planejamento de estruturas urbanas e regionais ii · a escolha da amazônia foi baseada ......
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Planejamento de estruturas urbanas e regionais II
Prof. Csaba DeáK
Eduardo Pimentel Pizarro 5915973
Os Entraves que garantem a reprodução da sociedade de elite brasileira
e sua influência na Questão Fundiária Amazônica
O livro “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, bem exemplifica
as questões de uma sociedade colonial elitista, na qual a posse da
terra é de suma importância e motivo de conflitos. Da mesma forma
ocorre no caso Amazônico atual, no qual a sociedade de elite e os
conflitos pela terra ainda ecoam, graças à manutenção de entraves
que, trazidos de fora no passado, foram incorporados intrinsecamente
à estrutura brasileira.
Introdução
A presente monografia busca tratar da questão fundiária na
Região Amazônica Brasileira. A escolha da Amazônia foi baseada
pela necessidade do autor da monografia e de grande parte da
população brasileira em entender essa região, em seus aspectos
geográficos, de biodiversidade, economia, política, sociedade,
cultura. O povo brasileiro pouco sabe sobre essa área do território
brasileiro de mais de 5 milhões km², isto é, 61% do território brasileiro.
Estudar sobre a Amazônia é tratar de questões nacionais já que essa
parte do território brasileiro, não só por suas dimensões é demasiado
importante para o país como um todo, assim como para o resto do
Mundo. A monografia de grupo desenvolvida para essa disciplina
também versa sobre a região Amazônica e os olhares externos
lançados sobre ela, tanto os olhares nacionais quanto os
internacionais. Para a realização da monografia foram lidos artigos de
diversos anos referentes ao tema, realizando uma tarefa que deveria
já ter sido feita.
A questão fundiária do Brasil é interessante e ainda mais a da
Região Amazônica, que envolve diversos agentes com diferentes
interesses em uma região de grande riqueza. É também instigante na
medida em que é muito mal conhecida a ocupação fundiária e isso
apresenta implicações sociais, ambientais e no próprio
desenvolvimento da região. Além disso, esse é um assunto que está,
atualmente, nas discussões entre poderes executivo e legislativo,
além de opinião pública e organizações não governamentais.
Os conhecimentos relacionados com a Amazônia são muito
vastos e, dessa forma, fica claro que esta monografia não tratará de
todas as questões envolvidas com o tema proposto, embora, por
haver o objetivo de permitir o conhecimento do tema por outras
pessoas, buscou-se realizar uma compilação do conhecimento
existente, trazendo em forma de anexo reportagens, além de leis e
outros elementos jurídicos que possam contribuir para o
entendimento do texto e da questão analisada (presentes no CD).
Desta forma, busca-se fomentar o conhecimento que se tem com
relação à questão fundiária na região Amazônica.
Antes de tratar propriamente da questão fundiária na
Amazônia, porém, serão analisados condicionantes da situação em
que o Brasil se encontra, além de um panorama histórico evolutivo da
questão fundiária no Brasil.
Acumulação entravada, sociedade de elite e legislação
O Brasil, do mesmo modo que países como China e Índia, é
recém-saído do estágio extensivo de produção capitalista e sua
“evolução” para o estágio intensivo é dificultada por uma série de
entraves que estão arraigados à estrutura interna brasileira. Essa
série de entraves inerentes caracteriza o que se denomina de
acumulação entravada.
Dentre os modos de manutenção dos entraves pode-se citar: a
ausência de créditos e aplicação de juros altos; a fragmentação e
precariedade de infra-estrutura; dependência; restrição da produção
nacional a bens de consumo e delegação de outros setores
produtivos ao capital estatal ou estrangeiro. Em suma, os entraves
são elementos que foram impostos ao Brasil no seu período colonial e
que mesmo depois da independência continuaram a ser aplicados
sem quaisquer modificações ou então modificações sensíveis,
“infiltrando-se” na própria estrutura brasileira. A característica desse
sistema de acumulação entravada é que parte do excedente
produzido ao ano é acumulado (incorporado à produção), enquanto
outra parte é expatriada , ficando, assim, “perdida” para o processo de
acumulação. O processo de acumulação é subordinado ao princípio
de expatriação de excedente.
A acumulação entravada tem origem na sociedade e no modo
de produção colonial que foram perpetuados mesmo com a
independência brasileira. A sociedade de elite, dessa forma, é
mantida e a “base material para a sua reprodução” é a acumulação
entravada. Há uma necessidade mútua de existência entre a
acumulação entravada e a sociedade de elite.
Observa-se que o contínuo entravamento, a fragilização da estrutura
produtiva e a não-realização de um progresso técnico autóctone
contribuem para o baixo nível de reprodução da força de trabalho, que
se manifesta nas condições precárias de vida do trabalhador, no
rebaixamento das condições de vida urbana, nas desigualdades
sociais, na concentração de renda.
No caso específico da questão fundiária na Amazônia,
percebe-se que ela é determinada também por um entrave principal
que é a legislação que vem se perpetuando por séculos sem
modificações, continuando, portanto a privilegiar os interesses das
camadas altas de uma sociedade de elite que precisa desses
mecanismos para se reproduzir e por isso incentiva sua perpetuação.
A Lei de Terras de 1850 (Lei n°601 de 1850) é um exemplo
demasiado importante de lei que foi criada pouco tempo depois da
independência, antes da República porém, e que refletia os
interesses das altas camadas da sociedade colonial e que por ter seu
emprego prorrogado por mais alguns séculos, continuou
“alimentando” essa sociedade de elite, que por sua vez contribui para
a acumulação entravada.
Com a Lei de Terras de 1850, o trabalho assalariado se torna
predominante e generalizado. O princípio de acumulação é
subordinado à expatriação e, por isso, gera a acumulação entravada,
com a perpetuação da expatriação do excedente, necessário para a
reprodução da sociedade de elite.
Junto ao Código Comercial, a Lei de Terras é a lei mais antiga
em vigor no Brasil. A lei das Terras permitiu a reprodução da sociedade
de elite, que manteve longe da posse da terra outras setores da
sociedade, contribuindo para as desigualdades sociais e os conflitos.
Panorama Histórico sucinto do direito agrário no Brasil
Com o início do Período Colonial, começaram maiores
relações entre os colonizadores portugueses e os povos nativos
brasileiros e na necessidade de colonização e ocupação, foi
implementado, inicialmente, no que diz respeito ao regime de terras, o
sistema de capitanias e sesmarias. Foram criadas 15 capitanias
hereditárias que eram doadas a nobres portugueses através de uma
Carta de Doação, que estabelecia obediência ao Rei da metrópole
além de fazer a capitania prosperar. As capitanias eram subdivididas
em sesmarias, pedaços de terra doadas, com dimensões de cerca de
6 léguas de profundidade por 3 léguas de largura. Até então, todas as
terras eram de propriedade do rei, que podia doá-las de acordo com
seus interesses e conveniências. Já existia, contudo, casos de
apropriação direta da terra, feita por homens livres que se instalavam
em áreas pequenas para cultivo. Posteriormente, entrou em vigência
o sistema de governadores gerais.
Já na Constituição de 1824, são esboçados privilégios com
relação à posse de terra.
A partir de 1850, com o processo de abolição da escravidão, a
elite agrária começa a se preocupar com o acesso à terra e como
impedir seu acesso a outros grupos sociais. Para evitar o acesso à
terra para escravos e imigrantes é pensada a já citada Lei de Terras,
que garante os interesses dos grandes proprietários. A terra só seria
adquirida com autorização do rei ou por compra e venda. Todas as
terras já ocupadas poderiam ser mantidas desde que se comprovasse
residência e produção, transformando-se em propriedade privada.
As terras não ocupadas passavam a ser propriedade do Estado e só
poderiam ser adquiridas através da compra em leilões com
pagamento à vista, e não mais por posse. Essa lei não sofreu
alterações com a Proclamação da República, nem na Constituição de
1891.
Algumas transformações passaram a ser implementadas no
próximo século. Com a Revolução de 1930, autoriza-se a
desapropriação de terra com interesse público, com indenizações. Na
Constituição de 1946, é regulamentada a necessidade de fazer valer
a função social da propriedade. Em 1964, é criado o Estatuto da Terra
e a lei n° 4504/1964, que estão em vigor ainda hoje. O estatuto permite
a reforma agrária, mas ela era impedida pelo Código Civil (1916) que
atendia aos interesses dos grandes proprietários de terra. Já a
Constituição de 1988 legitima a desapropriação da terra para fins de
reforma agrária. A seguir, tratar-se-á do caso amazônico
especificamente.
Analisando-se o mapa de densidade demográfica, percebe-se claramente que a Amazônia Legal apresenta valores muito baixos. Apesar do grande crescimento populacional que a Amazônia sofreu, o seu território ainda é demasiado extenso. A densidade demográfica é maior em torno a grandes centros urbanos. A taxa de urbanização apresenta relação com a densidade demográfica, na sua distribuição espacial.
Quanto ao uso da terra, nota-se na Amazônia Legal uma predominância de áreas de matas e florestas, seguidas de áreas de lavouras e pastagens. Pode-se notar que diferentes usos estão entremeados à floresta, caracterizando o tipo de ocupação e uso dessa terra.
Esses dois mapas tratam da distribuição espacial de dois elementos que são vistos por posseiros e grileiros como os principais obstáculos de ocupação: as reservas indígenas e as áreas de conservação. Essas áreas, geralmente providas de muitos recursos são os principais focos de conflitos na Amazônia. Analisando-se essas áreas em relação ao total, nota-se que não são muito extensas, mas vistas juntas “consomem” uma área considerável da Amazônia. Muitas terras indígenas já estão demarcadas, mas algumas ainda aguardam por delimitação.
Observando-se o mapa referente à estrutura fundiária, dando destaque para a área circundada por uma linha verde (Perímetro da Amazônia Legal), nota-se que predominam as propriedades com área de até 1.000 até 100.000 ha. Por outro lado, o número de propriedades de até 100 ha é pequena. Dessa forma, observa-se que talvez não haja prejuízo tão grande com a MP 458 que prevê a doação das terras nos casos de até 100 ha. No que diz respeito aos assentamentos, predominam municípios sem áreas ocupadas, mas existem alguns pontos com índices de assentamento elevados.
O Índice de Gini é calculado de forma que permite a análise da concentração fundiária. Quanto mais próximo de 1 é o valor, maior é a concentração fundiária. É interessante observar a variação da concentração fundiária que pode ocorrer no transcorrer de alguns anos. É o que acontece com uma grande mancha com índice de Gini 1 no mapa de 1992, que em 2003 ficou suavizada, isto é, houve uma diminuição da concentração fundiária. Talvez nesse caso tenha ocorrido um reparcelamento da terra e sua venda para diferentes proprietários.
A Questão Fundiária na Amazônia propriamente dita
Até meados da década de 1960, as terras amazônicas eram
basicamente da União e dos estados. Das terras registradas pelo
IBGE, 87% era de matas exploradas por ribeirinhos (prática de
extrativismo); 11% referente a pastos naturais ocupados por antigos
fazendeiros para a criação de gado; 1,8% ocupadas com produção
agrícola, sendo que metade dessa área possuía o título de
propriedade privada. Isto quer dizer que grande parcela da s terras
amazônicas eram públicas e” livres” de classificação como
propriedade privada. Até então, a população nativa e os migrantes
conviviam pacificamente, cada um com suas terras, desempenhando
diferentes funções.
Essa “harmonia” começou a ser desequilibrada na passagem
da década de 1960 para a de 1970, devido ao emprego de
pensamentos correntes na época com relação a desenvolvimento.
Havia a noção de que algumas regiões eram atrasadas no que diz
respeito ao desenvolvimento econômico, social devido à falta de
capitais produtivos e de infra-estrutura que atraíssem e incentivassem
investimentos. Dessa forma, uma alternativa para esse quadro seria a
atração de capitais produtivos nacionais e internacionais, lançando-
se mão de vantagens e incentivos.
Com base nesse pensamento, foi arquitetado um modelo de
desenvolvimento para a Amazônia, buscando desenvolvê-la e
integrá-la, durante os governos militares no Brasil, após 1964. Foram
oferecidas vantagens fiscais, incentivos por cerca de 10 a 15 anos.
Além de oferecer recursos financeiros a juros baixos, o governo
isentava quase que a totalidade de imposto de renda, devendo ser
esse capital empregado na expansão das empresas na região. Esses
incentivos foram voltados principalmente para os setores pecuários,
de mineração e madeireiros, setores esse que geram poucos
empregos e utilizam grande quantidade de terras. A partir desse
ponto, começam a ser notadas as primeiras desvantagens desse
modelo para a Amazônia. O Governo delegava a grandes empresas
um capital que poderia ter sido aplicado na Amazônia em vistas de
modernizar a produção tradicional local ou então melhorar as
condições de vida da população através de investimentos em
equipamentos públicos como escolas, hospitais.
Como se pode imaginar, essas empresas, em sua maioria
empregaram os capitais em outras regiões, compraram grandes
extensões de terra por motivos especulativos, causaram grandes
impactos ambientais, ou então essas empresas nem sequer existiam.
Fazendo-se um balanço, essas empresas não trouxeram
desenvolvimento, nem empregos e ainda por cima desviaram um
dinheiro público que poderia ter sido investido em melhorias na região
e geraram prejuízos ambientais. Apesar dessa situação ser facilmente
notável, continua a ser mantida.
Para a realização desse modelo, o governo ainda teve de arcar
com altos investimentos em infra-estrutura e realizar mudanças na
legislação, com implementação de dispositivos legais extraordinários.
Percebe-se que o governo facilmente readequa uma lei para que ela
beneficie uma elite, mas dificilmente essa lei é reavaliada
posteriormente. Por isso que questões como a fundiária, que são
determinadas por questões legais, permanece por longos períodos
inalteradas, apenas agravando a situação em favor de uma sociedade
de elite que nada mais é do que a continuação da sociedade colonial
brasileira.
Entre as décadas de 1970 e 1980, as terras públicas foram
sendo colocadas à venda por órgãos fundiários do governo ou
particulares. Principalmente nesse período, mas também desde a
década de 1960, começaram as ações ilegais e irregulares nas
vendas e demarcações das terras, caracterizando a grilagem de
terras. Várias práticas diferentes ocorriam, desde a demarcação de
áreas maiores que as vendidas, até a venda, por particulares de terras
públicas a um comprador ou até a mais de um. As terras eram
vendidas sem haver uma certificação de que a área era desocupada,
e muitas vezes ocorria de haver nessas terras uma população que lá
habitava a muito tempo. Essa atitude gerou muitos conflitos e
concentração de terras. Esse período, portanto, foi marcado pela
transformação das terras públicas em terras privadas através de
meios legais e também por fraudes e grilagem.
´ Já nessa época, mais especificamente em 1976, foram feitas
medidas provisórias que buscavam legalizar as terras griladas, sob
estranhas “justificativas”: “Permite-se a regularização de propriedade
de até 60.000 ha que tenham sido adquiridas irregularmente as com
boa fé”. (Loureiro, 2005). Essa iniciativa, como será tratado à frente,
está sendo discutida na atualidade também, como alternativa para a
questão fundiária na Amazônia.
A partir da década de 1980, com as crises do petróleo e a
conseqüente recessão econômica no Brasil, houve um agravamento
dos problemas referentes à questão agrária na Amazônia. Uma vez
que o governo ainda via com bons olhos a entrada de investimentos
internacionais como forma de desenvolvimento para a região
Amazônica, os países desenvolvidos direcionaram para essa região
suas empresas de alto consumo energético.
Dessa forma, os países desenvolvidos se recuperaram, ao contrário
do Brasil, que ainda teve de arcar com dividas de empréstimos
realizados para implantação de infra-estrutura necessária para o
recebimento das empresas estrangeiras. O Brasil, nesse episódio,
apresentou, contudo grandes crescimentos na produção de produtos
como ferro, alumínio, celulose, incentivando cada vez mais a
exploração desses recursos. Todavia, o incentivo a esse tipo de
exploração, com alterações na legislação inclusive, gera conflitos em
regiões como a Amazônia, onde regiões ricas em recursos são áreas
de conservação ou áreas de reserva indígena.
É interessante observar também a evolução da população absoluta
da Amazônia durante essas décadas, durante as quais a chegada de
investimentos nacionais e internacionais atraiu grandes contingentes
de mão-de-obra, que acabou se assentando na região, contribuindo
ainda mais para os conflitos fundiários. Na década de 1960, a
população era de mais de dois milhões, na de 1970, mais de quatro
milhões, na de 1980, mais de seis milhões, na de 1990, mais de dez
milhões e hoje cerca de vinte milhões.
Como já relatado, não houve no decorrer dos anos grandes
mudanças na legislação fundiária já que sua manutenção do modo
com está garante o atendimento aos interesses de uma elite. É
notável que enquanto essa elite atual, que nada mais é do que a elite
colonial, continuar com esse controle, mantendo os “elementos
coloniais” arraigados no cerne do sistema nacional e não se
transformar em uma elite burguesa, existirá uma acumulação
entravada, que dificulta a passagem do Brasil de um estágio extensivo
para um intensivo.
Atualmente, contudo, voltou à tona a discussão da questão
fundiária amazônica e as questões: quem é dono da Amazônia? o
Brasil? o Mundo como um todo? alguém pode comprá-la? as terras
ilegais têm realmente um dono? elas devem ser regularizadas? ou
devem ser retomadas pelo governo? quais as conseqüências
ambientais disso? e as sociais? Todas essas questões estão sendo
amplamente discutidas atualmente e não há respostas definitivas
ainda, já que mesmo que propostas venham sendo formuladas, elas
ainda apresentam grupos contrários a elas.
Chegou a se pensar no primeiro mandato do presidente Lula
na criação de Regime de Concessão na Amazônia, segundo o qual as
empresas não adquirem propriedade, mas a concessão de
exploração por 30 anos, podendo renovar esse prazo. Esse regime foi
duramente criticado por Geraldo Alckmin durante debates das
eleições, em 2006, dizendo que essa iniciativa significava o mesmo
que privatizar a floresta.
Muitas foram também as discussões sobre a compra de áreas
florestais por ONGs, particulares ou fundações em vistas de
conservar essas áreas. O jornal britânico “The Guardian”, chama essa
ação de “a grande apropriação verde de terras”. Um caso exemplar é o
de Johan Eliasch, milionário que comprou 400 mil acres na Floresta
Amazônica em 2006. Lula rebate às especulações internacionais
dizendo: “ A Amazônia não está à venda”. Com relação a essa
“tendência” de compra, por particulares, de áreas para proteção,
existe um medo e uma hostilidade por parte dos países envolvidos,
como o Brasil. Há um receio quanto à perda da soberania nacional e
da ocorrência de uma “nova colonização”. Mesmo assim, dados do
INCRA, mostram que estrangeiros possuem cerca de 3,8 milhões ha
em terras no Brasil como um todo (2008). Em 2008, começaram
estudos da Advocacia Geral da União (AGU) para uma limitação da
compra de terras brasileiras por estrangeiros.
Tratando agora de questões apenas nacionais é notável a
irregularidade fundiária amazônica. Dados de 2008 do Imazon
apontam que quase um terço das terras da Amazônia Legal está em
situação irregular ou indefinida. Apenas 4% das propriedades
particulares são regularizadas pelo INCRA e 31% do território
amazônico é supostamente privado sem validação de cadastro,
contudo.
Em vistas de controlar essa situação começaram a ser
tomadas algumas medidas em 2008, como o recadastramento de
imóveis rurais nos 36 municípios da Amazônia Legal que mais
desmatam. Deveriam ser mostrados documentos que comprovassem
de quem e como as terras foram compradas, além das condições das
terras e suas dimensões exatas. Não cumpridas essas exigências,
seria suspenso o Certificado de Cadastramento de Imóveis (CCIR),
sem o qual o proprietário deixaria de ser o titular sobre a terra e não
teria acesso a crédito. O governo sabia que os proprietários que não
comparecessem deveriam estar em situação irregular. Essa foi uma
forma, portanto, de tentar localizar as áreas irregulares e certificar as
regulares.
Mesmo sabendo-se dos problemas fundiários na Amazônia e as
questões de irregularidade, concentração de terras, foram tomadas
medidas que íam contra os princípios de atenuação dos problemas.
Em julho de 2008, por exemplo, Lula conseguiu no Senado a
aprovação de uma medida provisória que aumenta de 500 ha para
1500 ha a área pública a ser vendida sem licitação para o uso rural.
Assim como afirma Maria Silva, essa medida acarreta aumento
da grilagem e do desmatamento, sendo uma verdadeira privatização
da floresta.
Em outubro de 2008, foi aprovada a medida provisória 438, que
suspende a incidência de PIS/PASEP e Cofins sobre doação
destinada à prevenção e combate ao desmatamento. Além disso, é
criado o Fundo da Amazônia, que recolhe contribuições voluntárias
para a redução do desmatamento na Amazônia. Esse fundo é
interessante pois não afeta a autonomia e soberania do governo.
Ainda em 2008, O Ministério de Desenvolvimento Agrário
realizou um plano para a doação de terras de até 400 ha a quase 300
mil posseiros que as ocupam, totalizando uma área maior que dois
estados de Pernambuco. Esse tipo de medida alertou Carlos Minc,
ministro do Meio Ambiente, para a necessidade de uma regularização
fundiária de pequenas, médias de grandes propriedades. Minc
apontou como uma das vantagens da regularização o conhecimento
de quem ocupa aquelas áreas. Para essa regularização, seria
necessária, porém, uma simplificação da regras e procedimentos
legais e jurídicos.
É pensado inicialmente um plano de regularização fundiária
segundo o qual seria realizada a doação dos lotes, no caso de
propriedades de até 400 ha, já no caso de terras entre 401 e 1500 ha e
1501 e 2500 ha seria buscada uma simplificação e agilização da
burocracia e no caso das propriedades com mais de 2500 ha, estas
seriam retomadas pela União.
Para a realização dessa estratégia, em dezembro de 2008
pensou-se na criação da Agência Executiva de Regularização
Fundiária da Amazônia (AERFA), com a função de normatizar e
coordenar a regularização de terras. Esse seria o primeiro passo do
Plano Amazônia Sustentável (PAS), criado em maio de 2008 com o
objetivo de tratar dos caminhos para o desenvolvimento da Amazônia,
uma vez que a desordem fundiária na Amazônia gera insegurança
jurídica, sendo, portanto, um obstáculo ao desenvolvimento da
região. Desse modo, a AERFA desempenharia uma função que
poderia ter sido delegada ao INCRA. O INCRA, contudo, reage,
relatando posse de experiência e que já havia sido proposto um
órgão com as mesmas funções da AERFA, o Instituto de
Regularização Fundiária na Amazônia. No final de janeiro de 2009,
porém, a criação da AERFA foi deixada de lado, sendo sua função
desempenhada pelo INCRA.
Uma lei que caracterizava grande entrave para a questão
fundiária é lei 6.383/76, que trazia quantidade exagerada de
exigências. Essa lei condiciona a regularização de uma área à
ausência de problemas em toda a gleba na qual a propriedade está,
isto é, o vizinho da propriedade do João não pode ter problemas para
que a propriedade do João seja regularizada. Segundo estudo do
MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), seriam requeridos
1372 anos para fazer uma varredura nas terras de todo o estado do
Amazonas. O ministro do MDA, Guilherme Cassel relatou que “não
tem regularização fundiária porque a lei não permite que seja feita”.
Portanto, fica patente a necessidade de simplificação da legislação,
sua modernização e adequação às reais necessidades da população
como um todo.
No final de 2008, foi publicado um levantamento pedido por
Dilma Roussef sobre as áreas da Amazônia Legal. Dos 502,2 milhões
ha da Amazônia Legal: 120 milhões são de terras indígenas;
67 milhões estão disponíveis para destinação a agricultores; 38
milhões correspondem a assentamentos; 66 milhões são áreas de
conservação federal; 57 milhões são áreas de conservação estadual;
50 milhões são do ITEAM; 15 milhões foram repassados da União
para Rondônia; 7 milhões são das Forças Armadas; 81,9 milhões são
de ocupações como cidades.
No dia 11 de fevereiro de 2009, foi publicada no Diário Oficial da
União uma nova legislação fundiária, que desburocratiza a
regularização fundiária, facilita o acesso a títulos de propriedade de
terra permanente a posseiros. Trata-se da Medida Provisória 458,
cujo objetivo principal é estimular os posseiros a ficarem e
desenvolverem sua terras e não deixá-las em busca de terras virgens.
Essa medida ainda prevê uma ação conjunta das esferas federal e
estadual. O gerente do PAS, Mangabeira Unger relatou que: “vai
mudar a equação econômica que fez a pilhagem mais atrativa que a
preservação e a produção na Amazônia”.
Pode-se apontar, entretanto, um grande risco que a
implantação dessa legislação pode acarretar: a facilitação de acesso
a títulos de propriedade pode de alguma maneira estimular a
demanda por terras, ao invés de inibí-la.
Em Maio de 2009, a MP 458, assinada pelo presidente Lula, foi
aprovada pela Câmara, com algumas alterações, contudo.
Primeiramente, assegurou-se a indenização da benfeitorias
realizadas nas terras e para os que não conseguiram comprar suas
terras, foram dispostas exigências de recomposição de reservas,
proibição de alienação de florestas públicas.
Segundo o governo, a propriedade fundiária definida
claramente traria melhorias para a execução de políticas públicas,
para a taxação de multas sobre pessoas e empresas que desmatam,
além de garantir incentivos fiscais para o desenvolvimento
sustentável.
Os ambientalistas, entretanto, se posicionam contrariamente a
essa medida, alegando que ela incentiva uma nova onda de ocupação
fundiária, a expulsão dos moradores tradicionais da região o e
desmatamento. O governo relata que a própria população funcionaria
como fiscalização da ocupação e do desmatamento, mas sabe-se que
na prática isso não ocorre.
A MP 458, após a passagem pela Câmara estabeleceu que
lotes de até 100 ha são gratuitos, lotes entre 101 e 400 ha são mais
baratos e já os lotes maiores devem ser leiloados ou vendidos. É
curioso o fato de que para o caso de lotes de até 400 ha, não seriam
feitas verificações de que se realmente aquela população habita
aquela área, acreditar-se-ia na “boa-fé” das pessoas.
Para Joanna, do Greenpeace, a MP 458 é “ a premiação do
ilícito e o reconhecimento daqueles que, ao longo de décadas,
ajudaram a desmatar mais de 17% da Amazônia e promoveram um
festival de conflitos sociais”.
Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente e atual senadora,
queria propor emendas, mas a relatora do Senado Kátia Abreu,
aprovou o texto da Câmara com as suas modificações. Dentre as
emendas que Marina Silva reclamava, destacam-se o fim da dispensa
para vistoria das propriedades e a não-permissão de beneficiamento
de empresas e pessoas que não residam na região.
Passada pelo Senado, a medida aguarda aprovação do
presidente, que até a realização dessa monografia não foi declarada.
Existe, contudo, uma pressão de Carlos Minc para que a medida volte
a ter a mesma configuração que possuía antes de ir para o Senado.
Até então, a MP458 ficou determinada da seguinte forma:
serão regularizadas as ocupações de áreas de até 1500 ha,
realizadas de maneira pacífica, antes de 1° de Dezembro de 2004.
Poderão ser beneficiadas pessoas físicas e jurídicas que exerçam a
exploração direta ou indireta dessas terras. Ainda persistem algumas
polêmicas: a regularização gratuita de propriedades de até um
módulo fiscal (de 50 a 100 ha); pagamento pela terra em até 20 anos,
com carência nos primeiros três anos e no caso de quitação imediata,
é dado desconto de 20%; proprietários que regularizem terras
maiores que 400 ha podem vendê-las após três anos e os
proprietários menores, 10 anos; permissão para empresas nacionais
em funcionamento antes de 1° de Dezembro de 2004, havendo nesse
caso licitação; regularização para pessoas com mais de um imóvel,
com licitação.
Conclusão
Ainda muitas questões surgirão, além de problemas e
discussões suscitados por ambientalistas e sociólogos e dessa forma
não se sabe ainda ao certo o fim e a configuração final que a MP458
terá. Sabe-se que a realização dessa legislação em si só já é
importante já que é nova, apesar de parecer ainda privilegiar os
interesses de uma elite (sua importância quanto à retirada de entraves
e geração de mudanças positivas diminui, portanto). Pode ser, porém,
que a questão fundamental que norteou a realização dessa medida
esteja errada ou equivocada. Partiu-se da ídéia de que a estrutura
fundiária da Amazônia é demasiadamente desorganizada, não
havendo um controle sobre quem é dono de determinada área, se
essa área foi adquirida legalmente. Visto isso, pensou-se que uma
regularização da questão fundiária permitiria um conhecimento
melhor dessa estrutura fundiária, seu controle e sua fiscalização.
Dessa forma, seriam controlados desmatamentos e outros
prejuízos ambientais, além dos conflitos sociais. Esse controle se
refletiria num espaço amazônico mais “harmonizado”, ordenado,
menos desigual, mais sustentável e , dessa forma, seria possível
gerar um desenvolvimento da região Amazônica e sua integração ao
território nacional. Os meios encontrados para essa regularização
(doações, licitações e vendas), contudo, apresentam grande
propensão a não trazer mudanças, mas apenas prolongar a situação
fundiária atual da Amazônia. Os mecanismos da MP 458 ainda não
impedem totalmente o acesso a terras por pessoas de outras regiões
interessadas na exploração de recursos, nem a concentração de
terras, nem a grilagem. Por mais que com a regularização se
conheçam os proprietários, vários são os meios disponíveis para
enganar a fiscalização que, aliás, talvez nem seja eficiente.
Percebe-se portanto que uma nova legislação fundiária está
em vias de ser implementada, mas mesmo assim, provavelmente,
não ocorrerão mudanças positivas significativas e isso porque de
nada adianta fazer e refazer leis se o propósito fundamental não for
alterado. Até o momento em que os entraves que foram incorporados
pelo Brasil não forem combatidos de nada adiantará a realização de
novas leis. O ponto chave que o governo deve atacar é outro,
portanto.
Bibliografia
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g1.globo.com;
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