a carta constitucional de 1824 e a organização da
TRANSCRIPT
A R T I G O S D O S S I Ecirc
A Carta Constitucional de 1824 e a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil
______________________________________________________________________
Carlos Henrique Gileno
Resumo
O principal objetivo do artigo eacute discutir aspectos da influecircncia exercida pela teoria
poliacutetica do poder neutro de Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) sobre a
organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional do Brasil no primeiro quartel do seacuteculo
XIX Revisitando autores do passado e do presente o texto analisa a trajetoacuteria da
implantaccedilatildeo do Poder Moderador no Primeiro Reinado enfatizando a polecircmica
referente agrave questatildeo do ldquopoder pessoalrdquo em D Pedro I (1798-1834)
Palavras-chave Benjamin Constant Primeiro Reinado Instituiccedilotildees poliacuteticas
brasileiras Poder Moderador
Abstract
The main purpose of the article is to discuss aspects of the influence of the political
theory of Benjamin Constants neutral power over the organization of the institutional
power structure of Brazil in the first quarter of the nineteenth century Revisiting
authors past and present the paper analyzes the trajectory of the implementation of the
moderating power in the First Empire emphasizing the controversy regarding the issue
of personal power in D Pedro I (1798-1834)
Professor do Departamento de Antropologia Poliacutetica e Filosofia e do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Ciecircncias Sociais da Universidade Estadual Paulista ldquoJuacutelio de Mesquita Filhordquo ndash UNESP
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
51
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Keywords Benjamin Constant First Empire Brazilian political institutions
Moderating Power
Introduccedilatildeo
Na Assembleia Constituinte de 1823 os temas da transiccedilatildeo do trabalho escravo
para o trabalho livre e da organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil eram
proeminentes1 De fato a independecircncia poliacutetica de 1822 foi o corolaacuterio de um amplo
processo de mudanccedilas internas e externas No plano exoacutegeno a Revoluccedilatildeo da
Independecircncia Americana (1776) e a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) edificaram instituiccedilotildees
administrativas e poliacuteticas que se adequavam ao novo patamar de acumulaccedilatildeo de capital
ancorado na emergente produccedilatildeo industrial
A Carta Lei de 16 de dezembro de 1815 ndash sancionada pelo Priacutencipe Regente D
Joatildeo VI ndash elevava ldquoo Estado do Brasil agrave graduaccedilatildeo e categoria de Reinordquo (Reino Unido
de Portugal e do Brasil e Algarves ndash 1815-1822)2 Nesse periacuteodo intelectuais e
poliacuteticos luso-brasileiros refletiam sobre as reformas que poderiam aproximar o aparato
administrativo e institucional das exigecircncias de uma conjuntura internacional que
conduziu agrave deacutebacirccle o antigo sistema colonial Concomitante agrave defesa de um sistema
constitucional liberal prosperava a ideia de que a funccedilatildeo puacuteblica deveria ser exercida
por atores poliacuteticos cosmopolitas capazes de formular projetos de futuro para o Reino
receacutem-formado3
O filoacutesofo e poliacutetico lisboeta Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) foi talvez
um dos mais importantes daqueles atores Desembarcando no Brasil em 1810 e ainda
ocupando o cargo de Oficial da Secretaria dos Negoacutecios Estrangeiros em Berlim
Silvestre Pinheiro Ferreira acumulou a pasta da Secretaria de Estado dos Negoacutecios da
Guerra tornando-se o artiacutefice da consolidaccedilatildeo da Monarquia Constitucional
1 Sobre o assunto da aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo africana e indiacutegena consultar ANDRADA E
SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 2 Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-dezembro-1815-
569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 3 Cabe ressaltar que as nossas instituiccedilotildees poliacuteticas e administrativas foram organizadas pelos grandes
proprietaacuterios de terras os quais eram legataacuterios dos letrados europeus do seacuteculo XVIII Sobre esse
assunto consultar COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1967
p 65
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
52
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821
sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4
Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao
Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias
para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute
conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior
bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma
Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante
procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a
Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e
nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de
Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos
Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5
Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia
entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira
defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira
com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador
franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do
latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a
implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da
estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves
Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual
dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador
manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a
Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica
4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo
Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro
Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre
Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo
representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-
569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico
luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa
sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras
brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do
Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)
Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
53
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de
1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o
poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional
Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas
por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do
poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura
pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e
judiciaacuterio
As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas
sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as
Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos
efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas
Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento
nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a
situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e
Algarves
Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves
naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano
assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de
primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os
produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios
famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o
extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos
nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito
meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do
montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo
no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na
incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em
todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do
Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9
Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de
Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira
8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava
poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821
Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a
presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em
2003 pela Editora do Senado Federal
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
54
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de
1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em
consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e
deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo
poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos
portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos
poderes
O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma
Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de
Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo
aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime
constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder
legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a
Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa
compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o
judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos
Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo
universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os
analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de
um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o
parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes
parlamentares10
Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em
maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo
de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-
1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11
Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a
vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de
Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a
segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta
Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do
poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional
acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre
10
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano
portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e
representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11
Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar
LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do
Senado Federal 2008
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
51
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Keywords Benjamin Constant First Empire Brazilian political institutions
Moderating Power
Introduccedilatildeo
Na Assembleia Constituinte de 1823 os temas da transiccedilatildeo do trabalho escravo
para o trabalho livre e da organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no Brasil eram
proeminentes1 De fato a independecircncia poliacutetica de 1822 foi o corolaacuterio de um amplo
processo de mudanccedilas internas e externas No plano exoacutegeno a Revoluccedilatildeo da
Independecircncia Americana (1776) e a Revoluccedilatildeo Francesa (1789) edificaram instituiccedilotildees
administrativas e poliacuteticas que se adequavam ao novo patamar de acumulaccedilatildeo de capital
ancorado na emergente produccedilatildeo industrial
A Carta Lei de 16 de dezembro de 1815 ndash sancionada pelo Priacutencipe Regente D
Joatildeo VI ndash elevava ldquoo Estado do Brasil agrave graduaccedilatildeo e categoria de Reinordquo (Reino Unido
de Portugal e do Brasil e Algarves ndash 1815-1822)2 Nesse periacuteodo intelectuais e
poliacuteticos luso-brasileiros refletiam sobre as reformas que poderiam aproximar o aparato
administrativo e institucional das exigecircncias de uma conjuntura internacional que
conduziu agrave deacutebacirccle o antigo sistema colonial Concomitante agrave defesa de um sistema
constitucional liberal prosperava a ideia de que a funccedilatildeo puacuteblica deveria ser exercida
por atores poliacuteticos cosmopolitas capazes de formular projetos de futuro para o Reino
receacutem-formado3
O filoacutesofo e poliacutetico lisboeta Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) foi talvez
um dos mais importantes daqueles atores Desembarcando no Brasil em 1810 e ainda
ocupando o cargo de Oficial da Secretaria dos Negoacutecios Estrangeiros em Berlim
Silvestre Pinheiro Ferreira acumulou a pasta da Secretaria de Estado dos Negoacutecios da
Guerra tornando-se o artiacutefice da consolidaccedilatildeo da Monarquia Constitucional
1 Sobre o assunto da aboliccedilatildeo gradual da escravidatildeo africana e indiacutegena consultar ANDRADA E
SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo Companhia das Letras 1998 2 Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-dezembro-1815-
569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 3 Cabe ressaltar que as nossas instituiccedilotildees poliacuteticas e administrativas foram organizadas pelos grandes
proprietaacuterios de terras os quais eram legataacuterios dos letrados europeus do seacuteculo XVIII Sobre esse
assunto consultar COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1967
p 65
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
52
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821
sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4
Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao
Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias
para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute
conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior
bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma
Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante
procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a
Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e
nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de
Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos
Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5
Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia
entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira
defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira
com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador
franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do
latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a
implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da
estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves
Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual
dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador
manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a
Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica
4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo
Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro
Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre
Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo
representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-
569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico
luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa
sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras
brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do
Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)
Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
53
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de
1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o
poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional
Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas
por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do
poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura
pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e
judiciaacuterio
As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas
sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as
Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos
efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas
Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento
nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a
situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e
Algarves
Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves
naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano
assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de
primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os
produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios
famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o
extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos
nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito
meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do
montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo
no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na
incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em
todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do
Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9
Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de
Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira
8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava
poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821
Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a
presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em
2003 pela Editora do Senado Federal
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
54
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de
1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em
consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e
deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo
poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos
portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos
poderes
O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma
Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de
Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo
aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime
constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder
legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a
Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa
compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o
judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos
Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo
universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os
analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de
um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o
parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes
parlamentares10
Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em
maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo
de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-
1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11
Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a
vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de
Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a
segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta
Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do
poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional
acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre
10
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano
portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e
representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11
Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar
LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do
Senado Federal 2008
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
52
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Parlamentar que fora instalada por Decreto de D Joatildeo VI em 24 de fevereiro de 1821
sob a influecircncia da Revoluccedilatildeo Liberal do Porto ocorrida no ano anterior4
Approva a Constituiccedilatildeo que se estaacute fazendo em Portugal recebendo-a ao
Reino do Brazil e mais dominios Havendo Eu dado todas as providencias
para lidar a Constituiccedilatildeo que estaacute fazendo em Lisboa com o que eacute
conveniente ao Brazil e tendo chegado ao Meu conhecimento que o maior
bem que posso fazer aos Meus Povos eacute desde jaacute approvar essa mesma
Constituiccedilatildeo e sendo todos os Meu cuidados como eacute bem constante
procurar-lhes todo o descanccedilo e felicidade Hei por bem desde jaacute approvar a
Constituiccedilatildeo que alli se estaacute fazendo e recebel-a no Meu Reino do Brazil e
nos mais dominios da Minha Corocirca Os Meus Ministros e Secretarios de
Estado a quem este vai dirigindo o faccedilam assim constar expedindo aos
Tribunaes e Capitatildees Generaes as ordens competentes5
Na sua Trigeacutesima preleccedilatildeo ndash constante na obra publicada pela Imprensa Reacutegia
entre 1813 e 1820 intitulada Preleccedilotildees filosoacuteficas ndash Silvestre Pinheiro Ferreira
defendeu o liberalismo econocircmico e poliacutetico alinhando a inteligecircncia luso-brasileira
com as correntes teoacutericas desenvolvidas no seu tempo6 Nesse contexto a questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre Pinheiro Ferreira teve a influecircncia do pensador
franco-suiccedilo Benjamin Constant na tentativa de combater os interesses privatizantes do
latifuacutendio que vigoravam na ex-colocircnia americana o filoacutesofo lisboeta propugnou a
implantaccedilatildeo do poder conservador o qual seria estrateacutegico para a organizaccedilatildeo da
estrutura de poder institucional no Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves
Se a educaccedilatildeo formal de D Pedro I natildeo esteve agrave altura da formaccedilatildeo intelectual
dispensada agrave maioria da realeza europeia7 certamente o nosso primeiro imperador
manteve contato desde tenra idade com os estadistas e intelectuais que compunham a
Corte luso-brasileira estando familiarizado com as teorias da representaccedilatildeo poliacutetica
4 PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo
Edusp 1970 p 7-12 amp SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro
Ferreira In FERREIRA op cit 1970 p 13-26 Sobre a teoria da representaccedilatildeo poliacutetica em Silvestre
Pinheiro Ferreira consultar FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo
representativo ou princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834 5 Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-fevereiro-1821-
569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt Acesso em 11 ago 2016 6 Sobre esse assunto consultar RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico
luso-brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de Fora Defesa
sd 7 A bordo do navio Priacutencipe Real ndash que transportou em 1808 parte da Famiacutelia Real para as terras
brasileiras ndash D Pedro I era educado sem sistematicidade pedagoacutegica pela sua aia D Maria Genoveva do
Rego e Mattos Sobre esse assunto consultar SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1)
Belo Horizonte Itatiaia Satildeo Paulo Edusp 1988 p 60
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
53
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de
1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o
poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional
Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas
por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do
poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura
pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e
judiciaacuterio
As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas
sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as
Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos
efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas
Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento
nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a
situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e
Algarves
Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves
naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano
assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de
primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os
produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios
famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o
extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos
nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito
meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do
montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo
no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na
incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em
todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do
Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9
Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de
Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira
8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava
poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821
Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a
presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em
2003 pela Editora do Senado Federal
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
54
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de
1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em
consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e
deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo
poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos
portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos
poderes
O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma
Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de
Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo
aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime
constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder
legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a
Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa
compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o
judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos
Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo
universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os
analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de
um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o
parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes
parlamentares10
Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em
maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo
de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-
1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11
Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a
vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de
Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a
segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta
Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do
poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional
acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre
10
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano
portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e
representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11
Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar
LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do
Senado Federal 2008
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
53
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
provenientes de Benjamin Constant e Silvestre Pinheiro Ferreira Em 25 de marccedilo de
1824 o monarca D Pedro I sancionou a primeira constituiccedilatildeo nacional a qual incluiacutea o
poder moderador como um dos poderes do moderno Estado brasileiro8
A Constituiccedilatildeo do Impeacuterio do Brasil de 1824 e a Carta Constitucional
Portuguesa de 1826 tinham algumas caracteriacutesticas comuns Ambas foram outorgadas
por D Pedro I (posteriormente D Pedro IV em Portugal) e revelavam a consolidaccedilatildeo do
poder moderador cuja funccedilatildeo primordial seria equilibrar os conflitos que porventura
pudessem surgir das relaccedilotildees estabelecidas entre os poderes executivo legislativo e
judiciaacuterio
As Constituiccedilotildees desempenham a funccedilatildeo de indicar as principais mudanccedilas
sociais e poliacuteticas dos periacuteodos histoacutericos A Revoluccedilatildeo Liberal do Porto (1820) e as
Cortes Gerais reunidas na cidade de Lisboa em 1821 eram o desdobramento dos
efeitos da Revoluccedilatildeo Francesa no continente europeu e na Ameacuterica portuguesa nas
Cortes Gerais os representantes das proviacutencias brasileiras patentearam o sentimento
nativista que conduziria o Brasil agrave independecircncia poliacutetica e o descontentamento com a
situaccedilatildeo de crise poliacutetica social e econocircmica do Reino Unido de Portugal e do Brasil e
Algarves
Em consequecircncia da invasatildeo francesa e da abertura dos portos do Brasil agraves
naccedilotildees amigas a miseacuteria no Reino ia em crescimento assustador Cada ano
assinalava nova reduccedilatildeo na Marinha aumentava a importaccedilatildeo dos gecircneros de
primeira necessidade a comeccedilar pelo trigo fechavam-se as faacutebricas os
produtos vencidos da concorrecircncia inglesa no ultramar e os operaacuterios
famintos tornavam-se mendigos ou ladrotildees Em 1820 a penuacuteria atingia o
extremo Esgotado inteiramente o eraacuterio natildeo pagava os funcionaacuterios puacuteblicos
nem restituiacutea os depoacutesitos Queixavam-se os soldados de que havia oito
meses natildeo recebiam os soldos e nem mesmo os compromissos sagrados do
montepio eram satisfeitos agrave miseacuteria ajuntava-se a humilhaccedilatildeo Humilhaccedilatildeo
no Exeacutercito onde a presenccedila de oficiais europeus fazia acreditar na
incapacidade do portuguecircs para defender soacute a terra natal humilhaccedilatildeo em
todas as classes porque a gloriosa naccedilatildeo se achava reduzida agrave colocircnia do
Brasil constituiacutedo o centro da monarquia por abrigar o soberano9
Essa passagem do livro do historiador carioca Manuel Emiacutelio Gomes de
Carvalho (1859-1920) demonstra a efemeridade do citado Reino Unido A primeira
8 No Brasil o quarto poder foi denominado poder moderador Silvestre Pinheiro Ferreira o chamava
poder conservador enquanto Benjamin Constant a ele se referia como poder neutro 9 CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821
Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003 p 21-22 Essa eacute a uacutenica obra que analisa com erudiccedilatildeo a
presenccedila do Brasil nas Cortes Gerais de 1821 publicada pela Editora do Porto em 1912 e relanccedilada em
2003 pela Editora do Senado Federal
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
54
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de
1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em
consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e
deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo
poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos
portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos
poderes
O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma
Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de
Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo
aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime
constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder
legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a
Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa
compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o
judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos
Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo
universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os
analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de
um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o
parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes
parlamentares10
Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em
maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo
de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-
1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11
Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a
vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de
Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a
segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta
Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do
poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional
acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre
10
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano
portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e
representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11
Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar
LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do
Senado Federal 2008
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
54
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Constituiccedilatildeo Poliacutetica da Monarquia Portuguesa foi aprovada em 23 de setembro de
1822 no fastiacutegio da independecircncia poliacutetica brasileira e consagrava o ideaacuterio liberal em
consonacircncia com o movimento europeu que sustentava o estabelecimento dos direitos e
deveres individuais do fundamento da independecircncia dos poderes da representaccedilatildeo
poliacutetica e da soberania nacional Nesse acircmbito a forma de regime poliacutetico adotada pelos
portugueses foi o da Monarquia Constitucional delimitada pela seguinte divisatildeo dos
poderes
O regime aclamado pela Constituiccedilatildeo de 1822 define-se como uma
Monarquia Constitucional hereditaacuteria (art 29) em que o Rei eacute o Chefe de
Estado figura intangiacutevel e sem qualquer responsabilidade juriacutedica (proteccedilatildeo
aliaacutes que manteacutem ao longo das Constituiccedilotildees monaacuterquicas) Neste regime
constitucional a divisatildeo de poderes processa-se da seguinte forma o poder
legislativo reside essencialmente nas Cortes (que tecircm uma uacutenica cacircmara a
Cacircmara dos Deputados) embora subordinado ao Rei (a iniciativa legislativa
compete ao Rei e aos secretaacuterios de Estado que o auxiliam nessa tarefa e o
judicial eacute da competecircncia exclusiva dos juiacutezes (art 30) A Cacircmara dos
Deputados eacute eleita bienalmente por sufraacutegio direto e secreto embora natildeo
universal (estavam excluiacutedos de votar por exemplo as mulheres e os
analfabetos) Natildeo obstante o funcionamento desta Cacircmara a inexistecircncia de
um mecanismo de responsabilizaccedilatildeo do poder executivo perante o
parlamento afasta claramente este regime dos modernos regimes
parlamentares10
Essa constituiccedilatildeo foi revogada pela insurreiccedilatildeo de VilaFrancada ocorrida em
maio de 1823 a qual foi liderada pelo Infante D Miguel (1802-1866) irmatildeo mais novo
de D Pedro I e que possuiacutea o apoio de sua matildee D Carlota Joaquina de Bourbon (1775-
1830) para a restauraccedilatildeo do absolutismo monaacuterquico11
Aquela reinstituiccedilatildeo comeccedilou a
vigorar em 1824 e se estendeu ateacute 1826 quando D Pedro I foi aclamado Rei de
Portugal e dos Algarves sob o nome de D Pedro IV periacuteodo em que outorgou a
segunda Carta Constitucional da Monarquia portuguesa Em contraste com a Carta
Constitucional de 1822 a Carta Constitucional de 1826 desvinculou a autoridade do
poder do Estado do poder divino e retomou o princiacutepio da monarquia constitucional
acrescentando agrave primeira constituiccedilatildeo monaacuterquica lusitana vaacuterios direitos sociais entre
10
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo republicano
portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas direitos fundamentais e
representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos Sociais 2013 p 3 11
Sobre as relaccedilotildees poliacuteticas conflituosas estabelecidas entre D Pedro I e o Infante D Miguel consultar
LIMA Oliveira Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia Editora do
Senado Federal 2008
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
55
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
eles a gratuidade da assistecircncia meacutedica em ldquosocorros puacuteblicosrdquo e da instruccedilatildeo
primaacuteria12
A Carta Constitucional de 1826 introduziu tambeacutem a existecircncia do poder
moderador no regime representativo Ao Rei ndash no exerciacutecio daquele poder que tinha a
sua autoridade delimitada pelo Art 174 ndash eram atribuiacutedas entre outras agraves prerrogativas
de convocar as Cortes Gerais ldquoextraordinariamente nos intervalos das Sessotildees quando
assim o pede o Bem do Reinordquo (paraacutegrafo II) sancionar ldquoos Decretos e Resoluccedilotildees das
Cortes Gerais para que tenham forccedila de leirdquo (paraacutegrafo III) prorrogar ou adiar ldquoas
Cortes Gerais e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados nos casos em que o exigir a
salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra que a substituardquo (paraacutegrafo IV)
nomear e demitir ldquolivremente os Ministros de Estadordquo (paraacutegrafo V) Ainda o Art 72
da referida Carta reproduzia literalmente o Art 99 da Carta Constitucional brasileira de
1824 o qual declarava a pessoa do Rei ldquoinviolaacutevel e sagrada ele natildeo estaacute sujeito a
Responsabilidade algumardquo
Parecia que estava em marcha a conciliaccedilatildeo entre a monarquia hereditaacuteria e os
novos modos de organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional pois ldquoo significado
poliacutetico das cartas constitucionais tambeacutem chamadas ldquoconstituiccedilotildees outorgadasrdquo
resume-se em poucas palavras continuar a monarquia sem manifestar declarada
inimizade agrave ideia constitucional relegitimar o poder constituinte monaacuterquico sem
rejeitar os novos esquemas de representaccedilatildeo nacional equilibrar o ldquoPortugal velhordquo e o
ldquoPortugal novordquo na titularidade e no exerciacutecio do domiacutenio poliacuteticordquo13
Contudo a
contestaccedilatildeo ao poder pessoal de D Pedro IV fez-se sentir por intermeacutedio das criacuteticas agraves
prerrogativas de veto e de sanccedilatildeo das leis exercidas pelo poder moderador fato que
poderia promover a ingerecircncia do monarca sobre o processo legislativo
Em 1828 D Miguel seraacute coroado monarca posiccedilatildeo que manteve ateacute 1834 O
reinado de D Miguel foi marcado pela forte repressatildeo aos opositores das suas
pretensotildees absolutistas perseguindo de forma implacaacutevel quem se declarasse liberal
constitucionalista ou adepto de D Pedro IV Em consequecircncia os trecircs uacuteltimos anos do
12
O Art 145 ndash que dispotildee sobre os direitos sociais e poliacuteticos dos cidadatildeos portugueses ndash estabelece nos
paraacutegrafos 29 e 30 respectivamente que ldquoA Constituiccedilatildeo tambeacutem garante os Socorros Puacuteblicosrdquo ldquoA
Instruccedilatildeo Primaacuteria eacute gratuita a todos os Cidadatildeosrdquo Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826
Disponiacutevel em lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt Acesso em 11 ago 2016 13
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org) Histoacuteria de Portugal
o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998 p 130
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
56
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
seu reinado conheceram guerra civil ininterrupta movida pelos opositores do
miguelismo e defensores dos princiacutepios constitucionais14
Com o final do reinado de D
Miguel eacute restabelecida a Constituiccedilatildeo de 1826 a qual vigora ateacute 1838 quando satildeo
retomados os ideais da Constituiccedilatildeo de 1822 extinguindo-se o poder moderador
Influenciada pelas duas anteriores eacute em 1838 que eacute concebida uma nova
Constituiccedilatildeo Esta assemelha-se agrave de 1822 recuperando dela a autonomia dos
trecircs poderes (deixando cair o poder moderador) a soberania da naccedilatildeo o
sufraacutegio direto (embora ainda restrito) mas mantendo as duas cacircmaras de
1826 a dos senadores e a dos deputados (art 34 71 e 72) Novos direitos e
liberdades satildeo adicionados neste texto constitucional como eacute o caso do
direito de associaccedilatildeo (art 13) de reuniatildeo (art 14) ou a liberdade de
resistecircncia (art 25)15
A terceira Constituiccedilatildeo da Monarquia Poliacutetica Portuguesa foi outorgada em 4 de
abril de 1838 durante o reinado (1834-1853) de D Maria II (1819-1853) filha
primogecircnita de D Pedro I Essa Carta Constitucional natildeo reabilitou o poder moderador
constituiacutedo durante o curto reinado D Pedro IV O poder conservador poder neutro ou
poder moderador teve a sua mais extensa experiecircncia histoacuterica poliacutetica e institucional
no Impeacuterio brasileiro e a questatildeo do poder pessoal do Imperador foi debatida
intensamente no reinado de D Pedro I e posteriormente no reinado de D Pedro II
principalmente no decurso que abarca os anos 60 ateacute o desaparecimento da Monarquia
Constitucional Parlamentar em novembro de 1889 O Jornal do Comeacutercio e o Correio
Mercantil importantes perioacutedicos da Corte discutiram com frequecircncia aquele assunto
E aleacutem do debate jornaliacutestico a discussatildeo foi travada entre intelectuais e poliacuteticos Foi
na deacutecada dos 60 que surgiram trecircs obras importantes Da natureza e limites do poder
moderador (1860) do liberal Zacarias de Goeacutes e Vasconcellos (1815-1877) Ensaio de
Direito Administrativo (1862) do conservador Paulino Joseacute Soares de Souza visconde
do Uruguai (1807-1866) e Do poder moderador ensaio de Direito Constitucional
contendo a anaacutelise do tiacutetulo V Capiacutetulo I da Constituiccedilatildeo do Brasil (1864) do
tradicionalista Braz Florentino Henriques de Souza (1825-1870) Esse artigo tem por
objetivo analisar brevemente alguns aspectos teoacutericos poliacuteticos e constitucionais do
14
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal (1828-1834) o
caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-
234 janjun 2013 15
BELCHIOR op cit 2013 p 4
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
57
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
debate acerca do poder pessoal de D Pedro I durante o Primeiro Reinado e a sua relaccedilatildeo
com o poder moderador
Benjamin Constant a Revoluccedilatildeo Francesa e a Monarquia Constitucional
Parlamentar no Brasil
Alguns poucos estudos de ciecircncia poliacutetica no seacuteculo XXI analisaram ateacute entatildeo a
influecircncia do poder moderador na organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional no
Brasil Os trabalhos de Silvana Mota Barbosa (2001) Christian Edward Cyril Lynch
(2005 2014) Diego Rafael Ambrosini e Gabriela Nunes Ferreira (2010) Joseacute Herval
Sampaio Juacutenior (2010) e Erico Arauacutejo Bastos (2015) constituem talvez a bibliografia
mais relevante sobre o tema No livro O poder moderador (1980) o professor e escritor
Joatildeo de Scantimburgo (1915-2013) observou igualmente que nos seacuteculos XIX e XX ldquoa
bibliografia acerca do assunto eacute escassiacutessima Versaram-na Braacutes Florentino Henriques
de Sousa Zacarias de Goacutees e Vasconcelos Satildeo Vicente Uruguai Tobias Barreto
Afonso Arinos de Melo Franco Joatildeo Camilo de Oliveira Torres Paulo Bonavides e
como opccedilatildeo republicana Borges de Medeirosrdquo16
Agrave bibliografia citada por Joatildeo de Scantimburgo acrescentamos as anaacutelises de
Joseacute Joaquim Carneiro de Campos marquecircs de Caravelas (1768-1836)17
Raymundo
Faoro (1958) Seacutergio Buarque de Holanda (1985) Paulo Mercadante (1980) e Antonio
Paim (1989) Essa escassez bibliograacutefica pode estar associada agrave forma como foi
conduzida a proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica na noite de 15 de novembro a qual aboliu o
quarto poder das instituiccedilotildees poliacuteticas brasileiras associando-o simbolicamente ao
poder pessoal do Imperador Esqueceram-se os militares vitoriosos de 1889 que durante
o Primeiro Reinado (1822-1831) e o periacuteodo regencial (1831-1840) houve forte
oposiccedilatildeo tanto agraves supostas pretensotildees de poder pessoal de D Pedro I quanto agrave
concentraccedilatildeo do poder nas matildeos dos regentes
16
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora Pioneira 1980
p 1 17
Sobre a teoria poliacutetica do Marquecircs de Caravelas acerca do poder moderador consultar LYNCH
Christian Edward Cyril Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico do
marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
58
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A um povo como o nosso longamente habituado a identificar o poder pessoal
como sendo a proacutepria tirania e que tenazmente e sob todas as formas
combatera esse poder em D Pedro I e no regente Feijoacute no seu proacuteprio
territoacuterio e mesmo para aleacutem das suas fronteiras nos ditadores Oribe Rosas
ou Solano Lopez aquele forte aparelho do governo provisoacuterio natildeo podia
deixar de parecer estranho e profundamente suspeito Dado poreacutem o caraacuteter
de fulminante ocupaccedilatildeo militar da grande surpresa de 15 de novembro
nenhum protesto eficaz ou simples discussatildeo foi imediatamente possiacutevel18
O escritor e embaixador pernambucano Manuel de Oliveira Lima (1867-1928)
escolheu como epiacutegrafe do seu livro O movimento da independecircncia o impeacuterio
brasileiro (1921) as palavras de Juan Pablo Rojas Paul (1826-1905) presidente da
Venezuela na eacutepoca da Proclamaccedilatildeo da Repuacuteblica brasileira ldquoSe haacute acabado la uacutenica
Republica que existia em America el Imperio del Brasilrdquo19
Assim existe a ideia de que
a organizaccedilatildeo da estrutura de poder institucional da monarquia constitucional
parlamentar brasileira foi similar em muitos aspectos agraves das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo que
formaram alguns estados modernos europeus Exemplo das ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo do
Velho Mundo eram a Inglaterra a Beacutelgica a Holanda e as monarquias da
Escandinaacutevia20
Noacutes eacuteramos governados por um presidente do conselho escolhido pelo
parlamento pois apesar a ativa interferecircncia que a coroa se reservava na
formaccedilatildeo dos ministeacuterios nenhum governo novo ousaria apresentar-se aos
corpos legislativos sem ter a preacutevia certeza dos votos destes Pelo sistema
das negociaccedilotildees preliminares entabuladas entre os encarregados da formaccedilatildeo
de ministeacuterios e os diversos grupos em que se dividia a representaccedilatildeo
nacional era de fato o parlamento quem indicava os programas
governamentais A essa regra geral e obrigatoacuteria soacute podiam fugir os
gabinetes nomeados nos momentos de grandes transiccedilotildees poliacuteticas quando o
Chefe de Estado exercendo as suas funccedilotildees legais de poder moderador era
levado a dissolver a cacircmara dos deputados para uma consulta ampla e
profunda agrave opiniatildeo do paiacutes por meio de novas eleiccedilotildees21
No Brasil o termo ldquorepuacuteblica coroadardquo foi substituiacutedo por ldquodemocracia coroadardquo
na monumental obra do historiador mineiro Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres (1915-
18
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D Pedro I e da
Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora Itatiaia 1989 p 17 19
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889) 2ed Satildeo Paulo
Ediccedilotildees Melhoramentos sd 20
A expressatildeo ldquorepuacuteblicas coroadasrdquo foi consagrada pelo escritor e historiador britacircnico Herbert George
Wells (1866-1946) no livro A short history of the world (1923) Poreacutem o escritor francecircs Victor Hugo no
artigo publicado na segunda metade do seacuteculo XIX em Paris (deacutemocracie couroneacutee) jaacute havia notado que a
monarquia brasileira estava organizada de acordo com os estados constitucionais modernos Sobre esse
assunto consultar SANTOS op cit 1989 p 21 21
Idem p 22
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
59
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
1973) intitulada A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil (1957)
Pouco lido no ambiente universitaacuterio brasileiro contemporacircneo o autor descreveu com
arguacutecia as origens doutrinaacuterias que influenciaram a organizaccedilatildeo da estrutura de poder
institucional no Impeacuterio (capiacutetulo IV ndash As fontes doutrinaacuterias) ao resgatar o livro
Princiacutepios da poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente
agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) do pensador e poliacutetico franco-suiacuteccedilo Benjamin
Constant
Teoacuterico do poder neutro Benjamin Constant considerava quase inexequiacutevel a
manutenccedilatildeo daquele poder no regime de governo republicano22
A Repuacuteblica natildeo
produziria um ldquopoder supremo inviolaacutevelrdquo Esse ldquoponto rijo inatacaacutevelrdquo ndash personificado
no poder moderador ndash cede ante a possibilidade de qualquer cidadatildeo alcanccedilar o poder
supremo A figura do monarca hereditaacuterio deve ser sagrada e inviolaacutevel assertiva essa
transcrita no Art 99 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 (ldquoA Pessoa do Imperador eacute
inviolaacutevel e Sagrada Elle natildeo estaacute sujeito a responsabilidade algumardquo) A comparaccedilatildeo
da responsabilidade do chefe do executivo na monarquia23
e na repuacuteblica eacute realizada por
Benjamin Constant nos seguintes termos
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio24
22
No seacuteculo XX apenas o advogado e poliacutetico gauacutecho Antocircnio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961)
pensou ndash como opccedilatildeo republicana ndash a funccedilatildeo do poder moderador centrado na figura do presidente
Borges de Medeiros ndash no livro O poder moderador na repuacuteblica presidencial (1933) ndash propocircs o modelo
de presidencialismo parlamentarizado ou de gabinete (modelos institucionais adotados posteriormente
pela Franccedila e Portugal) O projeto de reformas de Borges de Medeiros apontava para a hipertrofia do
poder executivo na entatildeo recente histoacuteria republicana principal causa da concentraccedilatildeo de poder na figura
do presidente Sobre esse assunto consultar MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica
presidencial Satildeo Paulo EDUCS 2002 23
Segundo o Art 102 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824 ldquoO Imperador eacute o Chefe do Poder Executivo e
o exercita pelos seus ministros de Estadordquo 24
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os
governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber
Juris 1989 p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
60
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Ao resgatar aspectos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant Joatildeo Camillo de
Oliveira Tocircrres procurava demonstrar a impossibilidade da vigecircncia do quarto poder na
Repuacuteblica O historiador mineiro recordou que o romantismo do autor de Adolphe
(1816) estava impregnado da noccedilatildeo de liberdade medieval fato que o conduziu a temer
a repuacuteblica revolucionaacuteria francesa e a admirar o sistema poliacutetico inglecircs A proacutepria
Constituiccedilatildeo de 1824 quando se referia ao poder moderador mostrava-se herdeira do
conceito de liberdade da realeza medieval europeia O monarca medieval era Chefe de
Estado e tinha os mesmos direitos dos seus antecessores Na Idade Meacutedia a maacutexima Le
roi reacutegne et ne gouverne paacutes jogava por terra a ideia de que o rei europeu detinha
poderes absolutos25
As cacircmaras municipais eram responsaacuteveis pela administraccedilatildeo
puacuteblica resolvendo as suas questotildees localmente Natildeo havia administraccedilatildeo puacuteblica geral
accedilambarcada pelo rei antes ao rei eram apenas reservadas as prerrogativas da guerra e
da aplicaccedilatildeo da justiccedila Com a posterior unificaccedilatildeo dos territoacuterios europeus e o
consequumlente aparecimento dos estados modernos emergiu uma administraccedilatildeo geral que
foi entregue aos representantes das cacircmaras municipais criando por assim dizer a
Cacircmara dos Deputados que eacute a cacircmara de todos os municiacutepios
O rei poreacutem era a chave da aboacutebada a pedra do fecho sustentando o edifiacutecio
por sua posiccedilatildeo apenas Natildeo o edifiacutecio como o Estado totalitaacuterio moderno
apenas a chave da aboacutebada Nem a cuacutepula sustentada pelo edifiacutecio como o rei
barroco fazia parte do edifiacutecio e estava sujeito agrave lei O rei medieval natildeo
ldquofaziardquo a lei nem estava acima do direito Muitos historiadores modernos
acentuam demasiado o caraacuteter consultivo apenas e natildeo legislativo das
Cocircrtes medievais Conveacutem recordar que o rei tambeacutem natildeo possuiacutea o poder
legislativo consultava os representantes do povo sobre o que convinha fazer
A uacutenica diferenccedila essencial estaacute em que os parlamentos modernos se reuacutenem
obrigatoriamente e que o direito de veto e sanccedilatildeo natildeo eacute mais deixado ao
arbiacutetrio do rei26
O claacutessico livro do irlandecircs Edmund Burke (1729-1797) Reflexotildees sobre a
Revoluccedilatildeo na Franccedila (1790) ndash e que iraacute influenciar posteriormente o pensamento
conservador ndash eacute uma epiacutestola que procura responder aacutes indagaccedilotildees do jovem
magistrado francecircs Charles-Jean Franccedilois Depont (1767-1796) sobre os efeitos da
25
A expressatildeo ldquoo rei reina mas natildeo governardquo foi atribuiacuteda ao poliacutetico francecircs Louis-Adolphe Thiers
(1797-1877) Poreacutem essa expressatildeo jaacute estava consolidada nas instituiccedilotildees poliacuteticas medievais 26
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio do Brasil Rio
de Janeiro Joseacute Olympio 1957 p 138
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
61
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Revoluccedilatildeo Francesa27
Em linhas gerais Edmund Burke rejeitou a hipoacutetese de que a
Revoluccedilatildeo Francesa incorporara as virtudes da Revoluccedilatildeo Gloriosa inglesa de 168828
Aqueles revolucionaacuterios dentre eles Franccedilois Depont foram influenciados por
dois clubes londrinos que natildeo representavam o governo inglecircs e tampouco a opiniatildeo
puacuteblica a Sociedade Constitucional e a Sociedade da Revoluccedilatildeo Edmund Burke
condenou o apoio dessas duas associaccedilotildees agrave Revoluccedilatildeo Francesa uma revoluccedilatildeo que
poderia conduzir agrave crise o sistema constitucional inglecircs29
A Declaraccedilatildeo de Direitos de
1688 garantiu a liberdade a vida e a propriedade privada dos suacuteditos contra os possiacuteveis
abusos do absolutismo real e estabeleceu as regras para a sucessatildeo do trono Edmund
Burke demonstrou que o Parlamento inglecircs mesmo em caso de grave crise poliacutetica
jamais anulou o princiacutepio da hereditariedade do poder real Houve obediecircncia daquele
Parlamento aos ldquoantigos estatutos declaratoacuteriosrdquo visto que rei e povo formam o mesmo
corpo poliacutetico
O compromisso ou pacto social que se conhece geralmente como
Constituiccedilatildeo proiacutebe tal violaccedilatildeo e tal rendiccedilatildeo As partes constituintes de um
Estado estatildeo obrigadas a respeitar as obrigaccedilotildees puacuteblicas que tecircm umas com
as outras bem como todos aqueles compromissos dos quais derivam
interesses importantes da mesma forma que o Estado como um todo eacute
obrigado a cumprir seus compromissos com as comunidades particulares
[]30
Existe na Declaraccedilatildeo de Direitos a limitaccedilatildeo ao poder da Coroa mas o princiacutepio
da hereditariedade do monarca resta intocaacutevel Aquela declaraccedilatildeo natildeo gerou o que
Edmund Burke denominou de ldquoinesperados giros da Roda da Fortunardquo ou seja as
revoluccedilotildees Antes a Declaraccedilatildeo de Direitos ndash que seria a base do Bill of Rights de 1689
27
Devemos lembrar que Edmund Burke era membro do partido whig (grupo poliacutetico liberal do
Parlamento Britacircnico formado no final do seacuteculo XVII Esse partido procurava limitar o poder da Coroa
e fortalecer o poder do Parlamento) O autor irlandecircs era liberal conservador e escreveu obra de referecircncia
do moderno conservadorismo poliacutetico 28
Edmund Burke afirma que a influecircncia da Revoluccedilatildeo Gloriosa (1688-1689) no imaginaacuterio dos
revolucionaacuterios franceses eacute confusa por natildeo entenderem os fundamentos da Declaraccedilatildeo de Direitos
produzida pelos ingleses 29
Os efeitos poliacuteticos da Revoluccedilatildeo Francesa natildeo iam de encontro agrave tradiccedilatildeo do common law na
Inglaterra ldquoA justiccedila do common law destinava-se a uma comunidade construiacuteda a partir do niacutevel mais
inferior mediante a garantia oferecida pelos tribunais para todos os que viesses a se apresentar de matildeos
limpas [] No direito inglecircs haacute normas juriacutedica e casos de precedentes que datam do seacuteculo XIII e os
progressistas considerariam isso um absurdo Para mim era a prova de que o direito inglecircs eacute propriedade
do povo inglecircs natildeo uma arma dos governantes []rdquo SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio
de Janeiro Record 2015 p 18 30
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro 2014 p 43
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
62
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
ndash foi um pacto que confirmou os direitos e as liberdades dos ingleses ao mesmo tempo
em que regulou a sucessatildeo da Coroa Ao inveacutes de destruir antigos direitos (fundados e
legitimados pelo commow law) a revoluccedilatildeo de 1688 foi uma reforma constitucional que
garantiu ldquopatrimocircnio legal jaacute existente e herdadordquo isto eacute a legitimidade do poder dos
reis europeus Nesse ponto emerge em Edmund Burke criacutetica veemente aos efeitos da
Revoluccedilatildeo Francesa antevendo o Terror que se instalaria em 1792
Considerando-se bem todas as circunstacircncias a Revoluccedilatildeo Francesa eacute a mais
espantosa que aconteceu ateacute agora no mundo As coisas mais surpreendentes
foram produzidas em mais de um caso pelos meios mais absurdos e
ridiacuteculos nos modos mais ridiacuteculos e aparentemente pelos mais vis
instrumentos Tudo parece fora do natural neste estranho caos de leviandade
e ferocidade onde todas as espeacutecies de crimes misturam-se com todas as
espeacutecies de loucuras Em vista dessa monstruosa cena tragicocircmica
necessariamente as paixotildees opostas se sucedem e agraves vezes se misturam
fazendo-nos passar do desprezo agrave indignaccedilatildeo do riso agraves laacutegrimas do
desprezo ao horror31
A despeito da criacutetica de Edmund Burke agrave Revoluccedilatildeo Francesa eacute importante
destacar que o autor irlandecircs assinalava que o monarca natildeo estava acima do direito
costumeiro ou do direito proveniente do consenso da comunidade Na liberdade poliacutetica
medieval o monarca detinha autoridade limitada sendo-lhe vedada a possibilidade de
legislar amparado pelo poder pessoal absoluto natildeo participava das decisotildees oriundas da
administraccedilatildeo puacuteblica natildeo governava mas reinava com o objetivo preciacutepuo de manter
o equiliacutebrio entre os poderes e aplicar a justiccedila Esses preceitos estavam presentes no
Art 98 da Constituiccedilatildeo Brasileira de 1824
O Poder Moderador eacute a chave de toda a organisaccedilatildeo [sic] Politica [sic] e eacute
delegado privativamente ao Imperador como Chefe Supremo da Naccedilatildeo e
seu Primeiro Representante para que incessantemente vele sobre a
manutenccedilatildeo da Independencia [sic] equilibrio [sic] e harmonia dos mais
Poderes Politicos [sic]
Os citados artigos 98 e 99 sugerem a simbologia que envolve o monarca
sagrado inviolaacutevel e irresponsaacutevel perante os atos dos ministros Ainda o seu poder eacute
ldquodelegado privativamenterdquo pela naccedilatildeo tornando-se o primeiro representante da vontade
nacional e a sua funccedilatildeo eacute preservar o equiliacutebrio e a harmonia entre os poderes
constituiacutedos Ao contraacuterio do que achavam alguns liberais no decorrer do Impeacuterio o
31
Idem p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
63
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca natildeo poderia atuar constitucionalmente amparado no seu poder pessoal apesar
de existirem interpretaccedilotildees ndash como veremos brevemente a seguir ndash que destacaram as
pretensotildees de centralizaccedilatildeo do poder no monarca pretendida por D Pedro I
Do ponto de vista praacutetico leva necessariamente ao regime parlamentar Pois
se o monarca eacute irresponsaacutevel se os ministros natildeo se desculpam alegando
ordem do Imperador ldquovocal ou por escritordquo (art 135) nenhum caminho
haveraacute para funcionamento do regime que o parlamentarismo Ou a
revoluccedilatildeo D Pedro I querendo ter uma poliacutetica sua opinando e oferecendo
de puacuteblico a sua vontade infringiu o texto de sua proacutepria Constituiccedilatildeo32
Na teoria poliacutetica de Benjamin Constant ndash como alertou Seacutergio Buarque de
Holanda (1902-1982) ndash os ministros satildeo agentes ativos sendo as atribuiccedilotildees do poder
executivo distintas das competecircncias do poder moderador A responsabilidade dos
ministros expressa que o poder executivo tem uma aacuterea de atuaccedilatildeo proacutepria pois se o
imperador eacute irresponsaacutevel diante dos atos praticados pelos ministros ldquoo poder
ministerial emanado embora do real (moderador) passa a ter depois vida proacutepria e
separada deste que fica neutralizadordquo33
O Art 135 da Constituiccedilatildeo de 1824 referendou
a independecircncia entre os dois poderes citados ldquoNatildeo salva aos Ministros da
responsabilidade a ordem do Imperador vocal ou por escripto [sic]rdquo O poder executivo
eacute ativo e responsaacutevel pelos seus atos enquanto o poder moderador eacute neutro e
inviolaacutevel34
Essa questatildeo da responsabilidade dos ministros perpassaraacute a discussatildeo
referente ao poder moderador durante o impeacuterio apesar da clara distinccedilatildeo entre os dois
poderes realizada por Benjamin Constant
A Constituiccedilatildeo [francesa] de 1814 ao estabelecer as responsabilidades dos
ministros separa claramente o poder do ministeacuterio do poder real O fato do
monarca ser inviolaacutevel e os ministros responsabilizaacuteveis evidencia esta
separaccedilatildeo Natildeo se pode negar que os ministros detenham um poder que ateacute
certo ponto lhes pertence Se fossem considerados unicamente como agentes
passivos e servis sua responsabilizaccedilatildeo seria absurda e injusta aleacutem do que
somente seriam responsabilizaacuteveis pela estrita execuccedilatildeo das ordens do
monarca Mas a Constituiccedilatildeo admite que sejam responsabilizados perante a
naccedilatildeo e que em certos casos natildeo possam servir-lhes de escusas as ordens do
32
TOcircRRES op cit 1957 p 140-41 33
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da Civilizaccedilatildeo
Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5 p 71 34
A ideia central de Benjamin Constant sobre o poder neutro (moderador no Brasil) ldquo[] era a de que este
poder moderasse e equilibrasse a accedilatildeo dos demais poderes mas que tambeacutem interviesse quando o
equiliacutebrio fosse rompido e os demais poderes desestabilizados Daiacute a inviolabilidade do titular do poder
moderador []rdquo Sobre esse assunto consultar BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT op
cit 1989 p 32
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
64
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarca [] Eacute pois evidente que satildeo algo mais que agentes passivos O
poder ministerial ainda que emane do poder tem natildeo obstante uma
existecircncia verdadeiramente independente Todavia eacute essencial e fundamental
a diferenccedila que existe entre autoridade responsabilizaacutevel e autoridade
inviolaacutevel35
O poder real eacute neutro enquanto o poder ministerial eacute ativo O poder real ndash
ldquodelegado privativamenterdquo ao Chefe de Estado ndash eacute neutro por natildeo estar vinculado a
nenhuma facccedilatildeo ideoloacutegica condiccedilatildeo essencial para o detentor daquele poder ter a
liberdade de se situar acima das conjunturas poliacuteticas cotidianas garantido as suas
virtudes reparadoras e de preservaccedilatildeo ao mesmo tempo em que o impede de perpetrar
praacuteticas hostis contra qualquer grupo poliacutetico Benjamin Constant alerta que ldquoA
monarquia constitucional tem esse poder neutro na pessoa do chefe de Estado O
verdadeiro interesse deste poder eacute evitar que um dos poderes destrua o outro e permitir
que todos se apoacuteiem se compreendam e que atinem comumenterdquo36
Para o autor franco-suiacuteccedilo a autoridade monarca eacute considerada esfera inviolaacutevel
de seguranccedila de majestade e de imparcialidade Contudo o monarca natildeo pode realizar
atitudes apoiadas exclusivamente no seu poder pessoal pois as suas accedilotildees poliacuteticas satildeo
necessariamente limitadas pela Constituiccedilatildeo O monarca se movimenta seguindo os
meios legais e possui a prerrogativa constitucional da inviolabilidade da sacralidade e
da irresponsabilidade Esse modelo institucional soacute poderia vigorar na monarquia
constitucional parlamentar A interpretaccedilatildeo de Joatildeo Camillo de Oliveira Tocircrres a esse
respeito eacute fidedigna agrave interpretaccedilatildeo de Benjamin Constant
O proacuteprio monarca se presta sem relutacircncia a responsabilizar seus ministros
Deve defender bens mais preciosos que este ou aquele detalhe da
administraccedilatildeo ou tal ou qual exerciacutecio parcial da autoridade Sua dignidade eacute
um patrimocircnio da famiacutelia que ele retira da luta ao dissolver seu ministeacuterio
Somente quando o poder eacute de ordem sagrada pode-se separar a
responsabilidade do poder Um poder republicano que se renova
periodicamente natildeo eacute um ser agrave parte natildeo impressiona em nada agrave imaginaccedilatildeo
natildeo tem direito agrave indulgecircncia para com seus erros uma vez que procurou o
cargo que ocupa Natildeo haacute nada mais difiacutecil do que defender sua autoridade
comprometida quando se ataca seu ministeacuterio composto de homens como ele
e com os quais deve estar sempre solidaacuterio37
35
CONSTANT op cit 1989 p 74 36
Idem 37
Idem p 80
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
65
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Benjamin Constant criticava a instabilidade poliacutetica que advinha do
republicanismo A obra Princiacutepios da Poliacutetica aplicaacuteveis a todos os governos
representativos e particularmente agrave constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) publicada em
29 de maio 1815 foi escrita no periacuteodo em que Benjamin Constant havia participado do
segundo governo de Napoleatildeo Bonaparte (2003 a 18061815 ndashgoverno dos Cem Dias)
Nesse periacuteodo colaborou para a elaboraccedilatildeo da Ata Adicional Constitucional francesa
com a intenccedilatildeo preciacutepua de indicar estrateacutegias poliacuteticas de consolidaccedilatildeo institucional e
de construccedilatildeo do Estado Moderno na Franccedila O pensamento constitucional do autor
franco-suiccedilo inspirou diretamente a Carta Constitucional do Impeacuterio brasileiro e por
conseguinte a organizaccedilatildeo da sua estrutura de poder
A Revoluccedilatildeo Francesa de 1789 natildeo instaurou definitivamente a Repuacuteblica A 30
de setembro de 1791 a Assembleia Constituinte promulgou a Constituiccedilatildeo monaacuterquica
francesa que conservou natildeo apenas a monarquia mas inclusive o direito de o rei vetar
temporariamente as leis adotadas pela Assembleia numa inclinaccedilatildeo nitidamente
divergente dos anseios populares da revoluccedilatildeo O poder poliacutetico foi dividido em 1)
Poder Executivo concentrado nas matildeos do rei 2) Poder Legislativo constituiacutedo por
uma uacutenica Cacircmara eleita por cidadatildeos ativos aqueles que por pagarem impostos
possuiacuteam direitos eleitorais 3) Poder Judiciaacuterio constituiacutedo de juiacutezes eleitos ao qual se
vinculava o tambeacutem chamado Juacuteri Popular que substituiu o antigo Tribunal de
Senhores
A Constituiccedilatildeo de 1791 acomodou os interesses feudais remanescentes
representados pelo Rei e os interesses emergentes da grande burguesia financeira e
comercial e dos proprietaacuterios arrendataacuterios Essa tentativa de conciliaccedilatildeo dos interesses
ndash objetivando a estabilidade poliacutetica ndash foi frustrada cedendo lugar ao Terror
Revolucionaacuterio Nesse cenaacuterio em 21 de setembro de 1792 foi abolida a Monarquia
sendo proclamada a Repuacuteblica da Franccedila Nos anos seguintes os termidorianos (centro
poliacutetico) foram ocupando espaccedilos de poder no interior do estado francecircs
Todavia Napoleatildeo Bonaparte subiraacute ao poder em 1798 outorgando a Nova
Constituiccedilatildeo Francesa em 1799 Essa Constituiccedilatildeo de aparecircncia republicana possuiacutea
essecircncia monaacuterquica pois concentrava o poder poliacutetico nas matildeos do primeiro Cocircnsul
Napoleatildeo Bonaparte procurou manter um Impeacuterio com caracteriacutesticas republicanas e
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
66
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monaacuterquicas visando agrave estabilidade poliacutetica desde a sua coroaccedilatildeo como Imperador em
1804
Com a queda de Napoleatildeo Bonaparte em 1814 surgem novas e antigas forccedilas
poliacuteticas na Franccedila Esse eacute o contexto em que Benjamin Constant escreveu Os
princiacutepios poliacuteticos constitucionais A Dinastia dos Bourbon eacute restaurada com o apoio
de Inglaterra Ruacutessia Aacuteustria e Pruacutessia paiacuteses que pretendiam restabelecer o
absolutismo europeu que fora solapado pelos revolucionaacuterios franceses Eacute nesse quadro
histoacuterico que Luiacutes XVIII assumiu o trono O pensador franco-suiccedilo era um publicista
liberal e criacutetico das intenccedilotildees absolutistas do citado monarca Em maio de 1814
escreveu Reflexotildees sobre as Constituiccedilotildees e as Garantias a qual ndash defendendo os
princiacutepios monaacuterquicos e as garantias individuais ndash influenciou o momento poliacutetico
francecircs
Posteriormente no dia 4 de junho de 1814 Luiacutes XVIII outorgou uma Carta
Constitucional que embora voltada para desarticular a estrutura napoleocircnica de poder
confirmava as liberdades conquistadas com a Revoluccedilatildeo e estabelecia uma monarquia
moderada Essa Carta Constitucional ndash que eacute a base substantiva do referido estudo de
Benjamin Constant ndash institui um regime de monarquia limitada que apesar da
influecircncia inglesa natildeo era parlamentarista Sendo uma Constituiccedilatildeo outorgada como
foi a Constituiccedilatildeo Imperial brasileira de 1824 a sua fonte de poder era o rei Eacute o rei que
nomeia e demite os ministros e natildeo o parlamento Ainda o rei accedilambarcava a iniciativa
das leis o direito de veto e o direito de dissolver a Cacircmara
Benjamin Constant foi contraacuterio ao retorno dos Bourbons ao poder Os
Bourbons atraiacuteram os rancores dos revolucionaacuterios permitindo a volta de Napoleatildeo
Bonaparte em 20 de marccedilo de 1815 e incentivando Benjamin Constant a escrever os
Princiacutepios aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave
Constituiccedilatildeo atual da Franccedila (1814) Benjamin Constant estava preocupado em
formular estrateacutegias poliacuteticas que evitassem simultaneamente o absolutismo monaacuterquico
do antigo regime e o governo de exceccedilatildeo que se sucedeu ao governo revolucionaacuterio
jacobino visando oferecer estabilidade agrave vida poliacutetica do paiacutes Imerso nessas questotildees
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
67
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
tornou-se um dos principais teoacutericos poliacuteticos na Franccedila a pensar o tema da monarquia
constitucional e relacionaacute-lo agrave problemaacutetica da representaccedilatildeo poliacutetica38
A teoria do poder neutro de Benjamin Constant defende que aquele poder se
adaptaria melhor agrave forma monaacuterquica pois seria exercido por um monarca que estava
amparado na tradiccedilatildeo e talvez o uacutenico capaz de sustentar-se como aacuterbitro independente
e acima das disputas das facccedilotildees poliacuteticas na vida puacuteblica Um dos pontos fundamentais
da tese de Benjamin Constant era o afastamento da Coroa da funccedilatildeo de poder executivo
Portanto autoridade reacutegia reformulada e poder executivo tambeacutem reformulado
destacando-se o novo poder neutro
O poder executivo deveria ser exercido pelos ministros com independecircncia do
poder neutro Benjamin Constant denominava o poder executivo de ldquopoder ministerialrdquo
ou seja os atos daquele poder eram de inteira responsabilidade dos ministros Poder
legislativo independente poder executivo reformulado e poder neutro fariam de vez os
liberais entrarem no jogo poliacutetico freando o carro do terror revolucionaacuterio Esse novo
arranjo institucional possibilitou que a sociedade francesa fosse governada pela vontade
geral afastando a legitimidade do poder poliacutetico da forccedila da anarquia e do despotismo
Benjamin Constant segue a mesma loacutegica de Charles-Louis de Secondat baratildeo
de Montesquieu (1689-1755) a divisatildeo de poderes reforccedila o poder legiacutetimo Conhecido
amiuacutede pela difusatildeo da teoria dos trecircs poderes Montesquieu admitia implicitamente a
existecircncia do poder moderador No Livro XI (Das leis que formam a liberdade poliacutetica
em sua relaccedilatildeo com a constituiccedilatildeo) Capiacutetulo VI (Da constituiccedilatildeo da Inglaterra) da
obra O espiacuterito das leis assim Montesquieu se expressa sobre o tema
Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder
legislativo estaacute reunido ao poder executivo natildeo existe liberdade porque se
pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tiracircnicas para
executaacute-las tiranicamente Tampouco existe liberdade se o poder de julgar
natildeo for separado do poder legislativo e do executivo Se estivesse unido ao
poder legislativo o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadatildeos seria
arbitraacuterio pois o juiz seria legislador Se estivesse unido ao poder executivo
o juiz poderia ter a forccedila de um opressor Na maioria dos reinos da Europa o
governo eacute moderado porque o priacutencipe que possui os dois primeiros
poderes deixa a seus suacuteditos o exerciacutecio do terceiro Entre os turcos onde
estes trecircs poderes estatildeo reunidos na pessoa do sultatildeo reina um horriacutevel
despotismo Dos trecircs poderes dos quais falamos o de julgar eacute de alguma
38
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do conceito de poder
moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p
611-653 julset 2005
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
68
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
forma nulo Soacute sobram dois e como precisam de um poder regulador para
moderaacute-los a parte do corpo legislativo que eacute composta por nobres eacute muito
adequada para produzir este efeito39
O baratildeo de Montesquieu defendeu que o poder moderador fosse desempenhado
pelos nobres40
Poreacutem historicamente o poder moderador foi exercido pelo monarca
D Pedro I e o debate teoacuterico acerca da hipertrofia do poder moderador
A neutralidade eacute o atributo fundamental do poder real na teoria poliacutetica de
Benjamin Constant O rei natildeo poderia ser o chefe de uma facccedilatildeo poliacutetica e deveria
arrogar a si a posiccedilatildeo de aacuterbitro imparcial Muitos reis natildeo estavam dispostos ou
adaptados a essa situaccedilatildeo Esse poderia ser o caso de D Pedro I segundo Raymundo
Faoro (1925-2003)
O poder moderador apropriado pelo chefe do poder executivo comanda a
administraccedilatildeo e a poliacutetica A distinccedilatildeo entre a monarquia constitucional e a
monarquia absolutista se esgarccedila num sistema criado para separaacute-las
ensejando a criacutetica ao poder pessoal do imperador constante azedume das
correntes liberais [] A cacircmara temporaacuteria seria nesse quadro o viveiro
experimental do recrutamento dos estadistas eleitos seus membros cada vez
mais pelo influxo das chefias poliacuteticas articuladas ao centro e dele
dependentes No fundo uma estrutura que disfarccedila seu cunho autoritaacuterio
com o aproveitamento vertical dos elementos poliacuteticos cevados nas aacutereas
permitidas de influecircncia O estamento se rearticula com tintas liberais e
cerne absolutista no controle das proviacutencias presas agrave corte pela nomeaccedilatildeo de
seus presidentes O funcionamento do corpo poliacutetico apesar da
institucionalizaccedilatildeo das categorias sociais dependeraacute do feito do chefe de
Estado que deve limitar-se a funccedilotildees bonapartistas superior e aacuterbitro das
ambiccedilotildees dos interesses e grupos O talhe poliacutetico de D Pedro I natildeo se
coadunaraacute com o arcabouccedilo por ele montado mas encontraraacute em D Pedro II
conjugado agrave maturidade do plano o priacutencipe perfeito para conduzir a
maacutequina maciamente41
Se o citado jurista e cientista poliacutetico gauacutecho presumiu as pretensotildees de poder
pessoal de D Pedro I Joseacute Maria dos Santos tambeacutem empreendeu conjecturas sobre o
conflito entre a coroa e o parlamento advindo da indistinccedilatildeo entre o poder executivo e o
poder moderador Ateacute o desfecho do periacuteodo regencial o Chefe de Estado nomeava e
39
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000 p 168 amp 172 40
Sobre esse assunto consultar SCANTIMBURGO op cit 1980 p 4-5 41
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v 1) 9ed Satildeo
Paulo Editora Globo 1991 p 291
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
69
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
controlava o poder ministerial utilizando-o como instrumento de oposiccedilatildeo ao poder
legislativo
Natildeo foi outra senatildeo a preocupaccedilatildeo de salvar o princiacutepio desse poder que no
dia 12 de novembro de 1823 levou Pedro I a dissolver violentamente a
primeira assembleia constituinte do impeacuterio A verdadeira luta entre a coroa
e o parlamento abriu-se no dia 3 de maio quando o imperador inaugurando
solenemente os trabalhos legislativos julgou oportuno ministrar alguns
conselhos sobre a orientaccedilatildeo constitucional terminados pela frase
caracteriacutesticas ldquoEspero que a constituiccedilatildeo que fareis mereccedila a minha
imperial aprovaccedilatildeordquo Apenas Sua Majestade tinha-se retirado levantam-se
entre os deputados os primeiros protestos O imperador natildeo tinha regras a dar
agrave Constituinte nem podia estabelecer condiccedilotildees de sua aceitaccedilatildeo ao que ela
votasse porque a constituiccedilatildeo ia ser um ato soberano da vontade nacional
legitimamente expressada no parlamento Quando no dia 7 de abril de
1831 Pedro I entregou o ato da sua abdicaccedilatildeo ao major Miguel de Frias para
que este o levasse aos revolucionaacuterios do Campo de Sant‟Anna tacitamente
ficou provado que o Brasil jamais poderia viver tranquilamente sob qualquer
governo de forma autoritaacuteria e pessoal42
Segundo o autor de A poliacutetica geral do Brasil durante a Regecircncia ocorreu
igualmente a tentativa de concentraccedilatildeo do poder na figura do Chefe de Estado O Ato
Adicional de 1834 (Lei n 16 de 12 de agosto) suprimiu o Conselho de Estado
reavivado posteriormente por D Pedro II43
A elaboraccedilatildeo daquele ato foi resultado da
Lei de 12 de outubro de 1832 a qual concedeu aos deputados eleitos para a legislatura
de 1834 a 1837 a possibilidade de alterar os artigos constantes na Carta Constitucional
de 182444
Ora o desaparecimento do Conselho de Estado sem a concomitante extinccedilatildeo
do poder moderador soacute podia servir para tornar mais absoluto o exerciacutecio
pessoal do poder executivo e quando no ano seguinte o padre Diogo Feijoacute
recebeu a alta investidura de regente uacutenico o problema poliacutetico que
continuara insoluacutevel reassumiu nitidamente o seu caraacuteter especiacutefico45
Joseacute Maria dos Santos afirma que no primeiro reinado houve a tentativa de
garantir a supremacia do poder moderador sobre o poder legislativo suscitando
polecircmicas na Assembleia Constituinte de 1823 Na discussatildeo do projeto do regimento
um dos temas candentes era a definiccedilatildeo do ldquopapelrdquo da sanccedilatildeo do Imperador Antocircnio
42
SANTOS op cit 1989 p 22-23 43
Durante o reinado de D Pedro II a Lei de 23 de novembro de 1841instituiu o novo Conselho de
Estado 44
Sobre esse assunto consultar DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no
Brasil do seacuteculo XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005 45
SANTOS op cit 1989 p 25
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
70
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773-1845) ndash que havia sido deputado na
Assembleia Constituinte de Lisboa em 1821 onde recusara a ideia de o Brasil voltar agrave
condiccedilatildeo de colocircnia ndash defendia a submissatildeo do monarca agraves decisotildees da assembleia
constituinte ou seja D Pedro I natildeo poderia vetar os dispositivos constitucionais
possuindo poder apenas para vetar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria Por outro lado Joseacute Joaquim
Carneiro de Campos (1768-1836) futuro marquecircs de Caravelas propunha que o poder
de veto do Imperador deveria se estender agraves leis regulares ou administrativas jaacute que o
poder moderador era o sustentaacuteculo do ldquocontrole estrutural da constitucionalidaderdquo46
O Poder Moderador era assim o direito que tinha a naccedilatildeo de ser protegida
pelo representante do bem comum quando estivesse desprovida de meios de
autodefesa contra o particularismo dos interesses legislativos a autoridade
neutra capaz de manter a ordem constitucional contra as veleidades facciosas
e particularistas de seus representantes eleitos Natildeo sendo possiacutevel que o
povo soberano agisse por conta proacutepria para fazer valer seus interesses o
governo representativo exigia a existecircncia e a delegaccedilatildeo daquele poder que
ldquocomo atalaia da liberdade e dos direitos do povo inspeciona e equilibra os
outros poderesrdquo Tratava-se de um poder discricionaacuterio exercido
emergencialmente pelo chefe do Executivo para salvar o regime
representativo nascente do perigo de desagregaccedilatildeo do corpo poliacutetico uma
espeacutecie de freio de matildeo leviatacircnico para as emergecircncias de um Estado
constitucional incipiente e fraacutegil despido de tradiccedilotildees e por isso ameaccedilado
por seu proacuteprio deacuteficit de legitimidade - um sucedacircneo aperfeiccediloado da
ditadura romana descrita por Maquiavel47
No seu projeto constitucional o marquecircs de Caravelas havia transgredido apenas
dois pontos da teoria poliacutetica de Benjamin Constant acerca do poder moderador 1) o
monarca teria o direito de anistiar 2) caberia ao poder executivo ndash e natildeo mais ao poder
moderador ndash a prerrogativa de declarar guerra ou paz sendo o monarca nessa questatildeo
controlado pelos ministros Entretanto o poder moderador seria discricionaacuterio diante da
possibilidade de inexistir ldquooutro meio ordinaacuterio e paciacutefico de evitar danos iminentes ao
Estadordquo48
Christian Edward Cyril Lynch observa que a implantaccedilatildeo do poder
moderador no Brasil natildeo desvirtuava a teoria poliacutetica de Benjamin Constant com viacutecios
autoritaacuterios
46
Sobre esse assunto consultar PAIM Antonio A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In
BARRETO Vicente PAIM Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte
Editora Itatiaia 1989 p 104 47
LYNCH op cit 2014 p 93-94 48
Idem p 97
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
71
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A verdade portanto eacute que o imperador e seus conselheiros de Estado
lograram operar uma transposiccedilatildeo juriacutedica bastante fiel das competecircncias
concedidas por Benjamin Constant ao seu poder neutro sendo infundada a
crenccedila de que ela teria desfigurado a sua doutrina num sentido autoritaacuterio
[] Constant distinguia entre autoridade inviolaacutevel (o Rei) e autoridade
responsaacutevel (Ministeacuterio) entre outros motivos para afastar o priacutencipe do
exerciacutecio direto do governo tornando-o natildeo o chefe partidaacuterio da
administraccedilatildeo puacuteblica mas o aacuterbitro reconhecido do governo constitucional
Por esse motivo ele qualificava a distinccedilatildeo entre o Poder Moderador e o
Executivo como ldquoa chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo a aboacutebada do
arcabouccedilo institucionalrdquo Eacute sintomaacutetico que tendo guardado fidelidade agrave
transposiccedilatildeo juriacutedica das atribuiccedilotildees do Poder Moderador Caravelas o tenha
feito conceituar na Constituiccedilatildeo de modo doutrinariamente diverso daquele
assinalado nos Princiacutepios de poliacutetica Pela redaccedilatildeo do artigo 98 ldquoa chave de
toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo deixava de ser a distinccedilatildeo entre aqueles dois
poderes para se tornar o proacuteprio Moderador (Assim ldquoO Poder Moderador eacute a
chave de toda a organizaccedilatildeo poliacuteticardquo) [] o propoacutesito do autor dos
Princiacutepios de Poliacutetica era o de enfraquecer a Coroa e natildeo de fortalececirc-la []
o projeto poliacutetico de Carneiro de Campos era o de um governo conservador
moderado que conciliasse as duas tendecircncias mais extremas em que o
espectro poliacutetico nacional se dividia em benefiacutecio da estabilizaccedilatildeo da
monarquia constitucional49
Nesse caso a interpretaccedilatildeo de Christian Edward Cyril Lynch destoa da aludida
concepccedilatildeo de Raymundo Faoro e Joseacute Maria dos Santos acerca da hipertrofia do poder
moderador no primeiro reinado O projeto do marquecircs de Caravelas ia de encontro agraves
ideias de D Pedro I pois preservava os poderes do monarca perante o poder legislativo
condiccedilatildeo institucional necessaacuteria para a estabilidade da monarquia constitucional50
Ainda a Histoacuteria constitucional do Brasil (1915) do advogado jornalista e poliacutetico
baiano Aurelino de Arauacutejo Leal (1877-1924) registra que a dissoluccedilatildeo da Assembleia
Constituinte de 1823 realizada por D Pedro I tinha o apoio da maioria das proviacutencias A
oposiccedilatildeo agrave extinccedilatildeo da Assembleia Constituinte partiu do Norte onde se destacou a
atuaccedilatildeo poliacutetica de Frei Caneca (1779-1825) que definia o poder moderador como a
ldquoinvenccedilatildeo maquiaveacutelica chave mestra da opressatildeo o garrote mais forte da liberdade
dos povosrdquo51
Em posiccedilatildeo contraacuteria Satildeo Paulo saudava a anulaccedilatildeo daquela Assembleia
seguido por Minas Gerais Santa Cantarina Rio Grande do Sul e Cisplatina (atual
Uruguai)
49
Idem p 101-103 50
ldquoSegundo Barbosa Lima Sobrinho em comentaacuterio agrave obra de Braz Florentino sobre o Poder Moderador
D Pedro I soacute aceitou a instalaccedilatildeo da Monarquia Constitucional se o Poder Moderador pudesse funcionar
nos moldes preconizados pelo citado Carneiro de Camposrdquo PAIM op cit 1989 p 104 51
CANECA Frei apud MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao
estudo da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980 p 196
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
72
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Toda essa reaccedilatildeo poreacutem se limitou ao Norte Quanto ao Sul a adesatildeo ao
golpe de estado foi geral Satildeo Paulo - e bem se vecirc nisso a obra do partido
hostil aos Andradas - tomou a dianteira mandando uma mensagem a D
Pedro I a 6 de dezembro pelo capitatildeo Antonio Cardoso Nogueira O
documento estigmatizava o procedimento da Constituinte ldquoem termos acresrdquo
e nele ldquose davam graccedilas ao imperador por havecirc-lo dissolvido52
Aleacutem do apoio de parcela significativa das proviacutencias para a dissoluccedilatildeo da
Assembleia Constituinte de 1823 o marquecircs de Caravelas observava que a aclamaccedilatildeo
popular de D Pedro I lhe conferia ldquoa suprema autoridade vigilanterdquo Cabia ao poder
moderador em casos excepcionais o direito de veto ao legislativo e a dissoluccedilatildeo da
Cacircmara dos Deputados sendo sua funccedilatildeo primordial ldquoimpedir a perturbaccedilatildeo da ordem
puacuteblica e o disfuncionamento da maacutequina poliacuteticardquo53
Por outro lado na criacutetica realizada por Raymundo Faoro existe a noccedilatildeo de que o
poder moderador era o principal mantenedor do estamento burocraacutetico a coroa poderia
nomear e demitir os ministeacuterios pairando sobranceira sobre as decisotildees poliacuteticas e
administrativas O jurista gauacutecho ainda afirma que a teoria do poder moderador em
Benjamin Constant constituiacutea a ldquoessecircncia do primado da Coroa seraacute a pedra que
autorizaraacute o imperador a reinar governar e administrar por via proacutepria sem a cobertura
ministerialrdquo54
O periacuteodo que se estendeu de 1823 a 1826 presenciou segundo o autor
de Os donos do poder a fase aacuteurea do suposto autoritarismo de D Pedro I o qual
governava e reinava tendo sob o seu domiacutenio os ministeacuterios e o Conselho de Estado
ldquoinexpressivo apecircndice do soberanordquo
Entre o imperador e a opiniatildeo puacuteblica ndash a reduzida camada que fazia a
opiniatildeo puacuteblica ndash natildeo emerge nenhum oacutergatildeo de intermediaccedilatildeo capaz de
absorver as pressotildees e filtrar as decisotildees governamentais transacionalmente
O senado vitaliacutecio o Conselho de Estado serviam a apenas para homologar o
comando uacutenico da cuacutepula sem o respeito que o decurso do tempo lhes
projetaria A improvisada aristocracia sem os cargos e a articulaccedilatildeo poliacutetica
na corte limitava-se ao aspecto decorativo Era na palavra de Feijoacute ldquouma
aristocracia fantaacutestica despida de todos aqueles atavios que ornam os
titulares da Europardquo Faltava-lhes dinheiro grandes accedilotildees vasto saber e
prestiacutegio avoengo apressaram a queda do monarca pois que todos foram
criados contra a constituiccedilatildeo55
52
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2014 p 87 53
CARAVELAS Marquecircs de apud LYNCH Christian Edward Cyril op cit 2014 p 97 54
FAORO op cit 1991 p 295 55
Idem
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
73
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Para nuanccedilar a referida assertiva da hipertrofia do poder moderador de
Raymundo Faoro devemos lembrar que Benjamin Constant era o teoacuterico que conciliou
liberalismo poliacutetico e poder real O pensador franco-suiccedilo criticou a teoria da soberania
constante em Thomas Hobbes (1558-1679) na medida em que o filoacutesofo inglecircs
procurou alccedilar o despotismo agrave categoria de sistema poliacutetico que propugnava a soberania
ilimitada com a finalidade de defender a legitimidade do ldquogoverno absoluto de um soacuterdquo
Segundo Benjamin Constant quem deteacutem a soberania absoluta ndash seja o povo a
aristocracia ou o monarca ndash sujeita a sociedade aos seus arbiacutetrios
O soberano tem o direito de castigar mas somente atos culposos tem o
direito de fazer a guerra mas apenas quando a sociedade eacute atingida tem o
direito de fazer leis poreacutem soacute quando essas leis satildeo necessaacuterias e em
conformidade com a justiccedila Natildeo haacute portanto nada de absoluto nada de
arbitraacuterio nessas atribuiccedilotildees [] A democracia eacute uma autoridade depositada
nas matildeos de todos mas apenas a autoridade suficiente e necessaacuteria agrave
seguranccedila da sociedade a aristocracia eacute essa autoridade confiada a uns
poucos a monarquia essa mesma autoridade entregue a um soacute O povo pode
abdicar da autoridade em favor de um homem soacute ou de um pequeno nuacutemero
mas o poder seraacute sempre limitado como o eacute o do povo a quem ele conferiu
Suprimindo-se a palavra absoluto inserida gratuitamente na construccedilatildeo das
frases todo o terriacutevel sistema de Hobbes desmorona Com esta palavra nem
a liberdade nem a tranquumlilidade e a sorte satildeo possiacuteveis em qualquer
instituiccedilatildeo O governo popular natildeo eacute senatildeo uma tirania convulsiva o
monaacuterquico um despotismo mais concentrado Quando a soberania natildeo estaacute
limitada natildeo haacute nenhum meio de se colocar os indiviacuteduos sob a proteccedilatildeo dos
governos Em vatildeo se pretenderaacute submeter os governos agrave vontade geral Satildeo
sempre eles os que ditam essa vontade e todas as precauccedilotildees tornam-se
ilusoacuterias56
Benjamin Constant empreende veemente criacutetica agrave concentraccedilatildeo de poder
assumindo postura teoacuterica diversa daquela que lhe eacute atribuiacuteda por Raymundo Faoro A
teoria do Estado em Benjamin Constant natildeo admite que nenhuma classe da sociedade
accedilambarque poderes absolutos o povo aiacute incluiacutedo pois o poder deve ser limitado por
regras e normas O Estado deve ser erigido sobre a divisatildeo dos poderes pedra angular
da doutrina liberal
Cinco satildeo os poderes que devem formar o modelo de organizaccedilatildeo poliacutetica de
Benjamin Constant 1) O poder real eacute a autoridade mantenedora do equiliacutebrio entre os
demais poderes tendo por objetivo principal conservar os poderes ldquomesmo que os
homens natildeo obedeccedilam sempre a seu interesse Nisto consiste a diferenccedila entre a
56
CONSTANT op cit 1989 p 66-67
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
74
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
monarquia absoluta e a constitucionalrdquo57
2) O poder executivo eacute de responsabilidade
dos ministros 3) O poder representativo da tradiccedilatildeo ou da continuidade eacute prerrogativa
de uma assembleia hereditaacuteria 4) O poder representativo da opiniatildeo puacuteblica eacute composto
por uma assembleia eleita 5) O poder judiciaacuterio eacute constituiacutedo pelos tribunais
A Carta Constitucional outorgada por D Pedro I alterou apenas o poder da
tradiccedilatildeo ou continuidade o qual foi substituiacutedo pelo senado vitaliacutecio O Art 10
consigna que ldquoOs Poderes Poliacuteticos reconhecidos pela Constituiccedilatildeo do Imperio do
Brasil satildeo quatro o Poder Legislativo o Poder Moderador o Poder Executivo e o
Poder Judicialrdquo Os artigos 11 e 12 tratam da Representaccedilatildeo Nacional indicando que os
representantes da Naccedilatildeo satildeo o Imperador e a Assembleia Geral sendo que ldquoTodos esses
Poderes no Imperio do Brasil satildeo delegaccedilatildeo da Naccedilatildeordquo
A Assembleia Geral era composta pela Cacircmara dos Deputados (poder
legislativo representante da opiniatildeo puacuteblica) e pelo Senado Vitaliacutecio (poder legislativo
representante da tradiccedilatildeo ou continuidade) Entre outras atribuiccedilotildees a Assembleia Geral
estava incumbida de fazer leis interpretaacute-las suspendecirc-las e revogaacute-las (Art 14
paraacutegrafo VIII) autorizar o governo para a contraccedilatildeo de empreacutestimos (Art 15
paraacutegrafo XIII) estabelecer meios convenientes para pagamento da diacutevida puacuteblica (Art
15 paraacutegrafo XIV) regular a administraccedilatildeo dos bens nacionais e decretar a sua
alienaccedilatildeo (Art 15 paraacutegrafo XV) criar ou suprimir empregos puacuteblicos e estabelecer-
lhes ordenados (Art 15 paraacutegrafo XVI)
Aleacutem dessas atribuiccedilotildees comuns tanto a Cacircmara dos Deputados quanto o
Senado Vitaliacutecio possuiacuteam funccedilotildees especiacuteficas A Cacircmara dos Deputados era eletiva e
temporaacuteria decidia sobre os impostos escolhia a nova dinastia caso a anterior se
extinguisse e discutia as propostas provenientes do poder executivo Jaacute o Senado
Vitaliacutecio era eleito pelas proviacutencias e tinha como atribuiccedilatildeo exclusiva conhecer os
delitos individuais cometidos pelos membros da Famiacutelia Imperial Ministros de Estado
Conselheiros de Estado Senadores e Deputados durante o exerciacutecio das suas respectivas
legislaturas (Art 47 paraacutegrafo I) conhecer a responsabilidade dos Secretaacuterios e
Conselheiros de Estado (Art 47 paraacutegrafo II) entre outras
Outra instituiccedilatildeo importante era o Conselho de Estado o qual possuiacutea dez
membros vitaliacutecios nomeados pelo Imperador Aqueles membros aconselhavam o
57
Idem p 74-75
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
75
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Imperador nos negoacutecios gerais nas medidas referentes agrave administraccedilatildeo puacuteblica
ldquoprincipalmente sobre a declaraccedilatildeo da Guerra ajustes de paz negociaccedilotildees com as
naccedilotildees estrangeiras assim como em todas as ocasiotildees em que o Imperador se proponha
exercer qualquer das atribuiccedilotildees proacuteprias do Poder Moderadorrdquo (Art 142) Ainda o
Conselho de Estado era responsaacutevel por conselhos opostos agrave lei (Art 143) Por fim o
poder judiciaacuterio eacute independente ldquoe seraacute composto de Juiacutezes e Jurados os quais teratildeo
lugar no Ciacutevel como no Crime nos casos e pelo modo que os Coacutedigos determinaremrdquo
(Art 151)
O poder moderador (poder real) eacute exercido quando o Imperador nomeia os
senadores a partir de uma lista triacuteplice (Art 101 paraacutegrafo I) sanciona os decretos e
resoluccedilotildees da Assembleia Geral para que adquiram forccedila de lei (Art 101 paraacutegrafo II)
prorrogando ou adiando a Assembleia Geral e dissolvendo a Cacircmara dos Deputados
nos casos em que o exigir a salvaccedilatildeo do Estado convocando imediatamente outra
Cacircmara (Art 101 paraacutegrafo V) nomeando e demitindo livremente os Ministros de
Estado (Art 101 paraacutegrafo VI) concedendo anistia em caso urgente em prol da
humanidade e bem do Estado (Art 101 paraacutegrafo IX)
O Imperador eacute o Chefe do poder executivo poreacutem os ministros satildeo responsaacuteveis
pelos seus atos Algumas das atribuiccedilotildees do poder executivo eram nomear magistrados
(Art 102 paraacutegrafo III) nomear comandantes das forccedilas armadas (Art 102 paraacutegrafo
V) dirigir negociaccedilotildees poliacuteticas com naccedilotildees estrangeiras (Art 102 paraacutegrafo VII)
declarar guerra e fazer a paz comunicando sempre a Assembleia Geral ((Art 102
paraacutegrafo IX) o imperador natildeo pode sair do Impeacuterio do Brasil sem o consentimento da
Assembleia Geral sob pena de entendimento de que abdicou da Coroa (Art 104)
Quanto agraves responsabilidades dos ministros a Constituiccedilatildeo de 1824 determinou que
houvesse seis secretarias de Estado sendo os ministros responsaacuteveis por traiccedilatildeo por
peita suborno ou concussatildeo por abuso do poder pela falta de observacircncia da lei pelo
que obrarem contra a liberdade seguranccedila ou propriedade dos cidadatildeos por qualquer
dissipaccedilatildeo dos bens puacuteblicos (Art 133 paraacutegrafos I a VI) Por outro lado como jaacute
observado os ministros satildeo responsaacuteveis pelos seus atos de acordo com o citado Art
135 Apesar de o imperador ser chefe do poder executivo poder real e poder ministerial
satildeo independentes
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
76
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
A diferenccedila que existe entre o poder real e o ministerial destaca-se pelo
proacuteprio exemplo com que se procurou eliminaacute-la O caraacuteter neutro e
puramente preservador do poder real eacute indiscutiacutevel Comparando todavia o
poder real e o ministerial eacute evidente que somente o segundo eacute ativo jaacute que se
natildeo quisesse fazer o primeiro natildeo encontraria nenhum meio de obrigaacute-lo
mas tambeacutem nenhuma possibilidade de atuar sem ele58
Consideraccedilotildees finais
A Carta Magna de 1824 natildeo referendava o poder pessoal de D Pedro I ao
transplantar para os artigos constitucionais a reflexatildeo sobre o poder neutro de Benjamin
Constant Entretanto a separaccedilatildeo inequiacutevoca entre o poder executivo e o poder
moderador natildeo ocorreu plenamente no Primeiro Reinado (1822-1831) pois a accedilatildeo
poliacutetica do Imperador arrefeceu em alguns aspectos a monarquia constitucional e
representativa
Por exemplo o julgamento oficial dos insurrectos da Confederaccedilatildeo do Equador
(1824) foi realizado agrave margem da Constituiccedilatildeo a formaccedilatildeo de uma Comissatildeo Militar ndash
instituiacuteda por Decreto de 26 de julho de 1824 e influenciado pela Coroa ndash julgou os
revoltosos ilegalmente a Constituiccedilatildeo natildeo consignava o julgamento de civis por
militares O resultado desse julgamento foi a condenaccedilatildeo agrave morte de alguns insurgentes
em Pernambuco entre eles Frei Caneca Lazaro Fontes Agostinho Bezerra Cavalcanti
Antonio Macario James Rodgers Nicolau Pereira Antonio Monte e Francisco
Fragoso59
Entretanto o poder moderador natildeo interferiu substantivamente na questatildeo da
representaccedilatildeo poliacutetica ou na liberdade de decisatildeo dos deputados natildeo houve dissoluccedilatildeo
da Cacircmara a partir da primeira legislatura instaurada em 1826 mesmo diante das
disputas crescentes entre o quarto poder e o poder legislativo60
58
Idem p 84 59
Em 26 de julho de 1824 (por meio de outro Decreto) a Sua Majestade Imperial pautada no inciso
XXXV do artigo 179 da Carta Magna (casos de rebeliatildeo que colocasse em risco a seguranccedila do Estado)
suspendeu as garantias impliacutecitas no inciso VIII do mesmo artigo (natildeo ser preso sem culpa formada) Se a
Lei Maior permitia suspensatildeo de algumas formalidades em casos de rebeliatildeo na praacutetica acabou-se por
suspender praticamente todas as formalidades ndash inclusive proibindo a possibilidade de recurso dos
condenados agraves graccedilas do Poder Moderador 60
No Primeiro Reinado constituiu-se 10 Gabinetes (Ministeacuterios) todos de curta duraccedilatildeo pois na meacutedia
natildeo conseguiram romper o primeiro ano de exerciacutecio Os dois Gabinetes que mais resistiram foram
dissolvidos ao teacutermino de dois anos Assim Dom Pedro I deixou de dissolver a Cacircmara dos Deputados a
partir da primeira Legislatura instaurada em 1826 mas os Gabinetes (Ministeacuterios) natildeo tiveram a mesma
sorte O Art 101 paraacutegrafo VI da Constituiccedilatildeo de 1824 permitia ao titular do Poder Moderador nomear
e demitir ministros sem qualquer interferecircncia do Legislativo
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
77
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Na passagem dos anos 20 para os anos 30 o projeto centralista de D Pedro I ndash
apoiado como frisado anteriormente por vaacuterias proviacutencias ndash perdeu a autoridade
legiacutetima Se inicialmente a Assembleia Constituinte de 1823 foi fechada os irmatildeos
Andradas exilados e as revoltas provinciais apaziguadas agrave forccedila o Imperador acabou
por se distanciar paulatinamente dos seus aliados Aleacutem disso D Pedro I teria
privilegiado os interesses da Coroa de Portugal em detrimento da naccedilatildeo brasileira fato
que contribuiu para o aumento da sua impopularidade sendo ainda acusado de
descumprir alguns preceitos constitucionais
Ainda a morte prematura da Imperatriz D Maria Leopoldina (1797-1826) ndash
atribuiacuteda aos maus tratos de D Pedro I agrave sua esposa gestante ndash e a relaccedilatildeo extraconjugal
com Domitila de Castro Canto e Mello (1797-1867) marquesa de Santos contribuiacuteram
para corroer a imagem puacuteblica do Imperador61
Em 11 de marccedilo de 1831 tambeacutem
houve atrito entre os portugueses ndash interessados no retorno da submissatildeo do Brasil agrave
Coroa lusitana ndash e os nacionalistas A violecircncia generalizada que se alastrou pelas ruas
do Rio de Janeiro ficou conhecida como a Noite das Garrafadas Em 05 de abril D
Pedro I destituiu ndash impulsionado pelas consequecircncias poliacuteticas da referida noite ndash o
Ministeacuterio moderado que havia sido instituiacutedo em 19 de marccedilo e nomeou pessoas
proacuteximas ao trono favoraacuteveis ao fortalecimento do seu poder pessoal Sem o apoio dos
militares e perante os protestos populares D Pedro I antes mesmo de compor o novo
Ministeacuterio abdicou e transferiu-se para Portugal somando forccedilas com os oposicionistas
do aludido miguelismo62
O Segundo Reinado (1840-1889) presenciou um determinado consenso poliacutetico
durante quase 30 anos sobre o poder moderador entre conservadores e liberais Eacute
somente a partir do uacuteltimo quartel do seacuteculo XIX que a questatildeo do poder moderador
seraacute debatida amiuacutede A dissoluccedilatildeo do gabinete liberal comandado por Zacharias de
Goacutees e Vasconcellos em 3 de agosto de 1868 anunciava que a eficaz praacutetica poliacutetica de
D Pedro II ndash que direcionara ateacute entatildeo a alternacircncia no poder entre conservadores e
liberais e que revigorava a representaccedilatildeo poliacutetica ndash entrara em crise63
Novamente os
61
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012 62
Outros fatores tambeacutem contribuiacuteram para aumentar a impopularidade e consequentemente propiciar a
renuacutencia do Imperador gastos desnecessaacuterios com a Guerra da Cisplatina e o assassinato do jornalista
Libero Badaroacute (1798-1830) criacutetico do governo de D Pedro I Sobre esse assunto consultar SOUSA op
cit 1988 63
HOLANDA op cit 1985
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
78
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
temas da responsabilidade ministerial e do suposto poder pessoal do monarca que
poderia emanar do poder moderador seratildeo motivos de anaacutelises juriacutedico-constitucionais
histoacutericas e poliacuteticas Mas esse pode ser o assunto porventura de artigo vindouro
Referecircncias
ANDRADA E SILVA Joseacute Bonifaacutecio de Projetos para o Brasil Satildeo Paulo
Companhia das Letras 1998
BASTOS Aureacutelio Wander Prefaacutecio In CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos
constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos aplicaacuteveis a todos os governos representativos e
particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris
1989
BELCHIOR Ana Maria Do constitucionalismo monaacuterquico ao constitucionalismo
republicano portuguecircs In ______ (org) As constituiccedilotildees republicanas portuguesas
direitos fundamentais e representaccedilatildeo poliacutetica (1911-2011) Lisboa Editora Mundos
Sociais 2013
BURKE Edmund Reflexotildees sobre a revoluccedilatildeo na Franccedila Satildeo Paulo Editora Edipro
2014
CANOTILHO J Joaquim Gomes As Constituiccedilotildees In MATTOSO Joseacute (org)
Histoacuteria de Portugal o liberalismo (1807-1890) Lisboa Editorial Estampa 1998
Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826 Disponiacutevel em
lthttpwwwfdunlptAnexosInvestigacao1533pdfgt
Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfedcarleianterioresa1824cartadelei-39554-16-
dezembro-1815-569929-publicacaooriginal-93095-pehtmlgt
CARVALHO Manuel Emiacutelio Gomes de Os Deputados brasileiros nas Cortes Gerais
de 1821 Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2003
CASTRO Chico A noite das garrafadas Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado Federal 2012
CONSTANT Benjamin Princiacutepios poliacuteticos constitucionais (Princiacutepios poliacuteticos
aplicaacuteveis a todos os governos representativos e particularmente agrave Constituiccedilatildeo atual da
Franccedila ndash 1814) Rio de Janeiro Liber Juris 1989
COSTA Joatildeo Cruz A filosofia no Brasil durante a primeira parte do seacuteculo XIX In
______ Contribuiccedilatildeo agrave histoacuteria das ideias no Brasil 2ed Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 1967
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
79
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
Decreto de 24 de fevereiro de 1821 Disponiacutevel em
lthttpwww2camaralegbrleginfeddecret_snanterioresa1824decreto-39220-24-
fevereiro-1821-569031-publicacaooriginal-92323-pehtmlgt
DOLHNIKOFF Miriam O pacto imperial origens do federalismo no Brasil do seacuteculo
XIX Satildeo Paulo Editora Globo 2005
FAORO Raymundo Os donos do poder formaccedilatildeo do patronato poliacutetico brasileiro (v
1) 9ed Satildeo Paulo Editora Globo 1991
FERREIRA Silvestre Pinheiro Manual do cidadatildeo em um governo representativo ou
princiacutepios de direito constitucional administrativo e das gentes Paris Gravier amp
Aillaud 1834
GONCcedilALVES Andreacutea Lisly A luta de brasileiros contra o miguelismo em Portugal
(1828-1834) o caso do homem preto Luciano Augusto Revista Brasileira de Histoacuteria
Satildeo Paulo v 33 n 65 p 211-234 janjun 2013
HOLANDA Seacutergio Buarque de O poder pessoal In ______ Histoacuteria Geral da
Civilizaccedilatildeo Brasileira do impeacuterio agrave repuacuteblica 4ed Satildeo Paulo Difel 1985 t II v 5
LEAL Aurelino Histoacuteria constitucional do Brasil Brasiacutelia Ediccedilotildees do Senado
Federal 2014
LIMA Oliveira O movimento da independecircncia o impeacuterio brasileiro (1821-1889)
2ed Satildeo Paulo Ediccedilotildees Melhoramentos sd
______ Dom Pedro e Dom Miguel a querela da sucessatildeo (1826-1828) Brasiacutelia
Editora do Senado Federal 2008
LYNCH Christian Edward Cyril O discurso poliacutetico monarquiano e a recepccedilatildeo do
conceito de poder moderador no Brasil (1822-1824) Dados ndash Revista de Ciecircncias
Sociais Rio de Janeiro v 48 n 3 p 611-653 julset 2005
______ Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia o pensamento poliacutetico
do marquecircs de Caravelas (1821-1836) Belo Horizonte EdUFMG 2014
MEDEIROS Borges de O poder moderador da repuacuteblica presidencial Satildeo Paulo
EDUCS 2002
MERCADANTE Paulo A consciecircncia conservadora no Brasil contribuiccedilatildeo ao estudo
da formaccedilatildeo brasileira 3ed Rio de Janeiro Editora Nova Fronteira 1980
MONTESQUIEU Baratildeo de O espiacuterito das leis 3ed Satildeo Paulo Martins Fontes 2000
PAIM Antonio Introduccedilatildeo In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas
2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016
Revista Escrita da Histoacuteria | wwwescritadahistoriacom
80
Ano III ndash vol 3 n 6 juldez 2016
______ A discussatildeo teoacuterica do Poder Moderador In BARRETO Vicente PAIM
Antonio Evoluccedilatildeo do pensamento poliacutetico brasileiro Belo Horizonte Editora Itatiaia
1989
RODRIGUEZ Ricardo Veacutelez Um precursor do pensamento estrateacutegico luso-
brasileiro Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846) Universidade Federal de Juiz de
Fora Defesa sd
SANTOS Joseacute Maria dos O segundo reinado em confronto com os periacuteodos de D
Pedro I e da Regecircncia In ______ A poliacutetica geral do Brasil Belo Horizonte Editora
Itatiaia 1989
SCANTIMBURGO Joatildeo de O poder moderador histoacuteria e teoria Satildeo Paulo Editora
Pioneira 1980
SCRUTON Roger Como ser um conservador Rio de Janeiro Record 2015
SILVA Inocecircncio Francisco da Biografia e bibliografia de Silvestre Pinheiro Ferreira
In FERREIRA Silvestre Pinheiro Preleccedilotildees filosoacuteficas 2ed Satildeo Paulo Edusp 1970
SOUSA Octaacutevio Tarquiacutenio A vida de D Pedro I (v 1) Belo Horizonte Itatiaia Satildeo
Paulo Edusp 1988
TOcircRRES Joatildeo Camillo de Oliveira A democracia coroada teoria poliacutetica do Impeacuterio
do Brasil Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1957
Recebido em 09062016
Aprovado em 27082016