

ação de criminosos, e à polícia civil, incumbe nas delegacias o registro das queixas

de pessoas contra terceiros que lhe tenham causado algum dano. No entanto, os

relatos abaixo demonstram consideravelmente a contrária realidade na atuação de

grande parte da força policial:

João e Pedro caminhavam, no início da noite, nas ruas da favela onde residem. Foram surpreendidos por uma viatura da polícia militar. Dois policiais desceram e com armas apontadas disseram aos rapazes para entrar na viatura. Dentro do automóvel, receberam diversos pontapés e socos. Na delegacia de polícia, foram colocados numa cela úmida com fios elétricos espalhados. Sofreram choques elétricos em várias partes do corpo. Tudo foi acompanhado por policiais. O delegado fez diversas perguntas. João e Pedro desconheciam o assunto objeto das investigações. Horas mais tarde, foram liberados, depois de muito sofrerem com a violência policial. Foram constrangidos a ficarem calados.103

No último sábado, dia 27 de março, as estudantes Bárbara (Cefet- Edificações) e Carolina (Pedagogia – UFMG), sofreram absurda agressão de policiais militares no centro de Belo Horizonte. Quando faziam uma ligação de telefone público na esquina de rua Tupinambás com Avenida Afonso Pena, foram repentinamente cercadas por cinco policiais uniformizados, mas sem o velcro de identificação, que lhes deram voz de prisão, as algemaram e arrastaram até o camburão da Rotam. Sem entender o despropósito da ação policial, revoltadas as estudantes reagiram e não aceitaram ser levadas para a viatura. Dezenas de camelôs e pessoas que passavam na rua no momento testemunharam a arbitrária e truculenta ação policial. Várias delas, indignadas com tal violência, se solidarizaram com as estudantes e tentaram evitar que as levassem dali, mas foram impedidas pelos policiais. Bárbara e Carolina só tiveram conhecimento de que estavam sendo acusadas de fazerem parte de uma máfia de roubo cartões telefônicos quando chegaram na delegacia. De repente tudo que possuíam se transformaram em “provas” contra elas: uma lista de telefone de colegas da faculdade tornou-se uma suposta lista de “clientes” para compra de cartões; R$ 200 (duzentos reais) do movimento, que se encontrava no bolso de Bárbara, foram transformados em dinheiro conseguido com a venda de cartões; os cartões de telefone sem unidades encontrados com Carolina viraram cartões roubados para serem vendidos. Além disso, diziam estar de posse das estudantes uma chave de telefone nunca vista por elas. O despautério desta situação só provou o quando eram mentirosas as acusações, sendo a polícia obrigada a liberá-las no final do dia. Havia todo um teatro preparado a espera das companheiras. A imprensa chegou em menos de vinte minutos na delegacia, servindo de porta-voz da versão da PM, respaldando todas as falsificações e manipulando as informações. Sem

103 DHNET (Direitos humanos na internet). Violência, maus-tratos e tortura. Disponível em: www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dh/br/cdhcf/cartilha_cdh/03_violenciatortura.htm - 18k. Acesso em 11 de agosto às 23h30min.

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nenhuma prova a imprensa deu seu veredicto. O sensacionalista jornal “Cidade Alerta” (TV Record), com seu repórter de dedo em riste, acusou-as de criminosas, chamou-as de pilantra, expondo sua imagem de forma a desmoralizá-las perante a sociedade. O reacionário jornal Estado de Minas também divulgou as falsas informações (por exemplo, a de que elas teriam sido presas em flagrante), ocupando mais da metade do espaço da matéria com uma foto das companheiras. (...)104

Esses e muitos outros exemplos de arbitrariedade por parte de policiais

têm contribuindo e incitado a desconfiança e decepção da população no exercício

da atividade policial. Por exemplo, um grande fator de descrédito, é a forma como

agem, principalmente os policiais militares, com emprego de força, como se a

criminalidade e violência somente se combatessem dessa forma.

Assim, “a criminalidade e a violência, portanto, não hão de ser combatidas

apenas com o emprego da força. Esta compreensão não deve impregnar a mente

nem das pessoas comuns, nem dos integrantes das forças policiais”.105

Entretanto, no Brasil e em muitos outros países, há a presença da

impunidade impulsionando as ações dos infratores da lei. E quando se fala em

infratores da lei, entende-se não somente os criminosos de maneira geral, mas

também os profissionais empregados no combate ao crime, uma vez que não

atuem da forma devida e, portanto, sendo omissos ou aceitando subornos.106

A impunidade, portanto, gera a certeza de que nada acontecerá aos

infratores da lei e permite que a criminalidade atinja os níveis assustadores em

que se encontra. A partir disso, é notório que o combate à impunidade de todos,

inclusive por parte dos policiais, através da investigação criminal levada a sério e

dos serviços de inteligência policial desenvolvidos pelas polícias militar e civil,

torna-se possível acreditar no fim ou pelos menos no controle da criminalidade.

Comunga com esta idéia José Maria Pinheiro Madeira ao afirmar que:

Uma polícia que funcione inteligentemente, ou seja, desenvolvendo a investigação, poupará muitas vidas inocentes, solucionará crimes

104 MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário). Mais um ato de violência da polícia contra o povo. CMI, Belo Horizonte, abril de 2004. Disponível em: http://estudantesdopovo.hpg.com.br. e www.midiaindependente.org. Acesso em 11 de agosto às 23h40min.105 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 99.106 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 100.

42

enigmáticos, respeitará o homem e fará com que a população, constituída predominantemente por pessoas de bem, a respeite, em vez de temê-la. Não será a polícia ostensiva apenas que deverá estar empenhada na luta contra o crime e, portanto, não será ela a única a responder pela preservação da ordem pública.107

Sendo assim, ao se contar com duas polícias, cujas atividades

preceituadas pela Constituição Federal versem precipuamente à promoção de uma

situação de segurança a toda uma população, seja na investigação e apuração de

delitos ou ainda na preservação direta da ordem pública, mister é que contemos

com a ação conjunta e eficaz das duas de maneira que não hajam dúvidas sobre o

papel de cada uma e que o fim a que se propõem seja atingido.

CAPÍTULO III: O PODER DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

1. CARACTERÍSTICAS OU ATRIBUTOS DO PODER DE POLÍCIA

1.1 Noções

Há em torno do poder de polícia, a grande discussão acerca da tênue linha

de separação entre o seu cumprimento, ou seja, a restrição às ações particulares

em nome do bem-comum, e ao mesmo tempo da preservação da liberdade

individual. Por isso, mister é que se acentue as características atribuídas a este

poder, com o objetivo de esclarecer até que ponto é legítima a atividade

administrativa ao exercê-lo.

Na lição de Hely Lopes Meirelles, os atributos do poder de polícia são a

discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.108 Entretanto, alguns

107 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 101.108 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p.

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autores entre eles Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José Maria Pinheiro Madeira,

Jessé Torres e outros, lecionam que além dessas características há ainda o fato de

o poder de polícia corresponder a uma atividade negativa. Serão aqui expostos os

atributos do poder de polícia com o intuito de elucidar as nuances destes bem

como através de exemplos que possibilitem uma perfeita compreensão.

1.2 A discricionariedade do poder de polícia

No tocante à discricionariedade, unânime é entre os doutrinadores a

afirmativa de que sua aplicação deve antes de tudo, ser analisada com cautela.

Isto, porque o termo discricionário significa arbitrário; despótico.109 À guisa de uma

definição, Hely Lopes Meirelles acentua que:

A discrionariedade, (...), traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público.

Acentua Edimur Faria que na maioria dos casos o poder de polícia é

exercido sobre o poder discricionário, uma vez que o legislador ao editar a norma

jurídica nem sempre tem como estabelecer regras ao agente público diante da

situação concreta.110

Notadamente, Marçal Justen Filho acrescenta que nem sempre é possível

materialmente à lei exaurir a disciplina limitativa das liberdades, pois cada caso

requer análise diferenciada e um regime democrático “exige que a solução para o

exercício da liberdade seja proporcionado às circunstâncias concretas”.111

Ainda segundo este mesmo autor, o surgimento de situações imprevistas,

não contempladas na lei em virtude da natureza dos direitos e garantias

fundamentais propiciarem o surgimento de novas atividades e outras

manifestações não disciplinadas legalmente, legitimam o exercício da

discricionariedade no âmbito do poder de polícia, uma vez que a ausência de

136.109 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 52.110 FARIA, Edimur. Curso de direito administrativo positivo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 178.111 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.

44

previsão legislativa não significa que o direito não regule a situação existente.112

Entretanto, mesmo sem a expressa definição legal, “a lei conterá uma

disciplina que funcionará como moldura delimitadora das decisões

administrativas”.113 Ou seja, saliente-se que as manifestações de poder de polícia

da Administração nem sempre emanam de atos discricionários, mas também de

atos vinculados.

Diógenes Gasparini coaduna com esta idéia e demonstra que quando a

Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo,

está sendo discricionária e quando licencia uma obra através de alvará ou licença,

age de forma vinculada.114 Convém expor a opinião de Celso Antônio Bandeira de

Mello:

Costuma-se afirmar que o poder de polícia é atividade discricionária. Obviamente, tomada a expressão em seu sentido amplo, isto é, abrangendo as leis condicionadoras da liberdade e da propriedade em proveito do bem-estar coletivo, a assertiva é válida, desde que se considere a ação do Legislativo como gozando de tal atributo. Ocorre que se pretende caracterizar como discricionário o próprio poder de polícia administrativa. A afirmativa deixa, então, de ter procedência.115

É nesta esteira que Marçal Justen Filho afirma ser incorreto qualificar o

poder de polícia como um poder discricionário, pois segundo ele, não existe essa

categoria de poder discricionário e sim competências administrativas disciplinadas

por lei que contemplem margem de discricionariedade. Isto, dado o fato de o

poder de polícia ser integrado tanto por disciplina discricionária quanto

vinculada.116

Neste tocante, imprescindível é atentar para o fato de que a

discricionariedade somente será considerada legítima se o ato de polícia se

mantiver dentro dos limites legais e a autoridade dentro da faixa de opção que lhe

é atribuída. Esta é a lição de Hely Lopes Meirelles:

112 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.113 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.114 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 132.115 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 732.116 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.393.

45

No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia, mas mesmo assim a sanção deve guardar correspondência e proporcionalidade com a infração.117

Fica claro então, que jamais poderá se confundir discricionariedade com

arbitrariedade. Os atos discricionários somente poderão ser acatados se forem

legítimos e válidos, uma vez que toda e qualquer manifestação da Administração

deverá antes de tudo se pautar de legalidade. Portanto, nenhuma regra de direito

ainda mais de polícia, poderá se revestir de características contrárias à lei.

1.3 A auto-executoriedade do poder de polícia

Uma outra característica do poder de polícia é a auto-executoriedade, assim

concebida por Hely Lopes Meirelles:

(...) a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente sua decisão por seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário (...). Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa necessárias à contenção da atividade anti-social que ela visa a obstar. (...) O princípio da auto-executoriedade autoriza a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independente de mandado judicial.118

Este mesmo autor exemplifica o princípio da auto-executoriedade ao

afirmar que “quando a Prefeitura encontra uma edificação irregular ou oferecendo

perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove sua demolição”.

(...)119

Odete Medauar reitera este pensamento ao afirmar que segundo o

princípio da auto-executoriedade os atos da Administração são colocados em

prática por ela própria, mediante coação, sem a necessidade de consentimento de

qualquer outro poder.120

Segundo ainda esta autora, essa característica da Administração é

117 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 136.118 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 137.119 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 137.120 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.

46

justificada pela necessidade de não se retardar o atendimento dos interesses da

coletividade frente a interesses contrários e também ao fato de que todos os atos

e medidas administrativas gozam de presunção de legalidade.121

Neste tocante, acrescenta José Maria Pinheiro Madeira que é notória a

impossibilidade de se condicionar os atos da polícia à aprovação prévia de

qualquer outro órgão estranho à Administração. Entretanto, é facultado ao

particular recorrer ao Poder Judiciário caso se sinta lesado em algum de seus

direitos em face das ações da Administração. Uma vez que segundo o artigo 5º,

inciso XXXV da Carta Magna, não se excluirá da apreciação do Judiciário qualquer

espécie de lesão ou ameaça a direito.122 Celso Antônio Bandeira de Mello afirma

neste sentido, que:

Ao se indicar a possibilidade jurídica de a Administração obter compulsória obediência aos seus ditames de polícia supôs-se, evidentemente, a atuação regular desta, e não o uso desmedido ou, de qualquer modo, afrontoso à legalidade.123

Nesta esteira, este mesmo autor acentua ser perfeitamente cabível ao

particular fazer uso dos remédios constitucionais como o habeas corpus ou

mandado de segurança ao se sentir ferido e, que a auto-executoriedade deve ser

praticada dentro de limites. Por isso, expõe algumas situações nas quais o poder

de polícia é legitimado através dessa característica:

Todas estas providências, mencionadas exemplificativamente, têm lugar em três diferentes hipóteses:

a) quando a lei expressamente autorizar;b) quando a adoção da medida for urgente para a defesa do interesse

público e não comportar as delongas naturais do pronunciamento judicial sem sacrifício ou risco para a coletividade;

c) quando inexistir outra via de direito capaz de assegurar a satisfação do interesse público que a Administração está obrigada a defender em cumprimento à medida de polícia.124

A auto-executoriedade é ainda desdobrada em dois princípios: a

121 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 131.122 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 59.123 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 738.124 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 738.

47

exigibilidade que resulta da possibilidade da Administração tomar decisões

executórias dispensadas de autorização prévia do Poder Judiciário. Relaciona-se

também a meios indiretos de coação. Por exemplo, a multa ou ainda a

impossibilidade de licenciamento de veículo quando não pagas as multas de

trânsito.125

O outro princípio é a executoriedade, a qual consiste na faculdade da

Administração, depois de tomada a decisão executória, em realizar diretamente a

execução forçada, usando, caso seja necessário, da força pública para obrigar o

administrado a cumprir a decisão.126

Outro aspecto sobremaneira importante levantado por Hely Lopes Meirelles

refere-se ao fato de que não se deve confundir a auto-executoriedade das sanções

de polícia com punição sumária e sem defesa e, neste sentido afirma:

A Administração só pode aplicar sanção sumariamente e sem defesa (principalmente as de interdição de atividade, apreensão ou destruição de coisas) nos casos urgentes que ponham em risco a segurança ou a saúde pública, ou quando se tratar de infração instantânea surpreendida na sua flagrância, aquela ou esta comprovada pelo respectivo auto de infração, lavrado regularmente; nos demais casos exige-se o processo administrativo correspondente, com plenitude de defesa ao acusado, para validade da sanção imposta.127

Sendo assim, ficam excluídas as ações da Administração que com o intuito

de se ampararem no princípio da auto-executoriedade, mostrem-se ilegais ou que

caso não sejam tomadas, não ponham em risco os interesses ou bem-estar da

coletividade.

1.4 A coercibilidade do poder de polícia

A outra característica do poder de polícia da Administração está

intimamente ligada às que anteriormente foram mencionadas. Trata-se da

coercibilidade, “isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela

125 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 114.126 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 114.127 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 137-138.

48

Administração” (...). Pois, “todo ato de polícia é imperativo (...), admitindo até o

emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo

administrado”.128

Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “a coercibilidade é indissociável

da auto-executoriedade e o ato de polícia só é auto-executório porque dotado de

força coercitiva”. Segundo esta autora, a própria definição de auto-executoriedade

em nada se distingue da de coercibilidade acima mencionada, expressa por Hely

Lopes Meirelles.129

Entretanto, o fato da coercibilidade se dá de forma compulsória nas

medidas de polícia e admitir o emprego de força física quando houver oposição do

infrator, não serve de justificativa para ações autoritárias, nem legalizam a

violência desnecessária ou desproporcional à resistência. O que se uma vez

acontecesse, evidenciaria excesso de poder e abuso de autoridade suficientes para

anular o ato praticado e ensejar ações civis e criminais para a reparação do dano e

punição dos culpados.

1.5 O poder de polícia como uma atividade negativa

O outro atributo é o fato de o poder de polícia ser uma atividade negativa,

distinguindo-se sob este aspecto, do serviço público, que seria uma atividade

positiva. Neste, “a Administração Pública exerce, ela mesma, uma atividade

material que vai trazer um benefício, uma utilidade, aos cidadãos (...)”.130 Neste

sentido, complementa Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

(...) por exemplo, ela executa os serviços de energia elétrica, de distribuição de água e gás, de transportes etc.; na atividade de polícia, a Administração apenas impede a prática, pelos particulares, de determinados atos contrários ao interesse público; ela impõe limites à conduta individual.131

128 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 138.129 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115.130 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115.131 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115.

49

Nesta linha, Odete Medauar concorda ao afirmar que o poder de polícia está

situado na face autoridade, atuando, dessa forma, por meio de prescrições, ao

contrário do serviço público que opera por meio de prestações. Não deixando

ainda de observar se as prescrições estão sendo cumpridas e em caso negativo,

aplicando sanções em caso de desatendimento. 132

Di Pietro acentua ainda que o critério é útil na diferenciação entre poder de

polícia e serviço público. Entretanto, é necessário observar que na classificação do

serviço público como atividade positiva, considera-se a posição da Administração,

ou seja, ela desenvolve uma atividade de acréscimo ao indivíduo enquanto que

com o poder de polícia ela ocasiona um limite na liberdade de atuação.133

Nesta esteira ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que a polícia

administrativa impõe ao particular uma inação, um não fazer. Mesmo que

aparentemente pareça uma obrigação de fazer como quando exige a habilitação

para se dirigir ou ainda a apresentação de planta para licenciamento de

construção, pois a Administração está querendo evitar que as situações

pretendidas pelos particulares se dêem de maneira perigosa se ocorressem fora

dessas condições.134

Há, portanto, que serem observadas as características do poder de polícia

como mecanismo necessário ao conhecimento deste e reconhecimento de sua

atuação por parte da Administração nos casos concretos do cotidiano da

sociedade. Imprescindíveis ainda na mensuração dos atos de polícia, se legítimos

ou não.

2. ATUAÇÃO E ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO PODER DE POLÍCIA

O âmbito de atuação do poder de polícia é extremamente abrangente.

Manifesta-se em diferentes campos e incide por diversos setores da sociedade,

132MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 335.133 DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo brasileiro. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 115.134 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 728.

50

desde, por exemplo, aos aspectos referentes à segurança das pessoas e seus

bens, saúde e convivência pública, como à preservação do meio ambiente natural

e cultural, de gêneros alimentícios e ainda no combate ao abuso do poder

econômico.

Esse fato se dá devido à Administração se difundir por todos os aspectos

da vida social e, sendo o poder de polícia um instrumento do poder público no

tocante ao controle dos atos individuais das pessoas em benefício da coletividade,

este também se insere e dissemina seu exercício de maneira vasta e ampla como

foi dito anteriormente. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, tem-se como

exemplo da atuação do poder de polícia os seguintes setores:

(...) polícia de caça, destinada à proteção da fauna terrestre; polícia de pesca, volvida à proteção da fauna aquática; polícia de divertimentos públicos, visando à defesa dos valores sociais suscetíveis de serem feridos por espetáculos teatrais, cinematográficos; polícia florestal, destinada à proteção da flora; polícia de pesos e medidas, para a fiscalização dos padrões de medidas, em defesa da economia popular; polícia de tráfego e trânsito, para garantia da segurança e ordem nas vias e rodovias, afetável por motivo da circulação nelas; polícia dos logradouros públicos, destinada à proteção da tranqüilidade pública; polícia sanitária, voltada à defesa da saúde pública e incidente em vários campos, tais a polícia dos medicamentos, das condições de higiene nas casas de pasto, dos índices acústicos toleráveis; polícia da atmosfera e das águas, para impedir suas respectivas poluições; polícia da atmosfera e das águas, para impedir suas respectivas poluições; polícia edilícia, relativa às edificações, etc.135

No afã de complementar sua idéia esclarecedora acerca da incidência do

poder de polícia, este autor afirma ainda que a polícia administrativa propõe-se a

salvaguardar os valores de segurança pública; de ordem pública; de tranqüilidade

pública; de higiene e saúde públicas; estéticos e artísticos; históricos e

paisagísticos; riquezas naturais; de moralidade pública e economia popular.

Coadunando com a idéia dos autores acima mencionados, Odete Medauar

salienta que a atuação do poder de polícia se dá quando este interfere nos

seguintes campos do direito:

(...) de construir, localização e funcionamento de atividades no território de um município; condições sanitárias de alimentos, elaborados ou não, vendidos à população; medicamentos; exercício de

135 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 740.

51

profissões (quando regulamentadas, às vezes o poder de polícia é delegado, por lei, às ordens profissionais); poluição sonora, visual, atmosférica, dos rios, mares, praias, lagoas, lagos, mananciais; preços; atividade bancária, atividade econômica; trânsito.136

Neste tocante, a polícia edilícia estabelece limitações com o objetivo de

tornar a vida na urbis o mais segura possível, quando regula as construções

públicas e particulares. Sendo, portanto, um dos instrumentos mais eficazes do

direito urbanístico.

Em outra vertente de imprescindível monta, encontra-se a polícia sanitária

responsável pelas medidas relacionadas a assuntos de higiene e à saúde pública

sendo direcionada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Entidade executiva vinculada ao Ministério da Saúde, a qual dentre inúmeras

atribuições detém o controle sanitário da produção e comercialização de produtos

e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive sobre portos, aeroportos e

fronteiras.

Não menos importante, a aplicação do poder de polícia conta com a polícia

atmosférica voltada às restrições na emissão de gases poluentes ao meio

ambiente. Situação, por sinal, crítica nos dias atuais em que as estatísticas

demonstram altos índices de destruição na camada de ozônio.137

Nesta esteira de atuação da polícia administrativa, acha-se também a que

cuida das questões referentes ao comércio e à indústria, compreendida por uma

vasta gama de atividades administrativas disciplinares destes ramos da economia,

voltadas à questão da confiabilidade e garantia do consumidor.

Estas atuações do poder de polícia e as inúmeras outras têm suas atividades

regulamentadas e distribuídas entre as três entidades da federação, ou seja,

União, Estados e Municípios. E o critério fundamental para delimitar a competência

para dada medida de polícia será estabelecer quem é competente para legislar

sobre a matéria.138

136 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 337.137 OZÔNIO. Disponível em http://paginas.terra.com.br/lazer/staruck/ozonio.htm. Acesso em: 17 de outobro de 2007 às 17h.138 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 127.

52

Sob este ponto de vista, caberá à União exercer o poder de polícia em

caráter exclusivo sobre o que estiver arrolado no artigo 22 da Constituição Federal

e concorrentemente sobre o que estiver explicitado no artigo 24 da mesma carta

com estados e Distrito Federal. Aos Estados caberá o exercício exclusivo nas

hipóteses do §1º. do artigo 25. Já os municípios possuem campo de atuação

exclusivo, no que disser respeito ao seu peculiar interesse, sobre as matérias

previstas no artigo 30. Ao Distrito Federal, a quem compete, por força do artigo

32, § 1º, atribuições correspondentes às dos municípios e estados (salvo ao que

se refere ao § 1º. do artigo 25), incumbirá o exercício da polícia administrativa em

caráter exclusivo no mesmo caso em que os municípios a exercem e

concorrentemente nas hipóteses do artigo 24.139

Sob este aspecto, é possível notar a abrangência da atuação do poder de

polícia nas diversas relações sociais e da sociedade com o meio que a cerca. Sendo

todas as atividades da polícia administrativa dotadas de extrema importância e

necessárias à convivência saudável da coletividade.

3. A HEGEMONIA DA FACE PREVENTIVA SOBRE A FACE REPRESSIVA

A todo o momento, têm-se procurado com este trabalho acentuar a

necessidade de o exercício do poder de polícia se pautar no que apregoa a lei.

Isto, com o objetivo de que os atos da Administração se fundamentem sob os

pilares da legalidade e assim, além de serem legítimos, atinjam o objetivo a que

se propõem, ou seja, de permitirem ao poder público agir com eficácia frente às

necessidades da coletividade, mesmo que signifique impor a ela limites.

Para tanto, a ação preventiva do poder de polícia será de notória

importância, uma vez que toda atividade policial deve ser primeiramente

preventiva e, portanto, terá como função principal a de impedir qualquer motivo

de perturbação da ordem pública atuando de forma repressiva somente em caso

de quebra dessa ordem.

139 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 741.

53

A atividade preventiva se vale do pressuposto de que através de uma

maneira antecipada de agir é possível à força policial imprimir meios capazes de se

adiantar a situações de perturbação contra a ordem pública. Isso significa dizer

que é possível impedir que essa ordem venha a ser novamente atingida sem que

seja necessária a concretização do ato perturbador outrora vivenciado.

Sob este aspecto é possível compreender a importância da atuação

preventiva como de extrema importância para o poder público na consecução de

seus objetivos, pois a prevenção denota uma política jurídica inteligente embasada

no estabelecimento de normas capazes de impedir a realização de distúrbios

assegurando aos cidadãos uma situação de tranqüilidade e convivência social livre

de atentados imprevistos e destruidores.

José Maria Pinheiro Madeira comunga com esta idéia ao afirmar que é de

forte consenso entre os estudiosos do assunto o fato de que as medidas

preventivas devem impor-se antes de uma conduta perturbadora, a qual uma vez

iniciada pode alavancar um processo maior e de proporções gigantescas bem mais

difícil de ser resolvido.140

Então, é notória de uma boa administração a face preventiva de polícia

demonstrando, no estado democrático de direito, a importância e o valor da

pessoa humana quando em primeiro lugar se age no sentido de evitar danos, ao

passo que uma ação repressiva comumente iria de encontro com a integridade da

pessoa e ainda não seria garantia de que o mesmo ato perturbador deixasse de

acontecer.

A atuação repressiva demonstra, portanto, o fracasso efetivo de uma

prevenção especial ou geral. Uma ação remedida da força de polícia no sentido de

tentar conter um distúrbio na ordem pública, mas que incertamente poderá

resultar em conseqüências positivas. Não se admite, dessa forma, “uma polícia

repressiva sem o pressuposto da existência concreta do ato perturbador; sem

prevenção não se pode reprimir”.141

140 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 218.141 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 215.

54

Sendo assim, somente serão amplamente legítimos os atos de polícia da

Administração que pautados na legalidade se amparem também na atuação

preventiva capaz de solidificar a ordem pública vigente e além de tudo permitam a

existência de um estado democrático de direito preocupado com a integridade e

valores da pessoa humana.

4. O PODER DE POLÍCIA E A GARANTIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos e as garantias fundamentais assegurados aos cidadãos estão

dispostos no artigo 5º da Constituição Federal e foram classificados pelo legislador

constituinte em cinco espécies: direitos e garantias individuais e coletivos; direitos

sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos; e direitos relacionados à

existência, organização e participação em partidos políticos.

Contemporaneamente, a doutrina apresenta esses direitos classificados

em direitos fundamentais de primeira geração que são os direitos e garantias

individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a

partir da Constituição. Os direitos fundamentais de segunda geração, que são os

direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século e os de

terceira geração, os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que

englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de

vida, ao progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos

difusos.142

Os direitos fundamentais são tidos também como direitos de defesa, ou

seja, a maneira que o povo encontrou de barrar o despotismo e a tirania dos

governantes ao longo dos tempos. Na visão democrática isso se traduz a partir do

fato de que ao povo cabe a escolha de seus representantes, os quais, por sua vez,

agirão como mandatários e, portanto, não gozarão de poderes absolutos, mas

limitados. Inclusive quanto ao que dispõe a Carta Magna sobre os direitos e

garantias individuais e coletivas do cidadão relativamente aos demais cidadãos e

ao próprio Estado.143 142 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 26.143 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.

55

Na lição de Alexandre de Moraes “o estabelecimento de constituições

escritas está diretamente ligado à edição de declarações de direitos do homem”.144

O que demonstra o fim precípuo de limitação ao poder político, “ocorrendo a

incorporação de direitos subjetivos do homem em normas formalmente básicas,

subtraindo-se seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador

ordinário”.145

Entretanto, os direitos e garantias fundamentais gozam de relatividade, ou seja, não são ilimitados e jamais podem ser utilizados como justificativa para o cometimento de atividades ilícitas ou ainda como argumento para afastar ou diminuir a responsabilidade civil ou penal por atos criminosos.146

Em relação aos destinatários da proteção conferida por meio dos direitos e

garantias fundamentais, o artigo 5º da Constituição Federal afirma que todos são

iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida,

à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

É nesse contexto que no estado democrático de direito se acham

justificados os direitos fundamentais, ou seja, acatando-se o princípio da plena

juridicidade ou de supremacia da regra de direito segundo a qual por meio da

racionalização do poder ocorre a eliminação do arbítrio conferindo ainda por meio

da lei escrita, clareza e certeza à intrínseca trama da vida social.

Sem a regra de direito delimitando os atos de governo não seria possível

assegurar a garantia dos direitos fundamentais nem a existência de outros

princípios relacionados, como o da divisão de poderes, pois quando se despreza o

princípio da plena juridicidade, dá-se lugar à legalidade como mecanismo de

assegurar o direito. Não existindo limites, a obediência se transmuda em

subserviência, em nulidade da personalidade, em escravidão e o mandar se

transforma em arbitrariedade.

Então, na esfera jurídico-política, fundamenta-se o estado democrático de

144 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.145 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25.146 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 27.

56

direito na garantia dos direitos individuais e das liberdades públicas, com fulcro na

ação de um Poder Judiciário isento de limitações ao exercício pleno da

imparcialidade dos julgamentos. Destacando-se ainda dentro desse Estado, um

governo que ao ser democrático providencia a organização política, mas se depara

com o problema de encontrar homens que concretizem a democracia, fim tão

almejado ao bem-comum.147

Depreende-se, portanto, que para a garantia dos direitos fundamentais,

mister é que o ideal de democracia ansiado nas diversas esferas da vida social,

extravase o campo das idéias e se materialize por meio das ações dos

representantes do poder público, o que permitirá a segurança tanto para os

cidadãos quanto para a própria Administração.

Neste tocante, pertinente é observar que “na confluência do direito e do

dever é que se traça a linha demarcatória dos limites dentro dos quais cidadãos e

administradores podem atuar”.148 Deriva-se daí o princípio da legalidade, cuja

observância dá-se no sentido de que a nenhum órgão ou agente da Administração

é facultada a prática de atos que contendam com interesses alheios senão em

virtude de norma geral anterior.149

Há que ser observado, sob este aspecto, que havendo no estado

democrático de direito, uma Administração moral e legalmente imbuída dos ideais

democráticos e de agentes capacitados para concretizá-lo, será possível

estabelecer uma ordem capaz de permitir o exercício das liberdades sem que isso

signifique obstaculizar a vida social em concordância com interesses coletivos.

Nesse patamar, ao Estado por meio da Administração é lícito exercer o

poder de polícia devendo para tanto atuar e jamais se omitir, o que se assim

acontecesse deixaria de proteger os direitos fundamentais dos administrados e

não haveria uma boa aplicação dos anseios democráticos, condição precípua do

dever jurídico. Por isso, a necessidade de compromisso por parte do agente

147 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 221.148 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 221.149 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 222.

57

administrativo na aplicação do poder de polícia para não incorrer em abuso de

autoridade conforme lição de José Maria Pinheiro Madeira:

(...), cada agente administrativo é investido da necessária parcela de poder público para o desempenho de suas atribuições, devendo usá-lo normalmente, como atributo do cargo ou da função, e não como privilégio da pessoa que o exerce. É esse poder que empresta autoridade ao agente público, quando recebe da lei competência decisória e força para impor suas decisões aos administrados. Exatamente por isso, o agente, quando despido da função ou fora do exercício do cargo, não pode usar da autoridade pública, nem invocá-la ao talante de seu capricho para superpor-se aos demais cidadãos.150

O poder de polícia da Administração se traduz então, como mecanismo

que visa assegurar o exercício das liberdades oferecendo condições para que

dentro da legalidade e moralidade, agentes públicos no caso concreto ofereçam

limites a essas mesmas liberdades quando elas fugirem da situação de ordem

necessária à convivência coletiva saudável.

5. FUNDAMENTO E FINALIDADE DO PODER DE POLÍCIA

O poder de polícia tem como fundamento a supremacia do interesse público

sobre o particular, ou seja, o interesse que o Estado dentro de seu território

exerce sobre pessoas, bens e atividades; legitimado pelas normas constitucionais

e de ordem pública, as quais oferecem oposição e restrições ao anseio individual

em favor da coletividade, incumbindo ao poder público o seu policiamento

administrativo.151 Hely Lopes Meirelles exemplifica a respeito dessas limitações:

(...) deparamos na vigente Constituição da República claras limitações às liberdades pessoais (art. 5º, VI e VIII); ao direito de propriedade (art. 5º, XXIII e XXIV); ao exercício das profissões (art. 5º, XIII); ao direito de reunião (art. 5º XVI); aos direitos políticos (art. 15); à liberdade de comércio (arts. 170 e 173). Por igual, o Código Civil condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, ao “exercício regular de um direito reconhecido” (art. 188) proibindo o abuso, e, no que concerne ao direito de construir, além de sua normalidade, condiciona-o ao respeito ás normas administrativas e ao direito dos vizinhos (arts. 1277 e 1299). Leis outras, como a Lei dos Recursos Hídricos, o Código de Mineração, o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca, a Lei do Meio Ambiente, cominam diversas restrições, visando sempre à proteção aos interesses gerais da comunidade contra

150 MADEIRA, José Maria Pinheiro. Reconceituando o poder de polícia. 1. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000, p. 225.151 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 133.

58

os abusos do direito individual.152

Para cada restrição de direito individual, seja expressa ou implicitamente

disposta em norma legal, existe uma restrição equivalente por meio do poder de

polícia administrativa com o intuito de dar eficácia e fazer a Administração ser

obedecida. “Isto porque esse poder se embasa, como já vimos, no interesse

superior da coletividade em relação ao direito do indivíduo que a compõe”.153

Nesta linha de pensamento concorda Celso Antônio Bandeira de Mello ao

afirmar que o poder que a Administração dispõe por meio da atividade de polícia

administrativa resulta do fato de ter ela a qualidade de executora das leis

administrativas não podendo deixar de exercê-lo, uma vez que tem o dever de dar

execução às leis, cabendo-lhe a supremacia geral. Afirma, portanto, que:

O poder, pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus cargos de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, “supremacia geral”, que, no fundo, não é senão a própria supremacia das leis em geral, concretizadas através de atos da Administração. 154

Necessário é acentuar que mesmo limitando o exercício dos direitos

individuais, não é lícito à Administração abusar na execução do poder de polícia,

pois o regime das liberdades públicas assegura o uso normal desses direitos, mas

também não permite o exercício anti-social deles. Hely Lopes Meirelles expõe

acerca dessa questão:

As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionamento ao bem-estar social. Essas restrições ficam a cargo da polícia administrativa. Mas sob a invocação do poder de polícia não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição, dentre os quais se inserem o direito de propriedade e o exercício de profissão regulamentada ou de atividade lícita.155

Por tudo, é possível conceber que a finalidade do poder de polícia delineia-

se na proteção do interesse público em seu sentido mais amplo. Compreendendo-

se como amplitude, desde os valores materiais ao patrimônio moral e espiritual do

152 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 133.153 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 133.154 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 719.155 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 133.

59

povo, expresso na tradição, instituições e aspirações nacionais.156

Coadunando com essa idéia, Odete Medauar menciona como finalidade do

poder de polícia a defesa da ordem pública, esta entendida no âmbito

administrativo, ou seja, como as condições mínimas e essenciais à vida social e

pacífica. Abarcando também o aspecto da segurança de bens e pessoas,

salubridade e tranqüilidade, bem como as questões econômicas, ambientais e até

estéticas.157

Acrescenta ainda que a ordem pública especificamente relacionada ao poder

de polícia se identifica com o interesse público e se refere à proteção de qualquer

bem ou interesse coletivo ante o indivíduo ou grupo restrito de indivíduos.

Segundo esta autora, o interesse público é mencionado sob diversos nomes:

“interesse geral, bem comum, interesse coletivo, necessidades coletivas,

necessidades da vida social”.158

Sendo assim, notório é que o poder de polícia possui fundamento legal e atua

no sentido de propiciar a existência de uma convivência harmônica à vida social

evitando através de mecanismos preventivos e repressivos toda sorte de conflitos que

venham quebrar a ordem necessária e almejada pelo estado democrático de direito.

156 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 134.157 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 335.158 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 335-336.

60

CAPÍTULO IV: LIMITAÇÕES AO EXERCÍCIO E ABUSO DO PODER DE POLÍCIA

1. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

O princípio da razoabilidade se encontra implícito na Constituição Federal

bem como o da proporcionalidade, visto aqui como princípio autônomo. Ambos

também se acham ressalvados na Lei nº. 9.784 de 1999, quando esta ao dispor

sobre os processos administrativos, determina a observância da adequação entre

os meios e fins e veda a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida

superior ao satisfatório no atendimento do interesse público.159

Na visão de José dos Santos Carvalho Filho ambos os princípios consistem

em mecanismos de controle dos atos estatais abusivos, seja qual for a sua

natureza. Afirma, porém, que no processo histórico de formação desses

postulados, o princípio da razoabilidade nasceu com perfil hermenêutico, voltado

em um primeiro momento para a lógica e a interpretação jurídica e somente

depois é que foi adotado para a ponderação de outros princípios, ao mesmo tempo

em que o princípio da proporcionalidade já nasceu com direcionamento objetivo,

material, visando o balanceamento de valores, como a segurança, a justiça e a

liberdade.160

Por meio da razoabilidade, os atos administrativos e jurisdicionais

adquirem nova e plena justificação teleológica, uma vez que concretizam o

Direito e lhe vivificam, ao realizarem a proteção e promoção dos interesses

159 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 92,94.160 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 30.

61

prescritos pelos legisladores. É com base neste princípio que o Direito não se

exaure em ato estritamente técnico, neutro e mecânico, também não se esgota

no racional, ou seja, a aplicação da vontade da lei se faz por atos humanos aptos

a imporem concretamente o que nela há em abstrato.161

Enraizado nos dois sistemas jurídicos do ocidente – o romano-germânico e

o anglo-saxão –, o princípio da razoabilidade não recebe terminologia

homogênea e é, por alguns autores, englobado no princípio da proporcionalidade

quando age na interdição do excesso. No entanto, na lição de Diogo de

Figueiredo Moreira Neto, parece haver concordância em que haja neste princípio

as três exigências:

(1) a de adequabilidade da medida para atender ao resultado pretendido; (2) a de necessidade da medida, quando outras que possam ser mais apropriadas não estejam à disposição do agente administrativo; e a de proporcionalidade, no sentido estrito, entre os inconvenientes que possam resultar da medida e o resultado a ser alcançado.162

Ainda na lição deste autor, o princípio da razoabilidade visa a afastar o

arbítrio que decorre da desadequação entre meios e fins, “da desnecessidade de

meios para atingir afins e da desproporcionalidade, entre os meios empregados e

os fins a serem alcançados”. Este princípio tem ainda notória importância quando

da atuação da Administração de maneira discricionária, funcionando como um

limitador, assim como nos demais atos administrativos.163

Sobre a oportunidade, a ação administrativa mesmo gozando em vários

aspectos da prerrogativa da discricionariedade, deverá ser considerada nos

termos do que seja razoável de modo a evitar restrições desnecessárias ou

abusivas por parte da Administração Pública com lesão aos direitos fundamentais

e assim não violentará nem o senso comum nem as regras técnicas. Caso não

aconteça dessa maneira, o efeito do ato administrativo inoportuno ensejará sua

nulidade.

161 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 100.162 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 101.163 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 101.

62

Em relação à conveniência, a ação administrativa tem que se pautar na

escolha de conteúdo em conformidade com o objeto a ser realizado e “com uma

razoável certeza de que se trata da escolha mais eficiente”. Uma vez que a

inconveniência extravasa os limites legais discricionários e evidencia, portanto,

uma ilegalidade.164

Convém expor a visão de José dos Santos Carvalho Filho quando este

autor afirma que a “razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja,

aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que

provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa”.165

Acrescenta ainda que o conceito de razoabilidade é um tanto instável, pois

o que é razoável para uns pode não ser para outros e isto implica no fato de que

por este motivo, não pode o juiz em ato de controle da conduta do administrador

alegar tão somente que não entendeu ser razoável um determinado ato. Aduz,

portanto:

Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador pelo seu próprio, porque a isso se coloca o seu óbice da separação de funções, que rege as atividades estatais. Poderá, isto sim, e até mesmo deverá, controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar se estão presentes os requisitos que a lei exige para a validade dos atos administrativos. Esse é o sentido que os Tribunais têm emprestado ao controle.166

Nesta esteira, este autor frisa que o princípio da razoabilidade tem que ser

observado pela Administração à medida que a conduta desta se apresente dentro

dos padrões normais de aceitabilidade, pois se a atuação se der fora desses

padrões, algum vício estará contaminando o comportamento estatal, uma vez

que não pode haver violação do princípio quando a conduta administrativa for

inteiramente revestida de licitude.167 Afirma ainda que:

Assim, na esteira da doutrina mais autorizada e rechaçando algumas interpretações evidentemente radicais, exacerbadas e dissonantes do

164 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 101.165 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 28.166 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 28.167 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 28-29.

63

sistema constitucional vigente, é preciso lembrar que, quando se pretender imputar à conduta administrativa a condição de ofensiva ao princípio da razoabilidade, terá que estar presente a idéia de que a ação é efetiva e indiscutivelmente ilegal. Inexiste, por conseguinte, conduta legal vulneradora do citado princípio: ou a ação vulnera o princípio e é ilegal, ou se não o ofende, há de ser qualificada como legal e inserida dentro das funções normais cometidas ao administrador público.168

Por outro lado, no entendimento de Leonardo Motta Espírito Santo “o

conceito de razoabilidade é indeterminado por não haver critérios objetivos para

sua aferição”. 169 O que não isenta a Administração de exercer suas atividades

discricionárias de forma racional por meio de condutas coerentes, prudentes,

equilibradas e com a avaliação do custo-benefício do interesse público

desejado.170

Afirma ainda que a ausência de razoabilidade se traduz na observância dos

fins legais. No entanto, com inadequação de meios utilizados para atingir estes

fins e que a manifestação arbitrária do administrador dotada de motivos pessoais

ou sem fundamento na ordem jurídica, também pode ser considerada

irrazoável.171

Por sua vez, a proporcionalidade compreendida como princípio autônomo

por alguns autores, reside na ação administrativa equilibrada, ou seja, os meios

empregados ainda que legais e com o objetivo de atingirem o fim público

deverão se dar por meio de decisões refletidas e, portanto, equilibradas. “É o

justo equilíbrio entre os sacrifícios e os benefícios resultantes da ação do

Estado”.172 Como é sabido, os julgadores utilizam dos princípios da razoabilidade

e proporcionalidade como bússola orientadora de suas decisões:

EMENTA: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. PROTESTO DE DUPLICATA PAGA NO VENCIMENTO. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. ARBITRAMENTO. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina,

168 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 29.169 SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 34.170 SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 34.171 SANTO, Leonardo Motta Espírito. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 35.172 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 101.

64

veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados estes como violadores da sua honra objetiva. II - Em se tratando de duplicata paga no dia do vencimento, deve o banco responder pelo dano moral decorrente do protesto que levou a efeito. III - A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso. IV - O arbitramento do valor em número de vezes o expresso na cártula significa somente um critério adotado no caso específico, dificilmente servindo de parâmetro à demonstração do dissídio, em face das peculiaridades de cada caso.173

EMENTA: DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULO CAMBIAL DANO MORAL. PREJUÍZO. REPARAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. HONRA OBJETIVA. DOUTRINA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL. CRITÉRIOS NA FIXAÇÃO DO DANO. PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUIZ. RECURSO DESACOLHIDO. I - O protesto indevido de título cambial acarreta a responsabilidade de indenizar razoavelmente o dano moral correspondente, que prescinde da prova de prejuízo. II - A evolução do pensamento jurídico, no qual convergiram jurisprudência e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte, onde o entendimento tem sido unânime, que a pessoa jurídica pode ser vítima também de danos morais, considerados esses como violadores da sua honra objetiva. III - A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e as peculiaridades de cada caso.174

Com efeito, a ação administrativa em concreto representando o Estado

age por meio de prestações e restrições visando o bem-comum em determinação

da lei, que as institui em tese. No entanto, as ações concretas da Administração

deverão estar limitadas pela justa compensação entre a redução exigida e a

vantagem decorrente. Se o contrário se der, acontecerá o que acentua Diogo de

Figueiredo Moreira Neto:

173 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 214381 MG, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgamento 24/08/1999, DJ 29-11-1999 ement vol-13 pp- 285.174 BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 171084 MA, relator ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgamento 18/08/1998, DJ 05-10-1998 pp- 102.

65

Quando esta relação for desequilibrada, seja na própria formulação da lei (desproporcionalidade legislativa), seja na sua aplicação concreta (desproporcionalidade administrativa), a ponto de tornar demasiadamente onerosa a prestação do administrado, seja ela positiva ou negativa, em confronto com o reduzido ou nenhum proveito para a sociedade, fica caracterizada a agressão ao princípio, que se apresenta, assim, como uma derivação do princípio maior da justiça distributiva e o da própria legitimidade.175

Sendo assim, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade visam

juntos assegurar que as ações administrativas sejam elas dotadas ou não de

discricionariedade, venham a acontecer de maneira que o poder público atinja o

fim do bem-comum e possibilite a convivência harmônica dos administrados e,

mesmo que isto signifique estes últimos serem tolhidos em seus atos, uma vez

que isso se dê de forma razoável e equilibrada, portanto, legítima.

2. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SEGURANÇA E INSEGURANÇA PÚBLICA EM MEIO AO COLAPSO DO SISTEMA CRIMINAL BRASILEIRO

2.1 Aspectos relativos à segurança pública

Um dos grandes problemas da sociedade atual tem raízes na insegurança

que permeia os grandes e pequenos centros populacionais, bem como vários são

os fatores que impulsionam e aceleram a criminalidade atualmente, os quais

ferem a segurança pública. Entre eles figura os fatores sociais como “o

crescimento populacional acelerado; a má distribuição demográfica; a

distribuição inadequada de renda; a falta de planejamento familiar; as favelas e

conglomerados e o problema do menor”.176

Estes e outros fatores têm sido causa geradora da violência na realidade

brasileira evidenciando uma tragédia social, pois além de darem grande

dimensão ao problema, alavancam um poderoso fator de dissociação entre as

camadas da sociedade. Em relato de 25 de novembro de 1979, o Jornal do Brasil

descreveu a realidade brasileira com o seguinte texto:

175 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Curso de direito administrativo. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 102.176 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 78.

66

Numa formulação precisa e dramática da percepção generalizada de medo e insegurança, frente à escalada da criminalidade violenta, o poeta Affonso Romano de Sant’Ana não hesitou em evocar imagens de uma guerra civil, onde exércitos de marginais avançam contra uma sociedade e uma política excludentes: há uma guerra nas ruas e o Governo não interfere... Os pobres já são assaltados pelos miseráveis. Quando eles se tornarem todos uma classe, ou quando tiverem consciência de classe, virão contra o outro lado... Há um exército de 30 milhões escalando os muros de Roma.

Nesta esteira coaduna a maioria das estatísticas sobre a origem da

violência, ou seja, dentre os fatores que a norteiam, as causas sociais – de

ordem estrutural - têm maior peso, mesmo que não se possam excluir os fatores

endógenos tratados pela criminologia. Em acepção sobre esta idéia, relevante é o

comentário do colunista político do Jornal do Brasil Mauro Santayna na

reportagem de 13 de fevereiro de 2007 da revista Carta Maior quando este aduz

à construção de um bandido:

Como se faz um criminoso? Os criminosos, salvo os casos de psicopatia congênita, são construídos, não nascem feitos. A nova deputada federal Marina Magessi, veterana policial carioca, não pode ser apontada como esquerdista, fanática defensora dos “direitos dos bandidos”. Ao contrário: sempre foi vista como “durona” na ação policial. Em recente depoimento à TV Câmara, em companhia do rapper MV Bill, Marina Magessi lembrou que o dia mais difícil da sua vida foi o do assalto ao ônibus da linha 174, em 2000, no Rio, porque teve que prender uma menina de 12 anos, envolvida no incidente. Ela resume o problema, ao dizer que nesses episódios não há algozes: só há vítimas. A menina era tão vítima como Sandro do Nascimento o assaltante, um sobrevivente do massacre da Candelária, que seria assassinado logo em seguida pela polícia, e a jovem Geisa Gonçalves, morta durante a intervenção policial.

“Não é a pobreza que leva ao crime, mas, sim, a falta de inclusão” – disse a mesma senhora, em outra oportunidade. “No Rio, essas crianças não pertencem a nada. Não têm família, não têm igreja, não têm Estado”. Se quisermos ir mais fundo no problema, devemos deixar os limites das favelas, do Rio de Janeiro e do Brasil. Escolhemos nessa pobre cultura universal contemporânea, induzidos pelos meios de comunicação de massa, sobretudo do cinema e da televisão, modelo de vida que pode ser definido como o de pacto com a morte. Passamos parte de nossa vida vendo as balas penetrarem na testa de bandidos ou não, acostumamo-nos com o jorro de sangue e, em certos casos, experimentamos voluptuosa emoção diante dos corpos que tombam. Mesmo os homens mais velhos se recordam da influência do cinema nos jogos infantis - e a violência daquele tempo era quase inocente, diante da que nos chega, pela televisão, todos os dias. Brincava-se, então, de artista e bandido. Os heróis eram artistas, e os vilões, os bandidos. Era o mito da “violência positiva”, que os norte-americanos haviam criado, com suas “short-stories”, destinadas a distrair os trabalhadores

67

imigrantes do início do século XX, que depois passaram a ser filmadas por judeus húngaros, em Hollywood. Ainda que houvesse, em contraponto, a arte de Chaplin e outros, o mito da violência acabou prevalecendo. Chaplin era um realizador para quem conseguia pensar. Hoje, crianças de três, quatro anos, treinam para matar nos vídeo-games, em que, do sangue que espirra dos atingidos pelas balas virtuais, só falta o cheiro da morte. Os super-heróis ganharam a força dos elétrons.177

O problema da criminalidade demonstra, portanto, fator de grande

preocupação que obriga conjuntamente autoridades e cidadãos comuns a

buscarem soluções inibidoras do crime, o qual tem também como fatores

indutores, o consumo de álcool, o uso de drogas e o porte de armas. Sobre estes

três aspectos é importante mencionar a visão de João Manoel Simch Brochado:

O álcool é (...) importante vetor da violência e do crime. A extensão desse fenômeno e a incongruente facilidade de acesso à bebida alcoólica desafiam o nosso bom senso, ao constatarmos a incidência dele entre os autores de crimes violentos. O alcoolismo que interesse à segurança pública é o que assola comunidades culturalmente desprotegidas, pois é precisamente a cultura que pode sustentar o consumo de álcool na sociedade, com comedimento, sem permitir que se transforme em estímulo da violência e degradador de costumes (...).

A expansão do consumo de drogas dentro da sociedade brasileira determinou o crescimento e a organização de uma forte economia criminosa que mobiliza a mão-de-obra disponível pelo desemprego, pela penúria e pela confusão de valores a que está submetida, incorporando-a ao crime. O consumo entre marginais e, particularmente, entre essas vítimas da crise transforma-se em vetor da violência ou de deterioração do comportamento social. A necessidade de financiamento para o narcotráfico tem estimulado, de modo crescente, a ação criminosa de golpes espetaculares que permitam o acesso imediato a polpudas somas e o desenvolvimento de organizações que exploram atividades ilegais de alta rentabilidade e liquidez imediata.

A incidência de crimes violentos não deve provocar o medo coletivo dentro da sociedade, com as pessoas procurando um porte oficial ou enfiando uma pistola na cintura ou na bolsa mesmo sem autorização para fazê-lo. Cria-se o círculo vicioso da violência gerando mais violência. Desarmar, portanto, deve ser uma séria e permanente preocupação do Estado.178

Sobre estes aspectos deve haver por parte do Estado através das

autoridades competentes, uma mobilização no sentido de promover campanhas

educativas e preventivas e, quando necessário, ações repressivas eficazes, sobre

177 CARTA MAIOR. Questão de ordem (O pacto com a morte – a construção de um bandido). Disponível em: www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=350i. Acesso em 13 de outubro de 2007 às 12h30min.178 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 52, 59-60, 126.

68

a nocividade dos elementos álcool, drogas e armas, individual e conjuntamente

com o afã de impedir seu uso e conseqüentemente a ocorrência de crimes,

principalmente nas áreas metropolitanas onde o crime urbano violento tem

consideravelmente deteriorado a qualidade de vida.

O crime urbano violento tem tornado insustentável a convivência nos

grandes centros atualmente. As autoridades policias têm classificado nesta

espécie de crimes, o homicídio doloso e tentativa, o roubo, o estupro, a tentativa

de estupro e a lesão corporal dolosa como definidores do comportamento

marginal violento.179

É possível identificar dois perfis de criminosos praticantes desses grupos

de crimes: aqueles que possuem vínculo ou envolvimento com a vítima, movidos

por alguma espécie de sentimento ou motivação direcionada, refere-se aos

atentados contra a pessoa e contra a vida, se estendendo desde a lesão corporal

dolosa leve até o homicídio doloso. Visivelmente estes delitos são, por exemplo,

os que envolvem disputas do crime organizado ou de quadrilhas e rixas nas

populações periféricas. O outro tipo de criminoso é aquele que atua com pouco

ou nenhum envolvimento com a vítima, destacando-se pelo cometimento de

delito violento contra o patrimônio, desde o assalto simples e de oportunidade

nas vias públicas até as ações coletivas contra alvos complexos e rigorosamente

protegidos. Os crimes urbanos violentos estão dispostos, portanto, em três

grupos, dos quais o terceiro engloba a agressão sexual desde o assédio até o

estupro seguido de morte.180

Na lição de João Manoel Simch Brochado o combate aos crimes violentos

conveniente à segurança pública, dá-se por meio de ação intensa e objetiva da

força policial, envolvendo esquemas especiais planejados dotados de ação

preventivo-repressiva visando interceptar o ato criminoso e ainda através da

atividade de patrulhamento coercivo, demover o criminoso de praticá-lo.181

179 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 118-119.180 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119-120.181 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119.

69

Ainda segundo este autor o tipo de criminoso que causa maior pavor é

aquele que possui pouco ou nenhum envolvimento com a vítima, pois estes

causam maior insegurança para a população, uma vez que todos estariam

sujeitos, ou seja, seriam vítimas potenciais. “Mais frios, mais assustadores

portanto, porque, ao se expandirem, criam ameaça indiscriminada a todo

cidadão, ampliando sobremaneira o sentimento coletivo de insegurança”. 182 João

Manoel Simch Brochado classifica os crimes segundo o quadro abaixo:

Crimes violentos(para a segurança pública)

Primeiro grupo Segundo grupo Terceiro grupo

Característica fundamental

Crimes violentos contra o patrimônio.

Crimes violentos contra a pessoa.

Agressão sexual.

Efeitos da ação criminosa

Roubos simples; assaltos complexos; latrocínio.

Lesão corporal; tentativa de homicídio; homicídio doloso.

Tentativa de estupro; estupro;

estupro seguido de morte.

Vínculos de motivação entre autor e vítima

Desvinculação de motivos entre autor e vítima.

Vinculação de motivos entre autor e vítima.

Indigência cultural (normalmen-te com vínculo); desvio de comportamento (normalmen-te sem vínculo).

Ação de segurança pública

Patrulhamento coercivo nas áreas de expectativa estatística; orientação das vítimas potenciais; repressão.

Patrulhamento coercivo em

áreas conflagradas; restrições ao consumo de

bebidas alcoólicas; repressão;

desarmamento

Orientação das vítimas potenciais; repressão; ação integrada de governo; desarmamento.

Importante é ressaltar que o problema da criminalidade não pertence

somente ao Brasil, embora neste estudo esteja sendo dada maior atenção à

realidade brasileira. Aduz a este fato o colunista Mauro Santayana ao afirmar

que o Brasil não é o pior:

Há quem debite a violência brasileira ao nosso caráter. É uma conclusão

182 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 119.

70

estúpida. O Brasil tem cerca de duzentos milhões de habitantes, e uma exígua parcela dessa população se envolve em episódios violentos, seja no campo ou nas cidades, maiores e menores. Os criminosos não chegam a meio por cento da população. Crimes horripilantes – como os de canibalismo - ocorrem no berço da civilização ocidental, que é a Europa, isso sem falar nos Estados Unidos, onde meninos de dez, onze anos, matam seus colegas de escola a tiro limpo. As penas são pesadíssimas e, em alguns Estados, como o Alabama, o Arizona, e Lousiana, crianças de qualquer idade poderiam ser condenadas à morte até 1º de março de 2005, quando a Suprema Corte proibiu a execução de menores de 18 anos, com base na oitava emenda da Constituição, que proíbe castigos cruéis. Nem por isso a criminalidade juvenil nos Estados Unidos se viu reduzida.183

Embora não seja somente um problema brasileiro, a situação do país, no

tocante a criminalidade e violência, demonstra o grande problema que se

instalou e que a cada dia tem adquirido proporções maiores dentro da sociedade.

A questão nacional é, portanto, de alerta, uma vez que as causas de maior

impulsão têm se verificado na esfera social, as quais interligadas e relacionadas

com as demais formam uma grande teia de problemas.

Todo grupo social necessita de uma consciência de proteção, a qual se dá

com a idéia coletiva de um estado de segurança pública. No entanto, esse

sentimento é bem mais amplo do que um simples posicionamento, é alcançado

por meio do esforço conjunto entre autoridades – os três níveis administrativos

altercando em neutralizar os fatores sociais indutores da marginalidade - e a

comunidade.

O estado de segurança pública é importante porque traduz uma situação

de paz “conformada pela maioria dominante dos membros de uma comunidade

em relação à integridade física do cidadão e de sua família, à integridade de seu

patrimônio, à sua liberdade de locomoção sem perigo e ao direito de socorro que

todos têm (...)”.184 No entanto, esse estado goza de grande vulnerabilidade e

instabilidade, o que o faz motivo de constante preocupação para a

Administração.

Por isso, é necessária a aproximação das autoridades policiais -

183 CARTA MAIOR. Questão de ordem (O pacto com a morte – o Brasil não é o pior). Disponível em: www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=350i. Acesso em 13 de outubro de 2007 às 23h33min.184 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 41.

71

organização base na busca de proteção e socorro – com a comunidade, pois é

por meio dessa interação que os problemas relativos à segurança pública serão

discutidos visando assim a obtenção de soluções de eficácia máxima, além de

restaurar a confiança da população na polícia. Sobre este aspecto João Manoel

Simch Brochado afirma:

A discussão coletiva dos problemas de segurança e a interação das soluções diretamente com a polícia criam resistências ao medo individual e ao pânico social, restabelecendo uma expectativa consensual de desvantagem para a prática dos delitos que agridem os cidadãos e seu patrimônio, e de vantagem da comunidade, de mãos dadas com a polícia, sobre os criminosos.Essa integração comunidade e polícia deve ser permanente, buscada por intermédio de rotinas de encontros para a troca de experiências: as pessoas como vítimas potenciais – ou seus líderes – e as autoridades policiais como agentes do processo de neutralização dessa condição.185

Dessa forma, embora notória a real deficiência da segurança pública,

necessária e urgente é a atuação compromissada dos governantes em efetivar

medidas através de planejamento capazes de impedir a ação dos criminosos e

conseqüentemente garantir à população uma situação de proteção em que todos

possam se sentir confiantes em colaborar com as autoridades policiais.

2.2 O sistema criminal e a realidade da polícia

Atualmente o sistema criminal brasileiro se encontra emperrado. Isso por

causa da carência de recursos humanos suficientes e bem qualificados, do

obsoletismo das estruturas organizacionais, da alienação em relação à tecnologia

moderna disponível, da morosidade dos processos administrativos, da falta de

articulação e da falta de perspectiva que tudo isso produz em meio aos

profissionais pressionados por uma realidade sem controle.186

Há uma falta de integração dentro do próprio sistema criminal, ou seja, as

polícias constantemente estão em conflito de atribuições e por vezes não se

entendem com o Ministério Público. Não diversa desta situação é a comunicação

destas categorias com o Judiciário que nem sempre está interagindo com os

demais poderes da Administração, é o que acontece, por exemplo, com a

185 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 46.186 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 49.

72

insatisfação dos juízes em relação à lei de execução penal. Sobre este assunto,

interessante é atentar para o posicionamento de Álvaro Lazzarini:

É verdadeira a existência de atritos entre as polícias estaduais. Conhece-se, inclusive, a existência de atributos entre a Polícia Civil com o Ministério Público e com a Polícia Federal. Esses atritos, porém, podem ser superados pela legislação infraconstitucional, que se disponha a precisar e detalhar as atribuições de cada órgão, diminuindo, ao máximo, as zonas cinzentas, as áreas de intersecção de competência das duas polícias estaduais.187

Na visão deste autor é necessário um esforço conjunto por parte do

Legislativo, a quem compete a legislatura infraconstitucional, com a ajuda do

Executivo, dar um fim nos conflitos de competência que atordoam o sistema

criminal brasileiro e assim será possível aperfeiçoar o modelo policial brasileiro.188

Uma vez que a falta de coordenação entre essas categorias incita o aumento da

criminalidade ao direcionar as atenções para outro fim que não a atuação dos

criminosos, ferindo, portanto, o interesse público. Coaduna com esta idéia João

Manoel Simch Brochado:

A vigilância repressiva e uma forte repressão, integradas ao Ministério Público e à justiça criminal para a identificação e rápida condenação dos autores, inverterão o cerco ameaçador ao colocar todo o sistema criminal voltado e dirigido, com prioridade, para o intuito de retirá-los do convívio social.189

Na lição de Álvaro Lazzarini, o conflito de competências corriqueiramente

noticiado tem origem na superposição de meios, busca de notoriedade por

policiais, dispersão de esforços com raízes oriundas de uma mistura de

desconhecimento da lei, sentimentos classistas e corporativistas acometidos de

evidente vaidade, busca de publicidade pessoal e até fins políticos quando em

ano eleitoral.190 Exemplificando esta situação, o jornal Daqui veiculou no dia 03

de outubro de 2007 a matéria intitulada “Tropa de elite da PM provoca briga

entre as polícias”:

187 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 169-170.188 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 170.189 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 122.190 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 62.

73

Uma discussão entre policiais da Rotam e uma delegada da polícia civil gerou um conflito entre as polícias ontem. Agentes civis, delegados e escrivães exigiram medidas enérgicas e urgentes contra as “arbitrariedades” cometidas por militares da Rotam. O protesto ocorreu horas depois que cinco equipes da Rotam chegaram à Delegacia Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc), com uma adolescente de 17 anos e o sogro dela. Os dois eram acusados de traficar drogas, e os policiais exigiram que a delegada Alessandra Batista Dias os autuasse em flagrante. A delegada recusou-se a fazer a autuação já que não havia testemunhas e a jovem tem menos de 18 anos, e deveria ser encaminhada à Delegacia de Apuração de Atos Infracionais.

Outro fator que demonstra o descrédito e desmoralização das instituições

policiais frente à sociedade e até compromete a imagem do Brasil no exterior é a

corrupção e violência praticadas por policiais. Por certo, o investimento, a

preparação do policial, especialmente a humanista e jurídica deve ser incentivada

nos diversos níveis dos cursos de formação, especialização e aperfeiçoamento.191

A força policial como um todo necessita urgentemente de capacitação e

investimento por parte do poder público. Desde a ausência de equipamentos e

cadeias, armas modernas e munição, viaturas para o cumprimento de diligências

e até contingente humano têm sido o drama com o qual os profissionais da

segurança pública têm se deparado cotidianamente.

Tudo isso gera uma grande insatisfação e desestímulo nos profissionais,

incitando medidas violentas ou descompromissadas com o ofício. Aliado a isso e

não menos importante é a realidade das cadeias brasileiras, que se falassem,

pediram por socorro. Isto quer dizer que os estabelecimentos prisionais além de

não cumprirem a função essencial que é a de reeducação e ressocialização do

preso se encontram totalmente sem estrutura física que comporte mais

detentos.192

Bem se sabe que não é a prisão que impedirá a intenção criminosa de

outros e nas circunstâncias atuais, de definhamento e deficiência estrutural das

cadeias, certamente não haverá qualquer recuperação. No entanto, mais certo

ainda é que se não houver vontade política, pois o problema da segurança

pública não é propriamente de falta de gestão do Estado, mas também de

191 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 172-173.192 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 67.

74

iniciativa política em gerir os recursos públicos para a construção e

aperfeiçoamento das penitenciárias, não haverá mesmo qualquer melhoria na

segurança. 193

O fato é que mesmo com todos esses problemas aturdindo o fator

segurança pública, ainda assim não há justificativa plausível para que o poder

público se omita diante da promoção do estado de segurança que a sociedade

necessita. O sentimento de proteção concretizado nas diversas esferas sociais é

de interesse de todos e a polícia, escopo dessa realidade, não pode se refugiar

diante da falta de investimento ou de motivação para o exercício de suas

atividades.

Há que haver urgentemente compromisso público e engajado das

autoridades, nos três níveis de poder, através de atividades planejadas e

coordenadas visando acudir o sistema criminal como um todo, desde a atuação

das diversas polícias até a saída do criminoso do estabelecimento prisional

depois de cumprida a pena. Se assim não for, daqui a alguns anos não será

possível viver.

3. POLÍCIAS MILITAR E CIVIL NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA

3.1 Aspectos históricos sobre a polícia militar

No Brasil, a polícia militar surgiu no ano de 1809 criada primeiramente no

Rio de Janeiro pelo príncipe Regente D. João VI. Gozava das características de

polícia administrativa, organização militar, dupla vinculação e força de elite. Com

passar do tempo, o projeto foi expandido para outras localidades do Império e

“principiava com uma origem de clara e exclusiva destinação para atividades

policiais administrativas vinculadas à segurança e tranqüilidade da população e

ao auxílio da justiça”.194

193 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 67-68.194 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 220-222.

75

Ao longo da história, mudanças na legislação incitadas por interesses

políticos acabaram por demonstrar as distorções a que essas corporações foram

submetidas, o que resultou no distanciamento do foco principal das polícias

militares. Foi o que aconteceu, por exemplo, no ano de 1934 quando o governo

central preocupado com os movimentos revolucionários em alguns estados

agitados, implantou sobre essas corporações militares a idéia de reserva do

Exército, submetendo-as à legislação e fiscalização federal.195

Durante um longo período as corporações militares passaram, ainda que

sem jeito, a se comportar como forças do Exército e depois de algumas

tentativas infrutíferas da legislação em resgatar a idéia inicial de criação,

somente com o Decreto-lei – nº. 667 de 02 de julho de 1969 houve a

reorganização das polícias militares dos estados, dos territórios e do Distrito

Federal, o que representou um marco de extrema importância para o retorno à

origem de polícia administrativa.196

Foi por meio desse decreto que as polícias militares passaram, com

exclusividade, a executar o policiamento ostensivo fardado. Além de serem

extintas outras guardas civis uniformizadas e todas as outras polícias com

uniforme que existiam com atividades semelhantes nos estados, dando lugar às

polícias militares.197

3.2 Conceito e características da polícia militar

Nesta esteira, João Manoel Simch Brochado conceitua a atividade da

polícia militar sob a luz de Magalhães Noronha como a de uma polícia

administrativa de organização militar. Isto quer dizer a atuação de uma polícia

garantidora da ordem pública que vise a impedir a prática de delitos atuando

preventivamente, uma vez que se destina a promover ao indivíduo o gozo de

seus direitos, à vida, à integridade corpórea e de seu patrimônio, bem como à

195 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 223.196 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 225.197 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 226.

76

liberdade. Cuidando, pois, que não sejam lesados pelo comportamento ilícito de

alguém.198

As corporações militares dos 26 estados brasileiros, com exceção apenas

do Distrito Federal, embora organizadas, armadas, equipadas e mantidas por

cada estado da federação, possuem supervisão do Exército brasileiro. De acordo

com a visão de João Manoel Simch Brochado, isto se dá pelo seguinte:

As organizações militares armadas dos estados não podem, por uma eventual disfunção organizacional ou envolvimento com outras atividades e responsabilidades, colocar em risco ou ameaçar a indissolubilidade da união dos estados e municípios e, com isso, a própria segurança nacional. Esse primeiro ponto que vincula a necessidade de supervisão à preocupação com a segurança nacional, lança o problema, por puro bom senso, para a responsabilidade das Forças Armadas, que detêm a aptidão técnico-militar capaz de definir e conferir limites, impedindo que sejam ultrapassados.199

Outro fator característico das corporações militares é a estrutura

hierárquica, dotada de alto teor de disciplina e a abrangente diversificação de

atividades, a saber:

O policiamento preventivo-comunitário, próximo do cidadão, permanente e contínuo, o policiamento de socorro ao cidadão e à própria polícia, com estrutura ágil e confiável, o policiamento de controle e fiscalização das vias terrestres (urbanas e rodovias), o policiamento de segurança especializada (nas áreas externas dos estabelecimentos prisionais, de proteção à rede escolar, a própria segurança das delegacias de polícia civil), o policiamento de eventos especiais (esportivos, políticos), o policiamento especial de fiscalização (meio ambiente, fazenda pública etc), o policiamento de restauração da ordem pública (choque e patrulhamento coercivo) (...). A tradição de vigilância e guarda externa em instalações físicas importantes dos governos regionais, o trabalho específico de bombeiros militares e a tropa cerimonial completam esse conjunto diversificado de atividades policiais militares.200

As polícias militares são ainda organizadas através de sistemas

operacionais. Segundo João Manoel Simch Brochado um sistema operacional é

definido como um conjunto de recursos materiais e humanos com destino à

198 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 217.199 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 236-237.200 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 250-251.

77

execução de atividades policiais características, que guardam certa

homogeneidade e exigem qualificação de seus integrantes, além de

equipamentos e até uniformes diferenciados, devendo, por isso, ter supervisão

centralizada.201

Como se vê, a organização das corporações militares além de complexa,

no sentido de atuarem com grande diversidade e deterem para isso uma

estrutura diferenciada, é necessitada de constante investimento por parte do

poder público, visando apoiar o exercício dessas corporações e ainda evitar os

abusos de autoridade cometidos por seus integrantes, uma vez que muitos

desses desvios de finalidade têm origem no próprio desconhecimento de

atribuições.

3.3 Abuso de poder no âmbito da polícia militar

Na lição de Hely Lopes Meirelles, o desvio de finalidade ou abuso de poder

se dá quando a autoridade embora competente para a prática do ato, ultrapassa

os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas. Como

todo ilícito, reveste-se das formas diversas, ora se apresenta com truculência,

ora é dissimulado e ainda aparenta ser um ato legal.202 Nessa assertiva convém

expor situação de ocorrência de abuso de poder por parte de policiais militares:

Mais uma ação envolvendo abuso de poder por parte de policiais militares foi denunciada, na região de Curitiba. Desta vez, o caso envolveu um estudante de São José dos Pinhais. Segundo reportagem do PRTV - Segunda Edição, deste sábado, o rapaz, que não quis ser identificado, estava com mais um amigo no carro e quando passava pela Avenida das Torres foi abordado por um veículo da Polícia Militar, com quatro policias. Conforme informações divulgadas pela reportagem da RPC-TV, os policiais teriam cortado a frente do automóvel que foi jogado contra o meio-fio. O estudante relata que um dos soldados chegou a atirar para o alto e disse que ambos seriam suspeitos de roubo. Os dois foram revistados e afirmaram ter sofrido agressões. "Eles davam tapas, me jogaram no chão, me chamavam de vagabundo", conta. O rapaz falou ainda que os policiais chegaram a cortar os pneus do carro com uma faca. O pai do estudante comunicou o caso à polícia por meio do telefone 190. Um oficial foi enviado ao local e registrou a ocorrência, mas nenhum

201 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 258.202 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 110.

78

documento foi entregue à família. "Quando pedi a ele (policial) um boletim de ocorrência, ele disse que não poderia dar, só poderia fornecer o número do boletim", afirma o pai que também não quis se identificar.O comandante da polícia, Marcos Teodoro Schremeta, informou que os policiais foram afastados e que uma investigação interna foi aberta para apurar o caso. O comandante admitiu que a descrição da ação dos PMs tem característica de abuso.203

Sob esta ótica, necessário é pontuar que o Brasil ainda não possui um

modelo de polícia militar capaz de garantir a ordem pública por meio de

patrulhamento e atividades coordenadas, além de preventivo-repressivas

inibidoras e neutralizadoras de crimes com a respeitabilidade necessária ao ser

humano e executando os mandos do poder de polícia da Administração. Uma vez

que aliado aos diversos fatores de deficiência mencionados neste trabalho,

conta-se com a falta de compromisso dos governantes em atender realmente a

necessidade de segurança da população.

3.4 Conceito e atuação da polícia civil

A polícia civil ou judiciária é a força policial de atuação posterior à

ocorrência do crime. Na visão de Álvaro Lazzarini depois da repressão imediata

exercida pela polícia militar, a ocorrência criminal será transmitida à polícia civil,

cabendo, a esta, a tarefa cartorária de formalização legal e investigante, na

apuração, ainda administrativa, da infração penal, exceto as militares.204

Coaduna e acrescenta sua opinião a esta idéia João Manoel Simch Brochado ao

afirmar que:

A polícia civil, como polícia judiciária, inicia seu trabalho onde teoricamente terminam as responsabilidades da polícia militar em sua atividade administrativa de prevenção da infração penal e, no sentido amplo, de manutenção da ordem pública. A investigação, a perícia, a correta orientação do inquérito policial para a determinação da autoria dos delitos cometidos exige, dos agentes desse processo, dedicação e competência técnica. Trabalhando, em principio, após o cometimento do crime ou da contravenção penal, a polícia civil é fundamentalmente repressiva, investigadora, esclarecedora e elucidadora das

203 GAZETA DO POVO. Policiais são afastados acusados de abuso de poder contra estudante. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/parana/conteudo.phtml?id=643532. Acesso em 15 de outubro de 2007 às 23h50min.204 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 170.

79

circunstâncias e dos autores.205

De acordo com este autor, a polícia civil também conta com a inegável

falta de apoio por parte do poder público, no tocante a ausência de investimentos

técnico-operacionais quanto em termos de efetivo humano. No entanto, a grande

tônica da organização polícia civil deve ser a responsabilidade voltada para a

comunidade. “Corresponde à definição de preocupações que comprometem a

autoridade policial com a repressão ao crime e à criminalidade que acometem os

cidadãos (...)”.206

Nesta esteira para que a polícia civil desempenhe com eficácia o seu papel

frente à sociedade, mister é que esta se ache organizada dentro de um sistema,

um “conjunto policial judiciário operacional”207 dotado de uma estrutura básica e

lógica e auxiliado pelas delegacias especializadas em determinados tipos de

crimes. A organização se dá, portanto, dentro de uma circunscrição territorial,

normalmente dividida por regiões e denominada distrito policial sendo ainda

composta pelo delegado de polícia e os demais policiais civis (agentes e

escrivães).

Conta ainda com o apoio técnico-científico com destaque para a figura do

médico legista, do perito criminal e do papiloscopista. Esses profissionais

conduzem a perícia criminal sobre crimes violentos, realizam o levantamento

minucioso de microvestígios, utilizando também de fotografias de vítimas

mutiladas em acidentes ou massacradas por agressões. São situações que por

não darem qualquer ibope para políticos e governantes, conduzem a perícia

criminal sem verbas e recursos financeiros, o que acaba por dificultar ainda mais

a ação das polícias civis na elucidação dos delitos.

Nessa toada, interessante também é pontuar a ação da polícia civil quanto

o combate ao tráfico de drogas. Sabe-se que além de preocupante, é crescente a

toxicomania dentro dos estados da federação brasileira e é, ou pelo menos deve

ser de interesse dos governantes juntamente com a sociedade, auxiliados pelas 205 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.317.206 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.323.207 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.323.

80

autoridades policiais, o cerco ao narcotráfico.

No entanto, as evidências mostram que não basta uma ação corriqueira

em que o tratamento dispensado ao narcotráfico se dê conforme aos demais

ilícitos penais. É necessário um destaque e diferenciação a este crime, dando-lhe

universo próprio. Para isso, os estados deverão adotar metas de repressão e a

própria estrutura policial deverá ser adaptada à necessidade de integração e

objetividade.208

Um fator de grande importância para a atuação das polícias civis e que

não gera benefício somente a elas, mas a todo o sistema criminal, são as

informações obtidas através do registro da ocorrência policial. No Brasil, a

reunião de todos os dados decorrentes desse registro servirá como fonte

alimentadora de informações necessárias à administração da segurança pública.

Não obstante, necessário será efetivar a padronização dos formulários de

registro, o que permitirá além de uma linguagem unificada e objetiva, a

consubstanciação de estatísticas diversas. “(...) não causará melindres na

consciência federativa pois estará a serviço da integração de dados em benefício

da polícia como instituição nacional, lato sensu , e, particularmente, da

administração da segurança pública em todo o país”.209

3.5 Abuso de poder no âmbito da polícia civil

Por conseguinte, fator não menos importante a ser aduzido neste trabalho

é também o abuso de poder cometido por policias civis no exercício de suas

funções. Corriqueiramente a mídia tem noticiado acerca destas situações, mas

nem sempre a sociedade fica sabendo o desfecho da cena. Alguns exemplos

seguem abaixo:

Cópias de boletins de ocorrência de mortes violentas registrados pela Polícia Civil de São Paulo entre os últimos dias 13 e 19 foram entregues na tarde desta sexta-feira ao Ministério Público Estadual, conforme

208 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.336.209 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p.340.

81

pedido anterior. As mortes ocorreram durante a onda de violência promovida em vários pontos do Estado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública, entre os boletins estão 123 casos de suspeitos de envolvimento nos crimes mortos durante confrontos com a polícia; 41 referentes às mortes de agentes de segurança, policiais civis e militares, guardas municipais e agentes penitenciários; e 23 sobre mortes de presos em motins. Com os boletins, a secretaria cumpre dois dos três itens solicitados pelos promotores do Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) na terça-feira (22). Na noite de ontem (25), a secretaria havia encaminhado cópias dos rascunhos de 130 laudos periciais do IML (Instituto Médico Legal) sobre as mortes ocorridas no mesmo período. O objetivo do Ministério Público é apurar se houve abuso de poder por parte dos policiais na repressão à onda de crimes.210

Há quem concorde com Álvaro Lazzarini quando este autor afirma que a

violência a cargo da polícia civil acontece nos porões, nas chefias de

investigadores, durante os interrogatórios e longe das vistas públicas,

evidenciada até mesmo no inquérito policial.211 É o que ponderarem também José

Carlos Dias e Luís Francisco Carvalho Filho:

O indiciamento passou a ter a conotação de uma condenação pública. O reconhecimento posterior da inocência afirmado pelo Judiciário não tem mais repercussão, é incapaz de apagar da memória a condenação policial anterior. O indiciamento marca a pessoa com cicatrizes que nenhuma sentença absolutória tem o poder plástico de apagar de sua alma e do seu nome. Pelo erro policial, permanece impune o julgador sem toga. O inocente, assim reconhecido pelo julgador togado, não recebe, pela lesão sofrida, nenhuma reparação moral e material por parte do Estado. Se a Constituição garante a inviolabilidade da vida privada, da intimidade, da honra e da imagem, se estabelece a presunção de inocência até o julgamento final do processo, é indispensável que seja cumprida. O indiciamento, por exemplo, é uma ato sem previsão expressa na lei, e a Polícia criou um cerimonial que só objetiva humilhar a pessoa e invadir seu mundo íntimo.212

O abuso de finalidade no âmbito da polícia civil se dá devido a alguns

fatores notadamente já expostos neste trabalho como, por exemplo, a

característica vaidade individual de grande parte dos policias, pelo fato de

ocuparem posição social de autoridade e, portanto, notório poder e respeito. Mas

há também outros fatores que na argüição de Álvaro Lazzarini possuem peso

210 FOLHA ON LINE/ Cotidiano. (MANZINI, Gabriela.) Secretaria entrega boletins da polícia civil ao Ministério Público. Disponível em http://folhaonline.com.br/cotidiano. Acesso em: 16 de outubro de 2007 às 21h28min.211 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 173.212 DIAS. José Carlos e CARVALHO. Luís Francisco Filho. Quando a polícia julga. São Paulo: Folha de São Paulo/Tendências/Debates. Domingo 11 de fevereiro de 1990, p.03.

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considerável nesta esteira:

Tudo, isso, aliás, está aliado à fragilidade dos instrumentos hierárquicos e disciplinares do órgão policial civil, o que, na realidade, dificulta mais ainda o controle de tais desvios funcionais, malgrado o reconhecido esforço de setores especializados da Polícia Civil em contê-los. Essa fragilidade hierárquica e disciplinar, igualmente, torna a corrupção mais desenfreada. 213

Coaduna com este posicionamento, João Manoel Simch Brochado e

acentua que a idéia de disciplina deve fazer parte da consciência do policial,

quando este completar a formação e fizer sua escolha profissional em virtude da

necessidade de obediência e ordem em momentos críticos de ação e risco. Assim

como a hierarquia que define as responsabilidades de comando ou direção dentro

das corporações, dinamizando a estrutura organizacional de maneira objetiva e

eficaz.214

Este autor acrescenta ainda outros fatores de extrema relevância para o

entendimento das ações abusivas por parte de policiais, sem qualquer intenção

de justificá-las, mas com intuito de puro esclarecimento, dada a necessidade

social de total compreensão acerca do real papel das instituições policiais na

promoção da segurança pública, a saber:

A pressão da criminalidade sobre um sistema criminal desarticulado, organizações despreparadas para a crise, estruturas ultrapassadas, efetivos insuficientes, qualificação profissional insatisfatória e, quase sempre, salários desatualizados. Tudo isso provoca o colapso das corporações e as compele ao olvido dos valores institucionais.215

Contudo, mister é o esclarecimento inicial de que não se pode englobar os

policiais em sua totalidade como responsáveis pelo cometimento desenfreado de

abuso de poder. E mais importante ainda é a assertiva acerca do reconhecimento

de que tanto a polícia civil quanto a militar, urgem pela transformação em

instituições modernas, que as permitam obter vantagem nítida em relação à

ação de criminosos.

213 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 173.214 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 94-95.215 BROCHADO. João Manoel Simch. “Socorro...! Polícia!” Opiniões e reflexões sobre segurança pública. 2. ed. Brasília: Universa, 1997, p. 92.

83

Tudo isso, por meio de firmes investimentos de governantes e políticos,

bem como a ação unida e conjunta das instituições policiais. Uma vez que

através da coordenação entre os diversos órgãos de polícia e posterior

aperfeiçoamento de cada um deles será possível enfrentar os problemas que os

norteiam e dificultam suas ações em prol do alcance do estado de segurança

pública tão almejado.

4. LIMITES DO PODER DE POLÍCIA

Todo poder para ser legítimo primeiramente deverá ser legal, ou seja, a

legalidade é a base da atuação de todo agente público. No entanto, não basta ser

legal, pois se assim o fosse, em nome da legalidade, poder-se-ia cometer toda

sorte de atrocidades em detrimento do verdadeiro bem que se procurasse

tutelar, ou seja, o bem comum.

Isto quer dizer que “os limites do poder de polícia administrativa são

demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do

indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º)”.216

Conseqüentemente o poder de polícia não sendo ilimitado, encontra óbice nas

atividades humanas despóticas que ofereçam barreira ao exercício legítimo dos

direitos fundamentais.

Na lição de José Cretella Júnior, “a faculdade repressiva não é, entretanto,

ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas

individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis”.217

Assim como os direitos individuais gozam de relatividade, do mesmo modo o

poder de polícia jamais poderá pôr em perigo bens tutelados ao longo da história

como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização excessiva resultar em

abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do ato de polícia.

Como se vê, o próprio texto legal acentua claras limitações ao poder de

polícia como as referentes às liberdades pessoais (art. 153, §§ 5º e 6º), à

216 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Mallheiros, 2006, p. 135.217 CRETELLA, José Júnior. Curso de direito administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 420.

84

manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa (art. 153, § 22), ao

exercício das profissões (art. 153, § 23), ao direito de reunião (art. 153, § 27),

aos direitos políticos (art. 154), à liberdade do comércio (art. 160).218

Sob este ponto de vista, compreende-se que a cada restrição imposta ao

indivíduo há correspondente poder de polícia administrativa com o intuito de

fazer a Administração obedecida. No entanto, nenhuma autoridade sob a

invocação deste poder tem a competência de anular as liberdades fundamentais

do indivíduo.

5. EXTENSÃO EXCEPCIONAL DO PODER DE POLÍCIA

Em duas situações previstas na Constituição Federal - decretação do

estado de defesa e do estado de sítio, conforme artigo 136, § 1º. , I e artigo

139, III, IV e V, respectivamente - em observância à defesa do Estado e das

instituições democráticas é admitida a possibilidade de extensão do poder de

polícia.219

Note-se que no estado de defesa conforme artigo acima mencionado há a

possibilidade de restrições aos direitos de reunião, sigilo de correspondência,

sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas. No estado de sítio, além

dessas, decorrem ainda restrições à liberdade de imprensa, radiodifusão e

televisão bem como à inviolabilidade de domícilio.220

Sob esta ótica, relevante é atentar para o fato de que mesmo em

situações de crise declarada como essas, os atos praticados continuam

submetidos ao direito e em qualquer circunstância, os direitos fundamentais

devem ser respeitados. É do próprio texto legal, o vocábulo restrições e não

abolição como aduz Odete Medauar em clara observação.221

218 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 194.219 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 340.220 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 340.221 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 340.

85

6. CONCLUSÃO

O poder de polícia difundido e executado nas diversas esferas

administrativas é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para, em

casos de necessidade, conter a ação individual abusiva em favor da coletividade,

buscando com isso manter a ordem e garantir à sociedade como um todo um

estado de segurança pública.

A expressão “poder de polícia” tem origem na jurisprudência norte-

americana e advém do inglês police power. É tida como bastante moderna e

após ter sido criada em país de língua inglesa, expandiu-se pelo direito público

de todo o mundo, inclusive para a realidade brasileira, presente na legislação, na

doutrina e na jurisprudência. É chamado, então, de poder de polícia a

prerrogativa da Administração de impor limitações à conduta individual do

particular em prol do bem comum.

No entanto, este poder da Administração passou por várias etapas ao

longo da história - o que o fez adotar a face correspondente de cada época -

para então chegar à sua concepção atual, ou seja, a do estado de direito, no qual

sejam assegurados os direitos e liberdades dos cidadãos propostos em Lei, de

maneira que o exercício do poder de polícia não seja mais do que o definido

como suficiente à garantia da convivência pacífica da coletividade.

A partir disso, a evolução do poder de polícia ao longo da história norteou

sua execução nos dias atuais e permitiu a consagração de um Direito

Administrativo estruturado e embasado em princípios basilares à atuação da

Administração Pública, que procura contrabalancear, de um lado a garantia de

efetivação plena dos direitos individuais almejada pelo cidadão, e, de outro, a

contensão desse mesmo direito quando seu exercício individual venha sobrepujar

o coletivo.

Fator deveras importante na consolidação de exercício do poder de polícia,

foi a influência da Igreja como instituição forte e determinante do pensamento

do homem. Ora aliada ao Estado, na figura de seu governante, ora em

divergência com este, uma vez que a busca pelo poder era a linha divisória entre

86

a coexistência pacífica desses dois sustentáculos da sociedade, o anseio ao bem

comum foi o elo que, além de justificar o exercício do poder de polícia, norteou o

ponto convergente entre Estado e Igreja.

Em sentido amplo, o poder de polícia se expressa por meio de atividades

que abrangem os Poderes Executivo e Legislativo. Ou seja, através de atos

normativos, que são as leis, as quais criam limitações ao exercício dos direitos

individuais e também por meio de atos concretos ou operações materiais como,

por exemplo, os decretos, resoluções, portarias e instruções.

Sob este aspecto, é importante ainda acentuar a diferença entre polícia e

poder de polícia, uma vez que os dois institutos são objetos de dúvida

costumeira. A polícia é uma realidade, algo em ato enquanto o poder de polícia é

uma faculdade da Administração, uma potencialidade, algo em potência e

legitima, por exemplo, a ação da polícia e a sua própria existência.

O poder de polícia tem ainda como características a discricionariedade, a

auto-executoriedade, a coercibilidade e o fato de corresponder a uma atividade

negativa. A discricionariedade é a livre escolha por parte da Administração da

melhor oportunidade e conveniência para exercê-lo. A auto-executoriedade é a

faculdade de a Administração, de decidir e executar diretamente sua decisão por

seus próprios meios, sem intervenção do Judiciário. Ligada às já citadas, tem-se

a coercibilidade como imposição coativa das medidas adotadas pela

Administração, uma vez que todo ato de polícia é imperativo e, o fato de o poder

de polícia ser uma atividade negativa, ou seja, está situado na face autoridade,

atuando, dessa forma, por meio de prescrições, ao contrário do serviço público

que opera por meio de prestações.

Devido à Administração se difundir por todos os aspectos da vida social, e

sendo o poder de polícia um instrumento do poder público para controlar os atos

individuais das pessoas em benefício da coletividade, este também se insere e

dissemina seu exercício de maneira vasta e ampla.

Por isso, o âmbito de atuação do poder de polícia é extremamente

abrangente. Manifesta-se em diferentes campos e incide por diversos setores da

87

sociedade, desde, por exemplo, aos aspectos referentes à segurança das pessoas

e seus bens, saúde e convivência pública, como à preservação do meio ambiente

natural e cultural, de gêneros alimentícios e ainda no combate ao abuso do poder

econômico.

Neste contexto, o poder de polícia fundamenta-se na supremacia do

interesse público sobre o particular, ou seja, no interesse que o Estado dentro de

seu território exerce sobre pessoas, bens e atividades; legitimado pelas normas

constitucionais e de ordem pública, as quais oferecem oposição e restrições ao

anseio individual em favor da coletividade, incumbindo ao poder público o seu

policiamento administrativo.

Por tudo, é possível conceber que a finalidade do poder de polícia delineia-

se na proteção do interesse público em seu sentido mais amplo, compreendendo-

se como amplitude, desde os valores materiais ao patrimônio moral e espiritual

do povo, expresso na tradição, instituições e aspirações nacionais.

Para tanto, o poder de polícia tem como pressuposto a ação preventiva,

pois através de uma maneira antecipada de agir é possível à força policial

imprimir meios capazes de se adiantar a situações de perturbação contra a

ordem pública. Isso significa a possibilidade de que essa ordem venha a ser

novamente atingida sem que seja necessária a concretização do ato perturbador

outrora vivenciado.

Sob esta égide, a ação preventiva do poder de polícia é de notória

importância, uma vez que toda atividade policial deve ser primeiramente

preventiva e, portanto, terá como função principal a de impedir qualquer motivo

de perturbação atuando de forma repressiva somente em caso de quebra da

ordem pública.

Ressalte-se ainda que o poder de polícia deve ser mensurado com base

nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, os quais visam juntos

assegurar que as ações administrativas sejam elas dotadas ou não de

discricionariedade, venham a acontecer de maneira que o poder público atinja o

fim do bem comum e possibilite a convivência harmônica dos administrados,

88

desde que isto se dê de forma equilibrada, portanto, legítima.

Não obstante, é necessário acentuar que para ser legítimo o poder de

polícia, além de ser legal, conta com limitações, as quais são demarcadas pelo

interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo

assegurados na Constituição da República.

O poder de polícia da Administração se traduz, então, como mecanismo

que visa assegurar o exercício das liberdades oferecendo condições para que

dentro da legalidade e moralidade, agentes públicos no caso concreto ofereçam

limites a essas mesmas liberdades quando elas fugirem da situação de ordem

necessária à convivência coletiva saudável.

Dessa forma, como os direitos individuais gozam de relatividade, do

mesmo modo o poder de polícia jamais poderá pôr em perigo bens tutelados ao

longo da história como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização

excessiva resultar em abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do

ato de polícia.

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