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309 PISOTEIO EXPERIMENTAL NA VEGETAÇÃO DE BORDA DE UMA TRILHA DO PARQUE NACIONAL DA SERRA DO CIPÓ - MINAS GERAIS SOUZA, A. O. 1 FIGUEIREDO, M. DO A. 1,2,* OLIVEIRA, F. F. 2 ANDRADE, M. A. 2 1 Curso de Ecologia; 2 Curso de Geografia e Análise Ambiental, Centro Universitário de Belo Horizonte, Uni-BH, Av. Prof. Mário Werneck, 1685, Campus Estoril, 30455-610, Belo Horizonte, MG, e-mail: * [email protected] (orientador) RESUMO Trilhas são caminhos em ambiente natural sempre presentes na história do homem. Sempre foram utilizadas para locomoção. Nas últimas décadas, têm sido utilizadas para deslocamentos recreacionais, ecoturísticos e esportes de aventura. Dessa forma, passou a ser também um vetor para introdução de impactos ambientais no meio natural, principalmente áreas de visitação pública. Um dos efeitos da intensificação do aumento de trânsito de pessoas (andarilhos) é o pisoteio causado no leito das trilhas e suas margens, gerando diversos problemas. O presente trabalho discute os efeitos do pisoteio experimental sobre a vegetação de borda de uma trilha que liga a portaria do Parque Nacional da Serra do Cipó ao atrativo natural Cachoeira do Sobrado (ou da Farofa). Foram estabelecidos três sítios de pisoteio experimental, pisoteados em diferentes intensidades, ao longo de sete meses. Os resultados mostram o grau de resistência e resiliência de diferentes extratos vegetacionais, bem como o nível de degradação da vegetação desses sítios.

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309

PPIISSOOTTEEIIOO EEXXPPEERRIIMMEENNTTAALL NNAA VVEEGGEETTAAÇÇÃÃOO DDEE BBOORRDDAA DDEE

UUMMAA TTRRIILLHHAA DDOO PPAARRQQUUEE NNAACCIIOONNAALL DDAA SSEERRRRAA DDOO CCIIPPÓÓ

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FFIIGGUUEEIIRREEDDOO,, MM.. DDOO AA..11,,22,,** OOLLIIVVEEIIRRAA,, FF.. FF..22

AANNDDRRAADDEE,, MM.. AA..22

1Curso de Ecologia; 2Curso de Geografia e Análise Ambiental, Centro Universitário de Belo Horizonte, Uni-BH, Av. Prof. Mário Werneck, 1685, Campus Estoril, 30455-610, Belo

Horizonte, MG, e-mail: *[email protected] (orientador)

RESUMO Trilhas são caminhos em ambiente natural sempre presentes na

história do homem. Sempre foram utilizadas para locomoção. Nas últimas

décadas, têm sido utilizadas para deslocamentos recreacionais,

ecoturísticos e esportes de aventura. Dessa forma, passou a ser também

um vetor para introdução de impactos ambientais no meio natural,

principalmente áreas de visitação pública. Um dos efeitos da intensificação

do aumento de trânsito de pessoas (andarilhos) é o pisoteio causado no

leito das trilhas e suas margens, gerando diversos problemas. O presente

trabalho discute os efeitos do pisoteio experimental sobre a vegetação de

borda de uma trilha que liga a portaria do Parque Nacional da Serra do

Cipó ao atrativo natural Cachoeira do Sobrado (ou da Farofa). Foram

estabelecidos três sítios de pisoteio experimental, pisoteados em

diferentes intensidades, ao longo de sete meses. Os resultados mostram o

grau de resistência e resiliência de diferentes extratos vegetacionais, bem

como o nível de degradação da vegetação desses sítios.

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INTRODUÇÃO

As trilhas representam não somente um meio para locomoção,

ligando dois ou mais locais, mas também um vetor de propagação de

impactos ambientais negativos. Se, por um lado, proporciona o elo entre

as pessoas e o(s) atrativo(s) natural(is) de uma dada área, sendo,

portanto, um importante fator de aproximação com a natureza, por outro

lado, quando utilizada de forma não planejada, pode ocasionar

desequilíbrios ambientais indesejáveis, comprometendo a sustentabilidade

ambiental local ao longo do tempo.

Com relação aos impactos ambientais decorrentes da

implantação/existência e uso de trilhas, observa-se que as mesmas

representam uma interferência do homem no ambiente natural. Provocam

tanto impacto físico como visual e sonoro. Ao mesmo tempo, restringem

essa interferência a um único e delimitado itinerário.

O pisoteio é inerente ao uso das trilhas, destruindo as plantas por

choque mecânico direta e indiretamente por compactação do solo,

eliminando então, as espécies que não eram adaptadas para suportar este

choque mecânico. A presença de trilhas provoca alterações na vegetação

e ao redor da mesma. Essa vegetação geralmente é pisoteada em casos

de difícil acesso nas trilhas, essa dificuldade se dá por trilhas alagadas na

estação chuvosa, ou até mesmo por focos erosivos.

As espécies mais sensíveis são mais prejudicadas, pois há aquelas

mais resistentes. Em trilhas abertas, por exemplo, há maior quantidade de

energia solar, o que contribui para o crescimento de plantas tolerantes a

luz (ANDRADE, 2003).

Outros problemas resultantes do impacto do pisoteio seriam a

exclusão de espécies raras, (COLE E MONZ, 2002) e o surgimento de

espécies invasoras que venham alterar a dinâmica populacional da

vegetação em grandes áreas (LEUNG E MARION, 1996)

311

Na medida em que o número de visitantes nas trilhas aumenta, tais

impactos tendem a ser potencializados. Porém é difícil comparar o número

de visitantes com o grau de impactos nas trilhas, de forma quantificada.

As plantas em locais pisoteados podem ter a altura, comprimento do

caule, área foliar, produção de sementes e flores reduzidas, além da

diminuição nas reservas de carboidratos (HAMMITT E COLE, 1998; MAGRO

E TALORA, 2006). Segundo BELNAP (1998), essas mudanças, em

conjunto, levam a redução no vigor e na capacidade reprodutiva, e,

consequentemente, a vegetação em áreas pisoteadas geralmente tem

menor biomassa, cobertura mais esparsa e composição de espécies

diferentes do que em locais não perturbados e, em alguns casos pode

levar a morte da planta (LIDDLE, 1975).

MATERIAIS E MÉTODOS

O Parque Nacional da Serra do Cipó localiza-se 110 km ao norte da

cidade de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, situando-se entre as

coordenadas geográficas 19º 12’ a 19º 34’ S e 43º 27’ a 43º 38’ W (Fig.

1).

O trabalho consistiu inicialmente no planejamento dos materiais para

utilização em campo: caderneta para anotações, planilha de

monitoramento, GPS, martelo, piquetes de madeira, prensa para coleta

botânica, rolo de corda colorida e trena de 50m e 2m. Nesta mesma

etapa, foram definidos os pontos a serem trabalhados. Foram três sítios

de pisoteio experimental nas bordas da denominada Trilha da Farofa,

sendo dois deles pré-existentes há seis meses antes do atual

experimento. Os resultados do experimento anterior, monitorado três

vezes durante o primeiro semestre de 2007 em dois sítios experimentais,

312

são apresentados por ZICA E ZAGO (2007). O atual experimento ocorreu

no transcurso do segundo semestre de 2007, dando continuidade e

aprimoramento ao trabalho de ZICA E ZAGO (2007). Um terceiro sítio de

pisoteio experimental foi selecionado entre os dois já iniciados, cada um

sob diferentes tipos de vegetação dominante.

Figura 1 - Localização do Parque Nacional da Serra do Cipó, no estado de Minas Gerais.

Em cada sítio foram delimitadas raias na vegetação de borda, a

aproximadamente 1 (um) metro de distância da trilha, sendo as medidas

de cada raia, 150 cm de comprimento X 50 cm de largura. As mesmas

foram delimitadas com piquetes de madeira e fita colorida, formando

313

assim as pistas para os respectivos pisoteios com diferentes intensidades.

O pisoteio foi realizado em sentido único, como se o andarilho estivesse

caminhando na própria trilha (Fig. 2).

Nesse experimento, a quantidade de passos foi analisada da seguinte

forma: 500 (raia 1), 200 (raia 2), 75 (raia 3), 50 (raia 4), 25 (raia 5) e 0

passos (raia 6), respectivamente. Na raia 6 não ocorreu pisoteio, sendo a

mesma designada raia de controle, para comparação com as outras raias

pré e pós pisoteio, e para observação de eventuais modificações naturais

do local (COLE, 1995a; COLE E BAYFIELD, 1993). Dentro de cada raia foi

delimitada uma pequena área de 30 cm de comprimento X 50 cm de

largura, denominada de sublote. No sublote foi avaliado o percentual de

cobertura vegetal e altura da mesma, antes e depois do pisoteio, para

verificação do grau de dano, bem como, ao final do ciclo de pisoteios

experimentais, do seu grau de resistência e resiliência (COLE, 1995b).

A cobertura relativa e a altura relativa da vegetação nos sítios de

pisoteio experimental forma analisadas da seguinte maneira (COLE,

1995b; COLE E BAYFIELD, 1993):

Cobertura relativa da vegetação:

Soma do percentual de cobertura, por estimativa visual, de todas as

espécies em cada sublote. Obtenção da soma de cobertura dos sublotes

de todas as raias.

Cálculo da cobertura relativa (usada para caracterizar a

vulnerabilidade de diferentes espécies vegetais)

Cobertura Relativa = Cobertura relativa nos sublotes pisoteados x FC x 100% Cobertura inicial dos sublotes pisoteados FC (Fator de Correção) = Cobertura inicial na raia de controle Cobertura sobrevivente na raia de controle

314

Altura relativa da vegetação (Fig. 3):

Soma das medidas de altura de cada sublote; Divisão do resultado

soma anterior pelos valores diferentes de zero para obter a média de

altura das plantas sobreviventes;

Realização do cálculo abaixo para ambas as alturas iniciais e

pisoteadas;

AR (Altura Relativa) = altura das plantas sobreviventes nos sublotes

pisoteados x FC x 100%

altura inicial do sublote

pisoteado

Onde FC = média inicial de altura do sublote de controle

média de altura da vegetação sobrevivente

Foi considerado também o peso do andarilho nas raias, cujo peso

médio deve situar-se entre 70 e 80 kg (COLE, 1995b). Enquanto uma

pessoa faz o experimento (pisoteio), outra fica responsável por contar as

passadas.

A.. O. Souza

FIGURA 2 - Realização do pisoteio nas raias do sítio 3.

315

L. Gualtieri-Pinto

FIGURA 3 – Medida da altura da vegetação dentro dos sublotes do sítio 1 para cálculo da média de altura da mesma.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados apurados após quatro pisoteios experimentais mensais

mostram que nos sítios com cobertura vegetal nativa predominante, os

danos foram maiores, se comparados com o sítio cuja cobertura vegetal

predominante é composta por gramínea exótica (Fig. 4).

Os resultados de cálculo de cobertura relativa também apontam para

a mesma direção, sendo os seguintes:

Cálculo da cobertura relativa do sítio 1:

Fator de correção (FC): _14_= 1,16 % 12

Cobertura relativa (CR):

Raia 1: CR = _0,3 X 1,16 X 100% = 35 % 10

Raia 2: CR = _0,35 X 1,16 X 100% = 45 % 9

316

Raia 3: CR = _0,4 X 1,16 X 100% = 58 % 8

Raia 4: CR = _0,5 X 1,16 X 100% = 72 % 8

Raia 5: CR = _0,7 X 1,16 X 100% = 81 % 10

FIGURA 4 - Percentual do grau de dano dos três sítios, após sete pisoteios no sítio 1 (extrato gramíneo e herbáceo nativo), quatro pisoteios no sítio 2 (extrato gramíneo nativo) e seis pisoteios no sítio 3 (extrato gramíneo exótico).

Apresenta os maiores danos provavelmente em função de duas

causas principais: o sítio foi pisoteado sete vezes e a cobertura vegetal é

mais frágil, composta de extrato herbáceo e gramíneo de baixa estatura.

No entanto, demonstra com maior clareza os impactos causados pelo

crescente pisoteio nas trilhas daquela área do Parque.

Cálculo da cobertura relativa do sítio 2:

Fator de correção (FC): 9 = 1,28 % 7

Cobertura relativa (CR):

Raia 1: CR = 0,6 X 1,28 X 100% = 26 % 3

Raia 2: CR = _0,65 X 1,28 X 100% = 39 %

317

2

Raia 3: CR = _0,75 X 1,28 X 100% = 45 % 2

Raia 4: CR = _0,85 X 1,28 X 100% = 34 % 3

Raia 5: CR = _0,9 X 1,28 X 100% = 36 % 3

Neste sítio também ocorreu degradação, ocasionando a redução da

cobertura vegetal, porém não foi com tanta intensidade. Isso

provavelmente ocorre devido a dois aspectos: foi pisoteado apenas três

vezes, e a vegetação predominante ocorre em touceiras, mais resistentes

ao pisoteio, resultando assim em maior resistência ao pisoteio e menor

grau de dano.

Cálculo da cobertura relativa do sítio 3:

Fator de correção (FC): _13_= 1,08 % 12

Cobertura relativa (CR):

Raia 1: CR = _0,5 X 1,08X 100% = 68 % 8

Raia 2: CR = _0,6 X 1,08 X 100% = 81 % 8

Raia 3: CR = _0,7 X 1,08 X 100% = 84 % 9

Raia 4: CR = _0,75 X 1,08 X 100% = 90 % 9

Raia 5: CR = _0,85 X 1,08 X 100% = 92 % 10

No sítio 3 predomina a espécie gramínea exótica Brachiaria, sendo a

mais resistente nos pontos amostrados. Isso provavelmente explica

porque neste sítio foi onde mais restou cobertura vegetal, mostrando

318

maior resistência e resiliência ao pisoteio, quando comparado aos sítios 1

(Fig. 5 e Fig. 6 e Fig. 8) e 2 (Fig. 8).

A. O. Souza FIGURA 5 - Cobertura vegetal do sítio 1

após três meses de pisoteio (agosto de

2007)

L. Gualtieri-Pinto

FIGURA 5 - Cobertura vegetal do sítio 1

após sete meses de pisoteio (novembro

de 2007)

No entanto a raia 5 que são efetuados 25 passos, perdeu um

percentual pouco significativo, restando ainda 92% de cobertura vegetal

(Fig. 8).

A. O. Souza FIGURA 6- Sublote do sítio 1 (raia

controle)

A. O. Souza FIGURA 7- Sublote sítio 1 (raia 1 - 500

passos) após 7 pisoteios mensais

319

FIGURA 8- Percentual de cobertura relativa de todos os sítios no final dos ciclos de pisoteio

Assim, observa-se que o pisoteio promove um forte impacto na

vegetação de borda das trilhas. Nesse sentido, há de se conscientizar os

usuários de trilhas ecoturísticas, através de programas de educação

ambiental, sobre a necessidade de evitar ao máximo caminhar em trilhas

secundárias, paralelas à trilha principal, ou abrir atalhos para diminuir o

percurso de algum trecho da trilha, além do monitoramento e manutenção

constante, evitando que os usuários recreacionais ou ecoturistas se sintam

encorajados a permanecer no leito original e planejado da trilha.

Agradecimentos: os autores agradecem o Uni-BH pelo apoio

financeiro e logístico; a Fapemig pelo apoio financeiro; o Ibama e

administração do Parna Serra do Cipó pelo apoio logístico.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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resistance and resilience. Journal of Applied Ecology. 32: 215-224.

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um planejamento responsável. Secção 1, Capítulo 1.1. WWF-Brasil,

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ZICA, L. M. De B. & ZAGO, R. S. G. 2007. Monitoramento e análise do

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Nacional da Serra do Cipó - MG. Monografia de graduação, Centro

Universitário de Belo Horizonte, Belo Horizonte (CD-ROM).