plantio direto feijÃo em pós-plantio do consórcio milho ... · o cultivo do feijão de inverno....

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A GRANJA | 57 FEIJÃO em pós-plantio do consórcio milho com braquiária PLANTIO DIRETO Engenheira agrônoma Michelle Traete Sabundjian, professora titular da Faculdade Santa Bárbara, Campus de Tatuí/SP O sistema plantio direto é um ter- mo genuinamente brasileiro que surgiu, em meados dos anos 1980, em consequência da percepção de um sis- tema de cultivo, de modo contínuo e inin- terrupto, nas regiões subtropical e tropi- cal. Porém, notou-se que além da redução da mobilização do solo e da manutenção dos resíduos culturais em sua superfície, requeria um conjunto mais amplo de tec- nologias ou de preceitos da agricultura con- servacionista. Recomenda-se aos produtores que re- alizem a rotação de culturas em suas pro- priedades, pois além dos benefícios gera- dos pelo plantio direto há outras vantagens, como o aproveitamento dos recursos da propriedade e o controle de pragas, doen- ças e plantas daninhas. Dessa forma, o plan- tio direto deve ser entendido e praticado como um sistema integrado de manejo e não como simples prática ou método alter- nativo de preparo reduzido do solo. Além disso, o plantio direto é um dos complexos tecnológicos que compõem os compro- missos voluntários assumidos pelo Brasil na 15ª Conferência das Partes da Conven- ção do Clima das Nações Unidas, com meta de adoção de 8 milhões de hectares até 2020. O grande desafio encontrado hoje na consolidação do sistema plantio direto é a diversificação de espécies ou de modelos de produção, cobertura permanente de solo e aporte de material orgânico ao solo em quantidade, qualidade e frequência reque- ridas por sua demanda biológica. Esse pre- ceito pode ser avaliado como primordial, tanto na manutenção, quanto na restaura- Raiz do feijoeiro sob o efeito dos resíduos vegetais depositados no solo, associados a doses de ureia em cobertura no feijoeiro de inverno, inoculado com a bactéria Rizóbio Fotos: Michelle Sabundjian

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Page 1: PLANTIO DIRETO FEIJÃO em pós-plantio do consórcio milho ... · o cultivo do feijão de inverno. Manejado corretamente, o consórcio proporciona o aumento da quantidade de palha,

A GRANJA | 57

FEIJÃO em pós-plantio doconsórcio milho com

braquiária

PLANTIO DIRETO

Engenheira agrônoma Michelle Traete Sabundjian, professora titular da Faculdade Santa Bárbara, Campus de Tatuí/SP

O sistema plantio direto é um ter-mo genuinamente brasileiro quesurgiu, em meados dos anos 1980,

em consequência da percepção de um sis-tema de cultivo, de modo contínuo e inin-terrupto, nas regiões subtropical e tropi-cal. Porém, notou-se que além da reduçãoda mobilização do solo e da manutençãodos resíduos culturais em sua superfície,requeria um conjunto mais amplo de tec-nologias ou de preceitos da agricultura con-servacionista.

Recomenda-se aos produtores que re-alizem a rotação de culturas em suas pro-priedades, pois além dos benefícios gera-dos pelo plantio direto há outras vantagens,como o aproveitamento dos recursos dapropriedade e o controle de pragas, doen-ças e plantas daninhas. Dessa forma, o plan-tio direto deve ser entendido e praticadocomo um sistema integrado de manejo enão como simples prática ou método alter-nativo de preparo reduzido do solo. Alémdisso, o plantio direto é um dos complexostecnológicos que compõem os compro-missos voluntários assumidos pelo Brasilna 15ª Conferência das Partes da Conven-ção do Clima das Nações Unidas, com metade adoção de 8 milhões de hectares até2020.

O grande desafio encontrado hoje na

consolidação do sistema plantio direto é adiversificação de espécies ou de modelosde produção, cobertura permanente de soloe aporte de material orgânico ao solo emquantidade, qualidade e frequência reque-ridas por sua demanda biológica. Esse pre-ceito pode ser avaliado como primordial,tanto na manutenção, quanto na restaura-

Raiz do feijoeiro sob o efeito dosresíduos vegetais depositados nosolo, associados a doses de ureia

em cobertura no feijoeiro deinverno, inoculado com a bactéria

Rizóbio

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58 | JUNHO 2015

PLANTIO DIRETO

Tabela 1. Valores médios da massa seca da coberturavegetal e produtividade de grãos após

a colheita do milho em cultivo solteiro ou em consórcio,região de Selvíria/MS, safra 2013/14

Massa seca ProdutividadeTratamentos Cobertura vegetal grãos

(kg/ha) (kg/ha)

Milho 7.984 7.672Milho inoculado (I) 9.457 8.233Braquiária 10.573 —Braquiária – inoculada (I) 11.151 —Milho + braquiária 11.028 6.987Milho (I) + braquiária 11.356 6.805Milho + braquiária (I) 11.693 7.048Milho (I) + braquiária (I) 11.999 6.864

ção ou recuperação da fertilidade do solo.A otimização de sistemas agrícolas pro-

dutivos, embasada em gestões incompatí-veis com a promoção da fertilidade bioló-gica, física e química do solo e descom-prometida com a busca pelo equilíbrio di-nâmico do agro-ecossistema e de seu en-torno, mostra-se dessincronizada ante aexpectativa de alcance de uma agriculturatendente à sustentabilidade.

Neste contexto, constitui referencialpara a gestão conservacionista de sistemasagrícolas produtivos o resgate da base con-ceitual de fertilidade do solo, na qual biolo-gia e propriedades físicas do solo e pre-venção de perdas de qualquer ordem, sejapor erosão, lixiviação, volatilização e eluvi-ação, desempenham papéis preponderan-tes. Nas regiões subtropical e tropical doBrasil, a quantidade de material orgânicorequerida pela biologia de solos cultivadossob “sistema plantio direto”, para mantê-los com estrutura adequada ao estabeleci-mento e desenvolvimento das plantas, os-cila entre 8 mil e 12 mil quilos/hectare porano. Essa quantidade deve ser provida pe-los restos culturais das espécies econômi-cas cultivadas ou pelo cultivo de plantas decobertura de solo ou adubos verdes. A prin-cipal limitação para a sustentabilidade doplantio direto na maior parte do estado deSão Paulo e também no Brasil Central é abaixa produção de palha no período de ou-tono-inverno e inverno-primavera, em fun-ção das condições climáticas desfavoráveis,baixa disponibilidade hídrica, caracteriza-da pelo inverno seco.

Assim, muitas áreas nessas regiões fi-cam ociosas durante sete meses do ano e

com baixa cobertura vegetal, comprome-tendo a viabilidade e a sustentabilidade doplantio direto. No consórcio do milho combraquiária, a forrageira pode ser utilizadapara formação de palha no sistema plan-tio direto durante o período que antecedeo cultivo do feijão de inverno. Manejadocorretamente, o consórcio proporciona oaumento da quantidade de palha, visandoà melhor cobertura do solo para realiza-ção da semeadura direta e, em alguns ca-sos, o aumento de produtividade na cul-tura subsequente.

O uso da irrigação permitiu o surgi-mento de uma nova época para o cultivodo feijoeiro, que ficou conhecida como“feijão de inverno”, com semeadura reali-zada de maio a julho. A semeadura, nessa

época, permite aos produtores realizarem,em plantio direto, o cultivo sobre a palha-da do milho ou milho + braquiária e, as-sociado a essa técnica, existe um interes-se crescente no uso de inoculantes con-tendo bactérias fixadoras de nitrogênio,devido principalmente ao aumento doscustos de fertilizantes, às preocupaçõescom a poluição ambiental e à busca pelaagricultura sustentável.

Estudo de caso — Um trabalho de-senvolvido na Fazenda de Ensino, Pes-quisa e Extensão da Universidade Estadu-al Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, lo-calizada em Selvíria/MS, com apoio daFundação Agrisus, estabeleceu uma diver-sificação de cultivos adotados para com-por a produção de grãos em sistema plan-tio direto. Esse estudo contribuiu com in-formações sobre o efeito da utilização debactérias (Azospirillum), capazes de fi-xar o N

2 em gramíneas, no milho solteiro

ou consorciado com braquiária. Além dis-so, foi testado o efeito dos resíduos ve-getais depositados no solo, associados adoses de ureia em cobertura no feijoeirode inverno, inoculado com outra bactéria(Rizóbio), dessa vez fixadora de N

2 em

leguminosas. O sistema está instalado naárea há três anos consecutivos.

O solo do local é um latossolo, predo-minante na região, recobrindo mais de50% da área total, textura argilosa, origi-nalmente ocupado por vegetação de cer-rado e explorado por culturas anuais háquase 30 anos. O clima é do tipo tropicalúmido com estação chuvosa no verão eseca no inverno. Com isso, o estabeleci-

O uso da irrigaçãopermitiu o surgimento de

uma nova época para ocultivo do feijoeiro, que

ficou conhecida como"feijão de inverno",

plantado sobre a palhadade verão

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Tabela 2. Valores médios das características agronômicasdo feijão em função das coberturas vegetais e doses denitrogênio no feijão de inverno em SPD. Selvíria/MS, 2014

TratamentosProdutividade Cobertura vegetal final

(kg/ha) (kg/ha)Cobertura vegetal (C)Milho 2.519 8.829Milho inoculado (I) 2.690 7.682Braquiária 2.663 7.858Braquiária inoculada (I) 2.591 8.059Milho + braquiária 2.651 8.557Milho (I) + braquiária 2.620 7.537Milho + braquiária (I) 2.659 7.858Milho (I) + braquiária (I) 2.481 7.400Doses de N (kg/ha) (D)0 2.564 –40 2.534 –80 2.610 –120 2.767 –

mento de coberturas vegetais mesmo apósa colheita do milho torna-se importantepelas condições ambientais característicado local. Com a permanência dessa pa-lhada após a colheita do milho, haveráimportantes vantagens para o feijão culti-vado em sucessão, como a diminuição daamplitude térmica pela proteção perma-nente no solo, maior retenção, infiltraçãode água e umidade e no auxilio no manejode plantas invasoras e doenças.

Produção de palha e milho — Deacordo com a tabela 1, o consórcio combraquiárias afetou a produtividade de grãos

do milho, porém, apresentou resultadosacima da média nacional (6.500 kg/ha) eobservou-se um aumento na produção dacobertura vegetal produzida, beneficiandocultivos posteriores em plantio direto.

A inoculação do milho apresentou in-cremento na produtividade de 7,3% emrelação ao milho sem inoculação. A semea-dura da forrageira formadora de palha foiespaçada em 0,45 metro do milho e de for-ma simultânea, o que pode ter influenciadode forma negativa na produtividade degrãos. Lembrando que existem outrasmodalidades de consórcio (semeadas naadubação de cobertura, na linha do milho ena linha e entrelinha do milho) que poderãoser adotadas pelos produtores.

Os tratamentos que produziram maispalha foram os com braquiária solteira (come sem inoculação) e os em consórcio mi-lho + braquiária (tabela 1). Porém, o milhosolteiro inoculado produziu em média 20%a mais de cobertura vegetal em relação aosem inoculação, sendo que este produziua menor quantidade de cobertura vegetaldentre todos os tratamentos. Já os trata-mentos com consórcio apresentaram in-crementos que chegam a 50%, quandocomparados ao milho sem inoculação.

Feijão em sucessão ao milho — Aprodutividade do feijoeiro não foi influen-ciada pela cultura antecessora, mesmocom evidências de melhores resultadosquando produzido em sucessão ao con-sórcio. Da mesma forma, a produtivida-

de de grãos do feijoeiro não apresentoudiferenças quando avaliadas coberturasvegetais e as doses de nitrogênio, sendoque o tratamento onde não foi utilizada aadubação em cobertura produziu aproxi-madamente 2.500 kg/ha, o dobro da mé-dia nacional. Cabe ressaltar que foi reali-zada a inoculação com Rhizobium em áreatotal e que, sob condições ambientais ade-quadas, o N

2 atmosférico fixado por meio

da simbiose com Rhizobium tropici podeatender boa parte das necessidades de Ndo feijoeiro (tabela 2).

Considerando as principais limitaçõesatuais e potenciais da fixação biológica denitrogênio (FBN) e os benefícios atribuí-dos a diversas culturas pela inoculação comAzospirillum, deduz-se que a coinocula-ção com ambos os organismos pode me-lhorar o desempenho das culturas, em umaabordagem que respeita as demandas atu-ais de sustentabilidade agrícola, econômi-ca, social e ambiental. Verificou-se na ta-bela 2 que ao final do ciclo do feijoeiro omaterial depositado na superfície apresen-tou quantidades dentro do recomendadopara a sustentabilidade do plantio direto, quevaria de 8 mil a 12 mil kg/ha, dependendoda região.