a carta constitucional de 1824 e a organização da

31
A R T I G O S D O S S I Ê A Carta Constitucional de 1824 e a organização da estrutura de poder institucional no Brasil ______________________________________________________________________ Carlos Henrique Gileno Resumo O principal objetivo do artigo é discutir aspectos da influência exercida pela teoria política do poder neutro de Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) sobre a organização da estrutura de poder institucional do Brasil no primeiro quartel do século XIX. Revisitando autores do passado e do presente, o texto analisa a trajetória da implantação do Poder Moderador no Primeiro Reinado, enfatizando a polêmica referente à questão do “poder pessoal” em D. Pedro I (1798-1834). Palavras-chave: Benjamin Constant. Primeiro Reinado. Instituições políticas brasileiras. Poder Moderador. Abstract The main purpose of the article is to discuss aspects of the influence of the political theory of Benjamin Constant's neutral power over the organization of the institutional power structure of Brazil in the first quarter of the nineteenth century. Revisiting authors past and present, the paper analyzes the trajectory of the implementation of the moderating power in the First Empire, emphasizing the controversy regarding the issue of "personal power" in D. Pedro I (1798-1834). Professor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP.

Upload: others

Post on 29-Jun-2022

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

A R T I G O S D O S S I Ecirc

A Carta Constitucional de 1824 e a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil

______________________________________________________________________

Carlos Henrique Gileno

Resumo

O principal objetivo do artigo eacute discutir aspectos da influecircncia exercida pela teoria

poliacutetica do poder neutro de Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) sobre a

organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional do Brasil no primeiro quartel do seacuteculo

XIX Revisitando autores do passado e do presente o texto analisa a trajetoacuteria da

implantaccedilatildeo do Poder Moderador no Primeiro Reinado enfatizando a polecircmica

referente agrave questatildeo do ldquopoder pessoalrdquo em D Pedro I (1798-1834)

Palavras-chave Benjamin Constant Primeiro Reinado Instituiccedilotildees poliacuteticas

brasileiras Poder Moderador

Abstract

The main purpose of the article is to discuss aspects of the influence of the political

theory of Benjamin Constants neutral power over the organization of the institutional

power structure of Brazil in the first quarter of the nineteenth century Revisiting

authors past and present the paper analyzes the trajectory of the implementation of the

moderating power in the First Empire emphasizing the controversy regarding the issue

of personal power in D Pedro I (1798-1834)

Professor do Departamento de Antropologia Poliacutetica e Filosofia e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Ciecircncias Sociais da Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo ndash UNESP

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

51

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Keywords Benjamin Constant First Empire Brazilian political institutions

Moderating Power

Introduccedilatildeo

Na Assembleia Constituinte de 1823 os temas da transiccedilatildeo do trabalho escravo

para o trabalho livre e da organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil eram

proeminentes1 De fato a independecircncia poliacutetica de 1822 foi o corolaacuterio de um amplo

processo de mudanccedilas internas e externas No plano exoacutegeno a Revoluccedilatildeo da

Independecircncia Americana (1776) e a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) edificaram instituiccedilotildees

administrativas e poliacuteticas que se adequavam ao novo patamar de acumulaccedilatildeo de capital

ancorado na emergente produccedilatildeo industrial

A Carta Lei de 16 de dezembro de 1815 ndash sancionada pelo Priacutencipe Regente D

Joatildeo VI ndash elevava ldquoo Estado do Brasil agrave graduaccedilatildeo e categoria de Reinordquo (Reino Unido

de Portugal e do Brasil e Algarves ndash 1815-1822)2 Nesse periacuteodo intelectuais e

poliacuteticos luso-brasileiros refletiam sobre as reformas que poderiam aproximar o aparato

administrativo e institucional das exigecircncias de uma conjuntura internacional que

conduziu agrave deacutebacirccle o antigo sistema colonial Concomitante agrave defesa de um sistema

constitucional liberal prosperava a ideia de que a funccedilatildeo puacuteblica deveria ser exercida

por atores poliacuteticos cosmopolitas capazes de formular projetos de futuro para o Reino

receacutem-formado3

O filoacutesofo e poliacutetico lisboeta Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) foi talvez

um dos mais importantes daqueles atores Desembarcando no Brasil em 1810 e ainda

ocupando o cargo de Oficial da Secretaria dos Negoacutecios Estrangeiros em Berlim

Silvestre Pinheiro Ferreira acumulou a pasta da Secretaria de Estado dos Negoacutecios da

Guerra tornando-se o artiacutefice da consolidaccedilatildeo da Monarquia Constitucional

1 Sobre o assunto da aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo africana e indiacutegena consultar ANDRADA E

SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 2 Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-dezembro-1815-

569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 3 Cabe ressaltar que as nossas instituiccedilotildees poliacuteticas e administrativas foram organizadas pelos grandes

proprietaacuterios de terras os quais eram legataacuterios dos letrados europeus do seacuteculo XVIII Sobre esse

assunto consultar COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1967

p 65

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

52

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821

sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4

Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao

Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias

para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute

conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior

bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma

Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante

procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a

Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e

nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de

Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos

Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5

Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia

entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira

defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira

com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador

franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do

latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a

implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da

estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves

Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual

dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador

manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a

Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica

4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo

Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro

Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre

Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo

representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-

569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico

luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa

sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras

brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do

Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)

Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

53

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de

1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o

poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional

Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas

por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do

poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura

pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e

judiciaacuterio

As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas

sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as

Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos

efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas

Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento

nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a

situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e

Algarves

Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves

naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano

assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de

primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os

produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios

famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o

extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos

nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito

meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do

montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo

no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na

incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em

todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do

Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9

Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de

Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira

8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava

poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821

Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a

presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em

2003 pela Editora do Senado Federal

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

54

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de

1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em

consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e

deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo

poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos

portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos

poderes

O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma

Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de

Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo

aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime

constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder

legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a

Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa

compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o

judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos

Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo

universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os

analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de

um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o

parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes

parlamentares10

Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em

maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo

de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-

1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11

Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a

vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de

Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a

segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta

Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do

poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional

acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre

10

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano

portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e

representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11

Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar

LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do

Senado Federal 2008

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 2: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

51

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Keywords Benjamin Constant First Empire Brazilian political institutions

Moderating Power

Introduccedilatildeo

Na Assembleia Constituinte de 1823 os temas da transiccedilatildeo do trabalho escravo

para o trabalho livre e da organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil eram

proeminentes1 De fato a independecircncia poliacutetica de 1822 foi o corolaacuterio de um amplo

processo de mudanccedilas internas e externas No plano exoacutegeno a Revoluccedilatildeo da

Independecircncia Americana (1776) e a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) edificaram instituiccedilotildees

administrativas e poliacuteticas que se adequavam ao novo patamar de acumulaccedilatildeo de capital

ancorado na emergente produccedilatildeo industrial

A Carta Lei de 16 de dezembro de 1815 ndash sancionada pelo Priacutencipe Regente D

Joatildeo VI ndash elevava ldquoo Estado do Brasil agrave graduaccedilatildeo e categoria de Reinordquo (Reino Unido

de Portugal e do Brasil e Algarves ndash 1815-1822)2 Nesse periacuteodo intelectuais e

poliacuteticos luso-brasileiros refletiam sobre as reformas que poderiam aproximar o aparato

administrativo e institucional das exigecircncias de uma conjuntura internacional que

conduziu agrave deacutebacirccle o antigo sistema colonial Concomitante agrave defesa de um sistema

constitucional liberal prosperava a ideia de que a funccedilatildeo puacuteblica deveria ser exercida

por atores poliacuteticos cosmopolitas capazes de formular projetos de futuro para o Reino

receacutem-formado3

O filoacutesofo e poliacutetico lisboeta Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) foi talvez

um dos mais importantes daqueles atores Desembarcando no Brasil em 1810 e ainda

ocupando o cargo de Oficial da Secretaria dos Negoacutecios Estrangeiros em Berlim

Silvestre Pinheiro Ferreira acumulou a pasta da Secretaria de Estado dos Negoacutecios da

Guerra tornando-se o artiacutefice da consolidaccedilatildeo da Monarquia Constitucional

1 Sobre o assunto da aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo africana e indiacutegena consultar ANDRADA E

SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 2 Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-dezembro-1815-

569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 3 Cabe ressaltar que as nossas instituiccedilotildees poliacuteticas e administrativas foram organizadas pelos grandes

proprietaacuterios de terras os quais eram legataacuterios dos letrados europeus do seacuteculo XVIII Sobre esse

assunto consultar COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1967

p 65

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

52

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821

sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4

Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao

Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias

para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute

conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior

bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma

Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante

procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a

Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e

nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de

Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos

Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5

Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia

entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira

defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira

com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador

franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do

latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a

implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da

estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves

Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual

dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador

manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a

Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica

4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo

Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro

Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre

Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo

representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-

569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico

luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa

sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras

brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do

Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)

Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

53

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de

1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o

poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional

Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas

por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do

poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura

pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e

judiciaacuterio

As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas

sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as

Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos

efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas

Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento

nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a

situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e

Algarves

Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves

naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano

assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de

primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os

produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios

famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o

extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos

nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito

meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do

montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo

no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na

incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em

todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do

Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9

Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de

Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira

8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava

poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821

Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a

presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em

2003 pela Editora do Senado Federal

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

54

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de

1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em

consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e

deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo

poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos

portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos

poderes

O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma

Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de

Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo

aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime

constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder

legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a

Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa

compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o

judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos

Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo

universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os

analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de

um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o

parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes

parlamentares10

Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em

maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo

de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-

1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11

Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a

vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de

Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a

segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta

Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do

poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional

acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre

10

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano

portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e

representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11

Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar

LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do

Senado Federal 2008

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 3: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

52

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821

sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4

Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao

Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias

para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute

conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior

bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma

Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante

procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a

Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e

nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de

Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos

Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5

Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia

entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira

defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira

com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador

franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do

latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a

implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da

estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves

Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual

dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador

manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a

Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica

4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo

Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro

Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre

Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo

representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-

569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico

luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa

sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras

brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do

Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)

Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

53

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de

1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o

poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional

Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas

por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do

poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura

pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e

judiciaacuterio

As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas

sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as

Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos

efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas

Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento

nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a

situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e

Algarves

Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves

naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano

assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de

primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os

produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios

famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o

extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos

nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito

meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do

montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo

no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na

incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em

todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do

Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9

Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de

Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira

8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava

poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821

Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a

presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em

2003 pela Editora do Senado Federal

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

54

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de

1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em

consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e

deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo

poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos

portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos

poderes

O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma

Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de

Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo

aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime

constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder

legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a

Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa

compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o

judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos

Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo

universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os

analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de

um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o

parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes

parlamentares10

Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em

maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo

de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-

1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11

Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a

vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de

Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a

segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta

Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do

poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional

acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre

10

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano

portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e

representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11

Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar

LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do

Senado Federal 2008

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 4: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

53

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de

1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o

poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8

A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional

Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas

por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do

poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura

pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e

judiciaacuterio

As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas

sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as

Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos

efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas

Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento

nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a

situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e

Algarves

Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves

naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano

assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de

primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os

produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios

famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o

extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos

nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito

meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do

montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo

no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na

incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em

todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do

Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9

Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de

Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira

8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava

poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821

Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a

presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em

2003 pela Editora do Senado Federal

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

54

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de

1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em

consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e

deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo

poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos

portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos

poderes

O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma

Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de

Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo

aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime

constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder

legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a

Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa

compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o

judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos

Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo

universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os

analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de

um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o

parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes

parlamentares10

Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em

maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo

de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-

1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11

Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a

vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de

Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a

segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta

Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do

poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional

acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre

10

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano

portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e

representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11

Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar

LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do

Senado Federal 2008

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 5: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

54

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de

1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em

consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e

deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo

poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos

portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos

poderes

O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma

Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de

Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo

aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime

constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder

legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a

Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa

compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o

judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos

Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo

universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os

analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de

um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o

parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes

parlamentares10

Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em

maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo

de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-

1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11

Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a

vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de

Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a

segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta

Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do

poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional

acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre

10

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano

portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e

representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11

Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar

LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do

Senado Federal 2008

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 6: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

55

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo

primaacuteria12

A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder

moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a

sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas

de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando

assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das

Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas

Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a

salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)

nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72

da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de

1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a

Responsabilidade algumardquo

Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os

novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado

poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo

resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada

inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem

rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o

ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13

Contudo a

contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves

prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que

poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo

Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O

reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas

pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal

constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do

12

O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos

paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA

Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826

Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal

o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 7: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

56

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do

miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14

Com o final do reinado de D

Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo

retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador

Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova

Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos

trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o

sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de

1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e

liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do

direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de

resistecircncia (art 25)15

A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de

abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha

primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador

constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou

poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional

no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida

intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II

principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia

Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio

Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto

E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi

na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder

moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de

Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde

do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional

contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do

tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por

objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do

14

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o

caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-

234 janjun 2013 15

BELCHIOR op cit 2013 p 4

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 8: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

57

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo

com o poder moderador

Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional

Parlamentar no Brasil

Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a

influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no

Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch

(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval

Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia

mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor

Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa

bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques

de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto

Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e

como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16

Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de

Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17

Raymundo

Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio

Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi

conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o

quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao

poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante

o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte

oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave

concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes

16

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980

p 1 17

Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH

Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do

marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 9: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

58

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal

como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas

combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio

territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas

ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia

deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter

de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro

nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18

O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)

escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio

brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da

Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica

Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19

Assim existe a ideia de que

a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional

parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que

formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do

Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da

Escandinaacutevia20

Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo

parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na

formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos

corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema

das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo

de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo

nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas

governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os

gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o

Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era

levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e

profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21

No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo

na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-

18

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da

Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo

Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20

A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George

Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no

artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a

monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse

assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21

Idem p 22

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 10: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

59

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)

Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com

arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder

institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro

Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente

agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin

Constant

Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a

manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22

A Repuacuteblica natildeo

produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado

no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder

supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa

transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute

inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo

da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23

e na repuacuteblica eacute realizada por

Benjamin Constant nos seguintes termos

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24

22

No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)

pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente

Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo

de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente

pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do

poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura

do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica

presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23

Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e

o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os

governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber

Juris 1989 p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 11: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

60

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de

Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na

Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe

(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer

a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria

Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do

conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de

Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le

roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha

poderes absolutos25

As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo

puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral

accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e

da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o

consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que

foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a

Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios

O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio

por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno

apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei

barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo

ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos

acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das

Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder

legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer

A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem

obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao

arbiacutetrio do rei26

O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a

Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento

conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem

magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da

25

A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers

(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio

de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 12: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

61

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Revoluccedilatildeo Francesa27

Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a

Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828

Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por

dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo

puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke

condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que

poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29

A Declaraccedilatildeo de Direitos de

1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis

abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund

Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica

jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele

Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo

corpo poliacutetico

O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como

Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um

Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com

as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam

interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute

obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares

[]30

Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio

da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que

Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as

revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689

27

Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do

Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa

e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia

do moderno conservadorismo poliacutetico 28

Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos

revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos

produzida pelos ingleses 29

Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na

Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais

inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos

limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os

progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade

do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio

de Janeiro Record 2015 p 18 30

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 13: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

62

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo

em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e

legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que

garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos

reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da

Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792

Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais

espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes

foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e

ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis

instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade

e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as

espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica

necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam

fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do

desprezo ao horror31

A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante

destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito

costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica

medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de

legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da

administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter

o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no

Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824

O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute

delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e

seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a

manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais

Poderes Politicos [sic]

Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca

sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute

ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade

nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes

constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o

31

Idem p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 14: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

63

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar

de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as

pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I

Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois

se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando

ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho

haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a

revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo

de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32

Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de

Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder

executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos

ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o

imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder

ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e

separada deste que fica neutralizadordquo33

O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou

a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da

responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo

eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e

inviolaacutevel34

Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo

referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois

poderes realizada por Benjamin Constant

A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos

ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do

monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta

separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute

certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes

passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que

somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do

monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a

naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do

32

TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo

Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34

A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este

poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o

equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder

moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op

cit 1989 p 32

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 15: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

64

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O

poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma

existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental

a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade

inviolaacutevel35

O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash

ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a

nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a

liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas

virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar

praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA

monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O

verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir

que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36

Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel

de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar

atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo

necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os

meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e

da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia

constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse

respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant

O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros

Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da

administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute

um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio

Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a

responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova

periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo

natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o

cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade

comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele

e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37

35

CONSTANT op cit 1989 p 74 36

Idem 37

Idem p 80

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 16: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

65

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do

republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos

representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em

29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do

segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)

Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa

com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e

de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor

franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por

conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder

A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30

de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica

francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar

temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente

divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)

Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por

uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos

possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se

vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de

Senhores

A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes

representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e

comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses

ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror

Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia

sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro

poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs

Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova

Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea

essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul

Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 17: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

66

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em

1804

Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas

poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os

princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio

de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o

absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro

histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista

liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814

escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os

princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico

francecircs

Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta

Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder

confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia

moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de

Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da

influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como

foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que

nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa

das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara

Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os

Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo

Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os

Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave

Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em

formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico

do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio

jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 18: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

67

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia

constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38

A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se

adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava

amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente

e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais

da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo

Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado

destacando-se o novo poder neutro

O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do

poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo

ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder

legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os

liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo

arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade

geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo

Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo

de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido

amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a

existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica

em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da

obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder

legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se

pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para

executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar

natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao

poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria

arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo

o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o

governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros

poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde

estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel

despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma

38

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder

moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p

611-653 julset 2005

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 19: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

68

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para

moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito

adequada para produzir este efeito39

O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado

pelos nobres40

Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca

D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador

A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de

Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria

arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou

adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo

Faoro (1925-2003)

O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a

administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a

monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las

ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das

correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro

experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez

mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele

dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio

com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas

permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e

cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de

seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da

institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de

Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das

ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se

coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II

conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a

maacutequina maciamente41

Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder

pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o

conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o

poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e

39

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40

Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo

Paulo Editora Globo 1991 p 291

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 20: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

69

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder

legislativo

Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no

dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a

primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa

e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando

solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns

conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase

caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha

imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se

entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar

agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela

votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional

legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de

1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para

que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente

ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer

governo de forma autoritaacuteria e pessoal42

Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu

igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato

Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado

reavivado posteriormente por D Pedro II43

A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da

Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura

de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional

de 182444

Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo

do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio

pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute

recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que

continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45

Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de

garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando

polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento

um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio

42

SANTOS op cit 1989 p 22-23 43

Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de

Estado 44

Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no

Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45

SANTOS op cit 1989 p 25

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 21: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

70

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na

Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave

condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia

constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais

possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim

Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder

de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o

poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46

O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida

pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de

autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade

neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas

e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o

povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o

governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que

ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os

outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido

emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime

representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma

espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado

constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado

por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da

ditadura romana descrita por Maquiavel47

No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas

dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o

monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder

moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo

controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da

possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao

Estadordquo48

Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder

moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios

autoritaacuterios

46

Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In

BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte

Editora Itatiaia 1989 p 104 47

LYNCH op cit 2014 p 93-94 48

Idem p 97

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 22: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

71

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado

lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias

concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a

crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio

[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade

responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do

exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da

administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional

Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o

Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do

arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave

transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha

feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele

assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de

toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois

poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a

chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos

Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []

o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador

moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o

espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da

monarquia constitucional49

Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida

concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder

moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves

ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo

condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50

Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico

baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia

Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A

oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a

atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a

ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade

dos povosrdquo51

Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia

seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual

Uruguai)

49

Idem p 101-103 50

ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador

D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar

nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51

CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao

estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 23: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

72

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao

golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido

hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D

Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O

documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo

e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52

Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da

Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo

popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder

moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da

Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem

puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53

Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o

poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia

nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e

administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em

Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que

autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura

ministerialrdquo54

O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor

de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual

governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado

ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo

Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a

opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de

absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente

O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o

comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes

projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica

na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma

aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os

titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e

prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram

criados contra a constituiccedilatildeo55

52

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53

CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54

FAORO op cit 1991 p 295 55

Idem

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 24: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

73

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de

Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou

liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania

constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs

procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania

ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo

Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a

aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios

O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o

direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o

direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em

conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de

arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada

nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave

seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns

poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode

abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero

mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu

Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das

frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem

a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer

instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o

monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute

limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos

governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo

sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se

ilusoacuterias56

Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder

assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A

teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade

accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por

regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular

da doutrina liberal

Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de

Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os

demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os

homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a

56

CONSTANT op cit 1989 p 66-67

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 25: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

74

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57

2) O poder executivo eacute de responsabilidade

dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa

de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto

por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais

A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da

tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10

consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do

Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o

Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os

representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses

Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo

A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder

legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo

representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral

estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14

paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15

paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art

15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua

alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-

lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)

Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o

Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e

temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se

extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado

Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os

delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado

Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas

legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e

Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras

Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez

membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o

57

Idem p 74-75

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 26: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

75

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica

ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as

naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha

exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o

Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o

poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo

lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo

(Art 151)

O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os

senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e

resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)

prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados

nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra

Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de

Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da

humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)

O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis

pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados

(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo

V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)

declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102

paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da

Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)

Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que

houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por

peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo

que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer

dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute

observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art

135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial

satildeo independentes

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 27: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

76

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo

proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e

puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o

poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se

natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo

mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58

Consideraccedilotildees finais

A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao

transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin

Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder

moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo

poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e

representativa

Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador

(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash

instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os

revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por

militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes

em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti

Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco

Fragoso59

Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da

representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo

da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das

disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60

58

Idem p 84 59

Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso

XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)

suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a

Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por

suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos

condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60

No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia

natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram

dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a

partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma

sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear

e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 28: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

77

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash

apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade

legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos

Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou

por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria

privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato

que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de

descumprir alguns preceitos constitucionais

Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash

atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal

com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram

para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61

Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem

houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave

Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas

do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D

Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o

Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas

proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos

militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo

Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas

do aludido miguelismo62

O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico

durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute

somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador

seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de

Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de

D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e

liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63

Novamente os

61

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62

Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a

renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista

Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op

cit 1988 63

HOLANDA op cit 1985

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 29: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

78

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que

poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais

histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro

Referecircncias

ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo

Companhia das Letras 1998

BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos

constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e

particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris

1989

BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo

republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas

direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos

Sociais 2013

BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro

2014

CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)

Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998

Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em

lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-

dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt

CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais

de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003

CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012

CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos

aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da

Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989

COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In

______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1967

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 30: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

79

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em

lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-

fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt

DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo

XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005

FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v

1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991

FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou

princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp

Aillaud 1834

GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal

(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria

Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013

HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da

Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5

LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado

Federal 2014

LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)

2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd

______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia

Editora do Senado Federal 2008

LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do

conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias

Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005

______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico

do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014

MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo

EDUCS 2002

MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo

da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980

MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000

PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas

2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016

Page 31: A Carta Constitucional de 1824 e a organização da

Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom

80

Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016

______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM

Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia

1989

RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-

brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de

Fora Defesa sd

SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D

Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora

Itatiaia 1989

SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora

Pioneira 1980

SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015

SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira

In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970

SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo

Paulo Edusp 1988

TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio

do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957

Recebido em 09062016

Aprovado em 27082016