pixels que valem dinheiro

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Pixeis que valem dinheiro Prof. Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro – Feevale / RS 1 Prof. Ms. Marsal Ávila Alves Branco – Feevale / RS Resumo Diversos fatores tencionam os processos de planejamento, criação e produção de conteúdo digital. Entre eles, um dos mais importantes remete aos modelos de venda e distribuição de mídia digital: não apenas no que diz respeito aos formatos adotados, mas também na relação delicada que os fenômenos da pirataria industrial, a pirataria em rede e a facilidade de cópia (backups) adicionam ao cenário, chegando às vezes a alterar definitivamente processos de produção consolidados há décadas, como por exemplo o da indústria fonográfica. Através da Internet, o Brasil - que não possui distribuição oficial de diversas produtoras de conteúdo -, permite a comercialização legal ou ilegal através de distribuição digital. Este ensaio tem como objetivo investigar os modelos de negócios (históricos e atuais) propostos pelos videogames para distribuição de conteúdo digital e apontar as tendências de hibridação com outras mídias digitais. Introdução O objetivo deste artigo é iniciar um mapeamento dos modelos de negócios do mercado de games desde o seu início até hoje. Este objetivo, que a principio pode parecer um trabalho da Administração, justifica-se do ponto de vista da comunicação por vários motivos. Um deles porque não é possível - e nem desejável -, separar a produção de conteúdo dos games de seu sistema industrial. Elucidar as 1 Texto apresentado na VI Congresso Nacional de História da Mídia (Niterói, 2008) no GT de Mídias Digitais.

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Texto apresentado na VI Congresso Nacional de História da Mídia (Niterói, 2008) no GT de Mídias Digitais.

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Page 1: Pixels que valem dinheiro

Pixeis que valem dinheiroProf. Dr. Cristiano Max Pereira Pinheiro – Feevale / RS1

Prof. Ms. Marsal Ávila Alves Branco – Feevale / RS

ResumoDiversos fatores tencionam os processos de planejamento, criação e produção de conteúdo digital. Entre

eles, um dos mais importantes remete aos modelos de venda e distribuição de mídia digital: não apenas no

que diz respeito aos formatos adotados, mas também na relação delicada que os fenômenos da pirataria

industrial, a pirataria em rede e a facilidade de cópia (backups) adicionam ao cenário, chegando às vezes a

alterar definitivamente processos de produção consolidados há décadas, como por exemplo o da indústria

fonográfica. Através da Internet, o Brasil - que não possui distribuição oficial de diversas produtoras de

conteúdo -, permite a comercialização legal ou ilegal através de distribuição digital. Este ensaio tem como

objetivo investigar os modelos de negócios (históricos e atuais) propostos pelos videogames para

distribuição de conteúdo digital e apontar as tendências de hibridação com outras mídias digitais.

Introdução

O objetivo deste artigo é iniciar um mapeamento dos modelos de negócios do

mercado de games desde o seu início até hoje. Este objetivo, que a principio pode

parecer um trabalho da Administração, justifica-se do ponto de vista da comunicação

por vários motivos. Um deles porque não é possível - e nem desejável -, separar a

produção de conteúdo dos games de seu sistema industrial. Elucidar as formas de venda

e distribuição dos games ao longo de sua história serve para mostrar como cada virada

mercadológica, processual e tecnológica alterou para sempre o conteúdo dos jogos

digitais, desde a forma como se articulam, seus processos de produção, as habilidades

que demandam dos jogadores bem como as estéticas que oferecem, ajudando a moldar o

que chamamos hoje cultura dos games.

Outro motivo, não menos importante, se dá em resposta ao que parece ser uma

falha do sistema de ensino de jogos digitais hoje. Tradicionalmente ligado ao estudo de

computação, os cursos de jogos digitais tendem a superfocar a atenção do estudante nas

questões das ciências da computação. Compreensível. Na prática, no entanto, isto

significa desconsiderar e mesmo ignorar partes do processo de produção de jogos que

são essenciais para o seu sucesso: seu planejamento e execução enquanto produto de

entretenimento e de comunicação. Neste sentido, procuramos com esta sistematização

1 Texto apresentado na VI Congresso Nacional de História da Mídia (Niterói, 2008) no GT de Mídias Digitais.

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dos modelos de negócios pensar o game menos como código e mais como produto vivo

de mercado, que ocupa prateleiras, espaço em sites, que tem público-alvo, exigências

estéticas, narrativas, fruitivas, sistema de distribuição, pontos de venda, etc. Que é,

enfim, um objeto da comunicação tanto como um filme, uma série de tv, um programa

de rádio, um portal da web ou um blog2. Para os estudantes, é fundamental ter um olho

no gato e outro no peixe fritando. Jogos são produtos interdisciplinares que exigem a

articulação de comunicadores, artistas, designers, administradores e também

profissionais da computação gráfica. Um jogo onde toda a física está funcionando mas

sem uma narrativa ou estética interessante não interessará ninguém; de outra forma, um

jogo com uma bela história e cenários deslumbrantes não agradará se estiver cheio de

bugs. Podemos ter tudo isso, entretanto – belos cenários, uma história articulada e

nenhum bug -, e ainda assim o jogo não vender uma sequer cópia. Ou pior: sequer

chegar as prateleiras. Tudo porque não se pensa nele como um produto da comunicação:

que entretenha ao mesmo tempo em que encontra sua viabilidade comercial.

A criação de uma indústria

É atribuído a duas pessoas o começo da indústria de jogos digitais, a Steve

Russell e Nolan Bushnell. Ambos não foram os primeiros dos primeiros a produzirem

os produtos aos quais são vinculados. Foram, porém, aqueles a quem que de uma forma

ou outra o mercado agradeceu pelo avanço, a inovação e o modelo de negócios

idealizado.

Steve Russell idealizou e produziu em 1961, o jogo digital Space Wars. Com

auxilio de diversos colegas do MIT (Massachussets Institute Technology), foi possível -

utilizando-se de um computador da época (PDP-1) -, criar um programa que permitisse

ao usuário o controle de uma espaçonave no espaço. Russell não havia sido o primeiro a

criar um jogo digital, antes dele, em 1958, William H. já havia criado uma versão de

Tênis para ser jogado em um osciloscópio. Mas Russell foi o primeiro, conjuntamente

com seus colegas, a pensar em como ganhar dinheiro com a criação. No entanto,

naquele período os computadores e os componentes para montagem eram muito caros, e

chegaram a conclusão que não haveria como se estruturar um modelo de

comercialização.

2 É essa visão do objeto videogame que norteou a criação e condução do Curso de Tecnologia em Jogos Digitais da Feevale (Novo Hamburgo-RS), que abriu vagas em 2008/1.

Page 3: Pixels que valem dinheiro

Figura 1 - Tênis para Dois, William H. / 1958 Figura 2 - SpaceWars, Steve Russell / 1961

Nolan Bushnell é o criador, e fundador da empresa mais conhecida de jogos

digitais, a ATARI. Mas mesmo que isso remeta diretamente ao console de jogos digitais

que ligávamos na televisão, a primeira incursão nos negócios de mídia digital de

Bushnell foi a colocação na prática do que Russell não havia conseguido fazer em 1961.

Sua experiência na indústria do entretenimento era vasta, já havia trabalhando em um

parque de diversão, passando por jogos tradicionais como atirem nas latas, argolas,

assim como pelas máquinas de jogos mecânicos e as rotas de manutenção de jukeboxes.

A partir disso idealizou uma máquina que pudesse ter no seu interior um equipamento,

um computador de tamanho e potência suficiente para reproduzir um jogo, neste caso

sua inspiração veio de Space Wars de Russell.

Modelo Coin-Op

O Computer Space, nome dado a máquina do jogo Space War, vai introduzir a

mídia digital ao mercado dos parques e lanchonetes nos Estados Unidos em 1971.

Apesar da criação de um modelo de negócio que continua existindo, não foi naquele

momento que o mercado acolheu a idéia. O jogo havia ficado complexo demais em sua

interface, afastando os jogadores. Após o fracasso com este projeto, ele resolve fundar a

ATARI. Em 1973 é lançada a máquina PONG, que em seus primeiros dois anos vende

mais de 10.000 unidades e nos anos seguintes vai alcançar mais de centenas de

milhares.

Esse primeiro modelo de negócio, de fato, é uma adaptação da indústria do

entretenimento tradicional, as máquinas de jogos digitais que são chamadas de arcades

no inglês, são adaptações do que se costuma chamar de coin-op machine, ou seja,

máquinas operadas por moedas. Você introduz uma moeda e a máquina libera uma

unidade - seja do que ela controlar -, para o usuário. Esse é o modelo até hoje e o

controle através de créditos ou tempos utilizado nas Lan-houses representa um novo

Page 4: Pixels que valem dinheiro

estágio de sua evolução. Esse é um modelo de negócios híbrido que vai se consolidar

pela aproximação entre os produtos de entretenimento que são evidentemente para jogo

ou diversão. A sua forma de distribuição e manutenção é inteiramente a mesma dos

outros equipamentos desta área. Hoje os jogos digitais nesse modelo passam por uma

crise internacional. A diferença entre os arcades e os consoles para televisão era

bastante grande, dado ao avanço tecnológico e a diminuição desta lacuna em termos

técnicos, o modelo de negócios de máquinas de moeda tem se tornado deficitário.

Figura 3 - Máquina de Pong (1973)

Modelo Console Proprietário

A distribuição de mídia digital só iria alcançar um status de grande negócio se

pudesse consolidar um mercado maior, na busca por uma distribuição de massa.

Bushnell, dado o sucesso de Pong resolve produzir um equipamento para jogar seu jogo

em casa. Outro inventor, Ralph Baer, já havia patenteado o equipamento e inclusive o

modelo de jogo Pong (Tênis), mas como comentamos anteriormente, isso não será

relevante aos olhos do mercado, pois apesar de Baer ter inventado o equipamento, é

Bushnell que irá negociar com o mercado e introduzir o invento e a forma de consumo.

O equipamento da ATARI, o Home Pong é uma miniaturização dos arcades, um

modelo de reprodução do jogo Pong com menos potência gráfica, ligado ao televisor de

casa, apenas para rodar aquele modelo de jogo digital.

Neste modelo, a lucratividade estava voltada estritamente para venda do

equipamento. Outros tipos de equipamentos surgiram, e estes disponibilizavam mais

jogos usando chaves de seleção. Mas assim mesmo eram restritos aos jogos que vinham

Page 5: Pixels que valem dinheiro

em seu equipamento, ainda não havia como comprar mais jogos sem trocar o

equipamento. Esse é um modelo ainda existe atualmente, apesar de surgir em 1975, e ter

tido uma cadeia de evolução na indústria, tanto modelos fixos para televisão, quanto

portáteis ainda trabalham com essa lógica hoje. É o conhecido Tetris de camelô3.

Figura 4 - Home Pong, um só jogo. (1975) Figura 5 – Tetris de camelô (Brick Game).

Modelo de Mídia Digital Proprietária (Cartucho/Cassete/Disquete)

Em 1976 é lançando o console Fairchild Channel F, o primeiro equipamento de

jogos digitais a trabalhar com um conceito específico de mídia digital de distribuição

descolado do equipamento de reprodução. Os Videocarts como eram apelidados os

cartuchos eram vendidos separadamente do equipamento, possibilitando a mudança da

dinâmica de faturamento do equipamento para o conteúdo. A empresa pioneira que

ficará conhecida pela aplicação deste modelo é a ATARI. É a introdução deste formato -

a partir do seu console VCS 2600 -, que irá iniciar a Era de Ouro dos jogos digitais.

Quando Bushnell introduz o VCS 2600 no mercado, a ATARI já possuía

inúmeros títulos de sucesso do mercado de arcades. O sucesso de modelo dos cartuchos

está interligado a popularidade do título no mercado de arcades. Essa vai ser uma

constante para a indústria, assim como para o imaginário do jogador durante toda

década de 80. Os consoles não possuíam o mesmo potencial dos equipamentos de

arcade e os consumidores tinham fascínio pelas qualidades, principalmente, gráficas

destes equipamentos.

Dentro desse tipo de modelo, ainda vai existir uma variação na forma de

produção. A partir do sucesso dos cartuchos, o mercado percebe que o valor do

equipamento pode ser reduzido para se obter lucro na venda do conteúdo. Isso por vez,

valoriza o conteúdo e os projetistas de jogos, em sua maioria engenheiros e informatas,

começam a perceber o valor de suas criações. Um título produzido pode vender milhões

3 Portáteis vendidos nos camelôs com apenas um jogo, extremamente baratos. Ou quando publicam ter mais jogos é apenas uma variação do mesmo modelo.

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de cópias, mas mesmo sendo uma propriedade intelectual, o projetista não recebia nada

além de seu salário. Essa reflexão irá gerar o rompimento em alguns departamentos de

criação de jogos de empresas, como na ATARI, e incitar a criação de empresas

exclusivamente para produção de jogos para consoles.

Essa divisão gera na indústria as Third parties ou Terceirizadas, são empresas

que se dedicam à produção de jogos, e com o amadurecimento do mercado acabam

criando postos especializados (produtoras, desenvolvedoras e publicadoras). Uma briga

judicial no início da década de 80 garante a forma de produção terceirizada para estas

empresas, pois os proprietários de consoles não queria perder nem mercado, nem o

controle do conteúdo. Para conter e estabelecer regras é criado a forma de

licenciamento, um jogo para ser publicado para um console precisa da licença deste.

Figura 6 – Fairchild Channel F (1976) Figura 7 – Atari VCS 2600 (1977)

Modelo de Mídia Digital Convergente (CD/DVD)

O licenciamento de títulos é parte até hoje do modelo de negócio da indústria,

cada empresa com sua forma, mais fácil ou mais difícil, de licenciar. Porém os

cartuchos - devido ao seu custo de reprodutibilidade e falta de padronagem entre outros

modelos de mídia digital - acabaram sendo substituídos. No primeiro momento a mídia

de substituição é o CD, o mesmo que estava sendo utilizado para áudio, afinal a

informação independe do suporte, apenas está ligada a forma de resgate do equipamento

de leitura. O modelo em disco digital irá permitir uma ampliação da quantidade de

informação, fazendo com que áudio, vídeo e os gráficos dos jogos sejam melhorados de

forma surpreendente. A portabilidade deste modelo na indústria de jogos digitais vai

possibilitar pela primeira vez a equiparação entre jogos feitos para computadores com

os jogos feitos para consoles.

Page 7: Pixels que valem dinheiro

A facilidade de reprodução deste tipo de mídia irá produzir diversos efeitos,

dentre os quais: novas formas de distribuição física e digital4. Jogos poderão ser

distribuídos completos ou apenas demonstrações encartadas em revistas especializadas,

isso permite que novos títulos sejam produzidos visando públicos específicos. Com a

popularização da Internet e o aumento de velocidade se tornou possível, baixar cópias

dos jogos e gravá-las em casa, isso é o estopim para a expansão desenfreada da

pirataria. Pirataria que, por outro lado, pode também ser encarada como um agente

deflagrador da massificação da cultura dos jogos digitais na sociedade.

A mudança para DVD foi um passo natural na evolução da tecnologia e da

convergência entre os modelos de mídia digital. Os jogos digitais estão enfim alinhados

e compatíveis com os equipamentos de específicos de áudio e vídeo, sendo assim abre-

se uma gama maior de possibilidades de formato, interação e linguagem entre esses

produtos. Atualmente o formato mais popular de distribuição de mídia digital ainda é o

DVD, porém a Sony com o Playstion 3 investe na popularização de uma formato novo,

o Blue-ray. De fato, estamos em um momento de transformação no mercado de mídia

digital, a busca pelo aumento de resolução em vídeo, e isso exige um suporte com

capacidade maior de armazenamento de informação. Isso afetará os jogos digitais. Mas

o modelo de negócio ainda continuará com as mesmas características de antes, desde

que os consoles permaneçam com sua natureza.

Figura 8 - Xbox 360, Playstation 3 e Wii (Leitura de CD, DVD, HD-DVD e Blue-ray)

4 Sem falar as possibilidades que a maior capacidade de armazenamento trás para os desenvolvedores, que podem agora colocar mais informação dentro do jogo, o que se traduz em uma complexidade narrativa muito maior e experimentações estéticas até então impossíveis para o suporte cartucho.

Page 8: Pixels que valem dinheiro

Modelos em Rede

Jogos on-line via Internet

A expressão on-line esconde uma imensa variedade de diferentes tipos de jogos.

Esses tipos, dos quais já falamos em outro artigo5, são categorizados pela indústria a

partir de critérios pouco claros, misturando de forma confusa diferenças de linguagem,

de narrativa, estratégias comunicativas e de público-alvo6. O problema da

categorização7 amplia-se ainda mais quando falamos de jogos on-line, porque

encontramos na internet outro fator que influencia e demarca a categorização dos

games: o modelo de negócios.

Quais são eles?

É possível que o tipo de jogo mais evidente na internet sejam os casuais8. Jogos

que não exigem do gamer muito tempo de aprendizado e nem dedicação intensa. A rede

está lotada deste tipo de jogos. Na maior parte das vezes, são encontrados em sites que

oferecem uma grande variedade de jogos digitais, que são jogados sem que se precise

fazer download. Nestes casos, o site fatura no volume de visitas que recebe diariamente,

convertendo este volume em renda de propaganda. Se o site está hospedado em um

portal de conteúdo, o próprio provedor se encarrega da venda do espaço publicitário,

ficando a cargo do site apenas a atualização desses espaços. De outra forma, se o

domínio é próprio, é o site que se encarrega da venda desses espaços. De maneira geral,

trata-se de jogos de produção barata e, muitas vezes, caseira. A receita é gerada a partir

da publicação do site e não da produção/venda do jogo9. Isso não quer dizer que os

jogos ofertados não gerem nunca receitas ou benefícios para seus desenvolvedores.

Muitos jogos são pagos pelos sites para terem direito de ofertá-los, outras vezes o

pagamento está vinculado a efetivação de um jogo por um usuário do site, ou seja, a

desenvolvedora ganha apenas quando o jogo é jogado ou quando feito o download.

Outras vezes, a desenvolvedora “cede” o direito de uso do jogo por motivos 5 Uma tipologia de jogos.6 Pegue como exemplo Fatal Frame e Final Fantasy: o primeiro é um jogo de terror, portanto classificado a partir de sua filiação narrativa. O segundo é um rpg, que apesar dos monstros, fantasmas e assemelhados, tem sua nomenclatura definida pelo modo de gerência dos personagens dentro do jogo.7 Problema que parece ser apenas da ciência, e não compartilhada pelo mercado.8 Por casuais entendemos uma grande quantidade de jogos: plataforma, puzzles, simuladores e outros. O que os une não são seus aspectos narrativos ou de linguagem, mas o fato de que são jogos de “consumo rápido”, que se podem jogar sem dedicação, sem grande tempo de aprendizado e, principalmente, em pouco tempo.9 É preciso lever em conta dois fatores aqui: o primeiro é o nível intenso de pirataria encontrado na rede. Muitos sites copiam ilegalmente os jogos que oferecem. A segunda é que uma quantidade significativa destes jogos é ofertada sem custos por se tratarem de produções caseiras.

Page 9: Pixels que valem dinheiro

estratégicos: porque é uma maneira de visibilizar-se; de ter um bom feedback de seu

jogo; de criar pontos de contato com seu público; de vender seu produto, oferecendo de

graça apenas a demo jogável, etc.

Percebe-se na maior parte das variantes desse modelo a importância da

publisher, neste caso a mantenedora do site. É ela que idealiza, seleciona e formata a

oferta de jogos, regulando as estratégias de mercado em função de seus interesses. Pelo

lado das desenvolvedoras que fornecem os jogos, a realidade pode se mostrar bastante

dura, uma vez que seu jogo vai disputar espaço “de prateleira” com jogos de sistema de

produção caseiro, mais barato ou de custo zero. Normalmente, isso obriga as

desenvolvedoras a manterem uma grande cartela de jogos para que possam ter lucros.

Figura 9 - Site Minijuegos.com, oferta de jogos on-line gratuitos e anunciantes comerciais.

Outro grande modelo de negócios de jogos que encontramos na rede são o

mercado de MMOs. Ainda que dividam espaço na rede, o mercado de MMOs é

completamente diferente do mercado de casuais. As diferenças começam pelo sistema

de produção – muito mais caro -, os custos permanentes de manutenção e atualização de

hardware e software, a complexidade logística, até o perfil dos seus jogadores. Quanto

ao modelo de negócios, os massive multiplayer podem ser divididos em dois tipos

principais: os que cobram ou não pela assinatura/mensalidade dos jogadores. O

faturamento dos primeiros, obviamente, está atrelado a quantidade de jogadores

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pagantes. World of Warcraft é o maior exemplo, com centenas de milhares de

jogadores10. No Brasil, a Level-Up é a maior publisher de mmos, tendo em sua cartela

de produtos jogos como Ragnarok, Guild Wars, Lineage e outros. A cobrança da

assinatura pode acontecer de diferentes formas: o pagamento de mensalidade, como em

WoW ou o pagamento através de cartões que funcionam como os cartões telefônicos

pré-pagos, como é o caso de Ragnarok. O usuário compra um cartão que lhe dá acesso a

tantas horas de jogo. Este cartão é vendido on-line, pelo site da publisher, e também em

uma rede de lojas conveniadas espalhadas pelo Brasil. Em contrapartida, a publisher

fornece a infra estrutura necessária à manutenção do jogo, atualizando quests, mundos,

personagens, fornecendo informações, servindo de interface entre as diversas

comunidades, respondendo e solucionando eventuais problemas técnicos, tais como

velocidade de banda, gerenciamento das horas de pico, bugs no sistema, normatizando e

regrando as relações e os atos performatizados pelos jogadores dentro de seu universo.

Este último aspecto tem uma importância fundamental, porque cabe à publisher

gerenciar o sistema de jogo, estabelecendo políticas específicas que previnem o “mau

uso” do sistema pelos jogadores. Evitando via sistema as trapaças e o uso em desvio das

regras, prejudicando outros players, tais como gold miners, cheeters11 e outros.

Alguns mmos, como Guild Wars12 não cobram pela assinatura, mas pela venda

do jogo, que pode ser comprado on-line e também em lojas de informática e games.

Uma vez que o usuário compra o jogo e o instala, tem direito de jogar o quanto quiser

no servidor oficial, sem custos adicionais. Uma estratégia interessante, entretanto, é a

constante oferta de novos pacotes do jogo, cada um incorporando ao mundo original

novos territórios ou quests. Similares são os packs de classes de personagens, que

habilitam o jogador a criar e desenvolver novos tipos de personagens dentro do mundo

onde já atua. Dessa forma, o jogador que já pagou pelo seu jogo original acaba sendo

instigado a comprar novos pacotes que acrescentam características e potencialidades

que o primeiro pacote de jogo não possuía.

Os mmos possuem algumas características mercadológicas que atravessam esses

dois grandes modelos de negócios e que serão encontradas tanto em um quanto em

10 No Brasil, WoW não tem servidores oficiais, apenas versões clandestinas.11 Gold miners são os jogadores que dedicam muitas horas de seu tempo conseguindo objetos e itens dentro do jogo para depois revendê-los fora do sistema para outros jogadores, com dinheiro real. Sheeters são os jogadores que burlam as regras do sistema, através da inserção de códigos específicos que lhe permitem ações e acesso que a outros jogadores estão vetados.12 Guild Wars é outro produto oferecido pela Level Up Games, mesma publisher de Ragnarok.

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outro tipo. Citaremos aqui apenas um deles, pois o outro, o uso de advertising, será

tratado em outro tópico. Trata-se do gerenciamento de publicações externas aos jogos.

As publicações externas aos jogos são normalmente revistas on-line dedicadas

ao jogo em questão. São oferecidas pelas publishers e concentram todas as informações

sobre ele, além de serem o caminho natural de acesso on-line ao jogo. Funcionam como

grandes portais de conteúdo dedicado. Quando o jogador acessa o site para poder jogar,

é ofertado com as notícias atualizadas do que acontece dentro do mundo onde joga. Ali

fica sabendo que será lançado mais um pacote de expansão; que uma nova quest

estreiará no final do mês; que ocorrerá uma guerra entre clãs no próximo dia 17; que um

jogador foi premiado com uma viagem ao exterior; que determinada classe de

personagens vai ganhar novas funcionalidades, etc.

Figura 10 – Cena de WOW (World of Warcraft) Figura 11 – Cena de Ragnarok a estimativa é de mais de 10 milhões de jogadores no mundo. mais de 25 milhões de jogadores no mundo

Rede proprietária (Consoles)

Os consoles e os computadores possuem suas diferenças na produção e até na

escolha dos jogadores por determinados padrões de jogos. Mas uma das maiores

diferenças vem sendo a prioridade dos consoles nas últimas gerações. A capacidade de

conexão em rede altera nos consoles não apenas o jogo, mas principalmente o modelo

de negócio. Com a ampliação da pirataria as empresas de jogos precisam criar uma

forma de venda que minimize as possibilidades de trapaça. Todos os consoles atuais

possuem redes proprietárias: espaços proprietários rodando via Internet, mas com

acesso exclusivo apenas aos proprietários de seus consoles.

Essas redes permitem que se jogue on-line, se converse, experimente,

demonstre-se jogos, comprem-se jogos, seriados, filmes e programas de televisão,

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atualizem-se os softwares, equipamentos, entre outras possibilidades que uma rede pode

oferecer tanto ao jogador quanto aos criadores. Jogar games piratas nos consoles atuais

só é conseguido com a modificação do equipamento, porém aqueles que modificam seu

equipamento são facilmente detectados pela rede proprietária e perdem o direito de

acessá-la. Isso faz com que o consumidor pense antes de tomar a decisão de permitir

que seu equipamento rode jogos piratas, essa é uma das conseqüências da introdução

das redes nos consoles de jogos digitais.

Por outro lado, as redes proprietárias servem como importante interface entre os

produtores (tanto de hardware como de software) com seu público. Isso lhes dá

inúmeras vantagens, como o barateamento da logística e da produção, a possibilidade do

mapeamento das preferências do público, seu perfil e seus dados de maneira geral,

possibilitando-lhes acesso a importantes dados que pesam em seus planejamentos

estratégicos. Do lado do consumidor, além da garantia de uma rede segura, ganha o

acesso a um grande depositório de jogos antigos que fazem ou fizeram parte da cartela

de jogos de uma produtora, além do acesso à demos e informações dos novos jogos e

produções que estão acontecendo no momento. Não menos importante, o público que

freqüenta estas redes acabam ganhando ali espaço de trocas e socializações, o que ajuda

a trabalhar a imagem da empresa e a fidelização da marca.

Figura 12 – Redes proprietárias com diversos recursos (Xbox Live e Playstation Store)

Tendências de Novos Modelos

Modelo de Jogos em Episódios

Os jogos digitais como mídia são ricamente diferenciados, sua tipologia é

complexa e não param de se reinventar. Seja na narrativa, em sua interface ou a sua

tecnologia. As mudanças nos modelos de negócio influenciaram na sua aproximação

com outros tipos de mídia, principalmente com a cinematográfica e a televisiva. Os

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jogos digitais têm semelhança na forma de apresentação com o cinema, uso em comum

de estratégias discursivas, tais como enquadramentos, gêneros narrativos,

movimentação de câmera, etc. Afora isso, existe a constante publicação de títulos de

franquias dos games no cinema e vice-versa. Mas algumas variáveis estão levando os

jogos a um novo simulacro de modelo televisivo. A rede, a pirataria e o custo de

produção, fizeram algumas produtoras repensarem em formatos de distribuição de baixo

custo para ambos os lados e que cativassem o jogador.

Os jogos por episódios são exatamente como seriados televisivos, com

temporadas e números específicos de episódios. A produtora TellTaleGames produz

duas séries dessa nova tendência: Sam&Max para computadores, é a história de um cão

e um coelho detetive, já sucesso de jogos da década de 80, agora em três dimensões. A

série está com a primeira temporada completa (5 episódios) e inicia a segunda. Você

compra o jogo principal (o primeiro episódio) e depois baixa (por algo em torno de 10

dólares cada) os episódios seguintes. A outra é Strong Bad's Cool Game for Attractive

People desta vez para consoles, essa “série” deve estrear em julho deste ano.

Diversos outros jogos, tais como Alone in the Dark e Grand Theft Auto 4 estão

buscando esse modelo, parece ser uma forma de diminuição de custos para a produtora,

um preço mais acessível de produto para o consumidor final e uma forma de torna-lo

fiel a uma franquia.

Figura 13 – Midtown Cowboys - Episódio 2 da 1ª Temporada do Jogo Sam&Max.

Modelo Homebrew (conteúdo caseiro)

Seguindo o que parece ser uma tendência geral das comunicações via rede, as

produtoras de jogos e fabricantes de hardware estão cada vez mais conscientes da

quantidade de conteúdo de jogos que tem sua produção feita em casa. Normalmente

Page 14: Pixels que valem dinheiro

toscos, estes jogos tem no entanto tem um alto poder de disseminação pelas redes

informáticas e sociais existentes. Alguns destes, que são feitos como brincadeira em

casa, acabam virando fenômenos de comunicação mundiais, se espalhando à maneira de

vírus. A constante presença deste tipo de fenômeno leva os grandes players da indústria

a oferecerem serviços, softwares e jogos cujo principal poder de atração é a

possibilidade do usuário/gamer produzir um jogo próprio, ou modificar com maior ou

menor liberdade o conteúdo dos jogos oferecidos. Duas idéias parecem ser as principais,

quando filtradas no discurso dos fabricantes: a) criatividade: diferentemente de soltar

um jogo pronto para comercialização, lança-se algo menos formatado, que pôe a prova

o trabalho de milhares de usuários que querem acrescentar suas idéias e visões de jogo

ao que foi oferecido, poupando tempo e dinheiro de pesquisa para a empresa; b) o uso

desses jogos na formação de redes sociais vinculadas ao nome da empresa e que servem

como pontos privilegiados de feedback dos consumidores. Assim, cada vez mais as

redes proprietárias se preocupam em criar e melhorar espaços de troca de conteúdo

entre os membros, fortalecendo os laços entre si e a empresa.

Figura 14 – Street Chaves e Super Magro World, dois jogos toscos (caseiros) de sucesso na rede.

Modelo de Brinquedos (Hardware)

Um modo antigo, um dos primeiros, de comercialização da área, a venda de

hardware continua tendo como ponta privilegiada a venda de consoles. No entanto, o

refinamento destes aparelhos e dos sistemas de produção ligados à indústria permite

uma diversificação nunca vista nos tipos de equipamentos que circulam na cultura dos

games.

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Os primeiros, mais evidentes, são os acessórios. Guitarras, armas, bestas,

tapetes, bicicletas, direções, joysticks diferenciados, monitores especiais, teclados

dedicados, remotos, head-sets, câmeras, etc. Cada fabricante e muitas softwarehouses

possuem um sem número de empresas licenciadas que podem fabricar equipamentos

específicos para um jogo ou personagem. Uma espada de Warcraft, um arco de Zelda,

uma chuteira de Beckinghan, etc.

Outro aspecto interessante é o uso dos próprios consoles de maneira

diferenciada: podem ser usados como players de cd, DVD, blue-ray; como tocadores de

MP3 e diversos outros formatos de vídeo. Podem servir como conexão de internet,

como sistema de armazenamento, compra e captura de conteúdo de vídeo e cinema.

Recentemente, a Sony firmou contrato com a maior empresa de TVs digitais da Coréia

do Sul, habilitando o PS3 (seu último console) a funcionar como setup-box. Da mesma

forma, no Reino Unido, onde a quantidade de usuários de TV digital chega a dois

milhões, o usuário pode comprar um Xbox 360 e dispensar o set-up box, obtendo por

um preço apenas o set-up e uma estação de entretenimento digital.

Figura 15 – Jogo Guitar Hero, controle especial para obter a sensação de tocar.

Considerações

Os exemplos de modelos de negócios apresentados aqui estão colocados em

grandes categorias gerais e portanto escondem uma quantidade expressiva de diferentes

tipos de manifestações dentro de cada uma.

O objetivo deste artigo é menos aprofundá-las, mas tentar uma sistematização

simples que pode ajudar a encaminhar novos e mais interessantes desdobramentos,

trazendo casos específicos para serem aprofundados a partir de diversos pontos de

partidas diferentes. Um dos mais interessantes é, sem dúvida, o que seria o passo

Page 16: Pixels que valem dinheiro

posterior: definir como, de fato, as diferenças entre estes modelos afetam e foram

afetados pelos conteúdos dos jogos. Como sua narrativa se altera quando o gamer tem,

por exemplo, a possibilidade de simular o movimento feito pelo personagem, estando o

sucesso de sua ação atrelada à sua performance física real; o que acontece quando um

jogador acessa um jogo em real time e sabe que o fato de ter de ir ao banheiro durante o

jogo pode afetar drasticamente os acontecimentos no mundo em que participa; o que

acontece nas narrativas quando o conteúdo do game vai chegar no usuário pelo celular,

provavelmente quando este estiver trabalhando?; o que acontece na narrativa quando o

gamer vai a um lugar específico do jogo porque sabe que lá vai acontecer uma

filmagem real que vai se transformar em um filme real de festival?; que tipo de

histórias serão contadas quando o videogame pode perceber onde o jogador está na sala

ou que movimentos faz?

Como dissemos no início, estamos preocupados em reunir um material que

facilite a visualização do universo dos jogos digitais enquanto expressão das mais

importantes da indústria do entretenimento, permitindo aos estudantes mapear diferentes

potencialidades, habilidades e conhecimentos que a prática de cada um desses modelos

exige. Nesse sentido, este texto representa o início de uma busca mais ambiciosa,

quando esses modos de produção, comercialização e distribuição encontram as

narrativas e ambições estéticas que fazem o discurso dos games. O encontro destas

diferentes dimensões extrapola o design, a arte e a computação, mas é sobretudo, o

campo conturbado, dinâmico e – frequentemente – caótico da comunicação.

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