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Atualidades Ornitológicas, 200, novembro e dezembro de 2017 - www.ao.com.br 41 As aves citadas por Adolpho Lutz & Astrogildo Machado (1915) no “Viagem pelo rio São Francisco e por alguns de seus afluentes entre Pirapora e Juazeiro”, com comentários sobre um possível exemplar de Cyanopsitta spixi (Aves: Psittacidae), proveniente dessa expedição, no Museu Nacional/UFRJ Marco Aurélio Crozariol 1 Em 15 de novembro de 1889 o Brasil se torna república e, como chama a atenção Mello & Pires-Alves (2009, p.148-149), dois importantes pontos são peculiares nessa fase: um deles é a necessidade da criação de um saber do próprio país e o outro é “conhecer e integrar socioeconômica e culturalmente o interior brasileiro”. Fácil entender isso numa simples leitura do lema nacional inserido na recém-criada bandeira do país: “Ordem e Progresso”, que dá o tom do contexto desses pontos citados. Dessa maneira, a boa saúde e a expansão da modernização no país passam a ser importantes alvos a serem alcançados. E, mais importante que isso, ambos precisam caminhar em conjunto. Em 1900 foi criado no Rio de Janeiro o então Instituto Soro- terápico, que posteriormente veio a se chamar Instituto Oswaldo Cruz (IOC), para a produção de vacinas. Com as atividades ex- pansivas e modernizadoras do governo em todo o país, como a criação de ferrovias, melhoramento da infraestrutura portuária e ampliação na produção de energia, o IOC teve participação dire- ta na avaliação do estado sanitário desses verdadeiros canteiros de obras (Lima 2009, Mello & Pires-Alves 2009). Desta forma, várias viagens médico-sanitárias foram despen- didas nas mais remotas regiões do país no início do século XX pelos pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz. Iniciada em 1905 por Oswaldo Cruz e seu secretário, João Pedroso Barreto, nos portos do litoral norte e nordeste, várias expedições vieram a cabo pelos membros do Instituto (Löwy 2006, Lima 2009). Essas viagens tinham uma função muito mais de “observação” sobre as doenças transmissíveis e o estado das pessoas que tra- balhavam nos locais do que qualquer outra coisa, sendo que, por exemplo, foi em uma dessas viagens que Carlos Chagas obser- vou pela primeira vez a doença que hoje leva seu nome. No entanto, foi a partir de 1911 que essas viagens tomaram um rumo um pouco mais “naturalista”, pois além das observa- ções médico-sanitárias descritas acima, eram realizados estudos antropológicos, sociais, botânicos e também zoológicos (Löwy 2006), esses últimos os que mais nos interessam aqui. Nelas se encaixam três expedições do IOC financiadas pela Inspetoria de Obras Contra a Seca, hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Löwy 2006, Lima 2009), como ve- remos adiante. Viagens da Inspetoria de Obras Contra as Secas As três viagens tinham como objetivo principal “realizar o in- ventário das condições epidemiológicas e socioeconômicas das regiões percorridas pelo rio São Francisco e de outras áreas do Nordeste e Centro-Oeste brasileiros” (Lima 2009, p.233) a fim de que “fossem capazes de proporcionar conhecimentos sobre geografia, zoologia, botânica, e condições sanitárias da região” (Mello & Pires-Alves 2009, p.149). 1ª viagem: Arthur Neiva e Belisário Penna (18 de março de 1912 - outubro de 1912). Percorreram os estados da Bahia, Per- nambuco, Piauí, Tocantins e Goiás (Neiva & Penna 1916). Foi a viagem que se tornou mais conhecida (Löwy 2006) e sua publi- cação virou “referência para o movimento pelo saneamento ru- ral na Primeira República” (Lima 2009, p.233), constituindo um marco histórico na ciência brasileira (Rezende 2009). A viagem percorreu aproximadamente sete mil quilômetros ao longo dos seus sete meses de duração (Mello & Pires-Alves 2009). 2ª viagem: João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria (18 de março de 1912 - ?). Percorreram o Ceará e norte do Piauí (Löwy 2006, Mello & Pires-Alves 2009). Mello & Pires-Alves (2009, p.149) anotam que “da expedição de Albuquerque e Go- mes de Faria pouco se sabe, não sendo conhecidos relatórios ou outros materiais textuais.”. 3ª viagem: Adolpho Lutz e Astrogildo Machado (16 de abril de 1912 - 17 de julho de 1912). Percorreram o norte de Minas Gerais e Bahia, ao longo do rio São Francisco. Foram de trem até Pirapora em Minas Gerais e, a bordo de um “gaiola” (tipo de embarcação) chamado de “Presidente Dantas”, percorreram o rio São Francisco até Juazeiro, na Bahia, adentrando alguns de seus afluentes pelo caminho (Löwy 2006, Mello & Pires-Alves 2009). Como esta viagem é o foco do presente trabalho, tratare- mos dela mais detalhadamente abaixo. Mas antes, vamos conhe- cer um pouco sobre seus realizadores. Adolpho Lutz (Rio de Janeiro, 18 dez. 1855 - Rio de Janeiro, 6 out. 1940) Anteriormente de biografia rara, sendo para Benchimol et al. (2003, p.287) “um dos menos estudados entre os nomes que compõem o panteão da nossa ciência”, atualmente possui exten- sa divulgação graças ao projeto iniciado em 2001 e organizado por Jaime L. Benchimol e Magali Romero Sá. Esses pesquisa- dores encabeçaram uma série de publicações a respeito da vida e obra de Adolpho Lutz, que estão disponíveis para download gratuito no site da “Biblioteca Virtual Adolpho Lutz”, no ende- reço eletrônico http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/. Resumidamente, para Benchimol (2003), Lutz (Figura 1) foi um médico e cientista brasileiro, pai da medicina tropical e da zoologia médica no Brasil, pioneiro na área de epidemiologia e na pesquisa de doenças infecciosas. Basicamente, segundo esse autor, que deve ser consultado para o aprofundamento sobre a

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Atualidades Ornitológicas, 200, novembro e dezembro de 2017 - www.ao.com.br 41

As aves citadas por Adolpho Lutz & Astrogildo Machado (1915) no “Viagem pelo rio São Francisco e por alguns de seus afluentes entre Pirapora e Juazeiro”, com comentários sobre um possível exemplar de Cyanopsitta spixi (Aves: Psittacidae), proveniente dessa expedição, no Museu Nacional/UFRJ

Marco Aurélio Crozariol1

Em 15 de novembro de 1889 o Brasil se torna república e, como chama a atenção Mello & Pires-Alves (2009, p.148-149), dois importantes pontos são peculiares nessa fase: um deles é a necessidade da criação de um saber do próprio país e o outro é “conhecer e integrar socioeconômica e culturalmente o interior brasileiro”. Fácil entender isso numa simples leitura do lema nacional inserido na recém-criada bandeira do país: “Ordem e Progresso”, que dá o tom do contexto desses pontos citados.

Dessa maneira, a boa saúde e a expansão da modernização no país passam a ser importantes alvos a serem alcançados. E, mais importante que isso, ambos precisam caminhar em conjunto.

Em 1900 foi criado no Rio de Janeiro o então Instituto Soro-terápico, que posteriormente veio a se chamar Instituto Oswaldo Cruz (IOC), para a produção de vacinas. Com as atividades ex-pansivas e modernizadoras do governo em todo o país, como a criação de ferrovias, melhoramento da infraestrutura portuária e ampliação na produção de energia, o IOC teve participação dire-ta na avaliação do estado sanitário desses verdadeiros canteiros de obras (Lima 2009, Mello & Pires-Alves 2009).

Desta forma, várias viagens médico-sanitárias foram despen-didas nas mais remotas regiões do país no início do século XX pelos pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz. Iniciada em 1905 por Oswaldo Cruz e seu secretário, João Pedroso Barreto, nos portos do litoral norte e nordeste, várias expedições vieram a cabo pelos membros do Instituto (Löwy 2006, Lima 2009). Essas viagens tinham uma função muito mais de “observação” sobre as doenças transmissíveis e o estado das pessoas que tra-balhavam nos locais do que qualquer outra coisa, sendo que, por exemplo, foi em uma dessas viagens que Carlos Chagas obser-vou pela primeira vez a doença que hoje leva seu nome.

No entanto, foi a partir de 1911 que essas viagens tomaram um rumo um pouco mais “naturalista”, pois além das observa-ções médico-sanitárias descritas acima, eram realizados estudos antropológicos, sociais, botânicos e também zoológicos (Löwy 2006), esses últimos os que mais nos interessam aqui.

Nelas se encaixam três expedições do IOC financiadas pela Inspetoria de Obras Contra a Seca, hoje Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Löwy 2006, Lima 2009), como ve-remos adiante.

Viagens da Inspetoria de Obras Contra as SecasAs três viagens tinham como objetivo principal “realizar o in-

ventário das condições epidemiológicas e socioeconômicas das regiões percorridas pelo rio São Francisco e de outras áreas do

Nordeste e Centro-Oeste brasileiros” (Lima 2009, p.233) a fim de que “fossem capazes de proporcionar conhecimentos sobre geografia, zoologia, botânica, e condições sanitárias da região” (Mello & Pires-Alves 2009, p.149).

1ª viagem: Arthur Neiva e Belisário Penna (18 de março de 1912 - outubro de 1912). Percorreram os estados da Bahia, Per-nambuco, Piauí, Tocantins e Goiás (Neiva & Penna 1916). Foi a viagem que se tornou mais conhecida (Löwy 2006) e sua publi-cação virou “referência para o movimento pelo saneamento ru-ral na Primeira República” (Lima 2009, p.233), constituindo um marco histórico na ciência brasileira (Rezende 2009). A viagem percorreu aproximadamente sete mil quilômetros ao longo dos seus sete meses de duração (Mello & Pires-Alves 2009).

2ª viagem: João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria (18 de março de 1912 - ?). Percorreram o Ceará e norte do Piauí (Löwy 2006, Mello & Pires-Alves 2009). Mello & Pires-Alves (2009, p.149) anotam que “da expedição de Albuquerque e Go-mes de Faria pouco se sabe, não sendo conhecidos relatórios ou outros materiais textuais.”.

3ª viagem: Adolpho Lutz e Astrogildo Machado (16 de abril de 1912 - 17 de julho de 1912). Percorreram o norte de Minas Gerais e Bahia, ao longo do rio São Francisco. Foram de trem até Pirapora em Minas Gerais e, a bordo de um “gaiola” (tipo de embarcação) chamado de “Presidente Dantas”, percorreram o rio São Francisco até Juazeiro, na Bahia, adentrando alguns de seus afluentes pelo caminho (Löwy 2006, Mello & Pires-Alves 2009). Como esta viagem é o foco do presente trabalho, tratare-mos dela mais detalhadamente abaixo. Mas antes, vamos conhe-cer um pouco sobre seus realizadores.

Adolpho Lutz (Rio de Janeiro, 18 dez. 1855 - Rio de Janeiro, 6 out. 1940)

Anteriormente de biografia rara, sendo para Benchimol et al. (2003, p.287) “um dos menos estudados entre os nomes que compõem o panteão da nossa ciência”, atualmente possui exten-sa divulgação graças ao projeto iniciado em 2001 e organizado por Jaime L. Benchimol e Magali Romero Sá. Esses pesquisa-dores encabeçaram uma série de publicações a respeito da vida e obra de Adolpho Lutz, que estão disponíveis para download gratuito no site da “Biblioteca Virtual Adolpho Lutz”, no ende-reço eletrônico http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/.

Resumidamente, para Benchimol (2003), Lutz (Figura 1) foi um médico e cientista brasileiro, pai da medicina tropical e da zoologia médica no Brasil, pioneiro na área de epidemiologia e na pesquisa de doenças infecciosas. Basicamente, segundo esse autor, que deve ser consultado para o aprofundamento sobre a

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vida de Adolpho Lutz, a vida de Lutz pode ser analisada em três períodos distintos:

_1°. De 1881, quando concluiu seus estudos, até 1892: foi, sobretudo, um clínico, mesmo assim publicou numerosos tra-balhos, principalmente baseados nos casos que tratava ou no estudo da biologia de espécies que, de alguma forma, se relacio-navam com os humanos e suas patologias. O período caracteri-zou-se por muitos deslocamentos, tendo ele percorrido diversas regiões do Brasil, Europa, Estados Unidos e Oceania, além de diversas áreas de pesquisa, como helmintologia, bacteriologia, terapêutica, veterinária, dermatologia, protozoologia, malacolo-gia, micologia e entomologia.

_2°. De 1893 a 1908: esteve à frente do Instituto Bacterio-lógico de São Paulo, desenvolveu pesquisas em bacteriologia, epidemiologia e zoologia médica, especialmente entomologia e parasitologia.

_3°. Em 1908, já com mais de cinquenta anos: Lutz ingres-sou no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), abandonando o instituto paulista, que afundou pouco tempo depois. Nessa fase pôde se dedicar por inteiro à pesquisa, e não apenas às aplicações médi-cas, o que o faz até falecer no Rio de Janeiro, em 6 de outubro de 1940, pouco antes de completar 85 anos. Esta fase foi então a mais longa de sua carreira.

Astrogildo Machado (1885 [?] – 1945)Quase nada, além de suas publicações, pôde ser encontrado

sobre a vida desse pesquisador (Figura 2) que, segundo Aragão (1945), permaneceu por mais de 35 anos no Instituto Oswaldo Cruz. Transcrevo aqui parte do que foi escrito em 20 de janeiro de 1945 por Henrique Aragão sobre Astrogildo Machado, em seu necrológio publicado no Memórias do Instituto Oswaldo Cruz:

“A diretriz da vida do companheiro e amigo admirável que acompanhamos por tantos anos, foi sempre um modelar exem-

plo de retidão e de equilíbrio de atitudes, realçadas por lúcida inteligência, sólida cultura, esmerada educação e um coração em que só se abrigavam sentimentos puros e elevados.

Possuía, como poucos, vasto e constantemente acrescido sa-ber do qual nunca fazia alarde, mas ninguém recorria a Astro-gildo Machado que não recebesse dele, seguros e preciosos, os dados de que necessitava ou o auxilio técnico o mais dedicado e conveniente para o sucesso do seu trabalho.”.

Astrogildo Machado dedicou o início de sua carreira na cito-logia e evolução dos protozoários, porém foi mesmo na imuno-logia e na química que ele realmente dedicou a vida, tendo aí realizado vários estudos (Aragão 1945).

Viagem de Lutz e MachadoA viagem de Lutz e Machado teve início em 16 de abril de

1912 na cidade do Rio de Janeiro e foi terminar em 17 de julho de 1912, também no Rio de Janeiro. Porém, o diário propria-mente dito, foi iniciado em 17 de abril e terminado em 11 de julho, em Salvador/BA.

Como principais municípios de parada durante a expedição, são citados: 17 de abril de 1912: Pirapora/MG; 28 de abril: Janu-ária/MG; 08 de maio: Bom Jesus da Lapa/BA; 22 de maio: Bar-ra/BA; 04 de junho: Barreiras/BA e 26 de junho: Juazeiro/BA.

As Figuras 3 e 4 ilustram o trajeto realizado ao longo de toda a expedição.

Sobre a publicação no Memórias do Instituto Oswaldo CruzO trabalho original apresenta um total de 64 páginas, somando

as publicações, anexos e imagens. A Introdução, que vai da pági-na 5 até a página 12, onde são feitos vários comentários sobre a região, pessoas, doenças, flora e fauna, seguindo finalmente para o “Diario (Dr. Lutz).”, sugerindo assim que todo o artigo nada mais é do que uma replicação das anotações de Adolpho Lutz em seu diário de campo. O diário inicia-se no dia 17 de abril,

Figura 1. Adolpho Lutz na década de 1890, à época em que chefiava o Instituto Bacteriológico de São Paulo. Imagem retirada do site dedicado a Adolpho Lutz: http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/

Figura 2. Astrogildo Machado. Imagem retirada do site dedicado a Adolpho Lutz: http://www.bvsalutz.coc.fiocruz.br/

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na página 12, já estando Lutz em Pirapora/MG. E a última data citada é 17 de julho (p. 45), já no Rio de Janeiro/RJ.

Após a introdução e o diário de Lutz, há algumas listas e no-tas anexadas ao trabalho, como segue: “Lista dos dípteros su-gadores de sangue.” (p.46-47); “Notas sobre os mosquitos culi-cideos.” (p.47-48); “Hemipteros sugadores de sangue.” (p.48); “Lista dos moluscos terrestres e de agua doce colecionados na viajem. Determinações feitas pelo Dr. H. von Ihering, Diretor do Museu de S. Paulo.” (p.48); “Peixes do Rio S. Francisco. Deter-minados pelo Sr. Alipio de Miranda Ribeiro (1913).” (p.48-49); “Nota sobre as esponjas de agua doce, observadas em afluentes do Rio São Francisco.” (p.49); “Jararaca de Santa Maria do Rio Corrente, E. de Bahia. Descrição feita pelo Dr. Alipio Miranda Ribeiro. Lachesis lutzi.” (p.50).

Após essa parte ainda estão apresentadas 18 páginas com foto-grafias, num total de 68 imagens, dos mais diversos locais onde os pesquisadores passaram. Nelas estão ilustradas as paisagens locais, os meios de transporte utilizados, igrejas, fauna, flora, culturas etc.

Há também um possível erro com a data de 31 de maio, que se repete no diário, sendo possível que todas as datas a partir desta esteja com um dia de atraso ou que simplesmente duas anotações foram realizadas no mesmo dia. Porém, mantive aqui como está publicado no original do Memórias do Instituto Oswaldo Cruz.

As Aves citadas em Lutz e Machado (1915)Transcrevo abaixo todas as menções de aves encontradas na

introdução e no diário de Adolpho Lutz, precedidas pela página, data e/ou localidade em que elas foram realizadas. As locali-dades foram identificadas e aqui apresentadas com seus nomes atuais. É preciso lembrar que o rio São Francisco, bem como

vários de seus afluentes por onde os pesquisadores andaram, é utilizado como marco divisório de vários municípios. Sendo assim, ao caminhar em uma das margens do rio o pesquisador estaria pisando em um ou outro município. Quando isso ocorreu, mantive aqui o município citado pelo autor ao longo do texto, a não ser em casos específicos, quando a localidade pode ser bem definida e hoje, sabidamente, apresenta outro nome (veja o caso do rio Paramirim, p. 28 do original). Há também certa dificul-dade em precisar o município exato das observações em casos onde o autor menciona o ponto de partida e o ponto de chegada do trajeto, passando no caminho por outras localidades onde ob-servações foram feitas. Nesses casos tentei, através do texto, in-dicar o município aproximado em que a expedição deveria estar no momento em que a observação foi inserida no mesmo.

Todos os grifos sublinhados e comentários entre colchetes são de minha autoria, bem como mantive a escrita do original pu-blicado em 1915. Preferi indicar a identificação que considero a “correta” para algumas espécies diretamente no texto, evitando assim um número ainda maior de notas apresentadas no final do artigo. A nomenclatura segue a proposta de Piacentini et al. (2015).

Citações de Aves – IntroduçãoPágina 8: “As lagôas contribuem tambem para a alimentação

do homem, porque são os criadouros principais dos peixes, sen-do tambem visitadas por numerosos passaros aquaticos [?].”.

Página 11: “A fauna de aves é mais rica. Aparecem varias no-vas especies de passaros pequenos, como pomba “Fogo apagou” (Scardapella squamosa TEMM.) [atual Columbina squammata (Lesson, 1831)], o soffré, (Xanthornus jamacai GM.) [Icterus jacacaii (Gmelin, 1788)], o cardeal (Paroaria sp.) [Paroaria dominicana (Linnaeus, 1758)], a casaca de couro1 etc. A serie-ma (Microdactylus cristatus L.) [Cariama cristata (Linnaeus, 1766)] é frequentemente reconhecida pelo canto e tambem a ema (Rhea americana L.) [Rhea americana (Linnaeus, 1758)] existe em alguns lugares. Entre os passaros de caça a codorna(1) parece bastante abundante; ha tambem perdizes(2) e jacús(3) nas marjens de alguns afluentes. A nota predominante é dada pelos passaros aquaticos [?], que ocorrem em grande numero, devido às condições favoráveis existentes, menos no proprio rio do que nas innumeras lagôas, formadas por este e pelos seus afluentes.”.

Figura 3. Trajeto da expedição de Lutz e Machado publicado em Benchimol & Sá (2007) e também

disponível no Arquivo Histórico do Museu Nacional/RJ.

Figura 4. Trajeto da expedição de Lutz e Machado com ênfase no rio Grande e seus tributários, afluente da margem esquerda do rio São Francisco. Publicado em Benchimol & Sá (2007) e

também disponível no Arquivo Histórico do Museu Nacional/RJ.

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“Entre o numero das especies conhecidas notámos a ausencia do guará ou ibis vermelho (Endocinus ruber (L.)) [Eudocimus ruber (Linnaeus, 1758)]. Em compensação o teo-teo (Vanellus cayannensis) [Vanellus chilensis (Molina, 1782)] não falta em parte alguma.”

[Rodapé: As advertências (1), (2) e (3) estão inseridas no texto ori-ginal e trazem como nota de rodapé da página, as seguintes in-formações:] “(1), (2), (3), Especies dos generos Nothura2, Rhyn-chotus [Rhynchotus rufescens (Temminck, 1815)] e Penelope3.”.

Citações de Aves - Diário do Dr. LutzPágina 13; 18 de abril; distrito de Barra do Guacuí, muni-

cípio de Várzea de Palma/MG: “Na viajem [de Pirapora para Barra do Guaicuí] já encontrámos grande numero de passaros aquaticos [?], muitas garças [Ardeidae], um bando de cego-nhas chamadas aqui jabirú moleque4, colhereiras [Platalea ajaja Linnaeus, 1758] e outras espécies menores. Nos barran-cos do São Francisco, que tinham uma altura aproximada de cinco metros, havia muitos buracos, marcando os ninhos da Ceryle torquata ou martinho pescador grande5 que apareciam na vizinhança deles.”.

Página 17; 28 de abril; entre São Francisco e Januária/MG: “Encontrámos, pela segunda vez, um grande bando de colherei-ras [Platalea ajaja]”.

Página 17; 30 de abril; Januária/MG: “Na praia tivemos oca-sião de observar, ao lado do urubú comum [Coragyps atratus (Bechstein, 1793)], as especies de cabeça vermelha [Cathartes aura (Linnaeus, 1758)] e amarela [Cathartes burrovianus Cas-sin, 1845]. Todas eram infetadas com uma Hippobóscida6 que se encontra com muita regularidade no animal vivo, fujindo toda-via logo depois da morte do hospedador.”.

Página 18; 01 de maio; lagoas ao redor de Januária/MG: “Chegando nas lagoas, encontrámos grande numero de irérés (Dendrocygna viduata (L.)) [Dendrocygna viduata (Linnaeus, 1766)], que todavia eram muito ariscos. Havia tambem jaçanãs ou piassocas (Parra jaçana (L.)) [Jacana jacana (Linnaeus, 1766)] e bom numero de teo-teos [Vanellus chilensis], que são o maior inimigo do caçador, porque alarmam a caça de mais valor. Caçou-se um iréré [Dendrocygna viduata] e alguns outros pas-saros [?].”.

Página 20; 05 de maio; rio Carinhanha (divisa entre Minas Gerais e Bahia, margem esquerda do rio São Francisco) entre Malhada/BA e Juvenílha/MG [localidade na margem direita do rio Carinhanha mencionada por Lutz como “Muquém”]: “Ha-via tambem aqui bandos duma especie de coriango ou bacuráu (Caprimulgus) que, ao voar, mostravam uma grande mancha branca na extremidade das azas. Quando sentadas encolhiam as pernas e achatavam-se no chão, a ponto de, muitas vezes, de-saparecerem da vista. A gente da zona, desconhecendo as suas afinidades, tratava-as pelo nome de coruja”7.

Página 20; 05 de maio; rio Carinhanha (divisa entre Minas Ge-rais e Bahia, margem esquerda do rio São Francisco) entre Ma-lhada/BA e Juvenílha/MG [localidade do rio Carinhanha men-cionada por Lutz como “Ribanceira alta”]: “Aqui, com efeito, o barranco era muito elevado e continha grande numero de ninhos do martinho pescador grande (Ceryle torquata) [vide nota 5]. Este passaro bonito tambem se mostrava em maior numero, sen-do todavia bastante arisco.”.

Página 22; 10 de maio; rio Corrente, entre a sua desembo-cadura no rio São Francisco e o município de Porto Novo/BA:

“Depois de cinco horas de viajem, vimos passar grande nume-ro de pombos selvajens da especie, pomba de bando ou de aza branca8. Existe nesta zona toda, mas não com a abundancia que esperávamos, sendo aliás bastante arisca. No rio, viam-se garças

[Ardeidae], socós9 e martinhos pescadores com coleira branca [vide nota 5]; e, nas marjens aparecia de vez em quando um jacaré.”.

Página 24; 15 de maio; rio Corrente, nas proximidades de San-ta Maria da Vitória e São Félix do Coribe/BA: “Quase continua-damente encontravam-se de um ou outro lado do rio paredões de pedra de 10 a 20 metros de altura com a base excavada pelo rio e cheias de fendas e grutas maiores e menores, das quais vimos sair algumas corujas [Strigiformes] um urubú [Cathartidae] que pareciam ter os seus ninhos nestes lugares inacessiveis.”.

Página 25; 15 de maio; rio Corrente, entre o distrito de Porto Novo, Santana/BA e sua desembocadura no rio São Francisco: “Continuando a decida, avistámos muitos passaros [?], pombos de bando [vide nota 8], garças brancas10 e martinhos pescadores de duas espécies [vide nota 5].”.

Página 25; 16 de maio; rio Corrente, próximo a sua desem-bocadura com o rio São Francisco, entre Sítio do Mato e Bom Jesus da Lapa/BA: “Avistamos alguns passaros marinhos, cha-mados aqui gaivotas mas que verifiquei mais tarde, serem talha--mares [Rynchops niger Linnaeus, 1758] e surpreendemos uma familia de marrecas [Anatidae] sendo os filhotes ainda incapa-zes de voar.”.

Página 28; 22 de maio; rio Paramirim, subindo pelo rio de Mor-pará até uma “grande lagoa” que fica em Oliveira dos Brejinhos/BA: “Afirmaram-nos que na lagoa havia muitos patos e mar-recas [Anatidae] porém em toda a excursão não os vimos. Atirei em alguns exemplares de pequeno socó (Butorides virescens) [Butorides striata (Linnaeus, 1758)], que era muito abundante no rio, onde havia tambem duas qualidades de martim-pescador [vide nota 5] e algumas laridas11. Na lagoa não faltaram a jaçanã [Jacana jacana] e o teu-teu [Vanellus chilensis] quasi sempre presentes nas lagoas.”.

Página 30; 26 de maio; Barra/BA: “Ofereceram, para comprar, varios passaros aquaticos [?] novos, marrecas [Anatidae], um ca-rão [Aramus guarauna (Linnaeus, 1766)] e uma garça parda12, já bastante grande. Pode-se concluir disso, quantas aves interes-santes se poderia reunir aqui, com pouca despreza, durante um ano inteiro.”.

Página 30; 27 de maio; Barra/BA: “Durante uma visita á ci-dade vimos, muitos passaros mansos ou em gaiolas [?], como jacú [vide nota 3], pomba de bando [vide nota 8], saracura13, pato do mato [Cairina moschata (Linnaeus, 1758)], marrecas [Anatidae], garça [Ardeidae], maguari [vide nota 4], seriema [Cariama cristata (Linnaeus, 1766)] e passarinhos miudos [Pas-seriformes?]”.

Página 31; 28 de maio; Barra/BA: “Durante a excursão apa-nharam-se uns filhotes de teu-teu [Vanellus chilensis] e matou-se uma craúna (Geronticus cayennensis)14. O passaro é bastante frequente nessa rejião, passando ás vezes sobre o rio em peque-nos bandos. A carne é comestivel.”.

Página 31; 30 de maio; Barra/BA: “Durante o dia foram mor-tas uma craúna [vide nota 14], um talha-mar [Rynchops niger], uma narceja15, uma garça [Ardeidae], vários socós [vide nota 9] e um inhambú [Crypturellus sp.].”.

Página 31; 31 de maio; rio Grande, margem esquerda do rio São Francisco, entre a área urbana da cidade da Barra/BA e o

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local conhecido como “Boqueirão”, próximo onde o rio Preto desemboca no rio Grande: “A’ tardesinha, viram-se no rio dois patos do mato [Cairina moschata (Linnaeus, 1758)], os primei-ros que apareceram até hoje.”.

Página 32; 01 de junho; confluência do rio Preto com o rio Grande, uma lagoa onde hoje pertence ao município de Mansi-dão/BA: “Voltei hoje cedo á lagôa que visitei hontem. No tempo das aguas deve ser muito extensa, mas agora está quase seca. Encontrei cinco craúnas [vide nota 14], pousadas num lugar lo-doso, onde pareciam catar bichinhos.”.

Página 32; 01 de junho; subindo rio Grande, após a confluên-cia com o rio Preto, entre Cotegipe e Wanderley/BA: “Durante o dia observámos varios passaros aquaticos [?], como craúnas [vide nota 14] e curicacas (Geronticus albicollis) [Theristicus caudatus (Boddaert, 1783)], garças [Ardeidae] e martinhos-pes-cadores [vide nota 5]”.

Página 32; 02 de junho; subindo rio Grande [Lutz chama de Poço Redondo], entre “Boqueirão” e a cidade de Barreiras, provavelmente onde hoje é o distrito de Jupaguá, em Cotegipe/BA: “A’s seis horas passámos uma lagoa onde havia muitas craúnas [vide nota 14] e mais tarde avistou-se um guariba, sen-tado numa arvore. [...] Vimos tambem uma capivara e atirei em algumas gralhas de peito branco16. [...] As ribanceiras em alguns lugares eram a prumo e bastante elevadas, sendo apro-veitadas pelos martinhos-pescadores [vide nota 5] para fazer os buracos fundos, na extremidade dos quais colocam o seu ninho.”

Página 33; 03 de junho; no rio Grande, próximo ao distrito de São José do Rio Grande, município de Riachão das Neves/BA: “Pouco tempo depois encontrámos o primeiro biguá branco (Plotus anhinga) [Anhinga anhinga (Linnaeus, 1766)], que não conseguiu escapar em tempo. A autopsia revelou a existencia de varias filarias na periferia do cerebro.”.

Página 33; 04 de junho; povoado Santa Luzia, município de Angical/BA: “Caçaram-se tambem alguns passaros aquaticos [?]. Existem aqui as quatro especies de martinho-pescador [vide nota 5]. [...] De vez em quando a ribanceira eleva-se quasi a pique, reaparecendo então os buracos dos martinhos-pescadores [vide nota 5]. Hoje vimos o primeiro tucano [Ramphastos sp., provavelmente R. toco pela localidade] e alguns jacús [vide nota 3], que todos fujiram em tempo.”.

Página 35; 08 de junho; Barreiras/BA: “Quanto á fauna, en-contrámos apenas alguns passarinhos [?] e ouviam-se os gritos carateristicos dum bando de seriemas [Cariama cristata]. [...] Voltámos por um caminho agradavel, á sombra duma capoeira, e passámos um pasto, onde havia trez emas [Rhea americana] mansas no meio do gado. [...] A’ noite ofereceram-nos uma gam-bá, da espécie Didelphis albiventris; arranjámos tambem uma codorna viva [vide nota 2]. Ha aqui perdizes [Rhynchotus ru-fescens] e codornas [vide nota 2], mas ninguem quis caçar por medo dos carrapatinhos.”.

Página 35; 10 de junho; próximo à Barreiras/BA: “Caçámos alguns passaros [?] e colhemos algumas flores interessantes, como uma convolvulaceae de flores amarelas.”.

Página 35; 11 de junho; povoado Santa Luzia, município de Angical/BA: “Matou-se um socó-boi [vide nota 9] e um irêrê [Dendrocygna viduata] que caiu no meio das Eichhornias e não foi achado.”.

Página 36; 12 de junho; povoado de Taguá, município de Cotegipe/BA: “Achei tambem outro Oncidium ceboleta em

flor e matei uma iguana, uma cobra grande e um urubú de cabeça vermelha [Cathartes aura]. Quando este caiu na agua, as moscas [vide nota 6], que o parasitavam, principiaram logo a voar, sendo algumas apanhadas na canoa. Vimos de longe um bando de jacús que, neste rio, são bastante comuns, mas muito ariscos. Parece tratar-se da Penelope superciliaris [vide nota 3].”.

Página 36; 12 de junho; no rio Grande, entre o povoado de Taguá e “Boqueirão”, próximo onde o rio Preto desemboca no rio Grande: “Continuando a viajem encontrámos varios jacarés, umas capivaras e varios passaros maiores, como socó-boi [vide nota 9], garça grande [Ardea sp.], craúna [vide nota 14] e jacú [vide nota 3], mas não parámos mais.”.

Página 36; 13 de junho; próximo da confluência do rio Preto com o rio Grande, Mansidão/BA: “Chegados lá, uns embarcar-am na canoa, subindo o Rio Preto e visitando algumas lagoas. Viram de lonje alguns tucanos [Ramphastos sp., provavelmente R. toco] e curicacas [Theristicus caudatus] e mataram uma saracura-assú (Aramides gigas) [Aramides ypecaha (Vieillot, 1819); vide nota 13] e algumas marrecas [Anatidae] que cairam na agua e ficaram perdidas. [...] Durante o dia experimentou-se a caça. Os mocós foram apreciados, mas a saracura gigante [Ar-amides ypecaha; vide nota 13] tinha um gosto pessimo, devido provavelmente a sua alimentação. E’ para estranhar, visto que as saracuras pequenas têm boa carne. As craúnas [ vide nota 14], que experimentávamos, geralmente eram boas, mas uma tinha o mesmo mau gosto que a grande saracura. Do outro lado o socó-boi [vide nota 9], que não julguei comestivel, foi geralmente apreciado.”.

Página 38; 18 de junho; Pilão Arcado/BA: “O rio continuava sempre muito largo, com marjens pouco elevadas e bancos de areia dos dois lados. Num deles havia um grande bando de gar-ças brancas [vide nota 10].”.

Página 39; 19 de junho; Remanso/BA: “Vimos muitos tal-ha-mares pretos (Rhynchops nigra L., var. cinerascens SPIX) [Rynchops niger], algumas gaivotas [vide nota 11], trinta-reis (Sterna)17 e massaricos18. Na areia seca encontrei dois caburés19. Obtivemos também um filhote de talhamar [Rynchops niger]”.

Página 39; 20 de junho; Remanso/BA: “Fui cedo ver a feira que estava na praia, um pouco mais acima. Havia, além dos peixes mais conhecidos, algumas corvinas e dois exemplares de pocomão. Na vespera vimos pela primeira vez um pirá. De-pois fomos a uma casa onde havia uma Sittace Spixii [vide Dis-cussão], especie bastante rara. Não quis a propietaria vender a ave que era muito mansa, mas, finalmente, deixou-se tentar pelo dinheiro oferecido.”.

Página 40; 22 de junho; Remanso ou Sento Sé/BA: “Atirei, sem resultado, em algumas gaivotas [vide nota 11] que voavam numa corôa.”.

Página 41; 24 de junho; Remanso/BA: “Os companheiros, que foram por outros caminhos, caçaram uma curicaca (Geronticus albicollis) [Theristicus caudatus] e alguns mocós.”.

Página 41; 24 de junho; Sento Sé/BA: “Aproveitei a demora para embarcar na canoa e saltar num banco de areia, onde se viam muitos talhamares [Rynchops niger] e gaivotas [vide nota 11] pousados ou voando. Chegados lá, encontrámos alguns nin-hos ou antes grupos de trez a quatro ovos, colocados na areia em pequenas covas, alguns já com os pintos para sair. Tinham a cor de areia com riscos pretos, sendo, de dois tamanhos. Havia tambem um ovo de tamanho maior e com fundo quase branco.-

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--Vimos tambem uns maracanãs azuis [vide Discussão] e atirei no meio do bando voando, mas não tive a felicidade de obter um destes passaros raros.”.

DiscussãoFoi possível resgatar 27 espécies de Aves mencionadas ao

longo da introdução e do diário de Adolpho Lutz (Tabela 1). Dessas, várias não foram possíveis de se chegar até o nível de espécie (vide Notas). Na introdução foram realizadas algumas citações mais gerais, sem localidade específica. Uma delas, ali-ás, não foi aqui considerada, por ser uma espécie que, até onde sabemos, não ocorre na região (Eudocimus ruber), tendo Lutz estranhado a sua ausência no local, provavelmente por desco-nhecer os hábitos comportamentais dessa espécie no país, quase exclusiva de manguezais (Olmos & Silva e Silva 2003, Silva e Silva 2008). O restante das citações foram encontradas ao longo do diário e foi possível, na maioria dos casos, saber a data e o município onde ocorreram.

Uma das dificuldades em identificar as espécies menciona-das por Lutz é que ele usava, normalmente, apenas os nomes populares/vernaculares das aves observadas. Alguns deles bas-tante vagos, como: “garças”, “gaivotas” e “pássaros”. Há uma frase corriqueiramente dita entre os ornitólogos, que diz: “todo pássaro é uma Ave, mas nem toda Ave é um pássaro”. Para muitos, para ser um “pássaro” é necessário pertencer à Ordem dos Passeriformes. Uma interessante revisão sobre o caso é discutida em Straube (2009) e, embora não entre nessa questão aqui, é preciso ficar claro que Lutz usou o termo “pássaro” de-liberadamente, não podendo ser aplicado no presente trabalho, com certeza, para as Aves pertencentes à Ordem Passerifor-mes, pois o próprio autor escreve, por exemplo, na página 11: “Aparecem varias novas especies de passaros pequenos, como a pomba “Fogo apagou” (Scardapella squamosa TEMM.)” que trata-se de um Columbiforme. E, ainda como prova, na página 20 ele menciona: “Este passaro bonito” referenciando o martim-pescador (Ordem Coraciiformes, Família Alcedini-dae).

Quanto à análise das informações ornitológicas, o trabalho de Lutz e Machado (1915) até então não havia sido estudado de-talhadamente. A maioria das publicações que o referenciavam focavam nas alusões sobre a espécie Cyanopsita spixii (detalhes abaixo). Duas publicações, no entanto, apresentam uma lista-gem das aves citadas por Lutz & Machado, são elas: Pacheco & Bauer (2000) e Pacheco (2004). Ambas apresentam a mesma listagem, ao menos no que concerne às Aves citadas por esses autores.

Pacheco & Bauer (2000) e Pacheco (2004) identificam 15 es-pécies de aves na publicação de Lutz & Machado (1915) (ver Tabela 1), no entanto, os autores não mencionam como chega-ram a essas identificações. Também comentam que dessa expe-dição afloraram “os registros mais antigos que se tem notícia para nove espécies da caatinga no norte de Minas Gerais e sete da caatinga centro-ocidental da Bahia”. Da listagem feita por es-ses autores, apenas não concordo com a indicação de Gallinago paraguaiae (vide Nota 15).

De grande interesse é também a publicação de Benchimol & Sá (2007), que encontraram no Arquivo Histórico do Museu Na-cional/RJ, posteriormente analisado por mim, duas listas não pu-blicadas nos originais de 1915 de Lutz & Machado. Uma delas sobre os Mamíferos encontrados na expedição e outra sobre as

Aves. Essas listas estão disponíveis em Benchimol & Sá (2007), que republicaram o artigo de 1915 inserindo novas fotografias, mapa da expedição e também, como figuras, essas listas de ma-míferos e aves. As listas ainda estão escritas em máquinas-de--escrever, além de algumas anotações adicionais feitas a punho. Essa republicação pode ser vista em http://books.scielo.org/id/t6bcg, bem como os originais analisados no próprio Arquivo Histórico do Museu Nacional/RJ, Fundo Adolpho Lutz, caixa 35, pasta 244, maço 5. Segundo Benchimol & Sá (2007), as lis-tas foram atualizadas por João Moojen de Oliveira na década de 1950, fato que concordo, provavelmente a pedido da filha de Adolpho Lutz, Bertha Lutz. Nelas estão identificadas 36 espé-cies de aves, sendo duas questionadas com um “?” pelo próprio Moojen (Tabela 1). Várias das espécies indicadas por Moojen, especificamente 10, preferi não considerar por inúmeros mo-tivos, que estão mencionados nas notas apresentadas no final desse texto.

Apenas duas das espécies identificadas aqui não foram indica-das pelos trabalhos acima citados: Paroaria dominicana (Lin-naeus, 1758), a julgar pela área de distribuição da espécie, que atualmente se espalhou para todo o leste brasileiro, e Athene cu-nicularia (Molina, 1782) - vide nota 19.

Ainda de interesse é o fato de Lutz & Machado (1915), em certas passagens do texto, informarem o comportamento re-produtivo de algumas espécies, além de outras encontradas à venda, caçadas durante a expedição etc. Assim, resumo aqui aqueles que consegui identificar as espécies.

Reprodução: Megaceryle torquata - ninho no barranco em 18 de abril (Várzea de Palma/MG); ninho no barranco em 5 de maio (entre Malhada/BA e Juvenílha/MG); ninho em barranco, buracos fundos, em 2 de julho (próximo de Cotegipe/BA); nin-hos em buracos em 4 de junho (Angical/BA). Rynchops niger - um filhote em 20 de junho (Remanso/BA); ninhos em um banco de areia em 24 de junho (Sento Sé/BA).

Aves utilizadas para alimentação local: Nothura sp., Rhyn-chotus rufescens e Penelope sp.

Aves encontradas em cativeiro: Penelope sp., Zenaida au-riculata, Cairina mochata e Cariama cristata em Barra/BA. Nothura sp. em Barreiras/BA. Cyanopsitta spixii em Remanso/BA.

Aves caçadas ao longo da expedição: Dendrocygna viduata (01 de maio em Januária/MG); Vanellus chilensis (28 de maio em Barra/BA); Mesembrinibis cayennensis (28 e 30 de maio em Barra/BA), fala que a carne dessa espécie é comestível, embora cite mais adiante que um exemplar tinha o mesmo gosto ruim que Aramides ypecaha. Rynchops niger (30 de maio em Barra/BA). Crypturellus sp. (30 de maio em Barra/BA). Anhinga an-hinga (3 de junho em Riachão das Neves/BA). Tigrisoma lin-eatum (11 de junho em Angical/BA), falando que a carne era geralmente apreciada. Cathartes aura (12 de junho em Cote-gipe/BA). Aramides ypecaha (13 de junho em Mansidão/BA), que tinha gosto péssimo. Theristicus caudatus (24 de junho em Remanso/BA).

Após a compilação acima apresentada (resumida na Tabela 1), foi realizado uma busca de cada uma das espécies que o autor indica terem sido caçadas durante a expedição na Coleção de Aves no Setor de Ornitologia do Museu Nacional/UFRJ. Porém, nenhum exemplar pôde ser encontrado, com excesão de um es-pécime de Cyanopsitta spixii, que discutiremos com mais deta-lhes abaixo.

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Tabela 1. Espécies indicadas como observadas por Lutz & Machaco (1915). P&B/P= Pacheco & Bauer (2010), Pacheco (2004); Moojen= lista apresentada em Benchimol & Sá (2007); Crozariol= presente trabalho. A nomenclatura segue a proposta de Piacentini et al. (2015).

Nome do Táxon Nome Português P&B / P Moojen CrozariolRheiformes Forbes, 1884 Rheidae Bonaparte, 1849 Rhea americana (Linnaeus, 1758) ema X XTinamiformes Huxley, 1872 Tinamidae Gray, 1840 Rhynchotus rufescens (Temminck, 1815) perdiz X X X Nothura maculosa (Temminck, 1815) codorna-amarela XAnseriformes Linnaeus, 1758 Anatidae Leach, 1820 Dendrocygna viduata (Linnaeus, 1766) irerê X X Cairina moschata (Linnaeus, 1758) pato-do-mato X XGalliformes Linnaeus, 1758 Cracidae Rafinesque, 1815 Penelope superciliaris Temminck, 1815 jacupemba XCiconiiformes Bonaparte, 1854 Ciconiidae Sundevall, 1836 Ciconia maguari (Gmelin, 1789) maguari XSuliformes Sharpe, 1891 Anhingidae Reichenbach, 1849 Anhinga anhinga (Linnaeus, 1766) biguatinga X XPelecaniformes Sharpe, 1891 Ardeidae Leach, 1820 Tigrisoma lineatum (Boddaert, 1783) socó-boi X X X Butorides striata (Linnaeus, 1758) socozinho X X Ardea cocoi Linnaeus, 1766 garça-moura X Ardea alba Linnaeus, 1758 garça-branca-grande X Egretta thula (Molina, 1782) garça-branca-pequena X Threskiornithidae Poche, 1904 Plegadis chihi (Vieillot, 1817) caraúna-de-cara-branca X Mesembrinibis cayennensis (Gmelin, 1789) coró-coró X X X Theristicus caudatus (Boddaert, 1783) curicaca X X X Platalea ajaja Linnaeus, 1758 colhereiro X XCathartiformes Seebohm, 1890 Cathartidae Lafresnaye, 1839 Cathartes aura (Linnaeus, 1758) urubu-de-cabeça-vermelha X X X Cathartes burrovianus Cassin, 1845 urubu-de-cabeça-amarela X X X Coragyps atratus (Bechstein, 1793) urubu-de-cabeça-preta X X XGruiformes Bonaparte, 1854 Aramidae Bonaparte, 1852 Aramus guarauna (Linnaeus, 1766) carão X X Rallidae Rafinesque, 1815 Aramides ypecaha (Vieillot, 1819) saracuruçu X XCharadriiformes Huxley, 1867 Charadriidae Leach, 1820 Vanellus chilensis (Molina, 1782) quero-quero X X X Charadrius collaris Vieillot, 1818 batuíra-de-coleira X Scolopacidae Rafinesque, 1815 Gallinago paraguaiae (Vieillot, 1816) narceja X X Jacanidae Chenu & Des Murs, 1854 Jacana jacana (Linnaeus, 1766) jaçanã X X X Sternidae Vigors, 1825 Phaetusa simplex (Gmelin, 1789) trinta-réis-grande ?

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Possível exemplar de Cyanopsitta spixi proveniente dessa ex-pedição depositado no Museu Nacional/UFRJ

Ao longo do texto, nas anotações de Adolpho Lutz, foram feitas duas menções intrigantes, uma quase certamente sobre a ararinha-azul, Cyanopsitta spixii (Wagler, 1832), e outra um pouco mais duvidosa.

A primeira foi para o dia 20 de junho, no município de Re-manso/BA, sobre uma ave cativa. Lutz cita “fomos a uma casa onde havia uma Sittace Spixii, especie bastante rara. Não quis a propietaria vender a ave que era muito mansa, mas, finalmente, deixou-se tentar pelo dinheiro oferecido.”.

E a segunda para o dia 24 de junho, na margem do rio São Francisco, provavelmente na margem direita, então município de Sento Sé/BA. Lutz cita “Vimos tambem uns maracanãs azuis e atirei no meio do bando voando, mas não tive a felicidade de obter um destes passaros raros.”.

Pacheco (1995) aparentemente foi o primeiro a apontar es-sas menções de Lutz sobre C. spixii. Posteriormente, Pacheco & Bauer (2000) e Pacheco (2004) endossaram essa impor-tância, todas elas considerando que as duas citações sejam referentes a essa espécie. Lima (2004, p.7), sobre a ave vista em voo, considera como sendo a mais importante observação

realizada na expedição de Lutz. Lima (2004) percorreu a re-gião em 1995, à procura da C. spixii, mas encontrou apenas Anodorhynchus leari, acreditando que Lutz possa ter confun-dido as espécies.

Talvez nunca descubramos se Lutz realmente viu essa espécie na natureza ou se ele pode ter confundido com algum outro Psit-tacidae da região. Porém, gostaria de expor aqui algumas infor-mações que poderão auxiliar, ou ser apenas uma aproximação, sobre essas duas passagens até então não analisadas em detalhes.

Para isso, tentarei elucidar alguns fatos. Primeiro: o exemplar que estava à venda seria mesmo uma C. spixii? Se sim, de onde ele veio e, após a compra, onde foi parar?

Esse exemplar foi realmente comprado por Lutz, o que fica claro tanto no texto publicado quanto nas anotações encontra-das datilografadas na coleção do Arquivo Histórico do Museu Nacional, escrito de forma diferente daquela que foi publicada: “Depois fomos na casa de uma mulher que tinha uma especie rara d de arara pequena que julgo ser a Sittace Spixii. Era muito mansa mas não era para vender; porem finalmente compra-la conseguiu-se.” (Figura 5).

Analisando as peles que compõem a coleção de Aves do Setor de Ornitologia do Museu Nacional/UFRJ buscando por espéci-

Rynchopidae Bonaparte, 1838 Rynchops niger Linnaeus, 1758 talha-mar X XColumbiformes Latham, 1790 Columbidae Leach, 1820 Columbina squammata (Lesson, 1831) fogo-apagou X X X Zenaida auriculata (Des Murs, 1847) pomba-de-bando X XStrigiformes Wagler, 1830 Strigidae Leach, 1820 Athene cunicularia (Molina, 1782) coruja-buraqueira XCoraciiformes Forbes, 1844 Alcedinidae Rafinesque, 1815 Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766) martim-pescador-grande X XCariamiformes Furbringer, 1888 Cariamidae Bonaparte, 1850 Cariama cristata (Linnaeus, 1766) seriema X X XPsittaciformes Wagler, 1830 Psittacidae Rafinesque, 1815 Cyanopsitta spixii (Wagler, 1832) ararinha-azul X X X Primolius maracana (Vieillot, 1816) maracanã-verdadeira ?Passeriformes Linnaeus, 1758 Furnariidae Gray, 1840 Pseudoseisura cristata (Spix, 1824) casaca-de-couro X X Corvidae Leach, 1820 Cyanocorax cristatellus (Temminck, 1823) gralha-do-campo X Icteridae Vigors, 1825 Icterus jamacaii (Gmelin, 1788) corrupião X X X Thraupidae Cabanis, 1847 Paroaria dominicana (Linnaeus, 1758) cardeal-do-nordeste X

Figura 5. Passagem de 20 de junho na versão anterior aquela final publicada nos originais. Essa passagem pode ser encontrada no Arquivo Histórico do Museu Nacional.

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mes das espécies que foram claramente coletadas pela equipe durante a expedição, encontrei um intrigante exemplar de Cya-nopsita spixii (MN-3295). Esse exemplar continha uma etiqueta indicando que o mesmo era proveniente de “Sento Sé, (rio) São Francisco, BA” (Figura 6).

Infelizmente não foi possível se obter mais nenhuma infor-mação desse exemplar, além de outra numeração presente na pele que não pôde ser rastreada. Esse exemplar possui grandes chances de ser aquele comprado por Lutz e parece ter sido eti-quetado por João Moojen, o mesmo que identificou as aves citadas por Lutz durante a viagem. Lutz cita no próprio texto que “Quanto às coleções de animais maiores que podiamos ter reunido nesta viajem rápida, tivemos de lamentar a perda duma caixa com liquidos conservadores. Tendo sido mandada a tem-po, tivemos esperanças de recebel-a, o que até hoje não aconte-ceu. Assim, a coleção se limitou a peles secas e alguns reptilios e peixes.”. Por esse trecho pode-se perceber que uma coleção foi de fato trazida ao Rio de Janeiro e sendo uma C. spixii ma-terial raro adquirido, é de se esperar que ela tenha sido mantida com um maior cuidado e de alguma forma ido parar na coleção do Museu Nacional, possivelmente por intermédio da própria Bertha Lutz, que trabalhava no Museu no mesmo período que Moojen. Porém, se esse exemplar chegou vivo no RJ, se mor-reu (ou foi sacrificado) ao longo do final da viagem ou mesmo pouco depois da compra, não foi possível descobrir.

O fato do exemplar ter sido comprado em Remanso e a etique-ta constar Sento Sé poderia ser por, ao menos, três motivos. (1) A proprietária da ave poderia ter mencionado que o espécime era proveniente daquele município; (2) que a ave tenha morrido (ou sido sacrificada) poucos dias após a sua compra, quando a expe-dição estava em Sento Sé, que foi visitado logo após Remanso ou; (3) a ave comprada por Lutz pode não ter nenhum tipo de relação com o exemplar depositado no Museu Nacional, sendo ele ainda mais intrigante.

Cyanopsitta spixii tem como localidade tipo as proximida-des de Juazeiro/BA (Hellmayr 1929), distante cerca de 170 km de Remanso. Vale destacar também que Othmar Reiser (1926, apud Juniper 2002a) menciona essa espécie, vista em 1903, nas proximidades do lago de Parnaguá/PI, cerca de 290 km de Remanso e, segundo Juniper (2002b), Reiser também encontrou a espécie em cativeiro em Remanso, quando de passagem por lá 9 anos antes. Talvez até o mesmo exemplar (!?). Existem ainda outros registros de C. spixii para outras regiões do Nordeste fora das proximidades de Curaçá/BA, onde o último exemplar foi observado no ano 2000 (Barnett et al. 2014).

Pela falta de documentação dos registros, essas outras locali-dades onde a espécie foi citada como tendo sido observada pa-rece ser deixada de lado pela maioria dos trabalhos científicos, mesmo aqueles de cunho conservacionista, como por exemplo,

Figura 6. Exemplar de Cyanopsitta spixii depositado na Coleção de Aves do Museu Nacional/UFRJ. A) visão lateral/ventral; B) visão dorsal; C) etiqueta com o número de tombo, onde se lê em um dos lados a procedência “Sento Se”.

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o “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção” (Barros & Bianchi 2008) e no próprio “Plano de Ação Nacional para a conservação da Ararinha-azul Cyanopsitta spixii” (Barros et al. 2012). Possíveis pontos de ocorrência de uma espécie tão rara, como por exemplo, aquele de Formosa do Rio Preto, noro-este da BA (Sick & Teixeira 1979, 1980, Sick et al. 1987) e no Parque Nacional da Serra da Capivara, sudeste do Piauí (Olmos 1993) não podem ficar de fora. Há relatos convincentes, e até recentes (ex. Silveira & Santos 2012), de possível ocorrência da espécie na Serra das Confusões, Piauí, cerca de 160 km de Remanso.

Não podemos ignorar a possível ocorrência histórica de C. spixii por uma área ampla na bacia do rio São Francisco. Como bem mencionado por Papavero & Teixeira (2001, p.1029) “a atual distribuição de Anodorhynchus leari, Cyanopsitta spixii e de várias outras aves deve ser entendida como um artefato de origem antrópica que pouca semelhança guarda com a prová-vel área de ocorrência da espécie há alguns poucos séculos.”. Cyanopsitta spixii sempre foi muito pouco conhecida (Juniper & Yamashita 1991), a opinião de que a mesma pudesse ocorrer por uma área mais extensa, principalmente na bacia do rio São Fran-cisco, deveria ser analisada com outros olhos, principalmente na busca de áreas mais preservadas e, talvez, até mais adequadas para a pretérita reintrodução da espécie na natureza (vide Barros et al. 2012) do que aquela de Curaçá/BA.

É, portanto, possível que a ararinha-azul tenha sido, sim, cap-turada na região de Remanso/Sento Sé, embora rastrear essa informação seja bastante difícil, sendo esse mais um ponto de ocorrência duvidoso no mapa de distribuição da espécie.

Quanto à segunda observação feita por Lutz, das aves voando, e que sugere Lima (2004), que Lutz tenha confundido C. spixii com Anodorhynchus leari, fica a questão: seria a mesma espécie aquela que Lutz comprou com aquela que ele observou em voo? Por que Lutz chamou a primeira pelo nome científico e a segun-da apenas pelo nome popular?

Acreditamos que dificilmente Lutz teria confundido uma C. spixii com uma A. leari. Sick et al. (1987) chegam a citar que uma confusão na identificação dessas espécies está fora de co-gitação. Forshaw & Cooper (1977) citam uma média de com-primento total de 75 cm para A. leari, enquanto que C. spixii mede apenas cerca de 56 cm. Claro que erros de identificação no campo estão sempre sujeitos a acontecer, por inúmeros motivos (vide Macarrão 2012), porém Lutz havia comprado um exemplar de C. spixii quatro dias antes de atirar no bando das “maracanãs azuis” em voo. Whitney (1996, p.34) comparando exatamente as características de voo entre os Psittacidae, fala que a forma [sha-pe] de Cyanopsitta relembra as Anodorhynchus, sendo, porém, muito menor [much smaller].

É possível simplesmente que Lutz tenha confundido os leito-res a pensar que ele estivesse falando da mesma espécie, exata-mente por ele não mencionar o nome científico das tais “mara-canãs azuis”, mas também por não citar um nome popular para C. spixii. A espécie A. leari, redescoberta no final do ano de 1978 na região do Raso da Catarina, Bahia (Sick 1979, Sick et al. 1979, Sick & Teixeira 1980), teve uma segunda população encontrada na região conhecida como “Boqueirão da Onça”, que abrange os municípios de Campo Formoso, Umburanas e Sento Sé, onde há uma proposta de criação de Parque Nacional (vide Souza et al. 2010), podendo Lutz realmente ter observado elas por lá, como propõem Lima (2004).

Moojen, nas identificações sobre as espécies observadas por Lutz, apenas anota para as “maracanãs azuis”, acompanhado de uma interrogação “?Propyrrhura maracana” [atual Primolius maracana (Vieillot, 1816)], como se pode ler na página 288 da publicação atualizada por Benchimol & Sá (2007). Enquanto Pacheco (1995, 2004) e Pacheco & Bauer (2000) acreditam que esse registro seja para C. spixii.

Para esse segundo caso, não tenho nenhum tipo de material que possa fortalecer qualquer hipótese, de forma que indico, com ressalvas, que Lutz possa ter observado Cyanopsitta spixii, principalmente por mencionar ao final da frase “passaros raros”.

AgradecimentosSou grato ao pessoal do Arquivo Histórico do Museu Nacio-

nal/RJ pela ótima recepção durante minhas análises no arquivo, ao Professor Dr. Marcos Raposo pela total confiança quanto aos estudos realizados na Coleção de Aves no Setor de Ornitologia do MN/UFRJ e ao Professor Dr. Dante M. Teixeira pelo incenti-vo na divulgação desse trabalho que apresentei quando cursava sua apaixonante disciplina “História das Expedições Científicas no Brasil”. Sérgio Almeida fez ótimas correções e sugestões na versão anterior do trabalho.

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1Pesquisador. Departamento de Vertebrados, Setor de Ornitologia, Museu Nacional/UFRJ. Quinta da Boa Vista,

São Cristóvão s/n°, CEP 20940-040. Rio de Janeiro/RJ. E-mail: [email protected]

Notas1 Embora esse nome seja aplicado para outras espécies

de Aves, até não-Passeriformes (vide, por exemplo, Ihering 1968 e Sick 1997), ele é principalmente usado para indicar o Furnariidae Pseudoseisura cristata (Spix, 1824).

2 Como são duas as espécies mais comuns e com probabi-lidade de ocorrência na área por onde passou Lutz, Nothura boraquira (Spix, 1825) e N. maculosa (Temminck, 1815), não é possível indicar a espécie exata.

3 Além dessa citação na introdução, Lutz menciona os ja-cus mais quatro vezes ao longo do texto. Jacu é um nome genérico e largamente utilizado no Brasil para as espécies de Cracidae do gênero Penelope. A identificação das espécies desse gênero é por vezes, principalmente no campo, impossí-vel (Nacinovic 2012). Podemos, no entanto, pela distribuição geográfica das sete espécies que ocorrem no Brasil, sugerir quais podem ter sido observadas por Lutz e duas espécies po-dem ser indicadas: Penelope superciliaris Temminck, 1815 e P. jacucaca Spix, 1825. Moojen considera como sendo P. su-perciliaris, assim como Lutz o faz em uma das passagens (12 de junho), porém, como já mencionado acima, sem nenhuma descrição refinada feita pelo autor ou existência de material coletado, não é possível indicar a espécie em questão.

4 A aplicação do nome “Jabirú moleque” é de causar grande confusão, visto que esse nome pode ser aplicado às três espé-

cies de Ciconiidae ocorrentes no Brasil, fato que já chamou a atenção Helmut Sick (1985, 1997). Ihering (1968) indica como sendo para a espécie Euxenura maguari [atual Cico-nia maguari (Gmelin, 1789)], mas não deixa de mencionar as confusões que estão envolvidas com os nomes, que po-dem ser aplicados em diferentes grafias, “jabiru” ou “jaburu”. Moojen, também indica “Euxenura galeata” [i.e. Ciconia maguari] como sendo a espécie vista por Lutz. Acredito, no entanto, que nesse caso o autor pode ter aplicado esse nome para Mycteria americana Linnaeus, 1758, o cabeça-seca, já que tanto C. maguari quanto Jabiru mycteria (Lichtenstein, 1819) parecem ser raros na região onde Lutz a registrou. O “maguari” de 27 de maio pode ser, além de Ciconia maguari (Ihering 1968, Willis & Oniki 1991, Sick 1985, 1997), Ardea cocoi (Sick 1985, 1997). Ardea cocoi é também chamada de “baguarí”, o que pode facilitar ainda mais a confusão. Moo-jen indica que o “maguari” de Lutz deva ser Ardea cocoi.

5 São várias as menções de martins-pescadores, família Al-cedinidae, ao longo do texto. Quando Lutz cita que é da es-pécie “grande”, podemos concluir que é Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766), espécie comum nas margens de rios de todo o Brasil. Porém, o autor não deixa claro nas várias de suas ob-servações o tamanho ou coloração das espécies. Cita apenas, por vezes, uma coleira branca ou que são de duas qualidades

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ou até mesmo “quatro especies de martinho-pescador”. Mas a presença de dimorfismo sexual nas espécies da família po-deria facilmente enganar um observador menos familiarizado com o grupo, ao ponto que preferimos aqui, apenas manter como correta as indicações do M. torquata.

6 Os Hippoboscidae são uma família de Diptera em que os adultos são ectoparasitas obrigatórios de mamíferos e aves, com mais de 210 espécies conhecidas globalmente (Dick 2006). Vale ressaltar que Lutz, juntamente com Arthur Neiva e Angelo C. Lima foram os primeiros a compilar (além de descrever novas espécies) os Hippoboscidae da avifauna bra-sileira (Lutz et al. 1915).

7 De impossível determinação. Compreendem espécies da família Caprimulgidae. Grande parte das espécies possuem manchas brancas na extremidade das asas, sendo principal-mente visível nos machos (Sick 1997). O termo “coruja” uti-lizado pelos locais se deve, provavelmente, pelo hábito notur-no das espécies do grupo.

8 Utilizando dois nomes distintos, “Pomba de bando ou aza branca”, provavelmente para a mesma espécie, Lutz acaba complicando a correta identificação da espécie, ou das espé-cies, em questão. Pomba-de-bando é comumente utilizando para Zenaida auriculata (Des Murs, 1847), enquanto asa--branca para Patagioenas picazuro (Temminck, 1813) (vide Ihering 1968, Sick 1985, Willis & Oniki 1991). É difícil en-tender o que Lutz quis dizer com “ou”, podendo ser bandos de uma ou de outra espécie, ou mesmo se ele não soube iden-tificar. De qualquer forma, ambas as espécies ocorrem nas margens do rio São Francisco.

9 “Socó” é denominação utilizada para várias espécies, de vários gêneros, de Ardeidae. Em um trecho do texto ele cita “pequeno socó”, que consideramos ser da espécie Butorides striata (Linnaeus, 1758) [há, porém, outros pequenos “socós”, pertencentes ao gênero Ixobricus, no geral mais raros]. Em ou-tra parte do texto ele menciona “socó-boi”, terminologia apli-cada quase sempre para indicar Tigrisoma lineatum (Boddaert, 1783), que aqui considero [nome que pode por vezes também ser utilizado para Botaurus pinnatus (Wagler, 1829), espécie menos comum e de comportamento característico]. Onde foi indicado o nome científico no texto, assim mantive.

10 Várias espécies de Ardeidae brasileiros possuem a plu-magem totalmente branca, como exemplo: Bubulcus ibis (Linnaeus, 1758) [quando jovem ou fora do período repro-dutivo], Ardea alba Linnaeus, 1766 e Egretta thula (Molina, 1782).

11 Laridas parece ter sido usado como denominação gené-rica para as “gaivotas” que o pesquisador encontrou durante a viagem. Essa palavra deve ser derivada da família Laridae, da Ordem dos Charadriiformes, que no Brasil possuí distri-buição quase exclusivamente marinha ou litorânea. Muitas espécies de famílias próximas, especialmente dentro da Su-bordem Lari, possuem características externas semelhantes aos Laridae, como Sternidae e Rynchopidae. De forma que o autor deve ter aplicado essa terminologia para espécies como Phaetusa simplex, Rynchops niger e, talvez, Sternula super-ciliaris.

12 Difícil sugerir qualquer espécie, já que a frase indica uma coloração jovem para o exemplar observado. Talvez Ardea cocoi Linnaeus, 1766, como parece sugerir Moojen, como um nome opcional para Maguari (vide nota 4).

13 Saracura é nome utilizado para espécies da família Ralli-dae dos gêneros Aramides e, o atual, Pardirallus (vide Ihe-ring 1968). Lutz, no entanto, mais adiante cita saracura-assú, indicando ser Aramides gigas, atualmente nomeada como A. ypecaha.

14 Lutz cita o nome científico “Geronticus cayennen-sis” para craúna, que corresponde ao atual Mesembrinibis cayannensis (Gmelin, 1789). Ihering (1968) cita que craú-na é denominação utilizada da Bahia ao Ceará para várias espécies de “Ibidídeos” (são os Ibis, família Threskiorni-thidae). A espécie M. cayannensis não é comum no estado da Bahia, ocorrendo basicamente apenas na porção oeste do estado. Todas as citações de Lutz ocorrem justamente na margem esquerda do rio São Francisco, entre Barra e Barreiras, quando navegava pelo Rio Grande. Interessan-te o fato que, ao menos atualmente, Phimosus infuscatus (Lichtenstein, 1823) ocorre com certa frequência nas mar-gens do Rio São Francisco (vide imagens no site WikiAves), porém se Lutz observou essa espécie não a mencionou em nenhum momento. Não podemos descartar a possibilidade de, no Rio Grande, Lutz ter observado essa última espécie e também chamado de “craúna”. Mas a ausência de penas na parte frontal da cabeça de P. infuscatus é uma caracte-rística bastante chamativa, que Lutz provavelmente teria mencionado, ainda mais que esteve com alguns exemplares em mãos, como pode ser lido em algumas passagens com encontro da espécie, que foi utilizada até mesmo como ali-mento. Estranha é a divisão que Moojen faz na lista das espécies observada por Lutz, chamando “carauna” [nome nenhuma vez mencionado no texto por Lutz] Mesembrinibis cayennensis e “crauna” Plegadis falcinellus [atual Plegadis chihi (Vieillot, 1817)].

15 Nome aplicado normalmente para Gallinago paraguaiae (Vieillot, 1818) (vide Ihering 1968, Sick 1985), porém ou-tras espécies de Scolopacidae, família de difícil identificação (Sick 1997), podem também ser chamadas por esse nome. De forma que preferimos aqui não indicar a espécie menciona-da, mesmo ela sendo proposta por Moojen, Pacheco & Bauer (2000) e Pacheco (2004).

16 São duas as espécies de gralhas que poderiam ocorrer na área, ambas com o “peito branco”: Cyanocorax cristatellus (Temminck, 1823) e C. cyanopogon (Wied, 1821).

17 Nesse caso o autor foi mais específico do que quando menciona “Laridas” (vide nota 31), porém nenhum detalhe é indicado, a não ser o gênero Sterna, já aplicado tanto para Phaetusa simplex quanto para Sternula superciliaris (Hell-mayr & Conover 1948).

18 Na grafia atual “maçarico” é nome aplicado para inúme-ras espécies de Scolopacidae, no geral de difícil identificação (Sick 1997). Moojen indica um Charadriidae, Charadrius collaris Vieillot, 1818, como suposta espécie observada por Lutz. No entanto, preferiu-se aqui não indicar nenhuma es-pécie.

19 Embora Lutz não cite a espécie, pelo próprio comporta-mento de estar no solo, sobre a areia, podemos sugerir com boa chance de acerto que se trata da conhecida e bem distri-buída coruja-buraqueira, Athene cunicularia (Molina, 1782). Essa espécie não foi indicada por nenhum dos ornitólogos anteriores que analisaram o diário de Lutz (Moojen, Pacheco & Bauer 2000, Pacheco 2004).