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    CAPÍTULO 4: A EDUCAÇÃO E O DIREITO DAS CRIANÇAS AO DESENVOLVIME

    PROTECÇÃO DA CRIANÇ

    CAPÍTULO

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    CAPÍTULO

    PROTECÇÃODA CRIANÇA

    1. IntroduçãoA Convenção sobre os Direitos da Criança,a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar da Criança e outros instrumentos anível internacional e regional apresentamuma ampla análise da necessidade deprotecção da criança. Esses ordenamentosjurídicos reconhecem que as crianças sãovulneráveis a violações dos seus direitoshumanos básicos, e, consequentemente,concedem-lhes o direito fundamental aprotecção jurídica e social, antes e apóso nascimento. O dever de protecção dascrianças recai tanto sobre entidades públicas

    como privadas, que têm a responsabilidadede proteger meninos e meninas de violência,abuso, exploração e negligência, incluindoseparação desnecessária do seu ambientefamiliar, e dos efeitos de situações deemergência. Através de sistemas e serviçoslegislativos, sociais e administrativosapropriados, entre os quais programasde protecção social, podem ser tratadosos riscos de violação dos direitos dascrianças conhecidos, o que poderá reduzira vulnerabilidade das crianças e fortalecer asua resistência.

    Entre as várias formas de maus tratos eabuso que ameaçam as crianças encontram-se o abuso e a exploração sexual, o tráfico,trabalho perigoso, violência, viver outrabalhar nas ruas, deficiência, SIDA, epráticas prejudiciais como o casamentoprematuro, a falta de acesso a umajustiça amiga da criança, a separação e a

    institucionalização desnecessárias, entreoutros. Uma protecção efectiva da criançamitiga os riscos e vulnerabilidades quecontribuem para estes abusos. Um ambienteprotector para as crianças apoiado porum sólido sistema e infra-estruturas deprotecção é uma abordagem baseada emdireitos para impulsionar o progresso dodesenvolvimento humano e económico,melhorando a saúde, a educação e o bem-estar das crianças bem como as capacidadesque estão a desenvolver para serempais, cidadãos e membros produtivos da

    sociedade. Pelo contrário, um sistema deprotecção da criança difuso e fragmentadoagrava a pobreza, a exclusão social ea susceptibilidade a infecção pelo HIV,aumentando também a probabilidade desucessivas gerações virem a enfrentar riscossemelhantes.

    Os principais ministérios de Moçambiqueresponsáveis pela educação, fortalecimentoe manutenção de um sistema de protecçãoda criança são o Ministério da Mulher eda Acção Social, o Ministério da Justiça, oMinistério do Interior e os tribunais judiciais. Todos os ramos do governo, a sociedadecivil e as organizações internacionais,juntamente com os sistemas informais,como as famílias e as comunidades, têm aresponsabilidade de cooperar, coordenar ecolaborar para nutrir e sustentar os esforçosde protecção dos direitos das crianças.

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    Embora se tenham registado importantesavanços na protecção dos direitos dascrianças em Moçambique, muito ainda há

    a alcançar: aumentar o acesso das criançasa serviços sociais básicos de protecçãoe outros, harmonizar as ferramentasde monitoria para melhorar a recolha eanálise de dados para o acompanhamentoe planificação efectiva do bem-estar dascrianças ao longo do tempo, e fortaleceras capacidades dos ministérios relevantes.O objectivo é o desenvolvimento de umaabordagem sistémica e robusta à protecçãodas crianças que torne os ministérios mais

    responsáveis e melhore a coordenação entreeles nos diversos níveis administrativospara proteger eficazmente as crianças. Énecessário que se concentrem tambémesforços na sensibilização a todos osníveis da sociedade, incluindo crianças,famílias e comunidades, para os direitosdas crianças e a obrigação de todos osintervenientes de promover a protecção dacriança. Este capítulo descreve a situaçãoda protecção da criança em Moçambique,analisa os progressos realizados e apresentauma análise das lacunas e problemas noambiente de protecção da criança.

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    2. Reforma legislativa e das políticas

    O amplo pacote de legislação aprovado em2008 demonstra o compromisso do Governode Moçambique para com a protecção dosdireitos da criança e o melhoramento dasituação das crianças e mulheres vítimasde violência, abuso e exploração. Paraalém disso, foram criados quatro tribunaisespecializados para menores visando reduziro atraso de decisões judiciais pendentes emelhorar as capacidades do sistema judicialpara gerir eficazmente os casos de criançasem conflito com a lei e melhorar a protecção

    dos direitos da criança.Também o Ministério do Interior, no âmbitodos serviços policiais para proteger osdireitos das crianças e mulheres, tem vindoa criar e racionalizar procedimentos-padrãobem como a aplicar abordagens maissistemáticas. Foi ainda criado pelo Ministérioda Mulher e da Acção Social, em 2009,um grupo de trabalho multissectorial paraprevenção da violência contra as crianças,na sequência do Estudo das Nações Unidassobre a Violência e do III Congresso Mundialcontra a Exploração Sexual de Crianças e

    Adolescentes, onde o Governo reconheceua necessidade urgente de uma abordagemmultissectorial de prevenção e respostaà violência contra crianças e da criaçãode um sistema de encaminhamento paraassistência às vítimas.1

    Os sistemas nacionais de protecçãoda criança eficazes começam por leis,políticas e regulamentos concebidos paradefender os direitos da criança em todasas circunstâncias. A falta de um quadro depolíticas adequado agrava a vulnerabilidadeda criança e aumenta a probabilidade de lheser negada uma série de direitos que vãopara além dos estritamente associados àprotecção. A responsabilidade de respeitar,proteger e cumprir direitos é compartilhadapor vários actores, mas é o Estado oprimeiro garante de direitos seja nos termosdo direito internacional seja nos termos daConstituição moçambicana. O Estado deve,

    e tanto quanto possível, garantir que existaprotecção na lei, criar e fortalecer instituiçõeseficazes para fazer cumprir a lei e trabalharcom a sociedade civil e o sector privado napromoção de valores e práticas positivaspara melhorar a eficácia da protecção legal.

    Com a aprovação de três instrumentos - aLei da Criança, a Lei da Justiça Juvenil e aLei sobre a Violência Doméstica – promoveu-se um Sistema de Protecção da Criançanacional efectivo, cujo quadro tem vindo

    a ser desenvolvido. Outras medidas quevêm sendo adoptadas pelo governo são acriação do Conselho Nacional da Criançae da Comissão de Direitos Humanose do Parlamento Infantil, bem como asensibilização para as questões de direitosda criança nos media . Foram criados emcinco províncias tribunais de menores parafortalecer a protecção das crianças emconflito e em contacto com a lei.

    Moçambique ratificou diversos importantesinstrumentos internacionais e regionaisde direitos humanos sobre a protecção

    da criança, o que reflecte o compromissodo Governo para com a harmonizaçãoda legislação nacional com as normasinternacionais. A Constituição de 2004estabelece claramente que todas as acçõesrelativas às crianças, empreendidas tantopor entidades públicas como por instituiçõesprivadas, devem considerar o melhorinteresse da criança, em conformidade coma Convenção sobre os Direitos da Criança.A Constituição define os contornos doquadro jurídico e de políticas concernente àscrianças, como abaixo descrito. Ver Caixa 5.1para desenvolvimentos recentes e futuros noquadro jurídico de protecção das crianças.

    As políticas e os programas de protecçãosocial têm-se revelado eficazes na respostaàs necessidades das famílias e criançasvulneráveis uma vez que a protecção socialdesempenha um papel fundamental naredução da pobreza, superação da exclusão

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    social e constituição de capital humanopara se atenuarem os riscos enfrentadospor grupos vulneráveis, particularmente

    crianças e suas famílias. Várias formas depolítica de protecção social existiram emMoçambique desde 1975, variando ao longodos anos o papel pretendido para o Estado,desde o de ambicioso provedor de todos osserviços (após a independência) até ao defornecedor marginal de regimes de pensõesextremamente limitados, ajuda de respostaa situações de emergência e subsídiosalimentares para idosos (na sequência deprogramas de ajustamento estrutural).Nos últimos anos, no entanto, tem-se dadouma atenção mais centrada no reforço da

    protecção social em todo o país, começandoa reconhecer-se a importância da protecçãodas crianças vulneráveis no diálogo sobrepolíticas nacionais. Além disso, os sectores deSaúde e Educação têm programas específicospara crianças com necessidades específicas(serviços de saúde gratuitos para criançasmenores de cinco anos e crianças padecendode desnutrição, e apoio em material educativopara crianças vulneráveis).

    A Lei sobre a Protecção Social, aprovadaem 2007, exige que se ofereça segurançasocial básica a pessoas e crianças pobres

    em situações difíceis. Nela se defineprotecção social como “um conjunto demedidas que visam mitigar, em sintoniacom as condições económicas do país, apobreza absoluta da população, garantindo asubsistência dos trabalhadores em situaçõesde privação ou diminuição de capacidadepara o trabalho, bem como a sobrevivênciade outros membros da família caso odito trabalhador tenha falecido, e garantircondições para a sua sobrevivência.”2Alei reparte ainda a protecção social portrês pilares: protecção social obrigatória

    (seguro social sob tutela dos Ministériosdo Trabalho e das Finanças para os quese encontram no mercado de trabalhoformal); protecção social complementar(iniciativas adicionais através dos sectoresprivado e de voluntariado) e protecçãosocial básica, o que tem maior potencialpara chegar às crianças vulneráveis. Aprotecção social básica abrange os cidadãos

    que estão impossibilitados de trabalhar ouque não têm meios para satisfazer as suasnecessidades básicas, a saber:

    Pessoas em situação de pobreza absoluta;

    Crianças em difíceis circunstâncias;

    Idosos em situação de pobreza;

    Pessoas portadoras de deficiência emsituação de pobreza absoluta;

    Pessoas com doenças crónicas oudoenças degenerativas.

    As Normas da Estratégia se Segurança SocialBásica aprovadas em 2009, subdividem asegurança social básica em acção social

    directa, acção social relacionada com a saúde,acção social relacionada com a educação erede de segurança produtiva. A Estratégiade Segurança Social Básica multissectorial,que foi aprovada pelo Conselho de Ministrosem 2010, identifica quatro programasconstituintes do pacote de segurança socialbásico: dois programas de transferência dedinheiro (o actual Programa Subsídio deAlimentos [PSA] e um novo programa desubsídios para a criança destinado a famíliascom crianças órfãs e vulneráveis a seu cargo);o actual Programa de Apoio Social Directo(PASD) e um novo programa da rede desegurança produtiva. Planeia-se expandir oPSA para que dê maior enfoque a criançasórfãs e vulneráveis como beneficiáriosindirectos. A operacionalização do programade subsídios para crianças proposto dependedas conclusões da avaliação contínua doimpacto do PSA e de outros estudos deviabilidade. O alcance actualmente limitadodo PASD inclui ainda uma percentagemrelativamente elevada de criançasbeneficiárias. Prevê-se a instauração de ummecanismo para garantir que as famíliasvulneráveis tenham acesso a um conjunto de

    serviços básicos e protecção, possivelmentepartindo da experiência do atestado depobreza actual. Deverá ser finalizado atéao final de 2010 um plano operacional paracomplementar a estratégia, o qual constituiráum importante instrumento para procurarinfluenciar no sentido de maiores fundos dogoverno para implementar esses programas.

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    Caixa 5.1: Legislação e políticas de protecção social recentemente aprovadas

    2010A Estratégia de Protecção Social Básica inclui, como parte integrante, subsídios paracrianças.

    2009

    A Lei da Violência Doméstica tem por objectivo aumentar a protecção das mulheres e dascrianças contra o abuso e a exploração sexual em casa e nas comunidades. Criminalizapela primeira vez a violência doméstica em Moçambique, requer penalizações acrescidaspara os infractores e atribui ao Estado a obrigação de assistir as vítimas oferecendoserviços como investigação policial e tratamento médico.

    2008

    A Lei da Criança e a Lei da Justiça Juvenil, ambas aprovadas em 2008, traduzem aConvenção sobre os Direitos da Criança na legislação nacional de direitos da criança, umpasso importante para a criação de um quadro jurídico e político concernente à criança.

    A Lei sobre o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças define o tráfico depessoas em consonância com os instrumentos jurídicos internacionais (nomeadamente o

    Protocolo de Palermo, ratificado em 2006) e criminaliza o tráfico, sobretudo de crianças emulheres. Tem de ser elaborado e aprovado o regulamento desta lei.

    A Lei do Trabalho proíbe explicitamente as piores formas de trabalho infantil para criançasmenores de 18 anos. Estabelece que as crianças entre os 15 e os 18 anos só podemtrabalhar um máximo de 38 horas por semana ou 7 horas por dia. Em reconhecimento darealidade económica do país, permite que as crianças de 12 a 15 anos trabalhem, desdeque o façam com a permissão de um dos seus progenitores ou outro responsável legal.

    A Lei de Protecção Social exige a provisão de segurança social básica a pessoas pobrese crianças em situações difíceis. A lei define protecção social como “um conjunto demedidas que visam mitigar ... a pobreza absoluta da população, garantindo a subsistênciados trabalhadores em situações de privação ou capacidade para o trabalho diminuída,bem como a de familiares sobrevivos em caso de morte do referido trabalhador, e garantircondições para a sua sobrevivência.”

    2006

    O Plano Nacional para Crianças Órfãs e Vulneráveis identifica seis serviços essenciaispara atender às principais necessidades das crianças: saúde, educação, apoio nutricional ealimentar, apoio financeiro, apoio jurídico e apoio psicológico. O Governo de Moçambiquecomprometeu-se a garantir que as crianças tenham acesso a pelo menos três desses seisserviços, com particular incidência sobre as crianças que vivem abaixo da linha de pobrezaabsoluta, incluindo órfãos e crianças a viver com e afectadas pela SIDA. A implementaçãodo plano é coordenada pelo Ministério da Mulher e Acção Social com o apoio de um grupode trabalho técnico multissectorial e do Grupo de Trabalho Técnico para Crianças Órfãs eVulneráveis.

    2005 

    O Plano Nacional de Acção para a Criança 2006-2010 visa proteger os direitos civis ehumanos e a segurança de todas as crianças desenvolvendo e coordenando actividadesdas principais partes interessadas.

    A Lei da Família articula novas normas jurídicas para responsabilidades parentais, guarda,adopção e herança, e eleva a idade de casamento de 16 para 18 anos tanto para rapazescomo para raparigas.

    2004O Código do Registo Civil alarga o período de registo de nascimento gratuito de 30 para120 dias a contar do nascimento da criança.

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    3. Violência, abuso e exploração

    A violência contra as crianças é umagrave violação dos direitos humanos comdevastadoras consequências para a saúdefísica e mental a curto e longo prazo.Crianças vítimas de violência incluemcrianças que foram abusadas sexualmenteou submetidas a violência como punição;crianças forçadas a trabalhar em condiçõesdeploráveis ou traficadas em condiçõesde trabalho exploratórias, ou criançasforçadas a casamento prematuro. Talviolência ultrapassa fronteiras geográficas,

    atravessando culturas, classes, raças ereligiões. Pode ser expressa como agressãoou abuso físico ou sexual, maus tratospsicológicos ou emocionais, privação ounegligência. O risco de violência é agravadopela pobreza, que muitas vezes anda demãos dadas com a falta de protecçãoadequada por parte dos cuidadores elimitado acesso a serviços essenciais.Estatísticas do Ministério do Interior revelamterem sido reportados à polícia mais de3.500 casos de violência infantil em 2009.3 Épossível que o número de crianças vítimasde violência, abuso e exploração supere emmuito o número de casos notificados.

    O Estudo das Nações Unidas sobre aViolência constata que a violência contraas crianças é importante em termos deescala, alcance e subnotificação, trêsaspectos agravados pela aceitação socialdo fenómeno.4 Algumas formas de violênciaestão enraizadas em dinâmicas de génerodiscriminatórias e desiguais e práticasnocivas, e Moçambique não constituiexcepção. Estudos e dados disponíveisconstituem uma base para se afirmar que é

    excepcionalmente forte em Moçambique acultura patriarcal existente e ordem socialdominada pelo sexo masculino.5 O baixonível de conhecimento que as vítimaspossuem dos seus direitos e uma culturade silêncio e aceitação da violência são osprincipais obstáculos ao lidar-se com estaquestão.

    São limitados os dados quantitativos recentes,mas pesquisas anteriores relataram uma altaincidência de exploração e abuso sexual decrianças e mulheres no lar, no trabalho e naescola. O abuso sexual de crianças e mulherescontinua a ser uma grande preocupaçãoem Moçambique. Em 2001, o InquéritoNacional de saúde sexual e reprodutiva ecomportamento sexual dos jovens indicou que30 por cento das mulheres e 37 por cento doshomens, quando crianças ou adolescentes,tinham testemunhado directamente violência

    entre os seus pais, e que 15 por cento dasmulheres e 20 por cento dos homens sofreramabuso físico de um parente na sua juventude.6 Um estudo realizado pelo Ministério da Mulhere da Acção Social em 2004 indicou que maisde 54 por cento das mulheres pesquisadasrelataram ter sido espancadas, e 23 por centodos inquiridos reportaram ter sido submetidosa alguma forma de abuso sexual.7 A maioriados infractores é conhecida das vítimas e,muitas vezes, familiares próximos e amigos.

    As leis para proteger crianças e adolescentescontra o abuso sexual deixam considerável

    margem de manobra para o sistema judiciáriointerpretar se uma criança foi vítima de abusosexual. Por exemplo, apenas com criançasmenores de 12 são proibidas relações sexuaisem qualquer circunstância (inclusive se setiver estabelecido consenso) e as penascriminais podem ser em qualquer lugar, dedois a oito anos. No que respeita a criançascom mais de doze anos, é conferida ao juizautoridade para determinar se ocorreu abusosexual, mesmo no caso de adolescentesvítimas de abuso cometido por adultos.

    3.1. Violência e abuso sexual nasescolasO abuso sexual nas escolas constitui umaárea de particular preocupação, comoobservou o Comité dos Direitos da Criança.8 Um inquérito do Ministério da Educação(MINED) de 2008 revelou que 70 por cento

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    das meninas inquiridas relataram quealguns professores usam a relação sexualcomo condição para passar de classe,

    tendo 50 por cento afirmado que não sãounicamente os professores que delasabusam sexualmente, mas também rapazesdo seu grupo de colegas. Além disso, 80 porcento das raparigas reconheceram que oabuso e o assédio sexuais ocorrem não sónas escolas mas também nas comunidades.Muitas meninas não sabiam se esses actoseram proibidos por lei nem onde reportá-losquando ocorrem.9 

    A resposta institucional aos abusos sexuaisnas escolas é limitada. O estudo também

    analisou o nível de consciencialização dosfuncionários do MINED sobre o assunto.70 por cento dos funcionários provinciaisde unidades provinciais de género e 65por cento dos coordenadores distritais degénero reconheceram que o abuso sexualcontra meninas e a gravidez precoce eramas principais preocupações e importantesobstáculos à provisão de um ambientede aprendizagem seguro para a rapariga.Os membros dos Conselhos da Escolamostraram também preocupação como abuso e assédio sexual nas escolas etentaram medidas disciplinares estritas

    contra os professores que abusam demeninas na escola.

    O MINED tem uma política de ‘tolerânciazero’ para o abuso sexual nas escolas, masa continua fraca a sua aplicação. Em 2003,o MINED emitiu um decreto (Despacho39/GM/2003) proibindo os professores deterem relações sexuais com estudantes dosexo feminino e declarou ‘tolerância zero’ aoabuso sexual nas escolas. A Lei da Criançamoçambicana de 2008 reafirma a obrigaçãoda direcção da escola de comunicar àsautoridades competentes os casos demaus tratos a alunos. No entanto, tanto oacompanhamento de actos de violêncianas escolas como a implementação dodecreto permanecem fracos. A revisãoda estratégia de género e do decreto39/GM/2003 para enfatizar a notificaçãode violência e abuso sexual faz parte doplano de trabalho do MINED para 2010. A

    integração de questões de abuso sexualnas directrizes de planificação de 2010 é umavanço significativo que está a conduzir ao

    desenvolvimento de acções definidas parareforçar a capacidade dos pontos focais degénero provinciais em matéria de monitoriae notificação de casos de abuso sexual nasescolas.

    Continuam a ser permitidos os castigoscorporais em casa e na escola, sendomuitas vezes considerados a única formade disciplinar as crianças. O Comité dosDireitos da Criança expressou preocupaçãopelo facto de “a Lei de Protecção dosDireitos da Criança (de Moçambique) nãoproibir explicitamente os castigos corporaisem casa e nas escolas... que, apesar deos regulamentos internos do MINED, queproíbe os castigos corporais, continuam a serinfligidos às crianças por pais e professores.”

    O Estudo das Nações Unidas sobre Violênciacontra Crianças considera essencial haversensibilização para influenciar as normassociais, não só para as comunidades,incluindo as escolas, mas também para osprofissionais em contacto com crianças. Uma adequada atenção dos media  tambémconsciencializa, promove discussão aberta

    e encoraja as comunidades a reagirem emcasos de abuso e exploração. Tornar osserviços de apoio e reabilitação disponíveis éoutro aspecto fundamental. Essas respostastornam-se significativamente mais eficazespela existência de um mecanismo decoordenação eficaz. Em 2009, o Ministérioda Mulher e da Acção Social criou um grupode trabalho multissectorial para questõesde prevenção da violência contra criançasna sequência do Estudo das Nações Unidaspara a Violência e do III Congresso Mundialcontra a Exploração Sexual de Crianças eAdolescentes. Embora o processo de reformalegal tenha progredido, a tradução da novalegislação em regulamentação e programaseficazes continua a constituir, em virtude dafalta de fundos, um desafio.

    O Plano de Acção para Prevenção daViolência Contra as Crianças está agoraem fase de conclusão. O plano delineia

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    40%

    35%

    30%25%

    20%

    15%

    10%

    5%

    0%Quando ela

    sai de casa

    sem informar

    Quando é

    negligente

    com as crianças

    Quando

    discute

    com ele

    Quando

    recusa fazer

    sexo com ele

    Quando

    deixa a comida

    queimar-se

    Por qualquer

    destas razões

    19%   19%

    13%

    36%

    18%

    21%

    Figura 5.1: Percentagem de mulheres de 15-49 anos que acham que um marido pode bater na sua esposa, pormotivo específico, 2008

    actividades relativas à protecção dascrianças contra violência, negligência eexploração sexual estejam a ter lugar.10 

    A promulgação da Lei sobre a ViolênciaDoméstica de 2009 pode impulsionar ofortalecimento de mecanismos para protegeras mulheres e as crianças de abuso sexual.Parceiros da sociedade civil prestaramacções de sensibilização a nível dacomunidade, entre as quais uma campanhada Action Aid contra o abuso sexual deraparigas na escola.

    3.2. A violência domésticaCinquenta e quatro por cento das

    mulheres que participaram num estudodo Ministério da Mulher e da Acção Socialde 2004 informaram ter sido espancadas. A aceitação cultural da violência é umimportante factor que muito contribui para aviolência doméstica.11 O perpetrador foi maisfrequentemente o marido ou um parente

    próximo ou um conhecido. Dez por centodas respondentes relataram ter sido vítimasde algum tipo de abuso sexual. Nas áreas

    rurais foram reportados mais elevados níveisde violência contra as mulheres do que nasáreas urbanas.I 

    A percentagem de mulheres que consideramque os homens têm o direito de lhes baterem certas circunstâncias desceu de 54por cento em 2003 para 36 por cento em2008.II,III Embora a redução seja positiva,continua muito elevada a aceitação daviolência contra as mulheres. A razãomais comummente citada no Inquérito deIndicadores Múltiplos (MICS) de 2008 para

    bater na esposa é o marido aperceber-se deque a esposa está a ser negligente com ascrianças. Este motivo foi citado por 21 porcento dos inquiridos (ver Figura 5.1).

    Há disparidades regionais nas atitudesde violência doméstica. A educação dos

    Fonte: MICS 2008.

    I  O estudo, realizado em 2004 para o Ministério pela Universidade Eduardo Mondlane, Centro de Estudos da População,incluiu 2052 mulheres com idades compreendidas entre os 18 e os 45 anos na Cidade de Maputo, Província de Maputo,Sofala, Manica, Zambézia e Nampula (Universidade Eduardo Mondlane, 2004).

    II  Este valor é significativamente mais baixo que a média dos países da África Austral, onde 65 por cento das raparigase mulheres com 15-49 anos pensam que se justifica um marido espancar ou bater na mulher em determinadascircunstâncias. Fonte : UNICEF, Progress for Children – A Report Card on Child Protecction, Número 8, UNICEF, NovaIorque, Setembro de 2009.

    III  O Indicador do IDS é a percentagem de mulheres com 15 e 49 anos que afirma justificar-se que um marido bata na mulherpor uma das seguintes razões: roubar comida, discutir com o marido, sair de casa sem informar o marido, recusar sexocom o marido, e não cuidar das crianças.

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    Figura 5.2: Percentagem de mulheres (15-49 anos) que acreditam que bater na esposa se justifica em determinadas

    circunstâncias, 2008

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    80%

    69%

    48%

    42%

    35%

    26%   27%

    35%

    26%

    51%

    20%

    10%

    Niassa   Cabo

    Delgado

    Nam-

    pula

    Zam-

    bézia Tete Manica Sofala   Inham-

    baneGaza   Maputo

    Província

    Maputo

    Cidade

    Fonte: MICS 2008.

    Figura 5.3: Probabilidade de aceitação da violência doméstica pelas mulheres, 2008

    Fonte: Cálculos do UNICEF baseados no MICS 2008

    -1 0 1 32

    Classificação da riqueza

     

       p   r   o    b   a    b    i    l    i    d   a    d   e    d   e   a   m   u    l    h   e   r   a   c   e    i   t   a   r

       q   u   e   o   m   a   r    i    d   o    l    h   e    b   a   t   a

           0

      .

           1

      .       2

      .       3

      .       4

     

    Primário Secundário Superior

    homens e das mulheres é o factor-chavena redução da violência contra crianças emulheres. A percentagem de mulheres que

    acreditam que bater na esposa se justificaem certas circunstâncias varia de 10 porcento na Cidade de Maputo para perto de70 por cento em Niassa (ver Figura 5.2).12 O MICS 2008 também assinala que 24 porcento das mulheres que frequentavam oensino secundário e superior aceitam aviolência, em comparação com 38 por centodas mulheres que nunca frequentaram aescola. O estudo do Ministério da Mulher e

    da Acção Social de 2004 concluiu que essasdiferenças estão fortemente relacionadascom as normas e práticas socioculturais,

    bem como com a falta de educação econhecimento dos direitos das mulheres ecrianças na sociedade.13

    Foi realizada uma análise de regressãoprobabilística multivariada para examinaros factores correlacionados com a aceitaçãode violência doméstica pelas mulheres(ver Figura 5.3). A variável dependenteé se uma mulher (15-49 anos) aceita ser

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    espancada pelo marido. A análise revelouque as mulheres com ensino secundárioou superior são muito menos propensas

    a considerar aceitável bater na mulher doque mulheres sem qualquer instrução. Tero ensino primário, no entanto, não pareceinfluenciar as atitudes das mulheres. Ariqueza é estatisticamente relacionada coma protecção das mulheres apenas em níveismuito elevados (ver Figura 5.3), que muitopoucos agregados familiares alcançam.Dados os enormes desafios na promoçãoda riqueza da mulher a este nível, promovero acesso à educação pode ser a respostapolítica mais viável para corresponder àatitude das mulheres para com a violência

    doméstica.O modelo não apresenta diferençasestatisticamente fiáveis nas atitudes paracom a violência doméstica de mulheres emrelações poligâmicas versus monogâmicas. O mesmo acontece com a idade dasmulheres, ou a diferença de idades entremarido e mulher. Em termos de geografia,todas as mulheres que vivem em provínciasque não Maputo (especialmente no norte)têm uma maior probabilidade de aceitar aviolência, não parecendo haver diferença deatitudes entre as mulheres rurais e urbanas.

    Quebrar a cultura do silêncio sobre o abusode crianças e mulheres exige um diálogoaberto, uma maior sensibilização e sistemasexternos de protecção para intervir quandose identificam casos de abuso. Não é fácilfazê-lo onde a violência baseada no géneroe o abuso sexual, especialmente de crianças,são admitidos por algumas comunidadese indivíduos. Apesar dos progressosrealizados no reforço do Governo e nodesenvolvimento de um quadro jurídico epolítico para proteger as crianças contra aviolência, o abuso e exploração, a limitadacapacidade do Governo para fazer cumpriressas leis e o pouco conhecimento dosmembros da comunidade sobre as questõespermite que essas práticas continueminabaláveis. Além disso, é frequenteprevalecer o direito consuetudinário emmuitas áreas rurais do país, particularmenteno que respeita a casamento e herança.

    Enfrentar as convenções e normas sociaisque contribuem para a violência, aexploração e o abuso é o primeiro passo

    para travar tais práticas em Moçambique.

    3.3. Exploração e abuso sexualcomercial

    Embora os dados sejam extremamentelimitados, há evidências de que ocorre emMoçambique exploração e abuso sexualde crianças. As crianças são muitas vezesforçadas a participar em actos sexuaiscomerciais para obter ajuda de adultospara fazer face às suas despesas oucomo estratégia para enfrentar pobreza

    extrema. As vítimas de exploração sexualcomercial são geralmente pobres esofreram anteriormente algum grau deviolência ou abuso. Embora a exploraçãosexual comercial se verifique com rapazese raparigas, estas são consideradas maiscomummente vítimas. Um estudo tambémmostra que a pressão de pares é um factorimportante na introdução de meninas naindústria de exploração sexual comercialinfantil.14 Esse mesmo estudo constatou queas meninas que são vítimas de exploraçãosexual correm um risco acrescido por

    praticarem sexo sem preservativo paramaiores benefícios económicos. Muitascrianças que são exploradas em sexocomercial servem-se da droga para lidarcom a situação, o que também afecta ouso do preservativo.15 Os perpetradores deexploração comercial de crianças provêmde todas as esferas da vida: membros dacomunidade local, turistas nacionais eestrangeiros em resorts de Moçambiquee motoristas de transportes em centrospopulacionais por onde passam as principaisestradas.

    3.4. Tráfico de crianças emigração

    Num relatório publicado em 2002/03pela Organização Internacional paraas Migrações (OIM), foi estimado queaproximadamente mil crianças e mulheressão traficadas anualmente para a África

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    do Sul para exploração da sua força detrabalho e exploração sexual comercial.16 O tráfico de crianças não só as retira do

    ambiente protector da família, como tambémaumenta a sua vulnerabilidade à violência,exploração e abuso.iv Indica o relatório queo tráfico de pessoas está ainda relacionadocom a extracção de órgãos humanospara fins rituais, embora esta questãoainda seja contestada por organismosgovernamentais.17 

    Num estudo publicado pela Save theChildren em 2009, as respostas das criançasparecem indicar que o tráfico e a exploraçãointernos em Moçambique geralmente

    ocorrem por ‘trapaça’, fraude ou engano,em grande parte cometido por familiaresdas crianças e pares.18 O tráfico de criançasocorre geralmente num contexto regionalmais amplo, só podendo ser combatido deforma eficaz fortalecendo-se os mecanismosregionais e transfronteiriços para umaresposta multifacetada e coordenadaadaptada às diferenças regionais enacionais. Por exemplo, a CooperaçãoRegional dos Chefes de Polícia da ÁfricaAustral tem trabalhado com a Comunidadede Desenvolvimento da África Austral emmedidas comunitárias de combate ao tráfico,

    entre as quais formação da polícia regional.

    A migração infantil voluntária é muitasvezes decorrente da pobreza ou do facto dea criança ser órfã ou ter sido abandonada. Em Moçambique as crianças deslocam-se das aldeias para as cidades ou, porvezes, atravessam a fronteira ilegalmentee desacompanhadas para países vizinhos,principalmente para a África do Sul, numatentativa de melhorar a sua vida ou avida de suas famílias. Esses padrões demigração tornam os meninos e meninasvulneráveis ao abuso e à exploração tanto

    durante as viagens como no seu lugar dedestino. Um relatório da Save the Childrende 200819 compila as experiências dascrianças migrantes na sub-região, e indicaque as meninas, em particular, viajamde Moçambique para a África do Sul embusca de trabalho, mas acabam por servítimas de abuso sexual e exploradas. Asque não conseguem arranjar emprego enão conseguem ou não querem regressar aMoçambique, recorrem, por vezes, à falta dealternativas, a trabalho sexual.

    3.5. Trabalho infantilO trabalho infantil é outra grave forma

    de abuso e exploração em Moçambique. Os dados revelam que 22 por cento dascrianças de 5-14 anos estão envolvidasem trabalho infantil, registando-se umagrande disparidade entre as zonas urbanase as rurais (15 por cento e 25 por cento,respectivamente).20 v A proporção de criançasenvolvidas em trabalho infantil tambémvaria de acordo com a idade da criança: umaem cada cinco de 5 a 11 anos de idade estáenvolvida em trabalho infantil, chegando auma em cada quatro as crianças com 12 a 14anos. São visíveis as disparidades entre as

    províncias; quase 40 por cento das criançasem Inhambane estão envolvidas em trabalhoinfantil, em comparação com menos de 10por cento das crianças em Niassa.

    A prevalência de trabalho infantil estárelacionada com o nível de escolaridadeda mãe. Vinte e quatro por cento dascrianças cujas mães não têm nenhumaescolaridade estão envolvidas em trabalhoinfantil, em comparação com 10 porcento das crianças cujas mães têm, pelomenos, ensino secundário. A prevalênciade trabalho infantil é ligeiramente maior

    nas meninas (24 por cento) que nos

    iv  Tráfico designa o transporte ilegal de seres humanos, em particular mulheres e crianças, para os vender ou para explorara sua força de trabalho.

    v  Uma criança é considerada envolvida em trabalho infantil se durante a semana que antecedeu a pesquisa tiver estadoenvolvida em: (i) pelo menos uma hora de trabalho económico ou 28 horas de trabalho doméstico por semana, se acriança tiver 5 a 11 anos de idade, (ii) pelo menos 14 horas de trabalho económico ou 28 horas de trabalho domésticopor semana, se a criança tiver 12 a 14 anos de idade.

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    24%22%

    10%

    Nunca frequentou a escola Primário Secundário+

    rapazes (21 por cento). Além disso, asmeninas trabalham mais que os rapazesapoiando as tarefas domésticas (8 por centocontra 5 por cento, respectivamente). Apercentagem de crianças que trabalhampara apoiar negócios familiares é a mesmapara ambos os sexos (16 por cento). Nãohá grande correlação entre riqueza e

    trabalho infantil. A prevalência de trabalhoinfantil é relativamente estável para osquatro quintis inferiores, só reduzindo nasfamílias em melhor situação. Um estudo de2009 indica que as crianças trabalhadoras

    são acrescidamente exploradas por máscondições de trabalho, incluindo abusoverbal e sexual, e ainda salários pagos comatraso ou não pagos na totalidade.21 

    O MICS de 2008 revela que 86 por centodas crianças que trabalham em áreasurbanas também frequentam a escola, em

    comparação com 76 por cento nas zonasrurais. Quase 30 por cento dos estudantesdas zonas rurais estão envolvidos em algumtipo de trabalho infantil, antes ou depois dasaulas.

    Figura 5.4: Percentagem de crianças de 5-14 anos que estão envolvidas em trabalho infantil, por província esexo, 2008

    Fonte: MICS 2008.

    0%

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    Niassa   Cabo

    Delgado

    Nam-

    pula

    Zam-

    bézia

     Tete Manica Sofala   Inham-

    bane

    Gaza   Maputo

    Província

    Maputo

    Cidade

     Total

    Figura 5.5: Prevalência de trabalho infantil por nível de escolaridade da mãe, 2008

    Fonte: MICS 2008.

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    Figura 5.6: Trabalho infantil e frequência escolar, por área geográfica, 2008

    Fonte: MICS 2008.

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    Percentagem de crianças em trabalho infanti l Percentagem de crianças trabalhadoras

    que estão a frequentar a escola

    Urbana Rural

    Em Moçambique, o Ministério do Trabalhoé responsável por orientar e coordenaras acções relacionadas com o trabalhoinfantil. As respostas nacionais ao trabalhoinfantil incidem sobre quatro áreas:desenvolvimento de uma legislação nacionalque reflicta os padrões internacionais queMoçambique ratificou; desenvolvimento

    de mecanismos eficazes para fazer cumprira legislação existente e complementar,incluindo a legislação sobre o ensinoobrigatório; melhoramento da capacidadedas instituições governamentais e outrosactores para identificar e agir sobre aquestão do trabalho infantil; e, finalmente,sensibilização do público em geral paraa questão. A eficácia das iniciativas seráreforçada por um maior compromissopara com a recolha de dados sobre anatureza (incluindo a dimensão do género)e as dinâmicas do trabalho infantil emMoçambique.

    A Lei da Criança de 2008 proíbe o trabalhoinfantil e qualquer forma de trabalho amenores de 15 anos, prevendo medidaspunitivas a serem tomadas contra oempregador. A Lei da Criança define

    também formas de trabalho proibidas,incluindo a exploração sexual comercial etrabalho que possa ser prejudicial à saúdee bem-estar da criança. Contudo, umaaplicação eficaz exige a divulgação da leia todos os interessados, bem como umconsiderável reforço da capacidade de todasas autoridades encarregadas da aplicação

    das suas disposições. Finalmente, aspressões económicas e sociais que obrigamos pais a impelir os seus filhos para trabalhoinfantil exploratório devem ser tratadas porvia de uma protecção social mais eficaz.

    Reduzir a carga de trabalho sobre ascrianças depende da garantia de que ascrianças e suas famílias, especialmente asmais pobres e mais vulneráveis, beneficiemde programas de redução da pobreza. Enquanto o trabalho infantil continuara ser uma necessidade económica dedeterminadas famílias, o Governo deverá

    concentrar a sua acção no garantir quequalquer actividade económica empreendidaseja adequada à idade e capacidade dacriança e que em nada comprometa asua sobrevivência, saúde, educação,desenvolvimento ou bem-estar geral.

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    3.6. Casamento infantilEm Moçambique, é ilegal o casamento

    antes dos 16 anos. Pela Lei de Família de2004, o Governo de Moçambique elevou aidade legal de casamento não carecendo deconsentimento dos pais dos 16 para os 18anos. A idade mínima em que o casamentopode ocorrer com o consentimento dospais foi elevada de 14 para 16. No entanto,é limitada a capacidade de aplicar a lei, e oscasamentos tradicionais ao abrigo do direitoconsuetudinário continuam a constituirum desafio ao estabelecimento dos 18anos como idade mínima de casamento.Em muitas comunidades, as meninas são

    consideradas prontas para casar ao atingir apuberdade.22 

    Dados recentes revelam que 18 por centodas raparigas entre os 20 e os 24 anos secasaram antes de fazerem 15 anos, e 52antes dos 18 anos.23 A percentagem demeninas que se envolve em casamentoinfantil decaiu ligeiramente desde 2003.Há diferenças significativas nas taxas decasamento infantil entre as regiões sul,centro e norte de Moçambique: as provínciasdo sul, designadamente Gaza, Inhambane,Maputo e Cidade de Maputo, têm uma taxa

    de casamento infantil inferior a 10 por cento;as províncias do centro têm uma taxa média

    de 20 por cento, enquanto Niassa e CaboDelgado, no norte, têm índices de 24 e 30por cento, respectivamente.

    O casamento infantil não só é uma graveviolação dos direitos da criança em si,mas também compromete seriamentea materialização de uma série de outrosdireitos. Por exemplo, o casamento naadolescência pode ter graves implicaçõespara a saúde das meninas. A gravidez e oparto na adolescência estão associados aproblemas de saúde e fracos resultadosnutricionais para a mãe e seus filhos. Istoacontece particularmente com raparigas quesão mães pela primeira vez muito jovens.24 Adolescentes casadas muitas vezes recebemmenos informações sobre saúde reprodutivaque seus pares não casados.25 As meninascasadas têm muito menor probabilidade queseus pares casados de frequentar a escola,e são muitas vezes retiradas da escola parase casarem ou por estarem grávidas, o queàs vezes pode estar relacionado com abusosexual.26

    O casamento infantil é influenciado pelasrelações de género tradicionais e pelosvalores que a sociedade atribui às mulheres emeninas. O casamento pode reflectir o valor

    atribuído à virgindade de uma menina e servisto pelos pais como um meio para evitar

    Figura 5.7: Mulheres de 20-24 anos que se casaram antes dos 15 e dos 18 anos, 2003 e 2008

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    51%

    Urbana Rural Total

    Percentagem de casadas antes dos 15 anos Percentagem de casadas antes dos 18 anos

    Fonte: IDS 2003 e MICS 2008.

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    as relações sexuais antes do casamento e dagravidez. Nas comunidades, muitas meninasvítimas não denunciam às autoridades os

    casos de abuso sexual, em parte devido aoestigma e mitos em torno da questão doabuso sexual. Mesmo quando a polícia ououtras autoridades querem avançar com oscasos de abuso sexual, é frequente os paisinterromperem o processo por considerarem-no um problema a ser resolvido no seio dafamília ou entre as famílias. A falta de uminstrumento legal rígido para punir casos deabuso sexual agrava o problema.

    Em muitos casos, o casamento infantil,tanto de rapazes como de meninas, temuma motivação económica. O casamentoinfantil é uma estratégia de sobrevivênciapara aliviar a família do que consideramser, face à pobreza extrema, um encargofinanceiro. Embora a situação económicaseja uma causa do casamento infantil,não é a única motivação. A prevalência

    de casamento infantil está também ligadaa práticas culturais de grupos étnicosespecíficos.27 Apesar de serem realizadas

    nas escolas campanhas de sensibilizaçãosobre saúde sexual e gravidez, o uso dopreservativo ainda é baixo em crianças. Ocasamento é, por vezes, organizado numaidade precoce, com as meninas começandoa viver com o marido na puberdade. Ummapeamento efectivo do casamento infantilem Moçambique por grupo étnico apoiariaos esforços do programa e aumentaria aeficácia das campanhas de prevenção.

    São também comuns em Moçambiquerelações poligâmicas, encontrando-se quase

    um quarto das mulheres de 15-49 anos numrelacionamento poligâmico.28 Embora apoligamia não seja legal em Moçambique,é muito frequente nas províncias do centro,em particular, encontrando-se um terçodas mulheres de Manica, Tete e Sofala, emuniões desse tipo.

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    4. As crianças e o sector da justiça

    Foi reconhecida, tanto pelo Governo comopela sociedade civil em Moçambique, anecessidade de se melhorar o sector dajustiça como uma prioridade fundamentalpara melhorar os sistemas de protecçãoinfantil. Isto inclui a protecção de criançasque entram em contacto com o sistemade justiça como vítimas, testemunhas ouinfractoras visando pôr fim à impunidadede crimes contra as crianças. Importantesprogressos foram feitos, incluindo a criaçãode uma secção para menores no tribunal

    em três províncias e a criação de mais de200 centros policiais de apoio à vítima(Gabinetes de Atendimento da Mulhere da Criança) em todas as províncias. Acriação destas novas estruturas de apoiotem ajudado a garantir que os direitos dacriança sejam protegidos e que esta recebaum tratamento amigo da criança e sensível,em conformidade com normas e padrõesinternacionais, quando entra em contactocom o sistema de justiça.

    Os sistemas de justiça ainda não são eficazespara a maioria das crianças. Observações

    finais do Comité dos Direitos da Criançareferiram, no segundo relatório periódicode Moçambique, por exemplo, que osperpetradores de violência e abuso raramentesão levados à justiça, que o encarceramentode crianças em conflito com a lei não é usadocomo medida de último recurso, e que éfrequente a prisão preventiva.29 

    O Ministério da Justiça e o Ministério doInterior carecem de recursos financeirose humanos para melhorar a eficácia dosistema para as crianças. As dotaçõesorçamentais do estado em 2008 destinadasao Ministério da Justiça e ao Ministério doInterior, que inclui a polícia, foram de doise três por cento, respectivamente, comlimitados recursos destinados a crianças eprogramas de justiça juvenil.

    Grandes têm sido os progressos deMoçambique na área da reforma legislativa

    para fazer com que a legislação nacionalfique em consonância com a Convençãosobre os Direitos da Criança. Continuama ser tratadas algumas inconsistênciasinternas, devendo reforçar-se iniciativas emedidas preventivas, especialmente emrelação às crianças em conflito com a lei,incluindo a aplicação de medidas correctivasalternativas que estejam em conformidadecom as normas internacionais. As criançasem conflito com a lei em Moçambiquemuitas vezes não beneficiam da protecção

    estipulada nos instrumentos internacionais,incluindo os Artigos 37 e 40 da Convençãosobre os Direitos da Criança, as Regras deBeijing para a Administração da JustiçaJuvenil (1985), e as Directrizes de Riade paraa Prevenção da Delinquência Juvenil (1998).

    As crianças em conflito com a lei sãofrequentemente colocadas em prisõespara adultos, embora a lei estabeleça quedevem ser mantidas em celas separadas. Apolícia tem autoridade para deter menoresque supostamente tenham cometidouma infracção por um período máximo

    de 30 dias, após o que a criança deve serapresentada em Tribunal de Menores ouSecções Civis. O ideal seria um centro detransição ou instalação intermédia e que setivessem atenções particulares para garantirque esses casos fossem levados a tribunalde forma expedita. Essa não é, no entanto, aprática comum em Moçambique.

    É frequente não se cumprirem políticasprisionais que exigem que os presos sejamseparados por sexo e idade, e fiquem, depreferência, em instalações separadas, eas condições de segurança e sanitáriasnas prisões são um problema.30 O ServiçoNacional de Prisões reporta que nenhumcentro para crianças em conflito com alei está operacional neste momento; foireabilitado um (Centro de Reabilitação deChiango), mas não está a funcionar por faltade recursos. Estão previstos ou operacionaistrês centros de detenção juvenil para menores

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    com 16 a 18 anos (assim como jovens atéaos 21 anos, e excepcionalmente até aos 25).Estas instalações estão situadas em Nampula,

    em Matutuíne, na província de Maputo (aindaem construção), e na Beira (prevista).

    Trinta e cinco por cento do total dapopulação prisional em Moçambique tem16-21 anos de idade. Dados divulgados peloServiço Nacional de Prisões de menorescom 16 a 18 anos de idade em conflito coma lei revelam que 898 do sexo masculinoe 8 do sexo feminino estão actualmenteem prisões em todo o país. Existe apenasuma prisão para mulheres, localizada emNdlavela, em Maputo, com capacidadepara albergar cerca de 300 presidiárias,mas existem secções femininas em todasas prisões provinciais. Em 2008, havia 297presos do sexo feminino numa populaçãoprisional total de 14.309 pessoas. O Estudosobre o Acesso à Justiça realizado no âmbitoda avaliação do PARPA II (2009) relata queo governo está a empreender esforços paraconferir tratamento especial a mulheres emenores; esses esforços, no entanto, aindanão se traduzem em prática correspondenteaos objectivos da política prisional e àsregras e padrões mínimos dos instrumentosinternacionais.31 

    Para proteger as mulheres e criançasvulneráveis e promover o acesso à justiça, oGoverno decidiu aumentar a capacidade dosector da justiça, definindo como prioridadeo direito constitucional a representação.Para isso, aumentaram os fundos atribuídosao Instituto de Patrocínio e AssistênciaJurídica [IPAJ], que foi incluído em 2008,pela primeira vez, no orçamento do Estado.O recrutamento de profissionais em 2007 e2008 elevou o número de funcionários querecebem um salário do Estado de 10 em200232 para 138 no primeiro semestre de2008. 33  No mesmo período, o número totalde funcionários do IPAJ subiu de 360 para700. A cobertura dos serviços prestados peloIPAJ aumentou de 41 filiais em 2005 para57 no primeiro semestre de 2008. O númerode pessoas que beneficiam destes serviçosaumentou de 7.327 em 2007 para 9.615 naprimeira metade de 2008.34, 35

    4.1. Acesso das crianças apropriedade e herança

    Os direitos das mulheres e crianças àpropriedade e herança estão ameaçadospela pandemia da SIDA, pois são cadavez mais as viúvas e os órfãos que seconfrontam com apropriação cobiçosade propriedade. Em Moçambique,as leis de sucessão estabelecidas noLivro de Sucessão do Código Civilde 1966 conferem iguais direitos aherdeiros do sexo feminino e do sexomasculino. Todavia, nos termos do direitoconsuetudinário, os homens estão maisprotegidos, encontrando-se as viúvas

    vulneráveis a apropriação cobiçosa depropriedade.

    Um estudo realizado em quatro provínciasde Moçambique revelou que as viúvas eos órfãos tendem a sofrer, após a mortede seu marido ou pai, algum tipo de perdade material.36 Como a herança é encaradacomo assunto privado da família, osoutros membros da comunidade em geraloptam por não interferir nesses casos.Um estudo de seguimento realizado em2009 observa que a maioria das pesquisasabordando a questão da apropriação

    cobiçosa de propriedade incide sobre osaspectos legais da sucessão, e observahaver falta de dados quantitativos sobre asituação dos direitos de propriedade dascrianças e mulheres.37 O estudo destaca anecessidade de: (i) uma avaliação do graude apropriação cobiçosa de propriedadede crianças e viúvas em Moçambique,(ii) prevenção de apropriação cobiçosade propriedade, (iii) garantia de que asviúvas e seus filhos beneficiam de justiça,seja através de mecanismos locais deresolução de conflitos seja no quadro do

    sistema jurídico formal. Para atender aessas necessidades, é necessário fazerem-se acções para defesa e promoção demudanças na legislação e nas políticasdo governo, bem como para melhorara monitoria e o apoio e promovermudança comportamental ao nível dascomunidades.

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    4.2. Registo de nascimentoO registo de nascimento dá à criança

    existência legal e autoridade parareivindicar cidadania, bem como os direitos,benefícios e obrigações resultantes dessacidadania. Assim, o registo de nascimentoé reconhecido como um direito tanto pelaConvenção sobre os Direitos da Criança(Artigo 7) como pela Carta Africana sobreos Direitos e Bem-estar da Criança (Artigo6). A obrigação de Moçambique de seregistarem as crianças imediatamente apóso nascimento está legalmente reconhecidano Código do Registo Civil. A falta de registode nascimento viola o direito humano

    inalienável da criança a uma identidadee coloca em situação de risco o seudesenvolvimento e protecção.

    O registo de nascimento é especialmenteimportante numa altura em que a pandemiada SIDA está a privar cada vez mais criançasde cuidados parentais. A falta de uma certidãode nascimento pode resultar em problemasna determinação de relações familiares,relações legais e direitos de herança, bemcomo trazer dificuldades no acesso a serviçossociais básicos, como a matrícula escolare a assistência social. Embora o uso de um

    registo de nascimento para crianças estejaainda numa fase rudimentar em Moçambique,o processo de modernização e a instauraçãodo distrito como pólo de desenvolvimentoestá a tornar um documento de identificaçãolegal cada vez mais importante paraprotecção jurídica e prevenção de exclusãosocioeconómica, especialmente dos maisvulneráveis na sociedade.

    Moçambique tem aumentadosignificativamente o acesso a serviços deregisto de nascimento em todo o país. Foidesenvolvido em 2004 um plano nacional

    de acção para o registo de nascimento, e oregisto de nascimento é parte integrante doplano nacional de acção para a criança 2006-2010. Foi lançada em 2006, pela Direcção

    Nacional dos Registos e Notariado, doMinistério da Justiça, uma campanha deregisto de nascimento de longa duração. Os

    objectivos da campanha são dar resposta aogrande acumular de crianças por registar,sensibilizar para a importância do registo(precoce) e melhorar o acesso do público aosserviços de registo de nascimento levando-os para mais perto das populações.

    Desde a adopção do plano nacional deacção para o registo de nascimento e olançamento da campanha, cerca de 4,2milhões de crianças menores de 18 anosforam registadas, o que representa 40 porcento de todas as crianças em Moçambique.A percentagem de crianças menores decinco anos que tiveram o seu registo denascimento [aumentou] de 8 por centoem 200338 para 31 por cento em 2008.vi Há grandes disparidades geográficasno registo: 39 por cento das crianças commenos de cinco anos tiveram os seusnascimentos registados em áreas urbanas,em comparação com 28 por cento naszonas rurais, e enquanto 47 por centodas crianças menores de cinco anos sãoregistadas na Cidade de Maputo, apenas11 por cento são registadas na província deTete. A pesquisa também constatou que os

    entrevistados citaram as principais barreirasao registo como sendo a complexidade dosprocedimentos envolvidos (25 por cento),a distância para os serviços de registo (22por cento) e os custos (20 por cento), comapenas uma parte relativamente pequenacitando a falta de conhecimento do serviço(9 por cento) ou não reconhecendo aimportância do registo de nascimento (6 porcento). (Ver Figura 5.8).

    Num país com baixos índices dealfabetização (com índices de analfabetismomais elevados e mais baixas taxasde registo nas áreas rurais), as rádioscomunitárias desempenharam um papel-chave na mobilização das famílias paramatricularem as suas crianças. Spots  

    vi  Nem todos os distritos da pesquisa tinham realizado actividades de registo de nascimento na altura da pesquisa, peloque os dados podem estar a subestimar a média nacional.

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    Figura 5.9: Percentagem de crianças com menos de cinco anos com registo de nascimento, por província, 2008

    Fonte: MICS 2008.

    0%

    5%

    10%

    15%

    20%

    25%

    30%

    35%

    40%

    45%

    50%

    15%

    28%

    34%

    24%

    11%

    34%  36%

    40%

    45%  46%

      47%

    Niassa   Cabo

    Delgado

    Nam-

    pula

    Zam-

    bézia

     Tete Manica Sofala   Inham-

    bane

    Gaza   Maputo

    Província

    Maputo

    Cidade

    É complicado25%

    Distância23%

    Custo20%

    Outras17%

    Não éimportante

    6%

    Figura 5.8: Razões para não registar os nascimentos, 2008

    Fonte: MICS 2008.

    produzidos e difundidos em línguas locaisproporcionam fortes canais de comunicaçãoaos activistas locais, os quais não sódivulgam informações básicas sobre oregisto de nascimento, como tambémajudam as famílias a superar algumas dasbarreiras socioculturais para registaremos recém-nascidos em tempo oportuno.Em algumas comunidades, por exemplo,práticas tradicionais na escolha do nome

    podem estender-se para além do prazo de120 dias durante o qual os nascimentos

    podem ser registados gratuitamente. Oimpedimento cultural de as mães registaremuma criança sem a presença do pai é outro

    desafio, especialmente nos casos em que opai fica ausente de casa por longos períodos,devido, por exemplo, a trabalho migratório.

    As actividades da campanha de registode nascimento vêm dar um impulsofundamental à introdução de serviçosde registo de nascimento de rotina queaproximam o registo das comunidades eevitam um futuro acumular de registos,criando uma cultura de registo (precoce)das crianças. Soluções de longo prazo,sustentáveis e de rotina, estão a ser

    desenvolvidas com a participação dosMinistérios da Saúde, da Educação, daAdministração Estatal e da Mulher e daAcção Social. Será importante uma estreitacooperação com estes organismos do Estadopara estabelecer um sistema eficaz, eficientee sustentável, centrado especificamenteno registo de nascimento. Para curtoa médio prazo, até que os ministériosacima mencionados tenham capacidadeinstitucional para conduzir o processo deregisto, estão a ser oferecidos por agentesde serviços de registo alternativos que ligamas comunidades e o Governo e facilitam o

    estabelecimento de uma cultura de registoprecoce da criança.

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    Fonte: MICS 2008.

    0%

    5%

    10%

    15%

    20%

    25%

    9%

    17%

    14%  15%

    12%

    8%

    5%

    21%

    19%

    15%

    12%

    14%

    Niassa   Cabo

    Delgado

    Nam-

    pula

    Zam-

    bézia

     Tete Manica Sofala   Inham-

    bane

    Gaza   Maputo

    Província

    Maputo

    Cidade

     Total

    Figura 5.10: Percentagem de crianças (2-9 anos) com pelo menos uma deficiência relatada, 2008

    4.3. Crianças portadoras dedeficiência

    Moçambique não é signatário da Convençãodas Nações Unidas sobre os Direitos dasPessoas Portadoras de Deficiência e seuProtocolo Facultativo. A política nacionalpara pessoas com deficiência responsabilizao Ministério da Mulher e da Acção Socialpela promoção da integração efectiva dascrianças portadoras de deficiência emactividades pré-escolares e por garantir aprotecção social das pessoas com deficiênciae suas famílias por meio de medidasdestinadas a promover a sua autonomia eintegração na comunidade.

    O programa estatal Subsídio de Alimentos(um pequeno valor mensal em dinheiropara pessoas especialmente vulneráveis)está disponível unicamente para cidadãosmaiores de 18 anos e, portanto, excluicrianças portadoras de deficiência.39 Apolítica nacional de educação prevê apossibilidade de as crianças com deficiênciasmoderadas frequentarem escolas regularese as crianças com deficiências mais gravesfrequentarem escolas especiais. Conformedescrito no Capítulo 4, “Educação edesenvolvimento da criança”, as crianças

    portadoras de deficiência têm menos 40por cento de probabilidade de frequentara escola primária do que as crianças semdeficiência. Dados indicam que 13 por centodas crianças com idades compreendidasentre os 2 e os 9 anos vivem com pelomenos uma deficiência (ver Figura 5.10).40 

    A deficiência mais comum foi a demoraem sentar-se, pôr-se em pé ou andar (6 porcento das crianças).

    4.4. Mecanismos de cuidadosalternativos

    Na prática, Moçambique tem dois tipos desistemas alternativos de cuidados: formale informal. O Governo de Moçambiqueincentiva o fortalecimento do papel protectordas famílias como primeiro passo para arealização dos direitos das crianças. Noentanto, são necessárias acções específicaspara lidar com mecanismos alternativos decuidados a crianças que não se encontrem

    sob cuidados parentais ou familiares.

    Os sistemas tradicionais de cuidadosalternativos têm vindo a sofrer uma pressãocada vez maior devido às mudançassociais decorrentes de desenvolvimentoeconómico, migração e urbanização, e àpandemia da SIDA. As famílias alargadas eas comunidades têm sido a primeira linhade resposta à situação das crianças órfãs evulneráveis em Moçambique.

    Os cuidados formais inscrevem-se noâmbito da jurisdição civil, sob a forma

    de guarda (tutor), acolhimento (famíliade acolhimento) e adopção. Nos termosda legislação moçambicana, as decisõesconcernentes a cuidados formais sãotomadas através de uma autoridade judiciale em conformidade com o princípio domelhor interesse da criança, e a colocação

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    em famílias de acolhimento ou instituiçõesé usada apenas como último recurso.Os cuidados residenciais também são

    considerados um meio de cuidados formais,mas a decisão de colocar uma criançanuma instituição é tomada principalmentepor via de procedimentos administrativos,sob a responsabilidade do Ministério daMulher e da Acção Social. Foi recentementedesenvolvido o Regulamento dos Centrosde Acolhimento da Criança para garantira qualidade dos serviços de assistência àinfância e a aplicação de padrões mínimos,regulamento esse que aguarda a aprovaçãofinal do Ministério da Mulher e da AcçãoSocial. Este quadro regulamentar também

    especifica como se devem realizar asinspecções e como deve ser monitorado obem-estar das crianças nessas instituições.

    O conceito de família de acolhimento paracrianças que carecem de cuidados parentaisfoi introduzido pela Lei da Família. Precisam,no entanto, de ser desenvolvidos osprocessos de execução e o regulamento, afim de se levar avante a iniciativa. É tambémnecessário (i) melhorar a rede de instituiçõespara crianças e instituições infantis do tipointernato, transferindo instituições estataisinfantis para centros de apoio familiar, (ii)

    criar um sistema alternativo de serviçosde cuidados (baseados na comunidade ena família, guarda, tutoria, acolhimento,adopção), e (iii) implementar mecanismospara ampliar e estimular a integração dascrianças em assistência familiar (famíliabiológica ou alternativa).

    A legislação actual não faz distinção entrea adopção internacional e a adopçãodoméstica. Os processos de adopção devemser harmonizados nas várias instituições eministérios para garantir procedimentos decolocação e supervisão adequados durante

    o período de integração. Quanto à adopçãointernacional, Moçambique não assinoua Convenção de Haia n º 33, relativa àProtecção das Crianças e à Cooperação emMatéria de Adopção Internacional de 1993,ou quaisquer outros acordos bilaterais sobrea adopção, o que representa uma lacuna noquadro legal. A Ratificação da Convenção

    de Haia sobre a Adopção criará o quadrojurídico necessário para assegurar o devidoprocesso para casos de adopção e também

    que o melhor interesse da criança seja oprincipal aspecto a considerar. A assinaturada Convenção de Haia foi recomendada peloComité dos Direitos da Criança em 2009.41 

    É necessário que se forneçam ao públicoem geral informações completas sobrea adopção, para desenvolver umaregulamentação específica para as adopçõesnacionais e internacionais, bem como paraharmonizar os procedimentos de adopçãocom a Convenção sobre os Direitos daCriança e outros acordos globais de modoa assegurar supervisão do processo deadopção pelos Serviços de Acção Social eórgãos judiciais apropriados. Por exemplo,embora a Lei da Criança adopte a definiçãode criança da Convenção sobre os Direitosda Criança como qualquer pessoa até aos18 anos de idade, o Código Civil define amaioridade como sendo os 21. Decorremtentativas para compatibilizar outrosaspectos da legislação nacional com ospadrões dos direitos humanos.

    Embora sejam limitados os dadosquantitativos de Moçambique sobre a

    colocação de crianças vulneráveis emdiferentes tipos de assistência, há evidênciasde estarem a proliferar os centros decuidados residenciais. A partir de 2010, osdados registados pela Direcção Provincialda Mulher e Acção Social indicaram umtotal de 12.767 crianças a serem atendidasem 143 instituições de acolhimento emtodo o país. Em 2009 e 2010, o Ministério daMulher e da Acção Social avaliou 113 dessasinstituições para determinar a qualidadedos cuidados e dos serviços prestados àscrianças. Verificou-se que a maioria doscentros não estavam legalmente registados,

    não tinham sustentabilidade e dependiamda ajuda externa ou de doações. Alémdisso, a maioria dos centros não ofereceactividades ocupacionais e não tem umprograma de saída para crianças por voltados 18 anos de idade. Os empregadoscarecem de suficientes conhecimentos ehabilidades em matéria de cuidados infantis

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    e desenvolvimento da criança. Estão adecorrer acções em todas as províncias paraa resolução de problemas encontrados nas

    visitas de monitoria. Embora ainda estejamuito por fazer, têm-se registado algunsprogressos: foi desenvolvida uma base dedados nacional para se seguir a situação decada centro, e tem-se realizado uma série deworkshops  de formação com o pessoal doscentros para resolver as carências em termosde recursos humanos.

    4.5. Crianças órfãs e vulneráveise outras criançasmarginalizadas

    A vulnerabilidade das crianças não se limita àsua condição de órfãs ou não órfãs, nem estáexclusivamente ligada a ser afectada peloHIV e pela SIDA. As crianças que perderamos seus pais devido à SIDA são parte de umgrupo muito maior de crianças com sériase urgentes necessidades. É a tripla ameaçade SIDA, pobreza e insegurança alimentarinterligadas que torna vulnerável uma amplagama de crianças. Com efeito, a análisemostra que em contextos de pobreza extremageneralizada as diferenças entre órfãos enão órfãos ou não se manifestam ou são

    muito pequenas quando comparadas com aprivação e o sofrimento que todas  as criançasvulneráveis enfrentam42.

    Consequentemente, alguns especialistasrecomendam que se redefina o grupo-alvopara uma intervenção de protecção socialde ‘órfãos’ considerando um mais amplogrupo de crianças vulneráveis, embora essamedida venha a apresentar as suas própriasdificuldades, como, por exemplo, chegara consenso sobre onde estabelecer limitesou poder vir a aumentar significativamenteo número de beneficiários dos programas

    existentes.

    Actualmente, o número de crianças órfãsdevido à SIDA tem sido adoptado comomedida para avaliar a gravidade doimpacto da epidemia nas crianças, famílias,comunidades e país em geral. Apoiar ascrianças que perderam os pais continua aser visto como imperativo. No quadro do

    HIV e da SIDA, as crianças são consideradasCrianças Órfãs ou Vulneráveis (COV) seum ou ambos os seus progenitores tivermorrido, se no seu agregado familiar tivermorrido algum adulto nos últimos 12meses após doença prolongada, se vivemem famílias chefiadas por adultos comdoença crónica, ou se vivem em domicílioschefiados por outras crianças ou por jovens,mulheres ou idosos.

    Estima-se que existam 1,8 milhões deórfãos em Moçambique, dos quais 510 mildevido à SIDA.43 Prevê-se que o número deórfãos aumente, tornando-se as doençasrelacionadas com a SIDA, cada vez mais, a

    principal causa de orfandade. O número deórfãos não toma em conta as outras criançaseventualmente vulneráveis devido ao HIVou a viver em agregados familiares compessoas a viver com HIV. Há 100.000 criançasde 0-14 anos vivendo com HIV.44 O MICSrefere ainda que 17,2 por cento das criançasmoçambicanas são órfãs ou vulneráveis(COV) devido à SIDA.

    O quadro legislativo pelo qual se orientaa resposta nacional a COVs compreendedois principais planos de acção: o PlanoNacional de Acção para a Criança 2006-

    2010 e o Plano de Acção para CriançasÓrfãs e Vulneráveis (PACOV). O PACOVtambém se aplica a crianças que ficaramvulneráveis devido a outros factores quenão o HIV e a SIDA. Engloba as crianças quevivem na rua, as que vivem em instituições(orfanatos, prisões, instituições de saúdemental), as que entram em conflito com alei, as portadoras de deficiência, as vítimasde violência, de abuso e exploração sexual,de tráfico e das piores forma de trabalhoinfantil, as que se casam antes da idadelegal, e as refugiadas ou deslocadas.

    O PACOV identificou seis serviços básicospara atender às principais necessidadesdas crianças: cuidados de saúde,educação, apoio nutricional e alimentar,apoio financeiro, apoio jurídico e apoiopsicossocial. O Governo de Moçambiquecomprometeu-se a garantir que as criançastenham acesso a pelo menos três desses

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    seis serviços, com particular incidência sobreas crianças que vivem abaixo da linha depobreza absoluta, incluindo crianças órfãs e

    crianças vivendo com ou afectadas pelo HIVe pela SIDA. Além do PACOV, a estratégiade redução da pobreza 2005-2009 (PARPAII) incluiu também metas específicas paraCOV, incluindo a necessidade de desenvolvere consolidar as redes de segurança socialpara crianças órfãs e garantir que os ráciosde frequência escolar e de desnutrição entreas crianças órfãs sejam idênticos aos dascrianças não órfãs.

    Algumas das ameaças à protecção que ascrianças órfãs enfrentam são um aumentode agregados familiares chefiados porirmãos ou crianças, menores índices dematrículas e mais fraco desempenhoescolar, e maior risco de abuso sexual einfecção por HIV, trabalho infantil perigoso,actividade sexual precoce e casamentoprematuro, graves problemas psicossociaise problemas de saúde e nutrição.45 Alémdisso, o estigma e discriminação contra aspessoas afectadas pela SIDA continua a seruma questão desafiadora. Crianças e jovenscom familiares doentes ou moribundosestão particularmente expostas ao estigma.Podem ser condenadas ao ostracismo pelas

    suas comunidades e receber um apoiomínimo das suas famílias devido à vergonhae ao estigma frequentemente associadosàs mortes relacionadas com a SIDA. Nasescolas, a discriminação da criança traduz-se em provocação e bullying  [intimidação].Em alguns casos, as crianças evitam os seuspares seropositivos por terem medo de ficarinfectadas.

    O MICS constatou que doze por centodas crianças moçambicanas eram órfãs(das quais 11 por cento órfãs de um dosseus progenitores e 1 por cento órfãs depai e mãe), enquanto outros 6 por centoeram crianças consideradas ‘vulneráveis’.46 Também foram observadas diferençasgeográficas, havendo mais COV em áreasurbanas do que em áreas rurais (20 e 16 porcento, respectivamente), e nas províncias dosul do que nas regiões centro e norte do país(ver Figura 5.11). Apenas 68 por cento das

    crianças moravam com ambos os pais em2008.

    Não há nenhuma evidência de uma maiortaxa de privação severa de educação emCOV do que em não órfãos. Há, no entanto,diferença nas taxas de frequência escolarentre órfãos de pai e mãe e não órfãos,sendo 0,90 o rácio de rapazes órfãos de pai emãe e 0,92 o de meninas órfãs de pai e mãe,com relação aos seus pares não órfãos.

    O MICS mostra ainda que apenas 22 porcento das famílias com COV recebem algumapoio externo; a maior parte desse apoiovai para a educação, com dois por centodos agregados familiares recebendo apoio

    material ou financeiro, e menos de um porcento recebendo apoio médico. Apenas20 por cento das crianças do quintil maispobre recebem apoio externo grátis, emcomparação com 27 por cento no segundoquintil mais pobre.

    As crianças órfãs e vulneráveis tendema viver em famílias pobres chefiadas poridosos. O MICS constatou que 10 por centodos agregados familiares são chefiadospor uma pessoa idosa, mais de metadedos quais tem pelo menos um dependente

    menor. Um estudo realizado em 2006revelou que fazer face a custos associados acuidar de crianças era um fardo impossívelpara os idosos: cuidar de uma criança órfãou vulnerável custa, em média, 21 dólaresamericanos por mês e cuidar de umapessoa vivendo com HIV custa 30 dólaresamericanos, enquanto os idosos tinham umrendimento médio mensal de 12,5 dólaresamericanos.47 

    Algumas famílias também são chefiadaspor uma criança, ou têm uma criança quese vê forçada a funcionar como principalprovedor devido a doença ou deficiência dosmembros da família adultos (cerca de ume dois por cento, respectivamente, deacordo com o MICS). Em tais situações,as crianças têm normalmente meios degeração de rendimento muito limitados,sendo obrigadas a recorrer a estratégiasde risco, como o casamento precoce,sexo transaccional e trabalho infantil

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    Figura 5.11: Percentagem de crianças órfãs evulneráveis devido à SIDA, 2008

    Fonte: MICS, 2008.

    Niassa

    9%

    Cabo Delgado

    17%

    Nampula

    13%

    Zambézia

    19%

     Tete

    12%

    Manica

    19%

    Sofala

    20%

    Inhambane

    15%

    Maputo

    19%

    Maputo Cidade

    20%

    Gaza31%

    prejudicial. É também limitado o acessodessas crianças a serviços básicos comoos de saúde, educação e alimentação,

    jurídicos, financeiros e psicossociais. Alémdesses desafios, as crianças órfãs emconsequência da SIDA muitas vezes sãoestigmatizadas e socialmente discriminadas,sendo susceptíveis a exclusão das suascomunidades. Por exemplo, um estudorealizado pelo Ministério de Planificaçãoe Desenvolvimento realizado em 2005constatou que nas famílias pobres existediscriminação na alocação de recursosa crianças que não são descendentesbiológicas do chefe de família. O estudoverificou que as crianças sem relação

    biológica directa com o chefe da famíliaeram vítimas de discriminação em termosde acesso à educação, tanto nas áreas rurais

    como nas áreas urbanas.48 O Inquérito Demográfico e de Saúde de2003 constatou que as órfãs com 15-17 anosde idade têm maior probabilidade que asnão órfãs de se ter iniciado sexualmente eas órfãs de mãe têm maior probabilidadeque as não órfãs de estar casadas,49 o quesignifica que os adolescentes, especialmenteas meninas, são particularmente vulneráveis.Um estudo constatou que os órfãoseram mais propensos a intimidações edepressões, e menos propensos a ter umadulto ou amigos de confiança. Pessoas

    com órfãos a seu cargo também reportaramdepressão e isolamento similares.50 

    4.6. Protecção Social BásicaPresentemente, o Instituto Nacionalde Acção Social supervisiona cincoprogramas de protecção social: doisprogramas de assistência (um programa detransferências de dinheiro e um programade transferências sociais em espécie) e trêsprogramas de promoção e desenvolvimento(Benefício Social pelo Trabalho, Geração

    de Rendimentos e DesenvolvimentoComunitário).

    Destes, o Programa Subsídio de Alimentos(PSA) é, de longe, o de maior alcance. Esteprograma de transferências incondicionaisde dinheiro foi introduzido em 1990,destinando-se a idosos, deficientes e doentescrónicos e seus dependentes no estratomais pobre da sociedade. Actualmente, osseus principais beneficiários directos sãoidosos (93 por cento), pessoas portadorasde deficiência (6 por cento) e doentescrónicos (1 por cento). Tem, portanto, as

    características de pensão (de velhice) nãocontributiva. Moçambique é um dos poucospaíses de baixo rendimento africanos comtal programa de transferências de dinheirode longa duração suportado por fundos doestado e legislação nacional. Em 2007, o PSAatingiu 128 mil famílias com transferênciasmensais de dinheiro, aumentando para

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    CAPÍTULO 5: PROTECÇÃO DA CRIA

    143.455 agregados familiares em 2008 e166.824 em 2009. No total, o programaalcançou 166.824 beneficiários directos

    e 140.643 beneficiários indirectos(dependentes) em 2009. Uma significativapercentagem de beneficiários indirectossão crianças, incluindo filhos biológicosdo beneficiário directo, órfãos e criançasvulneráveis que vivem no agregado.

    Em 2008, o PSA passou por duasimportantes reformas: o aumento gradualda escala do subsídio, e um maior enfoquena inclusão de dependentes elegíveiscomo beneficiários indirectos no regimede pagamento. Parte significativa dessesbeneficiários indirectos são crianças, oque até agora tem sido problemático emvirtude de muitas vezes não cumpriremos critérios de elegibilidade. No caso dascrianças, isso deve-se frequentementeà falta de um documento de registo denascimento ou de orfandade. De acordocom os procedimentos do programa, nãoórfãos que vivem com os idosos, mesmonão recebendo nenhum apoio financeirode seus pais, não são beneficiárioselegíveis do PSA. Consequentemente,fica excluído do programa um númerosignificativo de crianças extremamente

    vulneráveis. Um inventário e actualizaçãodas fichas de registo dos beneficiáriosdirectos e indirectos planeado para 2010irá trazer mais luz sobre o número decrianças potencialmente elegíveis nasfamílias beneficiárias a que não está a serpresentemente conferido um direito. Essasinformações irão alimentar o novo sistemade gestão do programa que entrará emfuncionamento em 2011 e garantirão umamelhor cobertura dos dependentes elegíveis.Está prevista uma revisão do manual doprograma integrada no plano operacional

    da Estratégia de Segurança Social Básica,que incluirá discussões sobre os critériosque determinam a inclusão de dependentesmenores. A presente campanha de registode nascimento deverá abordar o problemade não se ter um documento de registo denascimento, facilitando assim a inclusão decrianças vulneráveis como portadoras dedireitos.

    Está em curso uma avaliação do impactodo PSA, na qual um grupo de tratamento(1.016 famílias) e controlo (1.650 famílias)participa numa pesquisa para determinaro impacto das transferências mensaisde dinheiro no consumo, na saúde e naeducação (incluindo acesso a serviços), noemprego, na habitação e nas alteraçõesdemográficas intra-agregados familiares. Olevantamento inicial foi realizado em 2008,estando previstas pesquisas de seguimentopara 2009 (já realizada), 2011 e 2013. É seuobjectivo analisar o impacto do PSA nosbeneficiários e famílias visando informar odiálogo técnico e político com o Governoe os parceiros sobre o rumo do programa.

    Prevê-se que evidências empíricas geradaspor essa avaliação venham a influenciaras principais decisões programáticas, taiscomo montantes e a gama da escala debenefícios, o número de beneficiários,a constituição do grupo-alvo, etc. Osresultados da avaliação deverão tambéminformar o diálogo técnico e político sobrea introdução de um subsídio para criançascomo proposto na Estratégia de SegurançaSocial Básica.

    A Estratégia prevê ampliar o programa PSApara 452.000 agregados familiares até 2014.

    Espera-se que estes agregados representem1.356.000 beneficiários directos e indirectos,dos quais 795.520 beneficiários indirectosserão provavelmente crianças.

    Além do PSA, o programa de transferênciasem espécie identifica crianças órfãs evulneráveis como beneficiários directos. Éfornecido material de apoio a indivíduose famílias que necessitam de assistênciaimediata sob a forma de produtosalimentares, material escolar, utensíliosdomésticos e material de construção. Em2008, este apoio chegou a 24 por centodos agregados familiares. O maior grupode beneficiários são as crianças, incluindo26 por cento de crianças órfãs, 23 porcento de crianças desnutridas; 12 porcento de gémeos; 10 por cento de criançasabandonadas; 6 por cento de bebés que nãopodem ser amamentados; 6 por cento decrianças chefes de agregados familiares; 2

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    POBREZA INFANTIL E DISPARIDADES EM MOÇAMBIQUE 2010

    por cento de adolescentes e 0,24 por centode trigémeos. Embora esse apoio seja umvalioso contributo para aliviar a privação

    das famílias em extrema necessidade, édado como fornecimento, sendo a coberturalimitada e insuficiente para atender àpresente demanda.

    O programa de subsídio para as criançasproposto terá como alvo famílias quecuidam de órfãos e crianças vulneráveis.Está previsto introduzir-se o subsídio numaabordagem faseada (ver Tabela 5.2), mas osfundos estatais para a sua introdução nãoforam ainda assegurados, pelo que não foiviável o lançamento do programa em 2010.

    4.7. Atestados de PobrezaO Governo criou um sistema em quesão emitidos atestados de pobreza paraos agregados mais vulneráveis visandogarantir o livre acesso das crianças aserviços de educação, saúde e registocivil. Os agregados familiares beneficiáriossão definidos como sendo os que nãotêm recursos para sobreviver sem ajuda

    Tabela 5.1: Transferências de dinheiro projectadas para agregados familiares chefiados por idosos,portadores de deficiência e doentes crónicos, 2010-2014

    2010 2011 2012 2013 2014

    Número de famílias alargadas 242.296 312.592 382.888 453.183 523.479

    Montante atribuído (Milhões de Mts) 668,74 862,75 1,056,77 1,250,79 1,444,80

    Percentagem de fundos do estado 0,24% 0,29% 0,34% 0,38% 0,42%

    Número de idosos beneficiáriosdirectos e indirectos 300.447 387.614 474.781 561.947 649.114

    Fonte: Governo de Moçambique, “Estratégia Nacional de Segurança Social Básica,” Maputo, Março 2010.

    do Estado. O processo de obtenção deatestados de pobreza requer interacçãocom o registo local (para confirmar o localde residência), depois com os serviçosde acção social a nível distrital (paraverificar as informações sobre a condiçãosocial do requerente) e, finalmente, com aadministração do distrito (para emissão doatestado). Relatórios de organizações nãogovernamentais que apoiam o acesso dasfamílias a este programa têm revelado quemorosos procedimentos e falta de clarezasobre a que serviços se aplicam os atestados(mesmo entre os prestadores de serviçose agentes da administração), bem como afalta de meios dos prestadores de serviço

    para aceitar gratuitamente os beneficiáriosrepresentam grandes constrangimentos.

    4.8. Análise de capacidadeO estudo Acesso à Justiça 2009, realizadopor incumbência do Ministério daPlanificação e Desenvolvimento no âmbitodo processo de avaliação do PARPA IIconcluiu que durante o período 2005-2009o acesso à justiça em Moçambique não