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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL Planeta Terra, Cidade Porto Alegre: uma etnografia entre internautas. Dissertação de Mestrado Jonatas Dornelles Orientador: Dra. Cornelia Eckert Porto Alegre, dezembro de 2003.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

Planeta Terra, Cidade Porto Alegre:

uma etnografia entre internautas.

Dissertação de Mestrado

Jonatas Dornelles

Orientador: Dra. Cornelia Eckert

Porto Alegre, dezembro de 2003.

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Resumo

Estudo de Antropologia Social elaborado a partir de uma pesquisa feita com

um grupo que utiliza um chat de Internet como forma de sociabilidade. Reflete sobre

a relação entre o homem e as Novas Tecnologias, assim como a cultura local e a

Globalização. A sociabilidade virtual é vista em constante relação com a cidade de

Porto Alegre. É investigada a relação da imagem digital com a interação social. A

pesquisa também procura contribuir à reflexão sobre o papel da Antropologia diante

de fenômenos sociais contemporâneos.

Palavras-chave: antropologia urbana, sociabilidade virtual, novas tecnologias, chat,

Internet e globalização.

Abstract

Study of Social Anthropology elaborated from a research done with a group

that uses a Internet chat as a sociability form. It contemplates about the relationship

between the man and the New Technologies, as well as the local culture and global

involvement. The virtual sociability is seen in constant relationship with the city of

Porto Alegre. The relationship of the digital image is investigated with the social

interaction. The research also tries to contribute to the reflection on the paper of the

Anthropology before contemporary social phenomenons.

Word-key: urban anthropology, sociability virtual, new technologies, Internet chat and

global involvement.

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Agradecimentos

Agradeço aos professores do

Programa de Pós-Graduação em

Antropologia Social da UFRGS por

acreditarem na minha capacidade

acadêmica. Agradeço à Professora Doutora

Cornelia Eckert, Chica, por me conduzir no

processo de maturidade acadêmica. Assim

como a Professora Doutora Ana Luiza

Carvalho da Rocha, que muito me

aconselhou. Também agradeço previamente

aos membros da banca de avaliação, pelo

compromisso assumido em mostrar meus

erros e acertos.

Agradeço aos colegas do curso,

lembrando especialmente dos momentos de

sociabilidade cultivados. Agradeço ao colega

Iosvaldir, por compartilhar sua biblioteca, e

ao amigo Valcir, pelo companheirismo.

Agradeço especialmente aos internautas

conhecidos em trabalho de campo, já que

possibilitaram pensar a respeito de suas

experiências.

Agradeço à pessoa que é a primavera

do meu inverno: minha eterna namorada,

Ana. E agradeço à pessoa que é a luz que

me ilumina, a brisa que me inspira e a rocha

que me apóia:

Dona Elaci, minha mãe.

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Índice Planeta Terra, Cidade Tóquio... ...............................................................................................................6 Introdução.................................................................................................................................................7 Navegando nos conceitos e estudos teóricos........................................................................................10

Breve panorama.................................................................................................................................10 Cibercultura, modernidade, pós-modernidade e globalização ..........................................................12 Sociabilidade......................................................................................................................................17 Técnica e virtualidade ........................................................................................................................21 Pólos distintos ....................................................................................................................................22 Sincronia e assincronia......................................................................................................................23 Sociabilidade virtual ...........................................................................................................................25 Para pensar as novas tecnologias, o virtual e o ciberespaço ...........................................................28 A importância da tela do monitor .......................................................................................................32 O poder da imagem ...........................................................................................................................33 Quando a cidade é o campo..............................................................................................................35 Sobre o "Ficar" ...................................................................................................................................39

Metodologia ............................................................................................................................................41

O que já tinha sido acumulado ..........................................................................................................42 A continuação ....................................................................................................................................44 Alguns objetivos .................................................................................................................................46

CD-ROM.................................................................................................................................................48 Onde estaremos.....................................................................................................................................49

Origem ...............................................................................................................................................49 O mapa atual......................................................................................................................................50 O início do progresso e os primeiros anos do século XX..................................................................55 Décadas de 30, 40 e 50.....................................................................................................................58 Décadas de 60 e 70...........................................................................................................................60 Décadas de 80 e 90...........................................................................................................................61

Cartografia do espaço utilizado pelo grupo estudado............................................................................67

Os elementos presentes no ambiente de chat ..................................................................................68 Sobre a identificação..........................................................................................................................69 Dentro do chat....................................................................................................................................69 Formas de teclar ................................................................................................................................70 Formas de aproximação ....................................................................................................................71 Criando, interpretando e imaginando.................................................................................................72

O surgimento do freqüentador de chat ..................................................................................................74

Organização em rede.........................................................................................................................79 Vivência cotidiana on-line.......................................................................................................................86

Linguagem escrita - chatonês............................................................................................................86 Nicknames (nick)................................................................................................................................88 As descrições pessoais .....................................................................................................................92 A busca de "fotos"..............................................................................................................................94 Tipos de procura ................................................................................................................................96 Questão de gênero ............................................................................................................................98 A busca de afinidades e identificações comuns, enturmar-se ........................................................102 A turma, um lugar de troca de confidências ....................................................................................104 Os encontros....................................................................................................................................107 A relação entre os modos aberto e reservado.................................................................................112 Popularidade como um valor buscado no chat................................................................................115 As declarações amorosas, os romances, o sexo ............................................................................117 Conflitos e disputas dentro do chat..................................................................................................119 Estar no chat, estar se divertindo ....................................................................................................122 Os anti-sociais do chat.....................................................................................................................123

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O chat como um local de divulgação ou onde se busca informações.............................................125 O chat como um espaço ..................................................................................................................126 O chat e a cidade de Porto Alegre...................................................................................................127 Estreitamento das dimensões on e off-line......................................................................................128 O estranhamento do chat ................................................................................................................129

Vivência cotidiana off-line.....................................................................................................................131

Encontros das redes ........................................................................................................................131 Rixas e pequenas redes ..................................................................................................................145

O perfil da "POA B" ..............................................................................................................................148

Antigos e novos................................................................................................................................150 A importância do perfil .....................................................................................................................151 Qualitativo e quantitativo, questionário e universo ..........................................................................152 A turma da sala B.............................................................................................................................154 Idade ................................................................................................................................................154 O que faz da vida (se trabalha, estuda)...........................................................................................155 De onde "tecla" ................................................................................................................................155 Bebida preferida...............................................................................................................................156 Tipo de música preferida, banda... ..................................................................................................158 Onde costuma ir em Porto Alegre....................................................................................................159 Onde está se não está no chat ........................................................................................................163 Momento de acesso ao chat............................................................................................................163 Quantos dedos usa para "teclar" .....................................................................................................164 Mora com quem ...............................................................................................................................166 Primeira pessoa que conheceu na sala "B".....................................................................................167 Como ingressou na rede..................................................................................................................168 Chat que freqüentava antes de ingressar na rede ..........................................................................169 O que mudou na vida.......................................................................................................................170 Momento inesquecível na "POA B" .................................................................................................171 Imagem do grupo.............................................................................................................................176

A apropriação do chat como lugar de sociabilidade e ponto de encontro da turma............................177

O problema ......................................................................................................................................177 A solução .........................................................................................................................................178 Território e identificação...................................................................................................................182

A apropriação de circuitos e trajetos da cidade como lugares de sociabilidade e pontos de encontro da turma ...............................................................................................................................................183 O ciberespaço como uma ampliação/continuação do espaço da cidade e ponto de encontro para o cultivo da sociabilidade ........................................................................................................................185 O ciberespaço como um lugar de sociabilidade que proporciona à pessoa uma experiência prazerosa..............................................................................................................................................186 O ciberespaço como um lugar de manifestação do "eu" e encontro com o "outro" ............................187 Desejo de descoberta ..........................................................................................................................188 Agora ....................................................................................................................................................190 Antropologia "na" e "da" internet ..........................................................................................................192

Na Internet .......................................................................................................................................192 Da Internet .......................................................................................................................................195 O antropólogo na Internet ................................................................................................................196

Conclusão.............................................................................................................................................198

Sobre sociabilidade virtual ...............................................................................................................199 Virtual e real .....................................................................................................................................199 Simulação ........................................................................................................................................200 Origem do chat.................................................................................................................................202

Bibliografia............................................................................................................................................204

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Planeta Terra, Cidade Tóquio...

"...como todas as metrópoles, Tóquio se acha hoje em

desvantagem na sua luta contra o maior inimigo do homem - a

poluição. Apesar dos esforços das autoridades de todo o mundo,

pode acontecer um dia que a terra, o ar as águas venham a se tornar

letais para toda e qualquer forma de vida .Quem poderá interferir??

S P E C T R O M A N !"

Era assim que iniciava um seriado japonês de televisão chamado de

Spectroman. Uma voz em off narrava essa passagem. O seriado foi produzido na

década de setenta. Ele retratava a antiga luta entre o bem e o mal. O mal era

encarnado na figura do Dr. Gori. Ele era um macaco-mutante que ficava em uma

espaçonave. Freqüentemente ele enviava ao Planeta Terra monstros gigantes. A

sua intenção era dominar o planeta, ou talvez destrui-lo. Nunca entendi muito bem

os seus propósitos.

Quando o monstro começava a destruir a cidade de Tóquio, o super-herói

entrava em ação. O Spectroman era um homem que se transformava em um robô

gigante. A transformação se processava quando ele levantava seu braço direito e

proferia: Dominantes, às ordens! O seriado foi produzido em uma época que

borbulhavam produções mostrando a convivência entre homens, robôs e cyborgs.

Em alguns casos, como é o do Spectroman, mostrava-se a existência de um

homem-máquina.

Trinta anos depois o "homem-máquina" aparece com outras formas. O

aspecto humanóide deixou de existir. Ao invés disso são organismos formados por

uma mistura entre braços, teclado, cabeça, monitor, cérebro, cpu... Todos

interconectados e podendo trocar informações em frações de segundo, mesmo

estando em lados opostos do planeta.

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Introdução

O mundo contemporâneo nos trouxe uma série de transformações. São

tantas que não haveria aqui espaço para enumerá-las, talvez nem metade.

Buscando o epicentro das transformações, talvez encontrássemos um elemento

comum, que é o avanço maciço da tecnologia. Para boa parte dos seres humanos a

tecnologia tomou conta de várias dimensões da vida. Com o avanço dos meios de

comunicação, o próprio contato interpessoal se modificou. Interações que antes

necessitavam de um contato face a face, atualmente podem ser feitas a quilômetros

de distância. Nesse processo se insere o fenômeno de sociabilidade via computador,

que hoje em dia cada vez mais se torna algo comum e praticado por um número

crescente de pessoas.

Classicamente, a Antropologia se interessou pelo estudo de diferentes

culturas e fenômenos sociais envolvidos. No conjunto de temas de interesse da

antropologia sempre esteve presente o estudo das formas de associação humana.

Estudando a sociabilidade humana, a antropologia se preocupou em responder o

que une os indivíduos e de que maneira a união se processa. Até pouco tempo atrás

a sociabilidade privilegiadamente era praticada no encontro face a face entre

indivíduos. Emergiu, na última década, uma forma de interação inusitada, onde o

contato se processa via máquinas/computadores. Não é somente uma nova forma

de comunicação, mas sim a possibilidade de se sociabilizar a partir de um contato

face a tela (de computador).

Estudos que contemplem a relação entre as pessoas e as novas tecnologias

são importantes de uma maneira geral e principalmente para a antropologia. À

disciplina interessa investigar a relação dos indivíduos com essa nova dimensão da

vivência humana. Devemos buscar um entendimento sobre qual o sentido atribuído

a esse tipo de interação e em que medida isso se apresenta para as pessoas

envolvidas.

O Tema dessa dissertação de mestrado trata da sociabilidade que se forma e

se mantém mediante o contato de pessoas via Internet1 (on-line), através de

1 Nome dado à rede mundial de computadores. On-line é quando se está conectado à Internet. Esse termo de origem inglesa, assim como outros aqui apresentados, não receberão formatação destacada pois já foram aportuguesados e são apresentados no "Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa" (Ferreira, 1999).

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computadores. A especificidade dessa forma de sociabilidade está nela ocorrer sem

o contato pessoal face a face (off-line) e em um espaço virtual onde há o

deslocamento tempo-espacial, formando o Ciberespaço2. Investiga-se a

sociabilidade que ocorre em ambiente virtual de chat3 (sala de bate-papo da

Internet). Constituído no ciberespaço, o chat comporta o encontro de pessoas

fisicamente distantes. Compartilhando de uma mesma imagem visualizada pela tela

do computador, as pessoas trocam mensagens escritas de modo sincrônico. Ocorre

nesse processo a construção de um convívio social cotidiano e regular. Diante desse

panorama cabem estudos que explorem de que maneira são afetadas a interação

social, a concepção de cotidiano, de tempo e de espaço, as novas formas de

linguagem e as performances. A pesquisa está inserida na discussão sobre formas

contemporâneas de interação social associadas às novas tecnologias midiáticas.

Explorar esse tema a partir do ponto de vista antropológico significa dar a ele

um trato qualitativo. Quantitativamente, as estatísticas mostram o avanço da

utilização da informática e da Internet. Entretanto, não mostram como a tecnologia é

diversamente re-significada e simbolicamente apropriada. A partir de uma

metodologia antropológica e da construção de alteridade, investigo as

transformações comportamentais as quais passam os indivíduos envolvidos com

esse sistema de comunicação.

Cabe à Antropologia responder de que maneira um grupo se forma e se

mantém modernamente com uma interação essencialmente feita por máquinas, com

uma comunicação sincrônica e visual, a partir de telas de monitores e

compartilhando de mensagens de texto. Pesquisar antropologicamente esse tema

significa relativizar sobre o mundo chamado de "moderno e globalizado" e a

presença das novas tecnologias nos cotidianos dos indivíduos.

A pesquisa teve como objetivo central etnografar o ciberespaço identificado

com a cidade de Porto Alegre. Procuro mostrar os valores que são negociados na

interação no ciberespaço e interpretar de que maneira os indivíduos organizam suas

vidas a partir de então. Foi preciso relacionar as vivências on e off-line do

freqüentador de chat, refletindo sobre os seus mútuos impactos. Também foi preciso

2 Pierre Lévy desenvolve esse conceito em: Lévy, 1996. 3 Embora ser de origem inglesa, essa palavra não virá em itálico porque já foi aportuguesada e aparece em edições recentes de dicionários da língua portuguesa.

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explorar de que maneira o chat era arquitetado, vindo a se constituir em um espaço

de trocas simbólicas.

A importância desse tipo de estudo está nele explorar uma das formas

contemporâneas de interação social. Atualmente está havendo um fenômeno de

formação de redes sociais virtuais. As características desse tipo de interação –

potencialização da autonomia, imediatismo, maior abrangência do compartilhamento

da informação, desconexão entre tempo e espaço, entre outras – propiciam aos

indivíduos condições inéditas de organização social. A pesquisa contribui no

processo de conhecimento sobre o mundo moderno, fortemente individualizado e

sofrendo, paradoxalmente, processos de globalização e regionalização.

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Navegando nos conceitos e estudos teóricos

Através de um estranhamento sobre uma forma de sociabilidade composta de

elementos novos em relação àqueles classicamente identificados, esperamos

contribuir para a discussão sobre o fenômeno de sociabilidade. A reflexão trazida

nesse estudo baseia-se em teorias reconhecidas no mundo acadêmico. Antes de

mais nada é preciso rever brevemente os conceitos que estarão presentes nesse

esforço descritivo e interpretativo.

Breve panorama

A sociedade ocidental moderna está intimamente associada a avanços

tecnológicos. Com eles tivemos transformações marcantes na evolução da

humanidade. Tivemos com a revolução industrial uma transformação marcante nas

relações sociais. Passando pela linha de tempo do século XX teríamos ainda uma

série de exemplos da associação estreita entre avanços tecnológicos e

transformações nas relações sociais. Porém devemos avaliar com cuidado essa

relação. Cabe aqui a proposta de Dominique Wolton (2000). Ele questiona a

afirmativa de que a Internet mudará radicalmente as relações humanas. Para este

autor, a relação entre sistema técnico, modelo cultural e projeto de organização

social permite compreender o papel da comunicação em uma dada época histórica.

Ele questiona a relação entre o meio material da comunicação (técnica), com o

projeto social e o modelo cultural. Para ele essas três partes estiveram presentes na

história de maneira relativamente autônoma.

Os momentos em que há uma estreita relação são escassos. Dominique

Wolton não acredita que as revoluções tecnológicas levarão a uma "nova sociedade"

(achar que haverá uma relação de causa e efeito entre as duas é coisa do

determinismo tecnológico). Ele separa técnica, cultura e sociedade, e considera que

a inovação da estrutura tecnológica, que sempre é mais rápida que a inovação da

estrutura cultural e social, irá transformar a situação da sociedade como um todo. De

qualquer forma, partimos do pressuposto de que atualmente a sociedade ocidental é

marcada pelo avanço da "informação automática" - informática.

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A sociedade ocidental de agora se auto intitula como "sociedade da

informação". A definição de Joël de Rosnay (1999) sobre "sociedade informacional"

é apropriada nesse momento:

"Com o advento do tratamento eletrônico das informações, da digitalização dos dados,

e com o desenvolvimento as redes interativas de comunicação, as referências clássicas

despedaçaram-se. Às três unidades (de lugar, de tempo e de função), opõem-se a

descentralização das tarefas, a dessincronização das atividades e a desmaterialização as

trocas." (Rosnay, 1999: 217)

A informação tornou-se uma moeda valiosa no mundo moderno. O acesso a

ela é facilitado pela massificação dos computadores pessoais. Junto também temos

a formação de uma rede mundial interconectando esses computadores, o que faz a

informação percorrer grandes distâncias em pequeno tempo. É um panorama

caracterizado pela presença das novas tecnologias comunicacionais, incluindo a

Internet. Como ela é um meio de comunicação potente, proporciona uma forte

aproximação entre os indivíduos. Joël de Rosnay argumenta que na sociedade

informacional há uma emergência das pessoas. Em cada nó da rede, em cada

computador pessoal há uma pessoa criadora, produtora e consumidora dos atuais

instrumentos interativos (Rosnay, 1999).

Lúcia Santaella defende que atualmente há um crescimento acelerado da

"semiosfera" (Santaella, 1996: 185). Ela chama de semiosfera algo como se fosse a

biosfera. Uma "esfera" onde há o predomínio da comunicação humana gerada pela

sua capacidade simbólica. O crescimento da semiosfera está atrelado às novas

tecnologias, que favorecem a expansão dos canais de comunicação.

Conseqüentemente, aumenta o trânsito de mensagens e a produção de linguagens

e signos (elementos componentes das mensagens).

Dominique Wolton cita as três características das novas tecnologias

(materializadas na Internet): autonomia, organização e velocidade. Com autonomia

ele se refere ao fato do indivíduo sentir a liberdade de obter resultados

independentemente de outros. Se alguém quer, por exemplo, "navegar" na Internet

em busca de alguma informação, o faz sem intermediários. Todos "fazem o que

querem e quando querem" (Wolton, 2000: 96). E ainda por cima, fazem isso em

tempo real, o que dá um sensação de liberdade inédita. Existe uma possibilidade

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ampla e quase infinita de criação individual da informação buscada em bancos de

dados. As pessoas podem acessar, em tempo real, bancos de dados contendo

informações que estão a quilômetros de distância física e distantes também

culturalmente. Dessa forma criam, autonomamente, seu próprio conhecimento. Tudo

isso está atrelado a uma condição sine qua non propiciada pela extrema

organização da informação. E ainda, a velocidade, que se traduz na expressão "em

tempo real".

A Internet possibilita a massificação da tecnologia de transmissão de

informações. Aliada a esse processo de massificação existe um movimento social.

Esse movimento de associação entre tecnologia e sociabilidade passou a fazer parte

do cotidiano de milhões de pessoas nos últimos anos, característica própria de uma

"cibercultura4".

Cibercultura, modernidade, pós-modernidade e globalização

A cibercultura está intimamente ligada a uma era pós-moderna. Sua principal

característica é relacionar a universalidade sem a totalidade de sentido. É uma

situação diferente da que caracterizava a era moderna, onde a crescente

globalização sinalizava para uma unidade de sentido, ou seja, um universal

totalizador. É preciso retomar aqui o processo que resultou no surgimento da

cibercultura. Mesmo sendo "pós-moderna" ela ainda carrega os princípios

"modernos", ao que Pierre Lévy justifica colocando que:

"Na era das mídias eletrônicas, a igualdade é realizada enquanto possibilidade para que

cada um emita para todos; a liberdade é objetivada por meio de programas de codificação e do

acesso transfronteiriço a diversas comunidades virtuais; a fraternidade, enfim, transparece na

interconexão mundial." (Lévy, 1999: 245)

Para Anthony Giddens o período da modernidade, que iniciou a partir do

século XVII em território Europeu, trouxe transformações inéditas ao convívio social.

Extensionalmente houve a cobertura do globo por formas de interconexão social. Em

termos intencionais "elas vieram a alterar algumas das mais íntimas e pessoais

características de nossa existência cotidiana" (Giddens, 1991: 14). As condições de

transformação na modernidade são mais dinâmicas do que em situações pré-

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modernas. "Se isto é talvez mais óbvio no que toca à tecnologia, permeia também

todas as outras esferas" (Giddens, 1991: 15).

A idéia de modernidade está associada a um sentido de descontinuidade do

tempo. Ela rompe com a tradição e se caracteriza pelo sentimento de novidade e

sensibilidade para com a natureza contingente, efêmera e fugaz do presente. Como

resultado surge um homem moderno que constantemente tenta inventar a si próprio

(Featherstone, 1995: 21). Teoricamente, temos o avanço de teorias que tentavam

dar conta da dimensão cotidiana da vida urbana, tais como as de Georg Simmel

(1939) e Walter Benjamin (1994). Os espaços urbanos eram os nichos onde se

desenvolvia a vida moderna.

A modernidade é caracterizada por diferenças cruciais no lido humano com o

tempo e o espaço. Em períodos pré-modernos o tempo era marcado e contato, mas

estava sempre condicionado ao espaço ("quando" e "onde" estavam conectados). O

invento e, virtualmente, a difusão do relógio à todos os seres humanos no final do

século XVIII foi a significação chave para a separação entre tempo e espaço

(Giddens, 1991: 26). Como resultado, e ainda seguindo a proposta de Anthony

Giddens, houve um esvaziamento do tempo e do espaço.

Anthony Giddens argumenta que no período pré-moderno tempo e espaço

eram duas dimensões ligadas. A atividade humana era desenvolvida em um tempo e

o espaço compunha todas as variáveis envolvidas. Existia um espaço físico que

embasava a atividade social desenvolvida na sucessão temporal. O sentido de

espaço, nesse caso, se aproxima do de lugar, local, já que estamos diante da

"presença" como condição para o desenrolar da vida social.

A modernidade arranca o tempo do espaço. Com a modernidade cada vez

mais as relações sociais se dão entre "ausentes" que estão distantes de qualquer

interação face a face. Anthony Giddens defende que os pesquisadores deveriam

estudar não a sociedade como um sistema fechado, mas como a vida social é

ordenada através da relação tempo e espaço, refletindo sobre o distanciamento das

duas esferas. Essa relação se traduz na dicotomia entre interação local (co-

presença) e interação através de distância (Giddens, 1991: 69). Como resultado

tem-se o "alongamento" da relação entre formas sociais e eventos locais.

4 Uma discussão extensa sobre o tema "cibercultura" está em: Lévy, 1999.

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Sobre esse "alongamento", Anthony Giddens se refere como sendo

característico de um movimento de globalização. Para ele esse fenômeno pode ser

definido como sendo "a intensificação das relações sociais em escala mundial, que

ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados

por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa." (Giddens, 1991:

70)

A relação entre globalização e cultura é vista por Mike Featherstone (1997)

como gerando dois processos. Primeiramente há a formação de uma "cultura

dominante" que é estendida sobre os vários cantos do globo terrestre. As culturas

heterogêneas são incorporadas por essa. Por outro lado há a compreensão de

culturas diferentes. Coisas antes separadas são agora colocadas em contato. Ele

acredita que, se houver uma sociedade global, o impulso provém dos avanços

tecnológicos e da economia. Temos como exemplos os avanços dos meios de

transporte e de comunicação.

Ambos resultam na "unificação de maiores extensões de tempo-espaço, não

apenas em nível intrassocietário, mas, cada vez mais, em nível intersocietário e

global" (Featherstone, 1997: 22). Mike Featherstone argumenta que hoje em dia os

meios de comunicação prezam pela dialogia. Os anteriores (televisão e rádio, por

exemplo) operavam um tipo de comunicação monológica. Os meios de comunicação

contemporâneos (telefone, fax, rede de computadores/Internet) possibilitam a

interatividade, o que faz com que pessoas distantes no globo terrestre entrem em

contato. O que nos remete à proposta de Anthony Giddens, que vê na relação entre

o local e o global um das características da pós-modernidade.

Para Mike Featherstone a pós-modernidade afeta epistemologicamente a

sociologia. A ciência social deixaria de lado a sua pretensão generalizante. A

atenção seria dada sobre o modo como as teorias são construídas, seus

pressupostos ocultos e a autoridade do pesquisador, que nesse caso se vê

questionado sobre sua autoridade. Essa é uma primeira dimensão afetada. As

outras duas são: a esfera cultural mais ampla e a vida cotidiana de grupos

específicos.

O pós-modernismo trás mudanças nos modos de produção, consumo e

circulação de bens simbólicos, o que se aproxima da idéia defendida por Baudrillard,

de um princípio de reprodução ao invés de produção: "Baudrillard (1983a) destaca

que novas formas de tecnologia e informação tornam-se fundamentais para a

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passagem de uma ordem social produtiva para uma reprodutiva, na qual as

simulações e modelos cada vez mais constituem o mundo, de modo a apagar a

distinção entre realidade e aparência" (Featherstone 1995: 20).

Mike Featherstone aponta para as mudanças de experiências cotidianas de

diferentes grupos. Como resultado eles podem "estar desenvolvendo novos meios

de orientação e estruturas de identidade" (Featherstone, 1995: 30). Ainda sobre as

mudanças das práticas de vivência temos a "estetização da vida cotidiana". Nela

existe um apagamento entre o real e o imaginário, entre o cotidiano e a arte. Antes

havia uma nítida separação entre ambos. Ele coloca que esse é o panorama em que

se desenvolve a "cultura simulacional", contemporânea a nós.

Para Pierre Lévy (1999), a relação entre universal e totalidade traduz as

transformações na sociedade ocidental. Se levarmos em conta essas duas variáveis

podemos estabelecer claramente a essência de uma época moderna e outra pós-

moderna. A base da diferença entre ambas está na relação dos seres humanos com

os sentidos culturalmente diversos. Segundo ele, a modernidade foi permeada por

uma crescente globalização e uma busca de imposição de unidade de sentido. Ela

aspirava à universalidade e à totalidade. A pós-modernidade mostrou ser impossível

essa unidade de sentido entre os seres humanos. Ela se constitui sobre os princípios

de universalidade sem totalidade. O que, para Pierre Lévy, irá constituir uma "cultura

do futuro", que atualmente é materializada em uma cibercultura embasada em um

ciberespaço.

A cibercultura expressa uma mutação fundamental da própria essência da

cultura e está longe de ser uma subcultura dos fanáticos pela rede. Com essa

definição básica, Pierre Lévy (1999) defende seu posicionamento sobre a relação

entre cibercultura e ciberespaço (a rede propriamente dita). Para ele, a "cultura do

futuro" será caracterizada pela universalidade sem totalidade. Por universal deve-se

entender, segundo ele, a presença virtual da humanidade para si mesma.

Tanto religião quanto ciência aspiraram à universalidade. A primeira através

de seus valores, a segunda através do conhecimento da humanidade. "Da mesma

forma, o horizonte de um ciberespaço que temos como universalista é o de

interconectar todos os bípedes falantes e fazê-los participar da inteligência coletiva

da espécie no seio de um meio ubiqüitário" (Lévy, 1999: 247). Longe do que

aparenta para o senso comum, o autor sustenta que o ciberespaço reúne as

pessoas de uma forma muito menos virtual do que a religião e a ciência. A primeira

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une os indivíduos através da transcendência espiritual, a segunda pela

transcendência do conhecimento. Já no ciberespaço - e o conjunto de tecnologias

que o envolvem - a integração é real, palpável e imanente.

Pierre Lévy (2001) argumenta que, historicamente, universalidade e totalidade

ocorreram de forma variada em três etapas. Primeiramente quando ainda não existia

a escrita. As sociedades eram fechadas e pequenas. Havia uma totalidade sem

universalidade. Secundariamente, em sociedades imperialistas e usuárias da

escrita. Nesse caso havia um universal totalizante. Atualmente há uma globalização

concreta das sociedades e através da cibercultura existe um universal sem

totalidade. Embora unir vários cantos do mundo e diversas culturas diferentes, o

ciberespaço e a cibercultura não conseguem impor a unidade de sentido. O que nos

faz concluir que esse é um fenômeno essencialmente pós-moderno, já que a

modernidade presenciou uma globalização com objetivos totalizantes.

Com os avanços tecnológicos e a geração do ciberespaço, atualmente há

uma comunidade virtual desigual e conflitante. "Única em seu gênero no reino

animal, a humanidade reúne toda a sua espécie em uma única sociedade. Mas, ao

mesmo tempo, e paradoxalmente, a unidade do sentido se quebra, talvez porque ela

comece a se realizar na prática, pelo contato e a interação efetivos" (Lévy, 1999:

249). Algo que se aproxima da proposta de Dominique Wolton (2000) quando chama

a atenção para a necessidade de separarmos globalização econômica de

comunicação.

Ele afirma que quanto maior e mais ampla a rede de comunicação mundial,

mais existe a necessidade de se respeitar as fronteiras culturais de cada sociedade.

Existe uma distância que é intransponível mesmo com os diversos avanços

tecnológicos no campo das comunicações, que é a distância cultural. Aliás, essa

distância torna-se cada vez maior quando se coloca em contato, via meios de

comunicação, culturas diversas. "Isto requer trabalhar em duas direções de forma

simultânea: respeitar as identidades e desenvolver um projeto mais amplo que

transcenda as diferenças" (Wolton, 2000: 220).

As propostas desses dois pesquisadores podem ser visualizadas na vivência

cotidiana das pessoas e suas relações com o ciberespaço. Materialmente essa

relação se concretiza no envolvimento com a informática e a Internet. Esse

envolvimento pode gerar diversas dimensões. As novas tecnologias propiciaram o

surgimento de novas profissões, metodologias educacionais, busca de informações,

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produção de conhecimento, integração acadêmica, enfim, onde há computadores e

Internet borbulham novos usos para a tecnologia. Entretanto, há uma dimensão que

está intimamente ligada ao cotidiano das pessoas que vivem esse processo de

informatização: é a sociabilidade virtual.

Sociabilidade

Três séculos antes de Cristo, Aristóteles já afirmava que o que diferenciava os

homens do resto dos animais é a propensão à socialização. Com August Comte

essa idéia está presente na fundação de uma ciência social. A partir de então temos

o surgimento, consolidação e desenvolvimento das ciências sociais. O ponto em

comum de todos os pensadores, antropólogos e sociólogos, é o estudo do homem.

No entanto, não do homem isolado, mas do homem em dinâmica social, em

interação social.

O fenômeno da sociabilidade é antigo. Estava presente tanto na sociedade de

Aristóteles, quanto na de Comte. Tanto nas sociedades "simples", quanto nas

"complexas". Os avanços no conhecimento sobre as várias formas de organizações

sociais são amplos e não caberia aqui citá-los todos. Conhecimento que foi

construído com o passar dos anos, acompanhando as transformações sociais vindas

com o tempo. Acompanhando o processo de construção do conhecimento social,

cabe a nós estudarmos de que forma se dá a interação social entre os indivíduos

"ocidentais" do início do século XXI.

Gilberto Velho, apoiando-se na obra do sociólogo que inspirou os teóricos da

Escola de Chicago, Georg Simmel, trata da sociabilidade do século passado como

não estando presa a interesses específicos: “Mas acima e além de seu conteúdo

específico, todas essas associações estão acompanhadas por um sentimento

positivo, por uma satisfação pelo próprio fato de se estar associado a outros e de a

solidão do indivíduo ser resolvida através da proximidade, da união com outros

(Velho, 1986: 13)".

Uma das principais características das sociedades complexas é a presença de

vários estilos de vida e visões de mundo convivendo ao mesmo tempo (Velho,

1986). Nesse contexto, surge o conceito de “Rede de Relações”: networks. Para

Gilberto Velho essas redes atravessam o mundo social na forma horizontal e

vertical. Nesse caso as categorias família, parentesco, bairro, vizinhança, origem

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tribal e étnica, status, classes sociais não são definidoras totais de grupos. Também

há uma fragmentação das relações e dos papéis sociais em nossa sociedade. Os

indivíduos podem transitar por vários domínios e variar o seu grau de adesão. Dessa

forma, “na sociedade complexa, particularmente, a coexistência de diferentes

mundos constitui a sua própria dinâmica” (Velho, 1994: 27).

Para Georg Simmel os indivíduos sempre procuram formar uma unidade -

sociedade - de acordo com seus impulsos. Esses impulsos formam o conteúdo.

Essa matéria ainda não é social. Somente é quando toma a forma de uma sociação

pela qual os indivíduos satisfazem seus interesses. Ele argumenta que: "Esses

interesses, quer sejam sensuais, ou ideais, temporários ou duradouros, conscientes

ou inconscientes, causais ou teleológicos, formam a base das sociedades humanas"

(Simmel, 1996: 166).

Segundo Georg Simmel, na sociabilidade há a reviravolta entre o conteúdo

gerador do encontro e a forma dele transcorrer. A forma passa a determinar o

conteúdo e torna-se um valor supremo. A sociedade, que significa uma agregação

de indivíduos em embate uns com os outros gera os conteúdos ou interesses

materiais ou individuais. Por exemplo, os interesses econômicos fazem com que os

indivíduos se agreguem em associações, irmandades, etc. Mas também está

presente um impulso de agregação (forma). Ele pode, às vezes, sugerir os

conteúdos concretos da associação. A sociabilidade também está além das

realidades objetivas da vida real. Ela é um "impulso" (forma) e não está atrelada,

nem condicionada a motivações concretas (conteúdo, matéria). "Isso nos dá uma

imagem abstrata, na qual todos os conteúdos se dissolvem no mero jogo da forma"

(Simmel, 1996: 169).

De maneira mais específica cabe citar que:

"Visto que na pureza de suas manifestações a sociabilidade não tem propósitos

objetivos, nem conteúdo, nem resultados exteriores, ela depende inteiramente das

personalidades entre as quais ocorre. Seu alvo não é nada além do sucesso do momento

sociável e, quando muito, da lembrança dele. Em conseqüência disso, as condições e os

resultados do processo de sociabilidade são exclusivamente as pessoas que se encontram

numa reunião social." (Simmel, 1996: 170)

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Georg Simmel defende que a sociabilidade é como um jogo e escreve que: "A

sociabilidade é o jogo no qual se 'faz de conta' que são todos iguais e, ao mesmo

tempo, se faz de conta que cada um é reverenciado em particular; e 'fazer de conta'

não é mentira mais do que o jogo ou a arte são mentiras devido ao seu desvio da

realidade" (Simmel, 1996: 173). Joga-se por mero prazer, despretensão. Existem

regras as quais os indivíduos obedecem e também uma dinâmica própria, assim

como os jogos. É um jogo social. Os indivíduos, em sociabilidade, "jogam sociedade"

(Simmel, 1996: 174).

Para Alfred Schutz (1979) as pessoas agem em função de experiências da vida

cotidiana. Mesmo havendo uma multiplicidade de "mundos" e "realidades", são

pessoas que buscam experiências significativamente comuns no envolvimento do

"nós" (face a face). O envolvimento está sempre como uma possibilidade objetiva,

sempre atrelado a um desejo de intersubjetividade. A partir do presente vivido um

indivíduo percebe o seu semelhante, o Outro. A interação social pressupõem a

existência de uma simultaneidade vivida. Essa simultaneidade abrange tanto a

percepção do Outro enquanto pessoa, como a percepção de seu pensamento.

Existe um deslocamento no tempo compartilhado, ao que Alfred Schutz se refere

como sendo um "envelhecermos juntos". Isso significa que, da mesma forma que

experimento a consciência do Outro no presente vivido, ele experimenta a minha

consciência

A sociabilidade está condicionada à atos comunicativos entre um Eu que se

volta aos Outros e os apreende como pessoas. Esse processo se dá a partir da

percepção do Outro enquanto um corpo no espaço que compartilha comigo um

ambiente comunicativo comum. "O ambiente comum de comunicação pressupõe

que a mesma coisa que me é dada "agora" (mais precisamente, num "agora"

intersubjetivo), com um determinado colorido, pode ser dada a Outro do mesmo

modo, "depois", no fluxo do tempo intersubjetivo, e vice-versa" (Schutz, 1979: 161-

2).

A sociabilidade em Alfred Schutz se constitui em uma experiência vivenciada

no tempo e no espaço. Essas duas variáveis precisam ser compartilhadas em

comunhão, ao que ele denomina de encontro "face a face". A experiência com o

Outro precisa ser direta. Cabe citar suas palavras para que fique claro em que

circunstâncias se constitui o seu conceito de "face a face":

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"Digo que outra pessoa está ao alcance da minha experiência direta quando ela

compartilha comigo um tempo comum e um espaço comum. Ela compartilha comigo um

espaço comum quando está presente pessoalmente, e estou consciente dela como tal e,

além disso, quando estou consciente dela como essa pessoa ela própria, esse indivíduo em

particular, e do seu corpo como o campo no qual estão em jogo os sintomas de sua

consciência interior. Ela compartilha comigo um tempo comum quando sua experiência flui

lado a lado com a minha, quando posso, a qualquer momento, buscar e captar seus

pensamentos conforme eles passam a existir, em outras palavras, quando estamos

"envelhecendo" juntos." (Schutz, 1979: 180)

Além do caráter imediato da interação social, Alfred Schutz (1979) também

sustenta que para haver o Nós (como unidade prévia à interação social) é preciso

que haja a tomada de consciência da presença do Outro. O que ele denomina como

sendo uma "orientação para o Tu". Entenda-se esse conceito como sendo um

estado em que se constata a presença do Outro como "estando lá". Perceber a

presença do Outro não significa ter consciência do que se passa pela mente do

Outro (motivos afim de), mas sim estar ciente de que outro ser humano (um corpo)

compartilha o mesmo ambiente comum.

O processo de "orientação para o Tu" pode ser unilateral ou recíproco. Nada

assegura que tu me veja como semelhante, assim como eu o vejo. Somente é

recíproco quando um e outro estão conscientes da presença de ambos, ou seja,

quando há um relacionamento face a face, social e diretamente vivenciado. "O

relacionamento social diretamente vivenciado na vida real é o relacionamento do

Nós puro concretizado e atualizado, em maior ou menor grau, e dotado de conteúdo"

(Schutz, 1979:182).

O relacionamento do Nós ocorre a partir da mútua orientação para o Tu.

Quando duas pessoas têm consciência da presença uma da outra, daí sim temos

um relacionamento do Nós. Entretanto, ainda não é um relacionamento social. Esse

ocorre quando há um contato face a face. Ele existe quando duas pessoas

compartilham mesmos tempo e espaço. Em relação ao tempo há uma mesma

vivência caracterizada por um envelhecer junto. Em relação ao espaço há um

mesmo ambiente (Schutz, 1979).

Por ambiente Alfred Schutz se refere ao mundo exterior que apreende

diretamente, tal como o ambiente físico, a língua e demais artefatos culturais. Além

disso, o contato face a face é composto pelo conhecimento que tenho da outra

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pessoa e o que irá por vir; os códigos de interpretação; os motivos afim de e por que;

a mútua orientação (o Outro está orientado às minhas ações e eu às ações dele); os

efeitos dessas no desenrolar da comunicação e das ações futuras..."esse

cruzamento de olhares, esse espelhamento um do outro, de mil facetas, é um dos

traços únicos da situação face a face" (Schutz, 1979:187).

A noção de interação social de Alfred Schutz atenta para a necessária

existência de reciprocidade no contato face a face. Precisa haver a tomada de

consciência de um parceiro em relação ao outro. A interação também pressupõe a

existência de motivos (afim de e por que) pelos quais ocorrem as ações. Eles são

interpretados a partir das experiências anteriores da pessoa. Há uma troca, uma

descoberta mútua um do outro. Essa é a própria peculiaridade da interação face a

face. Os comportamentos da outra pessoa somente podem ser esperados enquanto

expectativa, fantasia (Schutz, 1979:190). Nada é certo que irá acontecer, mas há

uma orientação mútua de ações. Isso recebe o nome de testemunho. Estar em

interação social também significa testemunhar como o Outro reage ao meu

comportamento.

Técnica e virtualidade

Na época de Georg Simmel (1858-1918) e de Alfred Schutz (1899-1959) não

haviam os chats para propiciarem uma interação social virtual. Com a informática os

indivíduos encontraram uma maneira diferente até então vista de se relacionarem.

Ela se dá a partir de um novo ambiente de comunicação, que está em concordância

com um avanço técnico da humanidade.

Com relação à técnica, Pierre Lévy sustenta que ela não está em oposição à

humanidade. Homem e técnica estão unidos em um mesmo processo o qual se

desenvolve a humanidade. Para ele, assim como a economia, a filosofia e a religião,

por exemplo, a técnica não é uma força real. Na verdade todas elas são dimensões

de análise, abstrações. Nesse sentido entenda-se que elas são dimensões abstratas

e desprovidas de qualquer meio de ação. "Os agentes efetivos são os indivíduos

situados no tempo e no espaço" (Lévy, 2001: 13). A técnica, segundo Pierre Lévy,

deve ser entendida como sendo um processo onde forças não humanas são

utilizadas a serviço das estratégias variáveis dos seres humanos. Essas estratégias

surgem na dinâmica social de agregação/desagregação humana. A técnica é

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apenas a parte das estratégias humanas que passam por atores não humanos

(Lévy, 2001: 14).

Partindo dessa premissa básica, Pierre Lévy considera como técnicas tanto a

maneira de pensar, de comunicar e de pensar em Deus, quanto a informática, a

impressão e a escrita. Todas essas "técnicas" passam por processos materiais.

Inventos revolucionários como a máquina a vapor e a máquina fotográfica serviram

tanto para pensar o mundo, quanto atualmente o computador serve para o mesmo

fim. Pierre Lévy não dissocia os inventos técnicos dos modos de pensar cultural e

historicamente localizados. Para ele há uma associação tamanha que coloca a

técnica dentro do processo cognitivo humano: "o telégrafo e o telefone serviram para

pensar a comunicação em geral" (Lévy, 2001: 16). E ainda, a revolução industrial

surgida no final do século XVIII gerou "um novo imaginário do espaço e do tempo

sob a influência dos meios de transporte rápidos e da organização industrial do

trabalho" (Lévy, 2001: 17).

Seguindo sua proposição, sustento que o chat, incluindo o conjunto de

elementos envolvidos em um tipo de sociabilidade virtual, serve para pensar a

socialização humana. Diante da técnica informática os homens estão tendo uma

nova relação com o mundo. As noções de tempo e espaço são reorganizadas e

redimensionadas. Além disso, as representações sociais são reformuladas. Tudo

culmina no surgimento de uma "nova humanidade". Muito certamente seja uma nova

humanidade convivendo com antigas. Não podemos esquecer que a geração e a

apropriação de técnicas varia de cultura para cultura. A informática e a mídia

eletrônica, como partes de uma estratégia humana, atinge determinados cosmos

humanos. Nestes, elas começam a fazer parte da apreensão do real. E a partir de

como são utilizadas podemos observar aspectos da experiência humana, tais como

identidade, comunicação e interação social.

Pólos distintos

Pierre Lévy (2001) defende o surgimento de uma "nova inteligência" no século

XXI frente à informática. Como resultado principal está a existência de um

conhecimento por simulação. Ele é decorrente do avanço tecnológico o qual a

humanidade atingiu. Nesse panorama o processo cognitivo humano - a apreensão

do real - se transforma. Para o autor a humanidade passa por um estágio onde a

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informática é o centro gravitacional. Entretanto, ainda estão presentes os gêneros de

conhecimento fundados sobre a oralidade e a escrita. Segundo o autor esses são os

três pólos do espírito (pólo da oralidade primária, da escrita e o informático-

midiático). Em cada um deles a ecologia cognitiva era de um tipo.

Com relação à comunicação interpessoal as diferenças são marcantes. No

pólo da oralidade primária, emissor e receptor da mensagem estão inseridos nas

mesmas circunstâncias e compartilham interesses próximos. Historicamente isso

ocorre em civilizações sem escrita. No pólo da escrita a distância entre autor e leitor

pode ser grande. Isso resulta na necessidade de objetividade por parte do emissor,

assim como de interpretação do receptor. Em decorrência disso temos uma força no

sentido da universalidade. No caso do pólo informático-midiático existe a conexão a

uma rede, por exemplo a Internet. Conectados a uma rede, emissor e receptor

dividem a produção do hipertexto5. Entretanto, as mensagens são produzidas de

modo a durarem menos (Lévy, 2001: 127).

Sincronia e assincronia

O que está em jogo na sistematização de Pierre Lévy, mas que ele não

explicita, é a variável "sincrônica". Na oralidade o grau de sincronia é extremamente

elevado. Os indivíduos compartilham tempo e espaço. Nesse caso, por exemplo, a

memória está encarnada em indivíduos e é transmitida através dos ritos e mitos com

repetição através de gerações. O tempo toma a forma circular do eterno retorno e o

saber é obtido pela narrativa. Na escrita pode haver a total anulação da sincronia (a

geração de uma a-sincronia, ou assincronia). A informação é codificada por um

emissor (autor) e poderá ser decodificada por um receptor (leitor) em um tempo ou

espaço muito diferentes dos de criação do texto. Nesse caso, a memória é

objetivada no escrito e o saber é transmitido na forma de teorias. Estão em jogo a

objetivação e a interpretação. No pólo informático-midiático o grau de sincronia

aumenta, quase como na oralidade e o armazenamento da informação é objetivado,

assim como na escrita.

Utilizando a informática, os indivíduos têm a possibilidade de utilizar os

processos de sincronia e assincronia. As principais características da oralidade e da

5 Modo como é apresentada a informação na Internet, quando a seqüência não é previamente linear, dependendo da construção do internauta.

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escrita se fundem no "pólo informático". O resultado imediato para os indivíduos

inseridos nesse pólo está na rearticulação tempo-espacial. A comunicação se

processa em um ambiente onde pode não haver o mesmo tempo entre emissor e

receptor, nem o mesmo espaço. Ou então em mesmo tempo, mas em espaços

diferenciados. Denomino esse ambiente de ciberespaço. Sua principal característica

é operar a partir do fenômeno de virtualidade, o qual rearticula as noções de tempo

e espaço.

No pólo informático as noções de tempo e espaço dão lugar, respectivamente

às de sincronismo e interconexão. A comunicação entre indivíduos pode operar com

uma "larga faixa de tempo", no sentido de um quase assincronismo. Por exemplo,

uma mensagem enviada eletronicamente pode ser recebida algum tempo depois.

Mesmo assim temos o fenômeno comunicacional, já que emissor e receptor

conseguem compartilhar a mesma mensagem. Não temos, nesse caso, o

imediatismo da oralidade. No entanto, temos um dinamismo grandemente difundido

e utilizado atualmente pelos indivíduos, o que o aproxima, até certo ponto, da

comunicação oral. No caso da comunicação imediata e feita via computador em rede

(chat de Internet, por exemplo) a faixa de tempo entre o envio e o recebimento da

mensagem é bem reduzida. Estamos diante de uma sincronia próxima a da

oralidade. Entretanto, falta o contato "face a face" em um mesmo espaço, próprio da

comunicação oral. Ao invés disso temos o contato sincrônico (ao mesmo tempo)

entre indivíduos interconectados em rede.

Tecnicamente, não interessa se estão em cidades, estados ou países

diferentes, mas sim que estão compartilhando do mesmo ciberespaço, mediado pelo

computador e visualizado pelo seu monitor. Anula-se a variável espaço e temos a

variável interconexão. Nesse caso, a comunicação sincrônica entre dois indivíduos

se dá pela mútua conexão, e não por estarem em um mesmo espaço físico. Não é o

mesmo resultado proporcionado pelo telefone. O contato oral via telefone também é

sincrônico e depende de uma conexão. Já a informática abrange as características

da escrita. Elas estão colocadas principalmente pela possibilidade de existência de

uma assincronia entre emissor e receptor, objetividade (universalização) da

informação e interpretação da mensagem em um tempo e espaço que podem ser

compartilhados ou não. No exemplo de um chat (sala de bate-papo), a escrita é

utilizada na estrutura própria de um contexto oral, com emissor e receptor em

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sincronia. Também fazem parte do processo, vivência cotidiana, narrativas e

possibilidade ou não de registro do hipertexto criado com a comunicação.

Na sociabilidade feita via chat de Internet há a sincronia da oralidade e o texto

da escrita (assincronia). Ela não utiliza todos os elementos da oralidade, pois não

tem o encontro face a face e é um meio de comunicação feito via escrita (registrada

com caracteres). Entretanto, também não utiliza todos os elementos da escrita, pois

é sincrônico - emissor e receptor trabalham no texto simultaneamente - e não tem

tanta objetividade (universalismo). Além disso, o sistema informático possibilita a

construção de uma memória social de grupo, entre os usuários do sistema que

compartilham a vivência cotidiana.

Sociabilidade virtual

Com os elementos trazidos aqui podemos esboçar uma definição clara e

delimitada do fenômeno de sociabilidade virtual. Alguns pontos das teorias visitadas

parecem extremamente adequados para traduzirem o fenômeno. Outros carecem de

uma releitura tendo como parâmetro a situação atual. A experiência trazida de

pesquisas já realizadas sobre o tema nos possibilita relacionar algumas dimensões

da vivência on-line.

Em ambiente de chat é visível a relação simmeliana entre conteúdo e forma.

Os usuários de chat começam a utilizar o sistema interessados em sanar o

sentimento de solidão6 e buscar envolvimentos amorosos. Durante a comunicação

com outros usuários cria-se um conjunto de estratégias que articulam diversos

assuntos para sustentar a interação. Nesse momento percebe-se a redução da

presença da variável conteúdo e aumento da forma. Não importa sobre o que se irá

bater-papo. O importante é estar interconectado e trocando mensagens. Podemos

observar essa substituição de centro gravitacional quando verificamos que os

assuntos tratados no momento de interação via chat são efêmeros e fortuitos.

O que permanece inalterado é o desejo de trocar mensagens, de estar ligado

com algum outro usuário por um canal de comunicação. Isso ocorre tanto para

aquele freqüentador eventual, quando para o regular, que está inserido em uma rede

de relações mais duradoura. No caso do interesse de se envolver amorosamente,

esse acaba ficando em segundo plano em relação ao convívio com demais usuários.

6 Uma reflexão sobre "solidão" está em: Carvalho, 1995.

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Os indivíduos acessam o chat e ficam ali, trocando mensagens, batendo papo. Tudo

parece, até certo ponto, despretensioso, mas está latente o desejo de "ficar" ou

"namorar"7. Entretanto, para não estar sozinho é preciso que o freqüentador entre no

jogo que existe na convivência em ambiente de chat e apreenda suas regras e

estratégias.

Enquanto fazem isso os usuários do sistema percebem outros usuários e

compartilham um mesmo tempo transcorrido e um mesmo espaço de convivência.

Alfred Schutz trata da percepção do outro enquanto um corpo no ambiente. Em

ambiente de chat não estão presentes os corpos dos humanos. Além disso, o

conceito de ambiente é diferente daquele proposto por ele. A percepção do outro se

dá pela percepção de um usuário utilizando um nick8 e trocando mensagens. O nick

atinge o status de signo e já começa a expor os "motivos afim de". Embora vários

usuários acessem o chat ao mesmo tempo, a percepção do Nós ocorre quando há a

criação de um canal de comunicação entre emissor e receptor da mensagem.

O ambiente compartilhado passa a ser o da plataforma do chat, que se

materializa no layout9 que é visualizado pelo monitor do computador. Não há um

contato face a face. Ao invés disso temos uma relação "face a tela". No chat não há

o contato schutziano de troca de olhares, de sutileza e percepção do outro

freqüentador. Ao invés disso há a criação de um espaço com alto grau de

interpretação, já que estão anuladas as percepções sensoriais humanas. A

interpretação gera o descobrimento do Outro. Falta a visão do corpo do Outro, falta

ouvir o Outro, falta sentir o toque do Outro e falta cheirar o Outro. Todas essas faltas

criam a busca da descoberta do Outro. Se na sociabilidade de Alfred Schutz, do

contato face a face, essa "descoberta" está presente, ainda mais na sociabilidade

face a tela com falta de utilização dos sentidos corporais. Essa descoberta se dá

simultaneamente. Os freqüentadores de chat compartilham de um mesmo tempo

transcorrido, o que aproxima a idéia de existir um "presente vivido" e um "envelhecer

juntos".

7 Adiante será apresentada uma reflexão teórica sobre os dois conceitos. 8 Abreviatura de nickname, que significa apelido. O nick é a denominação que os internautas fazem ao apelido que se utiliza na Internet. Adiante será apresentada uma reflexão sobre o nick. Embora ser de origem inglesa, essa palavra já se incorporou como gíria de internautas. A palavra não virá em itálico durante o texto. 9 Disposição das formas que compõem a imagem, desde o texto até figuras, cores e disposição gráfica.

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Esses dois pontos da teoria schutziana somente são possíveis na

sociabilidade em ambiente de chat porque há, nessa convivência, sincronia das

mensagens enviadas. Não é o caso da comunicação por correio eletrônico. A

comunicação feita pela troca de mensagens via e-mail não propicia o fenômeno de

sociabilidade virtual. Na comunicação por e-mail (e outros sistemas semelhantes)

não há a geração de simultaneidade. Nesse caso há assincronia. Também não é o

caso das "listas de discussão", que são intermediadas por e-mail, mas alguns

pesquisadores consideram que nelas se pratica sociabilidade. A sociabilidade virtual

ocorre quando se misturam as características da oralidade (sincronia) e da escrita

(mensagem registrada que pode ser decodificada em outro tempo e espaço,

buscando a objetividade e com efeito assincrônico).

A técnica que possibilita essa mistura é a informática. Nela pode-se equalizar

as variáveis de sincronia e assincronia. Podemos ter um pouco mais de uma ou um

pouco mais de outra. Quando a relação é de mais sincronia começa-se a ter um

ambiente propício à sociabilidade. Além disso, estão presentes os elementos

característicos de um sistema midiático. O que parece mais marcante no momento

atual é a presença da "tela". A mediação entre pessoas é feita pela máquina e o

contato é visual. Percebe-se um usuário através da visão de um nick e da visão de

uma mensagem. Por mais que se defenda que por detrás de um nick existe uma

pessoa, sua presença desaparece quando troca de nick, ou deixa de acessar o chat.

Por sociabilidade virtual devemos entender a interação social realizada pela

comunicação sincrônica e com contato interpessoal mediado pela tela do

computador. Ela apresenta a mesma inversão entre forma e conteúdo apresentada

por Georg Simmel. O conteúdo de interesses que gera a aproximação com outras

pessoas dá lugar ao prazer de se estar associado via imagem digital. No caso do

chat parece haver um processo de adequação da técnica em favor da estratégia

humana de estar acompanhado (não estar só, interagir e socializar).

A sincronia é a mesma da comunicação oral, com curto espaço de tempo na

troca de mensagens. Enquanto o emissor envia a mensagem o receptor já está

decodificando, com uma diferença de segundos. Existe um presente compartilhado.

Em sincronia uma pessoa testemunha a presença da outra no seu mesmo tempo.

Existe um imediatismo temporal, da mesma forma que há um espacial. Entretanto,

nesse caso o espaço que rodeia uma pessoa não é o mesmo que rodeia a outra. O

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que há de igual é a tela do computador. A interação social ocorre a partir da

virtualidade.

Para pensar as novas tecnologias, o virtual e o ciberespaço

Para Pierre Lévy a humanidade surgiu a partir do processo de virtualização

(Lévy, 1996). Ele considera que “a espécie humana emergiu a partir de três

processos de virtualização: desenvolvimento das linguagens, multiplicação das

técnicas e complexificação das instituições” (Lévy, 1996: 71). A linguagem virtualiza

o “tempo real”. Às ferramentas coube a virtualização da “ação” (Lévy, 1996: 75), ou

seja, do corpo e do ambiente físico. Com o crescimento das relações sociais surge a

“virtualização da violência” (Lévy, 1996: 77), que trata de ordenar o conjunto de

forças e impulsos existentes na sociedade humana.

A essência paradoxal da cibercultura é a sua “universalidade sem totalidade”

(Lévy, 1999: 111). O ciberespaço tende à universalização, como ocorreu, por

exemplo, com os automóveis, aviação, eletricidade, etc. No entanto, a medida em

que o ciberespaço se universaliza, mais tende a ficar “sem conteúdo”, com aparente

ausência de regras. O que parece mais provável é um processo de reapropriação

que é constantemente feita pelos indivíduos. Existem características específicas do

ciberespaço, mas os indivíduos selecionam e utilizam algumas. O ato simbólico

relacionado ao ciberespaço dependerá de cultura para cultura. Tudo isso gera a

reconceituação do ciberespaço.

As características técnicas do ciberespaço que estão mais presentes são: o

acesso a distância aos recursos de um computador; a transferência de dados

(upload); o correio eletrônico, vantagem de ter o texto digitalizado, sem passar pelo

papel, tendo a possibilidade de ser enviando a um número imenso de pessoas sem

a utilização da fotocópia ou o telefonema para todos; a realização de conferências

eletrônicas (no chat são inventados novos estilos de interação e escrita), na Internet

são chamados de newsgroups, onde “o ciberespaço torna-se uma forma de contatar

pessoas não mais em função de seu nome ou de sua posição geográfica, mas a

partir de seus centros de interesse”; groupware (Lévy, 1999: 100).

Luiz Antonio Carvalho da Rocha propõe que no processo de comunicação via

informática/Internet há a possibilidade do indivíduo escolher seu papel (Rocha,

1996). Ele fica exposto, é representado pelo seu imaginário. Também temos uma

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potencialização do alcance do indivíduo à informações e pessoas, ao que se refere à

geografia e à diversidade de ambos. O computador fica sendo uma “prótese do

indivíduo” (Rocha, 1996:8). Um mecanismo que faz a ligação entre dois mundos: o

off-line (contato pessoal) e o on-line (mediado por computadores).

Airton Jungblut traz a idéia de uma certa fragmentação do Eu no mundo on-line

(que já era constatado contemporaneamente no mundo off-line) e uma

potencialização das ações individuais (Jungblut, 2000). A possibilidade que se tem

de ir e vir em segundos a distâncias que antes eram quase intransponíveis, buscar

informações instantâneas e viver várias identidades faz com que o indivíduo tenha

poderes de onipresença, onipotência e onisciência. Ainda há uma valorização do

anonimato. “...o anonimato é um dos princípios mais valorizados em sociabilidade

via Internet” (Jungblut, 2000:137).

Algo que converge com a idéia proposta por Dominique Wolton quando cita,

como característica das novas tecnologias, a necessidade de atuar e a capacidade

de criação (Wolton, 2000). Com a Internet há um crescimento da idéia do "do your

self" (faça você mesmo). Percebemos isso quando pensamos o quanto a informática

traz em seus softwares manuais de auxílio. Além disso, de uns anos para cá ficou

mais presente o fato de se construir, você mesmo, uma homepage , ou um site10 de

Internet. Tudo isso envolto em uma nova forma de utilizar a mídia. É quando

percebemos, por exemplo, o quanto a linguagem escrita é estilizada e elaborada de

maneira a dar conta da falta do som nas salas de bate-papo virtual.

O ciberespaço é composto por certas características que o elevam de simples

meio de comunicação à espaço compartilhado. Nesse sentido, talvez a característica

principal seja a de "deslocamento". O internauta percebe a Internet e seu conjunto

de sítios (sites) como sendo um campo aberto ao trânsito. Ele pode estar em sua

residência, na frente de seu computador, ao mesmo tempo que freqüenta a

biblioteca da universidade, ou então o grupo de amigos no chat que se encontra

regularmente em tal sala de bate-papo.

Quando trata da relação do indivíduo com os "novos meios de comunicação"

(se referindo à Internet), Dominique Wolton (2000) associa a facilidade em lidar com

o computador com a dificuldade de se relacionar face a face. Ele parte desse ponto,

10 A palavra é de origem inglesa e já aparece em algumas versões recentes de dicionários da língua portuguesa. Geralmente ela é traduzida como sendo "sítio". Aqui ela virá em itálico, pois ainda é interpretada como uma palavra estrangeira.

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de que os melhores "internautas" geralmente têm dificuldades de se comunicar

pessoalmente. Ele considera a utilização da comunicação via computador como

sendo uma ferramenta para acrescentar uma melhoria na relação interpessoal do

indivíduo. Para Dominique Wolton outra característica da Internet é o tempo. Nas

novas tecnologias o tempo é homogêneo, racional e liso. Por outro lado, o tempo

humano é descontínuo e diferenciado, segundo os momentos e etapas da vida.

Virtual Real

No início da década de noventa Philippe Quéau (1993) defendia que haveria

um estreitamento entre o "real" e o "virtual". A imagem seria tão significativa como

linguagem quanto é a escrita. Para ele o virtual é uma pseudo-realidade e existe

uma fronteira entre um suposto mundo real e outro virtual. Ele alertava do perigo

para o futuro da humanidade nessa relação. O perigo estaria concentrado

principalmente em um possível domínio do virtual sobre o real.

Philippe Quéau temia que um futuro repleto de uma massa desempregada

viesse a ser manipulada pela formação e domínio de um mundo fictício, virtual. Mas

o perigo maior, segundo ele, seria "acabar considerando o real como uma extensão

dos mundos virtuais" (Quéau, 1993: 97). Seu exemplo é de quando a equipe de

radar do navio americano Vincennes confundiu o eco produzido por um Airbus com o

eco de um avião caça Mig. O resultado foi o lançamento de um míssil e a morte de

dezenas de pessoas.

Virtual Real

O "medo" do virtual é menor para Jean-Louis Weissberg. Ele afirma que a

simulação gerada pela virtualização é um fenômeno humano antigo. Data ainda da

Grécia Antiga, quando as esculturas eram criadas para representar ações humanas.

Culmina, talvez, na fotografia, quando a imagem captada substitui o objeto. Para ele

é mais importante pesquisar atualmente as posições ocupadas pelo real e o virtual.

Saber que o virtual existe é uma coisa dada. "Muitas experiências, pesquisas,

aplicações tendem a constituir uma outra cenografia em que os atores (real/virtual,

objeto/imagem, conhecimento humano/ programa "inteligente") ocupam posições

inéditas." (Weissberg, 1993: 119)

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Para esse pesquisador o virtual não substitui o real. O virtual é antes uma

extensão do real. Ele cita o exemplo de uma maquete que simula um projeto. Ela

não existe para substituir o projeto, mas sim é um projeto em potencial. É um vir a

ser em objeto. Por exemplo, o sistema que integra um avião caça. Ele é formado por

uma tela que reproduz o terreno sobrevoado. Porém, também é composto por

mecanismos reais que carrega: mísseis, trajetória, missão, etc. O conjunto todo é

esse composto real-virtual o qual Jean-Louis Weissberg se refere. Real e virtual

andam juntos nesse caso e servem para pensarmos outras situações semelhantes.

Virtual Real

Para Dominique Wolton, "virtual" e "real" pouco se misturam. Para ele a

comunicação se dá através de três pontos: tecnológico, cultural e social (Wolton,

2000). Na maioria das vezes se propõe que a tecnologia irá resolver os problemas

culturais e sociais, o que ele é contra. Segundo esse pesquisador,

contemporaneamente cultiva-se a idéia de que a tecnologia, a Internet, resolva o

problema de participação e de democracia, e ainda, que também resolva o problema

de comunicação e de mercado. São propostas que sugerem que o virtual possa

abarcar o real e "ajudá-lo".

Dominique Wolton lembra que o virtual, assim como a comunicação, não tem

vida própria e depende em muito da cultura envolvida. Ele é contra a racionalização

radical dos novos meios de comunicação. É especialmente contra a idéia de que a

comunicação via novos meios de comunicação irá substituir a comunicação direta

entre seres humanos. Ele também critica a idéia de "comunidade mundial" derivada

dos novos meios de comunicação. Para ele a tecnologia é apropriada de forma

diferentemente em cada canto do mundo. Uma vez que, assim como para Jean-

Louis Weissberg, fica muito clara a ausência de fronteiras entre on e off-line. Porém,

a influência é do "real" (off-line) sobre o "virtual" (on-line) e não vice-versa.

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A importância da tela do monitor

"As imagens de síntese formam uma nova escrita que modificará profundamente

nossos métodos de representação, nossos hábitos visuais, nossos modos de trabalhar e de

criar. Não se trata de mais um gadget, nem de uma moda passageira, e sim de uma revolução

escrita profunda. Com elas surge uma nova relação entre imagem e linguagem. Agora o legível

pode engendrar o visível." (Quéau, 1993: 91)

Com essa afirmação Philippe Quéau defende que atualmente existe a

proliferação de "imagens de síntese". O nicho onde elas ocorrem é o mundo virtual,

especialmente o informático. Esse tipo de imagem é diferente do até então

produzido pelo registro da luz feito pela fotografia. A imagem a que ele se refere é a

binária, de computador. Essa imagem não é do mesmo tipo que a obtida pela

fotografia. A "imagem de síntese" a que ele se refere é, antes de tudo, linguagem.

Ele está se referindo a uma "imersão na imagem". Ela é semelhante a que

ocorre nos simuladores de vôo, por exemplo. Com isso essa imagem adquire o

status de lugar. Esse lugar é entendido como espaço. Entretanto, esse espaço só

existe na integração com a imagem. A própria imersão na imagem é que forma esse

espaço. Ele não existe a priori. Dessa forma Philippe Quéau (1993) lança as bases

da noção de ciberespaço.

A Internet é um meio de comunicação que privilegia o layout e a relação

visual com o internauta. A formação de um espaço se dá na imersão nas imagens

que se sucedem na tela do computador. É aí que o meio de comunicação atinge o

status de lugar, de ciberespaço. Há a possibilidade de "mergulho" nessas imagens

disponibilizadas virtualmente.

Philippe Quéau está explicitamente se referindo às comunidades virtuais

quando fala da possibilidade de mergulho na imagem e geração de espaço (Quéau,

1993: 95). Ele cita que as comunidades virtuais do final da década de oitenta eram

organizadas a partir de redes interativas e compartilhavam de imagens virtuais

acessadas via computadores pessoais. Sobre isso ele se refere da seguinte forma:

"Este futuro Minitel virtual oferecerá redes de mensagens gráficas interativas e

tridimensionais, redes de encontros virtuais, onde adotaremos virtualmente a personalidade e

a aparência da nossa escolha, e onde poderemos passear em redes, como outrora

passeávamos em Veneza, agora com a nossa máscara gráfica." (Quéau, 1993: 95)

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Para Derrick de Kerckhove a imersão na tela se dá de uma forma semelhante.

A televisão, por exemplo, é uma tela saturada de informações sensoriais. Entretanto,

como ele afirma, ela é um meio de comunicação de apenas um sentido. Ela não tem

o retorno do espectador, que apenas tem em mãos um controle remoto como

mecanismo de integração e resposta imediata. Por outro lado, "...as máquinas de

realidade virtual ampliam e estimulam nossos inputs sensoriais (tato, visão e

audição) para reconstituir uma consciência artificial que é verdadeiramente exterior a

nosso próprio espírito, exterior a nosso próprio corpo" (Kerckhove, 1993: 60).

A imersão na imagem toma conta do mundo contemporâneo. Luiz Antonio

Carvalho da Rocha argumenta que no campo das artes plásticas esse processo se

dá pelo despertar dos sentidos do espectador. As instalações artísticas

contemporâneas levam a esse envolvimento. Ele mostra que desde os anos

sessenta as artes plásticas buscavam propiciar experiências sensoriais. Já

atualmente, no formato digital, a obra de arte passa por um processo de

desmaterialização. A imersão se dá agora pela participação de um "espectador-

fruidor", quando a autoria da obra passa pelas mãos de seu usuário (Rocha, 2000:

54-55).

Embora situados em campos diferentes, esses pesquisadores compartilham

da opinião de que no mundo contemporâneo se "mergulha" em imagens. A imersão

parece estar mais disponível quanto maior é a possibilidade de "interagir". Dessa

maneira, a imagem torna-se poderosa e capaz de absorver o seu espectador para

dentro de seu "espaço", que aqui está sendo considerado como o ciberespaço.

O poder da imagem

Derrick de Kerckhove (1993) afirma que atualmente a sociedade vem cada

vez mais se tornando surda. A surdez vem em decorrência da supremacia da visão.

A visão é o sentido preferido pela cultura ocidental contemporânea porque é mais

completa e necessita de mais energia para operar. O próprio Derrick de Kerckhove

aconselha a fazer o exercício de fechar os olhos e tentar perceber o ambiente. A

audição, por ser seletiva, é "ligada" no momento em que a visão é desligada. A partir

de então começa a operar e perceber situações que a visão não dava conta antes.

Ao abrir os olhos a audição é "desligada". O organismo começa a dar atenção à

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visão. É por causa disso que, segundo esse pesquisador, tornamo-nos cegos para

tudo além das aparências. A tônica da sociedade ocidental é dada sobre a visão, a

imagem, a aparência.

É esta a resposta ao questionamento de Dominique Wolton (2000). Esse

pesquisador questiona em ser a Internet um meio de comunicação hierarquicamente

superior ao rádio e à televisão, por exemplo. O seu questionamento se dá pelo fato

de ser dado "menos importância" ao som na Internet. Desde então o som era uma

qualidade constantemente acrescida aos meios de comunicação. Dominique Wolton

nos lembra da relação entre televisão, rádio e Internet. Primeiro veio o rádio, depois

a televisão e em seguida a Internet. Caso houvesse uma relação de hierarquia, a

última seria a mais "evoluída". Ele lembra que no século passado a "evolução" dos

meios de comunicação sempre esteve atrelada à entrada e à maneira diferente de

tratar o som. Do telégrafo ao telefone veio a voz. No cinema veio o som e a

possibilidade da massa escutá-lo. Paradoxalmente com a Internet não há som. O

máximo que há é o som dos dedos tocando o teclado. Como então pensar a Internet

como sendo um avanço tecnológico da humanidade?

Se Derrick de Kerckhove está correto, o fato da Internet "ter pouco som" é em

decorrência de um processo pelo qual passa a sociedade ocidental contemporânea,

a qual está se tornando "surda". Nesse caso a Internet está de acordo com a

preferência cultural da imagem e da aparência. "Aparência" que também aparece

como elemento principal nas pesquisas de Michel Maffesoli (1993). Ao contrário de

Karl Marx (Piettre, 1975), que por exemplo buscava algo além das aparências

sociais, a sociedade atual torna-se cega, conforme Derrick de Kerckhove (1993),

para tudo aquilo que foge a essa aparência imediata.

Michel Maffesoli afirma que atualmente estamos vivendo um momento em

que a imagem atinge um alto grau de importância na sociedade. A imagem está

intimamente ligada à constituição do sujeito e da sociedade. "Basta lembrar que, na

esteira da tradição judaico-cristã, a modernidade foi essencialmente iconoclasta

(Maffesoli, 1999: 53)". Ele considera que na modernidade o desenvolvimento

tecnológico "desencantou" o mundo. A imagem perdeu força. Na pós-modernidade

há o "retorno da imagem". Agora "a tecnologia favorece um real reencantamento do

mundo" (Maffesoli, 1999: 53). Para ele o real pode ser compreendido a partir do

irreal. Quando ele faz essa colocação está se referindo ao poder que a imagem tem

de edificar uma situação objetiva, real. Algo de acordo com sua afirmativa sobre "o

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poder da aparência" (Maffesoli, 1993) . Aparentar, parecer e ser uma imagem são

condições de extrema importância para a constituição de uma situação objetiva na

era pós-moderna.

Michel Maffesoli se refere ao surgimento de um "mundo imaginal". Nesse

mundo as maneiras de ser e de pensar são embasadas pela imagem, pelo

imaginário, pelo simbólico e pelo imaterial. Além disso, a imagem atinge o status de

meio e vetor do vínculo social. A imagem, o imaginário, o virtual, deixam de estar

exclusivamente legados à vida privada. Agora essas esferas englobam um "estar-

junto fundamental" (Maffesoli, 1999: 54).

Quando a cidade é o campo

O estudo aqui proposto é classificado como sendo de "antropologia urbana".

Cabe aqui trazer brevemente alguns conceitos relacionados à essa forma de

pesquisa antropológica. Para pensarmos a relação entre o chat (estabelecido no

ciberespaço) e o convívio face a face (cultivado na cidade de Porto Alegre) será

central o conceito de "pedaço" proposto por José Magnani:

"Quando o espaço - ou uma segmento dele - assim demarcado torna-se ponto de

referência para distinguir determinado grupo de freqüentadores como pertencentes a uma

rede de relações, recebe o nome de pedaço: 'o termo na realidade designa aquele espaço

intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade

básica, mas ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e

estável que as relações formais e individualizadas impostas pela sociedade' (Magnani, 2000:

32)".

Não podemos esquecer que a sociabilidade em chat pode ser pensada como

o encontro de uma pessoa em condição privada (de sua casa por exemplo) com a

condição pública do ciberespaço, diante da presença de estranhos. E ainda, assim

como no chat, é no pedaço onde ocorre a vida do dia-a-dia. Ele é ao mesmo tempo

"resultado de práticas coletivas (entre as quais as de lazer) e condição para seu

exercício e fruição" (Magnani, 2000: 32). O "pedaço" exerce uma relação entre os

que são de dentro do pedaço e os que são de fora. No pedaço todos se conhecem.

Definição essa que se aproxima da relação proposta por Norbert Elias entre

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estabelecidos e outsiders (Elias, 2000). Relacionando os conceitos podemos dizer

que é no "pedaço" onde se encontram os estabelecidos.

No pedaço há uma preeminência das relações sociais e dos códigos e

símbolos comuns. Mudando-se o ponto no espaço, o pedaço é levado junto. A

mancha é fixa na paisagem (Magnani, 1984). Ela oferece um conjunto de práticas

que envolve os seus usuários (por exemplo o caso do lazer). Ela é um ponto de

referência físico. Os dois não são isolados. As pessoas transitam entre eles. Os

caminhos não são aleatórios. Existem trajetos que ligam pontos dentro da mancha.

Através deles o pedaço é aberto ao âmbito público gerando um circuito (Magnani,

2000).

Para José Magnani a identificação do grupo passa por uma identificação

espacial, um pedaço comum onde são sedimentadas as experiências cotidianas.

Solidariedade que, segundo Michel Maffesoli, se dá pela identificação imagética. As

"novas tribos urbanas" se formam por uma identificação com uma imagem produzida

pelo grupo. Algumas vezes o "local" pode servir de imagem identificadora. Porém,

antes do "local", existe um "sentimento de pertença" que se relaciona com a

constituição dos microgrupos e das tribos que pontuam a espacialidade (Maffesoli,

1987: 194)".

Michel Maffesoli utiliza, metaforicamente, o termo aldeia para designar os

aglomerados de sociabilidade que pontuam na cidade. Algo que se aproxima do

conceito de "pedaço". Porém mais do que isso, suas "tribos" ocupam espaços

territoriais físicos e simbólicos. Ao tipo de estudo que se propõe aqui cabem suas

palavras:

"Com efeito, o cable, as firmas que veiculam informática (lúcidas, eróticas, funcionais,

etc.) criam potencialmente uma matriz comunicacional de configurações e com objetivos

diversos. Grupos que não deixam de lembrar as estruturas arcaicas das tribos e dos clãs das

aldeias. A única diferença notável, característica da galáxia eletrônica, é a temporalidade

própria dessas tribos. Na verdade, ao contrário do que, geralmente, essa noção sugere, o

tribalismo de que tratamos pode ser perfeitamente efêmero, e se organiza conforme as

ocasiões que se apresentam (Maffesoli, 1987: 194-5)".

Michel Maffesoli argumenta que o novo tribalismo é marcado pelo sentimento

emocional na agregação. Existe uma associação pelo simples prazer de estar em

grupo e a busca por um sentimento de pertença. As pessoas buscam uma vida

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cotidiana mais hedonista do que teleológica. Ele cita que os teóricos da Escola de

Chicago já haviam indicado isso. Porém, no momento atual essa força é mais visível.

É uma "Conquista do Presente" (Maffesoli, 1987: 200). Ela se "manifesta de maneira

mais informal nesses pequenos grupos que passam 'o melhor do seu tempo,

vagando e explorando seu mundo' (Maffesoli, 1987: 200)". Essas "novas tribos"

(esportivas, de amigos, sexuais, religiosas, etc.) surgem a partir da união de pessoas

solitárias, mas não isoladas. Cada uma dessas tribos tem duração de tempo

variável, conforme o empenho de seus participantes envolvidos em uma rede de

relações. A composição dessas tribos aglutina dois sentimentos contrários, os quais

são trazidos pelo pesquisador:

"O paradigma da rede pode, então, ser compreendido como a reatualização do antigo

mito da comunidade. Mito, no sentido de que alguma coisa que, talvez, jamais tenha existido,

age, com eficácia, no imaginário do momento. Daí a existência dessas pequenas tribos,

efêmeras em sua realização, mas que nem por isso deixam de criar um estado de espírito

que parece destinado a durar (Maffesoli, 1987: 208)".

"Rede" é um conceito adequado a tratar da organização social em meio

urbano. J. Barnes (1987) utiliza a "rede social" como um recurso analítico capaz de

dar conta de processos sociais onde a conexão não se dá via limites de grupos e

categorias. Isso ajuda a identificar quem são os líderes e quem são os seguidores.

As redes sociais são um sistema analítico mais frutífero em sociedades

contemporâneas e complexas. Em sociedades tradicionais há falta de direção na

transmissão da informação. Não fica claro determinar qual o ego.

Geralmente parte-se de um centro (rede egocêntrica) para se analisar um

conjunto de relações. Nesse caso se tem a formação de uma estrela (composta por

todos os contatos adjacentes ao ego - estrela de primeira ordem, ou uma estrela de

segunda ordem, quando também são considerados os contatos adjacentes dos

vértices adjacentes ao ego) e uma zona, que é formada pelos contatos adjacentes

entre os vértices da estrela primária (Barnes, 1987: 168). Na estrela de segunda

ordem estão os acessos indiretos do ego. Ele pode acessá-los, mas precisará

atravessar os vértices adjacentes.

Os limites da análise a partir do conceito de rede social são colocados por J.

Barnes:

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"Em geral, temos que limitar nossa investigação a uma porção delimitada da rede,

pois não podemos estudar globalmente uma rede total ou parcial. Temos que supor que os

limites que estabelecemos para os objetivos do estudo podem atravessar vários

agrupamentos. Para determinarmos quem pertence a estes agrupamentos, parcialmente

expostos, devemos traçar as conexões que ligam pessoas da nossa amostra a pessoas fora

dela (Barnes, 1987: 176)."

A transmissão da informação na rede segue etapas. Tendo o exemplo de uma

rede egocêntrica veremos que ocorre uma influência do ego sobre seus contatos

diretos. Esses irão influenciar seus contatos diretos, que a essa altura talvez não

estejam atrelados ao ego. Quanto mais uma informação é transmitida dentro da

rede, mais ela atinge membros distantes do ego. Se a intenção for propagar uma

idéia, então e rede terá cumprido com esse objetivo.

Para entendermos a disposição urbana dos grupos necessitamos do conceito

de "espaço social" proposto por Pierre Bourdieu. No espaço social estão dispostos

os agentes e grupos de agentes. Existem relações constantes de força entre os

agentes, internamente ao campo, e entre campos diferentes. A posição do agente

nos diversos campos é determinada pela sua aquisição de "poder" dentro do campo.

O poder é decorrente à acumulação do capital específico do campo e do que está

em jogo em determinada situação. A posição do agente no espaço social também é

determinada pela sua quantidade de capital cultural, econômico e simbólico (também

chamado de prestígio, reputação, fama). Cada campo tem sua lógica e hierarquia

próprias (Bourdieu, 1989: 135).

A partir dessa idéia de espaço social é possível traçar um conhecimento

sobre classes sociais. Pierre Bourdieu as define como sendo um conjunto de

agentes com posições semelhantes, que, colocados em condições semelhantes,

tendem a agir semelhantemente. O espaço social é organizado em um espaço de

relações, tão semelhante quanto um espaço geográfico. Entre os agentes existem

distâncias, que são determinadas pela diferença de acumulação dos diversos tipos

de capital (especialmente econômico e cultural). A aproximação de agentes

próximos é viável. Difícil é a aproximação dos distantes.

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Sobre o "Ficar"

Entre os jovens das zonas urbanas há uma prática comum: o "ficar".

Atualmente é expressivo o número de estudos que tratam desse comportamento11.

O "ficar" é um tipo de envolvimento amoroso com características próprias. Esse tipo

de relacionamento é, na maioria das vezes, fortuito e efêmero. Talvez essas sejam

as suas características básicas, embora existam variações de lugar para lugar. De

qualquer forma, é uma prática difundida na cultura brasileira contemporânea

(Schuch, 1998). Patrice Schuch estudou o "ficar" entre os jovens porto-alegrenses e

nos explica o fenômeno:

“O ‘ficar’ tem a sua especificidade garantida pelo fato de que é um relacionamento

que se dá num momento, no qual não existe necessariamente um conhecimento anterior do

parceiro e que envolve beijos, abraços, carícias e/ou uma relação sexual.” (Schuch, 1998:48-

49)

Para a autora, o “ficar” está inserido no processo de modernização da família

brasileira nos anos sessenta e setenta, onde há um enfraquecimento dos laços entre

família e universo social mais amplo. Também se caracteriza pelo enfraquecimento

da fronteira entre as relações homem/mulher e pais/filhos. Outra característica do

“ficar” é a coexistência de formas modernas (individualidade e autonomia) com

arcaicas (machismo e existência do par-casal). No entanto, é uma característica

particular às sociedades complexas. Também estão presentes as idéias de

“liberdade” e “escolha” que permeiam o fenômeno do “ficar” entre os jovens. De

qualquer forma, o "ficar" é caracterizado pela “maleabilidade e fluidez das relações

sociais” (Schuch, 1998:239) “Ficar é, segundo Patrice Schuch:

“...o ‘campo de possibilidades’ aberto para as escolhas dos próprios tipos de

envolvimentos e dos parceiros, explicitando as características da heterogeneidade de

experiências sociais, fragmentação de papéis, coexistência de visões de mundo concorrentes

e autonomia de domínios da sociedade moderna contemporânea, em que a diversidade

encontra-se articulada apenas no indivíduo.” (Schuch, 1998:52)

11 Especialmente estudos das áreas de antropologia e psicologia que abordam temas relacionados à sexualidade.

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O "ficar" dá ao jovem a liberdade e a possibilidade de se envolver

amorosamente com desconhecidos12. Entretanto, também pode ocorrer entre

"conhecidos". Algumas vezes o casal de jovens fica uma única vez, mas também

podem ser "ficantes13", o que indica uma continuidade na relação. Flavia Rieth,

estudando os jovens Pelotenses14, também contribui na definição do conceito de

"ficar". Ele coloca que "fica-se" com quem não se conhece e com quem não se tem

compromisso (como no namoro). E ainda, tanto no namoro como no "ficar" deve

haver a iniciativa masculina. Também se "fica" para não se ficar sozinho, como uma

estratégia de valorização pública (Rieth, 2000: 210).

Flavia Rieth percebe que há uma diferenciação de valores em relação ao

"ficar" para meninos, e para meninas. Aos primeiros é valoroso "ficar" com várias

meninas, em várias ocasiões, incluindo aí os diferentes momentos de sociabilidade

dos jovens (festas, encontros em bares, footing na praia, etc.). A autora argumenta

que para eles a concepção de sexualidade se aproxima da aprendizagem técnica.

No caso das meninas também há uma freqüência alta de "ficar", elas "ficam"

bastante. Porém, preferem "ficar" várias vezes com o mesmo menino. Para elas, o

"ficar" se coloca como uma situação imprevisível e passível de aproximar

desconhecidos (Rieth, 2000). A autora mostra que para as meninas o "ficar" é mais

um conjunto de possibilidades (talvez leve ao namoro) do que um exercício a ser

continuamente repetido (que para os meninos mostra uma imagem viril).

O caráter fortuito do "ficar" é relativo, assim como a efemeridade. É

imprevisível até certo ponto. Flavia Rieth coloca que existe uma previsibilidade

porque se cria uma situação propensa para o envolvimento (ir às festas, aos lugares

de footing). Além disso, o parceiro geralmente é encontrado na rede de relações da

turma (da escola, de amigos, etc.), não sendo assim "tão desconhecido".

Independente do gênero, o "ficar" pode conter latente uma continuidade, levando ao

namoro. A autora explica a relação entre "ficar" e namoro como sendo "equivale a

outros pares: não ter compromisso / ter compromisso; diversão / envolvimento sério;

relação passageira / relação com projeto de continuidade; etc. (Rieth, 2000: 219)".

12 Na verdade não são "tão desconhecidos assim", já que a busca do par se dá dentro da rede de relações do indivíduo. 13 O termo foi freqüentemente referido pelos jovens do grupo estudado (do chat Terra Porto Alegre). 14 Do município de Pelotas/Rio Grande do Sul.

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Metodologia

A pesquisa que resultou nessa dissertação de mestrado foi desenvolvida a

partir da noção de experiência etnográfica, com a produção cognoscente a partir do

encontro com o Outro. Cabe trazer a concepção pós-moderna de James Clifford

sobre a experiência etnográfica: "...evoca uma presença participativa, um contato

sensível com o mundo a ser compreendido, uma relação de afinidade emocional

com seu povo, uma concretude de percepção. A palavra também sugere um

conhecimento cumulativo, que vai se aprofundando (Clifford, 1998: 38)".

A experiência transcorreu a partir da relação entre pesquisador e grupo

pesquisado mediada pelo canal de comunicação virtual possibilitado pelo chat de

Internet denominado "Porto Alegre", do provedor "Terra" (<www.poa.terra.com.br>).

Foi feito um acompanhamento sistemático e diário. Nesse tipo de contato foi

realizada uma observação da sociabilidade que se cria através da troca de

mensagens escritas entre os usuários do sistema, assim como a participação nos

debates que cotidianamente se formam.

A utilização de chats respeita horários distintos, de acordo com o perfil do

usuário. Existe a "turma da noite", a "turma do dia". Essa diferença básica é

decorrente de condições objetivas de acesso à Internet. Existem os casos onde o

acesso é feito do local de trabalho, em outros casos há a facilidade de uma conexão

direta (pagando-se o mesmo valor pelo acesso a qualquer hora do dia), a conexão

discada (via linha telefônica, com valor reduzido no horário noturno, com maior

desconto a partir da meia-noite), feito a partir de locais de ensino (respeitando os

horários de funcionamento da instituição), e assim por diante. Essa diversidade de

condições ampliou a variação de tipos de freqüentadores de chat com os quais

foram feitos contatos.

A etnografia prezou uma "descrição densa" (Geertz, 1989) com a produção de

um texto etnográfico respeitando o contato intersubjetivo e dialógico que se formou

na relação com o "Outro". Buscou-se elaborar uma narrativa etnográfica dialógica.

James Clifford cita que os trabalhos de Bronislaw Malinowski e Franz Boas, por

exemplo, ainda não contemplavam a moderna antropologia "interpretacional,

intimamente identificada com uma experiência de campo pessoal", mas apresentam

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um caso de transição na medida em que em vários momentos dá a voz ao Outro

(Clifford, 1998:48).

O "dado etnográfico" foi buscado a partir de acontecimentos ocorridos na

relação do freqüentador de chat com a sociabilidade on-line e em que medida a sua

situação off-line era afetada, ou vice-versa. Buscou-se capturar a voz do Outro. O

que ocorre quando o pesquisador se coloca na posição de narrador de histórias

obtidas pela experiência do sujeito narrativo. Experiência que acaba sendo a do

próprio etnógrafo ou a que lhe é relatada (Eckert, 2002).

No caso da experiência relatada, parte-se da possibilidade de restauração da

voz do Outro na escrita etnográfica. O encontro etnográfico gerou narrativas a partir

de uma situação e uma problematização temporal feita pelos sujeitos. O esforço

narrativo surgido do encontro etnográfico entre antropólogo e sujeito pesquisado

sustentou a experiência narrativa.

Partiu-se do princípio de que o método etnográfico se dá pelo desvendamento

do sujeito antropólogo reconhecendo sua alteridade e o processo de constituição do

Outro (pela apreensão do Outro diferente). Espera-se problematizar a vivência dos

vários segmentos pesquisados para os leitores do texto. Se por um lado temos

etnografias "fechadas", onde a alteridade fica somente com o autor, aqui procurou-

se elaborar uma do tipo "aberta", onde a alteridade é construída pelo leitor da escrita

etnográfica. Nesse sentido foi necessário que o texto demonstrasse o processo de

formação do conhecimento e o processo de alteridade, o tempo cognitivo próprio do

antropólogo.

O que já tinha sido acumulado

Minha inserção no estudo de formas contemporâneas de interação social foi

feita a partir de uma pesquisa15 sobre as representações corporais dos

freqüentadores de sala de bate-papo acessada pelo computador, via Internet - chat.

A conclusão básica do estudo foi de que a falta da presença corporal no espaço

virtual gerava a utilização de símbolos, discursos e imagens que remetiam à

presença real e física do corpo humano no processo de sociabilidade via

computador. No entanto, também estimulavam a produção de formas alternativas de

15 Pesquisa para trabalho de conclusão de curso de graduação em Ciências Sociais (Dornelles, 2000).

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linguagem e comunicação, que não se remetem diretamente ao corpo humano, mas

o recria no ciberespaço.

Em um segundo momento foi dada maior ênfase à forma de sociabilidade

virtual que desenvolvem os freqüentadores de chats. Essa experiência demonstrou

que, embora estarem utilizando um sistema de comunicação no mundo on-line, os

indivíduos buscam envolvimentos pessoais no mundo off-line. As principais

características de um ambiente virtual (anonimato e autonomia exacerbada) facilitam

e potencializam a comunicação no chat e o transformam em um excelente lugar para

sanar o sentimento de solidão, buscar relacionamentos de troca afetiva e amorosa.

Em alguns casos esteve presente, entre os freqüentadores, a intenção deliberada de

envolvimento não somente on-line, mas também off-line.

Os indivíduos que cultivam a sociabilidade via computador percorrem

caminhos diferentes. Alguns se inserem em comunidades virtuais e desenvolvem

uma coesão de grupo que extrapola os limites do on-line. Outros têm uma conduta

que não se direciona na inserção em grupos. Permanecem isolados, buscando

estabelecer contato com outros indivíduos na mesma situação, ou com aqueles

inseridos em comunidades virtuais. Em muitos casos é o sentimento de solidão que

promove a inserção no ciberespaço na busca por interação social. Em outros casos

o sentimento não está presente. Embora a busca de relacionamentos amorosos seja

predominante, também existem os casos em que busca-se o vínculo de amizade, o

entretenimento e o passatempo.

Todo o dia o "chat se modifica". Dependendo do grupo que o está acessando

haverá uma dinâmica específica. Ou haverá uma discussão sobre determinado

assunto, ou um conflito entre os usuários do sistema, ou outra situação que torna a

existência do chat, de certa maneira, fragmentada. Por outro lado, devido à

presença de freqüentadores regulares, que se reconhecem e se identificam, a

sociabilidade entre eles segue uma sucessão de fatos e memória acumulada

coletivamente.

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A continuação

Aqui a pesquisa foi realizada com um grupo que é formado por jovens e

adolescentes em sua maioria. Os resultados da experiência são resultantes desse

recorte. Os grupos que utilizam chats para se comunicar variam muito. Existem

grupos os quais predominam pessoas com mais idade, acima dos 35 anos. Em

outros grupos a variação é maior. No presente caso prevaleceram os jovens com

idade entre 16 e 25 anos.

Os movimentos de ida e volta do pesquisador em campo foram regulares,

compondo um conjunto de encontros, tanto na modalidade on-line (em ambiente de

chat), quanto na off-line (nos encontros face a face do grupo). Compartilhando de

um mesmo aglomerado urbano, o distanciamento se deu em relação aos diferentes

campos sociais16 aos quais faziam parte pesquisador e pesquisados.

Em investigações anteriores se constatou que, mesmo estabelecidos

virtualmente, a rede apela para a sociabilidade off-line. É quando realizam eventos

que reúnem a "comunidade do chat". Essas ocasiões foram acompanhadas e

possibilitaram a realização de entrevistas pessoais semi-estruturadas e de

observação participante. Durante a fase on-line de estabelecimento da rede foi

possível realizar entrevistas individuais virtuais no próprio ambiente de chat e

interação virtual com a rede. Por estarem familiarizados com a comunicação via

computador/Internet, alguns freqüentadores demonstraram a preferência pela

entrevista individual virtual. Outros, ao contrário, preferiram a entrevista face a face.

A troca de mensagens em chat no "modo aberto"17 possibilita a leitura por parte

de todos os freqüentadores conectados naquele momento. Como o acesso ao chat é

público, a leitura das mensagens, nesse caso, também é pública. A narrativa

etnográfica também leva em conta o conteúdo dessas mensagens. Elas mostram a

vivência on-line. São aspectos que podem ser captados pelo pesquisador pela

observação da sociabilidade virtual da rede.

16 No sentido de distância de campos sociais proposto por Pierre Bourdieu. 17 O emissor envia uma mensagem ao receptor e essa pode ser lida por todos os usuários do chat conectados naquele instante. É o oposto do modo "reservado", onde somente emissor e receptor compartilham do conteúdo da mensagem. No primeiro modo a mensagem é visualizada na tela dos computadores de todos os usuários conectados. No segundo modo a mensagem é visualizada somente nas telas dos computadores do emissor e do receptor.

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No desenvolver do texto essas situações são trazidas. O leitor poderá perceber

que em alguns casos as situações de vivência em ambiente de chat serão trazidas,

literalmente (as "falas" dos usuários do sistema). Já que a comunicação é feita

basicamente pela troca de mensagens escritas, optou-se pela manutenção da grafia

dos freqüentadores de chat. Em outros casos são citados trechos das entrevistas

realizadas, tanto no ambiente de chat, quanto pessoalmente.

No caso das entrevistas individuais virtuais foram utilizadas plataformas que

mediam o contato via Internet. O ambiente de interação via computador pode ser

composto por várias plataformas/programas (Guimarães Jr., 1999). No caso em

questão as entrevistas foram realizadas mediante a troca de mensagens escritas

entre pesquisador e pesquisado. O canal que propiciou essa interação foi o do

próprio Chat Terra Porto Alegre, e do ICQ (Lê-se "I Seek You", que significa: eu

procuro você.). O ICQ é um software que acusa se outros usuários do programa

estão acessando a Internet no mesmo momento e também serve como canal de

comunicação escrita (chat). Quando a troca de mensagens envolve grande

quantidade de texto é preferível utilizar o ICQ, já que ele é relativamente mais

"rápido" no envio e recebimento de mensagens.

As entrevistas pessoais foram registradas com o auxílio de gravador de áudio e

notas escritas para posterior transcrição. As entrevistas individuais virtuais e a

interação virtual com a rede foram registradas em formato de texto. O texto foi

gravado em um arquivo digital e reproduz exatamente o diálogo entre pesquisador e

pesquisados feito pela troca de mensagens escritas (em ambiente de chat, ou via

"ICQ"). O diário de campo foi composto pelas reflexões do pesquisador, anexadas

pelo arquivo digital contendo o diálogo original ocorrido em ambiente virtual. No caso

das entrevistas pessoais e observações de encontros da turma o diário teve a forma

clássica de composição de texto, contendo a narração e a descrição dos eventos,

assim como a transcrição das entrevistas.

Em ambiente de chat o anonimato do usuário é garantido. A única identificação

que existe é o nick. Para acessar uma sala de bate-papo - chat - é necessário utilizar

uma identificação. Essa identificação é um nome que terá o usuário no sistema do

chat. A expressão "nick" vem do inglês nickname, que significa apelido, em

português. Antes de começar a enviar e receber mensagens, o sistema pede ao

internauta que crie essa identificação. Ela é totalmente livre e dependerá

exclusivamente da escolha pessoal.

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Grande parte dos usuários fazem questão de utilizar sempre o mesmo nick

para serem identificados pelos seus amigos, o que facilita o encontro de pessoas

conhecidas para o cultivo da sociabilidade. A entrada em campo e o reconhecimento

da presença do pesquisador por parte dos "nativos" do chat passou pela

identificação por nick. No início utilizei o nick "Dr.Zaius". Nessa época o contato era

maior com o grupo da sala Porto Alegre "A". Em um segundo momento, coincidindo

com a inserção no grupo da sala Porto Alegre "B", foi utilizado o nick "Cabelo".

A troca foi devida a um único motivo: o "Dr.Zaius" transmitia uma imagem de

alguém muito "maduro", com pouca inserção no grupo de jovens. Trocar o nick no

chat é algo muito fácil e cria uma outra personalidade perante os demais

freqüentadores. Nada muito diferente do que ocorre no mundo off-line, onde a

constituição da pessoa também passa pelo nome. Imaginemos que a partir de

amanhã eu troque meu nome, por exemplo, para "Adalberto". Bom, talvez os meus

amigos comecem a achar que eu sou outra pessoa.

Não foi escolhido um nick do tipo "pesquisador", ou "antropólogo" porque não

vinha ao caso. O nick pode ser visto, metaforicamente, como sendo uma "roupa".

Como estamos lidando com um fazer antropológico na zona urbana, provavelmente

a minha imagem será semelhante com a dos nativos. Usar um nick do tipo

"pesquisador" ou "antropólogo" seria semelhante a utilizar um crachá em campo,

algo que não foi feito, nem foi cogitado. A intenção não foi "se passar por um

freqüentador de chat". Aliás, pelo contrário. A todo o momento a minha intenção

como pesquisador no chat era informada. Nenhuma informação referente à pesquisa

que estava sendo realizada foi sonegada. É claro que, como em qualquer outra

situação de pesquisa, alguns nativos não levavam a sério, pensavam que se tratava

de alguma brincadeira de algum outro freqüentador de chat, ou então pensavam que

eu era algum tipo de jornalista.

Alguns objetivos

A experiência etnográfica esteve em constante questionamento sobre os

elementos passíveis de serem generalizados. Embora estivesse trabalhando com

um grupo particular, segmentado, busquei elementos que rumassem em direção a

um universalismo. Lembrando ser um universal somente atingido quando estiverem

presentes, se não todas, boa parte das características da cultura pesquisada. James

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Boon, refletindo sobre a relação entre universal e particular, coloca que a principal

qualidade do trabalho de campo está nele relacionar um etnocentrismo (evidente, do

antropólogo) e uma tentativa universalista. E ainda, que o contato etnográfico

realizado no trabalho de campo possibilita o encontro com o "Outro" e uma

"exageração" das diferenças (Boon, 1993).

A pesquisa seguiu um conjunto de hipóteses. Em primeiro lugar temos no

ambiente de chat a construção de novas formas de sociabilidade relacionadas,

basicamente, com a idéia de rede. Em segundo lugar, a sociabilidade virtual recria

aspectos da interação face a face ao mesmo tempo que cria novos. Em terceiro, a

noção de espaço é construída a partir da interação com a tela do monitor e os

caminhos a percorrer, página após página, até o momento da interação com demais

usuários de chat. Em quarto lugar, existe uma aproximação das noções de on e off-

line para o usuário de chat, de modo a se constituírem em uma única dimensão da

experiência pessoal.

Acompanhando esse texto vem anexado um CD-ROM. Nele são

disponibilizadas imagens digitais e demais arquivos que necessitam dessa mídia

para serem acompanhados. Poderiam ser trazidas aqui, impressas, imagens do

layout do chat, por exemplo. Entretanto, o leitor perderia a sensação de visualização

que se adquire com a imagem na tela do monitor (e a postura que ela carece por

parte do leitor, que se assemelha a do internauta). Em momentos propícios será

indicado que há no CD-ROM imagens referentes ao tema tratado. O leitor poderá

"navegar" nos arquivos do CD antes de ler o texto, ou então durante a leitura ou, se

preferir, ao final.

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CD-ROM

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Onde estaremos

O principal palco

desse estudo é a cidade

de Porto Alegre. Ela é a

capital do Estado do Rio

Grande do Sul, que fica no

extremo sul do Brasil. O

leitor talvez já a conheça.

Mesmo assim faço

questão de conduzi-lo por um breve passeio. Um passeio que mostrará alguns

lugares da cidade, alguns pontos de encontro dos porto-alegrenses, alguns locais de

sociabilidade e a presença de algumas inovações tecnológicas.

Origem

A fundação da cidade data do século XIX, porém no século XVIII começava a

tomar os seus primeiros contornos. Em 1732 o governo português outorgou as

primeiras sesmarias da região do que é hoje o Rio Grande do Sul. Em 1740 ele

concedeu a Jerônimo de Ornelas a sesmaria de Morro de Santana. Ela era

localizada entre o atual município de Viamão (que fica a leste de Porto Alegre) e o

Rio Guaíba (que fica a oeste de Porto Alegre). Durante vinte anos Ornelas teve sua

fazenda, mas não houve povoamento da região.

Em 1750 o Tratado de Madri concedeu o atual território do estado à Portugal.

Até então essas terras eram da Espanha. A partir daí, o governo português tratou de

povoar a região para defender seu território. Para a região que é atualmente Porto

Alegre foram enviadas famílias, principalmente da ilha dos Açores. Elas se

instalaram primeiramente no Morro de Santana, na margem da Lagoa dos Patos (ao

sul do que é atualmente Porto Alegre). O primeiro nome dado a esse povoado foi o

de Capela de São Francisco do Porto dos Casais.

A intenção do governo português era de que os novos imigrantes se

deslocassem até a região que é atualmente os Sete Povos das Missões. No entanto

eles não tiveram êxito, ficando nas terras de Ornelas. Improvisaram chácaras na

beira do Guaíba e construíram um casario no lugar onde é atualmente a Rua da

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Praia. Em seguida Ornelas vendeu suas terras a outro fazendeiro português. Em 26

de março de 1772 o povoado foi desmembrado da freguesia de Viamão, que era a

segunda capital do então "Continente de São Pedro".

Em 25 de julho de 1773 a capital foi transferida para esse povoado, chamado

então de freguesia de Nossa Senhora de Madre de Deus de Porto Alegre. Em 1808

ele foi elevado a vila. Em 1822, com a independência brasileira, a vila passou a ser a

cidade de Porto Alegre. "A festa pela conquista prometia que o lugar iria se

transformar num porto quase sempre muito alegre" (Urbim, 1999a: 22).

O mapa atual

Atualmente Porto Alegre é dividida em diversos bairros e zonas. A região

onde os primeiros casais açorianos chegaram coincide com a atual zona sul da

cidade. Em seguida eles se instalaram no atual Centro da cidade. A zona leste faz

limite com o município de Viamão. Ao norte há o Rio Gravataí, e em seguida o

município de Cachoeirinha. Na zona oeste de Porto Alegre há mais água do que

terra. Nessa parte fica o Rio Guaíba e diversas ilhas, tais como a Ilha da Pintada, da

Casa da Pólvora, das Flores, do Chico Inglês e do Pavão.

Onde ficava o "casario açoriano" é atualmente a Rua dos Andradas, também

chamada de Rua da Praia, bairro Centro da cidade. No Centro se concentram as

atividades de comércio, de serviços e administrativa. É lá que estão o Cais do Porto,

o Mercado Público, os edifícios do governo municipal e estadual, assim como seus

departamentos anexos. Logo ao sul e a leste do bairro Centro ficam,

respectivamente, os bairros Cidade Baixa e Bom Fim. Eles se caracterizam por

misturarem um perfil residencial, comercial e de serviços. Além disso são lugares de

forte atividade de lazer e boemia. Atualmente na margem do Guaíba, ainda no

Centro, próximo ao Cais do Porto, há uma grande área descampada que serve para

a prática de lazer e esportes, assim como local de sociabilidade entre porto-

alegrenses. Ela é formada pelo terreno que fica ao lado a antiga Usina do

Gasômetro, que atualmente é um Centro Cultural.

Ao norte do bairro Centro se desenvolveu uma zona industrial. Essa parte se

caracterizava por possuir os bairros operários da cidade, como Navegantes e São

Geraldo. Nessa região também se localiza o aeroporto internacional e a

saída/entrada rodoviária da cidade. Ela faz ligação tanto para o norte (restante do

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país) como para o sul ou oeste (demais municípios do estado), assim como para o

leste (área litorânea banhada pelo oceano Atlântico).

Esquema que apresenta as principais avenidas e alguns bairros da cidade.

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Ao sul do bairro Centro a cidade se estende até quase as margens da Lagoa

dos Patos. No sentido centro-sul estão dispostos os seguintes bairros: Praia de

Belas, Nonoai, Cristal, Camaquã, Tristeza, Cavalhada, Conceição e Ipanema. Esses

dois últimos surgiram como antigas áreas de veraneio na cidade, já que estão às

margens do Guaíba. No sentido centro-leste/sudeste rumamos em direção ao

município de Viamão. Surgem nesse trajeto os seguintes bairros: Santana, Jardim

Botânico, Partenon e Agronomia. Eles são predominantemente residenciais e foram

gradativamente surgindo durante a segunda metade do século XX. O povoamento

dessa região coincide com a expansão da cidade e a ampliação da linha do bonde.

A ocupação da região nordeste da cidade é mais recente. Lá estão os bairros

de Sarandi e Rubem Berta. A característica residencial é mais forte nessa parte. A

leste da região sul fica uma área "verde" de Porto Alegre. Coincide com o bairro

Restinga, Belém Velho e Belém Novo. Ainda existe nessa parte pequenos sítios,

campos e pequenas florestas. Até pouco tempo era a zona rural da cidade. Ainda

hoje o bairro Belém Velho se destaca pela produção de pêssegos. Na região

sudeste, logo em seguida ao bairro Partenon (no sentido centro-Viamão) está

localizado um grande complexo de favelas: Morro da Cruz, Campo da Tuca e Morro

da Polícia. Ao norte dessas favelas, indo na direção norte e atravessando o Arroio

Dilúvio, iremos ver novas favelas: Vila Laranjeira, Vila Bom Jesus e Vila Margarita.

O Arroio Dilúvio é um córrego que corta a cidade no sentido leste-oeste. Sua

nascente é no bairro Agronomia, quase na fronteira com Viamão. Na sua nascente

forma-se um grande lago que fica ao lado do Campus da Universidade Federal do

Rio Grande do Sul. O Dilúvio segue na direção oeste e deságua no Rio Guaíba. Nas

suas margens está a Avenida Ipiranga, de intenso tráfego. As águas do Dilúvio são

turvas e recebem esgoto pluvial. Até pouco tempo também recebia intensamente o

esgoto residencial. No início do século XX ele era largo e recebia embarcações.

Em vários bairros da cidade é possível perceber a ocupação (em pontos

diferenciados) de famílias de classe alta, média e baixa. Nas regiões da periferia e

de favela há um predomínio de moradores com pouco poder aquisitivo.

Historicamente, o bairro Menino Deus, que fica logo ao sul do bairro Cidade Baixa,

foi o primeiro a ser reconhecido no senso comum como "aristocrático". Atualmente

há uma concentração maior de moradores de classe média. Em seguida a imagem

de "bairro aristocrático da cidade" ficou com Higienópolis. Ele fica localizado a leste

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...uma etnografia entre internautas. 53

do bairro Navegantes. Talvez a

imagem de "classe alta" esteja

hoje em dia com o bairro Moinhos

de Vento, que se localiza a leste

do bairro Bom Fim.

Entre esses dois bairros

está localizada uma região de

grande concentração de bares

noturnos. É ali que se localiza a

Avenida Goethe. Ao seu redor

algumas ruas completam um

circuito boêmio da cidade, a qual

chamo de "Circuito da Goethe". Se

durante a noite os bares e as

casas noturnas dessa região são o

ponto de encontro dos porto-alegrenses, durante o dia ele se transfere para o

Parque Moinhos de Vento (também chamado de "Parcão", que fica ao lado da

Avenida Goethe, na sua extensão norte). Algo semelhante também ocorre no bairro

Cidade Baixa. A Rua General Lima e Silva corta esse bairro no sentido norte-sul.

Nela estão concentrados uma série de bares que servem de local para a prática da

boemia porto-alegrense. O "Circuito da Lima e Silva" fica completo com as ruas das

imediações. Entre o bairro Cidade Baixa e Bom Fim há outro parque: o Parque da

Redenção (Oficialmente chama-se Parque Farroupilha). Sua área é bem maior

daquela do Parque Moinhos de Vento. Na Redenção há várias áreas caracterizadas:

a área de esportes com equipamentos, campo de futebol e pista de corrida (na ponta

leste do parque, entre a Avenida Oswaldo Aranha e a Rua José Bonifácio); o

auditório Araújo Viana (ao norte dos esportes, logo ao lado da Avenida Oswaldo

Aranha); a área central, com chafarizes e dedicadas à circulação e aglomeração de

pessoas; um pequeno zoológico; um parque de diversões para crianças e ao lado

bares e lojas, compondo o "Mercado do Bom Fim". A ocupação desse parque varia

muito conforme o dia da semana e o horário. É comum ver, nos dias da semana,

cedo da manhã, moradores das imediações praticando atividades físicas, como

corrida e caminhada. A parte da tarde recebe um público mais variado e também

muitos pedestres de passagem entre os pontos da cidade, já que o parque liga

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bairros e avenidas. Nos finais de semana a ocupação é mais intensa. No sábado é

realizada uma feira de artesanato e de hortifrutigranjeiros.

No domingo ocorre o ápice da ocupação. Ao lado da Redenção, na Rua José

Bonifácio e entre o parque e o Colégio Militar de Porto Alegre, é realizado o "Brique

da Redenção". O Brique é composto por duas partes: uma formada por bancas que

comercializam antigüidades e outra formada por bancas que comercializam

artesanato. Nesse dia a Redenção recebe a visita de uma grande quantidade de

pessoas, a maioria porto-alegrenses que encontram ali um espaço para a prática do

lazer e da sociabilidade. Situado na Redenção, mas quase em frente ao Colégio

Militar está o Monumento ao Expedicionário, que é utilizado como ponto de encontro

por várias pessoas. É comum ver ao seu redor uma aglomeração grande de pessoas

organizadas em grupos, formando pequenos círculos com até seis pessoas

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conversando. Muitos desses grupos são de "turmas de chat de Internet", que

escolhem esse local para o encontro face a face fora da sala de bate-papo.

A disposição atual da cidade é bem diferente daquela do final do século XIX e

início do XX. Naquela época Porto Alegre recém recebia a visita do "progresso".

Algumas inovações tecnológicas eram trazidas rapidamente para a cidade, que

mostrava um desenvolvimento acelerado. O cenário atual se transformou em relação

àquele do passado. Muita coisa mudou. Os próprios porto-alegrenses mudaram. Os

espaços de sociabilidade atualmente são outros. O "uso" que atualmente os porto-

alegrenses fazem da cidade é diferente daquele do passado. Novos trajetos e

circuitos, tanto de comércio, como de lazer e de sociabilidade, foram criados. Se, por

exemplo, nas décadas passadas "fazer parte da sociedade" era estar circulando pelo

centro da cidade, conversando ao redor dos cinemas e cafés, hoje em dia novas

alternativas são criadas. Entre elas, a boemia nos bares e casas noturnas da "Lima

e Silva" e da "Goethe".

O início do progresso e os primeiros anos do século XX

Em meados do século XIX o "progresso" já chegava à Porto Alegre. O

calçamento das ruas data de 1848. O fornecimento de água encanada às casas (do

Centro) começou em 1861. Em 1872 os porto-alegrenses tiveram os serviços de

bonde com tração animal e iluminação a gás. Nessa época o serviço de bonde era

executado pela então recém fundada Companhia Carris de Ferro Porto-Alegrense.

Os veículos? Bom, foi importado diretamente dos Estados Unidos da América a

última e mais moderna geração dos bondes puxados por mulas. Eles eram feitos em

madeira e metal. A iluminação era feita por lamparinas a querosene e a capacidade

era de 40 passageiros sentados. Os bondes chegavam à velocidade de 4,5km/h e

eram puxados por duas mulas. Uma viagem de bonde do centro até a "Capela do

Menino Deus" (atual bairro Menino Deus) demorava "apenas" seis horas. Nas

lombas os passageiros precisavam descer do veículo e ajudar os animais. A ferrovia

Porto Alegre-São Leopoldo (município ao norte de Porto Alegre) data de 1874. Em

1889, ano da proclamação da república brasileira, havia em Porto Alegre nove

fábricas de cerveja e 316 tavernas. Em 1892 haviam 72 assinantes do serviço de

telefonia, que era executado pela Companhia União Telephônica.

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O século XX trouxe à cidade ainda mais desenvolvimento. Em 1907 os

bondes com tração animal foram substituídos pelos elétricos. A partir de então novos

veículos foram importados e agora podiam chegar à velocidade de 60km/h. No ano

seguinte a energia elétrica dispensou a iluminação a gás. Nessa época a linha férrea

expandiu ligando Porto Alegre à cidades do centro do estado. Em 1909 foi

inaugurada a primeira central telefônica "a bateria central", que era a mais moderna

tecnologia existente da época. Porto Alegre era a quinta cidade no mundo e a

primeira na América do Sul a utilizar esse sistema. Em 1910 Porto Alegre já estava

ligada via trem com o município de Rio Grande, que fica no sul do estado. Também

é dessa época uma das maiores construções da cidade: o porto.

As embarcações começavam a ficar "maiores". Os grandes navios a vapor já

não conseguiam atravessar o canal do Guaíba e ancorar em Porto Alegre. Isso

causaria sérios problemas, já que toda a produção teria de ser escoada pelo porto

de Montevidéu (Uruguai). Em 1920 veio a solução. Foi construído na cidade uma

área portuária moderna, com um cais que servisse a navios de longo curso e outros

para servir à navegação fluvial.

Nessa época a prática do footing18 adquiria importância no convívio social dos

porto-alegrenses. Até então os momentos de sociabilidade eram praticados,

preferencialmente, em saraus e recitais nos domicílios, sob a esfera privada.

Gradativamente a esfera pública foi ganhando o status de espaço de convívio.

Assim como comenta o Senhor Achylles Porto Alegre, nascido ainda no século XIX e

que era jornalista, professor e poeta:

"Aonde quer que conduza meus passos e por cedo que seja, encontro sempre no

meu caminho senhoras e senhoritas que fazem o seu footing e andam às compras. Algumas

são empregadas, moças que vão para seus empregos. E são muitas as damas e senhoritas

que andam sós, a qualquer hora do dia. E isto é tão natural, tão do meio, que a gente não

repara quando encontra uma amiga, mesmo as de antanho, só na rua." (Urbim, 1999a: 116)

Como trajeto "obrigatório" para o footing daquela época estava a atual Rua

dos Andradas, antiga Rua da Praia. Caminhar por suas calçadas era como estar

diante de uma "vitrina para a sociedade". Próximos a ela estavam os cafés Colombo

18 O Dicionário Aurélio Século XXI o defini como sendo: "Passeio a pé, para espairecer, ou como exercício físico.". Adiante reflito sobre variações do footing vindas com o tempo.

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ou América e as confeitarias Rocco19 ou Central, assim como os cinemas da Praça

da Alfândega. A primeira exibição mundial do cinema foi feita em Paris/França no

ano de 1895. Apenas dois anos após ele chegava a Porto Alegre. Ao final dos

primeiros vinte anos do século XX a cidade tinha em torno de onze "cinematógrafos".

As casas de exibição de cinema eram locais centrais para a diversão e a

sociabilidade da época.

Outra espécie de diversão da época era a "batalha de flores". Em 1922, no

centenário da independência, houve uma grande programação em Porto Alegre:

Missa Campal, parada militar, inauguração da Biblioteca Pública e a romântica

batalha de flores. O ponto de partida da "batalha" foi o Campo da Redenção

(naquela época ainda não era parque) em frente a atual Faculdade de Direito. O

trajeto da "festa" seguia pela Avenida Independência, Duque de Caxias e Bento

Martins. Os participantes deveriam ter um ingresso que era remetido via correio

pelos seus organizadores. No mesmo ano do centenário foi inaugurada em Porto

Alegre a primeira central automática de telefonia. O que era isso? O leitor deve

lembrar que quando "retira o telefone do gancho" logo ouve um sinal de linha. Bom,

isso é telefonia automática. Até então a ligação telefônica só poderia ser realizada

por intermédio de uma telefonista.

Grande parte do aspecto urbanístico de Porto Alegre data dessa época. Foi

quando o Prefeito Otávio Rocha (empossado em 1924) fez uma série de obras na

cidade. É de sua administração a abertura das Avenidas Borges de Medeiros e Júlio

de Castilhos. Muitos quarteirões foram colocados abaixo, assim como vielas e

becos. Talvez a obra que mais o lembre atualmente seja o "Viaduto Otávio Rocha".

Ele faz a passagem da Rua Duque de Caxias sobre a Avenida Borges de Medeiros,

no Centro da cidade. Atualmente esse cruzamento chama a atenção pela

grandiosidade dos prédios ao seu redor. Porém na época de sua construção

somente existiam casarões. Nessa administração municipal também foram

ajardinadas algumas partes do antigo Campo da Redenção. Naquela época o

Campo era livre de qualquer edificação. A única visível era o Casarão da Várzea,

que a vinte anos abrigava a escola de oficiais do exército e logo se transformou no

Colégio Militar de Porto Alegre.

19 Nessa época a Rocco era o point (lugar mais badalado) de Porto Alegre. No segundo andar de seu prédio várias festas aconteciam.

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Na década de vinte as águas do Rio Guaíba ainda não eram poluídas. Tanto

que os campeonatos de natação eram organizados nelas. Em 1925 foram realizadas

as provas de 500 e 1.500 metros. No mesmo ano foi inaugurada a primeira feira livre

de Porto Alegre. Para resolver o problema de carestia da população, o Prefeito

Otávio Rocha nomeou uma comissão que deliberou pela criação das feiras. A

primeira foi inaugurada na região do atual bairro São João. Logo foram inauguradas

outras, como a do Caminho Novo (atual Rua Voluntários da Pátria, localizada no

bairro Centro) e a da Ponte da Azenha. Nelas era possível encontrar produtos

variados, como frutas, legumes, cereais e derivados de carne.

Ainda no governo Otávio Rocha foi construída a Usina Termelétrica (da volta

do Gasômetro). A construção teve início em 1926. Até então a energia produzidas

por três usinas em Porto Alegre não vinha atendendo à demanda da cidade. Com a

nova usina os bondes poderiam ser maiores e mais rápidos. O local escolhido foi a

margem leste do Guaíba que banha o lado oeste do Centro da cidade, logo ao sul

do Cais do Porto. Dessa forma a usina estaria próxima do rio, do carvão mineral

escoado pelo Rio Jacuí e de abundante água, que serviria para refrigerar os

condensadores (Urbim, 1999b: 75).

Décadas de 30, 40 e 50

A década de trinta iniciou no mês de outubro, com a vitória de Getúlio Vargas

na "Revolução de Trinta". Grandes foram as transformações no país. Em Porto

Alegre a "mudança" foi marcada inclusive na troca de nomes de ruas. A Avenida da

Redenção, que ficava ao lado do Campo da Redenção, ficou sendo chamada de

Avenida João Pessoa, em homenagem ao companheiro de Vargas na chapa da

Aliança Liberal (Urbim, 1999b: 222). A quarenta anos atrás outra transformação no

país tinha mudado nomes de ruas de Porto Alegre. Com a Proclamação da

República a Rua do Imperador passou a se chamar Rua da República (atualmente

forma uma esquina com a Rua General Lima e Silva e é ponto de encontro do

circuito boêmio).

O que os porto-alegrenses faziam para se divertir nessa época? Ir ao cinema

continuava sendo um bom programa, ainda mais depois de 1929, quando ele deixou

de ser mudo. Nas noites da cidade, artistas do centro do país, como Noel Rosa,

marcavam presença. Nos botecos um jovem negro chamado Lupicínio Rodrigues se

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mostrava um grande cantor. Em certo dia do ano de 1934 a diversão foi ver a

passagem do Zeppelin. O dirigível vinha da Alemanha com destino a Buenos Aires.

Com sua exuberância de 235 metros ele servia de excelente propaganda nazista em

todo o mundo. Devido à colonização alemã, a cidade de São Leopoldo também teve

a visita do Zeppelin. Em Porto Alegre a cena foi a seguinte:

"Foi um sobrevôo mágico, a 200 metros de altitude, com 15 minutos de evoluções. No

centro de Porto Alegre, o Zeppelin deu duas voltas em torno do Palácio Piratini. Não

importava a idade, todas as pessoas procuraram morros, telhados, terraços, sacadas, ou

locais de maior visibilidade. A Catedral ainda estava em construção e muita gente se

empoleirou nos andaimes das torres para ver melhor. Depois do espetáculo, o imenso

pássaro de prata retomou o trajeto para a Argentina". (Urbim, 1999b: 284)

Em 1935 o Campo da Redenção passou a se chamar Parque Farroupilha

(porém até hoje também é chamado de Parque da Redenção ou somente

Redenção). Foi uma homenagem ao centenário da Revolução Farroupilha. Nesse

ano o parque recebeu os contornos básicos que o caracterizam até hoje: o eixo

central e os chafarizes; os recantos temáticos do Roseiral, Alpino, Solar, Europeu e

Chinês. Em 1937 ocorreu a construção da chaminé grande da Usina do Gasômetro,

com 117 metros de altura e que existente até hoje.

Em 29 de novembro de 1947 houve a partilha da Palestina e foi criado o

Estado de Israel. E o que isso tem a ver com Porto Alegre? A votação pela criação

do Estado foi feita na Organização das Nações Unidas (ONU). A seção desse dia foi

presidida pelo alegretense20 Oswaldo Aranha, que anunciou a decisão da partilha.

Esse assunto interessava aos próprios palestinos e também aos porto-alegrenses,

principalmente os moradores do bairro Bom Fim, onde está concentrada uma

população judaica na cidade. Em alguns bares da atual Avenida Oswaldo Aranha

(ao lado do Parque da Redenção) os porto-alegrenses se encontravam para

comentar sobre as novas notícias recém ouvidas no rádio. Era o caso do então Bar

João (conhecido como "Fedor"). É interessante que a principal avenida do bairro

Bom Fim já era denominada como "Oswaldo Aranha" desde 1930, quando fora feita

uma homenagem pela participação dele na revolução desse ano. Após 1947 a

20 Quem nasce no município de Alegrete, Estado do Rio Grande do Sul.

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associação entre Oswaldo Aranha, Bom Fim e população judaica de Porto Alegre

ficou mais clara.

A tecnologia do rádio se difundia por Porto Alegre. As ondas radiofônicas

traziam o mundo aos porto-alegrenses. Através dos aparelhos de rádio a população

foi rapidamente informada sobre o fim da Segunda Guerra e a partilha da Palestina.

Mas o rádio não servia somente à informação, ele também entretinha. Dizem que em

1956 o maior sucesso do rádio aqui em Porto Alegre era o Programa Maurício

Sobrinho. Ele era transmitido diretamente do palco do Cine Castelo, na Rua da

Azenha. Ali se apresentavam tanto os sucessos do momento, como Ângela Maria e

Cauby Peixoto, como os ainda desconhecidos da época, como era o caso de Elis

Regina, que se apresentava como caloura. A presença dos porto-alegrenses era

maciça tanto dentro do edifício, no palco, quanto do lado de fora, a espera das

estrelas. Em 1959 outra inovação tecnológica na cidade: a TV Piratini, canal 5 de

Porto Alegre. Nessa época a programação ia das 20h até as 22h. Os programas

eram apresentados ao vivo, já que não existia videoteipe21.

Décadas de 60 e 70

No início da década de sessenta surgiu a Companhia Rio-grandense de

Telecomunicações-CRT. Desde a inauguração da "central automática" muita coisa

tinha mudado. Os aparelhos de telefone começavam a ficar menores, embora ainda

muito grande se comparados aos atuais. Na década de setenta eles ganharam cores

e logo ganharam teclas no lugar de discos (daí o termo "discar" um número de

telefone). A partir de então o serviço cada vez incorporou novas tecnologias, como

foi o caso do DDD (Discagem Direta a Distância). Nos anos setenta Porto Alegre já

tinha em torno de 55 mil assinantes de telefonia (Urbim, 1999b: 537).

Em dezembro de 1962 surgiu a segunda emissora de televisão da cidade: a

TV Gaúcha, canal 12 de Porto Alegre. Ela possuía uma estrutura mais moderna, o

que possibilitava uma maior grade de programação. Também inovou a utilizar o

videoteipe. Um ano antes a cidade tinha sido palco da "Campanha da Legalidade".

Foi quando o então presidente Jânio Quadros renunciou. Como o vice João Goulart

(Jango) estava em visita à China, havia o perigo de golpe por parte dos Ministro

21 Fita magnética que grava as imagens do programa possibilitando transmiti-lo em outro momento, depois de sua produção. Nos programas "ao vivo" a produção e a exibição dos programas coincidem.

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Militares, conservadores e opositores à Jango. O então Governador do Rio Grande

do Sul, Leonel Brizola, liderou uma mobilização em favor do retorno e da posse de

Jango. Dos porões do Palácio Piratini (sede do governo estadual) Brizola,

guarnecido pela Brigada Militar22, requisitou a Rádio Guaíba e comunicou à

população do Estado sobre a situação política do Brasil. Gradativamente outras

emissoras do país também começaram a transmitir os pronunciamentos de Brizola,

que se tornaram constantes. Mas a "Campanha" durou apenas um final de semana.

Os anos setenta iniciaram com um adeus. Em março de 1970 foi realizada a

última viagem de bonde na cidade. Nessa época a linha já tinha sido expandida para

zonas pouco habitadas, como era o caso dos bairros da Glória, Teresópolis e

Partenon. Essa época foi marcada pela ditadura militar. Algumas formas de lazer e

boemia ganhavam força. O footing na Rua da Praia já não agradava os porto-

alegrenses como nas décadas anteriores. Agora o momento era outro: de bailes,

reuniões dançantes e bailões. Normalmente eles eram realizados em clubes e a

música era tocada ao vivo por conjuntos musicais. Muitos dos bailões se localizavam

na periferia da cidade, representando uma alternativa de lazer para os moradores

das áreas de nova ocupação. Também era a época das discotecas. Em 1974

ocorreu a desativação da Usina do Gasômetro.

Décadas de 80 e 90

O início da década de oitenta marcou a presença cada vez mais forte dos

bailões. Existia um na Avenida Bento Gonçalves, quase no bairro Agronomia, que se

chamava Clube dos Artistas. Também existiam vários ao longo da zona central e

norte da cidade. Nessa época também tomava forma um circuito de boemia de

jovens porto-alegrenses classe média: o circuito do Bom Fim. A área lateral ao

Parque da Redenção, ao longo da Avenida Oswaldo Aranha, começava a ser cada

vez mais ocupada por jovens pertencentes à diferentes tribos urbanas. Cada tribo

utilizava e defendia um estilo de roupa e de vida característicos. Não cabe aqui

entrar em detalhes sobre as características de cada grupo, bastando ficar claro que

a heterogeneidade tomava conta dessa região.

Os jogos eletrônicos em casa eram a sensação. Até então os jovens porto-

alegrenses só podiam encontrar jogos eletrônicos em casas especializadas: os

22 Polícia Militar de Porto Alegre.

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fliperamas. Em meados da década de oitenta começava a se popularizar uma nova

forma de tecnologia: os vídeo games. Eles eram aparelhos que, conectados à

televisão, geravam imagens de jogos. O jogador poderia, via "controle" (um peça de

uns 15 cm de lado, com uma alavanca e um botão) operar as imagens projetadas na

televisão e jogar o jogo. Os aparelhos de televisão também estavam se

popularizando. Era cada vez mais difícil existir alguma residência na cidade que não

possuísse um aparelho de TV. Naquela época ainda existiam os aparelhos coloridos

e os preto-e-branco. Quem tinha uma TV com controle remoto... era luxo.

Em 1983 o primeiro Shopping de Porto Alegre foi inaugurado: o Iguatemi.

Logo os jovens inventaram uma nova forma de lazer: o footing no shopping. Ir ao

Iguatemi aos sábados começou a se transformar em uma excelente oportunidade

para sair com os amigos, conhecer pessoas novas, namorar e "ficar". Se no sábado

de tarde o shopping era o local por onde se devia passar, de noite era preciso ir em

alguma Festa. A partir da metade da década de oitenta a Festa começou a ganhar

força como local de boemia e sociabilidade dos jovens porto-alegrenses. Era comum

acontecerem em Porto Alegre grandes Festas. O som já não era mais ao vivo e sim

"mecânico23". Alguns clubes serviam de palco para as Festas: Grêmio Náutico

União, Sogipa, Caixeiros Viajantes, Teresópolis...

As grandes escolas da cidade também realizavam Festas. O Colégio Militar

de Porto Alegre realizava mensalmente o Chiclete com Banana. O "Chiclete", como

era chamado, chegava a reunir cinco mil pessoas. Normalmente o Chiclete iniciava

as dez ou onze horas da noite. Nesse horário já era possível ver uma fila (espessa,

não de uma pessoa atrás da outra, mas de grupos de três ou quatro, uns atrás dos

outros) que dava a volta completa ao redor do quarteirão do Colégio. Talvez pela

boa localização essas Festas tenham sido tão populares. O leitor talvez lembre que

o Colégio Militar é o antigo Casarão da Várzea, localizado ao lado do Campo da

Redenção, bem em frente ao Monumento ao Expedicionário, próximo do bairro Bom

Fim ao norte e da Cidade Baixa a oeste.

O início da década de noventa teve um24 ápice da boemia no bairro Bom Fim,

especialmente ao longo da Avenida Oswaldo Aranha. A maioria dos bares eram

antigos, os freqüentadores é que começaram a ficar jovens. Continuavam ali o Bar

23 Nessa época as músicas eram tocadas em aparelhos de som (vitrolas), a partir de discos de vinil ou fitas cassete (toca-fitas). 24 "Um" e não "o", já que durante os passar dos anos a região mostrou vários momentos de forte

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...uma etnografia entre internautas. 63

João, o Lola, a Lancheria do Parque e o Ocidente. Eram estabelecimentos que já

tinham atravessado décadas (o último era mais recente). Nas noites de quinta-feira,

sexta-feira, sábado e domingo era comum ver a "Oswaldo" repleta de jovens,

especialmente no trecho de mais ou menos quinhentos metros que é lateral à área

de esportes da Redenção. A Oswaldo é uma avenida larga, possui inclusive um

canteiro central. A aglomeração era tão grande que as duas vias e o canteiro central

ficavam interrompidos. Os automóveis passavam entre a aglomeração de pessoas.

Todos esses estabelecimentos citados ficam do lado oposto ao da redenção,

na quadra da via bairro-centro da avenida. Do lado da Redenção, na sua "ponta"

leste (quase na Rua José Bonifácio, que é a rua do Colégio Militar) ficava o bar Luar

Luar. Ao contrário dos outros pontos citados ele possuía mesas na rua. A

aglomeração ali também era grande. Cada tribo ocupava um espaço dessa grande

região do Bom Fim. Mesmo assim era comum, e talvez fosse o "interessante" para

esses freqüentadores, transitar de um lado a outro da Oswaldo. O "legal" era ir de

bar-em-bar até o dia raiar. E quem eram esses freqüentadores? Jovens em torno de

vinte anos. Alguns mais velhos, outros mais novos. Ir para a Oswaldo significava ir

para "beber25", conversar com os amigos e de vez em quando "ficar". Mas o

essencial era beber. Tanto é que era normal venderem ao longo da rua, por

ambulantes, as famosas "cachacinhas". Elas eram baratas e possuíam diversos

sabores: de frutas, ou de Halls26...

Em meados da década de noventa outros circuitos também tomavam força.

Na Avenida Goethe, bairro Rio Brando (a leste do Bom Fim) o movimento era tão

intenso quanto na Oswaldo. A diferença talvez fosse de imagem: a imagem da

Oswaldo era mais decadente, escura e suja. Na Goethe a mesma classe média se

vestia melhor, os bares eram mais novos e iluminados. Existia um bar no início da

Goethe (no sentido sul-norte) que se chamava Kripton. Ele se assemelhava ao Luar

Luar, com mesas na rua. Subindo um pouco mais, em direção do Parque Moinhos

de Vento, outros bares surgiam dos dois lados da avenida. No edifício onde

atualmente é o Café do Rock, antigamente era o La Camorra. No mesmo lado da

quadra do Kripton, a uns quinhentos metros adiante (em direção ao Parcão), logo

boemia. 25 Beber bebidas alcoólicas. 26 Um tipo de bala mentolada.

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surgiu o Manara. Nessa época esse circuito era bem extenso e seguia até depois do

Parcão, em direção à Rua 24 de Outubro.

Na "Vinte e Quatro" existia uma famosa casa noturna dedicada a jovens: a

Crocodilus. Ela já vinha desde da década anterior. Em meados de noventa ela

fechou, mas atualmente reabriu. Hoje em dia nessa rua há uma casa noturna bem

famosa: o Rose Place. Em todos esse circuitos boêmios era possível ver uma

aglomeração de jovens nas ruas e em filas para entrar nos estabelecimentos,

principalmente nas noites de finais de semana. Uma nova prática ganhou força: o

footing de automóvel. É comum ver as ruas que ligam os estabelecimentos noturnos

repletas de automóveis, o que gera congestionamentos em plena madrugada porto-

alegrense. Muitas vezes os jovens saem de carro e ficam dando "voltas" na cidade

em busca de um lugar mais movimentado, que esteja mais divertido. No final dos

anos noventa também surgiu a prática de estacionar o automóvel, abrir o porta-

malas e aumentar o volume do som de modo bem intenso. É comum ver nos

circuitos de boemia, em frente a bares e casas noturnas, vários automóveis, cada

um exibindo um "som27" diferente. Muitas vezes os jovens ficam ao redor do carro,

ouvindo a música, conversando e bebendo. E ficam nessa situação a noite toda.

Se na década de oitenta a sensação entre os jovens era o vídeo game, nos

anos noventa floresceu a informática. Os vídeo games continuaram ficando cada vez

mais modernos, mas agora existia uma coisa diferente que proliferava no mundo e

chamava a atenção em Porto Alegre: o computador pessoal. Desde a década

anterior já se sabia da sua existência. Naquela época os modelos eram os "XP"

(Xispê). A partir de meados da década de noventa o equipamento começou a se

difundir entre a população. Primeiramente ele foi absorvido pela classe alta. Logo em

seguida pela classe média. Junto com o deslumbre do aparelho vinha outra

sensação: a Internet. Em 1995 o Ministério das Comunicações e o Ministério da

Ciência e Tecnologia começaram a incentivar a criação de provedores privados de

acesso à Internet. Até então o acesso era gerenciado por órgãos de pesquisa (como

o CNPq) e governamentais. Em 1996 a Prefeitura de Porto Alegre inaugurou o seu

provedor de acesso a Internet: a Portoweb. Logo em seguida surgiram diversos

provedores privados sediado na cidade: Conex, ZAZ (que mais tarde se transformou

em Terra), Matrix...

27 Tanto a música quanto o aparelho.

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 65

Até o final da década de noventa os porto-alegrenses viam na cidade uma

difusão cada vez maior do "aparelho computador" e do acesso à Internet.

Rapidamente várias residências, escritórios e estabelecimentos comerciais

possuíam um computador e uma conexão à Internet. Aos jovens que ingressaram no

mercado de trabalho nessa época talvez não fosse tão impactante a nova

tecnologia. Porém, a possibilidade de enviar um documento via e-mail, a troca de

informações via Internet e o acesso à sites de empresas, entre tantas possibilidades,

transformava a vida em Porto Alegre. A cada dia surgiam novas lojas especializadas

em equipamentos de informática. Surgiram até feiras dedicadas ao segmento (O

leitor lembra da primeira feira da cidade?). Nelas era possível comprar equipamentos

e peças mais baratas que o normal do mercado. Logo também foi possível perceber

uma mudança na linguagem dos porto-alegrenses. Eles começaram a falar em

coisas do tipo: "te mando um e-mail", "acessa meu site", "já foi nesse chat?", "qual o

teu provedor?"...

Rapidamente também a conexão à Internet deixou de ser "discada" para ser

"via cabo". No final da década de noventa o acesso à Internet era feito,

predominantemente, via linha telefônica. A mesma que em 1922 recém se tornava

"automática". O "cabo" (ou cable) era uma novidade lá por 1998. Hoje em dia ele

também proliferou e divide com a "discada" as formas possíveis de acesso. No início

os provedores da capital eram pagos. O serviço tinha uma tarifa mensal. O usuário

de Internet tinha um número limite de horas de acesso. Usando mais se pagava

mais. Porém em 1999 surgiu o "paraíso": o acesso gratuito. O primeiro provedor

porto-alegrense de acesso gratuito à Internet foi o "Católico". Ele era gerenciado

pela Arquidiocese da Igreja Católica em Porto Alegre e tinha a finalidade de oferecer

o serviço para o usuário comum e para as instituições filantrópicas. Logo ele

desapareceu. Na mesma época surgiu no Brasil o "IG" (Internet Gratuita). Ele

contemplava várias capitais brasileiras, entre elas Porto Alegre. Ele existe até hoje.

Alguns outros provedores gratuitos surgiram. Alguns logo desapareciam. Outros

tiveram vida curta.

Com aparelhos de computador a preços mais baratos (ou pelo menos

financiados) e a difusão do acesso a Internet, logo a "onda" da informática tomou

conta dos porto-alegrenses. A cada dia que passava uma nova residência ficava

"conectada" à rede. A nova tecnologia era "digerida" mais rapidamente pelos jovens

e cada vez mais eles estavam "navegando" por sites, trocando e-mails e se

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...uma etnografia entre internautas. 66

comunicando em chats. O "encontro" virtual em salas de bate-papo (chat) cada vez

mais ia seduzindo os jovens da cidade. Pessoas com mais de vinte e cinco anos

talvez lembrem do momento pré e pós informática (incluindo aí computadores,

Internet, sites e chats). Os mais jovens já entram na adolescência munidos dessa

forma de comunicação e pouco "estranham" as novidades. Uma nova tribo começou

a ocupar a cidade no início do século XXI: a turma de chat. São os jovens porto-

alegrenses que cultivam a sociabilidade virtual via Internet e organizam suas

relações a partir daí. O conjunto "computador e Internet" mistura características do

telefone, da televisão e do vídeo game e nos lembra dos momento em que a cidade

os recebeu. Depois de tantas, uma nova cena toma a cidade.

Esse estudo trata de refletir sobre o cenário atual, em que a cidade de Porto

Alegre é envolvida pela informática, e a sociabilidade dos porto-alegrenses gira em

torno dos modos on e off-line de contato. Os fatos narrados até aqui são apenas

alguns dentre tantos. De modo algum é uma "história completa" da cidade. Foram

selecionados os fatos que envolvessem as inovações tecnológicas e as mudanças

comportamentais dos porto-alegrenses, em especial as que tratassem dos

momentos de boemia e sociabilidade. Essa "edição" teve o objetivo de enriquecer o

leitor com cenas para que possa refletir sobre o panorama que será apresentado a

partir de agora.

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Cartografia do espaço utilizado pelo grupo estudado

Na sociabilidade mediada por computadores o espaço/território onde se

enraízam as experiências individuais e coletivas é o próprio ciberespaço. Os

freqüentadores de chat de Internet compartilham um mesmo site que comporta a

comunicação sincrônica. O site está localizado no ciberespaço. O ciberespaço é a

rede de computadores interligados em rede em âmbito mundial.

O ciberespaço é invisível. Entretanto, pode ser visto a partir da tela do

computador, mediante um programa (browser28) que transforma a informação digital

dos arquivos em layout de manipulação visual (leitura da informação e interação em

hiperlinks29). Aos olhos do internauta o ciberespaço chega na forma de

páginas/sites/home pages projetados pelo monitor do computador.

O chat adquire o status de lugar/espaço/território por uma série de razões que

estão sendo trazidas nesse estudo. No momento cabe citar que ele é "denominado"

e possui "endereço". Ele é um lugar compartilhado pelos freqüentadores no sentido

do "pedaço" proposto por José Magnani (1984). Vale lembrar que os chats também

são metaforicamente chamados de "salas de bate-papo", que envolve a tradução do

inglês para o português.

Os internautas sabem como chegar a esses locais. Sabem o endereço. O

endereço é o código que acessa a página no ciberespaço. No caso da Internet ele é

precedido do código "www."30 e o restante dos detalhes do "endereço", tais como

provedor (ex.: www.terra.), situação (ex.: com. - que significa comércio), país (ex.:

br) e pasta onde seus arquivos se localizam (ex.: br/chatpoa/salad). Para os

freqüentadores de chat é mais fácil utilizar o título da sala (ex.: Chat do provedor

Terra, sala Porto Alegre "A"). No caso do grupo estudado há a composição de um

"ciberespaço porto-alegrense". A identidade do grupo passa pela associação entre a

cidade e o ciberespaço, formando o principal meio de encontro e vivência do grupo.

Embora também cultivem a experiência face a face (off-line), a experiência via

computador (on-line) é a que freqüentemente mais ocorre e também é o diferencial

desse tipo de sociabilidade. Por causa dessa modalidade de comunicação é que o

28 O software responsável pela exposição dos arquivos digitais e que possibilita ao internauta "navegar" nas imagens. 29 Também conhecidos como links. São espécies de "botões" dispostos na imagem digital que, se clicados, fornecem diversas informações ou levam a outras páginas de Internet.

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grupo se formou e compartilha experiências sociais comuns. Onde se enraízam suas

experiências? Como podemos mapear o território onde elas ocorrem? A partir das

considerações sobre o ciberespaço somos levados a considerar o "ambiente de

chat" como espaço de vivência do grupo.

Os elementos presentes no ambiente de chat

O ambiente de chat é formado pela página de Internet que possibilita a

interação entre os usuários do sistema. Essa página é composta por duas partes

básicas: uma "listagem" das mensagens compartilhadas entre os diversos

freqüentadores do chat naquele instante31 e um "formulário" de envio de mensagem

escrita. Na listagem aparecem emissor e receptor da mensagem. O resultado é a

composição de um texto coletivo no formato de diálogos.

O formulário é composto por: a) um campo de preenchimento da mensagem

escrita que será enviada; b) o destinatário (escolhido em uma lista que apresenta os

usuários do chat naquele instante - quem está conectado); c) o modo de envio (se

"aberta"-visualização pública ou "reservada"-visualização exclusiva do emissor e

receptor); e, d) mecanismos performáticos digitais padronizados32 que serão

enviados agregados à mensagem escrita.

Para chegarmos ao local de vivência do grupo precisamos seguir um trajeto.

Ele inicia pelo endereço do Provedor Terra onde se localizam os seus chats de

conversação, incluindo as "Salas de Porto Alegre". Nesse momento o leitor é

convidado a visualizar as imagens do chat disponibilizadas no CD-ROM. Tudo inicia

pelo campo "endereço da página" que é preenchido no browser de navegação na

Internet. No nosso caso o endereço é "www.poa.terra.com.br". Na página inicial

desse provedor escolhemos a seção "chat", que levará a outra página. No lado

esquerdo de quem observa a página da seção de "chats" há uma lista de temas de

salas que são disponibilizadas ao internauta. Clica-se em "cidades".

Na página "cidades" pede-se para escolher a letra do nome da cidade. Nesse

caso, clica-se em "P". A próxima página é a última antes de entrar no chat

30 Significa World Wide Web e disponibiliza arquivos hipermídia-html. 31 Na listagem somente podemos ver as mensagens enviadas no "modo aberto" por outros freqüentadores, ou as no "modo reservado" trocadas entre eu e outro freqüentador. 32 Imagens de expressões faciais estilizadas, sons e indicação de ações - fala, grita, sussurra, etc.

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propriamente dito. É um formulário onde se informa o "nome" (nickname33) e

escolhe-se uma sala entre uma lista que, nesse caso, inicia por Palhoça, seguindo

por Porto Alegre A, B,C, D...Pelotas...e assim por diante. Também é possível

escolher a cor da letra do apelido.

Sobre a identificação

O nick pode ser composto com caracteres alfa numéricos e geralmente

também por símbolos, tais como: @, #, $, %, &, æ, £, ¿, þ, §, �, I, etc. Alguns

desses símbolos já constam no teclado do computador (padrão ABNT), outros são

formados pela combinação de códigos numéricos. Por exemplo, segurando a tecla

"alt" e digitando no teclado numérico (situado do lado direito do teclado alfabético) os

números "1", "5" e "5", obtém-se o seguinte símbolo: ø. Outras combinações

também são possíveis. No chat Terra/Porto Alegre o usuário pode escolher também

a cor do nick. Em outros provedores outras opções são disponibilizadas, tal como a

vinculação de uma imagem facial (estilizada, cartoon, caricatural) ao nick do usuário.

O nick tem grande importância na sociabilidade efetuada em ambiente de

chat. Para Airton Jungblut, o nick pode “transmitir”, consciente ou

inconscientemente, informações objetivas (Jungblut, 2000: 135). Como exemplo

temos os nicks formados por um nome em conjunto com um número, que no caso é

a idade do portador, ou um nome e uma sigla, que significa a cidade natal, etc. O

outro caso seria o nick que emite idiossincraticamente (Jungblut, 2000: 135) a

disposição do temperamento do indivíduo, a sua maneira própria de ver, estado de

espírito, maneiras de sentir e reagir. Com relação aos nicks, Marcus Palácios se

refere à imagens híbridas que são criadas no processo de sociabilidade via

computador (Palácios, 2000). De qualquer forma, o nick está presente na

composição do corpo ciberespaciano (Dornelles, 2000:13) que o usuário cria no

processo de interação social no chat. Adiante veremos as situações em que o nick

se mostra decisivo.

Dentro do chat

Em cada sala do "Terra" só é possível conectar quarenta usuários de cada

vez. Caso a sala esteja cheia é preciso esperar alguém sair. Dependendo do dia da

33 Apelido que será usado no chat.

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semana e do horário isso pode demorar um pouco, mas normalmente em algumas

tentativas se obtém sucesso. A entrada e saída da sala é constante. Na lista, entre

as mensagens trocadas, observa-se constantemente o movimento da sala. É

"fulano" que entra, é "beltrano" que sai, e assim por diante.

A lista que mostra os presentes na sala está constantemente sendo

atualizada. Toda vez que envio uma mensagem a lista sofre atualização. Isso ocorre

porque quando envio uma mensagem estou enviando o meu formulário. No

formulário consta a informação de quem está acessando. Quando envio o formulário

preenchido, o servidor publica minha mensagem na lista de mensagens enviadas e

me retorna um formulário em branco, mas contendo a lista de usuários presentes

atualizada.

A troca de mensagens geralmente é intensa quando a sala está cheia. Na

lista de mensagens publicadas a cada segundo surge uma mensagem nova. Eu

tenho acesso a essas mensagens porque elas são enviadas no "modo aberto", que

é quando a visualização é pública. Quando a mensagem é envida no "modo

reservado" apenas emissor e receptor têm acesso. Pelo chat não é possível ter

contato com as mensagens reservadas de outros freqüentadores, somente com as

minhas.

Muitas conversas são mantidas somente no modo reservado. Nesse caso não

é possível identificar quais são os freqüentadores que estão se comunicando.

Alguém pode estar conversando comigo ao mesmo tempo que está conversando

com outra pessoa. Algumas vezes essa estratégia é percebida pela demora na

resposta da mensagem. Quando estou teclando34 com mais de uma pessoa demoro

a responder, já que disponibilizo um certo tempo para cada uma. Algumas vezes sou

questionado: está teclando com muita gente? Alguns freqüentadores pedem

dedicação exclusiva, outros não. Se a expressão "falar" se refere à comunicação off-

line, "teclar" se refere à feita on-line, no chat. A ela também podem ser anexados

outros sinônimos, como conversar e discutir.

Formas de teclar

Teclar "no aberto" ou "no reservado" indica a disposição da pessoa. Manter

um canal comunicativo no modo aberto significa estar aberto à participação de

34 Do verbo "teclar", que no chat significa a ação de conversar ou a comunicação virtual em geral.

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outros freqüentadores, mesmo que isso não seja aceito com tanta facilidade na

prática. Caso alguém tente se intrometer na conversa de dois freqüentadores, o

resultado pode ser inútil, ele pode ser ignorado. A abertura está mais indicada a

quem pertence à rede. Alguém que converse no "aberto" indica com quem se

relaciona. Mostra a proximidade com algum outro freqüentador e mostra a qual rede

participa. Nesse caso torna a conversa pública, assim como o laço de amizade.

Entre freqüentadores que não estão inseridos em uma rede de relações é

mais comum a utilização do modo reservado. A busca por envolvimentos amorosos

está bastante presente e é feita, nesse caso, por um canal de comunicação discreto.

Talvez porque evitam divulgar o teor da conversa para os demais presentes na sala.

Utilizar o modo reservado pode ser também um simples desejo de manter a

conversa livre da interferência de demais freqüentadores, mesmo que ela não tenha

um teor de envolvimento amoroso.

O que se pode afirmar é que a escolha pela divulgação ou não da

comunicação é apropriada simbolicamente pelos freqüentadores do chat. Essa

escolha também comunica sobre a disposição da pessoa em ambiente de chat.

Mesmo que se escolha o modo reservado pela discrição, poderá haver a

interpretação de ser uma aproximação amorosa. A opção pelo modo aberto ou

reservado também passa pela comunicação trocada na performance em ambiente

virtual. Geralmente é possível observar quem está teclando no "reservado" quando

alguém responde, no modo aberto, a uma pergunta que não é possível observar na

lista de mensagens enviadas e recebidas. É sinal que a pergunta foi feita no modo

reservado, mas a resposta foi feita no modo aberto. A comunicação aberta ou

reservada pode significar várias disposições, assim como "as piscadelas de Geertz"

(Geertz, 1989: 16). Adiante veremos casos em que a escolha do "modo de envio" é

decisiva.

Formas de aproximação

O início da conversa entre duas pessoas em ambiente de chat (ainda

desconhecidas entre si) pode ser feito no modo aberto ou reservado, mostrando as

disposições pretendidas. Alguém seleciona outro alguém a partir do nick que estava

disposto na lista dos presentes na sala. A comunicação já começa na mensagem

emitida pelos signos que compõem o nick. Existem os nicks mais e menos

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"interessantes". Caso o nick seja composto por signos que atraem outros

freqüentadores, há a possibilidade de efetivação do canal de comunicação. Caso o

nick não seja "atraente" dificilmente alguém irá abordar esse freqüentador.

Os elementos básicos que determinam a aproximação ou não de

freqüentadores são gênero e idade. O gênero quase sempre é emitido no nick de

forma a indicar se trata-se de alguém do sexo masculino ou feminino. Em muitos

casos a idade também está presente. Há também os casos em que a região (bairro)

da cidade é informada. Quando essas informações não estão presentes no nick, são

questionadas pela troca de mensagens: "oi, tudo bem?". Logo em seguida: "qts

anos? de onde tc35?".

Caso quem responda esteja dentro dos parâmetros desejados por quem

pergunta, o canal de comunicação se efetiva. Daí em diante a conversa flui de

acordo com a criatividade de cada um. Geralmente esse início de conversa é

recheado de questionamentos sobre a imagem e perfil da pessoa. Além de

perguntarem sobre idade e local de moradia, normalmente os freqüentadores tratam

de se informar sobre atividade (profissão) e aparência física: "como tu é?". Nesse

caso, informam sobre altura, peso, cor de olhos e cabelos. Alguns freqüentadores

comentam que esse tipo de informação sempre vem repleto de mentiras. Eles

argumentam que todos dizem que são bonitos e atraentes, as mulheres são sempre

loiras e magras, algo que, para eles, não acontece no mundo off-line.

Criando, interpretando e imaginando

Nesse tipo de sociabilidade, onde falta a presença concreta registrada do

corpo humano, não é possível afirmar se estão mentindo ou não sobre a aparência.

A imagem é informada pela comunicação escrita e não pela interação visual. O

usuário do sistema, interessado em parecer mais "atraente", pode se apresentar

como possuindo características físicas entendidas como belas. Ele pode manipular a

informação referente à sua aparência física para facilitar a aproximação com outros

usuários. Nesse caso o usuário está "mentindo". Mas também pode estar

fornecendo as informações verídicas sobre sua aparência física.

A esperança que os usuários têm de realizar um encontro off-line face a face

indica que a informação sobre a aparência física não seja tão manipulada como eles

35 "tc" é uma abreviatura do "teclar" utilizada pelos internautas.

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mesmos pensam. Já que geralmente existe a possibilidade de um encontro futuro,

"joga-se limpo". Alguns freqüentadores comentam que foram realizar um encontro

face a face e se decepcionaram. A decepção pode ser em relação à aparência

física, que na verdade não era tão atraente assim, ou em relação à incompatibilidade

de relacionamento.

A decepção em relação à aparência física ocorre devido a presença de

interpretação e imaginação sobre a imagem do Outro. Na comunicação em chat falta

voz, falta visão sobre o corpo, falta cheiro e falta tato. Apenas se lê uma mensagem

de texto. As várias lacunas sensitivas são preenchidas pelo receptor da mensagem.

É por isso que o início da comunicação se dá por um reconhecimento gradual da

imagem e do perfil do outro usuário. Munidos dessas informações, eles são capazes

de imaginar com quem estão teclando.

Porém, essa imagem se dá a partir da interpretação dos dados fornecidos nas

mensagens. Cada um irá imaginar uma "mulher loira de um metro e sessenta

pesando cinqüenta e cinco quilos". Dificilmente essa imagem será a mesma que ela

realmente tem. Quando ocorre o encontro face a face a visão sobre o corpo do outro

revela o quanto se aproximou ou se distanciou na imaginação. Sempre há um desvio

entre as duas imagens. É aí que pode ocorrer a "decepção" sobre a imagem do

outro freqüentador.

"Anjo"36 comentava comigo que seus encontros face a face, com mulheres

que primeiramente conheceu no chat, sempre eram frustrados. Ele reclamava que

eram todas feias. De vez em quando ele conhecia uma bonita. Para evitar esse

problema é comum os usuários trocarem fotos digitalizadas. Ela acontece ali mesmo

no momento de conversação no chat. Após alguma troca de mensagens surge a

pergunta: "tem foto pra trocar?37".

36 O freqüentador do chat Terra Porto Alegre apelidado de "Anjo". A partir de agora os internatuas aparecerão no texto identificados entre "aspas". 37 Adiante serão trazidas reflexões a respeito dessa prática.

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O surgimento do freqüentador de chat

Como acontece de uma pessoa virar freqüentadora de sala de bate-papo?

Em um primeiro olhar parece que estão fortemente presentes o combate ao

sentimento de solidão e a busca por relacionamentos amorosos. Porém, não

podemos negligenciar que antes das motivações individuais existem condições

sociais propícias. Existe um momento e as condutas individuais são fruto desse

panorama. O surgimento do freqüentador de chat faz parte do processo de "novo

tribalismo" (Maffesoli, 1987).

A familiarização com as máquinas, incluindo aí televisão, telefone e

computador, faz com que seja algo natural conviver em ambientes virtuais. Existe

uma base, tanto tecnológica quanto cultural, que suporta o cultivo da sociabilidade

em ambientes virtuais. A cerca de cinco anos atrás esse fenômeno ainda causava

certo estranhamento. De lá para cá cada vez mais ele tornou-se banal, comum,

diário e cotidiano. Essa absorção é mais evidente entre as gerações jovens. Nelas a

prática da sociabilidade virtual mistura-se à vida cotidiana. Mesmo havendo uma

base social, existem trajetórias individuais que levam a pessoa a se transformar em

um freqüentador de chat. Tentar acompanhá-las significa rumar em direção da

alteridade.

"Anjo" tem dezesseis anos e costuma freqüentar a sala Porto Alegre do

Provedor Terra já a algum tempo. Ele não lembra direito como começou a acessar o

chat. Talvez por ser bem jovem não estranhe muito essa maneira de convívio. Ele

lembra apenas que já fazem dois anos. Um pouco diferente de "Isa", que tem vinte e

quatro anos e pensa que todo mundo que entra em chat "tem algum problema"38.

Quando fiz o primeiro contato com "Anjo" ele estava divulgando um encontro

que ocorreria no final daquela semana (domingo) no Parque da Redenção em Porto

Alegre. O encontro seria entre os participantes das salas Porto Alegre do Provedor

Terra. A sua intenção era reunir os freqüentadores das várias salas, e não somente

de uma, como é comum ocorrer. Geralmente fazem encontros do pessoal que

freqüenta a sala Porto Alegre "A" (a que ele mais freqüenta) ou da "B", e assim por

diante.

38 Quando for apresentada alguma fala de internauta dentro do texto (e passível de identificação), ela virá salientada com o entre "aspas" e o itálico.

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No domingo nos falamos pouco. O encontro não cumpriu com as expectativas

de "Anjo", já que somente umas dez a quinze pessoas compareceram. Todas já

conhecidas entre si. Eram adolescentes com idades entre 16 e 20 anos. Ele queria

conhecer gente nova e não ficar somente em pequenos grupos, como geralmente

acontece entre os usuários do chat. Por isso tratou de organizar um encontro que

fosse mais abrangente. Talvez ele já estivesse meio cansado de ver sempre as

mesmas pessoas nos encontros. Das meninas que estiveram no encontro

organizado por ele, umas seis ao total, com três ele já tinha "ficado":

"A maioria das gurias que eu fico acho que conheço na net! (...) A que eu estou agora, há

mais de 2 meses, conheci na net também!"

Mas ele não "fica" somente com meninas que conhece no chat...

"...não sou tão alienado assim por isso aqui! (hehe)... fiquei sim com gurias em festas! (...)

Mas não vou muito a festas...Até pela idade... da única que vez que fui no strike tive que fazer um

escarcéu pra poder entrar."

A primeira vez que "Anjo" conheceu pessoalmente uma menina que havia

conhecido via Internet foi uma coincidência. Ela estudava no seu próprio colégio, só

que no período da tarde. Ele me contou que a encontrou no recreio e que ele era

tímido e estava nervoso e suando. Ele passou por ela umas cinco vezes até um

colega afirmar que era ela mesmo. Somente conversaram. Ele se arrepende de não

ter "ficado" com ela com medo de não tomar um "fora". Eles se conheceram no chat

do "Terra Porto Alegre" e, coincidentemente, estudavam no mesmo colégio, aqui na

cidade, onde moram. Ele acabou "ficando" com uma amiga dessa menina, que

também conheceu através do chat.

A primeira vez que "Isa" acessou um chat foi, como conta, por "curiosidade".

Logo em seguida, na mesma época, brigou com o namorado e sentia a necessidade

de conversar com outras pessoas. No serviço dela não há colegas para compartilhar

o ambiente de trabalho. Já faz três anos que ela entra em chats. No "Terra Porto

Alegre" faz um ano que entra. Passou a freqüentar regularmente essa sala porque

fez vínculos de amizade com outros freqüentadores. Ela prefere os amigos do tempo

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que começou a freqüentar a sala (os "antigos"39). Agora ela acha que tem muita

gente, muita fofoca e muitas intrigas. Outro problema é a bebida alcóolica. Ela diz

que antes não se bebia tanto. Agora se bebe muito e os encontros deixaram de ser

os momentos agradáveis para se tornarem momentos para se "encher a cara".

Atualmente ela vem acessando pouco a sala "B". Perdeu um pouco a motivação,

assim como Teddy.

Assim como ela, ele começou a freqüentar a sala Porto Alegre na mesma

época. "Teddy" veio do município de Erechim/RS para estudar engenharia mecânica

na UFRGS40 e mora na "casa do estudante universitário"41. Antes ele entrava em

vários chats, mas como diz: "só para avacalhar". Ele tem vinte e três anos e assim

como "Isa" trabalha em um local com poucos colegas. Mas, assim como "Anjo",

"Teddy" sabe da estreita relação que existe entre chat e namoro:

"Não adianta sabe. A grande maioria das pessoas entram no chat, inicialmente, com o

objetivo de conhecer outras pessoas para relacionamento. Namorar. São raros os casos de pessoas

que... por exemplo... "áh, vou entrar só pra passar o tempo assim, conversar com as pessoas"."

Talvez essa busca os motive a entrar em chats. Ou então outra coisa...

"Uma coisa que eu acho que acontece e acontece mesmo é o seguinte. Tu fica o dia inteiro

na tua sala. Tá, sem janela, sem nada, tudo frio ali. Tu não sabe se é dia, se é noite, nem nada... daí

tu sente falta de um contato mais próximo com as pessoas. Quando tu tá trabalhando e fica

conversando um pouquinho no chat, trabalha um pouquinho, conversa um pouquinho... parece que é

a busca daquele calor humano que falta no lugar onde tu tá trabalhando. Pra mim, no caso, onde eu

estou trabalhando." (Teddy)

"Isa" e "Teddy" se conhecem pessoalmente e fazem parte da mesma turma: a

"POA B". Outro que também faz parte é o "Aprendiz de Cafajeste". Ele tem vinte e

cinco anos, trabalha e mora sozinho. Começou a freqüentar regularmente o chat na

mesma época que os outros dois. Aliás, ele e "Isa" incentivaram "Teddy" a ir aos

encontros do pessoal do chat. A ex-namorada de "Aprendiz" era da turma do chat.

Quando terminou seu namoro ainda se envolveu com outras freqüentadoras do chat.

39 Adiante serão trazidas reflexões a respeito da "antigüidade" na rede. 40 Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 41 Edifício composto de dormitórios que serve de moradia a estudantes carentes oriundos de municípios distantes de Porto Alegre.

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A mesma coisa aconteceu com "Teddy". Quando ele começou a freqüentar

regularmente o chat não tinha namorada. Inserido na rede do chat acabou se

envolvendo com outras freqüentadoras. Todos eles fazem parte da mesma turma de

amigos e se conhecem pessoalmente. Não é o que acontece com "Felina".

Ela geralmente está presente no chat "Terra Porto Alegre" no horário da meia-

noite às duas da madrugada e costuma teclar com vários freqüentadores diferentes.

Também costuma enviar mensagens no modo aberto, o que acaba propiciando que

outras pessoas se intrometam nas suas conversas. Isso torna sua presença no chat

um tanto dinâmica. Ela parece se divertir com isso. Ela tecla com outros membros da

rede que se encontram face a face, porém ela não conhece pessoalmente ninguém

e nunca foi a nenhum encontro. "Anjo" define "Felina" como sendo uma "trintona",

embora ninguém a conheça pessoalmente.

Uma conduta que caracteriza "Felina" no chat é estar constantemente se

referindo à sua vida sexual. Ela costuma comentar com outros freqüentadores, e no

modo aberto, sobre seus problemas em relação a seu casamento, que não gosta do

marido e que o trai. O leitor pode questionar se ela já conheceu pessoalmente algum

freqüentador do chat...

"Já conheci sim... Mas com outro propósito que não amizade..."

Ela está se referindo a seu atual namorado...

"Nós nos conhecemos em setembro na net e em janeiro pessoalmente... Mas no primeiro

encontro só rolou, tipo, uns amassos... Hehe... Nós ficamos de fato, na semana passada..."

Aliás, o envolvimento de "Felina" com o chat se mistura a sua procura por

relacionamentos amorosos...

"Sabe aquela coisa de vício de entrar na net? Acho que sou viciada... Hehehe... Talvez aqui

seja meu "prazer"... Já que não tenho prazer sexual... Me ocupo aqui para não pensar nisto... Como

falei... Isto é uma fuga da minha realidade... Antes eu entrava para procurar um amante... Decidi fazer

isto no começo de 2000... Literalmente eu "catava" homem na net só com intenção de encontrar

prazer... Pois eu não sabia o que era isto..."

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Outra freqüentadora que não participa dos encontros da rede é a "JulianaQ".

No verão de 2003 ela tinha 24 anos e estava desempregada. Enquanto não voltava

a trabalhar, o que estava planejado para março, acessava o chat. Geralmente fazia

isso no período da noite. Costumava teclar com demais membros da "Porto Alegre

A". Certa vez a vi na "Porto Alegre B". Ela começou a freqüentar as salas de bate-

papo para preencher o tempo livre. Ela mora aqui na cidade, mas acha uma

"besteira" ir aos encontros da turma. Porém, já conheceu pessoalmente rapazes do

chat. Certa vez ela e a irmã combinaram de ir ao cinema com outro freqüentador do

chat.

"ju_psi" nem tem como ir aos encontros da rede. Ela também é porto-

alegrense, mas mora no Mato Grosso do Sul. Não acessa freqüentemente a Internet.

Quando o faz sempre entra na sala Porto Alegre. Ela explica que cultiva esse hábito

para "matar a saudade". De vez em quando ela vem a Porto Alegre visitar os

familiares. Nessas ocasiões ela costuma se encontrar pessoalmente com demais

freqüentadores da sala que durante aqueles dias vem teclando. Nos dois casos não

ocorrem "encontros de turma", mas sim "encontros particulares".

Essas são apenas algumas trajetórias de freqüentadores de chat. Cada um

teria uma história diferente para contar. Mesmo assim elas parecem convergir em

alguns aspectos. De um lado existe um panorama atual que propicia o cultivo da

sociabilidade em ambiente virtual. Por outro, existem pessoas que encontram no

chat a solução para o sentimento de solidão e a busca por relacionamentos

amorosos. O chat facilita o encontro de pessoas que desejam conversar e fazer

parte de uma coletividade. As condições de vida urbana acabam por isolar cada vez

mais os indivíduos. O canal de comunicação propiciado pelo chat garante uma certa

aproximação com o coletivo. Algo muito fácil de fazer, já que se pode "estar com a

turma" mesmo estando sozinho diante do computador.

No entanto se engana quem pensa que basta estar conectado ao chat. O

encontro face a face é muito desejado. Não é a toa que existem os chats com título

de cidade. Acessar um chat denominado "Porto Alegre" pode significar que se

deseja comunicar com pessoas com um mínimo em comum: o local de residência.

Mas também pode significar o desejo latente de uma aproximação física futura, que

será facilitada pela proximidade geográfica.

Freqüentar um chat dedicado à cidade de Porto Alegre também pode parecer

a busca de uma sociabilidade, não de vizinhança, mas ampliada, "citadina". Quando

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...uma etnografia entre internautas. 79

a cidade é pequena a sociabilidade de vizinhança coincide com a "sociabilidade

citadina". Quando a cidade é um pouco maior prevalece a sociabilidade de

vizinhança, de bairro. Na época da Internet as distâncias parecem encurtar um

pouco. No chat é possível encontrar pessoas de várias regiões da cidade.

Organização em rede

Quando começam a freqüentar o chat os internautas acabam criando laços na

forma de rede. Existem os casos em que a pessoa acessa eventualmente o chat e

os casos em que o acesso é regular. Nos dois tipos de conduta há a formação de

rede. Entre freqüentadores regulares a rede é mais estabelecida e se reproduz

diariamente, com pouca variação. Os freqüentadores eventuais criam laços pouco

estabelecidos, mesmo assim, a cada acesso criam laços com demais internautas,

que estão regularmente ou eventualmente na sala. Os gráficos a seguir ilustram

essas situações:

Rede estabelecida entre freqüentadores regulares do chat (fevereiro de 2003).

Nesse caso "Anjo", "Felina" e "Escorpião Rei" mantém um contato quase

diário na sala "A". "Aprendiz de Cafajeste", "Teddy", "Isa" e "Ani" compartilham da

mesma situação, porém utilizam a sala "B". São freqüentadores regulares. Cada um

também estabelece vínculos com demais pessoas do chat. "JulianaQ" também está

regularmente na sala, porém acaba mantendo mais contato com "Anjo" e outras

pessoas. "Escorpião Rei" costuma entrar na "A" e na "B", mantendo vínculos com

pessoas dos dois ambientes.

Felina

Escorpião ReiAnjo

JulianaQ

Aprendiz Teddy

Ani

IsaSala A

Sala B

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Rede estabelecida entre freqüentadores regulares e eventuais do chat (março de

2003).

Nesse outro exemplo temos a rede ampliada. Estamos agora considerando os

demais freqüentadores do chat: os eventuais. Eles acabam se inserindo na rede.

Esse é o caso de "ju_psi". Ela entrou e começou a estabelecer contato com alguém

que mantém contato com "Escorpião Rei". Nesse dia "JulianaQ" estava na sala "B" e

começou a manter contato com "Aprendiz". Mal sabem eles que conhecem uma

pessoa do chat em comum, que é o "Anjo".

Todo o dia a disposição gráfica da rede se modifica. Porém, os laços entre

freqüentadores regulares tendem a se repetir. São acrescentados os laços dos

freqüentadores eventuais. De qualquer forma, os laços podem acabar sendo criados

entre os vários tipos de freqüentadores.

O surgimento do freqüentador de chat está estreitamente ligado a sua

inserção em uma rede. É quando ele começa a conhecer melhor outras pessoas,

troca confidências, cria amizades, conversa e experimenta o sentimento de grupo,

de turma... Um pouco do que "Teddy" sentiu:

Felina

Escorpião Rei

Anjo

JulianaQ

jju_psi

Sala A

Aprendiz

Teddy

Ani

IsaSala B

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"Daí tem um píncaro assim sabe. Um píncaro de tesão pelo chat. Que acontece assim

quando tu conhece um monte de gente e um monte de gente te conhece e tu acha aquilo tudo muito

legal. Bá... é uma coisa bacana assim, sabe? Tu conhece um monte de gente..."

Até aqui foram apresentados dois exemplos (gráficos) estáticos. Na verdade a

rede de chat se transforma a cada instante. Essa "mutação interminável" da forma

da rede (disposição gráfica) é decorrente da constante entrada e saída de

freqüentadores da sala. A cada um desses instantes, novos laços são criados

(mesmo que momentaneamente) e laços já estabelecidos são desfeitos (mesmo que

momentaneamente, para serem refeitos amanhã ou depois...). A seguir é

apresentada uma sucessão de gráficos de rede que procuram dar conta da

dimensão dinâmica da associação-dissociação.

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Em 11/02/03 entrei no chat e fui teclar com “Anjo”. Ele recém tinha entrado e

foi cumprimentar seus amigos. Em outro dia eu tinha conversado com a

“Carolina”, daí a cumprimentei.

Em seguida “Anjo” foi saudado pelos demais usuários. “Carolina” o saudou e em seguida deu para perceber que já estava teclando com “Coyote”, que teclava com “Guria Piradinha”. Enquanto isso “Sudosurf” e “Gata” se conheciam. “Guria Piradinha” perguntou para “todos” se alguém queria teclar com ela.

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Comecei a teclar com “Carolina” e “Juliana”, enquanto teclava com “Anjo”.

“Loira” abordou “Coyote” e “TheEdge”. “Anjo” lhe deu oi e começaram a teclar.

“Venger” e “Gata” teclavam sobre RAP e “DoutorDedo” comentou com

“Sudosurf” que ela não respeitava tal estilo de música.

“Sudosurf” e “Doutor Dedo Verde” começaram a teclar sobre RAP. Também começaram a teclar “Coyote”, “TheEdge” e “Loira”, que foi abordada por “Nandinha” dizendo que tinha ficado com ele... “Coyote” e “Carolina” também teclavam, ele é amigão dela, mas se conheceram pessoalmente em seu aniversário, agora no mês de fevereiro. “Guria Piradinha” escreveu para o “Coyote” dizendo que a sala estava chata, pois ninguém teclava com ela.

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Foi quando “Coyote” resolveu fazer companhia para “Guria Piradinha”. “Venger” saiu da sala e “SudoSurf” estava em atrito com “Gata” e seu RAP de butique, segundo ele. Eu teclava pouco com “Juliana” e “Carolina”. “Coyote” e ela ainda teclavam. “Anjo” finalmente recebeu retorno de “Loira”. “Doutor DeDo” também começou a criar atrito com “Gata”. “Kikuxa” mandou para todos uma declaração apaixonada.

“Estressada” entrou, foi saudada por “Anjo” e saudou a “todos”. “The Edge” e “Kikuxa” teclavam, assim como “Sudosurf” e “Doutor”. “Doidão” entrou e foi saudado por “Kikuxa”, que puxou assunto com “Anjo”. “Guga” entrou e foi teclar com “Loira”, que teclava com “Rafael”,que a pouco tinha entrado e logo começou a teclar com “Carolina”.

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“Felina” entrou e foi teclar com sua amiga, a “Loira”. “Kikuxa” puxava assunto com “Juliana”. “Chatuba”, que a pouco entrara, teclava com “Nandinha”. “Sudosurf” começou a teclar com “Anjo”. “Felina” também teclava com “Nandinha” e “Zé”. “Nathy”, que recém tinha entrado, teclava com “TheEdge”. “Carolina” e “Rafael” teclavam bastante. “Anjo” começou a me informar sobre o próximo encontro da turma, sobre data e local.

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Vivência cotidiana on-line A cada momento o chat tem uma determinada característica. Isso vai

depender da rede que se forma e envolve as pessoas que estão conectadas.

Existem características da sociabilidade em ambiente de chat que são recorrentes.

Alguns aspectos que são comuns no ambiente virtual e estão presentes em todos os

momentos. Eles acabam por compor um tipo de comportamento comum entre os

freqüentadores de chat.

Linguagem escrita - chatonês Como expressar sentimentos e emoções durante a sociabilidade cultivada em

ambiente de chat? A convivência entre seres humanos é recheada de performances.

Existem olhares, gestos, jeitos de falar e agir que, por mais sutis que sejam, estão

presentes na comunicação entre as pessoas. Toda essa atuação dramática é feita

pelo corpo. Como então proceder em um ambiente onde o corpo é banido, existindo

apenas caracteres alfa numéricos? A solução é utilizar os recursos disponíveis.

Na comunicação em chat são utilizados letras, números e caracteres

disponíveis no teclado do computador. Eles formam um conjunto de caracteres que

possibilita ao freqüentador de chat se comunicar. A comunicação em chat se dá na

utilização de duas línguas. A primeira delas, a base, é uma língua nacional, no

nosso caso o português, já que a sala se refere à uma cidade brasileira e é

freqüentada por pessoas dessa região. Caso um dia pessoas de outro país, com

outra língua, resolvessem usar a sala Porto Alegre, bom, então a língua deixaria de

ser o português. De qualquer forma existe uma língua nacional que intermedeia a

comunicação entre as pessoas que estão acessando o chat. Essa língua (português

ou outra) serve de base a uma outra, própria do chat, que irei chamar de chatonês42.

No caso da sala Porto Alegre o chatonês se aproxima muito do português.

Então por que chamar de outro nome? Porque a comunicação cultivada em chat não

chega a ser a língua nacional. O chatonês é uma mistura entre a língua escrita e a

língua falada. Além disso, são criadas graficamente palavras que tentam reproduzir

sons do corpo humano. O chatonês é rico e significativo. Essa característica é

decorrente da sua qualidade "iconográfica". Uma palavra em chatonês é um

conjunto de caracteres, como se fosse uma palavra, só que rompendo com as

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regras da gramática e com um efeito visual e sonoro mais expressivo que uma

palavra escrita corretamente (aos moldes gramaticais).

A intenção aqui não é defender ou repudiar a escrita incorreta da língua. Mas

apenas chamar a atenção para o fato dela ser recriada e reinventada durante a

sociabilidade mantida entre freqüentadores de chat. Se comunicar em chatonês

requer criatividade e imaginação, já que a todo o momento novas "palavras" são

inventadas. No chat pouco valem as regras ortográficas, prevalecendo a regra da

boa comunicação e do entendimento.

Porém nem tudo é desordem. Algumas vezes o "erro" ortográfico é criticado e

motivo de riso entre os membros da rede. Isso ocorre principalmente nos momentos

de conflito, quando apontar o erro desmoraliza o adversário. Em outros casos é

comum receber duas mensagens. Em uma delas há uma palavra escrita

erroneamente, na outra a correção, algo do tipo: "desculpe eu quis escrever tal

coisa...". Não podemos esquecer que a conduta em chat está atrelada à posição

social do indivíduo. É mais comum ver pessoas com maior grau de instrução usarem

mais as regras de gramática. Quando o chatonês é mais distante da língua nacional

o entendimento torna-se muito difícil para alguém de fora do meio. O chatonês,

como a gíria, também tem a finalidade de agregar o grupo em torno de uma

linguagem comum.

Muitos são os exemplos de chatonês. Aliás, toda a comunicação mantida em

chat é escrita nessa língua. A diferença é a proximidade da língua nacional. Em

alguns casos é mais próxima a relação. Em outros, a distância é grande. Em alguns

casos a característica iconográfica da linguagem é mais nítida, em outros é mais

sutil. Algumas recorrências existem. É o caso da troca do "qu" pelo "k", enxugando

assim os movimentos de digitação no teclado. Também é o caso da risada. Talvez

seja a emoção mais reproduzida em chat. existe várias maneiras de reproduzi-la:

hahaha; hehehe; hihihi; hauhauhau: kakakaka; e assim por diante... Também é o

caso dos emotions. Eles são obtidos pela combinação entre caracteres. O resultado

é um "rosto estilizado": quando a pessoa quer mostrar que sorriu, então manda uma

mensagem com dois pontos e um parênteses : ). Existe uma série desses emotions:

42 Talvez seja mais correto chamar o chatonês de "gíria".

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; ) Piscada de olho

: P Mostrando a língua

: ( Triste

(* _ *) Um rosto estilizado

: { Alguém de bigode

Nesse momento cabem alguns casos ilustrativos, porém o leitor irá, a todo o

momento, estar diante de situações onde vigora o chatonês:

~*¢hørønå*~ fala com Gå£ø•¢inZå•¥inGåÐøR: 12, kkkkkkkkkkkkkk e tu?

Gå£ø•¢inZå•¥inGåÐøR fala com ~*¢hørønå*~: 16......por que o KKKKKKKKKKK??????

~*¢hørønå*~fala com Gå£ø•¢inZå•¥inGåÐøR: eh uma risada....pq eu sô a caçula du chat...

(Teddy)™ só dengø fala com †ISA†: :o)

MENINA VENENO fala com Cachorrão™: PSIU PSIU

l¡nСnHå е Ðåd! ™ fala com MENINA VENENO: ¤ ebaaaaaaaaaaaaa

Pamy_dÜ_rEgGaE(_(_(* fala com Curtindo a Vida! H: vc é muuito feliz néh?? naum ké dividi exa

felixidadi komigo?

Nandinh@Ribeiro fala com ~*¢hørønå*~: toke toke éh um sarrinhu ele faz a voz nojentah du kra

igualzinhu....................linduh como sempre....................

LoVe_GuN sorri para Kamui: vai à %&*$#!!!!! huhuhu!

Kamui fala com LoVe_GuN: aahuahauhauhuhauhauauauahuh e vaselina, nao rola

Uma categoria do chatonês de grande importância é o nick. Podemos dizer

que ele é "escrito em chatonês" porque possui essa característica iconográfica. O

nick tenta criar no ambiente virtual uma imagem corporal do freqüentador de chat.

Nicknames (nick) Os nicks são formados de inúmeras maneiras. Existe uma variedade muito

grande de combinações de signos. Há casos onde o nick é carregado de

características corporais, mas também existem os casos onde não há referência

alguma desse tipo. De maneira geral, eles vão desde os mais "pobres" em signos

(ex.: José, Aline, Edu), passando pelos mais completos (ex.: José36, Alineloira24,

H21 olhos verdes zona sul, JamesBond, Kelly Key) até os mais estilizados (ex.:

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*£øir@*, $k8girl☺). Em alguns casos o nick apenas emite a situação emocional do

momento (ex.: garotatristinha, gatocarente, M solitária). Em outros casos o nick

serve para revelar as intenções do usuário do sistema(ex.: homem procura, M quer

namorado, Gato quer Gata, Garota Q Krinho).

Já foi verificada uma relação entre tipos de usuários e tipos de nicks. Os

usuários regulares do chat, que o freqüentam cotidianamente e estão inseridos em

uma rede de relações utilizam, em grande parte dos casos, nicks que não são

carregados de signos corporais, nem de situações emocionais e nem de intenções

pretendidas43. Geralmente esses usuários optam por um nick e o mantêm por um

longo período de tempo. Ele dura enquanto durar sua vivência no chat com o grupo

que cotidianamente mantém contato via Internet. Utilizando sempre o mesmo nick, o

freqüentador pode facilmente ser identificado no chat pelos amigos que estão

acessando, e vice-versa.

Os freqüentadores eventuais do chat (aqueles que o estão acessando pela

primeira vez, ou então acessam de vez em quando) e aqueles que o acessam

regularmente, mas não estão inseridos em uma rede de relações, optam pelas

situações mais diversas de nicks. Optam por nicks dos tipos elencados acima. O

nick do tipo que emite emoções do momento e pretenções do usuário está mais

relacionado a esse freqüentador (eventual, não inserido em rede consolidada). Em

todos os casos existe um ponto em comum, que é a transmissão de imagem que o

nick possibilita. Essa imagem pode ser tanto mais visual e objetiva (física), quanto

mais subjetiva e emocional. Fazendo um paralelo com a área de marketing, o nick

pode ser comparado a um rótulo de produto ou um slogam que gera uma idéia a

respeito.

Quem usa um chat tem diante de si uma tela com uma lista de nicks. O início

de um bate-papo em chat depende de uma escolha de um nick. Obviamente

procura-se uma pessoa, mas a mediação é feita via nick. A comunicação ocorre

quando o nick (o conjunto de informações disponibilizadas) parece ser mais

aprazível. A seleção do contato dependerá muito das informações já disponibilizadas

no nick. Em vários casos são adiantadas informações como idade, profissão, bairro,

43 No presente estudo foram verificados alguns casos de freqüentadores regulares utilizando nick com signos corporais, situações emocionais e intenções pretendidas. Sendo assim, a relação entre tipo de nick e tipo de freqüentador é menos de "regra" e mais de "tendência".

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cidade, estado, aparência, etc. (ex.: Ju25psico, GataKnoas, MorenaLinda,

GatoSurfista).

Vivenciei a importância do nick na sociabilidade em ambiente de chat. Em

momentos de interação virtual com usuários do chat tive o retorno de qual a imagem

que meu nick transmitia. Em mais de um caso percebi que o meu nick (Dr.Zaius44)

passava a imagem de ser um "senhor". Certa vez alguém de mandou uma

mensagem me aconselhando para ir para o chat intitulado de "idade 30 - 40". Em

outros casos, pessoas com nicks femininos me abordavam e perguntavam a minha

idade. Respondia que tinha 26 e logo se desculpavam comunicando que pensavam

que se tratasse de alguém "mais maduro". Provavelmente o que tenha dado o ar de

maturidade seja o "Dr.". Em um ambiente onde prevalece o público jovem, esse

signo vinha dificultando um pouco a minha inserção no grupo.

O sentimento de credulidade existente no chat se aplica muito aos nicks. A

informação contida no nick, embora passível de criação do usuário, é determinante

de uma maior ou menor aproximação entre usuários do sistema. É fácil verificar que

nicks femininos mais "atraentes" recebem um número maior de abordagens. O que

garante o sucesso do nick, nesse caso, é a crença de que as informações ali

contidas condizem com a situação off-line. Surge um etos (ou ethos) de fantasia,

criatividade e imaginação, que acaba por potencializar uma vivência por simulação.

Ser alguém significa parecer ser alguém. O nick colabora para essa criação

do "parecer ser". Paradoxalmente, não há distinção entre aspectos reais (off-line) e

virtuais (on-line). O que se verifica no chat, a partir do nick por exemplo, compõe o

panorama o qual está inserida a situação individual. O que acaba por gerar o

sentimento de curiosidade de se conhecer o freqüentador pessoalmente.

Em ambiente de chat muitos são os casos que ilustram a posição decisiva do

nick. Basicamente, ser um nick na tela do computador é ser um freqüentador de

chat, uma pessoa, um membro da rede, um amigo da turma e assim por diante.

Manter ou trocar o nick altera todas essas circunstâncias. Nicks comuns ocasionam

confusão, já que freqüentadores diferentes parecerão a mesma pessoa no chat.

Nicks que chamam a atenção ocasionam aproximação. Já nicks que não são

"atraentes" geram repulsão. O nick é o primeiro elemento que incide sobre a

aproximação ou não dos freqüentadores do chat, o início do canal de comunicação,

44 Um orangotango antropólogo personagem do filme "O Planeta dos Macacos", edição de 1968.

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o início do cultivo da sociabilidade... Vale aqui trazer a definição de um freqüentador

da sala:

"O nick é muito importante porque... digamos assim, como se fosse uma fantasia assim. É

uma coisa de dentro assim, que tu gostaria de ser, que tu gostaria de passar, assim. Por exemplo no

meu caso. Teddy Bear em inglês é "ursinho de pelúcia". Então é uma coisa que já quer passar, mais,

fofo assim, sei lá... O nick mostra o interior da pessoas as vezes. O Aprendiz de Cafajeste por

exemplo. Então tu fala e já sente uma coisa assim, sabe.

Parece que quando uma pessoa cria o seu nick ela já quer passar alguma coisa e é

geralmente isso que acontece né. E também não é só isso que conta. Também o impacto visual do

nick... a cor... a forma como tu escreve. As vezes também tu quer inventar alguma coisa que não seja

qualquer um que sai por aí usando. É uma identidade tua.

Hoje quando as pessoas me perguntam que tipo de nick vão usar eu digo: usa uma coisa fácil

de pronunciar, de preferência em português, eu cheguei nessa conclusão, que tu te sinta bem e que

passe um pouco daquilo que tu é, que tu quer passar, não daquilo que tu é, daquilo que tu quer

passar."

Em ambiente de chat algumas situações envolvendo a questão do nick

servem de ilustração:

Quando a intenção e a situação vêm expressas no nick Sozinho_Gato_19 fala com Gatinha Carente: precisa d alguem para acabar com essa carencia?

PAULO KER GOSTOSA fala com Angela: oi Angela...sou fã desse nome, sabia?

_Bunitinha* fala com Papo por tel. (h): ☺ não.... sou horrososa..... só usei esse nick pra chamr a

atenção.. hehehhe

ß*Ø*ß*™Tarado ! fala com M¡s†€r¡øså™Solteira: ☺ Tá solteira mesmu ? rs*

Quando o nick recebe observações PAULO KER GOSTOSA fala com Papo por tel. (h): TU NÃO TEM VERGONHA

NÃO...HAHAHAHA...COM ESSE hzinho...KKKKKKKKKKK

Gatinho Perdido fala com Guga: o meu,vai treinar!!!!!!!

T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† fala com DIMITRI\FONE\icq: ¤ bah tu gosta desse perfume hein di novu

Para o nick fazer sentido os signos utilizados na sua confecção devem ser

compartilhados pelas pessoas do chat. A posição no espaço social deve ser

próxima. Acima há o caso de alguém que interpretou o "DIMITRI" como sendo o

perfume. Talvez seja, mas também ele pode ser descendente de gregos.

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...uma etnografia entre internautas. 92

Quando a troca do nick muda a posição na rede Guriazinha Cretina ! : Gente mudei de nick sou eu Lisa (*_*) Dom Casmurro fala com Guriazinha Cretina ! : eu gostava mais da Lisa Guriazinha Cretina ! : Gente mudei de nick sou eu Lisa (*_*) Guriazinha Cretina ! : Gentemmmmmmmmmm sou eu Lisa (*_*)

"Lisa" tentou trocar de nick mas não conseguiu, já que não conseguia manter

o mesmo canal de comunicação com sua turma. Começou a ser ignorada, ou

melhor, desconhecida. Quando se ingressa em uma rede de chat, a pessoa fica

sendo conhecida pelo nick que utiliza. É preciso mantê-lo. Existe uma força coletiva

para reproduzi-lo diariamente e haver um reconhecimento, uma familiaridade e

identificação dos amigos.

Outras situações envolvendo nick poderiam ser listadas. Aqui foram

apresentadas as mais ilustrativas. Podemos ainda pensar no caso da "bruxa" que

costuma trocar de nick a toda hora. Ela recém está ingressando na rede da sala "B".

Talvez logo comece a manter um mesmo nick, tal como faz "Drácula" (se grafa:

«Ðrácula») que usa o mesmo nick há seis anos, não pensa em mudar e já está

inserido na rede.

Podemos ainda pensar sobre o nick a partir do conceito de Philippe Quéau

(1993) de "imagem de síntese" (ele também chama de "imagem infográfica"). O nick

encarna esse tipo de imagem que privilegia a transmissão de uma linguagem. O nick

é visual, como uma imagem, mas também é síntese e prioriza a transmissão de uma

informação, é uma linguagem. Conforme o autor:

"A natureza essencialmente abstrata da imagem de síntese acrescenta-se à sua

faculdade eminentemente concreta de tocar os sentidos do espectador e de criar uma

impressão física forte, envolvente." (Quéau, 1993: 93)

As descrições pessoais Outro elemento fortemente presente no chat é a "descrição pessoal". Em um

ambiente de sociabilidade virtual, a falta de contato físico torna-se uma situação

propícia à descrição. No chat há o desejo de saber como é fisicamente aquela

pessoa com a qual se conversa. É preciso imaginar uma imagem do Outro. O nick

colabora muito para isso. Ele é um primeiro passo, já que muitas vezes vem

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...uma etnografia entre internautas. 93

recheado de signos corporais, comportamentais e de personalidade. Fora o nick, a

descrição pessoal vem durante a conversa, no bate-papo. Ela pode ser uma questão

central no início da comunicação entre os freqüentadores de chat ou então surgir

sutilmente com o tempo. Alguns freqüentadores manifestam um aparente

desinteresse com a aparência física das outras pessoas que acessam o chat.

Porém, buscar o "belo" parece ser uma vontade sempre presente, o que leva ao

trabalho de "se descrever".

Alguns freqüentadores do chat refutam as descrições pessoais. "Aprendiz de

Cafajeste" brinca um pouco com a idéia de que "todos se acham bonitos no chat", e

que quando vai ver a menina pessoalmente "é um dragão". Nesse caso, segundo

ele, é bom nem criar muitas expectativas com relação à aparência física, porque

"nunca tu vai imaginar exatamente como a guria se descreveu". Certa vez no chat

uma menina o questionou sobre sua aparência física:

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com kamorra: TENHO 25 ANOS,.............SOU CABELO CASTANHOS,

OLHOS CASTANHOS, ....NORMAL

Se descrever e questionar sobre como o outro é, tanto fisicamente quanto

emocionalmente, faz parte do processo de conhecimento e cultivo da sociabilidade.

A questão da aparência (dimensões físicas, estilo, maneira de ser, agir, etc.) ganha

status e muitas vezes conduz um momento de interação virtual. Alguns exemplos

ilustram como o tema "descrição pessoal" surge:

Descrições "neutras" Janie Calamidade fala com SURFISTA DA PUCRS: hahah eu faço contábeis na ULBRA... tudo a ver

tbm com reggae, rock e outras do genero né?

SURFISTA DA PUCRS fala com Janie Calamidade: MAIS INFORMATICA É SO NERD, EU SO O

UNICO

A busca do "belo" GOSTOSA A FIM fala com Ðøm £ú¢¡fër™Gur¡Bãø: LOIRA ESCULTURAL........1,79 M.....PERNAS

LONGAS.....BUNDA MUITO DA GOSTOSA.........DE DEIXAR BABANDO AS MULATINHAS..........

Letícia Cicarelli-17 fala com Gatinho_17: Morenhinha, olhos verdes, 1,61 48 kg, cabelos lisos e

compridos

O "belo" através do "anti-belo" G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™ eu !! sou tri gorda...a mais feia lah era eu !

§°ANJO AQUARIANO°§™ fala com G@t@: eu sou horrivel

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A crítica prend@nacaliforni@ fala com Cabelo: claro...de 10 nick que tem aqui uns 8 tem algo que fale bem da

pessoa(fisicamente)pura propaganda enganosa...

OBI-WAN-KENOP fala com loirinha_sarada: ODEIO ESSAS NEGA QUE ENTRAM COM ESSES

NIKES DE CONVENCIDINHAS..................

A busca de "fotos" Além do nick e da conversa, a aparência pode ser revelada através de "fotos".

O que talvez tenha mais fidelidade a aspectos objetivos e características pessoais.

Os freqüentadores de chat usam o termo "foto", mas, tecnicamente, estamos lidando

com "imagens digitais". Elas podem ser de dois tipos: as que foram digitalizadas a

partir de fotografias ou as que foram registradas a partir de câmeras digitais. No

primeiro caso há a necessidade de utilizar um scanner para transformar a imagem

do papel em um arquivo de computador. No segundo, o arquivo é gerado já na

captura, na câmera, bastando apenas transferir o arquivo para o computador. As

duas tecnologias são bem difundidas atualmente.

Há alguns anos atrás elas não eram tão "baratas", não estando ao acesso de

tantas pessoas. Com o barateamento e a maior difusão dessas tecnologias (do

scanner e da câmera digital) a troca de "fotos" via Internet tornou-se muito comum.

Atualmente a própria conexão (ou discada ou via cabo) facilita o envio e recebimento

de imagens. Para se ter uma idéia, as pessoas podem se conhecer no chat e logo

em seguida "trocar fotos", ou via e-mail, ou via ICQ/MSN45. Tudo numa questão de

minutos.

Alguns freqüentadores de chat vão logo demandando a comprovação a partir

da "foto", evitando se basearem apenas nas descrições pessoais e nos nicks. A

"foto" também pode ser trocada depois de algum tempo de conversa. De qualquer

forma, a "troca de imagens"46 sempre é um momento decisivo. É quando se irá ver

fisicamente a pessoa com a qual se relaciona no chat. A "foto" deixa menos dúvidas.

45 Software da Microsoft que permite a comunicação entre internautas que estão conectados na rede, mesmo que navegando em sites diferentes. 46 A prática poderia ser chamada de "troca de retratos", porém não são retratos na forma tradicional (fotografias impressas). Os internautas chamam de "troca de fotos", mas também não é da maneira tradicional (troca de pedaços de papel com imagens pessoais impressas). Eu chamo de "troca de imagens" pelo rigor técnico (tratam-se de imagens digitais). Independente do nome, o leitor deverá entender o simbolismo envolvido na prática.

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Ela é mais objetiva. Ela dá mais segurança em relação ao "belo" e o "feio". Ela dá

menos espaço à imaginação. Mas também pode ser manipulada.

"Anjo" costumava "trocar fotos" com meninas que conhecia no chat. Ele

possuía uma quantidade grande de imagens em seu computador. Certa vez

estávamos nos comunicando via chat. Eu o entrevistava. Enquanto isso, apenas ele

mantinha contato com uma menina, também no chat. Conversávamos sobre sua

relação com a sala de bate-papo. Logo após ele ter narrado uma de suas

experiências, disse que recém havia recebido, on-line, uma "foto" em que aparecia a

"ReggaeraPsicoPuc", a menina com a qual ele se comunicava. "Anjo" comentou

comigo que na "foto" havia três gordas e uma magra. Ele torceu para que a tal moça

fosse a magra, mas não era. Aliás era, segundo ele, a "gorda mais feia" e perguntou

se eu não queria ver a "foto" dela. "Anjo" me enviou a imagem que recém havia

recebido.

Perguntei a ele se o seu comportamento de ficar enviando "fotos" não gerava

confusão e se ele confiava nas que recebia. Ele começou a narrar um

acontecimento:

"Uma guria mandou uma foto pra mim e era razoável, daí passei a foto e o ICQ para um

amigo e eles marcaram encontro e na mesma semana eu pedi a foto dela e ele mandou, era

totalmente diferente da anterior, a guria tinha mandado a foto de outra, e MUUUUITO FEIA.. Daí só

comentei com o meu amigo que ela tinha mandado outra foto e parecia 'menos bonita' do que a

anterior.. Eu fui conhecer a guria com ele e ela parecia um ET! (hehe) ainda bem que levou umas

amigas razoáveis!"

No chat a "troca de fotos" pode ser explícita. Alguns freqüentadores já

acessam informando no nick que têm "foto" para trocar. Outros pedem a "foto" no

meio da conversa. O caso da turma da sala "Porto Alegre B" é mais sofisticado. Um

membro da turma47 normalmente fotografa os encontros coletivos e publica na

Internet. Isso facilita muito a obtenção da imagem de uma pessoa. Não é preciso

nem pedir a ela, basta acessar o site a qualquer momento e ver quem são fulano,

beltrano... Alguns casos ilustram a questão da "foto" no chat:

47 Atualmente "Teddy" fazia isso com uma câmera digital.

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gata quer sua foto: oi, quero fotos de caras de cueca. alguém tem pra me da?

Noturno -23 c\foto: Alguma gata com foto, q queira trocar com cara q tá sozinho em casa?

Anônimo1 : alguem quer ir no cinema comigo? tenho foto...

Digo fala com Penelope Charmosa: Sim, mas naum tenho foto ...

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com kamorra: **********ATENCAUM TODOS...............65 FOTOS (COM COMENTARIOS)DE ENCONTROS DA GALERA DA sala Porto Alegre "B" (ATUALIZADO EM 24/03/2003)....FOTOS DO ROSE PLACE, TROPICALI, NIVER DA SORA NO COPAUM, NIVER DA BRUXINHA NO MANARA, ENCONTRO CASA APRENDIZ EM IMBE, E DO NIVER DO SCORPION NA CASA DELE************OLHE AS FOTOS .......E VE SE DA NOTA 10 PRA NOS ...........http://fotos.terra.com.br/album.cgi/337840**********

A "foto" no chat parece ser um bem a ser trocado. Talvez um dom, uma

dádiva. "Anjo" explica como acontece no seu caso:

"Algumas vezes, as mulheres com as quais faço contato no chat me pedem para enviar uma

foto. Respondo que não tenho. Algumas enviam da mesma forma e ainda perguntam "o que eu

achei". Em outros casos, por não ter para enviar, elas também não me enviam."

Podemos refletir sobre a "troca de fotos" na Internet a partir de exemplos de

outros "rituais da fotografia". Miriam Lifchitz Moreira Leite trabalha com a relação

estreita entre casamento e fotografia. Entre os séculos XIX e XX veio a

intensificação da tecnologia fotográfica. Utilizada nos casamentos, ela se tornou um

elemento legitimador, de manutenção da memória e publicação da união. Para a

autora o retrato está ligado à manutenção da memória individual e coletiva (Leite,

1991). Nesse caso, existe uma associação entre o ritual do casamento e a

tecnologia da fotografia. Assim como na Internet, que o desenvolvimento de

condições técnicas propícias possibilitaram o costume de "troca de fotos".

Tipos de procura Todos os elementos vistos até aqui estão relacionados a um outro, talvez

mais central, que é a "procura". O nick e seu conjunto de signos que vêm agregados

mostra um pouco do perfil de quem acessa. A partir daí é possível conversar com

quem possuiu maiores afinidades, ou alguém interessante... Porém, ainda é um

elemento iconográfico. As descrições pessoais fazem parte do jogo de sociabilidade,

da descoberta da outra pessoa e estão ligadas à troca de mensagens. A troca de

fotos também está envolvida com a procura, principalmente quando se busca

"alguém bonito". Nos três elementos está presente a "procura".

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O freqüentador de chat pode procurar alguém para conversar que compartilhe

com ele a mesma situação de vida. Ou que more na mesma cidade, ou então que

tenha a mesma idade, ou que seja da mesma região, ou que more no mesmo bairro,

ou que seja da mesma profissão, ou que..., ou que..., ... Os "tipos de procura" são

quase ilimitados. O que nos interessa aqui é perceber que há uma organização no

aparente caos.

O desejo em manter contato com alguém que compartilhe características

comuns é visível no chat. Por um lado esse desejo está relacionado ao fato dos

freqüentadores buscarem relacionamentos a serem cultivados off-line. Daí ser

importante se relacionar com alguém da mesma idade, ou da mesma região, etc. No

entanto esse comportamento não é regra. Algumas redes são caracterizadas por

possuírem uma diversidade de idades. Também existem os casos em que o

freqüentador de chat viaja até outro estado para conhecer pessoalmente os amigos

feitos no meio virtual.

A idéia da "procura" no chat está constantemente presente. Normalmente

podemos ver "alguém procurando alguém de determinado tipo". Alguns casos

ilustram essa situação:

Quando a procura é por faixa etária Helenna : algum gatinho com mais de 23 anos?

D.T.@QU@RI@NO,29 : alguma gata querida c mais d 25 quer tc?

Mesmo informando a idade no nick, o que já atrai um tipo de segmento e

dispensa outro, a procura por uma faixa de idade é enfatizada.

Quando a procura é por região GAROTO BOM : alguem de cachoeirinha por aí?

Gaúcho\27: Alguma gatinha do bairro Floresta, Centro ou Moinhos de Vento?

Mesmo acessando um chat sob o título de "Porto Alegre", alguns

freqüentadores tentam encontrar pessoas de suas cidades. Talvez pelo fato da sala

da capital aglutinar os freqüentadores que moram nela, e também os que moram na

Região Metropolitana, aliás, o que é muito comum.

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Critérios mais objetivos AmoPésFemininos : Boa noite! alguma Gata q. calce Acima de 37 afim de tc?

KeroVirgem : Tem alguma virgem aqui???

Critérios mais subjetivos Procuro garota legal : Boa noite, estou procurando uma garota trilegal, ela está aqui???

GATO KER SEXO : ALGUMA GAROTA ROMÂNTICA E QUE ESTEJA CARENTE POR

CARINHO???????????

Quando a procura é um "anúncio" F룡pë26™ †hëß맆Øf : ¤ *************Alguma minina com 23 ou mais, que seja fiel, gentil, simpática, que goste de sair pra dançar, pegar um cineminha, passear de mãos dadas, caminhar pelo parque, que seja legal, que me faça feliz, que queira dividir os momentos felizes e os ruins também, que me ajude quando eu precise, que seja bacana, ...........Alguém se habilita? ****************

Questão de gênero Em ambiente de chat existe uma possibilidade total de criação de gênero.

Como estamos diante de uma comunicação que compartilha mensagens escritas, a

imagem (aparência) e o som (voz) das pessoas está ausente. A criação do gênero

fica totalmente depositada na conduta que o freqüentador terá no chat. Ela será

manifestada em suas mensagens e no nick escolhido. O nick participa ativamente na

escolha do gênero. Somente com o nick já se pode mostrar se é um homem, uma

mulher, ou um homossexual - do sexo masculino ou feminino. A liberdade que se

tem de escolher o nick está relacionada à liberdade que uma pessoa tem, em um

ambiente virtual de chat, de escolher seu gênero. A escolha do nick faz parte do

processo de construção do gênero.

Normalmente a escolha do gênero em ambiente de chat condiz com a

condição off-line da pessoa. Homens escolhem nicks masculinos e agem como

homens, assim como as mulheres escolhem nicks femininos e agem conforme. Isso

é devido à estreita relação entre a sociabilidade virtual praticada via chat e a vivência

face a face da pessoa. Na maioria dos casos acompanhados há uma continuação da

vida off-line na vida on-line. Os usuários do chat não dispensam suas principais

características quando estão interconectados.

Entretanto, não podemos esquecer que estamos diante de um ambiente onde

a falta de parâmetros sensitivos possibilita um grau maior de manipulação das

informações. O usuário pode mentir o quanto quiser que terá terreno para isso.

Poderá, por exemplo, dar a informação que quiser sobre sua aparência física que a

falta de contato visual impedirá a comprovação das informações. Da mesma forma,

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poderá simular uma condição de usuário com gênero diferente da sua. A maioria

dos usuários de chat contatados sabem disso. Reconhecem a possibilidade de

falsificação das informações, da mentira, da simulação.

No convívio em chat a comunicação é muito dinâmica. Quem participa pode

facilmente acompanhar a conversa dos demais usuários que trocam mensagens no

modo aberto. Em muitos casos parece existir uma cumplicidade na aceitação das

informações que são trocadas. Os usuários trocam mensagens, discutem sobre

determinado assunto e falam sobre si próprios. Tudo parece ser inquestionável.

Somente quando alguma informação parece ser desconfiável é que há um

questionamento. Em alguns casos ele é pequeno, em outros, gera conflito e

rompimento. Entretanto, isso ocorre entre usuários que ainda não se conhecem

pessoalmente. Entre os membros da "turma" não há esse tipo de troca de

informações sobre as características pessoais (idade, lugar onde está, aparência,

etc.).

A credulidade do usuário de chat também pode ser percebida quando

acompanhamos a narrativa de uma experiência onde se comprovou a falsidade das

informações. Geralmente essa situação ocorre quando dois usuários de chat se

conhecem pessoalmente. Em alguns casos se verifica que "a pessoa não é como

disse que era". No ambiente de chat temos, paradoxalmente, uma situação onde a

possibilidade de manipulação das informações pessoais é extrema ao mesmo tempo

que um sentimento também extremo de credulidade. A situação passada por "Anjo"

vale como exemplo:

"E uma vez que eu marquei de conhecer uma mulher de 21 anos que se dizia ruiva de olhos

verdes e pelas medidas achei que tivesse um corpinho legal! Daí quando ela aparece ela era negra

(sem preconceito), gorda e baixinha!!!!! Que tragédia.. ela ainda teve a cara de pau de comentar:

Ai...eu não sou o que tu esperava né..? uahuahuahuha

Cara, foi terrível!!....... A gente tinha combinado de se conhecer na parada da frente da minha

casa... Porque eu ia pro centro depois, era de manhã. Daí ela ia descer de ônibus (e dizia que tinha

carro, que morava sozinha e etc.) e eu fiquei esperando... Quando vi o ônibus que ela ia chegar fiquei

cuidando... e saiu aquilo e o ônibus largou. Tá, virei a cara e continuei a esperar! Daí aquela guria fica

meio sem pra onde ir.... eu dei uma espiadinha... bem de canto e ela se dirige a mim E eu pensei:

nãaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaao!!! (hehehe)"

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Diante dessa credulidade os encontros no chat ocorrem. Os usuários

acreditam que por detrás de um determinado nick masculino haja um homem e por

detrás de um nick feminino, uma mulher. A partir daí escolhem com quem vão e com

quem não vão se comunicar. No mundo social off-line não é a mesma coisa a

interação entre duas pessoas do mesmo sexo e a realizada entre duas pessoas de

sexos diferentes. A mesma coisa acontece on-line.

Como pesquisador do sexo masculino, participei da interação virtual com um

nick masculino. Percebi que para iniciar contato com alguém do sexo masculino

(com nick masculino) tinha de ter um certo cuidado. A conversa não iniciava "do

nada"48. Caso eu enviasse uma mensagem perguntando se a pessoa queria teclar,

me ignorava ou me acusava de homossexual e terminava o contato. Se a

mensagem fosse enviada no modo reservado, pior. Se a mensagem fosse enviada

no modo aberto a repulsa era atenuada.

Somente obtive sucesso em iniciar contato com homens (nicks masculinos)

quando, em meio a uma discussão entre vários freqüentadores, mandava uma

mensagem para alguém que usava nick masculino com um comentário qualquer, me

referindo ao assunto em questão. Nesse caso abria-se um canal para a conversa.

Além da minha experiência, também observei a mesma situação em outros casos.

Dois homens (nicks masculinos) geralmente começam a trocar mensagens no chat a

partir de um assunto em comum, gerado na interação coletiva.

A conversa com mulheres (nicks femininos) podia iniciar "do nada".

Perguntava se queria teclar e logo era questionado sobre idade e lugar da cidade

onde eu estava. Em alguns casos o canal de comunicação também surgiu de um

momento de interação coletiva. Entretanto, o comum era iniciar "do nada", tanto

quando a minha abordagem era aceita, quando eu era abordado.

É fácil vivenciar essa situação quando se entra no ambiente de chat utilizando

um nick feminino. "Chovem" mensagens enviadas por homens (nicks masculinos).

Todas as mensagens tentam iniciar um canal de comunicação "do nada". Ao

internauta com nick feminino geralmente é perguntado se quer conversar, mas

algumas vezes se recebe declarações de amor e propostas de sexo. Não

respondendo às mensagens, o canal de comunicação não se efetiva. Uma segunda

mensagem não é enviada. Depois da enxurrada inicial de mensagens - geralmente

48 Repentinamente, sem reconhecimento prévio. Inesperadamente.

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uma meia dúzia de mensagens - o movimento acalma. A partir de então o usuário

com nick feminino só irá receber mensagens de novos usuários que recém

ingressaram no chat. É claro que essa estratégia pode ser utilizada por todo mundo,

com diversas finalidades.

O gênero é uma variável que está constantemente presente na sociabilidade

virtual em ambiente de chat. Ele está envolvido na forma que toma a rede de

relações. Ser homem ou mulher condiciona já de que maneira se dará o início da

relação. Nesse caso, se irá começar "do nada" ou se partirá de um encontro casual

no processo de sociabilidade. A busca de mulheres (nicks femininos) feita por

homens (nicks masculinos) é muito mais intensa do que o contrário. Nas vezes onde

se fez o teste de acessar o chat com um nick feminino, sempre houve alguém (nick

masculino) querendo conversar. Isso mostra o quanto é mais "valioso" ser mulher do

que ser homem no processo de sociabilidade que ocorre em ambiente de chat:

MENINO DO RIO\27: BOA NOITE ÀS POUCAS MULHERES DAQUI!!!!!!! UM GRANDE BJ EM

VCs.....

MENINO DO RIO\27 fala com _talythi_: h ou m??? se for m, seja bem vinda meu anjo.......

Universitario\25a : ░▒▓ ▫▪▫ Alguma mulher quer teclar? ▫▪▫ ▓▒░

surfistacalhorda fala com Gå£ø•¢inZå•¥inGåÐøR: eu to trovandu com um cueca

surfistacalhorda fala com Gå£ø•¢inZå•¥inGåÐøR: a larga fora

Em termos de sociabilidade virtual, as mulheres têm uma penetração muito

mais ampla do que os homens. A elas cabe a escolha do canal de comunicação que

se efetivará, no caso da interação entre sexos opostos. A "procura" é quase sempre

uma atividade masculina. Esses comportamentos sugerem uma reflexão sobre a

tradicional relação de "dominação" entre sexos. Quem domina no chat?49

Contemporaneamente as Ciências Humanas têm se esforçado no sentido de

"desnaturalizar" a relação entre sexualidade, sexo e gênero. Os papéis sociais e as

características psicológicas não devem ser reduzidos às diferenças biológicas

(Loyola, 1999). Diferenças comportamentais em relação ao gênero resultam de

contextos sociais específicos. Em cada um deles haverá um "papel masculino" e um

"papel feminino"50. Em seus estudos, Maria Luiza Heilborn reflete sobre as

49 Junto a esse questionamento também poderia vir: No contexto do on-line há uma transformação de papéis em relação ao off-line? 50 No sentido de personagem e performance praticada.

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"transformações da intimidade" na época atual, tal como o maior debate sobre

sexualidade, que foi intensificado pela epidemia HIV. Entretanto, "isso não alterou a

diferença da abordagem do tema entre homens e mulheres - persiste ainda um

quadro de 'dominação masculina' " (Heilborn, 1999, 56). Segundo a autora:

"A mulher existe como pessoa através da apreensão de sua conduta pelos outros.

Para os homens, as correlações entre atividade sexual e gênero masculino são

particularmente proeminentes na construção da imagem de si, a despeito da classe social a

que pertence." (Heilborn, 1999, 56)

A busca de afinidades e identificações comuns, enturmar-se Uma das características centrais da sociabilidade virtual cultivada em chat é a

aglutinação de pessoas "diferentes". Ela é resultante da possibilidade que a Internet

dá atualmente de servir de ponto de encontro para pessoas possuindo diferentes

capitais econômico e cultural. A sala de bate-papo pode tanto ser freqüentada pelo

"estagiário de empresa" que acessa em seu intervalo de almoço, quanto pelo

"executivo". Tanto podem estar ali o "Punk"51, quanto a "Patricinha"52, e assim por

diante. São inúmeros os tipos de estilos e novas tribos que poderiam ser citados.

Todos eles podendo se encontrar em um mesmo chat, o que condiciona a busca de

afinidades e identificações comuns.

A partir do estudo posso sugerir que a sociabilidade é cultivada entre "iguais".

Entre pessoas que compartilham um mínimo de características semelhantes. O perfil

precisa ser parecido para haver conversa. A comunicação acaba sendo entre

freqüentadores de chat que possuem um ponto de vista sobre o mundo próximo.

Isso faz com que eles geralmente já apresentem alguns "gostos" para servir de

distinção. O estilo musical é um parâmetro bastante recorrente. Talvez porque se

trate de um público jovem que preze pelos assuntos música, estilo, casas noturnas,

51 O Dicionário Aurélio Século XXI explica: " Membro de movimento não-conformista surgido na Inglaterra ao final dos anos 1970 que adota diversos sinais exteriores de provocação, por completo desprezo aos valores estabelecidos pela sociedade.". Hoje em dia existem jovens que se inspiram no movimento punk, embora com sensíveis transformações. Talvez a inspiração seja atualmente mais pela "imagem" do que pela motivação ideológica. 52 Novamente o Dicionário Aurélio Século XXI explica: "Jovem do sexo feminino, que se veste com esmero e, geralmente, tem comportamento consumista.". A versão masculina da "Patricinha" é usualmente chamada de "Mauricinho". Entre os jovens esses "tipos" servem de indicação de um comportamento que pode ser o praticado ou o repudiado, gerando agregação entre os "semelhantes".

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etc. Entretanto, também há outras situações em que fica clara uma "busca pelo

igual" na qual percebemos a aproximação pela identificação comum:

Janie Calamidade fala com SURFISTA DA PUCRS: eu aprendi a gostar de reggae nas minhas férias

em fevereiro qdo fui pular carnaval em floripa... a bandinha q agitou as noites lá tocava is this love...

entre outros reggaezinhos nacionais... dai me apaixonei

pati : ALGUÉM DO 3º SEMESTRE DA PUC PORTO DA NOITE

SURFISTA DA PUCRS fala com pati: SEVE DO SEGUNDO SEMESTRE DA PUC NOITE?????

homem33 : Alguém aí curte naturismo?

Luz fala com homem33: Sei lá, tenho apenas curiosidade...

Buscar afinidades gera aproximação, que faz o freqüentador de chat se

enturmar e leva a formação de uma rede de relações. A sala de bate-papo não

combina com silêncio, por isso é preciso se manifestar, perguntar se alguém quer

teclar, ir à "caça" de alguém para conversar, tentar marcar sua presença... Várias

podem ser as técnicas utilizadas para gerar um contato. Alguns explicitamente

perguntam se alguém está disponível, outros tentam criar um clima de simpatia,

alguns trabalham a atração amorosa, outros se fazem de "coitados"...

euzinha : ☺ boa noite gentemmmmmmmmmmmmm

§ürf Ìñ TråmâñÐä: ░▒▓ ▫▪▫ Alguém quer teclar? ▫▪▫ ▓▒░

JULIE\22 : AÍ GALERA, ALGUEM A FIM DE CONVERSAR UM POUQUINHO?:

MULHER NOTA 1000 : E TO AFIM DE NÃO FICAR SÓ DE PAPO COM CHAT , QUERO ALGO MAIS

(Teddy) fala com M¡ch룡ñhå do Ziggy: ☺ bão ta tudo bão não.... ninguém fala comigo ....... humpf....

Pobre, mas limpinho : ¤ Vou trabalhar......depois eu vorto....(como se alguém se importasse com

isso)....

Tudo leva a uma finalidade última, que é a interação, o agrupamento, a

formação de uma rede. Estar no chat significa estar "jogando sociabilidade". Até

mesmo aquele freqüentador que ainda não possui laços de amizade no chat quer

encontrar alguém para conversar. A busca de relacionamentos amorosos é forte,

mas também é forte o desejo de participar de uma coletividade e fazer parte de uma

turma de amigos. Aliás, é justamente o fim comum que geralmente o freqüentador

de chat acaba encontrando. Como acessa o chat com regularidade, acaba revendo

outros freqüentadores que no dia anterior, ou em outra ocasião também estavam no

chat. A partir desse "reconhecimento" começam a se formar os laços de amizade e a

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...uma etnografia entre internautas. 104

rede de amigos começa tomar forma. Sempre "alguém" conhece "alguém", que

conhece "alguém", que acaba apresentando, que vai no encontro, e assim por

diante.

Um pouco o que acontece com "Teddy". É uma mistura de "procura", com

"busca de afinidades" e "desejo de enturmar-se":

"As vezes tu entra numa sala e tu vê que as pessoas tão sempre ali. Por exemplo... na sala

A, tem a Anônima, tem a Gata que Vira Tigresa, tem a Loba Vinte e Seis, que são pessoas que eu já

vi ali. Daí tu entra na sala e elas começaram a puxar papo comigo. Daí sim, tu pode conversar com

ela que tu sabe que elas não vão sumir, aquele papo que vocês conversaram hoje, tu não vai precisar

falar amanhã de novo."

A turma, um lugar de troca de confidências Por freqüentarem o mesmo espaço virtual regularmente, as pessoas acabam

criando laços de amizade dentro do chat. É quando uma "turma" começa a tomar

forma. As pessoas reconhecem os mesmos nicks na tela do computador e sabem

que no chat irão encontrar conhecidos para conversar um pouco, relaxar,

descontrair, trocar confidências, namorar, flertar...

Para o leitor entender um pouco o que é uma "turma de chat", talvez seja

necessário lançar a questão: como sabemos que ali no chat há uma turma? Bom,

"Teddy" passou por essa experiência e nos narra:

" ...no começo tu tenta entrar no grupo. Quer dizer, não é que tu tenta entrar, tu cai na sala e

de repente tu vê a galera conversando aqueles assuntos assim fora do que normalmente se conversa

num chat. Porque normalmente se conversa no chat coisas do tipo "como tu é", "o que que tu faz", o

que que tu não faz", "quantos anos", "de onde tu é", "de onde tu não é". Daí eu cheguei na B assim

vendo conversando "e aí fulano, tu foi na casa do fulano?", "deu um jeito no teu carro?". Coisas que

levavam a crer que as pessoas se conheciam bem mais do que simplesmente virtualmente. O

pessoal que tava ali na sala conversava tudo isso, no aberto, e eu achei bacana tudo isso..."

Freqüentando regularmente o chat percebemos, na tela, os mesmos nicks. É

sinal que são as mesmas pessoas que estavam acessando ontem, ou semana

passada... E ainda, costumam trocar mensagens com outros freqüentadores do chat

no modo aberto de comunicação. Além da forma peculiar, também o conteúdo das

conversas, que foge um pouco do comum. Parece que eles já se conhecem a um

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 105

bom tempo e que já tiveram experiências comuns, ou no chat, ou em festas, etc.

Acompanhando um pouco dessa dinâmica poderemos inclusive mapear uma rede

de relações. É "A" que conhece "B", que conhece "C", que não conhece "A" mas

conhece "D", e esse sim conhece "A"... Um pouco das situações que ajudam a

identificar uma turma de chat são trazidas nos seguintes exemplos:

§°ANJO AQUARIANO°§™ fala com G@t@: E iai o q achou da galera?

G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™: adorei vcs !!!

COYOTE fala com Tá!*17* LoKiNhA: Hoje foi a maior correria um monte de entragas pra fazer, fui da

zona sul até Gravataí fazendo entrgas....hehehe Cheguei a pegar uma cor, até parece que fui a

praia......hehehe

ADMINISTRADOR TERRA™ fala com Helenna: O ANDRÉ DISSE Q TU QUER TC COMIGO.....MAS

EU NEM TE CONHEÇO.....EU ACHO

(º_º)_ O CARA_(º_º) : Vou indo! Valeu, até mais! Abraços!!!!!!!

Ver a sociabilidade entre uma turma de chat pode ser feito em diversos

momentos. Algumas vezes o ambiente de chat até possibilita a troca de

confidências, uma fofoca, um comentário, um desabafo... Em outras ocasiões é o

lugar para se encontrar, conversar e combinar algum encontro.

Janie Calamidade fala com _Bunitinha*: só pq agora to saindo aos findis... dai eu disse só to

seguindo o teu conselho... saindo pra ver gente

Janie Calamidade fala com _Bunitinha*: que q ele quer... sai beijando tudo as gurias e vem correndo

em contar e depois eu é q to me achando... ele só soube das mnhas festas pq me perguntou onde

me enfiei o findi inteiro

_Bunitinha* fala com Janie Calamidade: ☺ ó... e ainda fica te controlando assim é?!??!?!

O trecho a seguir é um pouco mais extenso e se refere ao momento de

interação entre vários membros da turma. Há um pouco de confidências e

passagens de humor, não se sabe se são passagens verdadeiras, mas são "causos"

que causam riso. É interessante notar como o assunto, por ter uma pitada de

surrealismo, atrai a atenção de outros freqüentadores do chat naquele momento

(tanto dos mais próximos, quanto daqueles que poderão fazer parte da turma). De

repente a narradora dos acontecimentos fica envergonhada e resolve sair da sala. A

sua amiga comenta que ela gosta de ser uma atração no chat, mostrando o quanto é

importante essa popularidade entre alguns membros da turma que acabam

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 106

centralizando um pouco das atenções. Também percebemos o quão importante é o

"bom humor" na vivência em chat, com a turma de amigos...

~*¢hørønå*~ fala com Tá!*17* LoKiNhA: Bom...eu e minha amiga..... Jamila......somos retardadas....

entaum sempre brinkmos de "no limite"....fingindo q as comida são cerébro. olho e testículo....... daê

uma vz a gente tava cum preguiça de pegar garfo e fak e comemos uma macarronada com a boca

soh...com os braços p/ trás...... daê sujamos toda a kra foi tri engraçado...foi foda.... e daê uma vz eu

naum tinha nada p/ fazer e kebrei o arranjo de isopor dela dos 15 anos dela...e comi.....

Tá!*17* LoKiNhA fala com ~*¢hørønå*~: ☺ guria, vou ligar pra tua mãe, vou mandar ela te levar pro

são pedro huahauhuauha

~*¢hørønå*~ fala com Tá!*17* LoKiNhA: Bah sem falar das revistas neh?

Tá!*17* LoKiNhA fala com ~*¢hørønå*~: ☺ tu come revista tb?

~*¢hørønå*~ fala com Tá!*17* LoKiNhA: Tipow qndo tm algo ki a gent naum gosta tipow entrevista

com KLB, Sandy e Jr. , Zezé di camargo, Twister, Britney....daê a gente rasga e come as

revista........hauahuaha

Felina((( * _ * ))) fala com ~*¢hørønå*~: SUA DOIDA.... HAHAHAHHA

JAY-Z™ fala com Felina((( * _ * ))): ☺ pelo menos a mãe dela num gasta com comida

normal...auhauhauha

~*¢hørønå*~ fala com Tá!*17* LoKiNhA: eh q a raiva eh mta.....daê a gent come.....kkkkkk

LokuRagEm : PAPO LEGAL ESSE DO ISOPOR !!!!!

~*¢hørønå*~ TAH VOU INDU PQ EU SEI KI DAKI A POKO VCS VÃO COMEÇÁ A FOLGÁ EM

MIM.........

Felina((( * _ * ))) fala com ~*¢hørønå*~: AH... MAS BEM Q TU GOSTA DE SER O XODOZINHO DA

SALA... FALA SÉRIO... HEHEHEHE

Felina((( * _ * ))) fala com JAY-Z™: ELA DEVE SER TIPO... UM CABO DE VASSOURA DE TAUM

MAGRA... SÓ COME ISOPOR E REVISTA... TB O ESTÔMAGO DELA É ÓTIMO DE LEITURA...

HAUAHAUHAUA

E é assim que a turma vai tomando forma, com o convívio diário e o cultivo da

sociabilidade. Cada chat vai ter a sua turma, umas mais identificadas, outras menos

coesas, mas no fundo sempre há um grupo de pessoas que freqüenta a sala

regularmente e se relaciona na forma de uma rede. Os freqüentadores de chat

acabam se reencontrando no chat porque costumam acessá-lo em um determinado

horário. É por causa disso que podemos ter a turma "do dia", ou então a "da noite".

Também há o título da sala.

No caso do Provedor Terra, as salas dedicadas à cidade de Porto Alegre são

discriminadas na forma de letras (A, B, C...). Por exemplo, a situação apresentada a

pouco envolvia membros da turma da sala "A" que normalmente se encontravam no

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...uma etnografia entre internautas. 107

período da noite. Na maioria eram estudantes que estavam de férias de verão e que

diariamente se encontravam no chat. Com o início das aulas a turma deixou de

existir, já que eles pararam de acessar o chat devido às atividades estudantis,

tinham menos tempo, tinha de ir dormir cedo, etc. Certo dia percebi que havia algo

de diferente no chat:

Dr.Zaius fala com ESCORPIÃO REI: cadê todo mundo?

ESCORPIÃO REI fala com Dr.Zaius: bah,não sei cara

Dr.Zaius fala com ESCORPIÃO REI: é impressão minha ou todo mundo anda sumido?

ESCORPIÃO REI fala com Dr.Zaius: a correria começo né cara,dai tá todo mundo atarefado

Dr.Zaius fala com ESCORPIÃO REI: que correria?

ESCORPIÃO REI fala com Dr.Zaius: colégio,trabalho,curso pré vestibular

Dr.Zaius fala com ESCORPIÃO REI: e tu não faz nada?

ESCORPIÃO REI fala com Dr.Zaius: eu tava fazendo curso de vigilante

Essa turma da sala "A" durou o período que vai de agosto de 2002 até março

de 2003. No inverno de 2003 era possível rever alguns membros da rede no chat.

Era o momento das férias de inverno. Enquanto durou, no período do verão, a turma

se reconhecia enquanto tal. Era a "galera". Mas para atingir o status de turma

precisava haver um acontecimento. Algo que fizesse com que as pessoas se

conhecessem pessoalmente. Em alguns casos, para que os membros da rede

pudessem "ficar". Era preciso que ocorressem "encontros da turma".

Os encontros

A partir do encontro que uma turma de chat tem início efetivo. Até então

estamos diante apenas de um convívio on-line. Com o encontro é instaurada uma

relação mais próxima. Os indivíduos se conhecem face a face e isso condiciona uma

relação diferente entre eles, freqüentadores de chat. Ser de uma turma significa já

ter ido a algum encontro. É muito comum alguém perguntar sobre algum

freqüentador do chat e receber a seguinte resposta: "conheço, mas ele nunca foi em

encontros". Por exemplo, começar a participar dos encontros da sala "A" significa

que tu é da turma da sala "A", que é diferente da sala "B". Quem vai nos encontros

da sala "B" não costuma ir nos encontros da sala "A". Mais adiante essa relação

entre turma, identificação e encontros vai novamente surgir.

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...uma etnografia entre internautas. 108

Nesse momento cabe refletir sobre a relação entre surgimento da turma de

chat e a participação em encontros. É quando o convívio on-line expande seus

limites se transformando também em um convívio off-line. A "turma de chat" surge

justamente quando há o estreitamento dessa relação entre os mundos on e off-line.

A partir de então o convívio on-line se baseará nas experiências obtidas off-line e

vice-versa. A formação de turmas no chat não é nem um pouco rara. Pelo contrário,

elas são muito comuns. São nelas que veremos o fenômeno de sociabilidade virtual

que torna-se cada vez mais abrangente em nossa sociedade.

Cada vez mais torna-se comum a turma de escola se encontrar no chat. Os

amigos de faculdade se encontram no chat, assim como determinadas "tribos" que

têm sua origem no meio off-line. Da mesma forma que é cada vez mais comum a

turma do chat envolver completamente o círculo de amizades de um indivíduo. É

quando os novos amigos são feitos no chat, se namora as pessoas do chat, se briga

com as pessoas do chat, e assim por diante...

A vivência no chat não descarta o contato face a face praticado nos

encontros. Caso quiséssemos trabalhar com bipolaridades, poderíamos dizer que

chat e encontro formam um conjunto que alterna entre "virtualidade" e "realidade".

As idéias associadas a esse conjunto seriam de dois tipos. Do lado da "virtualidade",

e seguindo a concepção corrente dos freqüentadores do chat, estaria a fantasia, o

imaginado, o irreal, o alienado, a mentira e a manipulação. Do lado da "realidade"

estaria o verdadeiro, o real, as situações de fato, o namoro e a amizade. Mas sendo

um conjunto, os dois lados se completam e necessitam um do outro. Vale trazer as

palavras de "Teddy" quando se refere às pessoas novas no chat:

"...não são todas que entram no lado real da coisa. Muita gente entra só na sala e ficam só

naquela coisa virtual. Tu conversa com ela virtualmente, mas não tem o lado real da coisa, tu não

conversa frente a frente com ela. Elas não vão no encontro. Muita gente não vai."

"Teddy" disse que hoje em dia a aproximação de namoro se dá via encontros

da turma. Antigamente ele se preocupava com a aparência da menina com a qual

teclava. Hoje em dia ele não se importa muito, já que sempre vai conhecer no

encontro e a partir daí vai gostar ou não.

O freqüentador de chat pode ser guiado pelo seguinte raciocínio: se quero

namorar, então entro no chat para conhecer alguém, já que ali eu tenho maior

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...uma etnografia entre internautas. 109

controle sobre a minha imagem e o anonimato das minha ações. Vou poder ser mais

direto, não vou ter vergonha. Mas a partir daí vou precisar do encontro para ver se a

pessoa é realmente do jeito que diz ser, se não está mentindo, se não é feia. Se

costumo ir aos encontros, bom, então vou ter de logo em seguida ir no chat

conversar com os meus amigos sobre os "ditos" e "não ditos" ocorridos no encontro.

Preciso saber quem "ficou" com quem. Para onde foram depois. Preciso conversar

com aquela menina que achei bonita no encontro...

Certa vez "Aprendiz de Cafajeste" e eu estávamos conversando sobre um

encontro. Isso foi quando comecei a fazer contato com a turma da "POA B". Ele me

informava sobre um encontro da turma que iria acontecer naquela semana.

Aproveitei para lhe questionar sobre desde quando a turma existia:

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: EU NAUM SEI DIREITO...........SE VAI SER NO

ROSEPLACE OU NO TROPICALI..................EH MELHOR CONFIRMAR CERTO

AMANHA..................ENTRA DURANTE O DIA.................NO HORARIO DE

EXPEDIENTE.............QUE EH A HORA QUE TODO MUNDO ENTRA

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: NA NOITE EH SOH 3 OU 4 QUE APARECEM

Cabelo reservadamente fala com Aprendiz D'CaFaJeStE: faz tempo que a turma de vocês existe?

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: a turma faz tempo.............embora de tempos em tempos

renove a maioria...............entra uns sai outros...............os que iam mais seguido começam a ir de vez

em quando..................os que iam de vez em quando começam a ir sempre

Cabelo fala com Aprendiz D'CaFaJeStE: e tu, ........era um que ia de vez em quando e acabou indo

sempre ......ou está desde o início?

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: EU DESDE A PRIMEIRA VEZ QUE FUI ACABEI INDO

SEMPRE

Quando ele me conta sobre a rotatividade de membros da turma, usa como

parâmetro a participação em encontros: "os que iam mais seguido começam a ir de

vez em quando..................os que iam de vez em quando começam a ir sempre". O

que significa dizer que ser da turma é participar dos encontros. Foi o que aconteceu

com "Teddy" quando se transformou em membro da mesma turma:

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...uma etnografia entre internautas. 110

"...é um grupo muito fechado. As pessoas que conversam ali formam um grupo muito

fechado. As pessoas que se conhecem ali não abrem para as pessoas de fora. Daí tu tenta entrar,

entrar, entrar... até que um dia as pessoas te convidam para ir em um encontro: vai no futebol lá... Foi

o que aconteceu comigo. A Isa e a Loka chegaram assim... "tu não tá afim de ir lá no futebol com a

gente, ver o pessoal jogar?". Pois é, não sei se vou, se não vou... tá, até que fui. Daí tu conhece o

pessoal e começa a entrar, entrar, entrar, entrar... conhece todo mundo do pessoal."

Mas para ir ao encontro, conhecer novas pessoas, fazer novas amizades,

participar de uma turma de amigos, ter companhias par ir a festas, ... é preciso

acessar o chat. Foi isso que aconteceu com "Teddy", com "Aprendiz" e também com

"Anjo". Na época em que o conheci ele estava organizando o encontro da "Porto

Alegre A". Ele já tinha participado de outros encontros e mencionou que queria

conhecer gente nova e não ficar somente em pequenos grupos, como geralmente

acontece entre os usuários do chat. Por causa disso, tratou de organizar um

encontro que fosse mais abrangente. A primeira vez que ele foi a um encontro queria

conhecer pessoalmente duas meninas que havia conhecido no chat.

No caso de "Anjo", freqüentar o chat também pode ser uma alternativa à

pouca idade. Ele não pode participar de um outro meio escolhido pelos jovens para

a prática da sociabilidade, que é o das festas e casas noturnas. Devido à pouca

idade, costuma acessar o chat, fazer amigos e combinar encontros com a turma.

Não é o caso de "JulianaQ". Na época da turma da "Porto Alegre A" ela

regularmente acessava a sala. No início pensei que ela fizesse parte da turma e que

tivesse laços de amizade com outras pessoas do chat. Entretanto não era o seu

caso. Ela só entrava no chat e não freqüentava os encontros. Talvez por causa disso

ela ainda não tinha se transformado em um "membro da turma".

Dr.Zaius reservadamente fala com JulianaQ.: ficou sabendo do encontro que teve do pessoal do

chat?

JulianaQ. reservadamente fala com Dr.Zaius: Eu fiquei ...mas nunca iria...nem me informei direito... vc

foi?

Dr.Zaius reservadamente fala com JulianaQ.: sim, por que tu nunca iria?..........

JulianaQ. reservadamente fala com Dr.Zaius: DESCULPA, MAS ACHO BESTA......

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...uma etnografia entre internautas. 111

De qualquer forma, o encontro é a dimensão espaço-temporal responsável

por complementar a sociabilidade virtual mantida em ambiente de chat. Seguindo a

hipotética relação bipolar entre chat (virtual) e encontro (real), percebe-se que na

união dos dois as coisas tornam-se mais nítidas...

"As vezes eu converso com alguém no chat, no mundo virtual, e a pessoa é super legal. Daí

quando tu conhece frente a frente é totalmente diferente. A pessoa torna-se totalmente fria. Isso já

aconteceu comigo por exemplo. Não com mulher, mas com homem. O Aprendiz por exemplo. No chat

a gente conversava um monte, isso no início. Bá, muito gente fina. Daí no encontro a gente quase

não conseguia conversar." (Teddy)

No momento cabe apresentar a maneira como o encontro repercute no chat.

Se existe um encontro off-line da turma do chat é porque a idéia de realizá-lo surgiu

no meio virtual. E se ele ocorre, então vai ser comentado durante o convívio da

turma, que é realizado no chat. No chat irão comentar o que acharam uns dos

outros, o que aconteceu após o encontro, quem "ficou" com quem... quem nunca foi

a encontro vai saber que existe e se interessará... A seguir é apresentado um

momento da sala "Porto Alegre A" que ocorreu na segunda-feira, um dia após a

realização do encontro da turma. Ele ilustra a organização que a rede toma ao redor

do evento "encontro":

Anjinho_puc fala com G@t@ : legal vc's sempre fazem esses encontros?

G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™: e aí..me achou mto feia ??? ( seja sincero !!)

§°ANJO AQUARIANO°§™ fala com G@t@: Ai guria tu é gatinhaaaa

vocalista louco ICQ : onde é esses encontros ???

G@t@ fala com Anjinho_puc: foi a primeira vez q eu fui em um encontro !

vocalista louco ICQ : gostaria de participar.....

G@t@ fala com Anjo[ÐM]©: vc nem falou direito comigo lah no encontro ! :o(

G@t@ fala com COYOTE: vc estava tri excluido..naum falava com ninguem !!! Depois q vc se soltou

um pouquinho !!

G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™: vc foi lah para o bar e naum te vi mais !!! quando fui dar

tchau para vc eu naum te encontrei !!

G@t@ fala com COYOTE: tb foi a minha primeira vz no encontro !!!!

G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™: hummm eu vi vc de agarramento com uma guria lah..

G@t@ fala com COYOTE: eu sou a moreninha q estava com o Danielzinho in !!!

PUNK fala com G@t@: Q ENCONTRO???

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...uma etnografia entre internautas. 112

(º_º)_O CARA_(º_º) :Quando vai ser o próximo encontro??????????

¥¥G@UCHز°°³¥¥ fala com (º_º)_O CARA_(º_º): ☺ AGUARDE EM BREVE.....

PUNK :

PPPPPPPPPPPPOOOOOOOOOOOOOOOOOORRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRAAAAAAAAA

AAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Q ENCONTRO EH ESSE Q TAO TUDO

FALANDO?????????????????????????

(º_º)_O CARA_(º_º) fala com PUNK: O encontro q teve sábado do pessoal da sala a...foi num bar não

me lembro donde!

¥¥G@UCHز°°³¥¥ fala com (º_º)_O CARA_(º_º): ☺ no gasometro....

(º_º)_O CARA_(º_º) fala com PUNK No Gasômetro!

PUNK : a sei, fui convidado mas naum fui!!!!!!!

G@t@ fala com PUNK: bar chaminé..na usina do gasometro

(º_º)_O CARA_(º_º) fala com PUNK: Dizem q vai muita gente.....não fui tb!

PUNK fala com (º_º)_O CARA_(º_º): bah q afude, vou ir no proximo!!

(º_º)_O CARA_(º_º) fala com PUNK: Eu tb...

A relação entre os modos aberto e reservado Existe uma forma peculiar na comunicação da turma: a forma de envio da

mensagem. No chat a mensagem pode ser enviada no modo "aberto" ou

"reservado". No primeiro caso, emissor, receptor e demais freqüentadores que

estiverem acessando a sala poderão ler a mensagem. A mensagem é "pública". No

segundo caso apenas emissor e receptor poderão ler a mensagem. No início da

pesquisa foi interessante perceber que, mesmo assuntos referentes a apenas duas

pessoas eram tratados no modo aberto. Por que isso acontecia? Se eram assuntos

específicos, de pouca compreensão para quem estivesse de fora, por que eram

tratados no modo aberto, com a possibilidade de acompanhamento de todos?

Bom, talvez as pessoas não soubessem usar o modo reservado e que existe

essa possibilidade. Entretanto, possivelmente sabem, mas operacionalizam a forma

de comunicação. A hipótese que parece mais apropriada é essa. Após um tempo de

contato com o chat foi possível perceber que a forma de comunicação (aberto x

reservado) garante a participação, ou não, no grupo e do grupo. Podemos pensar

sobre a relação entre "aberto x reservado" como sendo uma racionalização do

"aparecer" e do "esconder". Alguns assuntos precisam aparecer e por isso são

tratados no "aberto". Outros precisam ser escondidos e tratados, não com a

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...uma etnografia entre internautas. 113

coletividade, mas com certas pessoas. Isso tudo pode parecer muito óbvio, mas está

intimamente ligado à sociabilidade e a forma de praticá-la no chat.

Quando freqüentadores de chat se comunicam no modo aberto significa que

outros podem se intrometer. O momento a pouco apresentado mostra justamente

essa situação. Eles estavam conversando sobre o encontro que havia acontecido.

Somente porque estavam se comunicando no modo aberto é que foi possível tecer

toda a rede de relações. O assunto "encontro" perpassava todo o chat naquele

momento. Todos os freqüentadores acessados podiam acompanhar a discussão.

Justamente por causa disso foi possível ver alguns deles se interessando pelo

encontro. Naquele momento a rede estava crescendo. Outras pessoas estavam

sendo comunicadas da existência do grupo, dos encontros, de como ocorrem...

Naquele momento estava atuando a "força" da rede. A turma só existe porque

aparece no chat. E para aparecer ela precisa se comunicar no modo aberto. Não

faltariam exemplos de como a comunicação no "aberto" está intimamente ligada ao

fenômeno de "turma de chat".

É claro, os próprios membros da turma acabam tendo que usar o "reservado".

Mas nesse caso é o canal de comunicação dedicado à fofoca, ao segredo, ao

namoro... Aliás, o "reservado" também é chamado usualmente pelos freqüentadores

de chat como sendo o "reserlove", que é uma aglutinação das palavras "reservado"

com "love". Ninguém sabe o que acontece no "ambiente reservado", somente

emissores e receptores. Porém, em algumas situações é possível acompanhar o

"reservado". É quando alguém está respondendo para outra pessoa. Podemos ver,

por exemplo, B respondendo para A. No entanto não vemos A perguntando para B.

A está perguntando no "reservado". B está respondendo no "aberto". Normalmente

esses casos revelam o encontro no chat de pessoas de dentro da rede com pessoas

de fora da rede. Quem utiliza o modo reservado ainda não está tão inserido no grupo

para deixar que todos vejam sua conversa com outra pessoa. Quem responde no

"aberto" é do grupo e costuma se comunicar publicamente.

Porém há uma outra questão envolvida. Aquela que faz com que eles

chamem o "reservado" de "reserlove". O modo "reservado" é usado para o flerte no

chat. Nem todo flerte é via "reservado". Algumas vezes ele é feito no modo aberto.

Mas, geralmente, quando a comunicação inicia no "reservado", toma o rumo do

flerte. Certa vez "Carolina27" comentou comigo que "odeio que o cara já venha

teclar no reservado". Nesse caso ela costuma ir logo dispensando. Conversas entre

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 114

homens geralmente iniciam no modo aberto, em relação à algum assunto tratado

naquele momento na sala. Entre mulheres e mulheres e entre homens e mulheres a

comunicação pode começar nas duas formas.

Haveria inúmeros exemplos de como o freqüentador de chat operacionaliza

as formas de comunicação - "aberto" x "reservado". De qualquer forma fica clara

uma relação entre conteúdo da conversa, forma de comunicação, relação com a

rede e conjunto de intenções. A combinação de todos esses fatores norteiam a

conduta do freqüentador de chat. Caso ele queira entrar na sala para namorar, então

provavelmente iniciará um canal de comunicação no modo reservado, por que daí

suas intenções serão entendidas dessa maneira. Mas também pode começar a se

comunicar no "aberto" com a turma, parecer "sem intenções", entrar na turma, ir aos

encontros e também namorar. Se alguém quer chamar a atenção e parecer

"popular", então provavelmente cultivará a comunicação no modo aberto, dando

margem a intromissão dos outros presentes...

Peço ao leitor que lembre do trecho apresentado a pouco, sobre a menina

que "comia isopor". A sua narrativa, naquele momento, chamou a atenção de outras

pessoas presentes, embora ela estivesse contando a história para apenas outra

pessoa. O freqüentador utiliza a relação entre modo aberto e reservado

racionalmente como ferramenta para equalizar o "mostrar" e o "esconder". O que irá

incidir sobre a sua conduta no chat, sua imagem no grupo, sua inserção na rede e

sua vivência no chat. Certa vez "Aprendiz de Cafajeste" e eu estávamos

conversando no chat. Eu lhe perguntava sobre um encontro da turma "POA B" que

iria acontecer. É interessante notar que ele trabalha a sua imagem

operacionalizando o "aberto x reservado":

Cabelo fala com Aprendiz D'CaFaJeStE: e o encontro de amanhã? dos solteiros? quem deu a idéia?

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: ¤ EU..............ENCONTROS DOS FEIOSOS, SOLTEIROS E

SEM NINGUEM NO MUNDO

Cabelo fala com Aprendiz D'CaFaJeStE: tá, mas tipo assim.......eu tava lendo o mural e tinha uns lá

que tavam dizendo que não queriam sair do encontro "solteiros"...............então vai ser um encontro

de "passagem"...........passa de solteiro para casado?

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: ¤ AH QUEM SE DER SE DEU..........

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com Cabelo: ¤ EU COM CERTEZA, COMO SEMPRE, VO SAI SEM

NINGUEM

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...uma etnografia entre internautas. 115

Nesse momento eu percebi que alguma coisa estava estranha. Eu sabia que

ele já tinha "ficado" em alguns encontros. Ele inclusive já tinha tido namoradas da

turma do chat. Como é que ele iria "como sempre" sair "sem ninguém"? Bom, resolvi

questioná-lo, mas por segurança, para talvez não cometer alguma gafe, usei o

"reservado":

Cabelo reservadamente fala com Aprendiz D'CaFaJeStE: tá, pera lá, tu nunca te deu bem nos

encontros?............e a tua ex namorada?

Aprendiz D'CaFaJeStE reservadamente fala com Cabelo: ¤ EH SOH PRA FAZER CHARME

NEH.............SE FAZE DE COITADINHO..............VA QUE ALGUEM TENHA

PENA.......................HUAHAUAHUHUHAUHAUAHUAH

Claro, estava explicado. "Aprendiz" estava trabalhando a sua imagem.

Quando ele comenta comigo, utilizando o modo aberto, que "como sempre iria sair

sem ninguém", queria mostrar para quem estivesse na sala naquele momento uma

imagem de "coitado". A intenção era chamar a atenção. Nesse caso estava usando

o "sofrimento", o "dó"... Talvez houvesse a compaixão de alguma menina.

Popularidade como um valor buscado no chat A intenção é chamar a atenção. Para o membro da rede que se forma em

torno do chat é importante ser popular e reconhecido. É importante ser famoso.

Talvez por causa disso o modo aberto é utilizado, mesmo quando a conversa se

refere a assuntos específicos, de interesse a apenas duas pessoas. Em muitos

casos se percebe o quanto é importante para o freqüentador de chat ser "o centro

das atenções", o centro da rede, assim como "Teddy" se sente:

" É muito comum tu ir a algum encontro e as pessoas virem falar contigo: "bá, é tu que é o

fulano?", "eu vi a tua página, achei super legal"... essas coisas. É muito legal, como eu vou no

encontro hoje, as pessoas que tu nunca viu na vida virem falar contigo. No meu caso, é muito legal as

pessoas virem falar "legal, eu entrei na página", "legal a forma como tu fez isso", "eu já ouvi falar de

vocês"... uma coisa bacana que acontece."

Talvez o leitor esteja lembrado que a pouco, no capítulo que tratava sobre a

busca de afinidades e identificações comuns e como enturmar-se, "Teddy" aparecia

em uma passagem se queixando que ninguém vinha conversar com ele no chat.

Antes ele era "desconhecido". Quando começou a ser responsável pelo site da

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 116

turma tornou-se popular. Tornou-se o "centro da rede", lugar que antes era ocupado

por "Aprendiz". Quando o "Aprendiz" organizava os encontros, era mais popular,

tanto que no verão organizou um encontro da turma em sua casa na praia e o

divulgava na sala: Aprendiz D'CaFaJeStE: **********ATENÇÃO**********NESTA SEXTA DIA 14***BBB****BIG BROTHER DA B***ENCONTRO DO PESSOAL EM IMBÉ***CASA DE BANDA***SEM MÃE PRA AZUCRINAR***TODO MUNDO CONVIDADO A PASSAR TODO O FIM DE SEMANA**********SERA COBRADO R$ 25,00 DE CADA PESSOA, QUE DEVERÁ SER PAGO ASSIM QUE A MESMA CHEGAR LÁ***ESSE DINHEIRO SERÁ USADO PARA: COMPRAR CERVEJA, COMPRAR COMIDA, COMPRAR CERVEJA, PAGAR A FAXINEIRA, COMPRAR CERVEJA, E COMPRAR CACHAÇA, E LIMÃO, E WHISKY**********PODE DORMIR TODO MUNDO LÁ***TIPO ASSIM MEIO QUE AMONTOADO....QUEM CHEGAR PRIMEIRO PEGA OS MELHOR LUGAR, O RESTO SE VIRA***CONFIRMADOS: ..........Aprendiz D'CaFaJeStE ..........MoRtO MuItO LoUcO..........Lisa(*_*) di Dread!..........Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø ..........� §ør¡nhä 43 ™ �..........E QUEM MAIS?????**********

Quando comentei com "Teddy" sobre essa situação, de que antes o

"Aprendiz" chamava mais a atenção, ele me respondeu:

"É que agora ele tá namorando. Cada pessoa chama a atenção do seu jeito. Umas chamam a

atenção porque são mais extrovertidas, outras por serem mais companheiras, cada um chama a

atenção da sua maneira, outras pessoas são super inteligentes, outras são tri bonitas."

Talvez ser popular no chat seja importante para propiciar um relacionamento

amoroso. Os mais populares talvez sejam os mais desejados. Ou ao contrário, muita

popularidade possa tirar o encanto, a curiosidade...

Punkgril fala com Thiago.PoA:foto.18: O problema é que a maioria dos caras, qdo começam a ficar

comhecidos, viram uns babacas

Janie Calamidade fala com The BodyBoarder: é sempre tem... é q hj eu naum sou a atração principal

da sala como tenho sido ultimamente hehehe

ADMINISTRADOR TERRA™ fala com ¥¥G@UCHز°°³¥¥: vai montar meu fã clube?

O caso do "Administrador Terra" é interessante. O conheci no primeiro

encontro a "Porto Alegre A" que fui. Aquele que o "Anjo" estava organizando. Depois

de algum tempo o "Administrador" começou a ficar popular no chat. Quando ele

entrava na sala centraliza as atenções dos demais membros da turma. Vários

membros da rede vinham conversar com ele. Em seguida ele começou a organizar

alguns encontros da turma, mas em seguida sumiu. Talvez, assim como "Aprendiz",

tenha começado a namorar e tenha parado um pouco de freqüentar o chat.

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...uma etnografia entre internautas. 117

As declarações amorosas, os romances, o sexo As vezes parece que no fundo todos os freqüentadores de chat estão

interessados em namorar. E talvez por causa disso queiram tanto ser populares.

Diariamente, em quase todo o momento, a questão do envolvimento amoroso surge.

Se utilizássemos uma gradação que vai da menor até a maior aproximação, então

poderíamos dizer que estão presentes no ambiente de chat desde as meras

declarações amorosas, os romances efetivados, até as propostas de sexo. O que

embasa essas manifestações é o convívio da rede. Estar conversando no chat com

a turma dá condições para o flerte. Já as propostas de sexo são feitas geralmente

por freqüentadores pouco inseridos na rede, mais voláteis, com poucos ou nenhum

laço com demais freqüentadores.

As declarações Anônimo responde para JulianaQ.: "O amor tem os braços abertos. Se você fechar os braços para o

amor, verá que esta apenas abraçando a si mesma e isolando-se no mundo, descobrindo a solidão."

loba fala com «†Ðrácula†»: ESPERE PARA VER NA LUA CHEIA, VOU UIVAR MUITO PARA TI, RS

Os romances G@t@ fala com Anjinho_puc: to ficando com um cara aki do chat ! e vc ?

Anjinho_puc fala com G@t@: estou xavecando uma mina aki do chat mas só q ela fica se fazendo

pra se encontrar comigo!!!!!

O sexo GATO KER SEXO: ALGUMA GATA AI QUE QUER TC COMIGO?

Seios Fartos.. : Alguém aí quer GOZAR?????

Seios Fartos.. fala com GUNS: Hahahahah jura q tu tem 26 cm?????até parece!

casal r\s quer : queremos gozar com casal ou mulher que esta com muita tesao como nos alguem via

fone?

casal r\s quer : ele 30anos 1,77/75 kg moreno claro sem barba sem bigode carinhoso ela 28 anos

1,68/56 kg seios medios e bumbum empinadinho e adora estar com outra

As declarações geralmente surgem "do nada". Elas parecem ser uma

tentativa de aproximação no chat, têm um caráter efêmero. Os romances envolvem

uma regularidade. Eles surgem a partir de uma vivência regular no chat, envolvendo

muitas vezes a inserção na turma e a participação em encontros. As propostas de

sexo também têm um caráter efêmero. São tentativas que já começam a tomar

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...uma etnografia entre internautas. 118

forma na elaboração do nick. Algumas vezes elas são risíveis, mas em outras,

parecem levar a sério, semelhante a anúncios de jornal.

As propostas podem ser para sexo on e off-line. Pouco se vê falar no chat

sobre o "sexo virtual". Existem algumas salas dedicadas a esse assunto. Na sala

Porto Alegre esse tema não é o central. Mesmo assim surgem propostas de "sexo

por telefone". Porém, o mais comum é ver propostas de sexo off-line a serem

efetivadas a partir do encontro face a face. Principalmente nos finais de semana

surgem no chat convites desse tipo: que a pessoa está sozinha em casa afim de

transar, que mora em tal lugar e quer transar com alguém, que quer se encontrar

para sair e talvez transar... Esse tipo de freqüentador de chat entra na sala, faz seus

anúncios e logo em seguida sai. Talvez porque não seja uma forma tão eficiente de

obter um parceiro. Ou então, logo em seguida marcam algum encontro via

"reservado", solucionam a questão e vão embora. Um processo eficiente de

obtenção de parceiros no chat parece ser a aproximação gradual, assim como

aconteceu com "Felina" e seu atual namorado.

Na época da entrevista com "Anjo", lhe perguntei se já havia tido relações

sexuais com alguma das meninas que ele conheceu a partir do chat. Ele disse que

não e comentou que para transar com uma daquelas (se referindo às meninas

presentes ao encontro que organizou) tem que "levar adiante". Entretanto comentou

que "tem umas que não precisa de tanto trabalho". Em seguida narrou a situação

que ele estava vivenciando:

"Tem uma mulher de 31 anos que conheci da net pessoalmente há umas duas semanas que tá

querendo me dar..... mas tem uns probleminhas, ela é casada, tem dois filhos e é bem usadinha eu

imagino!... e disse que não tem coragem de entrar num motel comigo. Ela falou que só depende de

mim pra levarmos adiante (hehe). Nos encontramos há duas semanas. Mas não rolou nada, até por

causa do lugar... A gente se conheceu no shopping rua da praia... ela disse que sentiu muita vontade

de me abraçar e me beijar ali mesmo e tal... Eu fico pensando... bah deve ser muito vagabunda. E

coitado do corno. Mas independentemente disso acho ela muito legal e gosto de conversar com ela."

De qualquer forma, o envolvimento amoroso está sempre presente no chat,

ou de forma explicitada, ou de forma latente. O freqüentador interessado em se

relacionar pode optar pela estratégia que considera mais eficiente. Muitas vezes o

"eficiente" é estar enturmado e tentar ficar com alguma menina da turma. O que

muitas vezes gera disputas dentro da rede. É generalizada a idéia para os membros

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...uma etnografia entre internautas. 119

da rede que muitas brigas e conflitos surgem em decorrência da disputa "por

homem" ou "por mulher".

Certa vez "Aprendiz" comentou comigo que estava "de mal" com "Augusto",

que é membro da "POA B". O motivo: roubo de mulher. Foi em um encontro na casa

de outro membro, o "Scorpion". Naquela época "Aprendiz" estava de flerte com

"Paulinha", também da "POA B". No encontro em questão o "Augusto", em um

determinado momento, agarrou a "Paulinha" e lhe deu um beijo. Ela e "Aprendiz"

ainda não tinham "ficado", mas todo mundo sabia que os dois estavam ficando cada

vez mais próximos. Depois disso "Aprendiz" e "Augusto" ficaram sem se falar. O

segundo até andou um pouco sumido do chat. Ela também sumiu de vergonha, já

que como "Aprendiz" disse: "ela poderia ter evitado".

Conflitos e disputas dentro do chat É comum ocorrerem conflitos entre as pessoas que utilizam o chat. Eles são

ocasionados por diversos motivos. Algumas vezes o conflito surge na forma de uma

mera discussão sobre diferentes pontos de vista. Em outros casos ele surge na

forma do mal entendido e até mesmo da ofensa. Também existem os conflitos

encenados, que são criados e jogados, parece que por divertimento. Em todos

esses casos o conflito acontece entre pessoas que compartilham o chat mas que

não se conhecem pessoalmente. O que nos faz refletir sobre a associação entre

conflito e anonimato.

Os usuários de chat podem muito bem entrar em conflito com quem quer que

esteja conectado, já que estão isolados uns dos outros, tanto fisicamente quanto

pela falta de identificação. Esse isolamento que o ambiente de chat proporciona dá

condições para a pessoa se tornar mais autônoma e ignorar as regras de convívio

social. O que é incomum na convivência face a face pode ser feito na sala de bate-

papo. Por exemplo, pode-se defender o ponto de vista, independentemente de

entrar em atrito severo com alguém e ofender gratuitamente os demais participantes

do chat.

Esse tipo de comportamento é mais comum entre os freqüentadores

eventuais do chat, ou então entre aqueles que o freqüentam regularmente, mas não

estão inseridos em uma rede de relações estabelecida. Eles não têm grandes

vínculos com o chat. Nesse caso é provável que o conflito seja resultado do alto grau

de anonimato. Basta pensar que trocando o nick troca-se a identidade no chat. Isso

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...uma etnografia entre internautas. 120

pode ser feito em minutos: é só entrar novamente no chat com outro nick ou então

entrar em outra sala, mesmo que seja com o nick anterior.

O conflito em chat se caracteriza pela troca de mensagens escritas com

insinuações e ofensas. As agressões são "morais" e não "físicas". Pode-se ofender

de diversas maneiras. A principal ofensa trocada entre os usuários com nicks

masculinos é a que coloca em dúvida a sexualidade. Nesse caso, costuma-se

chamar o outro de "veado", "bicha", "gay", etc. Os freqüentadores mais criativos

chegam a criar novos palavrões. A criatividade parece ser a principal arma dos

conflitos em chat.

No embate entre dois freqüentadores, ganha aquele que conseguir dar a

resposta mais rápida, mais divertida, mais irônica e criativa. É um "conflito das

palavras". Muitas vezes o atrito entre dois participantes do chat atrai a atenção dos

demais. Forma-se uma platéia. Alguns até interferem no conflito mostrando

claramente em que lado da disputa estão posicionados. Mostram apoio e até ajudam

a combater o inimigo. Esses conflitos que surgem de uma hora para a outra no chat

são resolvidos, na maioria das vezes, pela saída do perdedor.

Os conflitos em ambiente de chat possuem as características do meio: são

fortuitos, efêmeros e superficiais. Eles surgem "de uma hora para a outra". Em

muitos casos nem mesmo os usuários que estão envolvidos no conflito sabem ao

certo como ele começou. Os atritos podem surgir a partir de qualquer situação. Fica

difícil até mesmo enumerar quais são as situações mais propícias ao surgimento de

conflito e encontrar uma regularidade. Eles podem surgir "do nada", assim como é a

característica de uma abordagem de um freqüentador feminino feita por um

masculino, ou vice-versa. Parece ser uma situação recorrente, e que ocasiona

conflitos em ambiente de chat, aquela na qual um usuário aborda "o" ou "a" parceiro

(a) de outro.

Geralmente a conversa amorosa é estabelecida e mantida no modo

reservado de comunicação. Isso torna impossível identificar quais são os laços

estabelecidos naquele momento. Se uma pessoa entra no chat e vai logo abordando

quem já está conectado a algum tempo, provavelmente irá interferir em uma rede

formada naquele instante. Caso a abordagem seja feita no modo reservado, há duas

possibilidades. A primeira é a pessoa abordada ser receptiva e abrir espaço para

mais um membro na sua rede momentânea. Nesse caso ela fica teclando com duas

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...uma etnografia entre internautas. 121

pessoas ao mesmo tempo, ambas no reservado. Com cada uma, um tipo de

conversa distinto.

A outra possibilidade é essa pessoa abordada ignorar a abordagem, o que

não abre um novo canal de comunicação. Quem abordou pode começar então a

ofender o usuário que tinha a pouco abordado e tentado conversar. Quem está se

comunicando com o abordado pode sair na defesa desse. Quem abordou começa a

ofender o amigo do abordado. Este começa estabelecer um conflito com o intruso e

outros usuários podem ainda ajudá-lo. O conflito é criado e mantido por alguns

instantes apenas. Ele têm a característica de ser passageiro. Não dura muito tempo.

Claro, há os casos em que o conflito perdura. Se dois usuário que costumam utilizar

os mesmo nicks se encontram em outro momento, pode haver um novo conflito.

A efemeridade do conflito o aproxima de um "jogo". Dessa forma, podemos

visualizá-lo como sendo um jogo de forças entre usuários do chat. No conflito é

possível perceber quem é o mais "rápido no teclado", quem é o mais criativo e quem

é o mais popular, capaz de aglutinar aliados. O processo que leva ao

estabelecimentos de inimigos também é o que atrai amigos. Algumas vezes foi

possível observar o estabelecimento de um canal de comunicação entre usuários

que a pouco estavam discutindo com um outro. Nesse caso, o inimigo comum.

"James Bond" estava enfadado no chat. Quando se fica em silêncio no chat,

sem ninguém para conversar, então se começa a dispersar, intrometer nas

conversas alheias... e brigar. Porém a briga gera facções no chat. As discussões

geram adversários e simpatizantes. Muitas vezes os amigos vêm conversar, dar

apoio, etc. Outras vezes as discussões são motivo de atração, de início de conversa.

As discussões são dramatizadas, encenadas e simulações. As discussões vão até

alguém cansar e sair do chat. E a vida continua no chat...

James Bond : ☺ BÁ, QUE SACO

(...)

Dyno: alguem quer tc comigo

James Bond : ☺ NÃO

dyno fala com James Bond: ta falando comigo?

James Bond fala com dyno: ☺ NÃO, PQ

James Bond fala com dyno: ☺ QUEM DISSE QUE ERA PRA TI MEU, FALEI NO ABERTO PRA

TODOS E DAI

James Bond fala com dyno: ☺ XIIIII

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...uma etnografia entre internautas. 122

dyno fala com James Bond: entao vai tonar no cu

James Bond fala com dyno: ☺ QUE TU QUÉ MERDA VAI PRA UMA SALA DE 7 A 10 ANOS A TUA

IDADE

dyno fala com James Bond: que significa isso

James Bond fala com dyno: ☺ QUE TU É UM BEBEZÃO MEU, O COISA DEVAGAR

dyno fala com James Bond: entao vem chupar o meu cacete palhaco

James Bond fala com dyno: ☺ É UM CRIANÇÃO MESMO, "VEM CHUPAR MEU CACETE", É

COISA DE BEBE MESMO

James Bond fala com Nandinh@ Ribeiro: ☺ ESSAS CRIANÇA FICAM ENTRANDO E AINDA

QUEREM DISCUTI

Nandinh@ Ribeiro fala com James Bond: ☺ eu sei mas deixa pra lah....naum vai fikar perdenduh

teu tempuh e kair na baixaria dele....................

James Bond fala com dyno: ☺ TEM É MERDA NA CABEÇA

James Bond fala com Nandinh@ Ribeiro: ☺ É, NÃO ADIANTA DISCUTI COM BEBES

Nandinh@ Ribeiro fala com James Bond: ☺ aham...a piázada tah soltah aki nu chat......................

dyno fala com James Bond: o loco vai se fude e para de me encher o saco

James Bond fala com Nandinh@ Ribeiro:☺ É MESMO, E TU TÁ BEM

Nandinh@ Ribeiro fala com James Bond: ☺ tow nakelas .....e tuh???

James Bond fala com Nandinh@ Ribeiro: ☺ APESAR DESSE CALOR, BEM

dyno fala com James Bond vem me fazer ficar quieto palhaco

Nandinh@ Ribeiro fala com James Bond: ☺ bah..eu nem depois das 6....nem keruh botar o nariz pra

fora de kza..............................

dyno sai da sala A impressão que passa é que os freqüentadores se divertem com isso. É um

jogo, uma disputa encenada, uma brincadeira. Claro que existem os conflitos mais

sérios, que acabam continuando nos encontros. São conflitos que são somente

conflitos, não têm nada de divertimento.

Estar no chat, estar se divertindo O divertimento também acontece de maneira isolada: só divertimento. Da

mesma forma que o conflito, o "jogo do divertimento" se dá pela troca de sentido das

palavras, ou então pela crítica ao nick, ou então pela discussão sobre determinado

assunto... muitos podem ser os motivos. Para gerar situações divertidas no chat é

preciso ter criatividade e brincar com as situações que estão acontecendo no

momento. Os trechos a seguir nos ilustram esse tipo de comportamento:

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...uma etnografia entre internautas. 123

G@t!nh@procur@g@to entra na sala

Anjinho_puc fala com G@t!nh@procur@g@to: serve um Anjinho bem gatinho?

vocalista louco ICQ fala com G@t!nh@procur@g@to : meu gato vai ter cria se quiser vendo por cem

real..... vai achar o seu gato e me tirar da miseria.....

Debinh@™marijuana1 entra na sala

Debinh@™marijuana1: que bostão.... essa minha conexão ta um bostão

Debinh@™marijuana1 : Hihihihihihihihihi

BRAD PITT DOS PAMPAS sai da sala

Debinh@™marijuana1 : Hahaha brad pitt dos pampas

Debinh@™marijuana1 : imagino o demônio... hehehehe

Abstinência_H : Hahahahahaha

A todo o momento o chat parece ser um local de divertimento e descontração.

Existe um espírito entre os freqüentadores de chat que é o da brincadeira, da

sacanagem, da bandalheira e da libertinagem. Tudo pode. As pessoas podem

mandar alguém "longe", podem "mexer" com outras pessoas, podem se ofender,

podem dizer o que pensam... tudo envolto em um clima de descontração. Talvez

seja por causa dessa característica que os conflitos tenham um caráter, na maioria

dos casos, engraçado.

Um dos fatores que garante o clima descontraído no chat, é a garantia de

expressar as manifestações individuais que o anonimato possibilita. Nos casos

extremos surge o comportamento anti-social.

Os anti-sociais do chat Os "anti-sociais" do chat são aqueles freqüentadores que perturbam a

convivência do grupo na sala. Eles interferem nas conversas e afetam a convivência

amistosa da rede. As técnicas utilizadas para interferir e incomodar são diversas. Um

comportamento anti-social no chat geralmente acaba em conflito generalizado entre

as pessoas que estão acessando. Mas ele é diferente do conflito.

O conflito surge de uma situação que não era intencionada para esse fim. Já

o freqüentador anti-social parece que faz tudo de propósito. É aquele freqüentador

chato que não se insere na rede e fica evitando que os demais o façam. Algumas

vezes, o comportamento anti-social surge devido à frustração que a pessoa teve em

não conseguir criar, nem manter, contato na sala. Nesse caso, começa a ofender a

todos, como certa vez fez o "Canabis":

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...uma etnografia entre internautas. 124

Canabis fala com °¤Ür§¡ñh夰: Oi ta afim de tc gatinha?

Canabis fala com Amörinha... : Oi vamos tc mina?

(...) Canabis grita com TODOS: Vão da o cú então se não querem tcr

Em alguns casos o comportamento anti-social se dá quando alguém no chat

começa a enviar muitas mensagens com grande quantidade de texto. Para quem

está no chat conversando fica complicado. A lista de mensagens enviadas e

recebidas, a tela do computador, fica totalmente "poluída"53. É preciso prestar muita

atenção e ficar sempre usando a "barra de rolagem" para procurar a mensagem

recebida. O caso a seguir mostra que o comportamento anti-social foi deliberado e já

é indicado no próprio nick:

Eu so xarope : ☺ Como acontece a ereção __ __A ereção acontece quando o tecido que existe no interior do pênis é preenchido por sangue.__Esse tecido, semelhante a uma esponja, é rico em vasos sangüíneos.____Quando ocorre um estímulo sexual, esses vasos aumentam de diâmetro e ficam repletos de sangue. ____Ao mesmo tempo as veias diminuem de diâmetro e impedem que o sangue saia do interior do pênis. ____A ereção, portanto, é causada por um estímulo, a excitação, e por um fator físico, o acúmulo de sangue dentro do pênis. __ __ __

Em outros casos o anti-social envia a mesma mensagem diversas vezes. O

resultado é o mesmo: a poluição da tela do computador e a dificuldade em manter o

convívio na sala. O problema é tão comum que o Provedor Terra já tratou de

programar seus chats para não publicarem duas mensagens repetidas e

consecutivas para o mesmo destinatário. A solução encontrada pelos anti-sociais é

mandar a mesma mensagem várias vezes, alterando algum detalhe pequeno, como

um ponto. Eles são tão ágeis que o exemplo a seguir mostra que foram enviadas

três mensagens no mesmo segundo. No dia em que ele estava incomodando na

sala enviou inúmeras mensagens desse tipo:

MALUKO DA MOTOSERRA 02:58:22 .......

MALUKO DA MOTOSERRA 02:58:22 ..

MALUKO DA MOTOSERRA 02:58:22 .........

53 Com grande quantidade desnecessária de texto.

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...uma etnografia entre internautas. 125

O chat como um local de divulgação ou onde se busca informações Também incomodam um pouco aqueles freqüentadores que costumam

utilizar o chat como local de divulgação. Tem de tudo um pouco, desde o "anúncio"

de quem visivelmente não costuma acessar o chat, até aquele que se refere um

pouco à sociabilidade da rede:

sonho de valsa (h) : Excursão para FERRUGEM..... R$60,00 ou R$70,00.... dependendo do nº de

pessoas... nesse preço já está incluido o aluguel da casa e o transporte.... nesse feriado do dia 15

DR.NANO : .POR ACASO ALGUÉM DE VCS, ANDA COM PROBLEMAS DE CHEQUE ESPECIAL,

FINANCIAMENTO OU CARTÃO DE CRÉDITO?

Garota de Programa : loirinha bronzeadinha com marquinhas acentuadas olinhos azuis,muito

safadinha.....

Gremista : Bom galera só entrei para conclamar a torcida tricolor para que va ao estadio e vamus mostrar para a macacada que agente tambem enche o estadio,e vamos ajudar o Grêmio gritando empurrando o time para masi uma vitória e a classificação na libertadores.Amanha as 7 e 10 da noite lugar de gremista éé no estadio OLIMPICU o ingresso da arquibancada custa 5 reasi.Com o gremio onde o Grêmio estiver Diego GREMISTA

Essas divulgações não chegam a perturbar tanto quanto o comportamento

anti-social. Vez que outra o próprio Provedor Terra faz uma divulgação no chat

informando que se alguém estiver fazendo anúncios na sala, que seja denunciado

para ser excluído. Entretanto, o próprio "Terra", com seus anúncios, endossa esse

comportamento. Seus anúncios são de "utilidade pública", já que alertam sobre as

malícias da sala:

Terra fala para TODOS: Não perca os eventos de hoje: às 18h, Lucília Diniz tira dúvidas sobre alimentação saudável e qualidade de vida às 20h, Pietra Ferrari, atriz e modelo, The Girl de 2002 Confira a agenda e mande agora suas perguntas! Terra fala para TODOS: Lembre que um usuário pode entrar com dois nicknames diferentes na mesma sala e simular uma conversa e depois falar que leu todo o seu papo. Alguém conversa com você em reservado, depois, com outro nick, faz de conta que leu tudo o que você escreveu. Esta pessoa, claro, sabe tudo, pois era a mesma que conversou com você em reservado incialmente. Terra fala para TODOS: Seja um internauta esperto! Nenhum internauta pode invadir o seu computador por meio do Chat, mas se você fornecer o seu endereço eletrônico ou número do ICQ está correndo um risco muito grande. Proteja-se!

Mas se o chat é o local onde se divulga informações, também é o local onde

se pode buscá-las. É muito comum ver freqüentadores entrando na sala para buscar

informações. Fica mais clara uma característica do chat que é ser o "ponto de

encontro", o lugar onde a turma está e onde posso me informar...

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...uma etnografia entre internautas. 126

Banda procura BATERA : ALGUM BATERA NA SALA ?????????????

El Hombre Chuco! : ALGUÉM SABE O NUMERO DA LINHA CRUZADA DA ATLÂNTIDA???

«†Ðrácula†» fala com El Hombre Chuco!: ☺ 32992222

Le@ndrinho_17: Alguem aki conhece a Kmuflada???

Algumas vezes as informações trocadas estão relacionadas à informática.

Algo não surpreendente já que muitos freqüentadores de chat só o são porque estão

envolvidos no meio informático:

Thiago.PoA:foto. fala com KìëÐì§ : ☺ tu tem programa pra baixar mp3?

¤°°ßö¥ rµ§t¥ 17°°¤ : ☺ ALGUEM SABE ONDI EU CONSIGO O DOWNLOAD DO EMULADOR VGS

PRA PLAY?

(Teddy) fala com Gåmb¡†µ§™: ☺ tu trabalha mais com hardware ou software??

Gåmb¡†µ§™ fala com (Teddy): ☺ ambos, mas to direto com redes agora e webdesign...

(Teddy) fala com Gåmb¡†µ§™: ☺ redes é tri.... tu não manja de rede wireless?

Gåmb¡†µ§™ fala com (Teddy): ☺ wireless nao... apenas topologia estrela com cascateamento de

switchs... wireless eh meu proximo passo...

O chat como um espaço A associação da noção de "chat" (o sistema de comunicação) com "espaço"

já começa na maneira como ele é tratado: sala de bate-papo. Algumas

características da sala de bate-papo virtual a transformam de mero meio de

comunicação em espaço e ambiente. Talvez uma das mais marcantes seja a

associação que existe entre o "acessar a sala" e o "deslocamento em trajetos".

Também existe a sua associação com "ponto de encontro" e "ambiente composto

por paisagens e imagens". O chat, sendo acessado via imagem na tela do monitor e

passível de interação, propicia uma imersão do usuário no seu espaço virtual. A

imagem é repleta de sentidos, propiciando forma e profundidade ao "mergulho".

No momento cabe chamar a atenção para a representação de espaço que o

chat tem no imaginário de seus freqüentadores. Estar no chat significa estar em

algum lugar. Mesmo estando Eu na frente do meu computador, e o Outro na frente

do computador dele, compartilhamos o mesmo espaço virtual. Podemos nos

deslocar nele. Ir de lá para cá, trocar de ambientes, sair de um lugar e ir para o

outro... Não é difícil perceber representações desse tipo no convívio da rede.

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...uma etnografia entre internautas. 127

A seguir seguem alguns exemplos de como a noção de espaço marca as

referências à vivência no ambiente de chat:

Anjo[DM]© fala com A Reggaera Psico\Puc: Legal!!.... Vou dar mais umas voltas por aqui! A gente se

fala! Ou nos vemos domingo! =)

Digo fala com Penelope Charmosa: ok, vamos para sala POrto Seguro??

Janie Calamidade fala com Rafael\23anos: ahhh sim eu andei por lá...

"Janie" estava se referindo à sala E, que tinha ido lá naquele lugar...

Tá!*17* LoKiNhA fala com THE EDGE: ☺ dramatico como sempre né alissom?

THE EDGE fala com Tá!*17* LoKiNhA: ☺ me deixam aqui.....largado num canto,rsss

Ficar em "silêncio" no chat, sem ter com quem conversar, também é "estar de

canto", do lado de fora das conversas surgidas ali.

O chat e a cidade de Porto Alegre Além da mistura que existe entre a idéia de chat e a noção de espaço, a

cidade de Porto Alegre é constantemente trazida na vivência virtual. Claro, ela já

surge no título que denomina a sala. Porém não fica somente aí. Dentro do chat a

cidade de Porto Alegre é reconstruída na sociabilidade dos freqüentadores de chat.

As suas ruas, suas zonas, seus trajetos, seus circuitos e sua arquitetura recheiam a

dinâmica da rede em ambiente virtual. Talvez fosse algo de se esperar, já que

grande parte dos seus freqüentadores são porto-alegrenses. Ou também, o título da

sala já é "Terra Porto Alegre", óbvio que ela surgirá no chat. Porém essa relação não

é determinante.

Muitas outras salas do Provedor Terra possuem títulos variados. São salas

nomeadas cinema, profissões, cultura, e assim por diante. Indo nessas salas

podemos perceber que a sociabilidade da rede se baseia sobre outros temas, além

do assunto que a denomina. Optar por uma sala, por exemplo, intitulada "cinema",

pode muito menos significar que vou conversar com alguém sobre cinema, e muito

mais que vou conversar sobre assuntos diversos com alguém que também goste de

cinema. O mesmo raciocínio se aplica ao caso da sala Porto Alegre: bom, vou

acessar a "Porto Alegre" por que sei que lá estarão pessoas que moram aqui.

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 128

Normalmente no Provedor Terra as salas dedicadas às cidades são mais

freqüentadas do que as de assuntos diversos. No conjunto de salas disponíveis, a

quantidade de salas "cidades" é maior. Isso nos mostra o quanto o internauta deseja

se relacionar com conterrâneos. Nesse envolvimento entre "conterrâneos" a cidade

é recriada constantemente. Em alguns momentos, a distância geográfica do meio

urbano é trazida para o chat e determina a aproximação da rede. É quando alguém

deseja se comunicar apenas com pessoas de determinada região, ou então bairros

específicos. Em outros casos, a vivência cotidiana na cidade se mistura à vivência

no chat. É quando estar em um determinado ponto da cidade tem o mesmo status

de estar no chat. O chat também é um ponto da cidade:

_»Jøhññ¥ ß. GøøÐë«_ fala com Punkgril: ☺ ah q longe nada!!!é perto du shopping lindóia!!!c tu sabe

ondé q é a avenida du forte tu sabe ondé q é u mesquita!!!!

G@t@ fala com vocalista louco ICQ: te vi hj no gasometro !!

Guilherme-25a fala com Punkgril: Os Ramoninhos de Poa estào destruindo a cena de Poa...queimam

o filme, destróem os picos e empatam o interc6ambio....vide fim do Área 51 e Gragem...

Kamui fala com THE EDGE: Eu encomodei muito bebado sabado?

THE EDGE fala com Kamui: ☺ mas eu nem sabia que tu tava bebado meu,rssss

Kamui fala com THE EDGE: Sabado demadrugada aqui no chat, não no gazometro :P

THE EDGE fala com Kamui: ☺ naum,mas o que tu bebeu pra ficar bebabdo?

Kamui fala com THE EDGE: Cerveja, Caipira, Curaçau Red, Curação Blue, sem janta, pouco

almoço....

Porque o chat também é um local da cidade é que surgem certas confusões

sobre estar "dentro" ou "fora". Existe assim um estreitamento das dimensões on e

off-line.

Estreitamento das dimensões on e off-line A sociabilidade virtual pode ser vista como uma substituição da vivência off-

line por um tipo de vivência on-line. Mas também pode ocorrer o caminho inverso. O

estreitamento das duas dimensões pode ser visto em vários momentos. Ele surge

não apenas na relação do espaço do chat com o espaço da cidade, mas também na

relação do freqüentador com a rede, sua performance no ambiente virtual, a

tentativa de reproduzir imagens, sons, atitudes... Vários casos poderiam ilustrar o

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 129

estreitamento. Ele surge a todo o instante. No momento cabe citar alguns que

ilustram situações recorrentes:

Quando sensações são reproduzidas Stefani reservadamente fala com Dr.Zaius: ☺ Ah, sem essa, fala logo!

Janie Calamidade fala com _Bunitinha*: agora to aqui escutando um Lulu

Felina((( * _ * ))) : ATCHIMMMMMMMMM...

Felina((( * _ * ))) fala com ««Vërmë£hö»»: É Q FIQUEI CORRENDO DE TELHADO EM TELHADO HJ

NA CHUVA... FIQUEI RESFRIADA... HHEHEHE

Na frente do computador = Dentro da sala ~*¢hørønå*~ fala com TravisBarkerDiCueca: BAH SOH DE CUEKINHA????? KI

LOKURAAAAAAAAAAAAAA

Joselito'sem'noção fala com TravisBarkerDiCueca: NESSE CALOR MEU .. SOMOS 2

Quando o desejo do off-line prevalece ToAfimD Gostosos... : tenho curiosidade de conhecer algum cara da net e curtir um lance..... na

real.....

Fox: alguem afim de algo real..???

Cavaleiro Virtual\32 fala com g@T@ C@RENTE: ☺ quer passar o final da noite comigo levo café na

cama, cozinho bem a faço amor com muita intensidade. topa?

BRinCAnDO dE TuRiSt. fala com MENINA VENENO: por chat é meio complicado ,né?....tu tem que

vir pra cá,,,

SeuAnjinhoSafado fala com mini-ruiva (POA): QUANDO E ONDE NOS ENCONTRAMOS?

O estranhamento do chat Por fim cabe trazer os casos de "reflexão" do freqüentador sobre o chat. A

sociabilidade virtual tornou-se muito comum nos dias de hoje. Cada vez é mais

comum ver pessoas que se conheceram e se relacionaram muito mais via chat do

que em ocasiões face a face. Mesmo assim existe um certo "estranhamento" sobre a

vivência em ambiente virtual. É muito comum a idéia de "vício". Algumas pessoas

comentam que já estiveram "viciadas" pelo chat. Talvez por causa disso, antes era

comum os estudos a respeito de sociabilidade virtual tratarem os freqüentadores de

chat exclusivamente como "usuários".

Os próprios membros da rede sabem que podem começar a freqüentar o chat

compulsivamente. Alguns já passaram por isso. Também está presente a idéia de

"falta de normalidade". Certa vez "Isa" comentou que acha que todo mundo que

entra em chat tem algum problema. Talvez pelo fato do anonimato do chat

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...uma etnografia entre internautas. 130

potencializar as manifestações individuais, é que existam condutas muito

extrovertidas, meio "loucas", e assim por diante...

Anjo[ÐM]© fala com Kamui: Resolveu entrar no chat é..... não vai te viciar hehe

Janie Calamidade fala com _Bunitinha*: putz pior é q eu tinha dito q naum ia mais entrar na internet e

cá estou...

The BodyBoarder : ☺ tens uns pinta meio alucinados.........nesse chat

Felina((( * _ * ))) : TEM GENTE LOK NA SALA...

@lf@¢e(M) fala com KMUFL@D@: ☺ mas guria falando serio essa sala é trilegal

anjinha 39 RS : ALGUEM NORMAL NESTA SALA???????????????/

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...uma etnografia entre internautas. 131

Vivência cotidiana off-line Agora vamos ver um pouco como os freqüentadores de chat se organizam

fora dele. É o momento de explorar a dimensão off-line da sociabilidade virtual: os

encontros da turma. É quando a rede sai da frente do computador e mostra seus

rostos.

Encontros das redes

Era um domingo ensolarado de tarde. Soprava um vento primaveril e ainda

estavam presentes nuvens de uma manhã chuvosa. Eu estava sentado em um

banco do parque da redenção rodeado de adolescentes. Todos estranhos a mim.

Eles se conheciam, mesmo aparentando diferenças de estilos e classes sociais.

Ficavam falando alto e sobre assuntos que eu desconhecia. Lembranças próprias do

grupo, manifestação de uma memória coletiva. Eles eram muito jovens, não tinham

idades superiores a vinte anos. Algumas meninas e meninos ficavam se abraçando.

Eu pensava que eles eram namorados, mas não eram. Daí, de repente, um casal,

que parecia não ser namorado, começou a se beijar. Nesse encontro ninguém

"ficou" com ninguém, além dos casais já formados. Mas todos os rapazes já tinham

"ficado" com alguma menina alguma vez no passado. Isso eu só fiquei sabendo

depois, mas já adianto ao leitor.

Havia um skatista54. Havia também um bem vestido, fazendo um estilo

"Mauricinho"55. Uma menina fumava, outra parecia ser a mais jovem, não tendo mais

que quatorze anos. Havia também duas gêmeas. Um dos meninos falava muito alto,

e ria também. De repente chegou um "metaleiro"56 com um violão. Também chegou

um rapaz de bicicleta. Pelas suas roupas, parecia ser o mais pobre, ou então o

menos preocupado com roupas de marcas famosas (e geralmente mais caras em

preço). Eu pensava que aquilo era perda de tempo. Aquela situação não iria me

dizer muito sobre a tal da sociabilidade virtual. Eu estava enganado. A circunstância

que me fez estar ali diz um pouco sobre o ciberespaço de Porto Alegre e cabe ser

54 Praticante do esporte que utiliza o skate (prancha de menos de um metro com dois eixos e quatro rodas). 55 Versão masculina de "Patricinha" e explicado em nota anterior. 56 Quem segue o estilo propagado pelo heavy metal (música).

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...uma etnografia entre internautas. 132

narrada. Para entender como fui acabar estando no meio daqueles adolescentes

temos de voltar um pouco no tempo, uns dias antes do domingo.

Era terça-feira e eu estava na sala Porto Alegre "A" do Provedor Terra. Já era

mais de duas e meia da manhã e eu me preparava para me desconectar. Já tinha

acompanhado o chat naquela noite (a partir da meia noite) e feito alguns contatos

com freqüentadores da sala. De repente, surge na tela do computador, na lista de

mensagens do chat, a seguinte mensagem:

* * * * ATENÇÃO: DOMINGO DIA 10 DE NOVEMBRO DE 2002.. ENCONTRO DOS CHATS

NA RENDENÇÃO, NO CHAFARIZ. VALOR R$ DE GRAÇA SEUS XINELOS, HORÁRIO: ISSO NÃO É MOTEL... 14:30... VAI QUEM QUISER E A GENTE SE ACHA POR LÁ! """""""OS CUECAS TEM QUE LEVAR AMIGAS, DE PREFERêNICA!!"""""""DÚVIDAS: www.terrachatpoaa.hpg.ig.com.br CASO DÊ MERDA E ALGUÉM NÃO NOS ACHAR, É SÓ LIGAR... CONFIRMADOS: Anjo[DM]©; ziklon\Ipanema; §*dOiDoNa*§; sem amor (h); ESCORPIÃO REI; KID RUSTY; Lobão; Rodrigo; bitencurt; dread.19.foto; mark; Alice; FOFINH@; ¤\¤£ïNE¤/¤; §ürf Ìñ TråmâñÐä; suburbano; Carinhoso e fiel; MORENA CHEIROSA-18; Morena.....; Tetrahidrocanabinol; O Terrível; jazz; Juzinha²¹; P@godeira\Forrozei@ ; Morena Marley; Márcio-Tristeza; Juan Pablo Montoya; `®Sir_Fábio®`; *pUnKiZiNhA/17*; ¤»£¡ñð¡ñhå ßåßy»¤; MaLuKiNhA; aninha20lasalle; Greg_Sentenced_26; CourtneyLove:Kaploft; Danielzinho; JERRY lapaz Epitáfio; Amörinha; E§T®@nHo IRM...; Lili; Vivi; Nine; A Reggaera Psico\Puc; Helenah Solitária; JACK DAWSON; !!ANJO AQUARIANO!!... QUEM MAIS? QUEM MAIS???? * * * *

Vi quem tinha enviado a mensagem e disse a ele que eu também queria ir ao

encontro. Sem me questionar nada, vi o "Anjo" enviar novamente o anúncio, agora

com meu nick, que aliás era "Dr.Zaius". Troquei mais algumas mensagens com

"Anjo". Perguntei que tipo de encontro era aquele e ele me disse que era para reunir

as várias salas de Porto Alegre do Provedor Terra. Segundo ele, era comum

organizarem encontros de salas isoladas (sala A, sala B,...) o que restringia as

relações das pessoas.

Depois daquele dia não mais encontrei ele no chat. Apenas fiz um contato por

telefone no sábado para confirmar se haveria mesmo o encontro no domingo. Me

disse que se estivesse chovendo o encontro seria no Shopping Praia de Belas.

Como domingo amanheceu no clima que misturava momentos de chuva e de sol,

resolvi ligar novamente para ver qual seria o local nesse caso. Ele me disse que

estaria indo para o Parque da Redenção e só se estivesse chovendo é que iria para

o Shopping.

Eu pensava que eles fossem um pouco mais velhos, pelo menos com mais de

vinte anos. No domingo descobri que estava enganado. Descobri isso em uma

brecha na conversa do skatista com o rapaz que falava alto. Aliás, o primeiro é o

"Escorpião Rei" e o segundo é o "Aquariano". Eles aparecem no anúncio do

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...uma etnografia entre internautas. 133

encontro, mas só fui descobrir isso depois. O "Aquariano" comentou com o

"Escorpião Rei" que agora tinha mais um avô no grupo. Olhei para ele, que estava

sentado ao meu lado no banco e perguntei: como assim? Ele sorriu e disse que

estava se referindo ao próprio "Escorpião" e a mim. Sorri e perguntei quantos anos

eles tinham. Ele apontou para todo mundo que estava ali e disse a idade de cada

um. A idade não passou dos 18. Ao final da lista, apontou para o "Escorpião", disse

que ele tinha 22 anos e perguntou quantos anos eu tinha. Respondi que tinha 25 e

ele deu uma gargalhada e disse: "então tu é o bisavô!".

No domingo fui o primeiro a chegar no local do encontro. Comecei a prestar

atenção na formação de algum grupo. Esperei até as 15h, quando vi um rapaz e

uma menina chegarem e se sentarem na borda do chafariz central do parque. Não

dei bola, já que havia um grupo de 3 rapazes que parecia mais com uma situação de

espera por demais pessoas. Novamente estava enganado.

O rapaz e a menina estavam fazendo alguma anotação em uma folha de papel.

Vi um outro rapaz, aquele que daqui a pouco iria me chamar de bisavô, circular ao

redor do chafariz e se encontrar com o rapaz e a menina. A menina que estava com

o rapaz era a que fumava depois. Ela também é a que "Anjo" vai se referir um dias

depois, quando pergunto a ele se já tinha "ficado" com alguma menina que

conheceu no chat. O rapaz era o próprio "Anjo", que estava organizando o encontro

e com quem eu havia conversado por telefone. O papel estava sendo rabiscado com

caneta esferográfica para escrever, em letras grandes, a palavra "CHAT". Mas isso

eu também só percebi depois, quando me aproximei deles.

Quando, de repente, chegaram mais três meninas e um rapaz, e foram em

direção dos três primeiros, tive minha atenção ativada. Pensei que agora sim era o

grupo do encontro. Esperei um pouco e liguei do meu telefone. Vi que o rapaz

atendia e tive a confirmação. Falei para ele que eu já tinha chegado, estava vendo

eles e que iria ao seu encontro. Cheguei e fui apresentado, só que ninguém tinha me

visto ainda no chat. Perguntei a ele se éramos somente nós. Ele disse que não, que

viriam mais pessoas, umas trinta. Ilusão dele. Trinta foi a quantidade de pessoas do

encontro da sala "B".

Aliás, ele estava sendo organizado ali mesmo na redenção, na mesma tarde,

só que nos bares do Mercado do Bonfim. Na semana seguinte "Anjo" me disse que

muitas pessoas que tinham confirmado a presença com ele, acabaram se

enganando e indo ao encontro da turma da sala "B". Esse foi o caso da

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...uma etnografia entre internautas. 134

"ReggaeraPsicoPuc", que aparece no anúncio do encontro, mas acabou indo no

outro. Aliás, essa é a mesma "gorda feia" a que ele vai se referir dois dias depois

quando me enviará, via ICQ, uma foto digital que ela mandou para ele alguns

minutos antes.

Ficamos ao redor do banco e logo começaram a surgir outras pessoas, todas

conhecidas daqueles que já estavam presentes. Todos que chegavam eram,

informalmente, apresentados a mim. Perguntavam quem eu era. Eu dizia que era o

"Dr.Zaius", eles faziam um gesto de desconhecimento e continuavam conversando.

Alguns eram chamados pelo nick, outros pelo nome. Algumas vezes tudo se

misturava. Chegaram as gêmeas. Uma delas já tinha "ficado" com o "Anjo". Aliás,

ele também já tinha "ficado" com a menina que fumava e com outra ali presente, que

chegou no segundo grupo, de cabelo vermelho.

Sobre essa de cabelo vermelho ele comentou, dois dias depois, que achava ela

meio "porquinha". É que eles ficaram em uma festa de aniversário (das gêmeas)

realizada em uma casa noturna da cidade, em uma noite de sábado para domingo.

A casa noturna em questão é o "Strike". Freqüentado, na maioria, por adolescentes,

mas que "Anjo" teve de fazer um "escarcéu" para poder entrar. Na tarde de domingo

subseqüente à festa de aniversário eles voltaram a ficar em um encontro do pessoal

do chat. Diz "Anjo" que ficou sabendo que ela ainda não tinha tomado banho.

Eu não reparei muito nas gêmeas, mas são as mesmas a que ele, dois dias

depois irá se referir como: "... elas tão sem ninguém! Não são muito bonitinhas, mas

de corpo tão tri.. uma delas tá com a bunda muito grande até.. se quiser eu passo o

ICQ delas!".

Em seguida chegaram o skatista e o rapaz de bicicleta. Olhei para eles, olhei

para os que já estavam ali, olhei para eles de novo, olhei de novo para os que já

estavam ali. Eles acrescentaram um toque de heterogeneidade ao grupo. Tinham

estilos diferentes e também deveriam ter idades diferentes. O skatista parecia ser

mais velho, e era realmente. Na concepção de Aquariano, era o "avô" do grupo.

Estava sem camisa e parecia que recém tinha vindo de uma atividade esportiva.

Muito diferente do "Anjo", vestindo sapato, roupa de marca...estilo "Mauricinho". O

ciclista era mais jovem, vestia roupas mais simples e era bem magro. No entanto,

todos ali se conheciam e o grupo destoava do normal que observo na cidade: grupos

só de skatistas, ou só de "Mauricinhos"... Imagino que além disso, a concepção de

"encontro" varia de pessoa para pessoa. Para alguns ali talvez fosse um evento

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especial que merecesse mais capricho no vestir, para outros poderia ser apenas um

momento simples.

Aparentemente, não se importaram com a presença de uma pessoa estranha.

Me aconselharam, mais de uma vez, para "me enturmar" com o pessoal. Quando o

"metaleiro" chegou, começou a tocar um violão velho e desafinado. Delicadamente,

algumas meninas foram se retirando dizendo que iriam dar uma volta no parque. O

ambiente ficou mais masculinizado. Ele tocava, os outros cantavam juntos e eu

estava meio incomodado com o desafino do instrumento. Mas eles estavam

gostando. Estavam entusiasmados. Lembrei que quando eu comecei a tocar

guitarra, ainda adolescente, deveria tocar nas mesmas condições. Entendi a

situação dos rapazes, mas mesmo assim perguntei se não queriam que eu afinasse

o violão. O "metaleiro" gostou e me entregou o instrumento.

No encontro de domingo, o que ficou bastante claro foi uma característica de

heterogeneidade, muito comum nos grupos que se formam a partir da comunicação

mediada por computador/Internet. Ficou mais clara uma situação que já tinha

observado em outras ocasiões. Também mostrou o lado juvenil desse tipo de

sociabilidade. Está formada uma rede que faz com que as pessoas acabem, mais

cedo ou mais tarde, se cruzando. Os relacionamentos são de vários tipos: os

fortuitos, os efêmeros, os intencionais e os duradouros. Esse caso também mostra a

potencialidade da sociabilidade atrelada à tecnologia. O acesso ao chat pode

ocasionar a abertura de relações sociais antes inimagináveis. Está presente a

possibilidade de ingressar em uma rede ampla a partir de um contato feito com um

único freqüentador do chat.

Depois desse encontro houve um segundo realizado na Usina do Gasômetro.

Não fui a ele porque foi decidido de última hora e acabei não sendo informado.

Mesmo assim conversei com "Anjo" sobre como tinha transcorrido. Ele me

respondeu que foi da mesma forma que o primeiro. Estavam presentes as mesmas

pessoas e também algumas desconhecidas. O número de participantes tinha

aumentado um pouco. Entretanto, aumentou mesmo no terceiro encontro.

O terceiro encontro da turma da sala "A" ocorreu novamente no Parque

Farroupilha, junto ao Monumento ao Expedicionário. Era sábado. O horário

combinado era quinze horas. Como no outro encontro cheguei muito cedo, nesse

resolvi chegar mais tarde. Cheguei quatorze horas. Fazia calor, era a primeira

quinzena do mês de fevereiro. O parque estava cheio de pessoas. Junto ao

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...uma etnografia entre internautas. 136

monumento ao expedicionário tinha várias pessoas. Depois "Anjo" acabou me

contando que muitas daquelas pessoas eram freqüentadoras de chat e que estavam

se encontrando ali.

Tinha o pessoal do "UOL"57 e de outras salas do "Terra". Todos se

organizavam em pequenos grupos de seis ou oito pessoas. Avistei de longe e

percebi que um daqueles grupos era formado pelas pessoas do chat que eu já

conhecia. Cheguei e fui saudado por "Anjo" e "Aquariano". Esse último me

apresentou aos demais presentes. Alguns eu não conhecia, outros eu já conhecia.

Novamente estavam presentes algumas das pessoas do primeiro encontro. O

"metaleiro" estava com sua namorada. As gêmeas logo chegaram. O que era bem

magro também veio com a namorada. O "Escorpião Rei" também estava presente,

mas não muito contente. É que durante a semana, antes desse encontro, ele estava

querendo reunir a turma em outra situação. Ele deu a idéia de todos irem jogar

"Paint Ball".

O Paint Ball surgiu em Porto Alegre há uns dez anos atrás. Virou febre naquela

época. Um programa comum de adolescente era ir jogar Paint Ball. Existiam

algumas "arenas" na cidade. Lembro que existia uma no final da Avenida Ipiranga. O

jogo simula uma batalha entre dois grupos (As vezes era individual, todos contra

todos.). Os participantes utilizam armas de pressão que lançam pequenas bolas (Em

torno de dois centímetros de diâmetro.) com tinta. No caso da batalha entre dois

grupos o objetivo é um eliminar o outro, ou então um pegar a bandeira do outro. Um

"combatente" é eliminado quando é atingido por um tiro de tinta. No caso de todos

guerreando contra todos, o objetivo é se manter "vivo" até o final do jogo, eliminando

todos os demais opositores. Eu achava que tinha passado a moda desse jogo.

Pensava que nem existisse mais locais na cidade para praticá-lo. Questionei isso ao

"Escorpião" e ele me afirmou que ainda existia a tal arena no final da Ipiranga.

"Escorpião Rei" achava que os encontros estavam muito "sem graça". Ali

mesmo junto com a turma ele dizia que não era legal "todos ficarem olhando uns pra

cara dos outros". Realmente era isso que acontecia. O encontro consistia em ficar

no pequeno grupo ("rodinha") conversando sobre assuntos que tinham acontecido

no chat, ou sobre os encontros passados, ou então sobre assuntos surgidos ali

mesmo. Dessa vez estavam presentes umas trinta pessoas. Quem organizou o

57 Provedor Universo On-line.

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 137

encontro foi o "Administrador Terra". Ele é um rapaz de uns vinte e poucos anos que

começou a entrar na sala "A" no final do ano passado.

Aos poucos ele foi se inserindo na turma. Nesse terceiro encontro ele foi o

organizador. Ser organizador não é uma tarefa muito difícil. Basta entrar

regularmente na sala durante a semana precedente ao encontro e divulgar o evento.

Será? O "Anjo", que tinha organizado os dois encontros anteriores, passou para o

"Administrador" os e-mails da turma. Através do e-mail ele também divulgava.

Depois desse encontro o "Administrador" ficou mais conhecido na sala. Era comum

vê-lo teclando com vários freqüentadores. Ele se tornou uma espécie de liderança

na sala "A", pelo menos a noite, que é o horário que ele mais acessa.

Da mesma forma que no primeiro encontro, pouco a pouco as pessoas foram

deixando o local. Saiam em pequenos grupos. Alguns diziam que iam embora

mesmo, outros diziam que iam dar uma volta no parque porque ali estava "muito

chato". Esses acabavam nem voltando. Das trinta pessoas presentes, mais ou

menos vinte eram rapazes. As meninas estavam em minoria e logo sumiram do

local. As que estavam com namorado foram embora. As que estavam sozinhas

acabaram saindo para caminhar com algum rapaz ali presente, já conhecido. Logo

descobri que os que saiam dali iam "ficar".

A "Estressada", por exemplo, saiu para "passear no parque" com um dos

rapazes presentes. "Anjo" e "Aquariano" comentaram com os demais que os dois se

afastaram do grupo para "ficar". Na semana subseqüente, teclando com

"Estressada", descobri que o rapaz com o qual ela "ficou" naquele dia é um amigo

que mora no município gaúcho de Cachoeira do Sul. Quando há encontros ele vem

e os dois "ficam". Ela tem dezenove anos e considera ele quase como sendo um

namorado, mas afirma que nunca namorou na vida.

Também na semana subseqüente a esse encontro, "Anjo" comentou comigo

que acabou "ficando" com uma das gêmeas. Perguntei a ele em que momento isso

tinha acontecido, já que não tinha visto nada. Ele me contou que "ficou" com a

menina na parada de ônibus, quando estavam indo embora. Eles ficaram juntos

naquele momento (Como se diz em futebol e Anjo usou como metáfora: "já nos

descontos finais".) porque não tinham "ficado" com ninguém até então. "Ficaram" por

"ficar". Eles já tinham "ficado" em outra ocasião. Quando não ficam com ninguém,

um "fica" com o outro.

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...uma etnografia entre internautas. 138

Até o momento em que fui embora o "Escorpião Rei" continuava avaliando o

encontro. Ele continuava sugerindo atividades para o grupo fazer naquele momento.

Sugeriu que fossem em algum bar do Mercado do Bom Fim localizado ali mesmo no

Parque. Também sugeriu que fossem ao gasômetro. As suas sugestões não foram

atendidas e o encontro acabou com a evasão gradativa de todos. Depois desse

encontro a turma acabou, ou pelo menos ficou suspensa. A maioria deixou de

freqüentar regularmente o chat. Outros usuários freqüentam a sala "A" no mesmo

horário. Talvez logo façam um encontro.

O "desaparecimento" deles do chat coincidiu com o início das aulas. No caso

de Anjo a hipótese se confirmou. Ele me disse que estava ocupado com as aulas do

colégio. Não tinha tempo livre para acessar o chat como antes. Perguntei se era isso

que ocorria com os demais e ele, por já ter feito contato com eles, me confirmou:

"...tá todo mundo com aula". Quem continuou entrando regularmente na sala "A" era

quem tinha mais disponibilidade, por exemplo, o "Administrador". Ele trabalhava no

posto de pedágio da BR 290 (Freeway) na proximidade do município de Gravataí.

Aproveitava para acessar o chat enquanto trabalhava, no turno da noite.

O encontro seguinte foi realizado pela turma da sala "B". No primeiro encontro

da sala "A" a "B" também realizava o seu, as duas no Parque Farroupilha. Durante o

mês de março e abril comecei a fazer contato com o pessoal da sala "Porto Alegre

B". Comecei a entrar mais nessa sala e conversar com os seus freqüentadores. Até

então eu estava mais presente na sala "A". Eu já tinha teclado com os

freqüentadores da sala "B", mas ainda não tinha participado de seus encontros.

Eles fazem encontros semanalmente. As vezes em dois ou três dias seguidos:

sexta, sábado e domingo, por exemplo. Como a rede é extensa, algumas pessoas

vão em mais de um encontro, outras acabam indo só em um na semana, indo em

outro na outra semana. Há os mais assíduos que participam de todos. Também há

os mais ausentes que vão uma vez por mês. Alguns também vão uma vez e nunca

mais voltam, outros gradativamente vão se afastando do grupo. A rotatividade de

membros da rede é muito grande. Sempre há pessoas novas nos encontros. Sempre

há "novatos". "Aprendiz de Cafajeste" participa, conforme ele me disse, desde o

início. Da sua antigüidade na rede decorre uma certa liderança perante o grupo.

Na época do primeiro encontro da sala "A", Anjo me informou que quem

organizava os encontros da sala "B" era o "Aprendiz". Eles não se conheciam

pessoalmente, somente tinham se comunicado pelo chat. Em janeiro o "Aprendiz"

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organizou um encontro em sua casa na praia, no município de Imbé (litoral do Rio

Grande do Sul). Na época eu via ele anunciando o encontro no chat, da mesma

forma que um encontro em Porto Alegre. A única diferença era que ele informava

que era preciso colaborar com trinta reais para despesas, tais como ele mesmo citou

no chat: "cerveja, faxineira, cerveja, comida, cerveja, cerveja, outras coisas, cerveja".

Perguntei a "Aprendiz" se eu podia ir também. Como eu ainda não tinha me

inserido na rede da sala "B", ainda não tinha me apresentado como pesquisador.

Sendo assim, naquele contato que tive com ele eu estava assumindo, para ele, o

papel de um usuário do chat. "Aprendiz" me perguntou se eu conhecia alguém do

chat. Disse que conhecia o "Anjo" e que os dois já tinham teclado. Ele não lembrou

do "Anjo" e me disse que eu precisava conhecer alguém da sala "B" para ir no

encontro da praia. Como ainda não conhecia ninguém da sala, não participei desse

encontro, que parecia ser um pouco mais "seleto" em relação aos participantes. Não

eram aceitos totais desconhecidos.

O encontro da praia, na casa de "Aprendiz", acabou só ocorrendo no carnaval,

entre fevereiro e março. Em fevereiro eu estava mais presente na sala "A". No final

de março tratei de me inserir na rede da sala "B". Novamente voltei a fazer contato

com "Aprendiz". Dessa vez tive mais tempo para me apresentar como pesquisador.

Perguntei se eu podia participar dos encontros que eles realizavam. Ele me disse

que não haveria problema. Eu o lembrei que já tínhamos teclado em outras

ocasiões, como em janeiro na ocasião do encontro da praia. Ele não se lembrou,

mas me informou que o tal encontro acabou sendo realizado no carnaval. Comentei

sobre as fotos do álbum que ele tinha divulgado nas salas do "Terra", na sala "A"

inclusive.

Uma semana antes eu estava na sala "A" quando ele entrou e divulgou a todos

o endereço eletrônico de um site que continha sessenta e cinco fotos dos encontros

da sala "B". Logo ele saiu da sala. Eu fui ver as fotos. As imagens eram dos

encontros realizados pela turma da "Porto Alegre B" durante o segundo semestre de

2002. Ali apareciam todos os membros da rede. O álbum eletrônico58 foi idéia do

"Aprendiz". Ele mesmo criou e escreveu as legendas. Nas legendas é possível

identificar quem aparece na foto. É mostrado o nick da pessoa e o local onde

58 Álbum eletrônico é um sistema disponibilizado por alguns provedores de acesso a Internet. Consiste em um site o qual se envia as imagens e se insere legendas, por exemplo. O serviço é gratuito e de acesso público. Qualquer pessoa pode ver as imagens, basta acessar o site em

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aconteceu a cena do encontro. Olhei todas as fotos. Alguns aparecem uma única

vez, outros estão presentes em várias fotos. Isso significa que estiveram presentes

em vários encontros. "Aprendiz" estava, de certa forma, fazendo propaganda dos

encontros da sala "B".

"Aprendiz" me apresentou para alguns freqüentadores da sala "B" e pediu que

eu aparecesse em algum encontro da turma. A oportunidade de ir surgiu no início de

abril. O Ivan, colega de curso, já tinha me dito que seu amigo, Cassio, freqüentava

chats de Internet. Entretanto não sabia que, casualmente, tratava-se da sala "Porto

Alegre B" do Provedor Terra. Na segunda semana de abril Ivan me informou que

aconteceria um encontro da turma da sala "B".

Eu fiquei surpreso que ele soubesse disso. Ele me disse que o seu amigo tinha

lhe informado. Através do Cassio, Ivan me deu dois convites para a festa, que

aconteceria no Bar Manara, que fica na Avenida Goethe. O Manara é uma casa

noturna freqüentada por jovens com idades em torno de vinte anos. Como eu ainda

não tinha ido a nenhum encontro da turma da sala "B", esse seria mais destinado a

eu me apresentar ao grupo, reconhecê-los e ser reconhecido. No CD-ROM é

mostrada a imagem do convite.

Convidei um amigo para ir comigo. O Valcir e eu chegamos no Manara lá pela

meia noite e meia. O ambiente interno da casa é grande. Há no térreo um palco para

a apresentação de bandas. Naquela noite estavam se apresentando umas bandas

porto-alegrenses de rock. Como o Valcir ainda não conhecia o Manara, tratei de

mostrar a ele todos os ambientes. Depois de mostrar o ambiente do palco, subimos

as escadas que levam ao segundo andar.

No segundo andar há dois ambientes. Em um deles se acompanha a

apresentação da banda no palco. Lá do segundo andar é possível ver a pista de

dança que fica em frente ao palco. O outro ambiente, ainda no segundo andar, é

dividido por uma porta que isola o som. Nesse outro ambiente toca música

eletrônica. Há uma mesa de som e um "deejay"59.

Como haviam muitas pessoas naquela noite, achei que seria bem difícil

encontrar o pessoal da sala "B". Primeiramente porque eu não os conhecia

pessoalmente para poder identificar na multidão. Segundo, porque na multidão não

daria para identificar claramente algum aglomerado de pessoas reunidas, dando a

questão. 59 DJ (deejay=disc jockey): quem opera a mesa de som e coloca as músicas para tocar.

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consistência de uma turma de amigos. Na verdade haviam várias turmas, várias

"rodinhas", várias aglomerações.

Ainda faltava mostrar ao Valcir o ambiente externo. Existe um ambiente no

Manara que fica fora do prédio, como se fosse no pátio. Ali existe um bar e umas

cadeiras e mesas. Nesse ambiente não se houve o som interno que toca na casa,

sendo possível conversar em um tom normal de voz.

Chegamos ali e lhe mostrei o último ambiente: ó Valcir, aqui tem umas

mesinhas e tal... Ele deu uma olhada geral, mirou duas mulheres que estavam em

uma mesa e comentou comigo: "olha só que mulherão!". Eu olhei e comecei a

pensar que elas não me eram estranhas. Comentei com o Valcir: não sei, acho que

eu já conheço essas gurias... O Valcir: "tu conhece?...de onde tu conhece elas?".

Pensei mais um pouco e descobri.

Eu já tinha visto a foto delas no tal álbum que o "Aprendiz" estava divulgando

no chat. Lembrei que eram a "Misteriosa" e a "Bela de Canoas". Fui até elas e

perguntei se elas eram da sala "B". Elas responderam que sim e disseram que o

"pessoal estava ali", apontando para o balcão do bar do ambiente. No local onde

elas indicaram havia um grupo de amigos conversando alto, dando risadas e

gesticulando. Assim que elas me indicaram a direção olhei e quem eu vejo? O

"Escorpião Rei". Como eu já o conhecia, fui falar com ele. Ele também lembrou de

mim e me cumprimentou. Perguntei quem era o "Aprendiz" e ele me mostrou. O

"Aprendiz" me cumprimentou: "tu é quem?". Respondi: eu sou o "Cabelo". Ele: "tu é

o cara da pesquisa né?". Eu: isso. Ele: "que bom que tu veio!".

Daí em diante ele me apresentou a todo mundo. Todos que não me conheciam

também vinham me cumprimentar. Geralmente diziam: "Cabelo?... não sei, acho que

nunca te vi na sala". Eu respondia: é que eu entro mais a noite. O "Escorpião" ainda

me reconhecia como "Dr.Zaius", mas logo começou a me chamar de "Cabelo". Em

março eu havia resolvido trocar de nick. Eu comecei a pensar que o "Dr.Zaius"

passava muita seriedade, era difícil de identificar (Doutor o quê?).

"Aprendiz" me disse que o resto do pessoal estava lá dentro, na pista de

dança. Entretanto, várias pessoas ainda estavam chegando. Todas que chegavam

cumprimentavam todos os presentes, inclusive eu, que não conhecia ninguém.

Alguns que chegavam eram membros da rede da sala "B". Outros eram amigos. Mas

todo mundo cumprimentava todo mundo. Criava-se ali um clima amistoso. Quem era

estranho acabava se sentido incorporado pelo grupo. O Valcir ficou surpreso com a

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simpatia do grupo e até comentou: "bá, vou entrar também no chat!". Logo conheci a

"Isa", que até então só conhecia via chat e convite da festa. Ela era a aniversariante

e aparece no convite que recebi. Os outros dois aniversariantes não vieram a festa.

Daí em diante os assuntos fluíam de forma diversa. A conversa era

interrompida a cada instante para discutirem sobre quem vinha e quem não vinha na

festa. A maioria das pessoas as quais já havia teclado no chat e visto nas fotos do

álbum estavam ali. O "Aprendiz" comentou que no domingo haveria um outro

encontro e me convidou a ir. Seria realizado ali perto, em um bar localizado na

esquina da Avenida Goethe com Rua Mostardeiro, no Bar Tri Pastel. O horário

combinado era dezoito horas, final da tarde de domingo. O encontro era destinado a

uma despedida de um membro do grupo (o "Brincando de Turista"), que estaria

viajando para os Estados Unidos. Eu disse que também iria. A maioria estava

marcando presença. Perguntei onde ficava esse bar e o "Aprendiz" me disse que era

do lado do Bar Tropicali.

O Tropicali seria palco de um encontro que acabou não sendo realizado. Era

para assistir o jogo do Grêmio, em dois de abril. Eu fui e pensava que esse seria o

meu primeiro contato com o grupo da "Porto Alegre B". Acontece que ninguém foi.

Descobri depois que o tal encontro havia sido cancelado. Como eu ainda não estava

muito inserido no grupo, ninguém me avisou de nada.

"Aprendiz" me disse que eles tinham trocado de bar. Eles costumavam se

encontrar no Tropicali. Entretanto, começaram a ser mal atendidos pelos garçons. É

que os seus encontros agrupavam muitas pessoas (umas 40) e tinham que juntar

várias mesas. Desorganizava o bar. O resultado dessa aglomeração também era um

certa algazarra. Um dia foi a gota d'água.

Eles estavam reunidos no bar e resolveram juntar as mesas. Um dos garçons

informou que para juntar as mesas seria cobrado dez reais. Todos ficaram

indignados e o "Aprendiz" deu a idéia de irem para o bar do lado, o Tri Pastel. Na

mesma hora todos se levantaram, pagaram suas despesas e migraram para o bar

indicado. "Aprendiz" comentou que desde então ficou tudo ótimo. O dono do Tri

Pastel vai beber cerveja com eles e a cada dez cervejas ele dá uma de brinde.

Enquanto "Aprendiz" me contava essa história percebi que ele já estava meio

bêbado. O "Escorpião" estava junto.

Logo em seguida "Aprendiz" se gabou mostrando que já tinha bebido sete

tequilas. Mostrou a folha da consumação e na verdade já tinham sido marcadas

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nove, além de algumas cervejas e drinques. Ressaltou que algumas coisas ali

marcadas ele não tinha bebido. Disse que é comum quem estar com cheque pagar

as despesas de algumas pessoas da turma: "depois o pessoal acerta comigo... todo

mundo é legal aqui". No final da festa "Aprendiz" acabou pagando noventa e cinco

reais de despesas.

Durante a festa o ponto de encontro continuou sendo aquele do ambiente

externo. Alguns subiam para dançar, mas logo retornavam ali para aquele local. O

"Aprendiz" logo se debruçou sobre uma mesa e dormiu, estava muito bêbado. Antes

disso ele já tinha dançado com os amigos, tentado beijar as amigas e os amigos e

conversado com todo mundo ali presente. Ninguém repudiou as suas atitudes.

Todos inclusive achavam engraçado. Somente a "Bela de Canoas" se preocupou um

pouco. É que ela tinha combinado de levá-lo para casa: "e agora?...o que eu vou

dizer pra mãe do Lê?". O "Lê" é o "Aprendiz", mas como a "Bela de Canoas" o

conhece bastante fora do chat, inclusive a sua mãe, o chama de "Lê" (de Leandro).

Chamar pelo nome ou pelo nick não tem muita importância para eles. O mais

comum é se identificarem com o nick. O próprio convite da festa só apresentava o

nick dos aniversariantes. Durante os encontros todos se chamam pelos nicks. As

pessoas novas ao grupo nem são questionadas sobre o "nome verdadeiro". Isso

sempre foi percebido juntos às redes organizadas em chats. Acontecia com o grupo

do chat do Provedor Conex, com o grupo da sala "Porto Alegre A" do Provedor

Terra, com o grupo da sala "procura 30-40" do mesmo provedor e agora com os da

sala "B".

Chamar pelo verdadeiro nome, portanto, significa que o vínculo de amizade

expande para fora do chat e envolve outras pessoas. Imagino que seria complicado

a "Bela de Canoas" ligar para a casa do "Lê" e pedir para falar com o "Aprendiz de

Cafajeste". A "Bela Gauchinha" também é chamada, algumas vezes, pelo seu nome:

Michele. Em ambiente de chat o normal é usar o nick. Entretanto, as vezes, durante

as conversas dos membros da rede, alguém chama o outro pelo verdadeiro nome.

Off-line a identificação continua sendo pelo nick, que é um elemento de identificação

on-line. Tudo se mistura. O limite conceitual e teórico entre as vivências on e off-line

não ocorre nesse caso da identificação. O nick assegura um anonimato no chat.

Entretanto fora dele o nick é mantido. E não é porque um conhece pessoalmente o

outro que irão se chamar no chat ou nos encontros pelos seus verdadeiros nomes.

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"Escorpião" comentou comigo que tinha cansado dos encontros da sala "A":

"todo mundo só fica ali chupando dedo, um olhando pra cara do outro". Me disse que

os encontros da "B" eram melhores, mais divertidos e também porque participavam

mais mulheres. Aliás, isso foi o que o "Aprendiz" me disse e fazia questão de

enfatizar. Quando fizemos contato via chat, me apresentando como pesquisador e

interessado em ir nos encontros, ele me respondeu: "vai mesmo, tem sempre

bastante mulher". Quando eu cheguei na festa do Manara ele logo se virou para a

direção onde estavam concentradas as mulheres da turma e me disse: "ó, tem uma

mulherada aqui". Quando ele anuncia o álbum contendo as fotos dos encontros

comenta sobre a grande quantidade das mulheres que fazem parte da rede.

Se segundo "Escorpião" os encontros da sala "A" acabaram por "falta de

mulher", tá explicado porque os da sala "B" já ocorrem a tanto tempo. "Aprendiz" me

disse que a rede existia a algum tempo. Segundo ele a dinâmica da rede é de troca

constante dos membros. Muitas pessoas entram, muitas saem. De vez em quando

alguém começa a participar dos encontros, fica participando de alguns e não

aparece mais. Ele disse que participa desde o início da rede. Nesse encontro

"Escorpião" e eu éramos novatos.

Novato é o termo que a "Isa" usou para nos definir. Quem está entrando

recentemente na rede é chamado de novato. Ela também disse que é difícil teclar

com um novato no chat, já que geralmente vai conversar com os que já conhece,

não tendo tempo para os novos. Todos algum dia foram novatos. Antes da migração

do "Escorpião" da sala "A" para a "B", a "Bela de Canoas" já tinha feito isso.

"Misteriosa" e "Gauchinha" comentaram que quando ela recém tinha migrado era

tímida e encabulada, agora tinha se "soltado mais".

No domingo o encontro começou no Tropicali. Cheguei e já estavam reunidos

"Aprendiz" e sua namorada, "Misteriosa", "Bela Gauchinha", "Bela de Canoas".

Também estavam presentes um rapaz e uma menina que eu não havia visto na

festa do dia anterior. Eles estavam ali porque o Tri Pastel ainda não tinha sido

aberto. Alguns bebiam cerveja, outros refrigerante. Também faziam lanche. O

assunto girava em torno dos acontecimentos da noite anterior. O "Aprendiz" não

lembrava de algumas coisas que tinha feito e os outros o lembravam. Também

chegaram outras pessoas. Cumprimentavam a todos, inclusive eu, mesmo não me

conhecendo.

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Uma das meninas que chegou desagradou "Misteriosa" e "Gauchinha". Como

elas estavam sentadas próximas a mim, percebi que elas conversavam e lançavam

algumas "indiretas" e provocações (direcionadas à menina que recém havia

chegado). Também diziam: "chegou a vesga!". Depois que a menina foi embora

perguntei para "Gauchinha" o que significava aquilo. Ela me disse que a menina que

chegou não se dava bem com elas: "ela diz que a gente é vadia só porque a gente

se dá com todo mundo".

Rixas e pequenas redes

O encontro da festa de aniversário do "Augusto" aconteceu no Café do Rock,

que é uma casa noturna situada na Avenida Goethe. Ele fica quase em frente ao

Manara, só que um pouco mais "para cima", em direção ao Parcão60. Entre o

Manara e o Tropicali está o Café do Rock. Todos ficam na mesma rua, compondo o

circuito de boemia da "Goethe".

A rotina era semelhante àquela do encontro do Manara. Algumas pessoas

iam chegando e as que eu conhecia eu cumprimentava. Às que eu não conhecia,

me apresentava. Nessa época o "Augusto" era novo na turma. Ele não tinha vínculos

fortes com muitos membros, por isso sua festa não teve a presença maciça de

freqüentadores do chat. "Lisa" me perguntou se eu já conhecia todo mundo ali.

Lembrei que ela e "Lindinha" tinham sido as primeiras pessoas que "Aprendiz" me

apresentou no chat. Quando ela me perguntou se eu já conhecia todo mundo, tratei

de apontar para quem eu já conhecia e dizer o nick: aquele ali é o Teddy,... também

tem o Dom Lúcifer, aquele é o TomPoa... aqui do teu lado é a Emanuele, a gente

teclou no chat...

A "Emanuele" tinha passado do lado da "Lisa" e eu apontei e disse que eu já

a conhecia. "Lisa" fez um pequeno gesto negativo com o rosto. Achei que alguma

coisa estava acontecendo e lhe perguntei:

- O que foi?

- Inveja, muita inveja.

- Como assim?

- Tem gente que tem inveja de mim.

- Tu não te dá com ela (Emanuele)?

60 Parque Moinhos de Vento.

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...uma etnografia entre internautas. 146

- Não.

- Tá, mas vocês brigaram?

- Não, a gente nunca teclou, mas não se dá.

Logo juntei os fatos e desconfiei que a "Lisa" também não era amiga de outras

pessoas da turma. Perguntei com quem mais ela não se dava bem e ela me

respondeu: "com algumas, há muita inveja". Tratei de testar minha desconfiança.

Perguntei a ela se também não se dava bem com "Bela Gauchinha". Ela me

respondeu que não.

- E com a Bela de Canoas?

- Também não, e nem com a Misteriosa.

- Tu não foi no encontro do Tropicali? No domingo depois do Manara?

- Sim, fui.

- Tu não tava usando um moletom cinza.

- Tava. Tu tava lá?

- Tava.

- Nem te vi.

Pronto, estava tudo claro agora. No domingo, no encontro do Tropicali, de

repente chegaram duas meninas. Elas cumprimentaram algumas pessoas, outras

não. A "Misteriosa" e a "Bela Gauchinha" começaram a "largar indiretas". Eu não

estava entendendo muita coisa, mas no Café do Rock ficou esclarecido. "Lisa" não

se dá bem com "Emanuele", nem com "Misteriosa", nem com "Bela Gauchinha" e

nem com "Bela de Canoas". Entretanto se dá bem com outras amigas da turma. As

três últimas não foram na festa do "Augusto", mas foram na festa da "Isa".

Certa vez no chat ficou mais claro o tipo de relação que elas têm no grupo.

Alguém usando o nick "teste" entrou na sala e começou a ofender "Lisa". "Bela de

Canoas" e "Misteriosa" estavam presentes e, sarcasticamente, se manifestaram:

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...uma etnografia entre internautas. 147

teste fala com Lisa(*_*)!!!: ¤ SUA VADIA !!!

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Lisa(*_*)!!! : ¤ ARRUMOU UMA Fà PRA TI TB

teste fala com Lisa(*_*)!!! : ¤ MAL AMADA !!!

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Lisa(*_*)!!! : ¤ Ô BLZ....................... por isso que eh bom ser famosa

ISSO AUMENTA NOSSO IBOPE

Wafer De Prestígio fala com teste : ¤ VEM FALAR COMIGO AQUI VEM

M¡s†€r¡øså™Fåshiðn fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : ¤ UM Fà KE FALA AS

VERDADES.......KKKKKKKK

Lisa(*_*)!!! fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : me amam aqui... vc sabe cmo né... todo mundo quer tc

cumigu... hehehe

Cabelo reservadamente fala com Lisa(*_*)!!! : vem cá............tu tá tc com a bela di canoas...........mas

tu não te dá com ela né?

Lisa(*_*)!!! reservadamente fala com Cabelo : heheh ela se faz e eu me faço

Cabelo reservadamente fala com Lisa(*_*)!!! : muito interessante isso que acontece entre tu e as

"belas"........

Lisa(*_*)!!! reservadamente fala com Cabelo : a gente naum briga... Apenas naum se pecha muito...

mas a gente ta na boa na paz

Cabelo reservadamente fala com Lisa(*_*)!!! : não brigam, mas discutem no chat ... mas por que elas

te chamam de vesga????????????

Lisa(*_*)!!! fala com Cabelo : sou um pouquinhu... mas nem se nota ... eu nem noto hehehe

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...uma etnografia entre internautas. 148

O perfil da "POA B" O site da turma que freqüenta regularmente o chat "Porto Alegre B" foi criado

em abril de 2003. Ele foi idealizado e criado por um dos membros da rede, o

"Teddy". No início o site servia para publicar fotos dos encontros da turma, alertar

para os próximos encontros e divulgar algum texto pequeno de algum membro

(poemas, reflexões, etc.). Foi nessa época que comecei a me aproximar mais deles

e a participar dos encontros.

Em um dos encontros sugeri ao "Teddy" que fizesse uma seção no site que

divulgasse os perfis dos membros da turma. Ele gostou da idéia. Expliquei a ele que

o meu interesse particular era criar uma forma de obter informações sobre o perfil da

turma. Eu estava pensando em criar uma espécie de pesquisa quantitativa com

questionário de auto-preenchimento on-line. O interesse dele era criar mais uma

seção interessante para o site, algo que gerasse um maior número de acessos. Ele

queria que mais e mais pessoas acessassem o site da "POA B". Me coloquei a

disposição para trabalhar nessa nova seção.

Expliquei a ele que eu utilizaria um formulário digital na linguagem HTML61

com acesso on-line via Internet. Isso facilitaria muito para quem fosse preencher o

questionário, o que poderia ser feito a qualquer momento (de dia, de noite, ... ). A

princípio ele não entendeu muito bem a minha explicação, mas eu continuei. A

minha idéia era criar um questionário como se fosse uma página de Internet. Nesse

questionário estariam dispostas as perguntas para gerar o perfil da pessoa, assim

como o espaço para preencher com a resposta. Ao final haveria um "botão" para

"clicar" e enviar as informações. Elas seriam encaminhadas via e-mail para mim. Eu

receberia as informações (respostas às perguntas) e as editaria para dar um aspecto

visual melhor. Para cada membro da turma haveria uma página de Internet

apresentando o seu perfil. A edição serviria para ajustar o layout da página. Apenas

uma questão estética. Por exemplo, colocar a resposta logo a seguir da pergunta,

retirar espaços em branco, etc.

Para preencher o questionário a pessoa deveria acessar a página em que ele

estava disposto. Isso era feito através de um link no site da "POA B". Publiquei o

61 O Dicionário Aurélio Século XXI explica que "...o HTML vem do inglês "hypertext markup language", que significa 'linguagem de marcação de hipertexto'." É uma sigla que designa uma linguagem padrão para a escrita e formatação de documentos em hipertexto, na Web da Internet.

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...uma etnografia entre internautas. 149

questionário digital no meu espaço virtual, no meu site. Essa modalidade era mais

fácil do que, por exemplo, ter de enviar o arquivo para o "Teddy" para daí sim ele

publicar no espaço virtual dele, do site da "POA B". Da mesma forma ocorreria com

as páginas apresentando o perfil dos membros da turma.

Acertamos que caberia a mim fazer essa publicação no meu espaço virtual.

Novamente por uma questão de praticidade. O fato de colocarmos uma seção do

site da "POA B" em um espaço virtual diferente (outro provedor) não acarretaria

nenhum problema. Haveria um link no site do "Teddy" para conduzir a pessoa até o

questionário. O questionário iria ser acessado imediatamente, como se fosse uma

página qualquer do site da "POA B". Ao final do preenchimento o site da "POA B"

voltaria a ser acessado, imediatamente, sem precisar da interferência do internauta.

A partir daí os dados chegariam até mim via e-mail. Existe um tipo de

programação em formulários digitais que possibilita essa situação. Em alguns sites a

publicação de dados é automática. A pessoa responde à questionários ou se

cadastra para alguma promoção e imediatamente as informações são processadas.

Para isso também há uma programação especial, porém eu não a domino. "Teddy"

queria "uma coisa automática", mas expliquei a ele que a tecnologia que eu

dominava era mais "manual". Era preciso abrir os meus e-mails, copiar as

informações e colar em um arquivo que seria a página de perfil.

Cada arquivo de página de perfil estaria em formato HTML, individual, como

se fosse uma página de site para ser acessada sozinha, independente das demais.

Combinamos que seria dessa forma que iríamos trabalhar e acertamos a

continuidade do projeto. Primeiramente eu iria propor a ele um questionário.

Algumas questões ele queria colocar e pediu para que, antes que eu publicasse o

questionário final, o enviasse via e-mail que ele queria "dar uma olhada" e sugerir

algumas questões.

As minhas perguntas mostravam o interesse em explorar questões relevantes

sobre sociabilidade virtual. As dele mostravam seu interesse em criar um sistema

voltado ao site da "POA B" e seu grupo (Algo divertido que fizesse a pessoa acessar

mais freqüentemente o site e um meio de conhecer melhor os demais membros da

rede.). E também, como ele mesmo disse, divulgar detalhes pessoais para que

encurtasse a fase de conhecimento de novos membros da rede. Por exemplo, quem

quisesse saber um pouco da rotina de algum amigo da turma era só acessar a seção

"Galera" do site da "POA B".

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...uma etnografia entre internautas. 150

O questionário feito em conjunto está a disposição no CD-ROM. Assim que

ele foi definido o publiquei e "Teddy" colocou o link no site. A partir de então

começaram a chegar os questionários respondidos. Depois de passar pelas etapas

que citei acima (receber as informações e editar as páginas HTML), era preciso

publicar os arquivos. Para isso utilizei um programa de transferência de dados entre

computador pessoal e provedor. O nome do programa é FTP ("File Transferer

Program" - WS_FTP LE for Windows 95/98/NT (X86 Version)).

Eu ia recebendo as respostas ao questionário. O "Teddy" ia divulgando no

chat para irem respondendo à nova seção do site da "POA B", que a partir de então

foi chamada de "Galera". Diariamente eu recebia quase dez questionários

preenchidos. Quando acumulavam uns dez eu fazia o upload62 e publicava os perfis

no meu espaço virtual. No site da "POA B" "Teddy" colocou um link que dirigia a uma

página contendo a lista de quem já tinha respondido o questionário. Bastava clicar

no nick que era aberta a página contendo o perfil.

Antigos e novos

Naquela época o número de membros da rede da sala "B" girava em torno de

90. Não há como se ter precisão em relação ao número de membros de uma rede

de chat. Freqüentemente estão se aproximando novos membros ao mesmo tempo

que antigos estão se afastando. Muitas vezes algum membro está mais ligado a

algumas pessoas e não a outras. Existem os que vão a alguns encontros e em

outros não. Alguns passam algum tempo desaparecidos e de repente aparecem.

Também existem os "antigos" e os "novos".

Geralmente os que estão bem relacionados no momento se consideram "os

antigos". Os "novos" são os que recém começaram a fazer parte da rede, da turma.

Um dia eles também serão "antigos". Entretanto, somente entre os recém chegados

há essa possibilidade. Os "antigos" sempre chamam quem chegou depois de "novo".

Não importa se já faz um ano que a pessoa é da turma. Em relação a um membro

mais antigo da rede ela sempre será "nova". A situação em relação à turma é

relacional. Somente se é "novo" ou "antigo" em relação aos demais membros.

62 Expressão que significa transferir os arquivos contidos no computador pessoal para o provedor.

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...uma etnografia entre internautas. 151

É muito comum isso afetar o círculo menor de amizades: a "panelinha"63. Se

duas pessoas ingressaram na turma na mesma época, é muito comum virem a se

tornar amigas. Os "antigos" costumam se relacionar melhor com os "antigos". Os

"novos" se relacionam melhor com os "novos". Isso não impede que entre eles haja

vínculos de amizade. Porém, a rede menor (a panelinha) formada na rede maior (a

turma) tende a ser composta por semelhantes com mais afinidades.

No caso da antigüidade, a afinidade é o momento em que ingressou na rede.

Outras afinidades também geram o movimento de aproximação. Elas se baseiam

nos perfis das pessoas e seus estilos de vida. Fulano é mais amigo de Beltrano

porque gostam das mesmas coisas, por exemplo. Ou então moram e trabalham

perto. Ou ainda, gostam de freqüentar os mesmos lugares. Enfim, possuem capitais

cultural e econômico semelhantes. Fazer parte de uma "turma de chat" já carece um

conjunto de afinidades comuns às pessoas. Entretanto, dentro dessa turma existe

uma organização a partir das características que são ainda mais comuns,

específicas, subjetivas, de gosto e estilo. É apropriado pensar a respeito desse tipo

de organização a partir do conceito de espaço social proposto por Pierre Bourdieu

(1989).

A importância do perfil

A apropriação e movimentação no espaço social se dá em decorrência de um

perfil específico. A turma da "Porto Alegre B" tem um perfil. Ele é diferente daquele

da turma da "Porto Alegre A". Esse era diferente ainda do pessoal da "Conex". Em

outros chats existem turmas com características também diferentes. Ainda no

período de definição do grupo que seria pesquisado fiz contato com a turma do chat

"procura 30-40". Eram pessoas com mais idade. Outro tipo de poder aquisitivo,

outras aspirações na vida e outra relação com o chat. Uma turma de chat cultiva

hábitos comuns que garantem a ela a coesão necessária para atingir o status de

"grupo". Talvez as características básicas que propiciam o encontro no chat são:

horário e dia da semana que costuma acessar.

Na "Conex" havia "os do dia" e "os da noite". Na sala "A" o contato foi feito

mais freqüentemente no período da noite. Quem acessava naquele momento era um

63 Grupo geralmente pequeno e fechado. O termo é utilizado em sentido figurado e faz parte do conjunto de gírias da rede.

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tipo de usuário. Eles geralmente acessavam de casa, eram estudantes,

adolescentes e ainda sustentados pelos pais. Essa turma da sala "B" tem um perfil.

Os membros dessa rede possuem um estilo de vida, tanto nas vivências off e on-

line, que garante a eles compartilhar o mesmo espaço virtual de chat, no mesmo

momento. A partir daí existe uma condição para a aproximação, o cultivo da

sociabilidade e o surgimento de uma "turma".

Por isso é importante saber o perfil do grupo com o qual se está tendo

contato. Descrevê-lo significa tentar dar conta de questões comuns sobre a

sociabilidade virtual. Eu poderia tentar descrever o perfil da turma da sala "A", ou da

sala "C"... Porém o momento apropriado para tentar obter informações sobre perfil

foi com a turma da sala "B", com a qual o trabalho de campo foi mais longo inclusive.

Surgiu a oportunidade de investigar quantitativamente o perfil dessa turma porque o

processo de inserção já estava avançado.

Já havia sido feita uma aproximação com os "líderes" da turma e além disso,

o meio de obter as informações facilitou bastante (o questionário digital de acesso

on-line). O perfil da turma da sala "B" se refere exclusivamente à rede com a qual se

estava tendo contato. Havendo uma rede que utiliza a sala "B", mas em outro

horário, o perfil poderá ser diferente. É em decorrência de um perfil comum que

existe a possibilidade de existir uma rede. Pessoas com perfis e estilos de vida

diferente vão acessar o chat em momentos diferentes, ou então vão se interessar

por assuntos diferentes, ou ainda, vão acessar chats diferentes. O que

impossibilitará a geração de uma rede.

Qualitativo e quantitativo, questionário e universo

A descrição quantitativa de um grupo o apresenta de uma maneira peculiar.

As informações são agregadas e resumem preferências da coletividade. Existem

questões que somente com uma análise quantitativa são reveladas. Outras

necessitam de uma leitura baseada em informações qualitativas previamente

obtidas. Informações qualitativamente obtidas não substituem as quantitativas, nem

vice versa. Precisa haver uma união nas duas formas de análise. Apresentar a turma

da sala "B" deve ser feito, tanto descrevendo personagens e situações de convívio,

quanto descrevendo os gostos preferidos e as práticas mais comuns.

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O questionário utilizado para obter o perfil de cada membro da rede era

composto exclusivamente por "questões abertas". Nessa modalidade é permitido

escrever a resposta, sem uma pré-codificação. Na fase de processamento de dados

algumas questões tiveram suas respostas classificadas. Isso foi feito no sentido de

agrupar respostas semelhantes. Mesmo assim, também serão apresentadas

respostas na íntegra. Ao todo foram utilizados os perfis de 99 membros da rede.

Esse montante representa os 99 primeiros membros da rede que preencheram o

questionário. De acordo com "Teddy", a turma da sala "B" era formada por umas

noventa pessoas. Nos primeiros dias de funcionamento da seção "Galera" do site

todos os membros da turma responderam ao questionário.

A partir de um certo momento houve uma pausa no preenchimento, o que

significa que toda a rede já tinha preenchido seu perfil. Esse foi o momento de

estabelecer como limite ao número de perfis que seriam analisados. Os

questionários continuaram sendo preenchidos, mas em ritmo menos acelerado e

exclusivamente por membros "novos", que recém estavam ingressando na turma.

Esse também foi o momento de passar para o "Teddy" todo o sistema utilizado.

Passei a ele todos os arquivos e programas utilizados. Além disso o ensinei a

reprogramar o sistema e continuar atualizando a seção "Galera". Ser responsável

pela seção "Galera" proporcionou a obtenção de informações agregadas sobre o

grupo. Também possibilitou olhar o grupo de dentro, de algum lugar, como propunha

Bronislaw Malinowski (Pelto, 1979). E além disso, uma troca simbólica com o grupo,

uma dádiva trocada com "Teddy", um presente, um jogo de interesses...

Algumas questões puderam ter suas respostas agrupadas, já que eram

recorrentes. Outras questões não puderam ser agrupadas porque variaram muito.

No primeiro caso será apresentado a contagem das respostas e alguns exemplos

que ilustram as respostas formuladas. Para o segundo caso será feita uma análise

mais qualitativas dos dados. Serão trazidos aqui exemplos ilustrativos e casos

recorrentes e não recorrentes. O número total de casos é 99. Não é uma amostra e

sim um universo, já que pode ser considerado como o número de membros que a

rede possuía em maio do presente ano.

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A turma da sala B

No questionário do perfil era perguntado o nome e o nick. Alguns colocaram

somente o primeiro nome. Outros colocaram o nome inteiro. Entretanto, o nick

recebeu um carinho especial. Todos colocaram o nick da mesma forma que o

utilizam no chat. Acrescentaram os caracteres especiais e os detalhes da grafia, que

nesse caso está mais para um ícone, um símbolo, do que para um "apelido". Por

exemplo o caso do "Sorriso". Da forma como eu escrevi não é o mesmo "Sorriso"

que freqüenta o chat. O "Sorriso" que freqüenta o chat se escreve _.·´¯(_§örr¡§ö.

Outro caso ilustrativo é o da "Mari do Reggae". Da forma como eu escrevi não é a

correta e sim do jeito que ela utiliza: _*M@r!DuReGg@E*_. Para compor um nick

todos os caracteres possíveis são utilizados. Por isso é bom lembrar que nesses

dois casos o ponto ao final do nick é o ponto final da frase e não faz parte do nick.

Idade

A idade do internauta é um informação que freqüentemente é divulga em

pesquisas realizadas por institutos, tais como o IBOPE e o IBGE64. Basicamente, a

situação que eles divulgam é a seguinte: a Internet é utilizada em maior proporção

por jovens. Conforme Pierre Lévy nos conta65, foi justamente nesse segmento que

ela se difundiu mais rapidamente. No Brasil a Internet também é mais utilizada por

jovens. O reflexo disso está na maior apropriação do meio virtual por esse

segmento.

Nos chats, ICQ, MSN e demais "lugares" da Internet prevalecem os jovens.

Isso não impede, por exemplo, de existir salas de bate-papo dedicadas ao público

mais maduro. A sala "procura 30-40" do "Terra" é um desses casos. Ir a um encontro

dessa turma nos mostra algumas diferenças. O público tem mais idade. Os locais da

cidade escolhidos para os encontros fazem parte do circuito de pessoas com idades

superiores66. E ainda, a relação com o chat como lugar de sociabilidade é mais

estranhada67.

64 Regularmente eles divulgam esses dados em seus sites. 65 Em várias obras ele faz esse tipo de referência. Ver especialmente Lévy, 1999. 66 As casas noturnas são diferentes das freqüentadas pelos jovens. Além disso, são cultivados outros circuitos de lazer. 67 Prevalece uma descrição pessoal do período pré e pós início da utilização do chat. Normalmente a idéia é de que "antes se sentia sozinho e com o chat fez novos amigos".

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Os jovens parecem absorver com mais naturalidade essa modalidade de

convívio. Talvez porque cresceram vendo isso. As pessoas com mais idade lembram

do tempo em que nada disso existia. Referindo-se exclusivamente à rede da sala

"B", vemos que quase metade possui uma idade até os 20 anos. A grande maioria

tem idade até os 25 anos. Considerando toda a rede a média de idade fica nos 22

anos.

Nº % % acumulado Até 20 anos 49 49,5 49,5 Entre 21 e 25 anos 34 34,3 83,8 Entre 26 e 30 anos 12 12,1 96,0 Acima de 30 anos 4 4,0 100,0 Total 99 100,0

O que faz da vida (se trabalha, estuda)

Uma das perguntas feitas no questionário é bem apropriada para a reflexão

sobre a utilização no chat. Perguntava-se o que a pessoa "faz da vida", indicando se

trabalhava ou estudava. A maior parte da turma (73,7%) trabalha. Quase metade

trabalha e estuda. Esta situação está relacionada ao fato da turma escolher o

período da tarde para cultivar a sociabilidade no chat. Essa rede escolhe o período

em que está trabalhando para, utilizando o computador da empresa, acessar o chat

e encontrar os amigos. No início dos contatos com a turma essa situação já se

tornava um pouco clara. Agora, fazendo essa contagem, ela ilustra melhor. Nº % % acumulado Trabalha e estuda 45 45,5 45,5 Trabalha 28 28,3 73,7 Estuda 23 23,2 97,0 Nem estuda nem trabalha 3 3,0 100,0 Total 99 100,0

De onde "tecla"

Aqui novamente verificamos a relação entre sociabilidade, chat e trabalho. No

questionário foi perguntado de onde a pessoa "teclava". A interpretação a essa

questão teve uma variação entre local de acesso (se do serviço, de casa ou da

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faculdade) e entre região geográfica (cidade, bairro ou zona). Uma parte da turma

interpretou como se estivesse questionando sobre a primeira situação (39 pessoas

responderam entre serviço, casa ou faculdade). A outra parte (60 pessoas)

interpretou a segunda situação.

No chat é comum se perguntar "de onde está teclando", faz parte do processo

de conhecimento e busca de afinidades com a pessoa com a qual se conversa. A

grande maioria dos membros da rede é de Porto Alegre mesmo. Uma relação

aparentemente um tanto óbvia, já que estamos tratando da sala "Porto Alegre B".

Entretanto vemos que alguns membros são de cidades da região metropolitana.

No Terra há chats dedicados a estas cidades. Mesmo assim, algumas vezes é

possível ver no chat pessoas de outras cidades do Rio Grande do Sul, ou de outros

estados. Existe uma forte identificação com a região de onde se acessa o chat

(bairro ou zona da cidade). Muitas vezes, no chat, entra alguém procurando

conversar especificamente com uma pessoa de determinado bairro ou zona. Isso

mostra o quanto o desejo de uma aproximação face a face está presente. Além da

vivência no chat, busca-se um encontro físico facilitado pela aproximação

geográfica. Nº % Serviço 28 28,3 Porto Alegre 22 22,2 Casa 8 8,1 Jardim Leopoldina 5 5,1 Canoas 4 4,0 Zona Norte 3 3,0 Zona Sul 3 3,0 Esteio 3 3,0 Centro 2 2,0 Cachoeirinha 2 2,0 Casa e serviço 2 2,0 Bahia 2 2,0 Sarandi 2 2,0 Outros (apenas uma citação)* 13 13,3 Total 99 100 *Cavalhada; São Geraldo; Partenon; Cidade Baixa; Guaíba; Gravataí; São Paulo; faculdade; Sapucaia do Sul; Parque dos Maias; Restina; Cristo Redentor; Menino Deus.

Bebida preferida

Seguindo o espírito de entretenimento, perguntou-se no questionário qual era

a bebida preferida da pessoa. Era uma questão com resposta aberta. A pessoa

escrevia o que desejava. Por exemplo, houve respostas do seguinte tipo: "coca cola

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.. mais light que é pra manter a forma". Outras eram assim: "bebo tudo q tem alcool,

mas prefiro cerveja", e ainda "cerva, caipa,vinhu, alcool, gasol, diesel......". Pareceu

recorrente a preferência por bebidas alcoólicas. Talvez esteja de acordo com um

estilo jovem e boêmio cultivado de modo geral pela turma. Decidi medir o quanto era

a preferência por bebidas alcoólicas. O consumo de bebidas alcoólicas é bastante

difundido na turma. Os encontros são geralmente feitos em bares e boates. Existe

um espírito de "sair para beber".

Nº % % acumulado Prefere bebidas alcoólicas 50 50,5 50,5 Prefere bebidas não alcoólicas 39 39,4 89,9 Prefere tanto bebidas alcoólicas, quanto não alcoólicas 10 10,1 100,0 Total 99 100,0

Mesmo para quem prefere uma bebida não alcoólica existe a possibilidade de

tomar uma cerveja: "um bom suco natural, refizinho, e lá de vez enquando uma

cevinha bem gelada........". Aliás, essa foi a bebida mais citada entre os membros da

turma. A contagem a seguir apresenta o número de citações de bebidas. Cada

resposta podia apresentar mais de uma bebida preferida. Nº % % acumulado Cerveja 29 20,1 20,1 Água 15 10,4 30,6 Suco 15 10,4 41,0 Vinho 14 9,7 50,7 Coca-Cola 13 9,0 59,7 Whisk 10 6,9 66,7 Tequila 9 6,3 72,9 Caipirinha 9 6,3 79,2 Refrigerante 6 4,2 83,3 Cachaça 5 3,5 86,8 Wodka 4 2,8 89,6 Martini 3 2,1 91,7 Abscinto 2 1,4 93,1 Outros (apenas uma citação)* 10 7 Total 144 100,1 *Keep cooler; Guaraná; cuba; pepsi; champagne; Polar; capeta; Rum; Smirnof; Sprite

O assunto "bebida alcoólica" muitas vezes surge em meio a conversas de

chat. Isso nos faz pensar o quanto a idéia de "sair para beber" faz parte do estilo dos

membros da rede. Em seguida temos um fragmento de conversa no chat que ilustra

essa situação. "Mulherão" e "Dom Lúcifer" estavam conversando sobre um assunto

qualquer e de repente a bebida surgiu na conversa. Em seguida os dois começaram

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a conversar com "Aprendiz de Cafajeste". Ela lamenta que não poderá ir ao encontro

da praia, ele sugere que se encontrem em algum bar para combinarem.

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø : ☺ mas sempre qdu olho sempre

falu..bãaa parece q to vendu o Julio..ahahahaha

Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : Amada... por essa declaração te pago

uma CEVA na kinta no MANARA

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø : ☺ ceva nada, kero uma

Tekila..ahahahahahahahaha

Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : ARRRIBAAAAAAAAAAA.....MULHER

TEKILAAAAAAA

Lord of Ilusions fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : absinto...absinto..absinto

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Lord of Ilusions : ☺ tekila..tekila..tekila...

(...)

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Aprendiz D'CaFaJeStE : ☺ ahh fazem as caipiras em minha

homenagem..ahahahahaha

Ðøm £ú¢¡fër™T¡n¡nhø fala com Aprendiz D'CaFaJeStE : Vamu se encontra Kinta em algum BUTEKO

pra skematizar essa Praia direitinho!!! hehehe

Tipo de música preferida, banda...

Outra pergunta feita no questionário era sobre a preferência musical. Em

vários momentos no chat ficou claro que conversas e discussões eram feitas em

torno desse assunto. A preferência musical é uma outra característica que pode

significar afinidades comuns e a possibilidade de estabelecimento de uma relação

de amizade. As panelinhas formadas dentro da rede muitas vezes são organizadas

a partir da preferência musical. Tem o pessoal do reggae, o do metal, os que

"gostam de tudo" e assim por diante. O Reggae, o Rock e o "gostar de tudo" são os

estilos bem difundidos entre os membros da turma. A contagem a seguir mostra o

total de citações feitas. Cada resposta podia ter mais de uma citação. Em torno da

metade das citações formam dedicadas para, além dos três estilos citados acima,

Pagode, a banda Reação em Cadeia, Pop Rock, o cantor Bob Marley (relacionado

ao estilo reggae), Dance e Música Popular Brasileira.

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Nº % % acumulado Reggae 27 11,4 11,4 Rock 24 10,2 21,6 Tudo 21 8,9 30,5 Pagode 12 5,1 35,6 Reação em Cadeia 10 4,2 39,8 Pop Rock 9 3,8 43,6 Bob Marley 7 3,0 46,6 Dance 6 2,5 49,2 MPB 6 2,5 51,7 Hip Hop 5 2,1 53,8 RAP 5 2,1 55,9 Chimarruts 4 1,7 57,6 Legião Urbana 4 1,7 59,3 Metallica 4 1,7 61,0 Techno 3 1,3 62,3 Forró 3 1,3 63,6 Funk 3 1,3 64,8 heavy metal 3 1,3 66,1 Outras (com duas citações)** 34 14,0 Outras (com uma citação)* 46 20,0 Total 236 100 **Anos 80NatirutsCPM 22RushRed HotHardcoreU2Bluessurf musicAcústico reggaeSambaTribo de JahArmandinhoNirvanaMaskavoGuns'n RosesAxé *Trace; Snoop Doggy; Revelação; World Music; Heavy melódico; Trash; Metal; Canamaré; Doom Metal; O Rappa; Fugees; Soul; Alice in Chains; musica eletrônica; Mc Serginho; Grunge; Paradise Lost; Blackmusic; House; Tribalistas; Dr. Dre; Creed; Gothic Metal; Brega Music; Planta e raiz; Led Zeppelin; Jazz; Lacuna Coil; Zeca Pagodinho; Audioslave; Theater of Tragedy; Alanis Morissette; Fundo de Quintal; Aerosmith; Nightwish; Titãs; Angra; Punkrock; The Police; Planet roots; Eminen; Capital Inicial; leão de juda; Pato Fu; To Die For; Pearl Jam; Gaúchas.

Onde costuma ir em Porto Alegre

Na pergunta sobre o lugar onde costuma ir em Porto Alegre, mais da metade

da rede citou algum lugar. A resposta podia ser múltipla, como nesses casos: "à

noite: Goeth, dia: Parques e Shoppings"; ou então "Barzinhos ,Encouraçado , Liquid

, Manara , Dado , Redenção , Parcão , Shopping". Alguns membros indicaram

apenas um lugar: "Chalaça em Ipanema"; "Território da Paz". Uma outra parte da

rede não indicou nenhum lugar. Vão a qualquer lugar que convidarem, ou então

onde a turma do chat for: "AONDE O PESSOAL DO CHAT FOR"; " vou onde o povo

da sala está.....iihihihiih"; "aonde o pessoal da sala B estiver"; " por aí".

Nº % % acumulado Citou algum lugar 52 52,5 52,5 Sem preferência, não citou nenhum lugar 39 39,4 91,9 Não costuma sair 8 8,1 100,0 Total 99 100,0

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Fazendo a contagem de todos os lugares citados podemos ter idéia dos mais

populares entre a turma da "POA B". A casa noturna Manara e a Avenida Goethe

foram os lugares mais citados (26 citações). É interessante lembrar que o Manara se

localiza na "Goethe". Essa avenida concentra uma série de bares e casas noturnas e

é freqüentada principalmente por jovens porto-alegrenses aos finais de semana. O

Bar Opinião também foi bastante lembrado. Fazendo o mesmo raciocínio feito em

relação ao conjunto Manara/Goethe, podemos somar as citações de "Lima e Silva"

(Rua General Lima e Silva) e Opinião (total de 17 citações).

O Opinião não fica exatamente na Rua Lima e Silva, fica na José do

Patrocínio, que é uma rua paralela, porém ele faz parte do mesmo circuito de bares

noturnos do bairro Cidade Baixa. O mesmo número de citações (17) receberam os

parques Moinhos de Vento - Parcão e Farroupilha - Redenção. A contagem mostra a

distribuição de locais citados. Essa contagem revela uma preferência maior por

certos circuitos da cidade.

Se destacam três circuitos: 1º) o da "Goethe", incluindo aí o Manara, o Café

do Rock, o Rose Place; 2º) o da "Lima e Silva", incluindo aí o Opinião, o Bar Copão

(que geralmente serve de ponto de encontro da turma); e 3º) o dos parques,

incluindo aí o Parcão e a Redenção. Se considerarmos que a Redenção fica próxima

à "Lima e Silva", e o Parcão fica próximo à "Goethe", então temos dois circuitos.

Cada um deles oferecendo espaços de lazer para cada fase do dia (pela noite nos

bares, durante o dia nos parques).

A resposta individual de cada membro da rede vai de encontro com a

preferência da turma em escolher locais para seus encontros. Geralmente eles são

realizados nos circuitos mais citados. Semanalmente, parte da turma (já que sempre

alguns faltam) se encontra no Bar Copão. Esse talvez seja o tipo de encontro mais

simples: diário, de dia de semana, de beber algumas cervejas, de não se arrumar

muito... Quando o encontro é mais "elaborado", então ele é realizado geralmente no

circuito da Avenida Goethe. Muitos encontros já foram realizados no Rose Place e

no Manara. Muitos membros da rede escolheram esses locais para comemorarem

seus aniversários. Eles convidam a turma do chat e realizam um encontro para

comemorar o aniversário de alguém. Outras vezes os encontros são mais

"elaborados" mas não se relacionam com o aniversário de ninguém. O leitor pode

lembrar que o aniversário da "Isa", por exemplo, foi realizado no Manara e reuniu

muitos membros da rede.

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...uma etnografia entre internautas. 161

Nº % % acumulado Manara 14 8,4 8,4 Goethe 12 7,2 15,6 Opinião 11 6,6 22,2 Parcão 9 5,4 27,5 Redenção 8 4,8 32,3 Shopping 8 4,8 37,1 Bares 7 4,2 41,3 Lima e Silva 6 3,6 44,9 Encontros da turma 6 3,6 48,5 Dado Bier 6 3,6 52,1 Rose Place 5 3,0 55,1 Liquid 5 3,0 58,1 Café do Rock 5 3,0 61,1 Chalaça Bar 5 3,0 64,1 Café do Prado 4 2,4 66,5 Santa Mônica 4 2,4 68,9 Copão 3 1,8 70,7 Alternativo 3 1,8 72,5 Outras (com duas citações)** 24 14,2 Outras (com uma citação)* 22 13,2 Total 167 100 **Strike; Tropicali; Se Acaso Você Chegasse; Território da Paz; Allambik; Kauai; Elo Perdido; Barba Azul; Pedigree; Tri Pastel; Gasômetro; Factory. *Bar do André; Fashion; Enigma; Tear; Evolução; Eletric; Cinema; Astória; Sogipa; Arkibari; Calçada da Fama; Parque Marinha do Brasil; Encouraçado; Imperadores e Bambas; Postinho; Trivial; Ipanema; Sttutgart; Cia. Do Sanduíche; Caberé Voltaire; Carinhoso; Discovery. A discussão sobre qual é o melhor lugar para se fazer um encontro da turma,

muitas vezes, surge no chat. Alguém sugere a idéia de realizar um encontro. Alguns

dos circuitos preferidos da rede são cogitados. É preciso então argumentar sobre

qual seria o melhor a utilizar. Em seguida há um fragmento de conversa feita no

chat. Eles estão combinando um encontro de turma e ficam negociando sobre em

qual dos dois principais circuitos da rede (Goethe ou Lima e Silva) vão se encontrar.

GaúchoRS\1.95\24anos fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : E aí Vanessa, vamos dançar um

vaneirão hoje no MANARA?

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : ☺ AEEEEE PESSOALLLLL VAMU SE ENCONTRA

AMANHAAAAAAAAAA

GaúchoRS\1.95\24anos fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : Tudo bem......vamos combinar com a

turma....Aí eu vou com certeza

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Lord of Ilusions : ☺ VAMU MARCA NA GUETHI EH

MELHOR..EHEHE

Lord of Ilusions fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : naum...snif..é longe daqui

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Lord of Ilusions : ☺ ahh mas lah eh tri....showwwwwww

Lord of Ilusions fala com M¡ch룡ñhå do Ziggy : a minha queridinha Nessa quer fazer na

Goethe...mas Goethe é ruim

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 162

Lord of Ilusions fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : quem sabe a Tortaria na calçada da fama...ou

liliput

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Lord of Ilusions : ☺ vamu faze na Guethi como foi na semana

passada, tava showwwwwwwwwwwwwwwwwwww

Lord of Ilusions fala com Gåmb¡†µ§™ : me ajuda manéh...querem transferir pra goethe....

Gåmb¡†µ§™ fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : ☺ nessa, q tal na lima? é mais chalaça...

Gåmb¡†µ§™ fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : ☺ goethe eh bala, mas tem q mudá às vezes... =)

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Gåmb¡†µ§™ : ☺ humm prefiru a Guethi..mas sei lah..vamu ver

com o pessoal...

Lord of Ilusions fala com Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ : naum....snifff....no mesmo lugar é chato...e naum

posso ir no tropicali..ja pensou se formos sequestrados????hehehehee

Mµlhëråø*TµdøD¡ßåµm™ fala com Lord of Ilusions : ☺ ahahaha entaum vamu p Lima e era isso

Quando decidem onde será realizado o encontro alguém se responsabiliza

por fazer a divulgação no chat. Muitas vezes mais de um membro da turma faz a

divulgação. Quem estiver acessando a sala vai divulgando, como "Beta Sprite" fazia

certa vez:

°*B¢ta°Sprit¢*° fala com Cabelo ¤ ******ENCONTRO DO PESSOAL*********AMANHà QUARTA FEIRA- DIA 30/04 ÀS 19H TRI PASTEL (do lado do tropicali NA GOETHE) QUEM VAI???Confirmados: F¢F¢°Sprit¢ .... S¢¤rp¡øn™ O Original__...B¢ta°Sprit¢........Lisa (*_*) !!! ...Gåmb¡†™ ... Gabi ké céva ....*BOB* O Tarado!....Totoso Ipanema ...__.....Dom Lúcifer...... _*€Månµ€LL€*_™... ŵgµ§†ö Só Seu !!!....Eddie Vedder....35CTG.....Dom Casmurro.... Aprendiz D'CaFaJeStE..FERNANDO..Strelinha.... M@G@LP@TINHOfeio.. ESCORPIÃO REI...kem mais????????????__ Entretanto, após alguns meses, o trajeto da "Goethe" já estava se tornando

cansativo. Certo dia "Aprendiz de Cafajeste" estava tentando organizar um encontro

em outro local que não fosse o Manara. É interessante notar no diálogo entre ele e

"Stephen Marley" duas questões envolvidas na organização dos encontros: o preço

e a quantidade de pessoas. Quando o encontro é organizado no Copão o número de

participantes é bem maior, já que se pode participar sem gastar nada. Nesse caso o

local possibilita que a turma se organize na rua, em frente ao bar. Os encontros em

casas noturnas geralmente envolvem menos pessoas, já que é preciso pagar

convite, consumação, etc.

Aprendiz XoNaDo fala com Stephen Marley : ø VAMO NO BARBA AZUL SABADO??

Stephen Marley fala com Aprendiz XoNaDo : Vamos......

Aprendiz XoNaDo fala com Stephen Marley : ø VO LARGA AMANHA CONVITE NA SALA PRA

VARIAR UM POKO...CHEGA DE MANARA

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...uma etnografia entre internautas. 163

Stephen Marley fala com Aprendiz XoNaDo : Concordo...Mas o barba é 28 reais.....a galera nào vai

querer ir...Eu vou lá direto com o Rhaoni....o Rhaoni adora esse lugar!!!! Ele vai curtir a idéia...

Aprendiz XoNaDo fala com Stephen Marley : ø SE BEM QUE ATE EH BOM IR POKA GENTE, TU

VIU QUE A GENTE SE DIVERTE MAIS

Onde está se não está no chat

Talvez essa questão mostre um pouco da relação do freqüentador do chat

com suas demais atividades. Como já foi visto, muitos membros da turma acessam a

Internet e o chat do local de trabalho. Nada muito estranho de se esperar que, se

não estão no chat, estão trabalhando, como responderam 27 pessoas. Alguns casos

mostram uma forte relação com os meios de comunicação, já que mesmo não

estando no chat, estão na Internet (ou no ICQ, ou no MSN, ou em outros sites), ou

estão no telefone, ou vendo televisão, ou ainda, "sempre" estão no chat.

Nº % % acumulado Trabalhando 27 27,3 27,3 não respondeu 17 17,2 44,4 com os amigos 9 9,1 53,5 Trabalhando e estudando 8 8,1 61,6 Estudando 6 6,1 67,7 Praticando esportes 5 5,1 72,7 em casa 4 4,0 76,8 Icq 4 4,0 80,8 msn 4 4,0 84,8 sempre no chat 3 3,0 87,9 Trabalhando ou estudando 3 3,0 90,9 Dormindo 3 3,0 93,9 com os amigos do chat 2 2,0 96,0 Telefone 1 1,0 97,0 em outros sites 1 1,0 98,0 Praia 1 1,0 99,0 vendo tv 1 1,0 100,0 Total 99 100,0

Momento de acesso ao chat

Essa questão é uma das mais importantes e reflete uma condição crucial para

se formar uma rede de chat: o horário de acesso. Sabemos, por exemplo, que

algumas vezes mesmos locais da cidade são freqüentados por diversos grupos,

tribos, gangues, pedestres, moradores, etc. O que faz com que eles consigam se

apropriar daquele espaço e não interfiram na vida dos outros grupos (algumas vezes

até podem vir a interferir) é o momento da ocupação.

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...uma etnografia entre internautas. 164

O cruzamento de dados a seguir mostra o momento em que a rede mais

freqüenta o chat, que é de segunda a sexta no horário comercial/tarde/almoço.

Quase metade dos membros da rede somente acessa nesse momento. Essa

situação está relacionada ao fato de grande parte deles acessar do local de trabalho.

Uma boa parte das pessoas acessa o chat com menos rigidez de horário. São

aqueles que acessam o chat inclusive de casa. Nesse caso podem utilizar o período

da noite, ou finais de semana e feriados.

Comercial Noite Variado Não informou Total De segunda a sexta 42 3 2 47 Sábado ou domingo 1 7 8 Qualquer dia da semana 5 8 25 38 Não informou 6 6 Total 47 12 34 6 99

Quantos dedos usa para "teclar"

Essa questão foi formulada por "Teddy". Ela seguia o clima bem humorado do

questionário. Entretanto, a sua contagem pode ser pensada como um panorama da

relação homem e máquina. Atualmente muito se fala sobre a "alfabetização em

informática". Muitos são os projetos sociais que buscam ensinar informática para as

pessoas oriundas das camadas menos favorecidas da população. Fala-se

atualmente em uma "inclusão na informática". Logicamente, para participar do

"mundo da informática" é preciso ser iniciado em conhecimentos, no mínimo

básicos, desse meio.

Com a difusão dos computadores pessoais em locais de trabalho, escolas e

lares estreita-se a relação homem-máquina. Nessa relação surgem maneiras de

pensar, agir e raciocinar que estão estreitamente ligadas à essa tecnologia. Basta, a

título de exemplo, pensar na relação homem-televisão, homem-telefone, homem-

automóvel... O advento de cada uma dessas tecnologias acarretou inclusive o

surgimento de novas técnicas corporais. A intenção aqui não é querer ser tecno-

reducionista. Porém é verdade que assistir televisão requer uma postura. Se

comunicar via telefone condiciona um conjunto de gestos corporais específicos.

Guiar um automóvel requer um aprendizado, um conjunto de reflexos, uma lógica de

trânsito... Algo semelhante acontece na relação entre homem e computador.

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...uma etnografia entre internautas. 165

Além de ser necessário saber utilizar o mecanismo (pensar na lógica dos

arquivos, pastas, programas, hardware, etc.) é preciso desenvolver uma técnica

corporal adequada com a lida no computador. Por exemplo, para operar o mouse é

preciso desenvolver uma coordenação motora na mão para adequar o movimento na

superfície plana (a mesa) com o movimento do prompt (seta) na tela do monitor.

Além disso é necessário saber quando se utiliza um botão ou outro. Ora se "clica" no

botão esquerdo. Ora se utiliza o botão direito. Ora se clica duas vezes. Ora se clica

apenas uma vez. Tudo é isso é muito complexo e requer habilidades motoras e

corporais específicas e treinadas. O mesmo que acontece com o teclado.

O sistema comunicacional entre homem e computador é, atualmente,

basicamente o escrito. Os programas são todos organizados em "linhas de texto".

Mesmo que haja uma facilidade proporcionada pelos ícones e indicações visuais, em

algum momento será preciso "escrever" via teclado. Para mandar o computador

fazer algo é preciso, ou "clicar" em algum lugar, ou escrever alguma coisa. Talvez no

futuro o computador obedeça a ordens sonoras emitidas via voz do operador. Daí

serão desnecessários os periféricos atuais: mouse e teclado. Outras posturas virão.

A comunicação via chat é essencialmente textual. É preciso escrever. E para

escrever é preciso utilizar o teclado. Da mesma forma que na comunicação oral é

preciso ter uma habilidade motora e desenvoltura com a voz (o ato do falar,

pronunciar as palavras, construir orações, expressar idéias...), na comunicação

escrita é preciso "saber escrever". Nesse "saber escrever" está inserido o domínio

da codificação da língua e o domínio da técnica de expressar essa língua. Não vou

entrar no primeiro ponto, que se refere ao domínio do português e sua reconstrução

via "chatonês", já abordado. Vamos pensar no segundo ponto: o domínio da técnica

de expressar a língua.

Nesse caso estamos diante do domínio da técnica de escrever via teclado. É

preciso ter uma familiaridade com esse equipamento para que se converta em

agilidade na construção da mensagem e envio ao destinatário. Trocando em miúdos,

para estar na sala de bate-papo virtual é preciso dominar a técnica de escrever no

computador via teclado, o que significa utilizar satisfatoriamente bem os dedos. Não

é regra, mas quanto mais dedos são utilizados na digitação, mais rápido se escreve.

Para praticar melhor a sociabilidade virtual em chat é preciso ter essa agilidade.

Tudo isso nos faz pensar sobre o surgimento, no sentido proposto por Marcel

Mauss (1974), de uma técnica corporal adequada à prática da sociabilidade em chat.

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...uma etnografia entre internautas. 166

Isso pode ser facilmente observado na relação da pessoa com o mouse e com o

teclado. Junto com o avanço da informática podemos, talvez, perceber uma maior

familiaridade com a máquina. O que faz com que cada vez mais se digite bem, com

vários dedos das mãos. Não está sendo proposto uma relação entre causa e efeito.

Apenas pretende-se refletir sobre a associação entre o avanço de uma tecnologia e

a elaboração de uma técnica corporal adequada.

A contagem a seguir mostra a distribuição das respostas dos membros da

rede em relação à questão dos "quantos dedos usa para teclar". Mais da metade

respondeu que utiliza entre 8 e todos os dedos das mãos. Talvez alguns tenham

respondido entre oito e dez para mostrar que dominam a técnica: "SEI LA ACHO

QUE TODOS!(PUTZ!KD PRGUNTINHA!!)"; "Todos da maum...hauhauahua"; " Acho

q uns 4 de cada mão"; " todos ou melhor menos os minguinhos".

Por outro lado, não há porque ficar com vergonha em utilizar poucos dedos,

conforme a expressão popular "catar milho": "dois"; "2 dedos...."; "4 - boa essa!!!!!!!!";

"dois ou tres"; "sei lá uns 4 .. graças a deus naum cato mais milho..". Em alguns

casos a pergunta possibilitou respostas bem humoradas: " TODOS...POIS NAUM

OS TIRO PARA TC............"; "podem não acreditar mas uso os 10 dedinhos";

"quantos eu conseguir"; "os 20! uhauhauhahuauhauha... meus 10 dedos! DUH!".

Nº % % acumulado 10 dedos p/ teclar 38 38,4 38,4 9 4 4,0 42,4 8 15 15,2 57,6 6 8 8,1 65,7 5 5 5,1 70,7 4 6 6,1 76,8 3 3 3,0 79,8 2 6 6,1 85,9 1 2 2,0 87,9 Não respondeu 12 12,1 100,0 Total 99 100,0

Mora com quem

A questão do morar com quem está associada com a faixa etária

predominante dos membros da rede. A maioria deles tem idades até os 25 anos.

Algumas pesquisas sobre o perfil da população mostram que atualmente os jovens

demoram mais para "sair de casa" e irem morar sozinhos ou com parceiros.

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...uma etnografia entre internautas. 167

Nº % % acumulado Mora com a família toda, ou algum familiar 81 81,8 81,8 Mora sozinho ou com parceiro (a) 11 11,1 92,9 Mora com não familiares 7 7,1 100,0 Total 99 100,0

Primeira pessoa que conheceu na sala "B"

Essa questão revela um pouco sobre a antigüidade de alguns membros da

rede. O grupo que recebeu duas ou mais indicações também é aquele que, em

conversas nos encontros, reivindica a "antigüidade na POA B". Eles são o "pessoal

da antiga" e por isso acabaram sendo os primeiros contados de uma série de outros

membros. É interessante notar que muitos nem se lembram com quem se

comunicaram pela primeira vez na sala "Porto Alegre B".

Nº de indicações Não lembra 22 Isa 4 Sorinha 3 Mulherão 3 Dom lúcifer 3 Aprendiz de cafageste 3 Xandi batman 3 Lindinha 3 Bella gauchinha 3 Scorpion 2 Ani 2 Augusto 2 Tony 2 Todos 2 Vitor 2 GabIrU 2 Dreifuss 2 ZiggyMarley 2 Outros (uma citação)* 34 Total 99 *planeta da maconha; lisa; malukinha; loka; jogado ao vento; diabinha; samantinha; menina uleka; brincando de turista; kilindinha; diabinha; baby; sul nativa; fred; carol; michelinha; garota superpoderosa; yakuza; aninha; gambit; Maskavo H 16; bella di kanoas; izabella; emanuelle; planta da maconha; The Search; menina voadora; maconheiro; drácula; gatinha du bom; lobinhu; capetinha; fefe sprite; anjinha; dani.

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...uma etnografia entre internautas. 168

Como ingressou na rede

No questionário também era perguntado sobre como tinha sido o ingresso na

rede de amigos do chat. A questão era a seguinte: Como foi quando começou a

entrar na sala B? (mais ou menos a data, como foi parar na B, as primeiras pessoas

a conhecer no chat, os primeiros encontros...). Apenas algumas pessoas não

responderam essa questão. Poucos responderam apenas a data. A grande maioria

narrou o momento pessoal, os motivos, quem conheceu primeiramente... Essas

informações devem ser lidas qualitativamente. Uma tentativa de classificar e

apresentar contagens gerais acabaria tirando a riqueza das respostas.

Entretanto, podemos perceber quatro idéias recorrentes: a) que entrou na

rede por que não tinha mais nada para fazer; b) que foi "sem querer" que acabou

entrando na rede; c) que entrou na rede por influência de alguém; e, d) que está na

rede porque retornou ao grupo, ou voltou a freqüentar o chat. As respostas na

íntegra são apresentadas no CD-ROM. Aqui são apresentadas as que ilustram os

quatro pontos recorrentes.

Nada para fazer Gabi ké céva di novo...: Mais ou menos fim de março/2003... Naum tinha nada pra fazer e resolvi

experimentar esses chats... caí na sala B e gostei...

Do Surf: Foi porque tinha um coléga meu que ficava no chat o dia inteiro.....aí eu não tinha nada para

fazer e resolvi entrar também....perguntei em que sala que ele estava e fui para na B.....mais ou

menos isso.

Sem querer Cåpe ¡nhå Ðu Chå: Bem faz mais ou menos 1 ano. Estava fazendo um curso de computação dai qdo

começei explorar a internet, procurei Cidades Porto Alegre, como a sala A estava lotada entrei na

B.......conheci 1º a AMANDINHA ela nem entra mais hj em dia........dai marcamos o 1º encontro em

uma pizzaria.....foram Eu, Menina Voadora, Bob, Eddie Vedder, e o Tony. Estava bem legal.....dai

começamos a marcar a vim mais gente e virou nisso.....risos

Gårøtå_$µÞërÞødërø$å: Comecei a entrar acho q foi em novembro de 2002...fui parar na sala B por

acaso, até pq naum entendia muito destas coisas de internet (sou loira, dá um desconto)...daí

comecei a tc com o pessoal e achei bem diferente e de lá pra cá virou quase um vício...

»¤»Ñµñø_Løkø «¤« ou »¤»Ñµñø_§µrf«¤«:bah.. faz uma cara.. mais de 1 anos.. entrei assim do nda,

sem kerer.. i axei um monte de mina tri.. ai fikei por la mesmo... mas axo q vcs naum conhecem

elas...

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...uma etnografia entre internautas. 169

Influências deBelém Novo: o Rick que me aconselhou a entrar na sala B...

ESCORPIÃO REI: Quando eu comecei a entra na POA B(segunda feira),o 1º a fala comigo foi o

Aprendiz de Cafajeste,depois eu comecei a tc com o Ziggi Marley e com o résto da galéra,dai no

mesmo findi teve a festa de aniver da ISA,do Skate(ele acabo não indo na festa) e depois eu comecei

a tc com todos no chat e ir em todos os encontros.

Retorno ZORRO®:Faz uns 3 anos eu acho..num sei...putz..fui em alguns encontros e começei a conhecer a

galera...ai fiquei um tempo afastado..(namorada, sabe como é)..e a um tempo estou de volta a ativa!

¤Jøhññ¥ ß. GøøÐë¤:foi a 1 ano i poko, entrei la d primeira pq a a tava lotada!!jah passei por varias

galeras nessa sala!!teve um tempo em q eu parei d entra tbm!!varias q eu conhecia ñ entravam mais

dai eu sai um poko i agora voltei!!!

GäRöTä Dë IpäñëMä: Bah, foi lá pelo mes de Dezembro de 2001, dai fiquei um tempo sem entrar, dai

voltei, dai fiquei mais um tempo sem entrar, agora voltei de novo, mas para ficar e com nick

diferente... para inovar!!!

Chat que freqüentava antes de ingressar na rede

Assim como na questão anterior, aqui não será apresentada uma contagem

geral de salas mais citadas. Pretende-se manter a riqueza da resposta e dar voz ao

membro da rede que respondeu sobre o chat que freqüentava antes de ingressar na

"POA B". O conjunto de todas as respostas é apresentado na íntegra no CD-

ROM.

Existe uma multiplicidade de trajetórias. Muitos freqüentavam anteriormente a

sala "A". Entretanto, também há os que vieram de outras salas do "Terra", ou que

vieram de chats de outros provedores, ou ainda, os que não tinham preferência por

nenhum chat. Mas como tudo na vida sempre tem um início, também existem os

casos em que a pessoa tem na rede da "POA B" o primeiro ingresso no mundo da

sociabilidade virtual.

Acessava qualquer sala de bate-papo antes de entrar na Porto Alegre B S¢¤rp¡øn O Original: entrava em qualquer uma com qualquer nick

(Teddy Bear): entrava em qualquer uma..... era só pra avacalhar mesmo.....

Guria da Reação*:Quase todas... as menos avacalhadas de preferência...

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Somente acessou a Porto Alegre B Gabi ké céva di novo...: naum entrava... nasci na sala B... hehehehehehe

GäRöTä Dë IpäñëMä: B

jogado ao vento / Miltinho (tm): sempre a B

Acessava outras salas de Porto Alegre gatinha gostosa_ =^.^=: qualquer uma de PoA.... pq gosto tipu di mi encontra cum os kara ou fala

tipu...das festas q taum roloandu aki!

Smurfete: Entrava na sala A

Bruxinh@: Porto Alegre C

Acessava outras salas do Terra ^¤^Mënïnå Vøådørå^¤^: tinha uma turma muito legal na sala de sexo,mas por causa da fofoca e

intriga ela se acabou... hoje ainda tem algum povo da antiga andando por lá

bruxa: no terra, sala por idade (40-50), sala cidade (Rio de Janeiro)

Sorinha44: salas de idade

Billy:cultura terra

Acessava outras salas, de outros provedores Loira@21:salas da Bol e Yahoo

NEO...: na sala da minha terrinha ,,hehe,,,,Rosário e da UOL Uruguaiana

Infielmentesua: Frequentava xat do Bol

O que mudou na vida

O membro da rede também foi instigado a refletir sobre o que mudou na sua

vida a partir do momento que começou a freqüentar o chat. A pergunta no

questionário era a seguinte: "O que mudou em tua vida quando começou a entrar na

B?". Grande parte das respostas foram extensas e contam detalhes ricos sobre a

relação da pessoa com o grupo do chat. Novamente é necessário acompanhar as

respostas por inteiro para sentir melhor a idéia passada. O conjunto de todas as

respostas são apresentadas no CD-ROM. Alguns casos ilustrativos são trazidos

aqui.

Em cada resposta podemos perceber uma variação entre dois pólos: o

"mudou nada" e o "mudou tudo". Também há uma variação entre a euforia da

vivência com a turma do chat e uma certa decepção (um certo desânimo). A primeira

variação está presente tanto nas respostas dos membros "antigos", quanto dos

"novos". Já a segunda relação está mais associada à antigüidade do membro. A

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euforia está mais presente entre os "novos", já o desânimo é percebido junto aos

"antigos".

S¢¤rp¡øn O Original: conheci muitas pessoas, fiz muitas amizades, algumas inimizades, tive uns dos

aniversários mais bagunçados da minha vida. Ando me decepcionando ultimamente, mas creio q

passa logo, eu espero.

(Teddy Bear): o que mudou??? bah.... fiquei viciado nesse troço..... credo..... o pessoal aqui do

trabalho é que sabe..... :o)

GäRöTä Dë IpäñëMä: Bah, muito rolo aconteceu, briguinhas, mas também novas amizades, umas

das quais jamais vou esquecer... e também a apurtunidade de conhecer o meu namorado

(atualmente é EX) o Beto_ChiMaRrUtS, ele entrou uma vez na sala B como quem não queria nada,

começamos a tc, nos conhecemos e deu no que deu... namoro!!! Mas acabou, como todos já sabem..

"Tudo que é bom, dura tempo suficiente para ser I N E S Q U E C I V E L..."

Cåpe ¡nhå Ðu Chå: Tudo, estav em uma época mto difícil, esatva separada a pouco tempo e não

tinha mtos amigos, foi ideal......ter encontrado a galera

Ani: Apos alguns meses de Anonimato hj sou a Ani,(grande coisa)quase anonima.

« Ðrácula »: QUASE TUDO! A SALA B É COMO UMA FAMILIA... TEM OS MAIS CHEGADOS, TEM

AS BRIGAS... ISSO TUDO INFLUÊNCIA

Mµlhëråø*Nå Bøå: Bom ..rsrs comecei a beber, coisa q não fazia antes..fiz muitas amizades legais

até conheci uns loves...td de baum..ehehe

ESCORPIÃO REI: conheci uma galéra muito parceria

Light My Fire!!!(H): nada... só q conheci a Aninha(ate agora), q é super legal!

Aninha:conheci pessoas muto legais

Gabi ké céva di novo...: Ah... depois da sala B mudou tudo, fikei mais rica, virei uma pessoa

importante e muitas outras coisas... hehehehehe naum mudou PORRA nenhuma... Só tô bebendo

mais...

ŵgµ§ ö (*_*) !!!: MUITA COISA...CONHECI MUITA GENTE FIZ ALGUMAS A

MIZADES....ENFIM....ALGUMAS COISAS....MAS SEI QUE TEM MUITO A MUDAR. AINDA...

Momento inesquecível na "POA B"

Novamente nessa questão existia a idéia de narrar a relação com a rede de

amigos do chat. Foi perguntado o seguinte: " Qual foi o momento inesquecível da

sala B? (ou no chat, ou em encontro, ou em cada um deles)". Não existia uma pré-

determinação se era pedido para narrar um momento do chat (on-line) ou de

encontro (off-line). Dessa forma, a contagem geral de "tipo de momento" (se on-line

ou se off-line) pode significar que há uma relação entre momentos prazerosos,

inesquecíveis, marcantes e tipo de vivência: se de chat, ou se de encontro de turma.

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Mais da metade (52 pessoas) não indicou um momento inesquecível. Nesse caso,

ou não se lembrava, ou então respondeu que ainda não tinha ido a nenhum

encontro, ou então deixou a resposta em branco. Entre on e off-line a relação foi a

seguinte: apenas 9 pessoas indicaram que o momento inesquecível foi feito

ambiente de chat; 24 pessoas indicaram que o momento inesquecível foi feito em

encontros da turma; e, 14 pessoas responderam que todos os momentos em que há

contato com a rede (on ou off-line) são inesquecíveis.

De maneira geral, as respostas giraram em torno da referência a encontros da

turma (off-line) e situações de chat (on-line). Também há os que preferem não

divulgar o momento inesquecível, que talvez se refira à experiências íntimas e

pessoais. A seguir são apresentados alguns casos ilustrativos. O conjunto de todas

as respostas é apresentado no CD-ROM.

Momento inesquecível foi feito no contato off-line S¢¤rp¡øn O Original: Com certeza absoluta o meu aniversário ondi eu reuni na minha casa 25

integrantes da sala, só os confirmados...................rs*

£ ø k å Tårådå: ANIVER DO SCORPION e o que aconteceu depois do aniver tb foi punk....

heheheheheh só quem viveu isso sabe

ESCORPIÃO REI: na 1ª festa que eu fui com a galéra, aniver da ISA,o Aprendiz tomo um tragão que

eu nunca vi na vida

(Teddy Bear): acho que foi a festa da de aniver da ISA !!!! foi uma festa muuuito boa!! Gostei!!

^¤^Mënïnå Vøådørå^¤^: para mim todo o encontro tem um momento especial........ é só a gente saber

aproveitar

_*M@r!DuReGg@E*_: Bha jah teve varios,naum lembro,axo que um dia,naum lembro quem foi,num

dia que eu n pude ir num encontro,que esperam que eu fosse ir e sentiram minha falta,naum sei se

eh verdade mas eu fikei super feliz...

enviado de marley:comi uma minaa du encontru du dia 24/06/03

O que não faltam são encontros da turma. Vários deles são realizados

durante a semana. Cada encontro reúne uma certa parte da rede. Cada membro vai

naquele que melhor lhe agrada. Os encontros no Copão agradam a maior parte da

turma. Talvez por ele ser realizado em uma região central da cidade, ou então por

ele ser realizado no início da noite68.

68 Não reduzindo demasiadamente as horas de sono e não atrapalhando o desempenho no dia seguinte de trabalho.

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...uma etnografia entre internautas. 173

Os encontros de "festa de aniversário" em casas noturnas são diferentes. Ir a

um encontro desses significa ser amigo do aniversariante. Alguns membros não se

relacionam muito bem com outros. O leitor pode lembrar que no aniversário do

"Augusto" não foram tantos convidados como no da "Isa". Ele é mais "novo" na rede,

tinha chegado a pouco tempo. Ela era mais "antiga" e cultivava laços de amizade

com quase toda a turma.

Já os encontros feitos no Autódromo de Tarumã/Município de Viamão/RS são

freqüentados por poucos membros. Geralmente estão presentes em torno de dez

pessoas. Certa vez "Bela de Canoas" informava, no chat, sobre os encontros da

semana:

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ tem muita encontro essa semana

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ copaum café do rock

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ mais uma janta e tarumã sexta

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ o pessoal tah bem empolgado

Pobre,apé e solteiro fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : ¤ bah...naum sabia de nenhum...

Pobre,apé e solteiro fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : ¤ minto...sabia do café do rock...

Pobre,apé e solteiro fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : ¤ sábado né?

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ aham

Pobre,apé e solteiro fala com Be££ä d¡ Känoäš™ : ¤ niver de quem???

Be££ä d¡ Känoäš™ fala com Pobre,apé e solteiro : ¤ do augusto

Durante a semana o "Augusto" ficava no chat divulgando a sua festa. -__ŵgµ§†ö !!!__-™ ¤ ****ATENÇÃO PESSOAL*****FESTERÊ SÁBADO DIA 26/04 NO CAFÉ DO ROCK NIVER DO AUGUSTO***APARTIR DAS 22:30***O CONVITE ESTA NO site DA SALA (www.portoalegresalab.hpg.com.br)***CONFIRMADOs**Aprendiz D'CaFaJeStE***ISA***Teddy Bear***DMX****Be££ä d¡ Känoäs***Bella Gauchinha**Gä®öTä Dë IpäñëMä***ENLOUQUECIDAFABI***¤FeFe¤***MISTERIOSA***S¢¤rp¡øn™ O Original***Ðøm £ú¢ifër™ßëßëzåø***Vivi***GaTiNhA.rOoTsTdDbAuM e Amigas***GatiNho.17* ! i¢q**Lisa(*_*) Q Karinho!**Melissa***Ziggy Marley™**Aprendiz De Bellas***_*€Månµ€LL€*_™**TON-PO@*B****Gårøtå_$µÞërÞødërø$å****Alguem Mais??? Momento inesquecível foi feito no contato on-line Pacole: Quando comecei a tc com uma mina e a mina era amiga de uma mina que eu estava ficado!!

Infielmentesua: para mim tudo é virtual ...de importante:saber o quanto não prezam uma verdadeira

amizade

sandmantop:QUANDOTROQUEI E-MAIL COM A GALERA

Ziggy Marley: Quando me acusaram de coisas ke NAUM fiz........isso me deixou muito

chateado........nunca falei de ninguém e nunca vou falar!

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Planeta Terra, Cidade Porto Alegre...

...uma etnografia entre internautas. 174

Em relação ao momento inesquecível de "Ziggy Marley", foi a vez em que

alguém entrou chat xingando toda a turma. Alguém usava o nick "se é para

mentir...". Essa pessoa começou difamando a "Ani" e continuou em relação a outros

membros da rede. Talvez fosse algum membro que estivesse magoado. Naquele

momento a suspeita caiu sobre o "Ziggy", já que ele não estava presente:

se é pra mentir™... : ¤ ANI PURO MÚSCULO...........................VIU SÓ NO QUE DÁ FAZER MUITA

MUSCULAÇAUM DEPOIS DE SAIR DA OBESIDADE?????

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com se é pra mentir™... : ¤ ***********************ENTRA SEMPRE AI PRA

ANIMAR A SALA ................ESTA SALA ANDA MUITO PARADA***********************

se é pra mentir™... : ¤ ANDA MEIO SUMIDO....................NÃO VAI NOS

ENCONTROS......................MAS PRA MIM É OUTRO INÚTIL

se é pra mentir™... : ¤ EMANUELLE PORKE NÃO CUIDA DO FILHO AO INVÉS DE FIKAR

PUTIANDO NA RUA

ßëßëzåø™ : ¤ Onde estara o meu amor????

se é pra mentir™... : ¤ QUAL DELES BEBEZAUM.......QUE DE BEBE NÃO TEM NADA...........SÓ SE

FOR DE GORDURA

ßëßëzåø™ fala com se é pra mentir™... : ¤ Sou GORDO e não pro teu BICO

Aprendiz D'CaFaJeStE fala com se é pra mentir™... : ¤ E DO ZIGGY O QUE TU TEM PRA FALAR

se é pra mentir™... : ¤ AQUELE GAYZINHU

se é pra mentir™... : ¤ JURA QUE É O TAL MAS NÃO PASSA DE UM BOYZINHU IDIOTA

ßëßëzåø™ fala com se é pra mentir™... : ¤ TU DEVE ser a irmã GEMEA da LEILA LOKA

ßëßëzåø™ fala com se é pra mentir™... : ¤ Tu é tão GORDA q chega a peidar com o SUVACO!!

se é pra mentir™... : ¤ ESSA LEILA AÍ EU NÃO CONHEÇO MAS TOU SABENDO QUE É LOKA

PELO ANSIÃO DO DREIFUSS

se é pra mentir™... : ¤ E AS DUAS LÉBICAS DA SALA CAPETINHA E LOKA.........SERÁ QUE

ESTÃO COLANDO UM VELCRO??

ßëßëzåø™ fala com se é pra mentir™... : ¤ Já sei kem é tu

ßëßëzåø™ fala com se é pra mentir™... : ¤ Sacanagem heim!!

se é pra mentir™... : ¤ BOM CANSEI DEPOIS DO ENCONTRO DE MANHÃ EU ENTRO DE NOVO

se é pra mentir™... : ¤ E FIKEM NA DÚVIDA DE QUEM DIZ A VERDADE SEUS TROXAS

ßëßëzåø™ fala com TheSearchOfNewLove™ : ¤ PQ tu acha q o ZIGGY não ta aki???

Na outra semana eu percebi que havia um certo clima de animosidade em

relação ao "Ziggy". Quando o encontrei no chat perguntei o que havia ocorrido:

Cabelo reservadamente fala com Ziggy_Pé na Cova™ : só por curiosidade, o que aconteceu para tu

ter que pedir desculpas para o pessoal?

Ziggy_Pé na Cova™ fala com Cabelo : ¤ seguinte.........semana passada entro umas pessoas na sala

e começaram a xineliar todo mundo........eu nem tava na sala.....eu tava durmindo quando isso

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...uma etnografia entre internautas. 175

aconteceu......mesmo assim teve gente ke acha ke fui eu ke fiz isso.......eu entro na sala B a 8 meses

e nunca tratei ninguém mau......sempre respeitei todos, mesmo assim acham ke fui eu.........mas

graças a DEUS as pessoas da sala ke me conhecem bem acreditam em mim e estaum me dando a

maior força

Ziggy_Pé na Cova™ fala com Cabelo : ¤ parece ke kem fez isso já assumiu tudo, mas mesmo assim

tem gente ke acha ke fui eu

Prefere não divulgar qual foi o momento inesquecível Smurfete: Essa é muito pessoal!!

Bella Gauchinha: bhá.....num da pra conta.

Tininha:prefiro nao falar

Gåmb¡: momento inesquecível?... Qdo conheci a pessoa que mais amo nessa vida.. Tudo bem, que

ela tá cagando pra mim, mas eu amo demais ela, a Tininha... foi engraçada toda a nossa história...

nossa vida parece um filme do Mc Giver... hehehehe

Lindinha: SEGREDO.....mas foi muito bom

Alguns momentos inesquecíveis estão relacionados a romances entre

membros da turma. "Tininha" e "Gambit" estavam enamorados durante uma época.

O chat era um ponto de encontro cultivado por eles. Naquela época eles até

alteraram os seus nicks para mostrar ao grupo o envolvimento. O meio de

comunicação possibilitado pelo chat agilizava o contato entre eles, já que parece

que várias reuniões ocupavam muito o tempo de "Gambit".

::: Nando Lee ::: fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : oi!!!! namorando ?

::: Nando Lee ::: fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : qual é desse nick então!!!!

Mau Caráter fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : e ai Tininha, gostei do nick!

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ : entra na sala

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ : ¤¤¤ Alguém quer teclar? ¤¤¤

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ : ¤ Ô MERDA, ENTRAH NA SALA

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : ¤ AMOR!!!

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : ¤ desculpa, to metido em varios bolo ae... =/

T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† fala com Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ : ¤ te juro ja tava escrevendo uma msg na

telefonica te xingando

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : ¤ muita reunião...

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : ¤ desculpa, amor... bah... saí de uma

reuniao... e daqui a poko nao sei se nao vai pintah outra

Gåmb¡†™daT¡ñ¡ñhä™ fala com T¡ñ¡ñhä™ duGåmb¡† : ¤ q merda...

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...uma etnografia entre internautas. 176

Imagem do grupo

Sobre a imagem da "POA B" ainda cabe uma consideração. No site deles há

um conjunto de elementos imagéticos que compõe a imagem do grupo. São várias

seções. A mais freqüentada é a que disponibiliza fotos dos encontros realizados pela

turma. Nessa seção é possível ver a imagem física de elementos do grupo, que no

chat só vemos o nick. As imagens seguem um estilo. A maioria delas é do tipo

"posada". Somente algumas fotos são de momentos de descontração do grupo, sem

o "olhar" para a lente e a pose armada.

As poses são feitas com sorrisos estampados no rosto e mostram alegria.

Muitas das fotos são compostas pela imagem de membros masculinos e femininos

do grupo. Muitas vezes eles tiram a foto se abraçando. Em um dos encontros

"Teddy" pediu para tirar uma foto minha. Ao meu lado estavam "Lisa" e "Gabi". Eu

estava com as mãos no bolso e disse que ele podia tirar a foto. Ele disse: "não,

assim não, abraça a Lisa e a Gabi". Elas estavam ao meu lado. Conversavam

comigo e seguiram a indicação dele, sem problema nenhum.

Refletindo esse caso com o auxílio de Michel Maffesoli (1993 e 1999),

podemos considerar que a turma da sala "B" cria para si uma imagem, uma

aparência. Ela é obtida no conjunto de seu meio. O site é um bom meio de divulgar

essa imagem, que é produzida nos encontros face a face. Eles tentam mostrar que

há um relacionamento próximo entre homens e mulheres. Alguém poderá pensar

que eles só pensam em "ficar".

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...uma etnografia entre internautas. 177

A apropriação do chat como lugar de sociabilidade e ponto de encontro da turma Teve uma vez que não consegui acessar a sala "B". Paradoxalmente, nesse

dia fiquei sabendo muito sobre a sala em questão, talvez mais do que se tivesse

conseguido acessá-la. Esse fato serve para mostrar o território da sala "B" e como

os seus freqüentadores o reivindicam. Além disso, mostra que alternativa tomaram

os freqüentadores da sala quando essa estava tecnicamente impossibilitada de uso.

O problema

Nesse dia fui acessar a sala "B" no período da tarde. De noite eu sempre

encontrava alguns freqüentadores. O "Aprendiz" e a "Bela de Canoas" geralmente

estavam conectados nesse momento. Porém, de manhã e de tarde eram os

períodos de maior movimento. A maioria acessa do local de trabalho, usando a

conexão da empresa. Hoje em dia ficou fácil às empresas utilizarem conexão à

Internet via cabo, o que torna fixo os gastos com conexão. Os computadores ficam

conectados à Internet o tempo todo. Com conexão discada, feita pela linha

telefônica, é cobrada uma tarifa de acordo com a duração da chamada. Isso torna o

acesso à Internet muito caro nos casos onde o uso é comercial, como nas

empresas.

Acessei o site do "Terra", entrei na parte dedicada ao chat, escolhi as salas de

Porto Alegre, preenchi meu nome e pronto. Era para eu entrar. No entanto havia

algum tipo de problema técnico. Quando se acessa o chat do "Terra" o usuário

recebe em seu computador e visualiza em sua tela duas partes: a lista de

mensagens envidas e recebidas de todos os presentes naquele momento e o

formulário de preenchimento da mensagem que se deseja enviar. A primeira parte

fica no alto da tela, tem fundo branco e descreve todas as situações da sala: quem

entrou, quem saiu, as mensagens trocadas no modo aberto por todos os presentes e

as mensagens trocadas no modo reservado entre eu e com quem teclo.

A segunda parte tem fundo laranja e fica na parte inferior da tela e tem o

espaço destinado a colocar o texto da mensagem, escolher o destinatário, o modo

de publicação (se no aberto ou no reservado), a ação (se fala, se grita, se cochicha,

etc.) e o rosto estilizado que vai acompanhar a mensagem. O problema técnico fazia

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...uma etnografia entre internautas. 178

com que eu recebesse apenas a parte branca. No lugar de aparecer a parte laranja

aparecia um aviso de "página não encontrada". Era a mesma mensagem que se

recebe quando procuramos acessar um site e o endereço está errado, ou então há

algum problema técnico que impossibilita o servidor de encontrar o site.

A solução

Esse problema me impossibilitava de teclar. Sem o formulário de envio de

mensagem não é possível mandar mensagem. Sendo assim, eu retornava uma tela

anterior (aquela onde eu informo o nick e antecede a sala propriamente dita) e

refazia o trajeto. Por mais de dez vezes fiz isso e não houve sucesso. Resolvi

acessar a sala "C". Iria aproveitar para conhecer os participantes dessa sala. Porém,

estava frustado de não poder encontrar o pessoal da sala "B", já que naquele dia

tinha planejado passar a tarde com eles no chat. Quando entrei na sala "C" fiquei

sabendo que outros usuários estavam encontrando problemas em acessar a sala

"B". Assim que entrei vi a conversa entre "Emanuele" e "Menina Veneno":

_*€Månµ€LL€*_™ fala com MENINA VENENO: Oi, o que ouve com a nossa sala??

Eu nunca tinha teclando com "Emanuele", nem com "Menina Veneno", mas

percebi que elas também faziam parte da turma da sala "B". Perguntei à primeira se

ela não era da "B". Enquanto isso, "Ki CoiSa de loKo", "CindereloMalokero" e

"GordinhaComSono" teclavam. "Emanuele" perguntava a todos o que tinha

acontecido com sua sala. A "Ki Coisa" comentava com ela que era obra de algum

hacker69. Novamente estava presente o "Mito do Hacker".

Tudo o que acontece de estranho na Internet é obra de hackers, ou então de

vírus. Os primeiros "assombram" a Internet, os chats e os sites. Os segundos

"assombram" mais os computadores pessoais. As vezes algum hacker "invade" o

computador de alguém. O hacker é mais poderoso que o vírus, já que é uma figura

humanóide e tem poderes sobrenaturais capazes de estragar tudo que está correto

na Internet. O vírus também é destrutivo, mas é criado por hackers e é impotente

69 O Dicionário Aurélio Século XXI explica: "Indivíduo hábil em enganar os mecanismos de segurança de sistemas de computação e conseguir acesso não autorizado aos recursos destes, geralmente a partir de uma conexão remota em uma rede de computadores; violador de um sistema de computação.". A atividade de hacker vem atualmente recebendo muita atenção. Existe até mesmo bibliografia a respeito. Alguns deles são cooptados a trabalhar junto ao combate de crimes realizados

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...uma etnografia entre internautas. 179

perante um bom software de antivírus. Como não existe um "anti-hacker", os

hackers são onipotentes. Quando agem são oniscientes. Sabem como fazer, sabem

de tudo, até mesmo entram no meu computador e vasculham minha vida. Como

estão sempre no imaginário dos usuários de chat e mesmo internautas, são

onipresentes. E como se encarregam de fazer "maldades", se assemelham a uma

entidade diabólica que ronda a Internet.

A "Emanuele" me respondeu confirmando que era da "B". Perguntei sobre o

"Aprendiz". Ela me respondeu que não estava conectado naquele momento: "O LÊ

NÃO TÁ CONECTADO... ". Pouco antes ela tinha comentado com "Ki Coisa" que até

podia ser coisa de hacker aquele problema com a sala "B". A "Adocicada" mandou

uma mensagem para todos: "SALA B VIZITANDO A GALERA DA

C!!!!!!!!KKKKKKKKKKKKKKKKKKK".

A "Ki Coisa" não utiliza geralmente esse nick. Seus amigos não estavam lhe

reconhecendo e por isso ela dizia aos demais que "era ela, a mi, a micha, a

michele".

ådoc¡cådå fala com €µ §åƒåÐå K¡ €H ¡§O™: Mi............ke ki houve com nossa salinha ??????

Ki CoiSa de loKo fala com ådoc¡cådå: ¤ naum sei alguem deve ta brinkando de racker la

_*€Månµ€LL€*_™ fala com Profana: POIS É...A MICHELI DISSE QUE DEVE SER ALGUM

RACKER...

GaTiNhA.rOoTs fala com Ki CoiSa de loKo: uki houvi com a sala ?

Ki CoiSa de loKo fala com GaTiNhA.rOoTs: ¤ sei la...

Ki CoiSa de loKo fala com GaTiNhA.rOoTs: ¤ deve ser algum racker brinkando com nois

Val Dodói e Magoada! fala com Ki CoiSa de loKo: é nada

De repente, "Emanuele" direcionou suas desconfianças e acusou alguém

como responsável pelos problemas da sala "B". "Ki Coisa" avisava ao pessoal da

sala "C" sobre o que estava acontecendo:

_*€Månµ€LL€*_™ fala com ådoc¡cådå: *RSRSRS...ISSO NUNCA TINHA ACONTECIDO...PIOR EU

VI O CACHORÃO...COM TRES NA SALA PERGUNTANDO ALGUÉM QUER TC...KUAKUAKUA

Ki CoiSa de loKo : ¤ ********* POVO DA SALA C ESSE POVOOOOOO AI DE NICK ESTRANHO EH

DA SALA B ****

GordinhaComSono fala com Ki CoiSa de loKo: invadiram nossa casa

via Internet.

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...uma etnografia entre internautas. 180

Como havia mais usuários que o normal na sala "C", estava difícil para entrar.

Há o limite de quarenta usuários por vez. Quando a sala está no limite de lotação só

se entra quando alguém sai. Para quem está tentando entrar só resta ficar tentando

e tentando... Nesse caso, depois de preencher a página com o nick (a página que

antecede o chat propriamente dito) recebe-se uma mensagem informando que a

sala está cheia e que tente novamente, outra hora. Quem está tentando entrar trata

de "voltar" uma página anterior e tentar tudo de novo. Uma vez fiquei cinco minutos

nesse "vai e vem". Talvez estivesse acontecendo isso com "Broots", que logo após

entrar "dá graças" e estranha o ambiente:

BrOOts : ALELUIAAAAAAAAAAAAAA

BrOOts : ISSU AQUI TA COM CARA DE SALA ERRADA

GordinhaComSono fala com BrOOts: não é a sala q tá errada,são as pessoas

BrOOts fala com GaTiNhA.rOoTs: EAI MUE

GaTiNhA.rOoTs fala com BrOOts: naum eh sala errada eki o povo da b naum ta conseguindo entra

lah, ai viemos pra cá.. invasão risos

Ki CoiSa de loKo : ¤ MULHERES DA SALA B BOMBANDO NA SALA C

BrOOts fala com Ki CoiSa de loKo: FICARAM SEM CASA HEHEHEHE

BrOOts fala com Ki CoiSa de loKo: VCS ESCULHAMBARAM O TERRA CREDUUUUUUUUUU

KKKKKKKKKKKKKKK

Todos começaram a rir daquela situação de "invasão de sala". No formulário

de envido de mensagem - a parte laranja - é possível ver quantas pessoas estão

conectadas nas demais salas Porto Alegre. No canto esquerdo de quem olha a tela

há uma lista que, se aberta, mostra quantos usuários há em cada sala. Dessa forma

é possível ver se uma sala ou outra está mais "movimentada", o que ajuda a orientar

os usuários a irem para o ambiente de preferência: ou mais cheio, ou mais vazio.

"Emanuele" achava que quem estivesse na sala "B" era o responsável pelo distúrbio.

Nesse caso, seria quem estivesse "brincando de hacker":

_*€Månµ€LL€*_™ fala com Ki CoiSa de loKo: TEM 7 NA SALA B AGORA..HEHEHEHE...QUEM

SERÁ???

Fat DriverNaBuena!!! fala com BrOOts: Foram despejados da B..... estamos dando abrigo pros

manos .....

BrOOts : AS MENINAS PODEM FICAR AQUI OS CUECAS VÃO LÁ PRA SALA "Z"

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...uma etnografia entre internautas. 181

O "Bob Tarado" reivindicava sua antigüidade na sala C:

ß*Ø*ß*™ Tarado! : ¤ Minha origem saum desta sala.... antiga POA 3

ådøc¡cådå fala com CindereloMalokero: gostei do teu nick!!!!!! tu eh da B?

Logo alguém teve de sair por causa do trabalho e "Adocicada" continuava

procurando identificar quem era e quem não era da B:

Fat DriverNaBuena!!! : GALERA GENTE FINA.... TÔ INDO.... O TRAMPO ME CHAMA............

BJUSSS PRAS MINA E ABRAÇOS PROS MANNOW.........

FUUUUUUUUUUUUUIIIIIIIIIIIIIIIII................

ådøc¡cådå fala com chå†ëåðø\R§™: tu anum eh da B???

Enquanto isso surgiam conversas paralelas. O fato de não poderem acessar a

"B" logo em seguida voltava a tona:

InfielmentesuaTarada fala com ß*Ø*ß*™ Tarado! : ki houve?pk naum consiguimos entrar na B?

chå†ëåðø\R§™ fala com ådøc¡cådå : ¤ naum, sou da c messs

_*€Månµ€LL€*_™ fala com InfielmentesuaTarada: A SALA B TÁ LOUKA...HEHEHE

As hipóteses sobre o que estaria acontecendo com a sala B giravam em torno

do fantástico e da imaginação. Não só a desconfiança sobre a presença de um

hacker, mas também analogias com situações off-line:

ß*Ø*ß*™ Tarado! fala com InfielmentesuaTarada: ¤ A tia da limpeza tá limpando a sala e fechou a

porta....

A diferença é que a desconfiança da presença de um hacker era séria. Isso

realmente estava acontecendo para alguns. Por outro lado, o "Mito do Hacker"

ocupa muito o imaginário dos internautas e pode ser utilizado como explicação para

os fenômenos inexplicáveis. A "interdição da sala por motivos de limpeza" era uma

hipótese irônica, mas também fruto do imaginário do freqüentador do chat.

O "Matador", que também é da B, entrou e estranhou:

MATADOR em casa! : Ih...Tá quebrada a sala B, tá?

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...uma etnografia entre internautas. 182

Território e identificação

Todos que geralmente entram na "B" estavam entrando agora na "C". A lógica

que utilizei foi a mesma de todos. Sem querer acabei encontrando o pessoal da sala

"B" na sala "C". Usaram como solução a sala "C" talvez por essa ser mais "próxima"

da "B". No entanto poderiam ter utilizado a sala "A". Só que na sala "A" não havia

ninguém da "B". Entrei na "A" e não estava "invadida" pelo pessoal da "B". Os da "B"

não entraram na "A" por que não gostam do pessoal de lá. Em um dos encontros a

"Misteriosa" comentou com o grupo que quando a "Bela de Canoas" era da "A", era

tímida e quieta. Logo que "Bela" migrou da "A" para a "B" mudou radicalmente e

ficou alegre, descontraída e extrovertida.

Existe um certo sentimento de oposição entre a sala "A" e a sala "B". Os da

sala "B" dizem que os da sala "A" são "sem graça". Os da sala "B" se orgulham de

cultivarem uma convivência dinâmica, repleta de encontros, festas e descontração.

Na sala "A" percebi uma certa inveja em relação à alegria da "B". O "Anjo" começou

a organizar os encontros da "A" pensando em atingir um patamar igual ao da "B".

Ele comentava comigo sobre os encontros da "B" e mostrava admiração com a

alegria da turma. O próprio "Escorpião Rei" acabou trocando de sala. Ele migrou da

"A" para a "B" e estava bastante satisfeito com isso.

A oposição cultivada entre as duas salas me lembra da oposição dionisíaca e

apolínea. Também me lembra da oposição entre os lados A e B de um antigo disco

de vinil. Existia um programa na emissora "MTV" que se chamava "Lado B". Esse

programa apresentava videoclipes desconhecidos de bandas também

desconhecidas. Ao invés de apresentar os sucessos do momento, trazia músicas de

bandas de rock que não tinham seus nomes divulgados nas rádios, que geralmente

se dedicavam a somente tocar os "sucessos do momento". Assistir o "Lado B"

significava ter gosto pelo que não era sucesso. O sucesso era o certo, o "sem

graça", o conforme, o gosto comum, popular e passageiro. Gostar do "lado B" era

gostar daquilo que se opunha ao "lado A". Era gostar do diferente, do desconhecido,

do alternativo, do undergroud, do agitado, entusiasmante, natural e espontâneo.

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...uma etnografia entre internautas. 183

A apropriação de circuitos e trajetos da cidade como lugares de sociabilidade e pontos de encontro da turma Durante a convivência com a "POA B", uma série de coincidências ocorreram.

Depois de algum tempo descobri que "Augusto" morava na mesma rua que eu moro.

Outra situação semelhante já tinha acontecido com ele, como comentou em um

encontro no Copão:

"Outro dia estava teclando com umas gurias no chat. Perguntei a elas onde moravam. Elas

me disseram que era na Aparício. Perguntei que altura... Sabe aquele prédio da esquina do posto da

nossa rua?"

O "Teddy" era o Cassio, que é amigo do Ivan, colega de curso. "Bela

Gauchinha" tinha sido a pouco colega de serviço de Ana, minha namorada. E

"Aprendiz" e "Gabi" então? No mesmo encontro ela explicou o que tinha acontecido:

"Eu não sabia que ele era o cara que tinha batido no meu carro há três meses atrás. Descobri

hoje quando o vi aqui. Antes eu tinha teclado com ele, mas não sabia."

Muitos que estavam ali e ouviram os fatos narrados comentaram: "cidade

pequena!". O conjunto de coincidências que era narrado ali dava a impressão de

estarmos em uma cidade pequena, do tipo que quase todos os moradores se

conhecem. Porém Porto Alegre é relativamente grande, já tem mais de um milhão de

habitantes. Então por que tivemos a impressão de estarmos em uma cidade

pequena? A explicação para isso talvez esteja em dois pontos. Um deles está

relacionado diretamente com a Internet. O outro, com a maneira que costumamos

ocupar o espaço.

Com a Internet observamos uma grande capacidade de aproximar pessoas que

transitam em trajetos diferentes, que são de "pedaços" diferentes e que nunca se

"esbarrariam" na cidade. Portanto, nunca se conheceriam. Nos chats ocorre a

aproximação entre pessoas estranhas que nunca ocorreria off-line. Não ocorreria

porque não percorrem os mesmos trajetos na cidade. Ou então até compartilham

desses trajetos, mas geralmente não há uma propensão a se aproximar de pessoas

estranhas. No chat existe a propensão. Dessa forma é possível conhecer pessoas

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...uma etnografia entre internautas. 184

que moram longe, ou então que até moram perto, mas geralmente com as quais não

paramos para conversar.

Boa parte dos usuários preferem iniciar um canal de comunicação com

pessoas que residam no mesmo bairro, ou zona da cidade. Mas também há o

envolvimento entre pessoas que compartilham espaços diferentes na cidade e que

participam de "pedaços" distintos. No caso da sala "B" existem alguns casos. A

maioria mora em Porto Alegre mesmo. Porém alguns moram na Região

Metropolitana. "Bela Gauchinha", "Bela de Canoas" e "Misteriosa" estão nessa

situação.

As duas "Belas" moram no município de Canoas, Região Metropolitana de

Porto Alegre. A terceira mora em Gravataí, município da mesma região. Elas

acabaram conhecendo o pessoal da sala "B" e atualmente compartilham com eles

os circuitos de Porto Alegre destinados ao lazer ou boemia. A partir do chat elas

começaram a compartilhar um espaço que antes não fazia parte dos seus roteiros. O

chat também foi capaz de aproximar "Augusto" de suas vizinhas. Ele nem as

conhecia e elas moravam na esquina. Seus trajetos até eram compartilhados, mas

não existia uma propensão para "parar e conversar". No bairro também não há, por

exemplo, eventos que aglutinem seus moradores e possibilitem uma sociabilidade

de vizinhança.

A Internet e o chat acabam propiciando essa aproximação e essa impressão de

"cidade pequena". Entretanto, existe a própria divisão da cidade em inúmeros

espaços simbólicos compartilhados. A Minha cidade não é igual à Tua cidade. O

trajeto que eu faço é diferente do teu. O circuito e a mancha que freqüento são

diferentes dos teus... Mas também podem ser iguais. Daí a sensação de "cidade

pequena". No meu trajeto cotidiano eu geralmente "esbarro" nas mesmas pessoas.

Se nós compartilhamos dos mesmo trajetos, provavelmente temos um perfil

parecido. Talvez estudamos ou trabalhamos no mesmo bairro, ou moramos próximo,

ou então nos divertimos nas mesmas concentrações. Tudo isso em decorrência a

estilos de vida semelhantes.

Os "gostos de classe" se manifestam na ocupação da cidade, e também na

Internet. Se sou jovem, classe média, uso computador e vou nos bares da Cidade

Baixa, provavelmente vou encontrar "no meu chat" pessoas com mesmos gostos

que os meus. Talvez eu ache muita coincidência esse tipo de encontro. Porém isso

resulta da utilização e compartilhamento dos mesmos aparatos simbólicos.

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...uma etnografia entre internautas. 185

O ciberespaço como uma ampliação/continuação do espaço da cidade e ponto de encontro para o cultivo da sociabilidade Em muitos momentos o chat é representado como sendo um ponto de

encontro. Ele é mais um dentre tantos outros que existem na cidade de Porto Alegre.

Especificamente ele serve de local de encontro e cultivo da sociabilidade entre a

"turma do chat". No entanto outras "tribos" podem utilizá-lo para conversar e bater

papo. Podemos encontrar no chat o pessoal de bandas de música, de determinadas

universidades, colégios e bairros. Todos eles acabam entrando na sala para

encontrar e fazer novos amigos.

A experiência da "POA B" deixa mais clara essa relação entre chat e ponto de

encontro. Na sala "Porto Alegre B" eles se encontram diariamente. Existe um

sentimento de identificação com esse ambiente virtual. É o local escolhido por eles

para encontrar os amigos. Muitas vezes se encontram no chat na parte da tarde e

combinam um happy hour70 para logo em seguida, em algum bar da cidade. O local

escolhido varia entre os dois circuitos preferidos da turma: "Lima e Silva" e "Goethe".

No CD-ROM é apresentado um mapa indicando os dois locais dentro da cidade.

Existe uma relação muito próxima entre o chat e a cidade. De um lado o chat

representando um ponto de encontro entre uma turma de jovens porto-alegrenses.

De outro lado, a cidade de Porto Alegre sendo ocupada por "turmas de chat".

Algumas vezes no chat se encontram casualmente pessoas que estão relacionadas

off-line (ou são colegas, ou fazem parte do mesmo circulo de amizades, etc.). Nesse

caso, o ambiente de chat se aproxima de um lugar da cidade onde a passagem

proporciona encontros inesperados.

Os casos a pouco narrados demonstram a relação estreita entre chat e

cidade. Primeiramente o chat sendo representado como um território. Em seguida,

um pouco do inverso: os encontros na cidade e a associação com a vivência virtual

no chat.

70 O Dicionário Aurélio Século XXI explica: "Período após o expediente de trabalho, em que as pessoas se encontram em bares, restaurantes, etc., para beber, comer e conversar.". Embora a palavra já tenha sido aportuguesada, manterei no itálico devido a inflexão da pronúncia.

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...uma etnografia entre internautas. 186

O ciberespaço como um lugar de sociabilidade que proporciona à pessoa uma experiência prazerosa O leitor já deve ter percebido que o clima da vivência em chat se revela, na

maioria das vezes, descontraído. A intenção dos freqüentadores é realmente essa,

cultivar momentos de prazer. Se considerarmos a relação existente com a "tela do

monitor", é algo que até então era proporcionado pela televisão. Um entretenimento

eletrônico. Se pensarmos que, diferentemente da televisão, o chat possibilita a

interação com a tela, podemos considerá-lo como sendo algo semelhante a um jogo

de video game. Um jogo eletrônico o qual se escolhe um personagem e se "joga

sociabilidade".

Os objetivos? Bom, variam um pouco em cada caso. Talvez os mais

recorrentes fossem a popularidade diante da rede, a capacidade "ficar" e namorar, a

capacidade de ganhar brigas no chat, e assim por diante. A cada momento novos

objetivos do jogo podem ser criados. Para cada jogador podem existir objetivos

específicos. Vamos lembrar de "Anjo" e a sua coleção de fotos trocadas com

meninas. Também vamos lembrar de "Teddy", a sua popularidade e o seu site.

Também tem a "Felina" e como ela, explicitamente, se refere ao chat como sendo o

seu "momento de prazer". Para grande parte da turma da "POA B" o estar no chat

está associado a uma pequena "fuga" do trabalho, um intervalo e uma descontração.

Na "Porto Alegre A" os jovens estudantes se transformavam em freqüentadores de

chat no período das férias.

Algumas estratégias são criadas nesse "jogo eletrônico de sociabilidade" que

ocorre no chat. Existe a necessidade de constituição de um personagem. Aquele

que irá interagir no ambiente virtual. Aquele nick que irá aparecer na tela do

computador dos outros. Além disso, é preciso dar "alma" para esse nick, o que gera

manifestações narcisistas. A imagem que Eu reflito no monitor do Outro deve ser

recheada de sentido. Somente assim Nós podemos "mergulhar" na imagem. Ocorre

aí uma "descoberta" dos outros freqüentadores ali presentes. É um caminho de ida e

vinda.

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...uma etnografia entre internautas. 187

O ciberespaço como um lugar de manifestação do "eu" e encontro com o "outro" Joël de Rosnay coloca que no final do século XX o panorama mundial é de

passagem da "sociedade industrial" para a "sociedade informacional". Para ele

existe um processo de naturalização com relação às novas tecnologias que faz com

que os "usuários" passem a ser indivíduos (Rosnay, 1999). No chat os indivíduos

têm personalidade e passam a ser pessoas. Não é equivocado argumentar que,

devido à exaltação das manifestações individuais, já percebida por Airton Jungblut

(2000), há um fenômeno de valorização do Eu no ciberespaço. A todo o momento o

internauta está procurando definir uma personalidade única. Ela é buscada tanto nos

trajetos seguidos na Internet, de site em site, conforme o seu grupo de interesses,

passando pelas salas de bate-papo as quais freqüenta (sua turma), até a maneira de

criar o seu Eu no meio virtual.

Interagir no chat requer um esforço de criação e interpretação. Na sala virtual

a presença se dá pela "aparência". Quem aparece mais, está mais presente. Nesse

sentido são utilizadas várias "técnicas", cada freqüentador de chat com o seu estilo.

O resultado é a criação de um espaço de manifestação do Eu. Na sala de bate-papo

é necessário que se exalte as qualidades pessoais. Somente dessa forma se

conhece um pouco mais daquele com o qual se conversa. Ao olhar externo parecerá

uma vaidade extrema, um narcisismo. O leitor lembrará que em vários momentos foi

revelado um certo narcisismo do freqüentador de chat. Ele ocorre tanto na

aproximação da imagem do Eu com a beleza, como na manutenção dos vínculos

com a rede.

A atividade do internauta é paradoxal. Ao mesmo tempo que ele está, por

exemplo, dentro de uma sala, isolado de outras pessoas e na frente de um

computador, está em contato com o "mundo". É claro que esse "mundo" deve ser

relativizado. Uma das intenções desse estudo era essa, de mostrar que o "mundo"

da Internet muitas vezes tem seus limites na própria cidade em que se reside.

Alguns freqüentadores de chat até podem gostar de se comunicar com outras

culturas espalhas pelo globo, mas os do "Terra Porto Alegre" parecem gostar de

ficar por aqui mesmo. E nem por isso deixam de fazer "descobertas".

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...uma etnografia entre internautas. 188

Desejo de descoberta

Toda a vivência em chat opera sobre a relação de manifestação do Eu e

descoberta do Outro. No chat está a disposição a descoberta da alteridade. Um

pouco disso deve-se a qualidade da sala de receber pessoas com perfis diferentes.

Claro que se repetem as condições objetivas de existência, tais como grau de

relação com a informática, momento de acesso e disponibilidade para a rede.

Mesmo assim é possível ver o envolvimento de "diferentes". A própria turma "POA

B" mostra essa diversidade. Dentro dela existem diversos grupos. Podemos lembrar

das "Belas", que se identificam um pouco por morarem na Região Metropolitana.

Também há o pessoal que vai regularmente à "Tarumã", tem os que gostam de

reggae, e assim por diante.

Devido à facilidade do contato inicial, os freqüentadores de chat acabam se

relacionando com diversas pessoas diferentes. Em várias conversas feitas com eles

ficou clara essa característica. A vivência on-line acaba propiciando o encontro de

pessoas com perfis diferentes. Pessoas as quais, se não fosse no chat, jamais as

encontrariam na cidade. Isso porque cultivamos "nichos" de vivência específicos e

percorremos trajetos diferentes. Na sociabilidade virtual em chat é possível

"descobrir" pessoas que, sem esse meio, jamais haveria condições de conhecê-las.

Talvez essa "descoberta" que existe no chat seja o "vício" de certos

freqüentadores. No chat ocorre uma excitação pela descoberta do Outro. Isso até

pode ser mais comum entre freqüentadores de sexo oposto, sendo traduzido por

uma aproximação amorosa, porém não deixa de ser marcante a todo o momento. A

"descoberta" pode ser considerada como sendo a força motivadora da turma de

chat. A todo o momento ingressam pessoas novas e desconhecidas. Enquanto o

processo de descoberta não cessa, a turma existe.

A turma da "POA B" deixou de existir. Fenômeno que se aproxima das "novas

tribos" de Michel Maffesoli (1987). Os seus membros explicam que o fim do grupo foi

devido à fofocas e atritos gerados dentro do grupo. Outros explicam que já haviam

muitos membros. Para Michel Maffesoli (1987) os mexericos e fofocas servem para

indicar a estrutura de rede. Eles partem em um sentido e mostram como, de tribo em

tribo, a maledicência segue sua trajetória. A sociabilidade, segundo ele, toma a

forma de entrelaçamento. A fofoca está mais na forma no que no conteúdo. Ela é

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...uma etnografia entre internautas. 189

utilizada pelo indivíduo que a transmite. Pouco importa a quem ele se refere. A

estrutura em rede tem um aspecto não voluntário e não ativo.

O motivo da fofoca para explicar o fim do grupo não me serve. Para os

nativos serve. Mais cedo ou mais tarde novas turmas nos moldes da "B" serão

fundadas. Provavelmente membros da "B" irão se agregar a outras turmas, em

outros chats, envolvendo outras redes. Durante a convivência com a "B" ficou claro

que a fofoca e o atrito sempre estiveram presentes. De certa forma eles colaboram

para a agregação da rede, fortificando alguns laços e enfraquecendo outros.

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Agora

Após um ano de convivência o que pode ter acabado é a "força da

descoberta". A turma teve uma expansão tão grande que "quase todo mundo já era

da B". Os encontros da turma acabavam sendo realizados nos mesmo locais, nos

mesmo dias e agrupando as mesmas pessoas. Tornou-se maçante e pouco

excitante. Acabou a descoberta, todos praticamente já se conheciam. A força que

impulsionava o grupo acabou. Toda a rede já se conhecia. Muitos membros já

tinham "ficado" entre si. Muitos encontros já tinham sido realizados, muitas histórias

engraçadas já podiam ser contadas... Parece que "tudo" já tinha sido feito.

Agora o destino de cada membro da "POA B" talvez seja aquele seguido por

"Augusto": ele saiu da turma do chat do Provedor BOL71 e foi para a "POA B". Ele

mudou de turma e dizia que lá tinha terminado por causa de fofocas e brigas. Novas

turmas de chat são criadas a cada momento. Em 2001 outra turma da "B" existia.

Ela acabou e logo surgiu a atual turma. Enquanto a "POA B" estava se

desagregando, uma outra turma da "Porto Alegre A" tomava forma. Não aquela do

"Anjo", outra.

Atualmente a turma da sala "A" faz exatamente o mesmo que a turma da sala

"B" fazia. Eles têm um site da turma, cultivam encontros em casas noturnas e em

bares. Aliás, o bar preferido pela "A" para servir de ponto de encontro da turma é

localizado no circuito da "Lima e Silva", bem em frente ao Copão, que servia de

ponto de encontro da "B". Antes era comum ver o chat "Terra Porto Alegre B" a todo

o momento, principalmente a tarde, com o limite máximo de seus participantes (40

pessoas) todos eles trocando mensagens freneticamente. Atualmente isso acontece

na "Porto Alegre A".

A todo o momento novas turmas de chat são formadas, enquanto outras são

terminadas. Eles dizem que terminam por causa das fofocas e atritos internos do

grupo. Porém essas situações estão presentes desde o início da rede até o seu final.

O motivo mais lógico da formação de rede e turma de chat é "desejo da descoberta".

Algo que pode ser relacionado ao mundo da informática: a "constante inovação".

A cada mês vemos novos avanços da informática, tanto na parte de

hardware, quanto na de software. A industria da tecnologia mantém o mercado

71 Provedor Brasil On-line.

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...uma etnografia entre internautas. 191

consumidor com inovações constantes. Os computadores com pouco tempo de uso

já estão defasados e obsoletos. Não é de se admirar que esse padrão marque um

tipo de sociabilidade essencialmente ligado à informática. Não se propõem um

"tecno-determinismo", apenas a necessidade de refletirmos levando em

consideração fatores do mesmo meio. Também poderíamos refletir a partir de uma

atual "cultura do descarte", quando muitas coisas são descartáveis, talvez até

mesmo os grupos.

A sociabilidade virtual em ambiente de chat é cultivada via computador. Não

podemos esquecer que ela é resultante dos recursos que essa máquina

proporciona. E ainda, do imaginário a respeito dessa máquina. As situações

apresentadas nessa etnografia dão conta de um momento histórico. Talvez no futuro

o computador possibilite um outro tipo de sociabilidade, caindo o "chatonês" em

desuso. Ou ainda, teclado e mouse poderão ser substituídos em massa por outros

periféricos de entrada de dados, o que transformará a relação dentre um emissor de

mensagem e um receptor. O aumento da capacidade de transmissão de dados já

possibilitou o surgimento da "troca de fotos" entre freqüentadores de chat.

Os elementos envolvidos na prática da sociabilidade virtual estarão em

constante transformação. Ela estará relacionada com o desenvolvimento do "mundo

da informática" e por questões culturais. A sociabilidade virtual segue a relação

proposta por Pierre Lévy de ser universal sem totalidade. Universal porque ocorre

em "todo" lugar. Porém em "todo" o lugar ela será ressemantizada e será o

resultado da interferência de uma cultura local. Voltamos ao título da dissertação.

O "Planeta Terra, Cidade Porto Alegre" não se refere somente ao seriado de

televisão japonês. Nem somente ao campo onde se trabalhou: Provedor Terra, sala

Porto Alegre. Ainda existe um outro significado do título que é a referência à relação

entre universal e particular. Propus pensar a inserção das Novas Tecnologias72 no

Planeta Terra a partir da experiência de Porto Alegre. Ser freqüentador do chat

"Terra Porto Alegre" é diferente de ser freqüentador de qualquer outro chat. Algumas

recorrências ocorrem, mas o caráter local da cultura está constantemente presente.

O freqüentador do chat também é um freqüentador da cidade, o que provavelmente

ocorra em cada canto do mundo.

72 Exemplificadas aqui no caso da Internet.

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Antropologia "na" e "da" internet

"O locus do estudo não é o objeto do estudo. Os antropólogos não estudam

as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças..), eles estudam nas aldeias." (Geertz, 89: 32)

Pensar sobre a pesquisa antropológica feita na Internet se aproxima da

proposição de Clifford Geertz. Podemos, por exemplo, estudar temas diferentes em

locais diferentes. E ainda, refletir sobre questões macrossociológicas a partir de

experiência microssociológicas. Também é uma tentativa de relacionar o "particular"

e o "universal". Essas relações ficam mais claras quando pensamos na antropologia

da Internet, da cibercultura. No momento o termo "antropologia na Internet" fará

referência a questões de ordem metodológica.

Na Internet

Fazer pesquisa antropológica na Internet não é a mesma coisa que fazer

pesquisa na Internet. Fazer pesquisa na Internet significa ir em busca de

informações, de site em site, como se fosse uma "caçada" ou uma "pilhagem" (Lévy,

1999:85). Antropologia na Internet também não é via Internet. Quem acredita que

poderá desvendar o Outro somente com o contato on-line está enganado. Somente

via on-line fica difícil, se não impossível, descobrir os vários sentidos atribuídos às

ações. Certas situações na sociabilidade virtual só possuem sentido para Eles, e

Eles se entendem porque também realizam contato off-line. O pesquisador

interessado em descobrir os sentidos atribuídos deverá considerar, também, o

contato off-line com seus nativos.

Esse estudo é fruto de uma pesquisa feita com um grupo que se sociabiliza

virtualmente. Não é sobre chat, nem sobre Internet, embora também revele

características dessas tecnologias. Talvez em alguns momentos o "chat" tenha

recebido muita atenção. Mas foi devido à sua grande presença junto à rede, assim

como a Internet. Pesquisar um grupo que se sociabiliza via Internet não significa

pesquisar um chat. Ora, o grupo independe do chat. Ele existe na forma de rede e

sobrevive sem o chat. Basta lembrar de quando a sala "B" teve problemas e o grupo

"invadiu" a sala "C". No segundo semestre desse ano "Teddy" colocou em seu site

um mural.

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A tecnologia do mural73 consiste em uma página de Internet que publica

recados. O internauta acessa essa página, preenche os campos de envio (nome, e-

mail e mensagem) e "clica" em "enviar". Imediatamente a sua mensagem é

publicada na página. Quem acessa essa página pode ler todos os recados enviados,

um "abaixo" do outro na tela do monitor. É um tipo de comunicação. Não chega a ser

uma sociabilidade porque não tem a mesma dinâmica vista no chat. Porém, o grupo

instituiu essa forma de contato como mediadora da rede. Diariamente o mural

publicava centenas de mensagens. Fazendo uma leitura atenta era possível

identificar que elas dialogavam entre si. Era sinal que os membros da rede estavam

se comunicando. O chat deixou de ser utilizado pela "POA B", que começou a usar

apenas o mural.

Nessa época a turma ainda existia e independia do chat. Os próprios

encontros da turma sinalizavam para essa independência. Chat e Internet são

essenciais, porém não compõem o conjunto todo da sociabilidade virtual. O

pesquisador interessado em abordar esse tema deverá ter presente essa situação.

Pelo menos hoje em dia, tratar desse assunto significa contemplar as dimensões on

e off-line. A vivência dos grupos de chat perpassa esses dois "mundos". O

pesquisador deve transitar por eles para descobrir "o sentido das coisas". Movimento

que o leva a entrar no espaço virtual.

O título desse capítulo também poderia ser "Quando a Internet é o campo".

Fazer antropologia na Internet significa "imergir" nesse campo. Aqui imergir tem dois

sentidos. Primeiramente, como uma tentativa de participar da vida do grupo, como

na pesquisa antropológica off-line. O segundo sentido, daí sim relacionado

especificamente à tecnologia, se refere ao imergir no chat, que é o ambiente de

sociabilidade escolhido. Aí que a antropologia na Internet mostra, talvez, sua

principal característica.

O pesquisador precisa "mergulhar" no chat, assim como fazem os seus

freqüentadores. A imersão é na imagem produzida na tela do computador. A imagem

de chat é repleta de sentidos e isso faz com que ela tenha "profundidade". As

mensagens constantemente trocadas vão recheando a tela e desvendando um

panorama. Se acompanharmos as mensagens vamos sentir essa "imersão" no chat.

É quando aquela imagem ali reproduzida no monitor nos toma, nos envolve, nos

73 Atualmente também chamado de blog.

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...uma etnografia entre internautas. 194

"puxa", nos faz enxergar somente ela e ignorarmos tudo ao nosso redor (sala, mesa,

parede, cadeira...). Como se o lado externo da tela do computador (o nosso "ao

redor") se escurecesse, ficando apenas o brilho da imagem do chat. Nesse instante

somente ela faz sentido. É um processo semelhante ao do estereograma.

O estereograma é uma imagem plana (impressa em uma folha de papel, ou

um quadro) que adquire profundidade em terceira dimensão. Para imergir nessa

imagem "3D" é preciso de uma pequena técnica. Distancia-se a imagem a uns dois

ou três palmos dos olhos e a contempla. A pessoa precisa olhar fixamente. De

preferência é bom nem piscar. De repente... voilà! Eis que a imagem cria

profundidade. Vemos formas surgirem que dão a impressão de terceira dimensão.

Nesse momento é possível piscar ou movimentar a imagem, ou os olhos e a cabeça.

Realmente não sei como isso acontece tecnicamente. Imagino que seja devido a um

jogo de foco com os olhos, o que cria uma perspectiva. Ao leitor que nunca viu algo

do tipo e queira um exemplo, ou àquele que queira experimentar a sensação do

estereograma, são apresentados três deles no CD-ROM (Primo, 1995).

Tendo "entrado" no chat, o pesquisador deve tratar de ler tudo. Quanto mais

ler as mensagens trocadas entre os freqüentadores, mais ele mergulha na

profundeza da sociabilidade virtual. Nesse momento a rede toma forma. Certas

"coisas" começam a fazer sentido, na mesma proporção que outras ficam sem

sentido. É sinal que agora ele precisa imergir no outro mundo de convívio do grupo:

o off-line. O que nos remete à antropologia tradicional. É devido a esse "retorno ao

face a face" que fica difícil sustentar a existência de uma "ciberantropologia".

Antropologia na Internet é apenas uma etapa da pesquisa. Já que o grupo

cultiva uma vivência virtual em ambiente de chat, o pesquisador dever ir ao seu

encontro. Mas a vivência virtual anda lado a lado com a vivência "real" (off-line, face

a face), fazendo com que o pesquisador saia do chat e vá de encontro ao grupo. O

que é feito no bar, ou na casa noturna, ou no parque... O que o aproxima de uma

antropologia urbana.

Talvez a "ciberantropologia" esteja mais associada a uma pesquisa na

Internet.

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Da Internet

Antropologia na Internet é apenas uma etapa da pesquisa? Pode ser, mas

também pode revelar muito sobre a cultura envolvida. Fazer antropologia na Internet

requer e gera um desvendamento sobre a cibercultura. É quando o pesquisador faz

antropologia da Internet. Mas o que é cibercultura?

Pierre Lévy a considera como sendo a cultura formada a partir da

interconexão mundial. Basicamente isso, já que ele possui uma obra dedicada

exclusivamente ao assunto74. A intenção não é criticá-lo aqui, somente trazer sua

definição para podermos refletir. Essa interconexão mundial, teoricamente,

envolveria as culturas nacionais do mundo globalizado. Tudo a partir da rede do

ciberespaço. Mas será que essa cibercultura existe realmente?

O mundo está todo interconectado em rede, porém os internautas tendem a

utilizar o "ciberespaço local". Vejamos o exemplo dessa pesquisa. Todo o Planeta

Terra, tem, em tese, acesso aos chats do Provedor Terra. No entanto, as salas

virtuais são freqüentadas por critérios de identificação. No caso da "Porto Alegre",

pela identificação local. Provavelmente em Tóquio existam chats freqüentados pela

comunidade local. A mesma coisa em Nova Iorque ou em São Paulo.

Alguns pesquisadores sustentam suas pesquisas nas possibilidades da

Internet. Talvez o melhor seja explorar de que maneira a cultura local faz uso da

Internet. A rede possibilita o envolvimento de diversas culturas nacionais, mas o que

parece existir é um uso "com sotaque". Seria fazer futurologia dizer que a Internet

diminuirá as diferenças, ou que aproximará as culturas. As "invenções do século XX"

mostraram que cada tecnologia é reinventada e utilizada localmente com fins

específicos. Partindo desse princípio, o pesquisador poderá fazer não antropologia

da Internet, mas sim antropologia da cultura que utiliza a Internet. E assim, refletir

como as Novas Tecnologias são apropriadas simbolicamente pelas diversas

culturas.

74 Lévy, 1999.

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O antropólogo na Internet

Aproveitando o momento cabe questionar um pouco da condição de pesquisa

antropológica na Internet. Para responder essa questão vou "pedir ajuda aos

Universitários".

No corrente ano desenvolvi a atividade de estágio de ensino na disciplina de

"Seminário livre: antropologia visual e da imagem", sob orientação da Professora

Doutora Cornelia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha. Em um devido momento foi

sugerido aos alunos que desenvolvessem um exercício de campo na Internet. O

título era: "O Outro no ciberespaço: um ponto de vista antropológico". Algumas

considerações feitas por eles podem ser trazidas aqui.

A aluna Thaís Cunegatto abordou a diferença da sociabilidade virtual, que

"desperta o imaginário através da escrita". Algo semelhando ao que se deparou

César Augusto Cunha Nunes em sua experiência de campo:

"...um tanto quanto complicado, pois ela difere-se do tradicional 'olho-no-olho' que tenho como

experiência convivida em outros exercícios etnográficos. O fato de estar recebendo visualmente

somente o que foi escrito por outra pessoa e não poder olhar este mesmo, é algo no mínimo

diferente."

Robenson V. S. Diel também coloca a questão da comunicação e faz a

seguinte consideração sobre os "espaços de socialização virtual":

"...é uma definição técnica que caracteriza apropriadamente o que ocorre nessas salas de

bate-papo, onde as reticências também são formas de comunicação, onde os 'rss', 'ops', 'afim de tc?'

são signos de uma linguagem que expressa o que se passa do outro lado de um monitor de

computador,..."

A presente pesquisa é fruto de um envolvimento com o campo que começou

ainda no ano de 2000. No início as dificuldades encontradas eram as mesmas dos

alunos. Elas foram gradativamente sendo superadas com o acompanhamento

contínuo do meio. O antropólogo na Internet acaba tendo que aprender o tipo de

comunicação que é compartilhado. Um desvendamento da tecnologia é necessário.

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É difícil explicar em que momento há esse desvendamento. Ele pode ser

gradual ou impactante. Talvez seja algo semelhante ao que ocorre com o

estereograma. Em um dado momento os elementos começam a tomar forma. As

imagens começam a fazer sentido. A comunicação escrita (sem som e sem olho-no-

olho) deixa de ser um empecilho. O antropólogo acaba tendo que fazer o que o

freqüentador talvez faça: enxergar além do monitor, ou pelo menos imaginar.

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Conclusão

Nesse momento, talvez o leitor já tenha formulado algumas considerações

sobre o tema tratado aqui. Podemos, agora, refletir sobre conceitos e questões

apresentados no início. Alguns pontos merecem ser trazidos, outros poderão gerar

reflexões futuras. Talvez o leitor questione sobre as intenções do estudo: tratar de

um determinado panorama porto-alegrense delimitado historicamente; ou, tratar de

conceitos relacionados à sociabilidade, novas tecnologias e virtualidade. Sugiro que

a interpretação seja múltipla, embora sabendo que ela dependerá do "lugar de

leitura". Ou seja, o posicionamento do leitor no contexto social.

De qualquer forma, foi intenção aqui mostrar a complexidade que toma a

vivência em ambiente virtual de chat. A rede que se forma nesse processo não deixa

de praticar relações dramáticas e emotivas. Um comportamento que anda lado a

lado com o estreitamento das dimensões on e off-line. A partir de então, as trocas

entre as condições dos mundos "virtual" e "real" tornam-se constantes e em ambos

os sentidos75. O exemplo estudado mostra o quanto o chat de Internet é

representado como mais um ponto de encontro para os habitantes da cidade76.

Nesse processo, o chat torna-se um lugar passível de entrada, encontros,

passagens, estadas e saídas.

O status que o chat assume de "lugar" muito se deve ao poder que a imagem

assume na Internet. O que está de acordo com a proposta de Michel Maffesoli de

reencantamento da imagem na pós-modernidade. Através da tela do monitor é

possível "mergulhar" em realidades. E além disso, escolher a que melhor agrada

baseando-se nos sentidos gerados pela iconografia. A partir do caso estudado cabe

apresentar algumas considerações a respeito dos temas77 tratados.

75 Lembrando da relação apresentada no capítulo "Para pensar as novas tecnologias, o virtual e o ciberespaço": virtual real; virtual real; e, virtual real. 76 Deixando claro que a afirmação é referente ao segmento que está envolvido (utilizando) as tecnologias relacionadas à informática. 77 No plural, já que a diversidade de leitores pode resultar em uma certa multiplicidade de temas.

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Sobre sociabilidade virtual

No ambiente de chat é possível tanto "jogar sociedade", quanto "compor o

Nós". Utilizando da principal característica do meio - o anonimato - o indivíduo pode

livremente desenvolver uma interação pelo simples prazer do encontro com o Outro.

Existe uma forma de interação especificamente determinada pela característica do

meio virtual. A partir de então uma série de alternativas podem ser tomadas. O

conteúdo do encontro social poderá variar livremente. O importante é estar em

relação com outras pessoas, compartilhando aquele momento naquele espaço.

Os freqüentadores de chat são pessoas construindo, racional, consciente e

individualmente um mundo da vida. Não esqueçamos que, segundo Pierre Lévy, a

interação no ciberespaço é "palpável". Nesse mundo comum é possível perceber o

Outro. Além de compartilharem um mesmo espaço (ciberespaço), os freqüentadores

de chat compartilham da mesma evolução temporal. O que, para Alfred Schutz,

significa um "envelhecer juntos" somente atingido pela concretização do Nós na

relação entre um Eu e um Outro. É o que se refere como sendo um "presente

vivido".

Virtual e real

As situações on e off-line trazidas aqui nos permite pensar sobre a relação

entre os conceitos de virtual e real. A rede do chat tem uma conduta on-line igual

àquela cultivada off-line, nos "encontros da turma". Isso é visível tanto em termos

estruturais e estéticos da rede quanto no conteúdo das conversas. Por exemplo, a

formação de pequenas redes é comum, assim como a fofoca e a troca segredos.

Philippe Quéau acredita que haja uma separação entre mundos real e virtual. Ele

teme que haja uma massa seduzida pelo aspecto ideal do on-line. Entretanto, o que

ocorre no ciberespaço, observado a partir do chat estudado, não é a "desrealização".

A vivência on-line é tão real quanto o dia a dia das pessoas. Existe um

estreitamento nesses supostos mundos "virtual" e "real". O internauta pode não

diferenciar o que seja um e outro. Ele apenas pratica a sua vida tanto on quanto off-

line. É claro que ainda existe uma certa diferenciação entre mundos on e off-line,

entre o "real" e o "virtual". Essa percepção parece estar muito mais no imaginário

dos indivíduos do que nas suas próprias condutas. Os freqüentadores de chat, a

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partir do caso estudado, "entram" e "saem" da sala de bate-papo como quem vai e

vem dentro de casa, ou no emprego. Mesmo assim é bom questionar se não há a

criação de uma visão de mundo diferenciada nesse segmento de internautas.

Será que eles, a partir do momento em que começam a cultivar e privilegiar

uma vivência on-line, não agem off-line conforme um novo modelo? Um modelo que

mistura regras de conduta dos mundos real e virtual? A cultura, utilizando as Novas

Tecnologias, não se transforma?

Também podemos pensar o chat Porto Alegre a partir da articulação entre

virtual e real proposta por Jean-Louis Weissberg. A pessoa interessada em

conversar, bater papo, banir o sentimento de solidão ou se relacionar amorosamente

entra no chat. No meio virtual ela representa a sua condição física ou emocional.

Para isso ela elabora um nick recheado de signos e significativo de acordo com os

seus propósitos. Além disso, trabalha um discurso que dê conta da sua condição.

Nesse caso, o indivíduo está colocando o real no virtual. Passa para a tela do

computador, de forma representativa, todas as condições que dêem conta de sua

realidade enquanto objeto. Há inclusive a possibilidade de tentar recriar seus sons

(suas risadas) e sua imagem (mandando suas fotos). Tudo isso é um processo o

qual coloca dentro do virtual uma condição real de existência.

O on-line e o off-line são condições que se completam e fazem parte de uma

única realidade: àquela dos seus internautas conectados. Mas o inverso também

ocorre, das condições representadas no virtual (on-line) virem a se prolongar sobre

uma situação real (off-line). Nos encontros entre freqüentadores da sala Porto Alegre

é comum perceber uma continuidade da vivência cultivada em ambiente de chat.

Eles transferem suas experiências de chat para esses encontros. Além disso,

também se organizam estruturalmente da mesma forma percebida no chat. As redes

cultivadas no chat não deixam de existir nos encontros face a face.

Simulação

Algumas vezes, quem freqüenta o chat reproduz a desconfiança com a

continuidade do real sobre o virtual e vice-versa. Alguns internautas acreditam que

as relações de amizade só acontecem no chat. Nesse caso eles dizem que "ficam

somente no virtual". Outros, ao contrário, defendem a continuidade das relações

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iniciadas no chat para as demais instâncias da interação social (com ou sem

computador). Nesse caso dizem "eu quero alguém para além do chat".

"Fazer coisas no chat" significa simular. Aqui o termo simulação não é

depreciativo. Ele nos serve para designar uma ação que ocorre em circunstâncias

especiais. Simular também é fazer. Da mesma forma que fazer também é simular.

Os seres humanos aprendem a realizar ações por simulação. Todas as ações foram

antes simuladas. Podemos pensar a relação entre simulação e ação como sendo, a

primeira, um ensaio. Entretanto, se pensarmos que ao simular estamos

desempenhando uma ação, não existe uma relação de prioridade entre uma e outra.

O que vem antes? Não interessa muito. A simulação desempenhada no meio virtual

e a ação desempenhada no meio real têm o mesmo status. A diferença entre uma e

outra está nas condições que as cercam.

Se acreditamos, assim como Jean-Louis Weissberg, que pode haver uma

injeção do virtual no real, ou vice-versa, então brincar no chat, simular uma

personalidade, mentir e representar são condutas que podem ter origem no modo

off-line. Alguns comportamentos são criados na Internet, outros (e talvez a maioria)

são potencializados a partir dela. Da mesma forma, o segmento que freqüenta os

chats e hoje em dia preza pela sociabilidade virtual, molda uma conduta social

(incluindo a situação face a face) inédita. Para esses indivíduos a sociabilidade

obtém um outro sentido. Ela é feita de uma forma específica e em um grau diferente.

Basta lembrar do enorme número de contatos que esses usuários de chat já fizeram

em suas trajetórias e a maneira peculiar como lidam com seus relacionamentos.

"Teddy" tem em seu MSN Messenger o cadastro de mais de oitenta pessoas

diferentes. A sua rede de relações é diferente daquela de alguém que não freqüenta

chats de Internet. Além disso, o sentido que o internauta dá para seus

relacionamentos difere daquele até então existente. A mudança ocorre em termos

quantitativos e qualitativos. É claro que a conduta de um adolescente freqüentador

de chat não vai diferenciar muito da observada no segmento como um todo,

incluindo freqüentadores e não-freqüentadores de sala de bate-papo. Entretanto, vai

ser uma conduta peculiar. E como o segmento que proporcionalmente mais utiliza a

Internet é o de jovens e adolescentes, então o próprio segmento como um todo vai

adquirindo um conduta específica.

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Origem do chat

Precisamos refletir em quais circunstâncias a origem do chat está envolvida e

o momento em que ele surge. O chat de Internet não surge "do nada". Ele é

arquitetado com algum propósito. As condições para o seu surgimento estão

relacionadas com o avanço da tecnologia e o processo pelo qual passa a sociedade

ocidental. Dessa forma, o chat faz parte do processo de expansão da semiosfera

que é proposta por Lúcia Santaella. Em Porto Alegre o chat tem origem com a

instalação dos primeiros provedores de Internet. Desde o início eram colocados à

disposição, nos sites dos provedores, salas de bate-papo virtual. Esse serviço era

dedicado tanto ao cliente do provedor, quando ao internauta em geral. A intenção do

provedor é a mesma de "Teddy" em relação ao site da "POA B": aumentar o número

de acessos e fazer com que mais pessoas visitem a página. No primeiro caso há o

interesse comercial. No segundo, prevalece a reputação78.

Gradativamente o chat foi sendo experimentado pela população porto-

alegrense. No início a experimentação era feita em maior proporção pelo segmento

com maior poder aquisitivo. Em seguida, o contato foi sendo ampliado aos demais

segmentos. Esse processo resultou de duas frentes: o relativo barateamento dos

equipamentos e a difusão dos mesmos em diversos setores, tais como: instituições

de ensino, entidades comunitárias, locais de lazer (bares e cafés), escritórios e

empresas. Os pontos de acesso à Internet foram se multiplicando pela cidade de

Porto Alegre. Cada vez mais, os moradores foram tomando conhecimento e

aproveitando dos seus benefícios, entre eles, a comunicação via chat.

De um local relativamente homogêneo79, o chat passou a se caracterizar por

uma certa heterogeneidade80. No chat Terra Porto Alegre há freqüentadores de

várias idades, moradores de diversas localidades da cidade (e até mesmo da Região

Metropolitana81), com poderes aquisitivos variados e estilos de vida diferentes.

78 Na Internet o capital simbólico é específico. É mais valorizado aquele site que consegue ter o maior número de visitantes, mesmo que não existam intenções comerciais. Para os sites comerciais, o maior número de acessos gera maiores quantidade de anunciantes e valor do anúncio publicado. Para os sites não comerciais, o maior número de acessos gera maior reconhecimento na rede, entre os internautas. 79 Freqüentado por um segmento, basicamente, com melhor poder aquisitivo, formado por jovens do sexo masculino e com alto grau de instrução (Fonte: IBOPE). 80 Chegou ao on-line uma característica do off-line: a convivência, em sociedades complexas, de diversos estilos de vida, que é a proposta de Gilberto Velho. 81 O que mostra a força da imagem de Porto Alegre como fonte de sociabilidade, entretenimento, boemia e lazer.

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Diante dessa diversidade, os usuários do sistema tentam se organizar a partir das

semelhanças, tanto em termos de condições objetivas de existência, quanto à

escolha subjetiva individual (escolha de um estilo e de uma imagem que agradem).

Na "POA B" vários indivíduos compartilhavam de uma mesma situação de

existência. Muitos deles acabavam se isolando da coletividade. Nesse processo,

muito contribuíram o deslocamento do local de origem e as atuais condições de

trabalho. Lembremos de "Teddy" e sua saída da cidade natal para estudar. E ainda,

tanto ele quanto "Isa" compartilhavam de um mesmo panorama do atual mercado de

trabalho. No ambiente de trabalho deles havia uma certa ausência de colegas. Ela é

resultado de um atual processo de redução dos postos de trabalho e busca da

"qualidade total". Isso significa que o empregado que antes fazia certas funções,

agora desempenha tarefas de cargos extintos. Os postos de trabalho são reduzidos.

Nesses casos não existe uma "turma" do serviço que compartilha momentos de

sociabilidade. Porém, o chat também serve de ferramenta à quem está longe da

coletividade usual, por exemplo, a turma de colégio no caso de "Anjo". Haveria

outros exemplos de apropriações diversas do chat. Talvez fosse apropriado

considerar o chat Terra Porto Alegre como um bom exemplo de "universalidade sem

totalidade", seguindo a proposta de Pierre Lévy.

A informática gera condições de vivência baseadas no intimismo.

Paradoxalmente, o indivíduo pode estar, por exemplo, em seu quarto conectado

"com o mundo". Nesse caso o ciberespaço atinge o status de lugar de permanência

por excelência. "Todos" estão na rede. Não é de se estranhar que sejam criados

nesse ambiente salas para o cultivo da sociabilidade. A Antropologia deve estar

atenta a responder de que maneira a cultura humana reage às suas próprias

invenções. Incluindo aí tanto as Novas Tecnologias quanto os "modelos", como é a

Globalização. Esse estudo colabora para pensar como a cidade de Porto Alegre se

insere na sociedade global via inovações tecnológicas, via o exemplo do chat Terra

Porto Alegre.

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