planejamento rppn pÉ de serra - mg

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PLANEJAMENTO DA RPPN PÉ DE SERRA, CAATINGA DA BAHIA Flávio Leopoldino 1 Alexandre Leite Braga 2 Nívea Maria de Oliveira e Silva 3 CONTEXTO A área de dominio do bioma Caatinga ocupa cerca de 750.000 km², perfazendo aproximadamente 11% do território brasileiro na qual engloba de forma contínua parte dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte do Norte de Minas Gerais. Este bioma é caracterizado por um regime hídrico de precipitação altamente concentrada e períodos de seca prolongados. É uma formação endêmica do Brasil e, apesar da sua aparente homogeneidade, são reconhecidas muitas fisionomias com várias fácies e, pelo menos, 13 tipos de vegetação em seis grandes unidades fitofisionômicas distintas (PRADO, 2003). Contrariando antigas convicções, como a que afirma que a “Província das Caatingas” é uma região pobre em espécies, estudos detalhados recentes têm demonstrado a alta riqueza de espécies e altas taxas de endemismo para vários grupos de plantas e animais (LEAL et a.l, 2005). A presença de formações geológicas de idades e composição distintas, e a alternância de períodos secos e úmidos ao longo de milhões de anos, resultaram em uma paisagem em mosaico constituída por elementos de outros biomas, que se inserem e se integram de diversas formas com a caatinga, o que aumenta a diversidade biológica regional. Apesar de ser a única grande região natural brasileira cujos limites estão inteiramente restritos ao território nacional, pouca atenção tem sido dada à conservação da variada e marcante paisagem da caatinga, e a contribuição da sua biota à biodiversidade do Brasil tem sido subestimada (SILVA et al., 2003). Rica em recursos naturais, a Caatinga é um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. O seu alto poder calorífico ocasiona uma das principais causas da sua degradação. Em uma região em que a escassez de rios implica acesso menor à energia elétrica, a lenha e o carvão vegetal correspondem a trinta por cento da matriz energética usada nas indústrias da região, o que acaba intensificando o desmatamento local. Este bioma é um dos menos conhecidos do Brasil, sendo que inventários básicos sobre a distribuição das espécies são escassos. Além disso, a Caatinga possui o menor número e a menor extensão de áreas protegidas dentre os biomas brasileiros (LEAL et a.l, 2005). Dentro deste contexto, amplia-se a importância do incentivo à criação e implementação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN nas estratégias de conservação deste bioma. Baseando-se nestas premissas que em 2004, a Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – Preserva reuniu seus associados para decidir qual RPPN seria a contemplada com plano de manejo em um projeto que seria submetido ao Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA. Por unanimidade foi contemplada a RPPN Pé de Serra de 1.259 ha e está localizada no município de Ibotirama, caatinga da Bahia. Nesse sentido, este artigo relata alguns aspectos históricos e da fauna na RPPN Pé de Serra estudados no âmbito da elaboração do plano de manejo que a PRESERVA vem 1 Engenheiro Florestal, M.Sc., Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia – IESB, [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – Preserva, [email protected] 3 Engenheira Agrônoma, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – PRESERVA, [email protected]

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1 Engenheiro Florestal, M.Sc., Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia – IESB, [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – Preserva, [email protected] 3 Engenheira Agrônoma, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – PRESERVA, [email protected]

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Page 1: PLANEJAMENTO RPPN PÉ DE SERRA - MG

PLANEJAMENTO DA RPPN PÉ DE SERRA, CAATINGA DA BAHIA Flávio Leopoldino1

Alexandre Leite Braga2 Nívea Maria de Oliveira e Silva3

CONTEXTO A área de dominio do bioma Caatinga ocupa cerca de 750.000 km², perfazendo aproximadamente 11% do território brasileiro na qual engloba de forma contínua parte dos estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte do Norte de Minas Gerais. Este bioma é caracterizado por um regime hídrico de precipitação altamente concentrada e períodos de seca prolongados. É uma formação endêmica do Brasil e, apesar da sua aparente homogeneidade, são reconhecidas muitas fisionomias com várias fácies e, pelo menos, 13 tipos de vegetação em seis grandes unidades fitofisionômicas distintas (PRADO, 2003). Contrariando antigas convicções, como a que afirma que a “Província das Caatingas” é uma região pobre em espécies, estudos detalhados recentes têm demonstrado a alta riqueza de espécies e altas taxas de endemismo para vários grupos de plantas e animais (LEAL et a.l, 2005). A presença de formações geológicas de idades e composição distintas, e a alternância de períodos secos e úmidos ao longo de milhões de anos, resultaram em uma paisagem em mosaico constituída por elementos de outros biomas, que se inserem e se integram de diversas formas com a caatinga, o que aumenta a diversidade biológica regional. Apesar de ser a única grande região natural brasileira cujos limites estão inteiramente restritos ao território nacional, pouca atenção tem sido dada à conservação da variada e marcante paisagem da caatinga, e a contribuição da sua biota à biodiversidade do Brasil tem sido subestimada (SILVA et al., 2003). Rica em recursos naturais, a Caatinga é um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta. O seu alto poder calorífico ocasiona uma das principais causas da sua degradação. Em uma região em que a escassez de rios implica acesso menor à energia elétrica, a lenha e o carvão vegetal correspondem a trinta por cento da matriz energética usada nas indústrias da região, o que acaba intensificando o desmatamento local. Este bioma é um dos menos conhecidos do Brasil, sendo que inventários básicos sobre a distribuição das espécies são escassos. Além disso, a Caatinga possui o menor número e a menor extensão de áreas protegidas dentre os biomas brasileiros (LEAL et a.l, 2005). Dentro deste contexto, amplia-se a importância do incentivo à criação e implementação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPN nas estratégias de conservação deste bioma. Baseando-se nestas premissas que em 2004, a Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – Preserva reuniu seus associados para decidir qual RPPN seria a contemplada com plano de manejo em um projeto que seria submetido ao Fundo Nacional do Meio Ambiente – FNMA. Por unanimidade foi contemplada a RPPN Pé de Serra de 1.259 ha e está localizada no município de Ibotirama, caatinga da Bahia. Nesse sentido, este artigo relata alguns aspectos históricos e da fauna na RPPN Pé de Serra estudados no âmbito da elaboração do plano de manejo que a PRESERVA vem

1 Engenheiro Florestal, M.Sc., Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia – IESB, [email protected] 2 Engenheiro Agrônomo, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – Preserva, [email protected] 3 Engenheira Agrônoma, Associação de Reservas Particulares da Bahia e Sergipe – PRESERVA, [email protected]

Page 2: PLANEJAMENTO RPPN PÉ DE SERRA - MG

desenvolvendo em parceria com o Instituto de Estudos Socioambientais do Sul da Bahia – IESB e apoio do FNMA. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RPPN Já passaram mais de três séculos desde que a propriedade conhecida como Arame encontra-se em posse da família Vale Dourado. A fazenda de 3.206 ha pertence ao engenheiro Renato Vale Dourado e possui esta denominação por ter sido o seu avô que em 1916 construiu a primeira cerca de arame farpado no município de Ibotirama (que na época pertencia a Rio Branco). O Sr. Alcir Vale Dourado, irmão do proprietário e administrador da propriedade, tem sido o maior entusiasta da conservação da área. Após o estímulo do agrônomo Marcos Costa, que na época era Secretário da Agricultura do município, 1.259 ha, ou seja, 40 % da propriedade foi reconhecida como RPPN Pé de Serra em 1992 por meio da Portaria IBAMA 60-92/N. O nome Pé de Serra deve-se a sua localização da área estar no entorno de serras. A área da Reserva é delimitada por dois rios, o Riacho da Vereda, que vem do município de Oliveira dos Brejinhos, e o Riacho Cai Água, que nasce na cachoeira do Cai Água localizada no interior da Reserva. O encontro destes dois rios é conhecido como “encontro das águas” onde recebe o nome de Riacho Grande, o qual desemboca no Rio São Francisco, em Ibotirama. Anteriormente o riacho era perene em todo seu percurso de 23 Km (da nascente do Riacho cai Água até sua desembocadura no Rio São Francisco), principalmente na época da chuva (outubro a abril). Nos últimos anos o nível da água diminui, restando perene somente o trecho que passa no interior da fazenda. Há 21 anos, a empresa baiana de abastecimento de água pediu permissão para construir uma barragem no interior da fazenda para abastecer de água comunidades vizinhas. A autorização do Sr. Alcir aconteceu mediante um acordo que a água não deveria ser cobrada das comunidades beneficiadas. Hoje são quatro comunidades beneficiadas, além de aproximadamente 1.000 cabeças de gado e outros animais domésticos que são criados no entorno da RPPN. Além dos benefícios proporcionados pelo fornecimento de água, a abertura da reserva ao uso público tornou-a uma referência como espaço protegido, embora às vezes interpretado como “área do IBAMA”. Dentre a infra-estrutura, destaca-se o espaço cultural Dr. Ledyr Calvacanti do Vale Dourado, que agrega, biblioteca, sala de leitura e espaço para pesquisas destinadas a atender os alunos da rede pública de Ibotirama e cidades vizinhas. METODOLOGIA E RESULTADOS A metodologia utilizada seguiu o roteiro metodológico para a elaboração de planos de manejo para RPPN, publicado pelo IBAMA em 2004. Após a formação da equipe do projeto em 2006 foram realizados levantamentos de anfíbios, morcegos, mamíferos não voadores, vegetação, solos, turismo, e limnologia, além de oficinas participativas com as comunidades locais. Em síntese deu-se seqüência as seguintes etapas: composição da equipe após a contratação dos consultores; levantamento de matérias e informações; revisão no planejamento dos trabalhos com cronograma de atividades e custos; levantamentos de campo que envolve os dados de fauna, flora, meio físico; oficinas de diagnósticos e planejamento participativos; tratamento de informações e desenho do planejamento. A previsão é que em abril de 2009 o plano seja submetido à aprovação junto ao IBAMA.

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O inventário de anfíbios coordenado por Juliana Rodrigues mostraram que as espécies encontradas são, em sua maioria, de ampla distribuição e abundantes. Apenas duas delas pertencem somente à região nordeste do país e nenhuma é endêmica da caatinga. A amostragem abrangeu todas as tipografias vegetais da fazenda, porém, o curto prazo para o levantamento pode ter comprometido os resultados já que vários anfíbios só são encontrados na época reprodutiva, que pode ser de curta duração. Mesmo assim, os dados obtidos contribuem para o conhecimento da distribuição das espécies de anfíbios na Bahia e podem ser utilizados para comparações com outras áreas de caatinga. Nos levantamentos das aves foram amostrados os ambientes de floresta ripária na região das cachoeiras, áreas de caatinga arbustiva além de caatinga arbóreo-arbustiva. Também foram inventariadas áreas antropizadas, como pastos, estradas e jardins. Foram registradas 117 espécies em 36 famílas com 16 ordens, com predomínio indiscutível de Passeriformes e das famílias Tyrannidae, com 21 espécies. De acordo como o biólogo Cassiano Gatto, a riqueza de aves encontrada foi comparável à estudada em nove ambientes amostrados na Chapada Diamantina durante 18 dias de esforço de campo. O biólogo Leonardo Neves utilizando as metodologias de entrevista, “Cameras-trap”, registro de mamíferos de médio e grande porte através de evidências diretas e indiretas, e captura de pequenos mamíferos, registrou 24 espécies distribuídas em seis ordens.De acordo com o pesquisador ficou evidente por meio das entrevistas que há uma forte pressão de caça na região e configura uma forte ameaça a reserva. As amostragens de morcegos realizadas pelo biólogo Fábio Falcão em duas campanhas resultaram na coleta de 55 indivíduos, pertencentes a 11 espécies, distribuídas em duas famílias. Destaque para a espécie Saccopteryx leptura que embora seja uma espécie insetívora e ter ampla distribuição no país, ocorrendo em todos os biomas foi o primeiro registro na Bahia. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados dos estudos da fauna da RPPN Pé de Serra revelam uma alta riqueza de espécies, representativas de ambientes abertos, florestais e áreas antropizadas. Em função da cobertura florestal representativa na área da fazenda, a área constitui-se em um repositório de biodiversidade que se destaca em uma paisagem bastante alterada. Faz-se necessária uma atuação mais incisiva por parte dos órgãos de fiscalização para coibir a caça e captura de animais silvestres, além do desmatamento ilegal. Nas próximas etapas do planejamento o enfoque será voltado as relações com a comunidade de entorno na tentativa de se construir uma relação mais participativa, principalmente no elaboração dos programas de uso publico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LEAL, IR; SILVA, JMC; TABARELLI, M E LACHER JR., TE. 2005. Mudando o curso da conservação na Caatinga do Nordeste do Brasil. Megadiversidade 1(1): 139-146 SILVA, JMC; SOUZA, MA; BIEBER, AGD E CARLOS, CJ. 2003. Aves da Caatinga: status, uso do habitat e sensitividade. In: Leal, IR; Tabarelli, M e Silva, JMC (orgs.), Ecologia e Conservação da Caatinga, pp 237-273. Recife, Editora Universitária UFPE. RIZZINI, C.T. 1979. Tratado de fitogeografia do Brasil. Volume 2. Aspectos sociológicos e florísticos. Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo.