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II CONINTER Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013 POBREZA E DISCRIMINAÇÃO: A FESTA DE AGOSTO E O LAZER DE HOMENS, NEGROS, VELHOS E CATOPÊS NA CIDADE DE MONTES CLAROS-MG BRITO, ÂNGELA ERNESTINA CARDOSO DE (1); RODRIGUES, SARA VELOSO (2). 1. Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Departamento de Política e Ciências Sociais. Curso de Serviço Social. [email protected] 2. Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Departamento de Política e Ciências Sociais. Curso de Serviço Social [email protected] RESUMO A pesquisa visa resgatar a memória de homens, negros, idosos, integrantes do grupo catopês e participantes da “Festa de Agosto”, na cidade de Montes Claros-MG. Expõe os processos de construção da identidade assim como os conflitos, ambiguidades e absorções sofridas pelo grupo na dinâmica social. Desvendar o processo de construção da identidade é explicitar seus conflitos, seus estigmas e preconceito racial sofrido pelo grupo nas relações que vão estabelecendo nas poderosas redes de sociabilidade. Entendemos que esse tipo de sociabilidade, tem sido praticamente ignorado pela nossa historiografia. A compreensão dos papéis desempenhados por esses homens, negros e idosos, integrantes dos catopês é de fundamental importância para compreendermos a dinâmica da realidade vivenciada por eles e, que foge completamente aos padrões explicativos de desenvolvimento. Apontamos então, que, os velhos negros, são sujeitos que se destacam na comunidade montesclarense, fortalecendo seus elos, preservando e divulgando os valores culturais do grupo. Esta investigação vem confirmar o que temos buscado demonstrar, qual seja a participação na Festa de Agosto está fortemente associada à noção de identidade, aonde os indivíduos vão imprimindo suas marcas e estabelecendo a sua diferença. Palavras-chave: Memória. Velhice. Identidade Cultural. Preconceito Racial.

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Page 1: POBREZA E DISCRIMINAÇÃO: A FESTA DE AGOSTO E O … II Coninter/artigos/870.pdf · Preconceito Racial. INTRODUÇÃO Em função das investigações que estamos realizando em torno

II CONINTER – Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e Humanidades

Belo Horizonte, de 8 a 11 de outubro de 2013

POBREZA E DISCRIMINAÇÃO: A FESTA DE AGOSTO E O LAZER DE HOMENS, NEGROS, VELHOS E CATOPÊS NA CIDADE DE MONTES

CLAROS-MG

BRITO, ÂNGELA ERNESTINA CARDOSO DE (1); RODRIGUES, SARA VELOSO (2).

1. Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Departamento de Política e Ciências

Sociais. Curso de Serviço Social. [email protected]

2. Universidade Estadual de Montes Claros-UNIMONTES. Departamento de Política e Ciências

Sociais. Curso de Serviço Social [email protected]

RESUMO A pesquisa visa resgatar a memória de homens, negros, idosos, integrantes do grupo catopês e participantes da “Festa de Agosto”, na cidade de Montes Claros-MG. Expõe os processos de construção da identidade assim como os conflitos, ambiguidades e absorções sofridas pelo grupo na dinâmica social. Desvendar o processo de construção da identidade é explicitar seus conflitos, seus estigmas e preconceito racial sofrido pelo grupo nas relações que vão estabelecendo nas poderosas redes de sociabilidade. Entendemos que esse tipo de sociabilidade, tem sido praticamente ignorado pela nossa historiografia. A compreensão dos papéis desempenhados por esses homens, negros e idosos, integrantes dos catopês é de fundamental importância para compreendermos a dinâmica da realidade vivenciada por eles e, que foge completamente aos padrões explicativos de desenvolvimento. Apontamos então, que, os velhos negros, são sujeitos que se destacam na comunidade montesclarense, fortalecendo seus elos, preservando e divulgando os valores culturais do grupo. Esta investigação vem confirmar o que temos buscado demonstrar, qual seja a participação na Festa de Agosto está fortemente associada à noção de identidade, aonde os indivíduos vão imprimindo suas marcas e estabelecendo a sua diferença.

Palavras-chave: Memória. Velhice. Identidade Cultural. Preconceito Racial.

Page 2: POBREZA E DISCRIMINAÇÃO: A FESTA DE AGOSTO E O … II Coninter/artigos/870.pdf · Preconceito Racial. INTRODUÇÃO Em função das investigações que estamos realizando em torno

INTRODUÇÃO

Em função das investigações que estamos realizando em torno de questões sobre as

relações raciais em famílias negras e inter-raciais, e na medida em que, em relação ao

racismo, preconceito e discriminação, havíamos nos limitado a analisar o significado do

racismo no âmbito do espaço familiar, verificamos a necessidade de investigar a velhice dos

afrodescendentes, uma vez que são discriminados por serem negros e também por serem

idosos.

A pesquisa vem acontecendo na cidade de Montes Claros por entender ser possível a partir

daí avançar no conhecimento de problemas relativos à velhice dos quilombolas no Brasil.

Os integrantes dos Catopês que envelheceram são os personagens escolhidos1, isso porque

são negros e residem na cidade de Montes Claros. Embora no âmbito das Ciências Sociais

tenha sido de grande relevância os estudos sobre o universo caipira, não conhecemos

pesquisas que tenham se debruçado sobre a velhice dos catopês, negros e idosos

especialmente na região em que nos propomos a estudar, daqueles que pertencem a esse

“mundo”.

Optamos pela historia de vida, porque compreendemos que “a maneira espontânea de um

entrevistado falar em uma pesquisa é através de uma pessoa. A maneira natural de uma

pessoa explicar alguma coisa é através de uma historia de vida, ou através de um fragmento

de relações entre sua própria e aquilo que responde” (BRANDÃO, 1984, p.117). Há que se

observar que as historias de vida não podem falar por si mesmas, isto é, não podem ser

compreendidas e analisadas de forma descontextualizada. No caso do objetivo de estudo em

questão, a velhice de velhos catopês não poderá ser tratada como particularidade do seu

modo de vida. Assim escolhemos três homens idosos, participantes e líderes dos catopês

para realizar a pesquisa. As histórias de vida já foram coletadas.

Paralelamente a coleta das histórias de vida, usamos como métodos a ficha de informante –

ou de identificação - contém dados pessoais dos entrevistados. Nestas fichas coletamos

dados objetivos de todos os integrantes dos catopês, velhos, adultos e crianças. Os registros

desses dados foram imprescindíveis para a obtenção de informações que estão possibilitando

diferenciar internamente os entrevistados e verificar em que medida as diferenciações têm

significado no universo das suas representações. “A ficha do informante não mero deposito

das informações individuais: ela tem um sentido coletivo dentro da pesquisa, de onde sua

importância” (QUEIROZ, 1983, P. 53). A ficha de identificação foi uma forma de socialização

1 Pesquisa submetida ao Comitê de Ética da Universidade estadual de Montes Claros- Unimontes/MG. Parecer

142/2011.

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entre pesquisadores e sujeitos da pesquisa como também essencial para conhecermos

internamente e cada membro dos integrantes dos catopês, como idade, tempo de

participação, profissão, saúde etc.

Num terceiro momento realizamos pesquisa no acervo documental da Unimontes, no período

de dezoito de março ao dia vinte e dois de março de 2013. E no acervo documental do

jornalista Américo Martins, no período de onze a dezessete de abril de 2013. Em busca de

reportagens que mencionava a Festa de Agosto da cidade.

Neste momento estamos realizando novas pesquisas. Visitamos os ensaios dos Catopês,

onde coletamos dados referentes ao perfil socioeconômico de todos os integrantes dos três

ternos: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino Espirito Santo. Posteriormente

estaremos realizando as analises dos jornais que foram fotografados, arquivados e

processando as informações sobre o perfil dos integrantes.

CATOPÊS: CULTURA E IDENTIDADE

Constitui objetivo desta investigação: analisar a velhice dos integrantes do grupo Catopês,

diferenciados de outros grupos de idosos despossuídos dessas localidades no Estado de

Minas Gerais, uma vez que participaram ou participam da “Festa de Agosto”. O objeto foi

abordado tendo em vista os seguintes objetivos: “ouvir e dar voz na pesquisa àqueles idosos

que vivem a experiência concreta de participarem da Festa de Agosto como integrantes dos

Catopês; avaliar o significado da experiência dos integrantes dos Catopês, no âmbito das

relações sociais que mantém com iniciantes e demais participantes da Festa de Agosto;

conhecer as formas de preenchimento do tempo livre dos idosos, avaliando o lugar da festa e

do lazer na trajetória de suas vidas; Identificar as representações que orientam as suas

práticas cotidianas; verificar como adaptam, resistem ou sobrevivem na última etapa da vida

assim como percebem e enfrentaram o preconceito e a descriminação racial nos diferentes

espaços sociais”.

Cumpre esclarecer os pressupostos teóricos que embasaram as reflexões sobre os mesmos.

Marilena Chauí aborda a Cultura Popular não “como outra cultura dominante, mas como algo

que se efetua por dentro dessa mesma cultura, ainda que para resistir a ela” (CHAUI, 1986,

p.24).

A Cultura Popular não é tratada pela autora pelo ângulo de uma totalidade que se põe

antagonicamente à totalidade dominante, mas como,

Um conjunto disperso de praticas, representações e formas de

consciência que possuem lógica própria (o jogo interno de conformismo,

do inconformismo e da resistência), distingui-se da cultura dominante

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exatamente por essa lógica de práticas, representações e formas de

consciência (CHAUI,1986, p. 25).

Assim as práticas e concepções dos personagens estudados não estão isentas da ideologia

dominante, resultado da dominação e do conflito inerentes à sociedade de classes brasileira.

São manifestações diferenciadas que se realizam “no interior de uma sociedade que é a

mesma para todos”, porém dotadas “de sentimentos e finalidades diferentes para cada uma

das classes sociais” (CHAUI, 1986, p.24), isto é, manifestações que possuem uma lógica

própria.

Em outras palavras, da mesma forma como refutamos a visão gerontologica que,

universalizando a velhice, acena com um modelo homogeneizado, tampouco aceitamos a

ideia de que a forma como a velhice é vivida e pensada pelos idosos a serem investigados

esteja imune à cultura dominante. Práticas e concepções impregnadas pela cultura dominante

são interiorizadas e reproduzidas, mas também são transformadas, recusadas ou afastadas

“implícita ou explicitamente” – conforme Chauí - , daí a lógica interna própria, a lógica do

conformismo, do inconformismo e da resistência.

Já para (Edward Said, 1995) a cultura é representada como,

[...] algo híbrido (no sentido complexo que Homi Bhabha atribui à palavra)

e emaranhado ou entrelaçado, sobreposto, com elementos habitualmente

considerados estranhos - tal me parece ser a idéia essencial para a

realidade revolucionária de hoje, na qual as lutas do mundo secular dão

forma, de maneira muito instigante, aos textos que lemos e escrevemos.

Não podemos mais aceitar concepções da história [...] ou pressupostos

geográficos e territoriais que atribuam posição central ao mundo atlântico

e posição periférica congênita, e até criminosa, às regiões não ocidentais

(SAID, 1995 p. 389).

Não se trata, também, de exaltar o aspecto imediato e o sentido que os negros catopês idosos

atribuem às suas práticas, é preciso compreendê-los em sua conexão com os conflitos e as

condições de exploração a que são submetidos. Especialmente no caso de negros idosos

essas condições são mais acentuadas e os conflitos, preconceito e discriminação racial mais

agudo. Portanto, este estudo se prende à complexidade e contraditoriedade do conteúdo da

vida cotidiana, totalidade que comporta as relações sociais, raciais, o processo identitário, a

identidade, a dominação, a alienação, o imaginário, o público, o privado, a territorialidade, a

resistência e a possibilidade transformadora.

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Para (Hall, 1999) a Identidade poderá retornar às suas raízes ou desaparecer através da

assimilação e da homogeneização, mas há outra possibilidade, a da tradução que, segundo

Hall,

Descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam

as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para

sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus

lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao

passado (p.88).

Há uma negociação com as novas culturas para que não haja uma assimilação total e a perda

completa da identidade. Mantêm-se os traços das culturas, tradições, linguagens e histórias

particulares, que jamais serão unificadas, porque se construíram como produto de várias

histórias e culturas cruzadas, ou culturas híbridas, nascidas da renúncia da ideia de pureza

cultural ou de absolutismo étnico,

Mais precisamente, hoje, não se sabe viver apenas sabe-se, depois de ter

vivido, como se viveu. E que amargura nessa consciência infeliz

(LEFEBVRE, 1958, p. 207-8).

A associação entre espaço e identidade cultural serve de referência básica aos grupos

marginalizados e discriminados. A participação na Festa de Agosto significa para os negros

catopês luta pelo espaço. Esses grupos, briga pelo reconhecimento a sua própria existência,

imprimindo nele as suas marcas, sua identidade, seus desejos, sua história. Assim, a ideia de

território está estreitamente ligada à questão da identidade. A Festa demarca um espaço, o

grupo está estabelecendo a sua diferença em relação aos outros (SODRÉ, 1988). Há vínculos

de afetividade entre os sujeitos que compõe o grupo.

A escolha dos integrantes dos Catopês, já bastante idosos e negros como sujeitos a serem

investigados, deve-se ao fato de que sua condição de trabalhadores, muitas vezes

submetidos a subemprego, com suas lembranças do passado, as músicas por eles cantadas2,

as formas como ocuparam e ocupam o tempo livre, as manifestações do racismo, da exclusão

e da discriminação racial. O significado da Festa de Agosto em suas vidas abrem espaços

para o conhecimento da velhice de personagens que vivem num universo de relações raciais

e econômicas muito especificas. Além disso, representam o único grupo da festa de Agosto,

2 Assim como José de Souza Martins, entendemos ser possível fazer “uma sociologia de relações sociais que têm

a música como instrumento de mediação ou como resultado” (MARTINS, 1975, p. 103).

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na cidade de Montes Claros, que preserva, em suas manifestações, elementos africanos e

que foram incorporados em nosso cotidiano, também introduziram novos hábitos, novos

costumes e valores que influenciaram a cultura montesclarense.

Eles poderão ser alguns dos poucos representantes vivos em uma cultura de desarticulação.

Se a festa de Agosto virou espetáculo, se as formas de lazer estão sendo substituídas por

outros, açambarcadas pelo reino da mercadoria, o que restou do estilo do passado, uma vez

compreendermos a cultura caipira como um “estilo no seio da miséria e da opressão”?

(LEFEBRE, 1991, p. 45). Se a obra desapareceu – ou quase desapareceu- substituída que

fora pelo produto, como vivem no final desse século os integrantes dos catopês que, de

personagens, viveram coadjuvantes? O que foram sendo e deixaram de ser na trajetória de

sua existência, marcada pelo racismo e trabalho rural ou sub trabalho? Como se constituíram

como quilombolas? Como sobrevivem na velhice? Quais foram às ocupações de tempo livre

no passado? E no presente? De que maneira a identidade é manifestada?

Algumas considerações sobre o mundo caipira precisam ser feitas.

Assentada num cotidiano marcado por mínimos vitais e sociais, a cultura caipira

disseminou-se em regiões de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná. Antônio

Cândido aponta como características dessa cultura: o isolamento, a posse de terra, o trabalho

domestico, o auxilio vacinal, a disponibilidade de terras e a margem de lazer (CANDIDO,

1975). Diferentemente para (MARTINS, 1975), “são as relações econômicas aquelas pelas

quais concretamente se determina o mundo caipira.” O Autor explica que essas relações

econômicas não podem ser confundidas com as típicas relações de mercado, uma vez que “a

mercadoria da sociedade caipira é o excedente, e a sue economia é a economia do

excedente, que engendra a sociedade e a cultura do excedente” (MARTINS, 1975, p.106). A

vida material, social e cultural do caipira é marcada pela exploração. Longe de estar à margem

do “mundo” sua vida é, na realidade, assim medida,

pelos resultados acumulados da atividade ‘fora’ da economia do

excedente. (...) O excedente procede de uma exclusão integrativa do

caipira na sociedade capitalista: justamente porque não produzido como

mercadoria, não implica necessariamente na interdependência e nas

relações implícitas na divisão social do trabalho, mas porque é

demandado como mercadoria necessária, sob essa forma de produção

sem custos, especialmente monetária (MARTINS, 1975, p.107).

Procurando ressaltar os significados das contribuições de Martins e destacar os perigos que

representam as análises que desconsideram as relações econômicas, vale consignar que

Robert W. Shirley, referindo-se aos habitantes da zona rural de Cunha - SP. Aponta o êxodo

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rural como possibilidade aberta para a superação do nível de vida “próximo da subsistência”

(SHIRLEY, 1977). Observamos que esta interpretação, além de não apreender a lógica

explicativa da expulsão ou da permanência do homem rural, apresenta uma visão

estereotipada do caipira.

Não é possível separar o lazer do trabalho. É necessário que concebamos a unidade

“trabalho-lazer”, como explica Lefebvre (LEFEBVRE, 1958). Lembremos, ainda, que o “ciclo

do cotidiano” do caipira é marcado pelo “ciclo da natureza” e pelo “ciclo das comemorações

litúrgicas do catolicismo”. “As regularidades da natureza e as regularidades da religião

combinam-se em função do trabalho rural, da atividade humana sobre a natureza” (MARTINS,

1975, p.108).

Os negros catopês incorporam grande parte do trabalho informal, construindo redes de

sociabilidade. Marginalizadas da sociedade global, destituídos de cidadania e de identidade,

elas criam novos canais de comunicação sócio-política na medida em que participam da Festa

de Agosto, ganham visibilidade e aceitação social. Esse tipo de sociabilidade e visibilidade

baseia-se em papéis, muitas vezes improvisados, esses papéis sociais são de fundamental

importância para compreendermos a dinâmica dessa realidade que foge completamente aos

padrões explicativos de desenvolvimento formais.

No universo da ideologia, a velhice é pensada exclusivamente como etapa natural do ciclo

biológico da vida, como momento inexoráveis da existência, a que todos estão virtual e

igualmente expostos, como fenômeno independente do modo pelo qual a sociedade

capitalista explora a força de trabalho, condenando o trabalhador não apenas a uma

antecipação do processo de depreciação natural de sua capacidade de labor, mas antes de

tudo, a uma depreciação social que afeta o conjunto da classe trabalhadora. Por isto, a

característica fundamental da ideologia da velhice repousa em sua a - historicidade, em

ocultar e descobrir os diferentes modos de viver, sofrer e suportar a velhice (HADDAD, 1986).

Os estudos referentes a questões ligadas à velhice no Brasil, assim como os realizados em

outros países, apontam as alternativas que vem sendo propostas para amenizar os dramas

enfrentados pelos idosos. Dentre as propostas construídas, ganharam visibilidade em nosso

país os programas voltados para o “envelhecimento sem velhice”, fundamentados na doutrina

da integração social, que, por sua vez, se apoia em princípios importantes da Gerontologia

Social.

A partir de pesquisa realizada por (HADDAD, 1986) foi possível concluir que o saber

gerontológico: 1º) se funda numa nova natureza de velhice, ativa e participante,

universalizando-a; - difunde a crença de que a realidade vivida pelo homem no final de sua

vida poderá ser alterada com a ação de “ciência”, das instituições sociais, do estado e do

próprio idoso; 2º) passa a ter um sentido messiânico: através da ação conjunta dos

“esclarecimentos”, pretende anular a discriminação, a solidão, a depressão, contando coma

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educação libertária; 3º) propõe um “modelo” a ser utilizado igualmente por todos os idosos

para relacionarem-se com os outros homens e sua vida.

Em outros termos, a referida pesquisa permite inferir que o saber gerontológico, seduzido pelo

culto ao cientificismo, produz um discurso fetichista sobre a velhice, post que suas

“representações misteriosas” encobrem a produção social da velhice trágica (HADDAD,

1986).

Anne-Marie Guillemard aprofundou-se na análise das influências exercidas pela gerontologia

e, mais particularmente, pela corrente gerontologica ativista. Ela destaca na produção da

política da velhice na França o adultocentrismo e a psicologização.

Em primeiro lugar, a gerontologia social, em virtude dos seus pressupostos, contribuiu para

uma naturalização da velhice. Considerando somente o que a população idosa,

exclusivamente os negros idosos tem em comum – a idade, a “cor da pele”, entendendo cor

como categoria nativa e a condição de não inserção em atividades consideradas produtivas

na sociabilidade capitalista - a gerontologia social ignora que este grupo geracional está

dividido em classes sociais e, sobretudo em raça. “Consequentemente, ela elabora, de

maneira continua, uma representação unificada do mundo da velhice, na qual ela tenta

reencontrar todas as qualidades substanciais consideradas como constitutivas de sua

“natureza”” (GUILLERMARD, 1930, p.83).

Em segundo lugar, a corrente gerontologica ativista inspira diretamente a nova representação

da velhice que fundamenta a política de integração. Essa corrente associa o nível de

satisfação na velhice com o engajamento no sistema social. A teoria ativista é denominada

“adultocêntrica”, na medida em que considera o envelhecimento bem sucedido com aquele

que mais se aproxima das “normas da idade adulta”. “Bem envelhecer, corresponde, nesta

perspectiva, conservar durante o maior tempo possível o nível da atividade da idade madura”

(GUILLEMARD, 1980, p.34). Um dos ensinamentos da análise ativista é, pois, a arte de

envelhecer. Por conseguinte, nesta perspectiva, a prevenção do envelhecimento poderá

ocorrer de forma simples e eficaz, através da difusão e assimilação dos princípios do bom

envelhecimento.

DOS DIFERENTES MODOS DE VIVER, SOFRER E SUPORTAR A

VELHICE AO MITO REDUTOR E A SUBMISSÃO À ORDEM

DOMINANTE ATIVA

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A gerontologia tem exercido o papel de “mito redutor”. “Ela reconstruiu a realidade da velhice

de tal maneira que sufocou sua voz para submete-la à ordem dominante ativa”

(GUILLEMARD, 1930, p. 85).

Segundo Guillemard, a gerontologia, particularmente a corrente gerontologica ativista,

privilegia em suas análises os fatores psicológicos e psico-sociológicos. Na medida em que o

êxito do envelhecimento depende das características pessoais, o fracasso é explicado pelas

deficiências de interesse do individuo singular.

A desconsideração dos determinantes sociais, associadas à existência de uma filosofia

voluntarista, acaba desembocando numa postura de culpabilidade da vitima.

O diagnóstico da situação dos velhos aparece ligado aos problemas decorrentes do

desenvolvimento; apela para os efeitos da industrialização e da urbanização para as

transformações na família, para o conflito de gerações, problemas culturais, especialmente os

problemas raciais que pouco são pesquisado. Portanto, tudo se passa como se a política da

integração fosse capaz de colocar fim à vulnerabilidade particular dos idosos. Tomando os

efeitos pelas causas, a política de integração acena com a intervenção no modo de vida, a fim

de “reinserir” os idosos na sociedade.

Estudos realizados por Haddad demonstram, além da preocupação com um novo modo de

vida, o conflito entre a nova forma de integração (pública e privada) na “problemática da

velhice” e as reivindicações dos aposentados e pensionistas, materializadas no Movimento

que tomou vulto nestes últimos anos.

De fato, ao longo das últimas décadas, as condições objetivas de vida dos idosos se

deterioraram violentamente, o que pode ser constatado pela brutal defasagem dos proventos

dos aposentados.

A doutrina da integração motiva os idosos a novas atividades, novos movimentos, novas

ocupações, etc. Mas não as desperta para a necessidade de luta contra as causas da velhice

trágica. Enfim, nos princípios doutrinários se escondem as relações sociais mediadas pela

mercadoria. O Movimento de Aposentados e Pensionistas é desqualificado na sociedade

brasileira pelos defensores da nova moral que fundamenta a intervenção na velhice,

buscando, assim, despolitizar as reivindicações e impedir que ele desvende a problemática

que envolve o fim da vida (HADDAD, 1993).

A FESTA DE AGOSTO, A RELIGIOSIDADE E SUBJETIVAÇÃO.

A Festa de Agosto se originou em 1839, há quase duzentos anos, é marcada pela realização

de uma festividade que homenageia Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Divino

Espírito Santo. Durante a realização desta festa acontecem missas, bênçãos e levantamentos

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de mastros que são práticas religiosas. Acontece também apresentação de Marujadas,

Caboclinhos ou Cabocladas e Catopês. A festa, com o passar dos anos, adquiriu novas

facetas, resinificando-se enquanto “acontecimento”, mas mantendo-se “viva” (ZUBA &

ANDRADE, 2004, p.114).

Embora o Congado de Montes Claros seja representado pelos grupos de Catopês, Marujos e

Caboclinhos, destacaremos aqui a dança dos Catopês, tradição de origem africana

incorporada por nossa cultura. Daí o motivo de nossa escolha em aprofundar os

conhecimentos sobre esse grupo específico dentro da Festa de Agosto, também por ser uma

das mais importantes manifestações afro-brasileiras do Estado de Minas Gerais.

(ZUBA & ANDRADE, 2004, p.114), referindo-se aos catopês ressaltam: “os catopês também

conhecidos como Dançantes, é a mesma Congada de outros lugares, tendo, porém,

características regionais. Dançam em homenagem a Nossa Senhora do Rosário e São

Benedito”. Já (Queiroz, 2003) enfatiza que o Congado, uma das mais fortes e importantes

manifestações da cultura afro-brasileira em Minas Gerais, “mescla tradições africanas com

elementos de bailados e representações populares luso-espanholas e indígenas”.

Os Catopês se compõem somente por homens e se agrupam em ternos, sendo considerados

os donos da festa, uma vez que é de sua obrigação organizar e acompanhar o reinado. Os

Dançantes saem pelas ruas da cidade cantando e dançando, incansavelmente, sendo

apreciados pelo público (ZUBA & ANDRADE, 2004 p.115).

Durante este “espetáculo” nas ruas da cidade se estabelece a comunicação: o catopê que

emite e o público que contempla a mensagem congadeira; comunicação esta que se faz

internamente entre os homens que se reúnem para entoar cantos e danças e externamente

pelo diálogo estabelecido com aqueles que observam a performance (QUEIROZ, 2003).

O trabalho, as formas particulares de ocupação do tempo livre, a Festa de Agosto, assim

como outras festas, as danças, fazem parte de uma mesma realidade onde a música,

manifestação espontânea “desempenha o papel de elemento mediador das relações sociais”

(CALDAS, 1979). A música é o meio para que sejam garantidas as relações fundamentais no

“ciclo do cotidiano”.

Por meio da participação na Festa de Agosto a cultura negra foi ganhando espaços e

destaque no conjunto da sociedade, fazendo-se aceita. Os códigos culturais se entrecruzaram

de diversas formas dando visibilidade e destaque aos negros catopês participantes e SUS

cultura. O ápice ou centro irradiador dessa cultura é a participação dos integrantes no desfile

que acontece todos os anos no mês de agosto.

TRABALHO, RELIGIOSIDADE E SAÚDE

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Não é possível separar o lazer do trabalho. É necessário que concebamos a unidade

“trabalho-lazer”, como explica (Lefebvre, 1958) 3. Para o autor o “ciclo do cotidiano” do caipira

é marcado pelo “ciclo da natureza” e pelo “ciclo das comemorações litúrgicas do catolicismo”.

“As regularidades da natureza e as regularidades da religião combinam-se em função do

trabalho rural, da atividade humana sobre a natureza” (MARTINS, 1975, p.108).

Vejamos o gráfico pertinente aos dados sobre religião levantada na pesquisa:

0,00%

50,00%

100,00%

Católica

Evangélica

94,73%

5,26%

RELIGIÃO

Fonte: tabulação própria. Arquivo da pesquisadora. Dados fornecidos pelos integrantes dos

Catopês da Festa de Agosto, Montes Claros-MG. 2012.

As irmandades de negros se assemelham a este ciclo. Conforme (VIANA, 2013) “as

irmandades eram associações religiosas que permitiam a agregação dos negros de modo

relativamente autônomo, em torno da devoção a um santo católico em particular.” Essas

associações destacavam-se como “locais de solidariedade e ajuda mútua para seus

integrantes” (VIANA, 2013).

Os integrantes dos Catopês, já bastante idosos e negros estão associados ao fato da sua

condição de trabalhadores, muitas vezes submetidos a subemprego, com suas lembranças

do passado, as musicas por eles cantadas4, as formas como ocuparam e ocupa o tempo livre,

as manifestações do racismo, da exclusão e da discriminação racial, o significado da Festa de

Agosto em suas vidas abrem espaços para o conhecimento da velhice de personagens que

vivem num universo de relações, sociais, raciais e econômicas muito especificas. Além disso,

3

Na sociedade moderna, conforme Lafebvre, o trabalhador procura no lazer-diversão ou divertimento a compreensão pelas horas de trabalho. “o Lazer aparece assim como o não cotidiano no cotidiano”. Todavia, “não se pode sair do cotidiano. O maravilhoso só se mantém na ficção e ilusão consentida. Não há evasão.” Mas a ilusão da evasão é por nos desejada. Entretanto, continua o autor, esta ilusão “não será inteiramente ilusória, mas constituíra um mundo ao mesmo tempo aparente e real – realidade da aparência e aparência do real – mas diversos da cotidianidade e, entretanto tão largamente aberto e tão inserido nela quando possível. Trabalha-se assim para ganhar lazeres, e o lazer só tem um sentido: sair do trabalho. Circulo infernal (LEFEBVE, 1958, p.4950).

4 Assim como José de Souza Martins, entendemos ser possível fazer “uma sociologia de relações sociais que têm

a música como instrumento de mediação ou como resultado” (MARTINS, 1975, p. 103).

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representam o único grupo da Festa de Agosto, na cidade de Montes Claros, que preserva,

em suas manifestações, elementos africanos e que foram incorporados em nosso cotidiano,

também introduziram novos hábitos, novos costumes e valores que influenciaram a cultura

montesclarense.

Nas entrevistas constamos a inserção significativa no mercado informal de todos os lideres

dos grupos, nos relatos podemos averiguar a associação dos catopês em trabalhos de menor

prestígio, no caso, o entrevistado X5, relatou que trabalhava na rede de esgoto, local de

deposito de excrementos, tal trabalho insalubre causava-lhe sérios problemas de saúde,

“Eu mexia trabalhando no córrego esses córregos ai nóis mexia agora eu

sai só ... tava dando problema... frieira essas coisa o mal cheiro

atacando a cabeça eu falei o não vou mexer com isso mais não cês mim

transfere pra outro serviço que num é porque não quero não é por causa

que eu tô é sentido mal quase todo dia da cabeça de mal chero ai

passei lá pro zoonose e tô lá ante hoje... lá é perigoso também porque é

problema de cachorro né e tem chega cachorro de todo tipo lá chega

cachorro já até catingando lá agente recebe aquilo lá e ai isso tudo se a

gente não te cuidado com a luva com a máscara tudo transfere

(Entrevistado X)”.

Podemos observar que o destaque do trabalho associado aos problemas de saúde causados

pelo odor, pela insalubridade, por estar associado a excrementos e fezes. O outro local de

trabalho para qual é transferido, também apresentam da mesma forma, desvantagens: é

perigoso, e também menos valorizado, propenso a se contrair doenças levadas pelos

cachorros abandonados como sarna, coceira, raiva etc. Ou seja, este idoso continuou

associado a trabalhos, embora formal, de menor prestigio e pouco valorizado.

5 Os nomes foram codificados.

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5,26%

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PROFISSÃO Auxiliar de Combate a dengue

Carpinteiro

Comerciante

Carroceiro

Eletricista

Mecânico

Músico

Não declarou nenhuma profissão

Oleiro

Pedreiro e Pintor

Professor

Reciclador

Segurança eletrônica

Fonte: tabulação própria. Arquivo da pesquisadora. Dados fornecidos pelos integrantes dos

Catopês da Festa de Agosto, Montes Claros-MG.2012.

A historiografia indica que grande parte dos homens negros incorpora o trabalho informal,

construindo, nestes espaços redes de sociabilidade.

A pesquisa assinala a participação dos lideres dos catopês no marcado informal, aponta para

a participação da Festa de Agosto como espaço informal importante, onde se criam

marginalizados da sociedade em geral, novos canais de comunicação sócio-política á medida

em que participam da Festa, ganham visibilidade e aceitação social. Esse tipo de

sociabilidade e visibilidade baseia-se em papéis, muitas vezes improvisados, papéis sociais

são de fundamental importância para compreendermos a dinâmica dessa realidade que foge

completamente aos padrões explicativos de desenvolvimento formais.

Não é preciso ser um bom observador para verificar, nos trajes, nas roupas, nos sapatos, na

boca sem dentes, nos pés descalços, nas crianças que desfilam. A pobreza e o descaso das

autoridades para com os integrantes, esta por trás da Festa. São nos desfiles pelas ruas da

cidade, em meio à pobreza, aos sorrisos, as limitações da idade, na carência aparente, que

esses homens podem estabeleciam seus contatos sociais, criam e reforçam laços. Esta

sociabilidade não faz parte dos códigos formais estabelecidos, mas está presente na vida

concreta, do dia-a-dia. Esse é o espaço onde a comunicação se inscreve de forma mais

eficiente, flui livremente. Com efeito, as ruas constituem esse espaço que escapole

sistematicamente da normatização e regulamentação.

Além disso, devemos considerar que a saúde deste público específico está de certa forma

relacionada ou mesmo condicionada a diferentes fatores, tais como: moradia, saneamento,

transporte, lazer, renda, cultura, raça, relações de sociabilidade, acesso aos bens de

consumo, história de vida e aos serviços essenciais. Esse conjunto de dados revela que

promover saúde no envelhecimento dos negros não é tarefa exclusivamente da responsa-

bilidade do idoso, mas sim de uma união formada pelo idoso, pela sociedade, pelo Estado,

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sendo dever do Estado estabelecer normas e diretrizes para efetivar a promoção, a proteção e

a recuperação da saúde de pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos.

CONSIDERAÇÃO FINAL

A cultura Norte Mineira representa elemento importante e facilitador das influências culturais,

com grande participação da cultura negra, fato percebido na devoção aos santos negros como

Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. As Festas de Agosto é um momento de

socialização e de devoção, se mostra como forma de agradecimento aos santos

homenageados. Os desfiles dos Catopês, as missas, as procissões, são todos atos e

demonstração dessa devoção. A festa representa importante elemento de fortalecimento da

identidade racial de seus participantes, que embora empobrecidos lutam para preservar

traços da cultura africana.

Os negros integrantes deste grupo são pobres; muitos recebem benefício social; são por

diversas vezes rejeitados pelas autoridades nos períodos que antecedem a Festa; sofrem

discriminação; vive uma velhice trágica; exercem serviços subalternos; tem a saúde

comprometida; desmaiam no horário do desfile, sem assistência médica; não recebem ao

menos água da organização do evento, no percurso da festa; alguns desfilam descalço, não

possuem sapatos adequados; as crianças negras e pobres, que participam do desfile,

retornam a suas residências distantes, caminhando, pela madrugada (BRITO, 2013).

Os estudos de (Brito, 2013) vêm considerando que embora estigmatizados no cotidiano, os

catopês exercem influência na cultura e nos hábitos local. Sua cultura idealizada influi no

conjunto. Essa influência, embora clandestina, desfecha no desfile pela cidade onde há

imposição do “reconhecimento” por parte da burguesia local, da imprensa e das autoridades.

No universo da cultura dos catopês, o desfile adquire um sentido marcadamente de luta: há

toda uma dança de gestos, dos ritmos, dos sons e movimentos destinados a abrir passagem.

Por meio da dança, dos ritmos, dos sons, encontram um novo sentido e significado às coisas.

O desfile não é regulado apenas pelas leis e regras institucionais, mas pela própria dinâmica

das necessidades, daí a rua vira “ponto” e a casa do Mestre “local de concentração”.

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