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Plantas medicinais do Brasil em desenhos científicos de fundos documentais da
Universidade de Lisboa: a ‘Flore Médicale’ de François Chaumeton (Século XIX)
Thailine Ap. de Lima1
PECIM, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Silvia F. de M. Figueirôa
Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Resumo
Este trabalho apresenta um recorte na área de Botânica com enfoque nas plantas com aplicações medicinais, tendo-se selecionado o Códice “Flora Medicinal” existente no Museu de História Natural e da Ciência (MUHNAC) da Universidade de Lisboa, Portugal. Este Museu dispõe de um conjunto de quase 2.000 desenhos, produzidos durante as expedições ao antigo Império português, agrupados em códices conforme suas áreas e temáticas. Os desenhos do códice acima referido são de 1875 e reproduzem as estampas do livro de CHAUMETON, François Pierre [et al] – “Flore Médicale”, originalmente publicado no início do século XIX – contemporâneo, grosso modo, dos extensos levantamentos de recursos naturais empreendidos pela Coroa Portuguesa em seus domínios coloniais – e que conheceu uma nova edição em 1833. A intenção da reprodução dos desenhos pelo Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda visava a integrar uma versão portuguesa da obra. Nossa investigação explorou as imagens a partir da filtragem dos fitoterápicos presentes na obra de Chaumeton que ocorrem no território brasileiro, nos diferentes contextos culturais, históricos e científicos. Palavras-chave: Desenhos, história, plantas medicinais, conhecimento tradicional.
1 Bolsista de Mestrado FAPESP N.º do processo:2018/09696-1; Bolsa de Iniciação Científica FAPESP N.º do processo: 2015/25120-4.
Plantas medicinais brasílicas: um breve contexto histórico
Os desenhos científicos foram importantes ferramentas de difusão de saberes durante
o período das grandes expedições entre os séculos XVIII e XIX. Essas viagens tinham como
um dos objetivos estabelecer relações entre o Estado e suas colônias a fim de exercer maior
controle sobre as mesmas. Durante as primeiras tentativas de colonização portuguesa ao longo
da costa do território brasileiro foram introduzidas espécies animais e botânicas,
principalmente, que se encontravam já aclimatados em Portugal ou nas suas ilhas atlânticas,
devido ao desconhecimento por parte dos colonos diante da diversidade natural (DEAN,
1991).
O início do século XVII assistiu ao surgimento de novos meios de intercâmbios de
espécies botânicas tropicais: o jardim botânico colonial e o herbário, que permitiam a troca de
plantas entre as colônias tropicais e sua aclimatação, além de estudos comparativos de
espécimes vegetais secos tropicais. Através dessa importante prática de movimentação de
espécimes exótica no território brasileiro, que teve grande impacto nos ecossistemas naturais,
os portugueses selecionaram elementos culturais que seriam estratégicos para garantir e
expandir seu controle sobre a sociedade colonial (DEAN, 1991). A diversidade de plantas
encontradas nas colônias tropicais fornecia um largo campo de possíveis aplicações no
cotidiano do ser humano, desde plantas ornamentais, passando pelas alimentícias e,
principalmente, aquelas com potencial farmacológico (SANTOS, 2009). A partir da chegada
da Companhia de Jesus às terras brasileiras, a necessidade de medicamentos para tratar e
prevenir doenças dos colonos, escravos e dos índios foi incorporada às atividades da
instituição. Foram construídas, ao lado dos colégios de ensino e catequese, as boticas onde
eram armazenados e preparados remédios cuja composição. Nessas boticas foram geradas
receitas com as etapas de preparo de medicamentos, bem como seus ingredientes, que
circulavam entre os colégios das colônias e, principalmente, na Europa. Em meio a essa
circulação de saberes e ingredientes, muitas plantas brasílicas também acompanharam o fluxo
de informações e viajaram à Europa, ao Oriente, e vice-versa, formando uma teia de intensa
circulação de conhecimentos medicinais. Na interação com os nativos, os jesuítas adquiriram
maior conhecimento da fauna e flora locais e incorporaram as plantas brasílicas nos
tratamentos medicinais. Os escravos que vinham do continente africano também contribuíram
para os conhecimentos medicinais, trazendo de lá outras plantas e seus modos de uso e
preparo (KURY, 2013). Dentre as receitas jesuíticas confeccionadas nas boticas brasileiras, a
que obteve grande repercussão foi a Triaga Brasílica, largamente utilizada durante o século
XVIII. Considerada uma panaceia, a Triaga Brasílica foi o primeiro remédio a utilizar plantas
brasileiras no seu preparo, o que demonstra a importância do saber dos nativos frente à
interação com os colonos (SANTOS, 2013).
Os poucos médicos e boticários oficialmente habilitados pela Coroa portuguesa para
prática assistencial se misturavam aos curandeiros, benzedeiras e barbeiros que garantiam as
práticas de cura. Em meio a esse cenário, importantes manuais foram confeccionados na
tentativa de divulgar saberes e práticas medicinais pela colônia, principalmente em sua vasta
área rural. Já no Império, os manuais do Dr. Chernoviz, por exemplo, foram de suma
importância dentro do contexto médico imperial, não apenas pelo sucesso na difusão dos
saberes tradicionais no tratamento de doenças, mas também na formação e instrução
acadêmica de inúmeros praticantes leigos da medicina. Nesses manuais foram compiladas as
principais moléstias encontradas, quais recursos tradicionais caseiros poderiam ser aplicados e
como prepará-los (GUIMARÃES, 2005). Assim, a medicina no Brasil, tanto na Colônia
quanto no Império, foi marcada pelo uso de plantas medicinais e práticas curativas que
derivaram da cultura das diferentes etnias que coabitaram o território brasileiro. A partir de
meados do século XIX, com a expansão das atividades medicinais regulamentadas logo após
a chegada da Coroa Portuguesa, que culminou na oficialização da medicina e das práticas
médicas, iniciou-se a perseguição institucional contra os praticantes da medicina popular,
vistos como “ilegais” (ARAÚJO, 2017). O distanciamento do conhecimento tradicional e das
plantas medicinais empregadas no tratamento de doenças no Brasil ocorre, de forma mais
intensa, a partir do século XX em razão da industrialização e da urbanização, com o
surgimento de medicamentos sintéticos. (LORENZI E MATOS, 2008). Assim grande parte
da composição química de plantas medicinais ainda é desconhecida, resultando em cerca de
99%2 de espécies sem seus princípios ativos catalogados, conforme dados de Santos (2009).
Em contrapartida, grande parte da população confia no conhecimento tradicional e utiliza, de
alguma forma, plantas medicinais nos cuidados com a saúde. Além disso, registros fósseis
indicam que o ser humano faz uso de plantas como medicamentos há pelo menos 60 mil anos
(SOLECKI & SHANIDAR, 1975).
Material e métodos: A ‘Flore Médicale’ e os procedimentos para análise
O material contido na ‘Flore Médicale’ foi produto de inúmeras expedições e
conhecimentos acumulados sobre diversos locais do planeta. Contém 119 imagens
2 Ainda que este dado provenha de um trabalho de 2009 – de quase 10 anos trás, portanto – nenhuma informação mais atual permite contradizê-lo substancialmente. Se houve variações, estas podem ser consideradas pouco expressivas para nosso raciocínio.
representativas e informações taxonômicas de plantas que possuem propriedades medicinais,
e muitas eram empregadas nas terapêuticas há séculos. As imagens representativas das
espécies estão organizadas em ordem alfabética segundo o idioma francês seguido por outros
idiomas como o grego, latim, italiano, espanhol, alemão, etc. Nas imagens estão evidenciados
características morfológicas como botões florais, frutos, cortes dos ovários, estames (Figura
1). O sabor, textura de partes das plantas, a ocorrência geográfica, a escala da imagem em
relação ao tamanho real, entre outras informações, constavam no guia. As espécimes seguem
a classificação binomial de Carolus Von Linné, (1707–1778) desenvolvida em 1730, cujos
princípios de sistematização possibilitaram a organização do universo biológico e vêm sendo
utilizados até hoje pelos taxonomistas (Silva, 2009).
Figura 1. Imagem retirada da obra Flore Médicale (Tomo 2); apresentação de Polygonum aviculare L,
vulgarmente chamada de Sanguinária.
A obra “Flore Médicale” foi escrita por François Pierre Chaumeton3, tendo Jean Louis
Marie Poiret e Jean Baptiste Joseph Anne César Tyrbas de Chamberet como coautores: o
primeiro foi um médico militar e o segundo, um clérigo botânico e explorador. Podemos
supor que o fato de Chaumeton ser médico militar e acompanhar soldados em diferentes
países tenha servido de estímulo para a produção de uma obra extensa, em três volumes,
compilando de forma abrangente as variedades de plantas úteis na farmacopeia, a fim de
3 Nascido em Paris em 20 de setembro de 1775, Chaumeton foi um botânico e também médico militar que se aventurou pelos saberes farmacológicos. Além de medicina, estudou ciências humanas e línguas, se aperfeiçoando principalmente no idioma grego. Na qualidade de médico militar, acompanhou diferentes exércitos em nas mais variadas regiões. Passou seus últimos dias lutando contra a tuberculose e faleceu em 10 de agosto de 1819.
facilitar os tratamentos e a cura. Para verificação da presença no Brasil dos táxons amostrados
no códice Flora Medicinal e verificação de nomes válidos foi utilizada a plataforma ‘Flora do
Brasil 2020’ (ainda em construção). Além desta, a plataforma ‘Tropicos.org’ (constantemente
atualizada) também foi utilizada para verificações nomenclaturais. A obra de Chaumeton
(1833) “Flora Médicale” foi utilizada como objeto investigativo sobre as possíveis aplicações
de plantas com potencial fitoterápico. Utilizamos a versão digital disponível gratuitamente
para download na Gallica – Bibliothèque Nationale de France (www.gallica.bnf.fr). Para
comparar o conhecimento atual sobre o uso medicinal destas espécies representadas na “Flore
Médicale”, recorremos, principalmente, à obra de Lorenzi & Matos, intitulada “Plantas
Medicinais no Brasil Nativas e Exóticas”, entre outros trabalhos. Após a identificação dos
espécimes botânicos que possuem ocorrência no território brasileiro, realizamos
levantamentos bibliográficos sobre temas botânicos, taxonômicos, etnobotânicos e
etnofarmacológicos. Além disso, buscamos identificar dentre as plantas medicinais
selecionadas no presente estudo, quais são citadas no “Formulário e Guia Médico” do Dr.
Chernoviz (1841), importante material de medicina popular da época, bem como quais delas
eram também utilizadas na receita da Triaga Brasílica. Para isso, utilizamos sobretudo dois
trabalhos: Ricardo (2017), no qual a autora realiza um levantamento de plantas brasileiras
empregadas na medicina tradicional presentes no “Formulário e Guia Médico” do Dr.
Chernoviz; e Santos (2013), que faz uma contextualização da Triaga Brasílica e sua
importância histórica durante o século XVIII.
Resultados
Dentre as 119 gravuras da obra de Chaumeton presentes no Códice “Flora Medicinal”
do MUHNAC, foram identificadas 19 plantas ocorrentes no Brasil. As plantas não eram
apresentadas apenas sob a perspectiva médica, mas também quanto ao grau de importância
econômica e sua versatilidade em atender às necessidades humanas. Algumas das plantas,
inclusive, apresentavam outras propriedades mais evidenciadas do que o aspecto
farmacológico, como é o caso de Arachis hypogaea L. e Silybum marianum (L.) Gaertn, das
quais não identificamos seus usos medicinais descritos no livro “Flore Médicale”. Além
disso, Chaumeton também assinalava o sucesso ou o fracasso da aclimatação dessas plantas.
Todas as informações levantadas sobre as plantas medicinais estudadas foram compiladas nas
Tabelas 1, 2, 3 e nos gráficos (Figuras 2A, 2B, 2C, 2D; 3A, 3B, 3C, 3D). Em relação à
taxonomia e distribuição geográfica das espécies apresentadas na Tabela 1, as famílias
botânicas mais representativas dos táxons amostrados são Leguminosae, com 4 espécies,
seguida por Apiaceae, com 2 espécies (Figura 2A). Os táxons estão distribuídos entre os
domínios Mata Atlântica (33%), Amazônia (22%), Caatinga (17%), Cerrado (14%), Pantanal
(8%) e Pampa (6%). Nesses domínios, as espécies apresentam variados status biogeográficos
(Zenni, 2015) como “cultivado”4 (42%), “nativa”5 (37%) e “naturalizada”6 (21%) (Figura
2C). Quanto à forma de vida das plantas medicinais, as ervas são as mais expressivas dentre
as estudadas neste trabalho, com 58% de destaque. As árvores compreendem 42% e o restante
estão distribuídas como arbustos e subarbusto representando ao todo 10% (Figura 2D). As
informações sobre as estruturas das plantas utilizadas e seus respectivos modos de preparo,
apresentados na Tabela 2, indicaram maior utilização das folhas (27,8%), seguida pelos frutos
(22,2%), grãos ou sementes (16,7%), raízes (11,1%) e resinas (11,1%) (Figura 3A). Na
medicina tradicional atual também se observam as folhas como maior fonte de substâncias
para preparação de remédios e tratamento de doenças (26,9%), seguidas pelos frutos (15,4%).
Além dessas, outras estruturas emergem no conhecimento popular como as flores e botões
florais (11,5%), lenho e tronco (3,8%). Em alguns casos ainda, todas as partes das plantas
podem ser utilizadas (11,5%) (Figura 3B). Quanto aos modos de preparo, a “Flore Médicale”
indica a extração (36,4%) e a infusão ou decocção (22,7%) como os mais utilizados (Figura
3C). Tais modos de preparo se mantêm em destaque na medicina tradicional atual, sendo
maior, no entanto, a preferência por chás (infusão decocção) do que por extração (Figura 3D).
A Tabela 3 apresenta dados farmacológicos, como os sintomas tratados por cada espécie de
planta na perspectiva do ‘Flore Médicale’ (1833) e de levantamentos mais recentes. Podemos
observar que grande parte dos saberes medicinais se mantém até hoje, uma vez que notamos a
ocorrência de pelo menos um uso/aplicação em comum para a mesma planta nos diferentes
levantamentos (destacados em negrito na Tabela 3). Além disso, muitas dessas plantas
possuem respaldo científico para suas aplicações atuais, que acompanham também outros
estudos em busca de novas atividades biológicas que essas espécies podem apresentar
(bibliografia apresentada na Tabela 3).
Ao compararmos os espécimes botânicos estudados com o “Formulário e Guia
Médico de Chernoviz” presente no trabalho de Ricardo (2017), verificamos que 04 espécies
do nosso trabalho são citadas por Chernoviz em seu formulário medicinal, sendo uma
cultivada e as demais nativas do Brasil. São elas: Anacardium occidentale, Myroxylon
balsamum, Hevea guianensis, que são plantas nativas, e Arachis hypogaea, cultivada. Com 4 Plantas que ocorrem no território brasileiro por meio do cultivo e manipulação humana. 5 Espécies botânicas de origem brasileira. 6 Espécies que foram introduzidas no território brasileiro e que atingiram a idade reprodutiva produziram descendentes e tiveram sucesso para formar uma população viável (ZENNI, 2015).
relação à receita da Triaga Brasílica disponível na pesquisa de Santos (2013), dentre as 47
espécies empregadas, 03 espécies presentes no nosso estudo
fizeram parte dessa receita, sendo 01 nativa e 02 cultivadas. Essas espécies são: Apium
graviolens, Zingiber officinale e Dysphania ambrosioides7.
7 No trabalho de Santos (2013), aparece o sinônimo heterotípico de Dysphania ambrosioides, o Chenopodium ambrosioides.
Tabela 1. Plantas medicinais brasileiras citadas por Chaumeton ocorrentes no Brasil8
8 Informações sobre Tabela 1:*Esta espécie é tratada atualmente pelo nome Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H.C. Lima & G. P. Lewis – Gagnon et al. (2016). (-) Informação faltante na Flora do Brasil 2020. (²) Plantas medicinais estudadas que aparecem no “Formulário e Guia Médico”, Chernoviz. (³) Espécimes botânicas estudadas que fizeram parte da receita da Triaga Brasílica.
Espécie Família botânica Nome popular Forma de
Vida Status
biogeográfico Domínio
fitogeográfico Apium graviolens
L. (³) Apiaceae Aipo Erva Cultivada Mata Atlântica
Vitex agnus-castus L. Lamiaceae Árvore-da-
castidade arbusto Naturalizada Caatinga, Mata Atlântica
Zingiber officinale Roscoe (³) Zingiberaceae Gengibre Erva Cultivada -
Anacardium occidentale L. (²) Anacardiaceae Cajueiro Árvore Nativa
Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica, Pampa, Pantanal
Ananas comosus (L.) Merr. Bromeliaceae Ananás Erva Nativa Mata Atlântica
Dysphania ambrosioides (L.)
Mosyakin & Clemants (³)
Amaranthaceae Anserina vermífuga Subarbusto Naturalizada
Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica
Arachis hypogaea L. (²) Leguminosae Amendoim Erva Cultivada
Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica, Pampa, Pantanal
Avena sativa L. Poaceae Aveia-comum Erva Cultivada Mata Atlântica, Pampa
Melia azedarach L. Meliaceae Cinamomo ou amargoseira Árvore Cultivada
Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica
Canna indica L. Cannaceae Erva-conteira Erva Nativa
Amazônia, Caatinga, Cerrado,
Mata Atlântica, Pantanal
Musa x paradisíaca L. Musaceae Bananeira Erva Cultivada Amazônia, Mata
Atlântica Myroxylon
balsamum var. pereirae (Royle)
Harms (²)
Leguminosae Balsameiro-do-Perú Árvore Nativa Amazônia
*Caesalpinia echinata Lam. Leguminosae Pau-brasil Árvore Nativa Mata Atlântica
Haematoxylum campechianum L. Leguminosae Pau-de-
campeche Árvore Cultivada -
Hevea guianensis Aubl. (²) Euphorbiaceae Seringueira Árvore Nativa Amazônia
Tropaeolum majus L. Tropaeolaceae
Chagas, mastruço-do-
Perú ou capuchinha
Erva Naturalizada -
Daucus carota L. Apiaceae Cenoura Erva Cultivada Mata Atlântica Polygonum aviculare L. Polyganaceae Sanguinha ou
centonódia Erva Nativa Mata Atlântica
Silybum marianum (L.) Gaertn. Asteraceae cardo-mariano Erva Naturalizada -
Figura 2. A. Número de espécies por família botânica; B. Domínio Fitogeográfico; C. Status
biogeográfico; D. Forma de Vida.
Tabela 2. Plantas medicinais ocorrentes no Brasil, suas partes utilizadas e o modo de preparo e
aplicação.
Espécie Nome
vulgar PUA PUFM
Modo de Preparo/
Aplicação Atual
Modo de Preparo/ Aplicação "Flora
Médicale"
Apium graviolens
L. (³) Aipo TP Fo, Gr
Infusão; extração de óleo
das sementes/ oral, tópico
Maceração, suco, extração de óleo das
sementes/ Oral, tópico.
Vitex agnus-
castus L.
Árvore-da-
castidade Fo
Infusão, maceração com
gordura/ oral, tópico
Zingiber
officinale Roscoe
(³)
Gengibre Ri Ri
Infusão, extração de óleo
essencial dos rizomas
frescos/ Oral
Maceração, infusão, in natura/ oral,
Anacardium
occidentale L. (²) Cajueiro TP Fr
Decocção, infusão,
extratos/ Oral, tópico Extração de óleo/ Tópico
Ananas comosus
(L.) Merr. Ananás Fr Fr
in natura, suco, misturada
com levedura de cerveja/
Oral, tópico
Suco, in natura/ Oral, gargarejos
Dysphania
ambrosioides
(L.) Mosyakin &
Clemants (³)
Anserina
vermífuga Fo Gr
cataplasma, suco, chás
(insusão) xarope/ oral,
tópico
Pó/ Oral
Arachis
hypogaea L (¹). Amendoim -
-
(²)
Avena sativa L. Aveia-
comum
Fo, fi,
ca, se Gr -
Infusão, cozimento, extração de água
da farinha de aveia/ Oral, tópico
Melia azedarach
L.
Cinamomo
ou
amargoseira
ra, ca,
fo, fr,
fl
Fo, fr, ra -
fruto in natura, cozimento, extração de
suco das raízes, pomada com os
frutos/Oral, tópico
Canna indica L. Erva-
conteira Fl, ra Fr
Decocção, infusão
(chá)/oral Sumo do fruto/Oral
Musa x
paradisíaca L. Bananeira
Br,
casca
dos
frutos
Fl Infusão (chá)/Oral Extração de sumo da flor/Oral
Myroxylon
balsamum var.
pereirae (Royle)
Harms (²)
Balsameiro-
do-Perú
Fo, fr,
re
(bálsa
mo)
Re Misturas das partes
utilizadas/ Oral, tópico
Mistura de bálsamo com açúcar,
resina/ Oral, tópico
(*) Caesalpinia
echinata Lam. Pau-brasil
Lenho
(casca) Fo
Extrato do
lenho,maceração
/gargarejo
Infusão/ Oral
Haematoxylum
campechianum
L.
Pau-de-
campeche
Tr,
Rm Fo -
Decocção, extrato das folhas diluído
em água com canela e menta/ Oral
Hevea guianensis
Aubl. (²) Seringueira - Re -
Extração do suco leitoso do tronco/
Tópico
Tropaeolum
majus L.
Chagas,
mastruço-
do-Perú ou
capuchinha
Fo,
BF, fl Fo, fr
Infusão e extrato das
folhas / Oral, tópico Suco das folhas, frutos secos/ Oral
Daucus carota L. Cenoura TP Ra
in natura, cozimento,
decocção, suco, raiz
ralada com suas
folhas/oral, tópico
Suco da raiz (xarope), decocção/ Oral,
tópico
Polygonum
aviculare L.
Sanguinha
ou
centonódia
- - - -
Silybum
marianum (L.)
Gaertn. (¹)
cardo-
mariano - - - -
*Esta espécie é tratada atualmente pelo nome Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H.C. Lima &
G. P. Lewis – Gagnon et al. (2016). (¹) Informações medicinais faltantes no Flora Médicale. (²) Plantas
medicinais estudadas que aparecem no “Formulário e Guia Médico”, Chernoviz. (³) Espécimes
botânicas estudadas que fizeram parte da receita da Triaga Brasílica. Siglas:Partes Utilizadas Atual
(PUA); Partes Utilizadas “Flora Médicale” (PUFM) Flor (Fl), Folha (Fo), Botão Floral (BF), Raíz
(Ra), Rizoma (Ri), Caule (Ca), Toda a planta (TP), Troncos (Tr), Ramos (Rm), Semente (Se), Grãos
(Gr), Frutos (Fr), Resina (Re); Brácteas (Br).
A
B
Figura 3. A. Estruturas das plantas utilizadas na preparação dos remédios na perspectiva tradicional
segundo a “Flore Médicale”; B. Estruturas das plantas utilizadas na preparação dos remédios na
perspectiva tradicional atual. C. Modo de preparo das plantas medicinais tradicionais segundo “Flore
Médicale”; D. Modo de preparo das plantas medicinais tradicionais no contexto atual.
Tabela 3. Plantas medicinais ocorrentes no Brasil e dados sobre o uso tradicional nas perspectivas do
“Flore Médicale” e do atual, juntamente com estudos farmacológicos.
Espécie Nome
Popular "Flore Médicale" Perspectiva Atual Validação Farmacológica
Apium
graviolens L.
(³)
Aipo
Escorbuto, obstruções
viscerais; estímulo para os
órgãos urinários,
contusões, lesões, para
diminuir ou dissipar o
leite que inflama os
mamilos; febres
intermitentes, carcinomas.
Sedativo, afrodisíaco, flatulência
e reumatismo, reduz pressão
sanguínea, indigestão, estimula
atividade uterina, efeitos
diuréticos e anti-inflamatórios.
Depurativa, expectorante,
febrífuga e antiescorbútica,
cálculos renais, colite, anemia.
Comprovada a atividade de eliminação
de gases e sementes apresentam afeito
sedativo (Lorenzi & Matos, 2008)
Vitex agnus-
castus L.
Árvore-da-
castidade "paixão do amor"
Erisipela, diabetes, adstringente,
relaxante, regula funções
hormonais, espasmos,
reumatismo, gastralgia,
amenorreia, anti-inflamatório,
diurético, antidisentérico,
expectorante, hematúria,
hemorroidas, problemas
menstruais e de menopausa,
lactação insuficiente.
Seguro para a maioria das mulheres em
idade fértil, não devendo ser usado
durante a gravidez, mas seu uso é seguro
durante a lactação ; eficaz no alívio dos
sintomas da síndrome pré-menstrual
(Simões et. al, 2011) , controle da acne
juvenil (Maia, 2001).
Zingiber
officinale
Roscoe (³)
Gengibre
Estimulante energético,
problemas nos órgãos
digestivos, afecções
Tratamento de problemas do
estômago, garganta e fígado,
asma, bronquite e menorragia;
Remédio contra asma, bronquite e
menorragia ; ação antimicrobiana,
estimulante digestivo, carminativo,
C D
catarrais crônicas. gripe e resfriado. problemas da garganta; antivomitativa,
antireumática, antiviral, antitrombose,
cardiotônica, antialérgica, colagoga e
protetora do estômago (Lorenzi &
Matos, 2008).
Anacardium
occidentale L.
(²)
Cajueiro
Úlceras causadas por
fungos e outras afecções
de pele.
Antisséptico e anti-inflamatório(
no caso de ulceras na boca e
afecções da garganta),
antiabética, adstringente,
antidiarréica, depurativa, tônica,
antiasmática .
Antiacne, antidiabética, antigenotóxica,
anti-inflamatória, anti-helmíntica, anti-
leishmania, antimicrobiana,
antimutagênica, antiofídica, antioxidante,
antitumoral, antiulcerogênica, antiviral,
gastroprotetora (Ushimaru et. al, 2007).
Ananas
comosus (L.)
Merr.
Ananás
Fraqueza do estômago,
doenças das vias urinárias,
hidropsia, doenças
inflamatórias, biliares.
Estomáticas, carminativo,
diurético, e anti-inflamatório,
sendo indicado para problemas
das vias respiratórias e para
neurastenia; afecções de pele (
acne, espinhas, cravos), feridas e
úlceras.
Mucolítica e fluidificante das secreções e
das vias aéreas superiores (Costa &
Nunes, 2010). Efeitos antidiabético, anti-
hiperlipidimêmico
e antioxidante (Manetti et al. 2009)
Dysphania
ambrosioides
(L.) Mosyakin
& Clemants (³)
Anserina
vermífuga Vermífugo
Vermífuga, antibiótico,
expectorante, machucados
(cicatrizante), diurética, bronquite,
tuberculose, abortiva, reumatismo,
afecções de pele, estomáquica,
antifúngico, antitumoral, anti-
helmíntico, analgésico
Anti-helmíntica, antitumoral e
antifúngica, antinociceptivo, anti-
inflamatório e cicatrizante (Grassi, 2011);
Antiviral, atividade antimicrobiana,
antioxidante, analgésico (Kokanova-
Nedialkova, 2009)
Arachis
hypogaea L.(¹)
(²)
Amendoim
-
Avena sativa
L.
Aveia-
comum
Escorbuto, anti-
inflamatório, antisséptico,
estimulante, cólicas,
inflamações da pleura,
problemas estomacais.
antidiabética, doenças metabólicas,
dores musculares, pele e
tecidos subcutâneos, sistema
digestivo, cólicas estomacais,
gota, artrite e reumatismo,
propriedades calmantes
Anti-trombose, anti-inflamatório,
antioxidante (Lee et al. 2016);
imunomodulatório, anti-diabético,
combate colesterol, regula imunidade
(Singh et al. 2013)
Melia
azedarach L.
Cinamomo
ou
amargoseira
Vermífugo, mata-piolhos,
estimulante do crescimento
capilar e da menstruação,
cura de micoses e sarnas.
dores de cabeça,
anti-helmíntico, antilítico,
diurético,doenças de pele, dor
estomacal, desordens intestinais,
doenças uterinas e cistites, bem
atividade antimicrobiana, antimalarial,
antiparasitária, contraceptiva,
antifoliculogênica, citotóxica (Araujo,
2009.).
como diurético
e febrífugo; reumatismo
Canna indica
L.
Erva-
conteira
Diurético, calmante de
infecções urinárias.
Calmante, antimalárica, colesterol
alto, glicose, diabetes,
emagrecer, vitamina, fígado,
amarelão (hepatite), triza
(hepatite).
Antiviral (HIV); ativdade inibitória da TR
(transcriptase reversa), (Dan e Castellar,
2015); atividade antibacteriana,
antihelmíntico, moluscicida, anti-
inflamatório, analgésico, imunodulador,
antioxidante, citotóxico, hemostático,
hepatoprotector, anti diarréico (Al- Snafi,
2015)
Musa x
paradisíaca L. Bananeira Adstringente, antidiarreica
Bronquite, gripe, tosse forte;
diarréia, disenteria, lesões
intestinais, diabetes , nefrite, gota,
hipertensão, doença cardíaca
Asma e bronquite; antiulcerogênica,
antitumoral, antimutagênica, antioxidante
e antimicrobiana; atividade
antihelmíntica. Cicatrizante, peitoral, anti-
inflamatório, combate a afecções de pele
(Nascimento, 2014). Diarréia, disenteria,
úlcera, diabetes, hipertensão e doenças
cardíacas (Imam & Akter, 2011)
Myroxylon
balsamum var.
pereirae
(Royle) Harms
(²)
Balsameiro-
do-Perú
Tratamento de cólicas,
problemas no estômago e
coração, contra tosse,
problemas pulmonares,
doenças do peito e das vias
urinárias e cura feridas
recentes sem supuração e
sem cicatriz.
Asma, reumatismo, catarro e
feridas externas.
Expectorante, antifusivo e antiséptico;
espasmolíticas, cicatrizantes e
antiparasitárias, tratamento de sarnas,
feridas e úlceras dérmicas (Soares,
2006)
*Caesalpinia
echinata Lam. Pau-brasil
Adstrigente, febres,
problemas estomacais e
oftálmicos*
Adstringente, cicatrizante,
odontoálgico e tônico
atividade antinociceptiva. antitumoral,
antimicrobiana (Grangeiro, 2009),
odontálgico, diabetes, adstrigente ( Sá &
Silva, 2012)
Haematoxylum
campechianum
L.
Pau-de-
campeche Diarreia, disenteria Cólica, anemia, diarréia
Antiinflamatorio, digestivo, antioxidante,
antiséptico, antidiarréico, antibacteriano,
hemostático, hepatoprotetor (Matilla,
2013)
Hevea
guianensis
Aubl. (²)
Seringueira Curativo, cicatrização de
feridas. - -
Tropaeolum Chagas, Escorbuto, catarro Antiescorbútica, antiséptica, efeito antimicrobiano em infecções do
majus L. mastruço-
do-Perú ou
capuchinha
pulmonar, catártico. fortificante capilar, tratamento de
afecções pulmonares, diurético,
desinfetante das vias urinárias,
expectorante.
trato urinário; efeitos antineoplá-
sicos e antioxidantes,
atividade inibitória
células tumorais humanas, atividade
antitrombínica,
Atividade anti-inflamatória (Lourenço,
2011)
Daucus carota
L. Cenoura
Disenterias, vermífugo,
úlceras pútridas,
escorbúticas e cancerosas;
já foi usada contra
elefantíase, estimulante.
Cistite, cálculos renais, afecções
cutâneas, edema, indigestão
flatulenta, e problemas
menstruais, antisséptica,
vermífuga, digestiva, refrescante
e tônico dos nervos. É usada
tambem em casos no tratamento
de anemia.
visão e cegueira noturna, alto teor
nutricional, prevenção de doenças
gastrointestinais, regularização da
glicemia, aumento da saciedade (Leite,
2010)
Polygonum
aviculare L.
Sanguinha
ou
centonódia
Adstringente, dissipação
do catarro, controle de
hemorragias e
principalmente a
hemoptísia, diarreia e
disenterias.
Alivia dores no estômago,
estimulante, diurético, emenagogo,
gota, anti-hemorroidal,
retenção de urina, afecções das
vias urinárias, adstringente,
cicatrizante, hemostática.
Anti-inflamatório (De Almeida)
Silybum
marianum (L.)
Gaertn. (¹)
cardo-
mariano - -
*Esta espécie é tratada atualmente pelo nome Paubrasilia echinata (Lam.) E. Gagnon, H.C. Lima
& G. P. Lewis – Gagnon et al. (2016). (¹) Informações medicinais ausentes no Flore Médicale.
(²) Plantas medicinais estudadas que aparecem no “Formulário e Guia Médico”, Chernoviz. (³)
Espécimes botânicas estudadas que fizeram parte da receita da Triaga Brasílica
Resultados e Discussão
O uso de produtos naturais como forma de aliviar dores e enfermidades acontece
desde a Antiguidade, quase sempre aliado a procedimentos ritualísticos que reafirmam o
aspecto cultural por trás dos tratamentos terapêuticos (NOGUEIRA, 2009). Estudos recentes
indicam que esse uso possa ser recuado até os Neandertais, mostrando que indivíduos da
região de Sidrón (Espanha) comiam álamo, planta que contém naturalmente o ácido salicílico,
hoje tão comum na aspirina (WEYRICH et al., 2017). Nesse contexto, a obra Flore Médicale
pode ser considerada uma espécie de revisão científica, na qual Chaumeton referencia
diversos especialistas na área médica, farmacológica e botânica, como forma de refutar ou
aceitar as propriedades tradicionais das espécies terapêuticas. Tal revisão mostra como o
conhecimento científico acerca das plantas medicinais evoluía e como as experiências
empíricas auxiliaram na confecção de trabalhos como esse analisado. Referências a clássicos
como Hipócrates, Dioscórides, Plínio, Galeno, ou seus contemporâneos como Lamarck,
Humboldt, Bonpland, entre outros autores e estudiosos, serviram como base para comparação
dos conhecimentos populares em relação ao antigo e ao contemporâneo de Chaumeton.
Mesmo utilizando os saberes populares em sua obra, a forma de abordagem de Chaumeton
deixa claro seu desprezo por boa parte do conhecimento tradicional antigo, como se pode ler
neste exemplo: [...] “Muitos povos menos delicados que “nós”, colocavam a aveia no topo
alimentar” [...] (CHAUMETON, 1833). Dentre as espécies contidas no códice Flora
Medicinal, a grande maioria foi reproduzida a partir da obra ‘Flore Médicale’, exceto a
Anacardium ocidentale – vulgarmente conhecida como ‘caju’. A representação dessa espécie
foi produzida de forma original pelo Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda de Portugal e
não se parece de modo algum à ilustração presente na obra original, sendo mais detalhada,
viva e exuberante. Isso pode significar um conhecimento empírico dessa planta por parte dos
desenhistas e naturalistas portugueses, uma vez que tiveram contato direto com a flora
brasileira. O cajueiro é tratado na obra ‘Flore Médicale’ por meio de comparações estruturais
com outras plantas, a fim de facilitar o reconhecimento dessa espécie nativa do Brasil. Outra
planta local presente no estudo é a Paubrasilia echinata, o famoso pau-brasil. Na medicina
tradicional o pau-brasil é utilizado desde há muito, aparecendo na “Flore Médicale” como
adstringente, propriedade essa comprovada farmacologicamente por meio de estudos mais
recentes (Tabela 3). Grande parte das plantas do códice “Flore Medicinal” foi introduzida no
território brasileiro (Figura 1C) e permanece como cultivadas ou naturalizadas. Uma possível
explicação para o destaque de plantas exóticas é que o ser humano transporta plantas ao redor
do mundo há muito tempo em resposta às necessidades da agricultura, horticultura, etc.
(ZENNI, 2015). As plantas fizeram parte de importantes circuitos de intercâmbios, comerciais
e culturais (KURY, 2009). Neste contexto, durante o processo de colonização e ocupação do
território brasileiro, muitas trocas culturais foram realizadas, inclusive aquelas envolvendo
plantas medicinais. Os conhecimentos trazidos pelos lusitanos e pelos africanos escravizados
se fundiram aos dos indígenas nativos, possibilitando o cultivo de novas espécies com
finalidade terapêutica e alimentar, e o aproveitamento das plantas nativas através do contato
com os povos indígenas. A identificação da distribuição dessas espécies botânicas pelo
território brasileiro permite relacionar, com certo nível de detalhe, o processo de colonização
com a utilização e, ou introdução de plantas medicinais. Não com a pretensão de propor uma
interpretação revisionista ou mesmo inovadora, mas sim para articular o contexto mais amplo
(o processo de colonização) ao objeto da pesquisa. Do ponto de vista geográfico, a Mata
Atlântica é um bioma costeiro e que foi alvo dos primeiros viajantes e colonizadores que
tiveram contato diretamente com a biodiversidade local. Nessa região foram instaladas as
primeiras vilas e cidades e dela foram extraídos diversos recursos naturais, como, por
exemplo, o pau-brasil. Além disso, a expansão agrícola e introdução de espécies exóticas
como a banana, o café, o trigo, entre outros (PAVAN-FRUEHAUF, 2000), possivelmente
levaram à retirada de recursos naturais nativos mesmo antes do conhecimento dos mesmos.
Das oito espécies medicinais que ocorrem na Amazônia, levantadas nesse trabalho, quatro são
nativas e o restante é classificado como cultivadas ou naturalizadas. Juntamente com sua
diversidade natural, havia um grande conhecimento tradicional composto por inúmeras etnias
que integrava toda uma cultura diversificada dos povos indígenas (CERQUEIRA, 2007).
Devido a sua alta biodiversidade e à cultura indígena, esperava-se nesta pesquisa um destaque
das plantas medicinais pertencentes a este bioma. No entanto, com o processo de colonização,
grande parte da extensão original foi perdida devido ao avanço do desmatamento nesse
ambiente. Porém, apesar do ímpeto destrutivo, alguns naturalistas também exploraram as
matas amazônicas atrás de suas riquezas, descrevendo, catalogando e ilustrando a
biodiversidade, como Alexandre Rodrigues Ferreira. Dos desenhos científicos contidos no
códice Flora Medicinal, mais da metade são representações de plantas medicinais do tipo
herbáceas (ervas) (Figura 1D). De todas as práticas terapêuticas que eram utilizadas no Brasil
colonial, o uso de ervas era o que detinha grande aprovação popular (EDLER, 2006). Do
ponto de vista tradicional, as ervas são muito utilizadas por curandeiros, médiuns, raizeiros,
parteiras, benzedeiras e por toda a população em geral. A relação das ervas com seu status
biogeográfico no território brasileiro ressalta, mais uma vez, a importância dos encontros
culturais entre os povos nativos, os africanos e os europeus. A seguir das folhas temos os
frutos, que também são importantes na construção das farmacopeias tradicionais (Figura 2. A
e B). A utilização de frutos no contexto medicinal pode ser resultado do emprego das plantas
como alimento desde os grupos humanos pré-históricos (LORENZI E MATOS, 2008).
Verificamos ainda a presença dos fitoterápicos analisados neste trabalho em obras
importantes de medicina tradicional no século XIX como o de Chernoviz, “Formulário e Guia
Médico” e na receita da Triaga Brasílica (SANTOS, 2013), a qual foi muito difundida durante
o século XVIII.
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