pode a tv senado fazer jornalismo?

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1 Pode a TV Senado fazer jornalismo? Por Luiz Fernando Valls Fazer jornalismo implica atitude independente, provocar a controvérsia, criticar, prensar a fonte em busca da verdade que interessa a toda a população. E, em países civilizados, veicular uma fala ou uma versão quando, e somente quando, houver um contraponto democrático para garantir a imparcialidade da divulgação. É impossível realizar este trabalho no Senado. Empresas privadas, se quisessem, poderiam manter uma cobertura independente sobre esta Casa. Mas a Secretaria de Comunicação não tem como produzir qualquer coisa sobre os senadores correndo o risco de desagradá-los. Impossível o jornalismo, o que produzirmos será propaganda - do Senado, do seu Presidente, da Mesa, dos Senadores. A propaganda mostrará apenas as qualidades da Casa, escondendo seus defeitos. Triste fim da TV Senado: o contribuinte pagará para ser enganado. Que serviço a TV Senado pode prestar? A TV Senado é a mais poderosa garantia da transparência do Senado. Se todas as atividades regimentais forem transmitidas ao vivo, o contribuinte-eleitor-cidadão poderá ver sempre como está agindo o representante do seu Estado, como a Casa está trabalhando. A transmissão ao vivo é o que até agora deu (e sempre dará) audiência e prestígio à TV Senado. Transmitir na íntegra, preferencialmente ao vivo, a atividade da Casa: este é o nicho mercadológico da TV Senado. A audiência da TV a cabo é segmentada. Nosso segmento é tão exclusivamente nosso que nem mesmo a TV Câmara, congênere, co-irmã, tem possibilidade de ocupá-lo. Quem quiser ver o Senado funcionando, ligue a TV Senado. Quem não quiser ver algo sobre o Senado, não ligue a TV Senado. Terapia de vidas passadas, câncer de pele, etc. são assuntos para o canal comunitário mais próximo. Editar e censurar, é só começar... A edição, tão corriqueira, decide o que vai ao ar, e decide também o que não vai ao ar. É técnica, quando um repórter gagueja, grava de novo, e usa-se a fala que valeu. Mas é censura, quando esconde um senador que gagueja, ou fala errado, ou se manifesta contra a maioria, contra o interesse da Mesa ou contra o interesse do Planalto. Quando produzimos programas de entrevistas, escolhemos gente que não contrarie tão altos interesses. Ao mesmo tempo, estamos

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Ideias apresentadas pelo jornalista Luiz Fernando Valls no primeiro debate da Comsefe sobre identidade do jornalista-servidor no Legislativo.

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Pode a TV Senado fazer jornalismo? Por Luiz Fernando Valls

Fazer jornalismo implica atitude independente, provocar a controvérsia, criticar, prensar a fonte em busca da verdade que interessa a toda a população. E, em países civilizados, veicular uma fala ou uma versão quando, e somente quando, houver um contraponto democrático para garantir a imparcialidade da divulgação. É impossível realizar este trabalho no Senado. Empresas privadas, se quisessem, poderiam manter uma cobertura independente sobre esta Casa. Mas a Secretaria de Comunicação não tem como produzir qualquer coisa sobre os senadores correndo o risco de desagradá-los. Impossível o jornalismo, o que produzirmos será propaganda - do Senado, do seu Presidente, da Mesa, dos Senadores. A propaganda mostrará apenas as qualidades da Casa, escondendo seus defeitos. Triste fim da TV Senado: o contribuinte pagará para ser enganado.

Que serviço a TV Senado pode prestar?

A TV Senado é a mais poderosa garantia da transparência do Senado. Se todas as atividades regimentais forem transmitidas ao vivo, o contribuinte-eleitor-cidadão poderá ver sempre como está agindo o representante do seu Estado, como a Casa está trabalhando. A transmissão ao vivo é o que até agora deu (e sempre dará) audiência e prestígio à TV Senado. Transmitir na íntegra, preferencialmente ao vivo, a atividade da Casa: este é o nicho mercadológico da TV Senado. A audiência da TV a cabo é segmentada. Nosso segmento é tão exclusivamente nosso que nem mesmo a TV Câmara, congênere, co-irmã, tem possibilidade de ocupá-lo. Quem quiser ver o Senado funcionando, ligue a TV Senado. Quem não quiser ver algo sobre o Senado, não ligue a TV Senado. Terapia de vidas passadas, câncer de pele, etc. são assuntos para o canal comunitário mais próximo.

Editar e censurar, é só começar...

A edição, tão corriqueira, decide o que vai ao ar, e decide também o que não vai ao ar. É técnica, quando um repórter gagueja, grava de novo, e usa-se a fala que valeu. Mas é censura, quando esconde um senador que gagueja, ou fala errado, ou se manifesta contra a maioria, contra o interesse da Mesa ou contra o interesse do Planalto. Quando produzimos programas de entrevistas, escolhemos gente que não contrarie tão altos interesses. Ao mesmo tempo, estamos

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censurando os que os contrariam. Sempre que produzimos um programa preenchemos um vazio dando aparência de maior atividade para um Senado que pode estar até em recesso branco. Enganamos o contribuinte que paga nosso salário. Os senadores que façam o que quiserem. A nós cabe mostrá-los fazendo. A sessão é aborrecida? Mostremo-la como ela é. Houve um debate pouco cortês, mas não censurado pela Mesa? Só nós podemos mostrá-lo. O Senado viveu um grande momento? O contribuinte vai vibrar assistindo-o. É para isso que ele sustenta a TV Senado.

Produzir é fazer existir, diz o Aurélio

Quando produzimos entrevistas, Jornais da Amazônia, etc. fazemos existir algo que não aconteceu regimentalmente. O senador omisso aparece articulado e bem falante. O outro, paulista eleito pelo Norte, diz duas frases sobre a Zona Franca a nosso pedido, e aparenta estar preocupado com sua região. O que fizemos existir? Propaganda, falsas imagens. Quantas coisas acontecem de bom para o país nas Comissões, às terças, quartas e quintas feiras, e não as mostramos, porque estamos ocupados produzindo 24 horas de programação para todos os dias da semana. O Senado existe, representa a Federação, é democrático, é bom para o país. É isso que deve ser mostrado transparentemente. Não precisamos colorir, fantasiar, dourar a realidade.

O critério é o Regimento A grande atração da TV Senado é o vivo. É o que FHC vê, é o que leva as pessoas a ligarem para o 0800. Imagine a TV Senado transmitindo a CPI do PC, ou a do Orçamento... Se é quente como a CPI dos Precatórios, dá Ibope. Se é morno como plenário de segunda à tarde, ninguém vê. Mas não buscamos audiência; buscamos transparência. Nossa obrigação é transmitir tudo o que o Senado faz, mas ainda hoje não temos condições técnicas de transmitir ao vivo tudo o que acontece. O rumo é esse: além do Plenário, todas as comissões e auditórios, mais a Presidência, devem ser equipados para permitir transmissão com no mínimo duas câmaras. Entrevistas do Presidente serão a única atividade não regimental a receber cobertura. Não faria sentido todos os canais mostrarem o que o Presidente da Casa disse, e a TV Senado ficar omissa. Deve mostrar a íntegra da entrevista. Mas, para o demais, o critério é o regimento: é atividade regimental, cobriremos. Não é regimental, não cobriremos.

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Como preencher tantas horas de transmissão?

Estar no ar sete dias por semana, 24 horas por dia, pede algo como 84 horas de programação (pois as 12 horas veiculadas pela manhã e à tarde podem ser reprisadas à noite e de madrugada, sem superposição de público). A programação de fim-de-semana deve ser tratada diferentemente da que vai ao ar nos dias úteis.

De segunda a sexta, precisaremos de 60 horas de programação. O plenário ao vivo gera cerca de 18 horas por semana. A reprise (com edição tipo só-bola-em-jogo) gera mais 15 horas. Caberá a todas as Comissões gerar as restantes 27 horas, com transmissões ao vivo, gravados inéditos e reprises.

Acrescente-se a isso material picado como Agenda, Resultados da Ordem do Dia, Resultados das Comissões. A agenda do dia, com cinco minutos, pode ser veiculada dez vezes, ocupando quase uma hora de programação.

Isso se realmente for necessário ficar no ar tanto tempo. Com a TV funcionando de 8h00 às 24h00, é possível lotar a programação somente com transmissões de Plenário e Comissões, devidamente reprisadas.

Transmissões pedem repórter-âncora

Tanto o Plenário como as comissões devem ter um repórter

acompanhando e pronto para entrar em off (ou em quadro) explicando o que está acontecendo ao telespectador. As letrinhas sobre os discursos jamais foram solicitadas pelos telespectadores e só servem para alterar a realidade. Cada momento das sessões deve ser identificado com letras e pelo âncora.

Com a posse dos concursados, temos condições de setorizar repórteres. Um repórter para cada Comissão, fixo. O Plenário também deve ganhar repórter-âncora, que acompanhará as sessões.Visando garantir a qualidade do trabalho dos âncoras, o I.L.B. deverá organizar cursos com fonoaudiólogo e locutor para todos os analistas legislativos da TV Senado.

Programas de fim-de-semana

Estar no ar sábado e domingo pede 24 horas de programação. Além

do “Fala Cidadão” (mantido porque pautado pelo telespectador), poderemos criar subprodutos das transmissões. Por exemplo, “Os 10 Mais” (edição de falas com os 10 assuntos mais discutidos no Plenário,

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durante a semana). O critério quantitativo afasta a subjetividade do editor, e a soma de todas as falas pode mostrar um bom debate. O apresentador amarra as falas no estilo das paradas de sucesso, do décimo para o primeiro colocado.

Outra hipótese: Senado de Norte a Sul, com edição das falas da semana por regiões. O apresentador mostraria as falas do Norte, depois as do Nordeste, depois as do Centro-Oeste, etc. O critério geográfico afastaria a subjetividade.

Outra hipótese: Senado História, reunindo os discursos feitos para assinalar datas.

Outra hipótese: Senado Economia, reunindo os discursos econômicos da semana.

Afastar a subjetividade não é desculpa para esquecer a criatividade.

(Texto original de 24/03/1998, revisto a 22/03/2001)

Adendo após o debate de 6.03.2009

Muitos, na SECS, me consideram um inimigo das produções jornalísticas ou culturais que aqui são feitas. Gostaria de esclarecer que apenas acho que se dedica muito esforço e recurso para produzir, em detrimento da transparência. Compramos equipamentos para produzir vinhetas, mas não cabeamos duas câmeras em todas as salas de comissões. Isso atende aos que acham que a TV Senado deve melhorar a imagem da Casa. Eu não acho. Acho que a imagem da Casa é fruto do que os senadores fazem, e a nós cabe mostrá-la como ela é.

Quando apenas mostramos o Senado funcionando, o discurso em plenário sobre o pagamento de horas-extras (que ocorre agora, enquanto escrevo), tem um peso. Se, no entanto, cercamos essa transmissão com as belezas turísticas da Paraíba, a evolução histórica do Cegraf, a relevância tecnológica do Prodasen – para não falar do chorinho das quintas e da música erudita dos fins de semana – o peso relativo fica menor.

Acima há indicações de programas que suponho compatíveis com a transparência. O “Agora é Lei”, por exemplo, por mim seria sempre mantido e valorizado. Um “Jornal do Senado” resumindo os resultados das reuniões de comissões e plenárias é útil para o telespectador. Mas reforcei as minhas velhas dúvidas ao ouvir hoje, no “Senado Agora” que “teriam sido pagas” horas-extras durante o recesso. Teriam sido ou foram pagas? Fazemos jornalismo ou maquiagem?

(Adendado a 10.03.2009)