plano de aula literatura gênero conto
DESCRIPTION
Trabalho de Prática como Componente Curricular da UNIP. Plano de aula da disciplina Literatura sobre o Gênero Textual Conto utilizando-se análise do conto "Uma Galinha" da escritora Clarice Lispector bem como características do movimento modernista a qual ela pertence.TRANSCRIPT
Interativa
LICENCIATURA EM LETRAS/ESPANHOL
PRÁTICA COMO COMPONENTE CURRICULAR - PCC
4º SEMESTRE / TURMA 2013
Aluna:
Lilian Areco RA 1303308
Polo Guaratinguetá 2014
PROPOSTA: Elaboração de uma aula de Literatura Portuguesa para o ensino
médio baseado na análise de um conto de escolha do aluno.
PLANO DE AULA
TEMA DA AULA: O Gênero textual Conto
DISCIPLINA: Literatura Portuguesa
NÍVEL DE ENSINO: 3º ano - Ensino Médio
TEMPO PREVISTO: 2 aulas seguidas num total de 100 minutos.
1) CONTEÚDO
Características e estrutura do gênero textual conto.
Síntese do contexto histórico e social do Modernismo na literatura
brasileira.
Síntese da biografia da escritora Clarice Lispector
Estudo do conto "Uma Galinha" de Clarice Lispector.
2) OBJETIVOS
- Reconhecer as características do gênero textual conto.
- Identificar elementos do contexto estéticos, históricos e sociais
característicos do Modernismo do qual pertencem as obras da escritora Clarice
Lispector.
- Identificar o uso de figuras de linguagem no conto "Uma Galinha" e as
intenções da autora na escolha destes recursos de acordo com o contexto em
que o conto está inserido.
- Análise do contexto de textos publicados em diferentes épocas e
correlação com o conto "Uma Galinha" de Clarice Lispector.
3) RECURSOS
Material impresso contendo o conto "Uma Galinha" de Clarice Lispector
e uma relação de exercícios de fixação.
Material impresso contendo leitura complementar sobre as
características do movimento Modernismo, a síntese biográfica da autora
Clarice Lispector e os textos das atividades propostas para esta aula.
Projetor multimídia para projeção de apresentação em PowerPoint com
os tópicos da aula como apoio didático.
PARTE 1: Contexto Teórico: Apresentação e contextualização do conto,
do autor(a) da obra, bem como o movimento literário a(o) qual ele(a)
pertença. conforme escolha feita pelo(a) aluno(a).
ESTRATÉGIAS
a) Introdução ao tema: sensibilização/contextualização:
Inicia-se a aula perguntando aos alunos se eles já ouviram falar da
escritora Clarice Lispector. E o que eles imaginam que seja o movimento do
Modernismo. Instigar a classe para que participem, falem o que sabem ou o
que imaginam que seja, de forma a motivá-los para o tema. (Duração: de 5 a
10 min)
b) Desenvolvimento da aula
Etapa 1: (Duração 10') Apresentar à classe uma síntese de informações
sobre o contexto histórico e cultural do Modernismo contendo as informações
principais que caracterizaram este movimento no contexto histórico e social.
Modernismo: Movimento que propunha a renovação das artes e da literatura e um
rompimento com todo o passado artístico e cultural
1ª fase Acontecimentos Mundiais: virada do século 19 para o 20, industrialização,
novas tecnologias, clima político tenso às vésperas da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e com a Revolução Russa (1917).
Brasil: São Paulo: crescimento trazido pela economia.
Literatura: Semana da arte moderna em 1922 (radicalismo contra o
tradicionalismo das formas poéticas de até então, busca de literatura
genuinamente brasileira). Oswald de Andrade, Mario de Andrade.
2ª fase
(geração de
1930)
Literatura: Consolidação do romance regionalista na literatura - linguagem
inovadora e tratamento de questões sociais. Vidas Secas, DE Graciliano
Ramos é uma das grandes obras do período.
3ª fase
(geração de
Acontecimentos mundiais: fim da Segunda Guerra Mundial (1945), avanços
tecnológicos e sociais, o mundo em reconstrução (valorização do
1945) nacionalismo)
Brasil: Constituição de 1946, novos pactos sociais. Modernização e
crescimento.
Literatura: Consolidação e crescimento da prosa literária (crônica, conto,
romance), com inovações nas técnicas de expressão (Clarice Lispector,
Guimarães Rosa). Maior profundidade de temas, preocupação social e
investigação psicológica na poesia. (Carlos Drummond de Andrade, Murilo
Mendes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes e
outros).
Etapa 2: (Duração 10') Distribuir o material impresso contendo o texto
"Uma Galinha" (Anexo I) explicando que esse texto faz parte da obra Laços de
Família (1960), de Clarice Lispector para que seja feita a leitura pelo professor
em voz alta enquanto os alunos acompanham o texto em seu material.
Depois da leitura coletiva, recolher as impressões gerais dos alunos
sobre o texto, pedindo para que comentem o que entenderam ou não, para que
levantem aspectos que chamaram a atenção. Se necessário for, neste
momento, sanar dúvidas sobre o vocabulário sempre incentivando que a sala
tente responder a essas dúvidas, dizendo qual o significado do vocábulo no
contexto da oração. Caso não haja respostas vindas da classe, deve haver a
intervenção do professor.
Após sanada as dúvidas de vocabulário, pedir aos alunos que recontem
a história com suas próprias palavras, ainda sem fazer nenhum juízo de valor,
fazendo neste momento a compreensão do texto. Juntamente com os alunos,
identificar no texto os itens abaixo:
a) Os personagens. b) O local em que se passa a história c) O tempo em que se passa a maior parte da história d) O que acontece no início do conto e) O que se passa no desenvolvimento do conto f) Como é o desfecho da história
Etapa 3: (Duração 20') Apresentar aos alunos as características básicas
do gênero textual conto e, à medida que forem sendo explicados, relacionar
cada característica ao conto "Uma Galinha".
Gênero literário tipo narrativo
Texto fictício, fruto da imaginação do autor, não precisa corresponder à
realidade.
Narrativa curta.
Tem como principais finalidades: seduzir o leitor, levá-lo à reflexão sobre
comportamentos e atitudes, compartilhar com o leitor acontecimentos,
sentimentos ideais.
Apresenta número reduzido de personagens
Embora o número reduzido de personagens seja pequeno, estas são
caracterizadas com menos profundidade do que em um romance, mas
com mais detalhes do que em uma crônica.
O tempo e o espaço são apresentados de maneira objetiva.
Normalmente apresenta apenas uma ação, sem outras ações ocorrendo
simultaneamente..
Os discursos usados podem ser o direto (reproduzem as falas das
personagens) e o indireto ( o narrador conta o que as personagens
disseram)
Presença de narrador-personagem (Indicados pela primeira pessoa) ou
narrador observador (indicado pela terceira pessoa)
Presença do enredo: sequência de fatos que mantém entre si relação de
causa e efeito. O elemento mais importante do enredo é o conflito, ou
seja, aquilo que causa surpresa, inquietação, indignação, reflexão,
debate, polêmica, medo, enfim, que desperta a atenção do leitor.
Identificar com os alunos as partes do enredo do conto "Uma
Galinha":
Introdução: onde são apresentados os fatos iniciais, as
personagens e, às vezes o tempo e o espaço.
Desenvolvimento: são apresentados ações que ilustram o conflito,
o clímax, o momento de maior tensão da história.
Desfecho/Conclusão: refere-se ao final da história e pode
apresentar a solução do conflito ou a mudança no modo de agir e
pensar do protagonista.
Etapa 4: (Duração 20') Fazer a análise do conto "Uma galinha"
juntamente com os alunos, evidenciando as seguintes características acerca
do conto:
O conto pode ser considerado um texto figurativo pois simula o mundo
por meio das figuras da galinha, do ovo e do dono da casa, que são
termos concretos, isto é, remetem a algo presente no mundo natural
No texto há palavras e expressões que se aplicam à personagem
galinha, mas que servem para caracterizar o sexo feminino. Nesse
sentido, percebe-se que Clarice Lispector se utiliza tanto da figura da
galinha quanto da figura do ovo para caracterizar o olhar que a
sociedade tem da figura da mulher. A galinha é a representação da
mulher enquanto ser passivo e doméstico que deve atender às
necessidades do homem no sentido de lhe dar prazer e de procriação da
espécie humana.
Etapa 5: (Duração 5') Apresentar a síntese da biografia de Clarice
Lispector, orientando aos alunos para fazerem a leitura do texto complementar
com a síntese biográfica da autora (Anexo II) além de complementar seus
conhecimentos buscando posteriormente, pesquisas na internet. Destacar a
característica da autora de investigação existencial, que é a tônica da maioria
de seus textos assim como a problemática social. Salientar a importância de
seus contos, que alguns críticos consideram a parte mais importante de sua
produção.
PARTE 2: Contexto Prático: Elaboração de uma atividade interpretativa
a ser desenvolvida pelo aluno em sala de aula.
Atividades propostas para resolução em sala de aula (Duração de 35' a
40')
1) Observe os recortes abaixo. Eles foram retirados de uma revista
feminina chamada "Jornal das Moças" publicado em maio 1914. Leia um
trecho do quadro "O que a mulher deve ser" e após, comente o que se pede.
Fonte: JORNAL DAS MOÇAS, maio de 1914.
Após a leitura do recorte, é possível fazer uma análise do contexto social
em que viviam as mulheres na época? Como você descreveria o perfil cultural
delas? As mulheres eram independentes? Qual era o principal interesse do
artigo? Justifique suas respostas.
2) Como vimos, o conto "Uma galinha" pode ser considerado um texto
figurativo, pois estabelece um paralelismo com o mundo real por meio das
figuras da galinha, do ovo e do dono da casa. Este conto é parte integrante do
livro Laços de Família de Clarice Lispector e foi publicado em 1960. Clarice
Lispector é apontada como a primeira escritora da literatura brasileira a dar voz
à condição feminina na sociedade. Nesse texto, é possível perceber alguns
aspectos da condição da mulher dos anos 60? Quais aspectos seriam esses?
Na sua opinião, houve mudança no contexto social e cultural do papel da
mulher na sociedade em comparação com a época de 1914? Na sua
interpretação, qual teria sido a intenção da autora ao usar o simbolismo da
galinha e do ovo no texto? Justifique suas opiniões.
Análise esperada: O significado seria que a galinha representa as
mulheres da década de 60. Isso se deve ao fato da transformação da galinha
ao decorrer da narrativa. Começa se achando livre, sem nenhum tipo de
amarras sociais. Em seguida, passa a ter que fugir. E, ao final, é presa
novamente e morta.
Essa análise pode ser inferida por vários adjetivos utilizados para se
referir à galinha, mas que serviriam para a mulher da época. Uma mulher
hesitante, trêmula e passiva e que, por vezes, pensa em seguir novos rumos.
Além disso, o momento do “nascimento” do ovo traz uma aparente mudança
brusca na história. A família começa a enxergar a galinha de outra forma. É a
mesma coisa da mulher com a sociedade, que era vista de outra maneira a
partir do momento em que dava herdeiros ao marido.
3) Agora, leia o artigo do jornal "Folha de S. Paulo" publicado no último
dia 28 de outubro.
No Brasil de Dilma Rousseff, mulher não vai
bem, aponta estudo Triste coincidência: 24 horas após a
mulher, Dilma Rousseff, ter sido reeleita
para a Presidência do Brasil, sai o ranking
de "Abismo de Gênero", compilado pelo
Fórum Econômico Mundial, e o Brasil cai
nove posições em relação ao ano anterior.
O país ocupa agora a 71ª colocação, na
exata metade de uma tabela de 142 países.
O ranking busca avaliar como esses 142
países estão distribuindo os recursos e
oportunidades entre homens e mulheres.
Cobre quatro grandes áreas: participação e
oportunidades econômicas, o que inclui
salários e liderança; educação (acesso aos
níveis básico e superior de educação);
"empoderamento" político (representação
de homens e mulheres nas estruturas de
decisão); e saúde e expectativa de vida.
Uma segunda triste ironia: o Brasil vai
mal exatamente no campo em que Dilma
se destacou, a política.
Se, no ranking geral, o Brasil é o 71º
colocado, na participação política da
mulher ocupa apenas a 74º colocação.
Em pontos: no geral, a pontuação do
Brasil é o 694, em que 1 é a igualdade
total homem/mulher, e o, obviamente, o
total desigualdade. Na política, a
pontuação abrasileira é de apenas 0,148.
Pior ainda é o abismo de gênero no campo
da economia, em que Dilma também é
ativa, como economista: o seu país cai
para o 81º lugar.
Nas duas outras áreas (educação e saúde),
no entanto, o Brasil vai muito bem, com
absoluta igualdade entre homens e
mulheres tanto em expectativa de vida
como em alfabetização e matrículas nos
três níveis de ensino.
Fonte: Jornal Folha de S. Paulo, 28 out. 2014
Com base na leitura do artigo, é possível fazer uma relação entre a
condição da mulher nos dias atuais com o conto "Uma galinha" de Clarice
Lispector? A simbologia utilizada pela autora ao representar a condição da
mulher poderia ser aplicada na condição da mulher de nossos dias? Escreva a
respeito justificando suas opiniões.
AVALIAÇÃO
Deverá ocorrer durante toda a aula onde o professor deverá refletir
sobre:
- As estratégias utilizadas permitiram o alcance dos objetivos propostos?
- Há algo no planejamento que precisa ser repensado e alterado?
- O que deu certo? Por quê?
- O que deu errado? Por quê?
REFERÊNCIAS
BRADESCO, Fundação. Oficina de Códigos e Linguagens: Ensino Médio. Osasco: Fundação Bradesco: 2009 NOVA ESCOLA ONLINE. Literatura na escola - 8º ano: Conto de Clarice Lispector. Disponível em: < http://www.gentequeeduca.org.br/planos-de-aula/literatura-na-escola-8o-ano-conto-de-clarice-lispector>. Acesso em: 10/11/2014 .
CONTOS para Jovens e Adultos. Revista Nova Escola. São Paulo: Abril, Edição Especial. Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-2/clarice-lispector-investigadora-intimidades-634376.shtml). Acesso em 10/11/2014. FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto/ EDUSP, 1990. OBJETIVO. Português: Livro do Professor, 2ª série. Ensino Médio. Caderno 4. 2014 JORNAL DAS MOÇAS. O que a mulher deve ser. Rio de Janeiro, v.1, n.1, 21 mai. 1914. Disponível em: < http://memoria.bn.br/pdf2/111031/per111031_1914 _00001.pdf>. Acesso em 10/11/2014 ROSSI, Clóvis. No Brasil de Dilma Rousseff, mulher não vai bem, aponta estudo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 28 out. 2014. Disponível em: <
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/10/1539286-no-brasil-de-dilma-rousseff-mulher-nao-vai-bem-aponta-estudo.shtml>. Acesso em 12/11/2014. ANEXOS ANEXO I : Texto "Uma Galinha" Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio. Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto voo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou — o tempo da cozinheira dar um grito — e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro voo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada
viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão da rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais ínfima que fosse a presa o grito de conquista havia soado. Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre. Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma. Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou-a. Entre gritos e penas, ela foi presa. Em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos. Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu a tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos: — Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem! Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre, nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão: — Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida! — Eu também! jurou a menina com ardor. A mãe, cansada, deu de ombros. Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a de apatia e a do sobressalto. Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga — e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado. Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão
de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho — era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos. Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.
ANEXO II - Síntese biográfica de Clarice Lispector.