pinto 2007
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CONSUMO DE LUXO: UM ESTUDO EXPLORATRIO DE SUAS PRINCIPAIS DIMENSES
Gabriel Bicharra Pinto
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto Coppead de Administrao
Mestrado em Administrao
Orientadora: Profa. D.Sc. Letcia Moreira Casotti
(COPPEAD / UFRJ)
Rio de Janeiro
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Pinto, Gabreil Bicharra Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses/Gabriel Bicharra Pinto - Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2007.
93 f: il.
Dissertao (Mestrado em Cincias em Administrao) Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Instituto COPPEAD de Administrao, 2008 Orientadora: Letcia Moreira Casotti. 1. Marketing. 2. Comportamento do Consumidor. 3. Consumo do Luxo. 4. Administrao Teses, I. Casotti, Letcia Moreira (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administrao. III. Ttulo Consumo de luxo:um estudo exploratrio de suas principais dimenses.
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Gabriel Bicharra Pinto
Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Administrao, Instituto COPPEAD de Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Administrao. Orientador: Prof.Letcia Moreira Casotti D.Sc. em Administrao de Empresas
Aprovada por: ____________________________________________________ PROF: Letcia Moreira Casotti Orientador (COPPEAD UFRJ) ____________________________________________________ PROF: ngela da Rocha COPPEAD - UFRJ ____________________________________________________ PROF: Eduardo Andr Teixeira Ayrosa CPDA / UFRRJ
Rio de Janeiro RJ, Brasil
Maio de 2008
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RESUMO
PINTO, Gabriel. Consumo de Luxo: um Estudo Exploratrio de suas Principais Dimenses. Orientadora: Letcia Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2007. Dissertao (Mestrado em Administrao). O objetivo deste estudo foi explorar dimenses e significados no comportamento de consumidores de luxo, utilizando dois bens de consumo perfume e culos escuros como instrumentos para a investigao, sob o enfoque das teorias propostas na literatura. A anlise do discurso dos entrevistados luz da teoria estudada mostrou que a busca pelo prazer, a satisfao e outras caractersticas do consumo hednico so fatores importantes do consumidor de luxo contemporneo. O perfume um apoio importante na extenso da identidade e por isso deve ter sua exclusividade garantida. Enquanto os culos contribuem para a construo dos diferentes eus. So observadas tendncias como o consumo racional do luxo e os cuidados tomados pelos consumidores ao consumir bens caros dentro de uma economia marcada pela desigualdade social. Optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando o mtodo da entrevista em profundidade, associada tcnica projetiva. Doze pessoas foram entrevistadas, seis homens e seis mulheres, de classe A1 moradoras do Rio de Janeiro.
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ABSTRACT
PINTO, Gabriel Bicharra. Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses. Rio de Janeiro, 2008. Dissertao (Mestrado em Administrao de Empresas) COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
The objective of this study is to analyze and explore the meanings and dimensions of the luxury consumer, using two different goods perfume and sunglasses as instruments to investigate it, under the basis given by the scientific literature in consumer behavior. The analysis of the speech of the people interviewed showed that finding pleasure, satisfaction and other characteristics of the hedonic consumption are important factors in the personality of the contemporary luxury consumer. The perfume is an important support for the extension of the identity and because of that it must have its uniqueness guarantied. While the sunglasses contribute to build differents selfs. It were observed some tendencies at the rational consumption of luxury and some cares taken by the consumers when consuming expensive goods inside na economy remembered by poverty and economic disparity.
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SUMRIO
1. INTRODUO ...................................................................................................................................... 9
1.1 Organizao do estudo ....................................................................................................................... 13
2. REVISO DE LITERATURA ............................................................................................................ 14
2.1 Consumo Contemporneo ................................................................................................................. 14
2.2 Luxo: Conceito e Histria ................................................................................................................. 21
2.3 O Luxo Enquanto Produto do Desejo ............................................................................................... 27
2.4 Ponderaes do Novo Luxo ............................................................................................................... 34
2.5 Dimenses do Luxo ............................................................................................................................. 35
3. METODOLOGIA ................................................................................................................................ 50
3.1 Perspectiva Metodolgica Estudada ................................................................................................. 50
3.2 Delineamento da Pesquisa ................................................................................................................. 52
3.3 Pergunta de Pesquisa ......................................................................................................................... 52
3.4 Coleta de Dados .................................................................................................................................. 53
3.5 Anlise e Interpretao dos Resultados ............................................................................................ 55
4. ANLISE DOS RESULTADOS ......................................................................................................... 57
4.1 Sobre a Felicidade .............................................................................................................................. 57
4.2 O Luxo ................................................................................................................................................. 59
4.3 Motivaes para Compra do que Caro. ......................................................................................... 63
4.4 Perfume e Exclusividade. ................................................................................................................... 64
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4.5 Perfume e Extenso do Eu ................................................................................................................. 67
4.6 Perfume do Prazer e da Lembrana ................................................................................................ 71
4.7 culos: Fantasia e Ostentao ........................................................................................................... 73
4.8 Desejo ................................................................................................................................................... 76
4.9 Uma Volta Felicidade ...................................................................................................................... 77
5. DISCUSSO FINAL ............................................................................................................................ 80
REFERNCIAS ....................................................................................................................................... 85
ANEXO 1 .................................................................................................................................................. 94
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1. INTRODUO
Este estudo exploratrio tem como objetivo investigar dimenses do consumo de luxo
de ricos consumidores do Rio de Janeiro, atravs de dois bens de consumo: o perfume e
os culos escuros. Para isso, utilizou-se metodologia qualitativa e foram entrevistadas
12 pessoas.
Seguindo, primeiro, uma justificativa elaborada em cima de elementos mais racionais,
podemos destacar alguns vetores que impulsionam o desenvolvimento do luxo no
mundo. Com o aumento da renda disponvel das classes mdias (Twitchell, 2001), os
consumidores comearam a rever suas prioridades de consumo e o luxo se tornou lugar-
comum. As pessoas de renda mdia esto dispostas a pagar preos premium por
produtos e servios com nveis mais altos de qualidade, gosto e fantasia do que outros
bens da mesma categoria. Os novos bens de luxo quebraram o paradigma convencional
que sugere preos altos e volumes baixos. Os novos bens de luxo so vendidos a preos
altos e em grandes volumes (Silverstein, 2005).
O fato de que casais esto se casando mais tarde na vida e tendo menos filhos implica
tambm um aumento substancial da renda disponvel para o consumo de luxo. O
nmero crescente de solteiros e casais divorciados outro elemento significativo que
indica que a quantidade de dinheiro a ser gasta com o indivduo aumentou. E esse gasto
geralmente utilizado para reconstruir vidas, auto-estima, confiana e promover e
remediar angstias emocionais. Nesses casos, a propenso do indivduo gastar em itens
e servios de luxo aumenta (Yeoman, 2005).
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Baixas taxas de juros, crdito fcil e baixa inflao fizeram com que o padro de vida
mdio dobrasse desde os anos 1980 nos Estados Unidos e na Europa. Essa nova renda
disponvel est sendo aplicada em lazer em vez de nos gastos domiciliares tradicionais.
E os consumidores passaram a gastar mais dinheiro com eles mesmos (Cornish, 2003).
No Brasil, o aumento do nvel de renda da populao ocorreu em meados da dcada
passada, com a criao do Plano Real, com baixa do nvel inflacionrio e alta do crdito
(Garcia, 2006).
No mundo, o nvel educacional tem avanado consideravelmente, especialmente na
educao terciria. Em 2004, por exemplo, 2.176.000 milhes de estudantes ingleses
que saram do ensino mdio ingressaram na universidade, comparado com os 721.000
em 1970 (Yeoman, 2004). A educao tambm um vetor do luxo, uma vez que quanto
maior o nvel educacional do indivduo, mais poder de discernimento ele adquire e mais
liberal se torna, de acordo com o estudo da Future Foundation (Cornish, 2003).
Crescente prosperidade e elevao do nvel educacional significam que o consumidor
est mais viajado e mais experiente comparado s geraes anteriores (Willmott e
Nelson, 2003). Mudanas sociais em relao ao gnero, o declnio da importncia da
religio, a liberdade sexual e a consolidao das sociedades multiculturais deixaram o
mundo mais liberal e cosmopolita. Isto abre oportunidades para o desenvolvimento de
novos produtos, com pessoas desejando mais opo e variedade (Yeoman, 2005).
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O desenvolvimento individual hoje uma varivel importante para a criao de novos
produtos de luxo que buscam saciar o desejo por experincias de satisfao pessoal e de
prazer. Tem ocorrido um salto cultural em direo ao individualismo e vontade de
experimentar novas sensaes (Stevens, 2005).
A combinao da elevao do nvel educacional e de uma sociedade baseada em
conhecimento e criatividade parece implicar o crescimento da importncia do capital
cultural. O que faz com que as pessoas passem a consumir mais arte, que tem o carter
oposto ao dos bens utilitrios (Stevens, 2005).
O luxo tem se beneficiado no apenas do aumento da renda disponvel ou de generosas
taxas de crescimento econmico. A mudana do comportamento em geral do
consumidor, a ascenso de valores individualistas e hedonistas nas sociedades
contemporneas favorecem o setor de consumo de bens mais caros. Assim, o luxo se
tornou necessrio ao bem-estar ordinrio de uma vida material mais prtica e mais
funcional (Lipovtski, 2002).
Em um tempo de individualismos galopante, afirma-se a necessidade de destacar-se da
massa, de no ser como os outros, de sentir-se uma exceo. O luxo j no mais o
mesmo de antes. As motivaes elitistas permanecem, mas esto menos baseadas em
desgnios de honorabilidade e de ostentao social do que no sentimento da distncia,
no prazer da diferena proporcionada pelos consumos raros e no afastamento que abrem
em relao maioria (Lipovtski, 2002).
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E ainda sob o impulso do neo-individualismo, vm a luz novas formas de consumo
dispendioso que dependem bem mais do regime de emoes e sensaes pessoais do
que das estratgias distintivas para a classificao social (Kemp, 1998).
No entanto, estima-se que a viso cientfica da vida limitada e parcial; a vida no
fundo uma prospeco no terreno dos valores, uma tentativa de descobrir valores, em
vez de, com base no conhecimento deles, produzir e desfrut-los ao mximo. Ns nos
esforamos para conhecermos a ns mesmos, para descobrirmos os nossos reais desejos,
mais do que para obter o que queremos (Gianneti, 2006).
Estudar o fenmeno do luxo deve ser, portanto, um trato curiosidade humana e
fundamental para as economias que desejam se desenvolver trabalhando com altos
valores agregados e fugindo da larga escala produtiva destruidora e, principalmente,
uma tentativa de compreender parte de uma dinmica to complexa.
Conclui-se, portanto, que o luxo encontra-se numa conjuntura de ascenso vantajosa e
que ele prope desafios e restries para realizar estudos a respeito. importante
lembrar: quais so as vantagens deste estudo na produo de contribuies? A principal
vantagem o fcil acesso ao grupo dos ricos entrevistado, que se propuseram a
responder aos questionrios de maneira agradvel e fcil, sem impor restries diretas.
Alm disso, possvel destacar o grande interesse pelo tema, por seu eu um vido
consumidor de luxo. Todavia, esse estudo se limitou a investigar produtos que no
representam partes mais relevantes do oramento de uma pessoa abastada. Se fossem
analisados objetos mais caros, talvez resultados mais diferenciadores pudessem ser
obtidos.
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1.1 Organizao do estudo
Esta dissertao consiste em cinco captulos. No captulo a seguir, descrita a reviso
de literatura, que inclui uma breve introduo sobre o simbolismo e o consumo, perfil
do consumidor contemporneo, desejo, enquanto fator motivacional do consumo, breve
reviso sobre o histrico do luxo e sugestes para as dimenses do consumo de luxo.
Na terceira parte, apresentada a metodologia do estudo, detalhando algumas questes.
O quarto captulo trata da anlise dos resultados, considerando os achados da pesquisa e
os tpicos levantados pela reviso de literatura.
O quinto e ltimo captulo traz algumas reflexes suscitadas por esse estudo e sugestes
para pesquisas futuras a respeito do tema. Ao final, encontram-se as referncias
bibliogrficas e o anexo.
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2. REVISO DE LITERATURA
Neste captulo, alguns temas da literatura do consumo de uma forma mais generalista e
do consumo de luxo especialmente so visitados. Primeiro, busca-se encontrar um
caminho para a compreenso do homem consumidor contemporneo, para depois
enumerar e diferenciar conceitos do que caro. As ltimas sesses desse captulo
retomam dimenses do consumo do luxo propostas anteriormente pela literatura.
2.1 Consumo Contemporneo
O consumo se tornou um campo de investigao complexo, que engloba vrias
atividades, atores e um conjunto de bens e servios que no restringem necessariamente
aos providos sob a forma de mercadorias e que envolve outras formas de proviso que
no apenas aquelas concebidas no formato tradicional de compra e venda de
mercadorias em condies de mercado (Barbosa e Campbell, 2006).
Na sociedade contempornea, consumo ao mesmo tempo um processo social que diz
respeito a mltiplas formas de proviso de bens e servios e a diferentes formas de
acesso a esses mesmos bens e servios; um mecanismo social percebido pelas cincias
sociais como produtor de sentidos e de identidades, independentemente da aquisio de
um bem; uma estratgia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para
previnir diversas situaes em termos diretos, estilo de vida e identidades; e uma
categoria central na definio da sociedade contempornea (Barbosa e Campbell, 2006).
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Por que entender o consumo? Em busca da compreenso do porqu o consumo tem
tanta importncia na vida das pessoas, conclui-se que talvez ele cumpra uma papel mais
relevante do que apenas satisfazer motivos ou intenes especficos que supostamente
deram incio ao ato de consumir. Em outras palavras, possvel que o consumo tenha
uma dimenso que o relacione com as mais profundas e definitivas questes que os
seres humanos possam se fazer, questes relacionadas com a natureza da realidade e
com o verdadeiro propsito da existncia questes de ser e saber (Campbell, 2006).
Duas perspectivas da sociedade de consumo ps-moderna podem ser destacadas. A
primeira perspectiva v a sociedade como alienada e decadente, com consumidores
fragmentados, procura de compensaes atravs do consumo de sinais, espetculos e
superficialidades. A segunda perspectiva adota uma viso mais otimista do consumidor
ps-moderno, ao interpretar, por exemplo, a fragmentao como uma potencial fora
libertadora que libera o individual da conformidade. possvel identificar sinais de
ambas perspectivas no cotidiano.( Goulding, 2002; Firat e Venkatesh, 1995).
Nas duas ltimas dcadas, a ps-modernidade se espalhou por domnios da cincia e do
saber. Fragmentao, indeterminao e desconfiana em relao aos discursos
universais totalizadores caractersticos da ps-modernidade. Enquanto a modernidade
tinha como princpios: a regra da razo e o estabelecimento da ordem racional; a
emergncia dos temas livres, e entrou na histria como uma fora progressiva que
prometia libertar a humanidade da ignorncia e da irracionalidade, a ps-modernidade
reconhece que os objetivos traados pela modernidade no podem ser alcanados (Cova,
1996).
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A ps-modernidade uma era sem uma utopia ou uma ideologia dominante, mas cheia
de pluralidade de correntes e estilos. Justaposies opostas e desconexas so cada vez
mais encontradas na cultura contempornea. Como conseqncia, uma das
caractersticas mais importante da ps-modernidade , por exemplo, a justaposio de
emoes contraditrias. No consumo, mistura-se heterogeneidade com uniformidade,
individualismo com tribalismo, fragmentao com globalizao, e assim por diante. O
indivduo ps-moderno rejeita os valores dominantes e tudo que normal e quer fazer
suas prprias coisas. O consumidor ps-moderno preocupa-se em reestruturar sua
identidade na lgica da totalidade do mercado, distanciando-se de compromissos com
grandes projetos e imagens universais e procurando experincias locais e diferenciadas.
Eles querem ser parte do processo e experimentar imerso em configuraes temticas,
em vez de produtos e imagens acabadas. Na ps-modernidade foi criada a hiper-
realidade, exemplificada pelos mundos fantsticos criados nos parques de diverso e
nos aparatos de realidade virtual. A essncia da ps-modernidade a participao
(Cova, 1996).
Na era do indivduo ordinrio, qualquer um pode tomar medidas pessoais para produzir
e mostrar sua prpria existncia, sua unicidade. Ao mesmo tempo, as pessoas que
finalmente conseguiram se liberar de regras sociais esto se encaixando num
movimento reverso para recompor seu universo social com base na livre escolha
emocional. o tribalismo, que retoma os valores quase arcaicos de senso local de
identificao, religiosidade, sincretismo e narcisismo grupal, que est se desenvolvendo
cada vez mais. Cada indivduo ps-moderno pertence a uma grande variedade de tribos
(Arnould e Price, 1993; Cova, 1996).
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J para Fogel (2000), o pensamento contemporneo desenvolveu uma alternativa para a
sociedade ps-moderna. Uma mudana geral de valores que j est ocorrendo hoje em
dia, de forma parcial e espontnea, nos pases mais desenvolvidos. Seria o surgimento
de uma sociedade ps-materialista ou a emergncia de uma agenda tico-poltica e ps-
moderna para o sculo XXI, na qual o desenvolvimento dos recursos espirituais teria
primazia frente s questes de ordem estritamente econmica que dominaram a agenda
a partir do sculo XVIII. Entre os objetivos centrais da nova agenda estariam: 1) a luta
pela auto-realizao; 2) a educao no apenas para fazer carreiras, mas para elevar
valores espirituais; e 3) o desejo de encontrar um sentido mais profundo na vida do que
a interminvel acumulao de bens de consumo e a busca do prazer.
A ao racional aquela que, dadas as restries de recursos e conhecimentos
disponveis, identifica, mobiliza e aplica o melhor mtodo existente para alcanar o
objetivo pretendido. Mas o fato de uma ao ser racional no quer dizer que ela ser
capaz de atingir o alvo. O avano do conhecimento pode revelar que aes que
pareciam perfeitamente racionais na busca de determinado fim, dado o que se supunha
conhecer sobre o mundo, na verdade no o so. A sociedade contempornea tem como
realizao, a felicidade. na busca da felicidade que, geralmente, o homem justifica
suas escolhas das vidas pblica e privada (Argyle, 1999).
A importncia do consumo do ponto de vista do consumidor emergiu no final do sculo
XIX, com a introduo e a expanso das primeiras lojas de departamento.
Subseqentemente, o crescimento da economia, junto com o desenvolvimento do
transporte pblico e todas as novas formas de transporte de massa, contribuiu para a
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expanso das lojas e do consumo no comeo do sculo XX. E de igual importncia
destaca-se o crescimento da demanda de uma crescente populao urbana (Nava, 1996).
A mola mestra do consumo a demanda do consumidor, e ela depende da habilidade do
consumidor exercitar continuamente seu desejo por bens e servios. Neste sentido, so
nossos estados emocionais, mais especificamente nossas habilidades de querer e desejar
e ansiar por alguma coisa, sobretudo nossa habilidade de repetidamente experimentar
tais emoes, que na verdade sustentam a economia das sociedades modernas
desenvolvidas (Campbell, 2006).
Existe um repdio moral e intelectual dimenso material da existncia que permeia o
olhar ocidental sobre o consumo e revela uma viso ingnua e idealizada, que encara a
sociedade como fruto apenas das relaes sociais, como se estas pudessem existir em
separado das relaes materiais. Um olhar que trata o fenmeno do consumo de bens
materiais e as relaes dos homens com os objetos como algo recente e ainda cr na
existncia de um tempo quando as pessoas s faziam uso das dimenses funcionais dos
objetos (Barbosa, 2006).
De todo modo, tanto na sociedade norte-americana quanto no velho continente, os idias
de frugalidade puritana bem como os da contestao esto esgotados; eis o luxo e suas
marcas de prestgio reabilitados, cada vez menos controversos. A poca contempornea
faz recuar os imperativos da moda, mas v triunfar o culto das marcas e dos bens raros
O esnobismo, o desejo de parecer rico, o gosto por brilhar, a busca pela distino social,
pelos signos demonstrativos, tudo isso est longe de ter sido enterrado pelos ltimos
desenvolvimentos da cultura democrtica e mercantil (Lipovtski, 2002).
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O homem contemporneo concretizou no luxo o poder da auto-satifao. A paixo pelo
luxo no exclusivamente alimentada pelo desejo de ser admirado, de despertar inveja,
de ser reconhecido pelo outro, tambm sustentada pelo desejo de admirar a si prprio,
de se aproveitar e de uma imagem elitista (Lipovtski, 2002).
A etimologia da palavra luxo deriva de luxus, sensualidade, esplendor, pompa, e tem a
palavra luxria como derivativo, significando extravagncia, exibicionismo. Luxo
tambm uma possibilidade de consumo que nos oferecemos, sem necessidade, de uma
maneira excepcional ou que nos permitimos dizer, fazer a mais, para nos dar prazer.
Refere-se luxuosidade a objetos, produtos ou servios que correspondem a gostos
rebuscados e dispendiosos (Yeoman e McMahon-Beattie, 2005).
Luxo, portanto, remonta a preo, prazer, desejo, exceo, raridade, refinamento. Um
bem de luxo capaz de criar emoes, experincias excepcionais e nicas, suspender o
curso do tempo, para fazer sentir um prazer intenso, permitir dar uma festa, pr os
sentidos em efervescncia, em ressonncia ou correspondncia, e fazer reviver na idade
adulta os encantamentos da infncia (Roux, 2002)
Mas como ligar o luxo ao marketing? O marketing de produtos de luxo uma rea em
que a literatura do marketing prtico e acadmico tem depositado pouca ateno e
relativamente escassa. Parece no existir consenso na literatura a respeito da definio
do que seja um produto de luxo. Embora um grande esforo tenha sido feito pelos
pesquisadores do marketing na tentativa de classificar os produtos em vrias categorias:
bens de convenincia, bens de compra, bens especiais e bens preferenciais, existem
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poucas classificaes especficas e definitivas para os produtos de luxo (Nueno e
Quelch, 1998).
Quando os pesquisadores tentam chegar a uma definio de luxo, em geral, eles levam
em considerao o contexto no qual esto operando. Um forte argumento diz que os
produtos no podem ser classificados simplesmente como de luxo ou no de luxo pela
aparncia ou pelas qualidades intrnsecas do objeto; eles devem ser analisados de acordo
com o contexto socioconmico (Veblen, 1889).
O conceito de luxo , portanto, fluido e muda de acordo com o tempo e culturas. No
passado, havia uma associao mais clara do luxo com o champanhe, caviar, designer
de roupas e carros esportivos. Com o crescimento de sua importncia, o luxo no parece
ser mais um conceito reservado s s elites. Os consumidores tm cada vez mais
substitudos antigos valores de tradio e nobreza pela segurana e conforto. O luxo,
hoje, mais experincia e autenticidade do que valores (Yeoman e McMahon-Bride,
2005, p. 12).
A psicologia desenvolveu outra aproximao para a definio do luxo. Livingstone
(1992) e Matsuyama (2002) examinaram o consumo de massa e a identidade pessoal e a
relao entre a necessidade e o luxo. Por exemplo, duas pessoas igualmente inteligentes
e com a mesma base referencial podem ter diferentes opinies sobre o significado do
luxo. Se examinarmos um produto de luxo quanto ao grau de convenincia que ele d
ao seu usurio, como um carro numa zona rural onde no existem escolas e hospitais em
uma curta distncia, poder no ser um bem de luxo. Todavia, o carro poder ser
considerado um bem de luxo para as pessoas que vivem e trabalham numa cidade
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grande, onde todos os destinos da vida cotidiana esto perto de casa. Desta forma, o
contexto influenciou o que ou no luxo.
Alerrs (1990), utilizando a dimenso socioeconmica, construiu a hierarquia dos
produtos de luxo, uma diviso em trs nveis: 1) o luxo inacessvel, consumido pela
elite tradicional 2) o luxo intermedirio, consumido pela elite profissional 3) o luxo
acessvel, consumido pela classe mdia.
Kemp (1998) demonstrou que alguns bens, como a gua por exemplo, podem ser
classificados por diferentes observadores como de luxo ou uma necessidade,
dependendo de quem quer e por qu Mais surpreendente, ele mostrou que esses bens
podem ser tanto de necessidade quanto de luxo para a mesma pessoa, em diferentes
situaes. A definio do que luxo depender, portanto, do contexto em que ela est
sendo analisada.
Outros aspectos considerados nas tentativas de definir luxo referem-se a produtos que
vo alm da sua funo utilitria, aumentam a auto-estima e do satisfao (Kapferer,
1997). Vigneron e Johnson (2004) definem produtos de luxo como aqueles que, ao
serem utilizados, aumentam a auto-estima do consumidor, independente da sua utilidade
funcional. So os benefcios psicolgicos que representam o principal fator de
diferenciao entre um produto de luxo e os outros (Vigneron e Johnson, 2004).
2.2 Luxo: Conceito e Histria
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Dentro de uma abordagem mais histrica, Lipovstski (2002) traz associaes do luxo
diretamente com riquezas monetrias e desenvolvimento tecnolgico da manufatura de
objetos. As origens esto marcadas pelo pensamento religioso e por experincias
mgicas transcendentais ligadas ao divino. Foram os povos primitivos que fizeram as
primeiras manifestaes do luxo, quando separavam o excesso para ganhar
prosperidade. Nas cerimnias suntuosas, presentes com grande estima era oferecidos
para celebrar a paz e pedir proteo. Nas festas primitivas, consumir riquezas
significava lutar contra os males do universo, preparar a renovao do esprito e
consertar os erros da sociedade. Um dos objetivos do dispndio festivo era repetir a
passagem do caos ao cosmo. Sacrifcios e bens preciosos dedicados aos deuses sempre
foram acompanhados de preces relativas fecundidade e longevidade. Pensava-se que
era preciso doar generosamente s potncias do alm para ganhar vida longa e receber
passagem a para vida futura (Lipovtski, 2002).
O surgimento da sociedade de classes foi um marco fundamental na histria do luxo. A
partir desse momento, o luxo passou a se organizar de acordo com as lgicas da
hierarquizao e da centralizao. A sociedade estratificada se organiza em torno dos
bens ricos e dos bens ordinrios, e as sociedades estatais so baseadas nas desigualdades
sociais e nas diferenas dos gastos das riquezas. Ao mesmo tempo, dentro do topo da
hierarquia existem divises fundamentais, como a separao entre o luxo sagrado e o
luxo profano, o luxo pblico e o luxo privado, o luxo eclesistico e o luxo da realeza
(Lipovtski, 2002).
Na Renascena, o luxo se casa com a obra do artista e com a criao da beleza. Nesse
perodo, surgem novas atitudes estticas em relao ao passado e s obras, surge
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tambm uma mentalidade moderna e livre que desliga estas ltimas do seu contexto,
colecionando-as por amor, fora de toda imposio coletiva e religiosa. Essa paixo
pelo raro e pelo singular entre os amadores de arte, o gosto pelas viagens, as inovaes
do domnio bancrio e na tcnica dos negcios marcaram uma poca aberta a
transformaes. A vontade de mudana aliada ao fenmeno do pensamento
renascentista que d mais valor transformao do que continuidade ancestral, a
preocupao com a personalidade, o reconhecimento do direito de valorizar-se, de
fazer-se notar, de singularizar-se promoveram o surgimento da moda (Sombart, 1913).
A moda, resultado de uma preocupao maior com a particularidade do indivduo,
ganhou impulso com a Revoluo Industrial. Dois fatores contriburam para o
desenvolvimento deste fenmeno. O primeiro foi o grande desenvolvimento do
maquinrio, que mudou o processo de produo da indstria do vesturio em geral. E o
segundo contraposto, consistia na valorizao dos grandes costureiros, que at ento
eram apenas artesos obscuros e passaram a ser reconhecidos como artistas sublimes. O
surgimento da alta costura um marco na histria da moda e especialmente na histria
do luxo, e a partir desse momento, no apenas a riqueza do material que constitui o
luxo, mas a aura do nome e renome das grandes casas, o prestgio da grife, a magia da
marca. O costureiro, que antes era um arteso obscuro, passou a ser reconhecido como
um artista sublime, um criador favorecido por uma notoriedade excepcional espalhada
por cima das fronteiras dos pases (Lipovtski, 2002)..
Nessa poca, o gosto pelo luxo j no era mais visto como uma opo malfica para o
ser humano. Pensava-se que o luxo poderia ser bom para a sociedade porque produzia
riqueza econmica e porque teria a curiosa propriedade de produzir o que pode ser
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pensado como o sentimento de riqueza. Esse sentimento comea quando a felicidade
que o luxo traz ao homem de riquezas se espalha generosamente para os demais
(Cunningham, 2005).
De acordo com Adam Smith (1789), com a exceo dos miserveis, a felicidade e a dor,
ao contrrio da renda e do poder, estavam razoavelmente distribudos de forma
equnime entre as diversas classes da sociedade, e naquilo que constitui a verdadeira
felicidade da vida humana, os pobres em nada se encontram numa situao inferior
daqueles que pareciam estar to acima deles.
No sculo XIX combinam-se o aumento da demanda por produtos feitos a mo, de
qualidade superior, e produzidos em pequena escala com o aumento no consumo de
suprfulos, com o desperdcio com o indispensvel, com os dispndios com as
excitaes. nessa poca que surgem as primeiras grandes casas: Charles Frederic
Worth (1825), Guerlain (1828), Cartier (1847) e Louis Vitton (1845), por exemplo
(Roux, 2002).
Enquanto a alta-costura consagra a unio entre o artesanato de arte e a indstria, os
progressos da mecanizao, no mesmo momento, vo permitir o aparecimento de um
luxo, com preo menor, destinado s classes mdias. Baixando os preos, o grande
magazine conseguiu democratizar o luxo ou, mais necessariamente, transformar certos
tipos de bens de outrora reservados s elites abastadas em artigos de consumo corrente e
promover o ato de compra de objetos no estritamente necessrios (Lipovtski, 2002).
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Em reao difuso do consumo de bens no necessrio, Thorsten Veblen (1899)
criticou o consumo conspcuo. Para ele, a classe ociosa no tem outra motivao alm
da ao pecuniria, pois se trata de um procedimento social normal e muito bem visto
dentro das virtudes ociosas. Portanto, o que direciona o comportamento do consumidor
no a subsistncia e nem o conforto, mas a necessidade de estima e a inveja do homem
de riquezas (Veblen, 1899).
Veblen, filho de um carpinteiro imigrante dos Estados Unidos, enuncia em seu livro trs
teorias a respeito do consumo ostentatrio: 1) Consumo ostentatrio como inteno,
motivo ou instinto; 2) Consumo ostentatrio como conseqncia; e 3) Consumo
ostentatrio como uma qualidade de conduta intrnseca. O autor conclui que depois que
uma pessoa sacia todas as suas necessidades bsicas de comida, vestimenta, abrigo e
segurana, qualquer acrscimo de riqueza que no seja destinado ao cumprimento de
objetivos racionais, pode ser definido como ostentao e exibicionismo. Depois de
atingido certo nvel de subsistncia, o homem usa todo seu trabalho produtivo apenas
para se mostrar para os outros. E assim, a classe ociosa, constri mais quartos em suas
casas do que pode ocupar, compra mais automveis do que pode dirigir e tem mais
roupas em seus guarda-roupas do que jamais poderia imaginar usar (Veblen, 1899).
Campbell (1995) apontou algumas limitaes no trabalho de Veblen (1899). No
desenvolvimento da sua idia, Veblen (1899) sugere que as pessoas tm intenes
conscientes ao realizar o consumo dispendioso, deixando de lado, portanto, fatores
importantes que levam ao consumo e que nem sempre so desejos conscientes do ser
humano. Ele sugere tambm que no existe razo para consumir junto com os outros
seno a necessidade de se mostrar, anulando a infinita gama de possibilidades nas
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relaes humanas, como agradecimento, hospitalidade, generosidade e carinho. E
mesmo que as intenes sejam conscientes, as pessoas so capazes de reconhecer que
nem sempre elas tero a resposta que esperam.
Contemporneo de Weblen, Werner Sombart (1913) enxergava o luxo por outra
semitica. O autor de Luxo e capitalismo (1913) afirmou que o luxo tem grande
importncia para o desenvolvimento do capitalismo e foi o primeiro a consagrar o
carter hedonista e ertico do luxo. Sombart (1913) comparou as pinturas das Tits, de
nudez e celebrao, com o florescimento do capitalismo no sculo XVI, argumentando
que a pura esttica hedonista da concepo da mulher criou o luxo e promoveu o
crescimento econmico, j que as cortess passaram a influenciar outras mulheres
atravs da arte, da moda e de um consumo apaixonado. Esse, ele afirma, foi um modelo
mantido at o presente, quando todo o frisson da moda, luxo, esplendor e extravagncia
so primeiro experimentados pelas jovens e depois rejeitados pelas mais conservadoras.
At ento, aqueles que pensaram o luxo deixaram escapar o carter ertico que ele tem.
Geog Simmel (1969), tambm autor do comeo do sculo XX, apontou para a
individualidade existente no consumo do luxo, principalmente da moda. A moda surgiu
na idade mdia quando as pessoas ganharam mais individualidade, quando ganharam o
direito de singularizar-se, de poder chamar ateno para si. Assim, a moda para o
autor uma manifestao ambgua de sentimentos, j que se por um lado o indivduo tem
o gosto pela imitao, ele quer tambm se diferenciar dos demais. Trata-se do duelo do
conformismo e do individualismo (Simmel, 1907/1969; Lipovstski, 2002).
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E como o luxo se desenvolveu durante o sculo XX? Num perodo marcado por duas
grandes guerras mundiais e por uma grande recesso que devastou os principais centros
de consumo, o luxo teve de conviver com a contingncia durante os perodos de
recuperao. No entanto, o aumento do consumo era tambm resultado da guerra entre
as duas utopias que dividiam o planeta (Fogel, 2000).
Com a recuperao da Europa, ocorre a retomada do consumo nos anos 1980, uma
dcada marcada pelo superconsumo ostentatrio individualista e demandante de grandes
marcas. Nessa mesma poca, as antigas casas lanaram novos nomes de grandes
costureiros, enquanto os conglomerados comeavam os processos de fuso e aquisio
(Roux, 2002)
A ps-modernidade demanda explicaes mais abrangentes do que a luta de classes para
explicar a complexidade dos fenmenos sociais em geral, do consumo ocidental e das
marcas de luxo em particular. Surgem novas dinmicas: a da distino, a da identidade
por diferenciao de classe, a da auto-afirmao de um poder pela ruptura, a da
identificao sucessiva e efmera com tribos mltiplas. Dinmicas refletidas na compra
de objetos, que representam escolhas efetuadas sobre bases afetivas e emocionais,
produto da vontade de imerso em sentimentos, que resultam no envolvimento do
consumo com as paixes, especialmente, o desejo.
2.3 O Luxo Enquanto Produto do Desejo
As bases do sistema do luxo so: ser desejvel, manter certa distncia, ser algo
merecido. O luxo possui uma aura imaterial que se projeta acima do ordinrio e acima
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da simples qualidade da vida para ser uma forma de realizao e de oferenda que se faz
a si prprio e aos outros (Roux, 2002).
A vontade de consumir resulta da capacidade dos indivduos de realizar uma mgica
psicolgica e especial, isto , despertar o desejo que antes no existia. Contudo, para
que os consumidores faam isso realizar a mgica de querer o que nunca quiseram
antes tm de se engajar num processo criativo. Os consumidores invocam
espontaneamente um sentimento positivo especfico por um objeto ou uma experincia.
, ento, o desejo subseqentemente invocado que se torna a causa da experincia,
gratificante e bastante real. So os consumidores que definem o que lhes caro. No ,
portanto, inteiramente fora de propsito sugerir que os consumidores criam suas
prprias realidades ou seus prprios luxos, pois criam condies necessrias para suas
experincias de consumo (Campbell, 2006).
A maioria dos produtos que compramos e que agora enchem nossas casas est ali
porque em algum momento nos o quisemos. Neste sentido em particular, sua presena
em nosso mundo uma conseqncia ou resultado direto de nosso estado emocional,
especificamente de nosso desejo. Se no tivssemos sentido desejo por eles, eles no
fariam parte da nossa realidade cotidiana (Campbell, 2006).
O desejo enquanto fenmeno do consumo tem semelhanas com outras tipologias, o
impulsivo e o compulsivo. No obstante, o desejo tem caractersticas especiais que
deixam seu estudo ainda mais interessante (Belk, Ger e Askergard, 2003).
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O consumo impulsivo a forte vontade instantnea de comprar algum objeto em
determinada situao. A fora que resulta nesse tipo de consumo uma caracterstica
compartilhada com o desejo, que tambm resultado de um poder que, s vezes, se
torna incontrolvel. Todavia, o consumo impulsivo demanda saciedade imediata,
diferentemente do desejo (Belk, Ger e Askergard, 2003).
Essa fora que antev o ato de consumir caracterstica comum tambm do consumo
compulsivo. No entanto, este tipo de consumo pode ser mais facilmente aliviado do que
aquele que feito por paixo. O produto em si secundrio, ao contrrio de quando se
deseja alguma coisa (Belk, 1997).
As necessidades naturais do homem so a concluso do pensamento sobre o que
necessrio ou no para um indivduo. O desejo um produto elaborado da mente
humana, em que sentimentos e emoes se misturam. Ele mais do que o simples ato
de querer alguma coisa ou satisfazer uma necessidade bsica. o que tem menos lgica,
no planejado e vem acompanhado da irracionalidade. fruto de uma imaginao
apaixonada que precisa de um contexto social que lhe fornea os smbolos para seu
desenvolvimento (Belk, Ger Askegaard, 2003).
O desejo para a psicanlise resultado de uma vontade inconsciente e no saciada pelo
amor da me. Para Freud, libido a fora responsvel por todo tipo de desejo, e uma
vez que nenhum objeto ser capaz de saciar, o espao criado pela ausncia continuar
aberto (Richardson, 1987).
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Para alguns autores da psicanlise recente, s existe desejo se for por algo que seja
socialmente estimado e que seja resultado das conexes da psique com o ambiente
sociocultural (Elliot, 1995).
Os utilitaristas criticam as paixes e classificam as necessidades em duas categorias: as
verdadeiras (bsicas e autnticas) e as falsas (alienadas). Eles afirmam que o que
chamam de consumo alienado para o simples despertar dos sentidos dos outros
(Veblen 1899). Com o objetivo de tentar controlar e apreender o desejo do outro,
comumente chamado de inveja, a sociedade criou alguns mecanismos, como o medo da
inveja alheia. O resultado so os mtodos para disperso da inveja, como distribuio de
riqueza em festividades, outros rituais de compartilhamento, confiar em amuletos com
poderes sobrenaturais de proteo e o simples comportamento com discrio.
Entretanto, com o desenvolvimento recente da sociedade de consumo, em vez de temer
a inveja alheia, muitas vezes passamos a cultiv-la (Douglas e Isherwood, 1979).
Assim como uma promessa de uma vida melhor, o objeto de desejo pode remontar a um
tempo que traz boas lembranas ao consumidor e que ao ser consumido o levar para
quando a vida era dramaticamente diferente e muito melhor (Holbrook, 1993). De
acordo com Hirsch (1992), o fenmeno da nostalgia, geralmente focada nos anos da
infncia e adolescncia, consiste em evocar positivamente o passado vivido, gerando
um sentimento negativo a respeito do presente ou do futuro, atravs de manifestaes
como as coisas eram melhores... do que so agora.
E quando a paixo ganha um corpo, o objeto ou a experincia do desejo promete
transformao, um estado diferente, uma promessa de mudana de vida. Um sentimento
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to intenso que associado magia e ao mistrio (Belk, Ger, ASkegarard, 1997).
Mesmo que possa parecer que o objeto que tenha o poder de criar esse sentimento de
magia no indivduo, o fenmeno do desejo originado e perpetuado na imaginao.
Imerso nos nossos desejos, cultivamos e depositamos todas as expectativas no objeto.
Esse processo chamado de auto-seduo, quando a pessoa est longe de ser uma
vtima passiva do desejo e participa: cuidando e inflamando sua paixo. Criar
expectativas e excitao descrevendo como ser obter o objeto do desejo resultado da
fantasia sensorial e social do processo. O objeto de desejo seduz o indivduo
(Baudrillard, 1981), que quer ser seduzido, e por isso ele tem um papel ativo no jogo da
seduo (Belk, Ger Askegaard, 2003).
A realizao do desejo pode desencadear dois processos: 1) de monotonia, com o foco
na procura por um novo objeto aps a aquisio; e 2) um novo ciclo, em que a
satisfao j foi experimentada atravs da reciclagem do desejo com o objetivo de
repetir esses prazeres (Belk, Ger Askegaard, 2003).
O ciclo do desejo tem um curso inevitvel: desejo aquisio reformulao. Depois
que o objeto desejado adquirido, ele perde a habilidade de permanecer como o objeto
do desejo. Se existir alegria na realizao do desejo, ela ser de curta durao ou se
transforma em rotina, monotonia, podendo at criar sentimentos negativos sobre o
objeto outrora amado (Belk, Ger Askegaard, 2003).
O desejo de desejar mantido pelo medo de viver sem desejar. Sentimentos negativos
como desapontamento, confuso, frustrao e solido so associados ao tempo em que
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se vive sem desejar. Viver sem um desejo como viver sem f (Belk, Ger Askegaard,
2003).
Como controlar ento o desejo? A culpa um mtodo de represso do desejo de
consumo bastante utilizado, estabelecida pelo cdigo moral das sociedades. Culpa
uma palavra de amplo significado, que tem diferentes tratamentos: a culpa moral, que
inclui a culpa religiosa, a culpa neurtica e a culpa existencial (Scliar, 2002). Para a
elaborao deste trabalho, ser analisada apenas a culpa moral.
A culpa moral resultado do conjunto de costumes, crenas, valores e normas de
carter coletivo e pessoal, resulta da assimilao, desde a infncia, de padres de
conduta transmitidos (ou impostos) pela famlia, pelo grupo, pela escola ou pela
religio. Scliar lembra Piaget quando define comportamento moral e diz que a moral
consiste em um sistema de regras, sistema este que se desenvolve em duas etapas. Na
primeira etapa, regra uma coisa exterior conscincia, imposta pelos adultos, e a
obrigao da criana obedecer; seu comportamento avaliado pela conseqncia dos
seus atos, por exemplo, pelos danos causados a coisas ou pessoas. Numa segunda etapa,
a moral incorporada pela criana. O fator essencial para uma ao moral o respeito
mtuo, a responsabilidade coletiva, a cooperao com os outros; desenvolve-se ento a
noo de justia. Pesam ento as intenes e no apenas as conseqncias (Scliar,
2006).
Os desvios dos padres morais tm vrias conseqncias, entre elas a culpa e a
vergonha. A vergonha ocorre, em geral, de forma imediata, aguda, invisvel: a pessoa
fica vermelha, a expresso facial se altera. Portanto, na vergonha o componente
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emocional pode ser intenso. J a culpa se instala mais devagar, cronicamente; o
componente emocional, quando existe, no facilmente perceptvel. Freud via na
vergonha uma formao reativa contra impulsos do exibicionismo sexual, ao passo que
a culpa seria o resultado de um conflito complexo entre o Superego e o Ego. Na
literatura psicanaltica, a vergonha associada ao narcisismo. Pessoas que tm traos
narcsicos mostram-se mais vulnerveis s situaes que causam vergonha (Scliar,
2006).
O cdigo moral pode ser o ponto de partida para o surgimento de uma verdadeira
cultura da culpa, que o cristianismo partilha com o judasmo, enfatizando a punio
como forma de manter padres de conduta. Nestas circunstncias, os mecanismos
psicolgicos que desencadeiam a culpa encontram um reforo externo poderoso (Scliar,
2006).
A culpa no se expressa apenas no plano religioso, moral jurdico ou psicolgico. A
culpa pode ter conotao social e poltica. Sentem-se culpadas pessoas pertencentes a
grupos que exploram ou exploraram, oprimem ou oprimiram, discriminam ou
discriminaram outros grupos (Scliar, 2006).
Nos pases mais desenvolvidos, com menos desigualdade social, a culpa ocasionada
pelo consumo no deve ser to latente como num pas como o Brasil, que apresenta
altos ndices de disparidade econmica. Todavia, um fenmeno universal e
contemporneo o consumo mais ponderado do luxo. Na prxima sesso faremos uma
breve discusso acerca da tipologia do luxo e do novo luxo.
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2.4 Ponderaes do Novo Luxo
Por muito tempo, o luxo confundiu-se com a demonstrao, o cenrio, o espetculo
ostentatrio da riqueza: o artifcio, o adorno, os signos visveis destinados ao olhar do
outro constituam-lhe as manifestaes dominantes. Isso no desaparece, mas surgiram
novas orientaes que testemunharam o recuo dos smbolos honorficos em favor das
expectativas centradas na experincia vivida imediata, na sade, no corpo, no maior
bemestar subjetivo. Agora, os produtos de cuidado classificaram-se na primeira
posio de vendas dos cosmticos, muito frente dos produtos de maquiagem. Os
centros de cuidado e de recuperao da forma, as clnicas de sade esto em pleno
crescimento. O importante no mais pr a fortuna em evidncia, mas parecer jovem e
realar a beleza. De outro lado, as prticas de luxo aventuram-se por caminhos menos
sujeitos aos primados do olhar, dominados que so pela busca da sade e do
experiencial, do sensitivo e do bem-estar emocional. O luxo tende a pr-se a servio do
indivduo privado e de suas sensaes objetivas (Allres, 1999).
A diversificao e a democratizao abriram espao para que um consumidor que no
tem condies financeiras de comprar o principal produto de uma grife de luxo compre
outros itens da mesma grife, mais baratos que o principal, mas que tambm so caros se
comparados a similares de marcas inferiores (Twitchell, 2002). No so somente os
muito ricos que esto gastando tanto. Mesmo as pessoas de classe mdia esto
encontrando formas de se presentear com produtos de luxo. Para os que no podem
comprar iates, avies e roupas da alta-costura, vem surgindo um novo movimento de
consumo, em que empresas esto criando produtos de luxo, com maior apelo para as
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classes mdias, que aceitam pagar mais, mas no conseguem pagar os preos do
"antigo" luxo (Betts, Novack e Toyama, 2004).
Allrs (1999) sugere que estamos presenciando uma mudana no cenrio de consumo,
com produtos que apresentam um alto preo relativo, o suficiente para serem
considerados de luxo, mas um baixo preo absoluto, de forma que fiquem mais
acessveis. Essa tendncia resultou em um fenmeno batizado por Allrs (1999) de
novo luxo, em que vemos o surgimento de novas categorias de consumo de luxo:
como cuidar da pele e pagar preos elevados pela segurana.
2.5 Dimenses do Luxo
Para entender a dinmica da formao do luxo na sociedade de consumo
contempornea, preciso entender quais so as principais dimenses que compem o
consumo do luxo. Para tanto, na prxima sesso ser construda uma anlise de cinco
dimenses propostas pela literatura.
Vickers e Renand (2003) concluram que os produtos de luxo podem ser caracterizados
por um distinto mix de trs dimenses de performance instrumental em termos de
funcionalismo, experimentalidade e interao simblica, e que produtos de luxo exibem
um grau maior do mix composto pelas dimenses experimentais e de interao
simblica, quando comparados aos produtos padres ou que no so de luxo, na mesma
categoria do produto.
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J Vigeron e Johnson (2004) sugerem cinco dimenses-chave do luxo, que devem ser
estabelecidas e monitoradas para criar uma marca de luxo eterna. Trs das cinco
dimenses no so orientadas para o indivduo: Ostentao, Unicidade e Qualidade.
Outras duas o so: Hedonismo e Extenso do Eu
A partir da diviso das cinco dimenses do luxo propostas por Vigeron e Johnson
(2004), ser feita uma anlise nas sesses seguintes das quatro dimenses ainda no
analisadas, na seguinte ordem: Qualidade, Unicidade, Ostentao e Hedonismo.
2.7.1 Qualidade
A excelncia na qualidade condio sine qua non para que o item seja percebido como
um produto premium. A liderana em qualidade deve faz-lo tonar-se referncia em seu
segmento. Espera-se que as marcas de itens de luxo mostrem qualidade superior s
demais (Quelch, 1987).
mais complicado desenvolver uma marca de luxo sem ter um compromisso de longo
prazo com a qualidade. As pessoas influenciadas pela dimenso do luxo da qualidade
percebem que as marcas de luxo tm uma qualidade melhor do que as populares. Essas
caractersticas incluem, mas no so restritas a: tecnologia, engenharia, design,
sofisticao e acabamento. Por exemplo, velocidade e acelerao dos carros de luxo ou
a preciso do relgio de luxo so elementos que refletem percepes de qualidade
(Vigneron e Johnson, 2003).
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Os consumidores compram e usam roupas de luxo porque elas tm confiana no
julgamento do estilo do designer. Muitas vezes, quando o produto notadamente um
produto de alta qualidade, o consumidor antecipa a satisfao do consumo do item
(Quelch, 1987).
2.7.2 Unicidade
O que os autores da lngua inglesa chamam de uniqueness, trataremos como
unicidade. As pessoas desejam itens escassos mais do que outros similares disponveis
porque a sensao de posse sobre tal elemento gera sensaes de distino e
exclusividade (Snyder e Fronkim, 1977).
Os indivduos expressam o desejo por unicidade quando procuram por algum produto
que difcil de ser encontrado para o consumo. A aquisio de um objeto raro
especialmente desejada se ela ajuda a definir a relevncia da pessoa numa dimenso
importante da identidade (Snyder e Fronkim, 1977).
A teoria da psicanlise desenvolvida sobre o desejo humano pela unicidade sugere que
diferenas motivacionais na procura por dissimilao advm da socializao na poca
da infncia, que d nfase a caminhos contraditrios: o da obedincia e cumprimento de
normas e o da criatividade e individualidade. A exclusividade procurada para
melhorar a imagem pessoal e social do consumidor, seja indicando o bom gosto do
indivduo, quebrando as regras ou evitando algo que similar. A dimenso da
exclusividade baseada no pressuposto que diz que a percepo de exclusividade e
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raridade provoca o desejo pela marca, e essa vontade ainda amplificada quando
percebida como cara (Vigeron e Johson, 2004)
Usamos os quatro vetores de Cartry (2003) para analisar como um item de luxo
percebido como exclusivo: escassez natural; raridade tcnica; edies limitadas;
escassez atravs da informao.
Escassez Natural
Originalmente causada pela limitao da quantidade possvel de ser obtida de
determinado recurso, ingrediente ou capacidade de produo. O consumidor do melhor
caviar do mundo entende que sua oferta limitada porque sabe que as ovas salgadas do
esturjo do Mar Cspio precisam ser retiradas de dentro do peixe ainda vivo em apenas
quinze minutos (Cartry, 2003).
A expertise do homem pode ser tambm percebida como uma raridade. Embora o
treinamento possa ser uma forma de aliviar essa restrio, no obstante a caracterstica
peculiar do trabalho artesanal dos bens de luxo (Cartry, 2003).
A grande demanda por produtos que tm limitaes no processo de extrao ou
fabricao um limitador para as vendas. A indstria de diamantes tem h sculos
longas listas de espera por itens bem-acabados. No entanto, se houver uma queda na
qualidade do produto na tentativa de atender a procura, a imagem da marca pode ser
absolutamente comprometida (Cartry, 2003).
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O maior desafio de quem trabalha com um bem com escassez natural fazer com que o
mercado reconhea a escassez do bem. Quantos so os consumidores de caviar
iraniano?
Raridade tcnica
Uma vez que um item de luxo no fabricado com componentes raros, a escassez do
produto pode ser resultado de um processo contnuo de investimentos em novos
atributos (Cartry, 2003).
As primeiras televises eram peas raras exibidas nas salas dos primeiros detentores da
nova tecnologia, smbolo de elitismo e progresso. Os primeiros usurios eram parte de
uma aristocracia de elegncia e lderes tecnolgicos. Os carros de luxo foram os
primeiros a incorporar os airbags e os freios ABS em seus acessrios (Cartry, 2003)
Diferente do luxo da escassez natural, o luxo tcnico , a priori, compatvel com o
volume porque no tem limitaes fsicas. Todavia, competir por tecnologia uma
corrida cara e inacabvel. A menos que estejam protegidos por um know-how exclusivo
ou pela regulao das patentes, se o novo produto, ou a nova caracterstica,
desenvolvido agradar ao mercado, os competidores vo copi-lo em seguida, anulando a
dominncia sobre a exclusividade da marca inovadora (Cartry, 2003).
Para se proteger do ataque da concorrncia, as empresas que decidem inovar tm de se
proteger. Primeiro, devem investir em pesquisa e desenvolvimento, dando, assim, um
passo frente das demais; e. depois, trabalhar para que a produo da nova commodity
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seja mais custo/eficiente na sua manufatura. As companhias que investem no avano
tecnolgico nem sempre protegem a eficincia operacional (Cartry, 2003).
A indstria do luxo j se preparou adequadamente para cobrar devidamente de quem
pode pagar pela tecnologia. O melhor exemplo de novo a indstria de carros. Um
comprador do modelo mais caro Mercedes-Benz e seu atributos paga dez vezes mais do
que pagaria pelo modelo mais barato (Cartry, 2003).
Edies limitadas
Se no foi causada por elementos tcnicos ou naturais, a escassez pode ter sido criada
pelas companhias por meio de sries especiais e aproximao um-a-um com seus
consumidores (Cartry, 2003).
Essa limitao voluntria vem do criador do produto que assina um nmero mximo de
peas para indicar que seu trabalho nico. Essa tem sido a regra no mundo das artes
para trabalhos originais, pinturas e reprodues (Cartry, 2003).
Os investimentos da alta costura em caros desfiles, grandes produes e indumentrias
sofisticadas podem parecer gastos economicamente no eficientes, entretanto eles
produzem o glamour necessrio para compensar a iniciativa das firmas do pronto-pra-
vestir (Cartry, 2003).
As marcas criam valor para o consumidor atravs do reconhecimento de potenciais
benefcios do reconhecimento de renomados autores, criam sentimentos positivos, e
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promovem a idia da expresso pessoal casada com a possibilidade de o consumidor ter
bom gosto na escolha da marca. As marcas que se posicionam para passar a idia de
exclusividade transmitem prestgio, status e indicam que so desejadas por outros
consumidores (Zinkhan e Prenshaw, 1994).
Quanto mais um produto puder ser observado como um item nico, de fabricao
artesanal, quanto mais ele se parecer com uma obra de arte, mais valer. No limite,
possvel oferecer um produto diferente para cada consumidor, o que uma tradio no
topo do mercado de luxo. Para chegar nesse nvel de customizao, as empresas podem
se preocupar em no industrializar partes do processo produtivo, ganhando variedade
em detrimento de ganhos econmicos de eficincia. Todavia, para chegar diretamente
nos consumidores mais vantajoso ter o acesso direto aos clientes, isto , a firma tem
que ser dona da ponta de venda (Zinkhan e Prenshaw, 1994).
Escassez atravs da informao
A indstria do luxo tem utilizado estratgias de marketing inovadoras para indicar
raridade. O preo uma das ferramentas escolhidas pelo mercado, seja atravs do
estabelecimento do seu nvel, seja combatendo sistematicamente polticas de descontos
e promoes. Quanto mais alto o preo, mais seleto ser o mercado consumidor do
produto, implicando uma curva de elasticidade-preo positiva. De fato, adotar a
estratgia de preo premium pode aumentar os apelos esnobe e elitista (Grewal D,
1998).
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O consumidor usa o preo como um indicador de qualidade porque ele acredita que os
preos do mercado so determinados por foras competitivas de oferta e demanda. A
seqncia competitiva entre os produtos criaria um equilbrio tal que exista uma relao
positiva entre preo e qualidade (Dodds, 1991; Rao e Monroe, 1989). Assim,
consumidores que percebem o preo como uma proxy para qualidade, entendem que
preos altos so indicadores do luxo (Litchtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993).
No entanto, a estratgia de preos altos possui duas armadilhas bsicas: 1) o
desapontamento dos consumidores com o produto pode implicar o fim da marca; e 2)
ela estimula a entrada de novos concorrentes disputando fatias do mercado. Dessa
forma, a varivel distribuio uma boa alternativa para estimular a imagem de
raridade. O bem ser tido como raro porque no est disponvel bem ali na esquina ou
porque o ambiente criado na ponta de distribuio do produto tem uma atmosfera
elitista (Cartry, 2003).
Alm das estratgias de preo e distribuio, as marcas de luxo podem difundir a idia
de exclusividade atravs da propaganda com mensagens criativas em canais
apropriados. A estratgia publicitria deve ser cuidadosamente construda, uma vez que
tem como objetivo atingir um segmento muito pequeno. Para atingir seu alvo de uma
forma mais assertiva, as firmas do luxo recorrem s seguintes alternativas: 1)
desenvolver programas de relaes pblicas; 2) associar-se a outras marcas fortes de
luxo (Cartry, 2003).
Alm das mensagens que eles recebem, os consumidores visualizam a caracterstica da
raridade do luxo melhor quando ela transmitida atravs de nomes, logos e embalagens,
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ou quando ela materializada em museus e a marca tem seu nome contado atravs de
histrias (Cartry, 2003).
Quando a raridade percebida atravs da informao, a indstria utiliza a magia do luxo
e todo o simbolismo imbudo na criao das idias para construir o imaginrio
consumido pelos vidos receptores, que compram sem perguntar o preo o produto
escondido nas prateleiras (Cartry, 2003).
O segredo a arma do negcio na indstria do luxo. Criar um ambiente de mistrio
um recurso recorrente usado pelas firmas para despertar o desejo. Detalhes operacionais
e financeiros manchariam a beleza das obras e por isso so severamente escondidos.
Ser que algum que paga 1.000 euros numa cala Dior ficaria agradado em saber
quantas pessoas tm a mesma pea?
A criao de smbolos faz com que a aura elitista se consolide, mudando inclusive o
vocabulrio utilizado nesse segmento. Nos meios de produo do luxo, os desenhistas
so criadores, e trabalham no em companhias mas em casas de criao, as fbricas so
oficinas e os produtos so modelos (Cartry, 2003).
2.7.3 Ostentao
O rico ufana-se de suas riquezas porque sente que atraiu naturalmente para si toda a
ateno do mundo. O pobre, ao contrrio, envergonha-se da sua pobreza. Sente que ela
o coloca fora da vista da humanidade. Sentir que no temos ateno decepciona
necessariamente os mais ardentes desejos da natureza humana (Adam Smith, 1759).
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Byrne (1999) destaca que a aquisio de bens materiais uma das medidas mais fortes
do sucesso social e status, indicando que as pessoas so mais favorveis a comprar e
expor bens do que servios.
O desejo de status responsvel por grande parte do comportamento do consumidor
(Eastman, 1999). Status a posio ou lugar no ranking que um indivduo ocupa na
sociedade ou em um grupo e dada pelos demais. Status uma forma de poder que
consiste em respeito, admirao, considerao e inveja dos outros, e representa os
objetivos de uma cultura (Bierstedt, 1970). Os acadmicos definem trs tipos de status:
status por natureza (ex: reis e rainhas); status meritocrtico; status adquirido atravs do
consumo (Brown, 1991; Eastman, 1999).
Os consumidores adquirem, tm, usam e exibem alguns bens e servios para provocar o
seu senso pessoal, para mostrar a imagem de como so, para representar o que so e
sentem e para indicar quais so os tipos de relaes sociais que querem ter. O valor de
determinados produtos so elaborados a partir do quanto as outras pessoas estimam o
determinado bem (Belk 1988).
Packard (1959) aplicou na sociedade moderna a idia vebleriana do consumo
ostentatrio, sugerindo que as pessoas consomem produtos para demonstrar um nvel
superior para si mesmos e para seus amigos, e ele define como procuradores de status
as pessoas que esto sempre tentando se cercar de evidncias visveis que demonstrem
sua posio superior.
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As pessoas tm necessidade de pertencer a grupos para que estejam psicologicamente
satisfeitas. Num primeiro momento, elas imitam outros membros do grupo, depois, os
indivduos lutam pelo reconhecimento atravs da diferenciao. E como demonstrao
de superioridade elas, algumas vezes, utilizam sua renda para se destacar dos demais
(Dawson e Cavel, 1987).
2.7.4 Hedonismo
As pessoas compram produtos no s pelo que eles podem fazer, mas tambm pelo que
eles significam (Levy, 1959, p. 118).
Aqueles que procuram pelos itens de luxo so considerados consumidores hednicos
quando buscam por recompensas emocionais e satisfao pessoal atravs da compra de
produtos avaliados de acordo com o valor dos benefcios emocionais e propriedades
intrnsecas, mais do que por sua funcionalidade (Seth, Newman e Gross, 1991). O
consumo hednico um processo que envolve multissensorialidade, fantasia e aspectos
emocionais da experincia do consumidor com o produto (Holbrook e Hirshman, 1982).
Atualmente, a crena em que possvel modificar o mundo apenas atravs da fora
mental ou emocional convencionalmente chamada de mgica. Algo que a maioria de
ns associa tanto com o mundo do entreterimento e das festas infantis, quanto com um
estgio muito mais antigo, primitivo e supersticioso da evoluo humana. Mas pensar
dessa forma revela justamente como se est alheio ao mundo contemporneo. Pois no
apenas no mundo dos livros infantis e do cinema que a mgica se apresenta atualmente
de forma to proeminente. A mgica definida como a habilidade de modificar tanto a
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prpria pessoa quanto seu meio ambiente apenas com atitudes, pensamentos e emoes
(Campbell, 2006).
O consumo hednico composto pelas facetas do comportamento do consumidor
relativas multissensorialidade, fantasias e aspectos emotivos da experincia de algum
com um produto. O consumo sensorial resulta em experincias em todas as modalidades
dos sentidos, gostos, sons, odores, sensaes tteis e imagens. Todavia, quando uma das
modalidades dos sentidos estimulada, nossa mente responde com lembranas e
estmulos aos outros sentidos; por exemplo, um perfume pode fazer com que o
indivduo codifique no s o odor exalado, mas pode estimular o imaginrio interno,
criando sons, imagens e sensaes que tambm sero experimentadas (Holbrook e
Hirshman, 1982).
Os indivduos respondem atravs da codificao dos estmulos sensoriais com reaes
externas e internas, com a formao de um imaginrio, que pode ser histrico ou de
fantasia. O imaginrio histrico remete a pessoa a algum tempo passado, provocando a
sensao de nostalgia. Os elementos sensoriais de olfato, paladar, audio, tato e viso
do imaginrio da fantasia nunca ocorreram, mas so reunidos em uma determinada
configurao pela primeira vez e assim experimentados, formando o fenmeno mental
da fantasia (Holbrook e Hirshman, 1982).
Alm dos elementos sensoriais, outro aspecto relacionado ao consumo hednico o
surgimento das emoes. Elas so um fenmeno motivacional de cunho
neuropsicolgico que envolve alegria, medo, raiva e xtase (Freud, 1955).
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O consumo hednico ligado construo imaginativa da realidade. Assim, os atos do
consumo hednico so baseados no no que os consumidores sabem da realidade, mas
sim no que desejam que ela seja. Dessa forma, a construo da realidade pelo indivduo
pode no ser condizente com a realidade externa (Swanson, 1978; Goulding, 2002).
O elemento da fantasia refletido na habilidade mgica contida em cada experincia
hednica de consumo. A experincia mgica transcendental intimamente ligada com
os processos existenciais psicolgicos e sociais e com as projees pessoais e
particulares do ser humano nas atualidades de suas vidas (Kapferer, 1998).
2.7.5 Extenso do Eu
O eu no pode ser conceitualizado s como um produto de um sistema social, nem
somente como uma identidade fixa que o indivduo pode simplesmente adotar. Ele pode
ser uma criao gradual realizada atravs do consumo. Os consumidores tm a liberdade
de escolher qual imagem iro formar do que eles querem e iro ser, mesmo que,
paradoxalmente, essa liberdade seja direcionada por valores produzidos por um sistema
social (Elliot, 1995).
No mundo ps-moderno, as pessoas podem criar identidades para si atravs de smbolos
e referncias culturais, referncias humanitaristas, referncias esportivas e de fato, todas
as referncias possveis. Nesse universo, onde o ecltico e a confuso de valores reinam,
tudo pode ser absorvido e assimilado de acordo com a livre escolha do indivduo (Cova,
1997).
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O indivduo livre para criar uma variedade de eus e ele utiliza os bens de consumo
para criar a quantidade que for da sua escolha (Markus e Nurius, 1986). As possesses
materiais de um indivduo tm uma relevante importncia para seus donos, assim como
para outras pessoas. O significado pessoal dos nossos pertences uma forma integral de
expressar nossa identidade e perceber a identidade dos outros (Cova, 1997).
Campbell (2006) contesta a idia de que os indivduos na sociedade contempornea no
tm um conceito fixo ou nico de eu, embora sustente a tese de que o consumo, longe
de exacerbar a crise de identidade, , na verdade, a principal atividade pela qual os
indivduos geralmente resolvem seus dilemas.
Todavia, para entender o que nossas posses podem dizer sobre ns, temos de reconhecer
que, conscientemente ou no, intencionalmente ou no, ns consideramos nossas posses
como partes de ns mesmos. Nosso frgil senso do eu precisa de apoio, e isso ns
obtemos quando possumos coisas, porque, em um grau maior, ns somos o que
possumos (Belk, 1989).
Para que um objeto seja visto como parte de ns, preciso que sejamos capazes de
exercer alguma espcie de poder sobre o objeto, assim como controlamos um membro
do nosso corpo. E assim como controlamos um objeto, ele pode exercer sua identidade
em ns ou como ferramentas utilizadas para o desenvolvimento do eu (Belk, 1989)
Uma das formas para entender o poder que os objetos tm na formao da indentidade
estudar a perda de um objeto. Quando um indivduo ingressa em uma nova instituio e
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seus objetos so substitudos por pertences padres da organizao, a identidade do
indivduo adquirida pela instituio (Belk, 1989)
A evidncia do poder dos objetos pode ser ilustrada pelos ritos de passagem na morte,
na ndia, quando objetos do indivduo morto so enterrados junto com ele, para que eles
o acompanhem em sua morte. Ou ainda quando o x do Ir e Ferdinando Marcos das
Felipinas destruram todos os seus pertences, encolerizados, quando foram depostos de
seus cargos (Belk, 1989).
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3. METODOLOGIA
Este captulo apresenta a metodologia utilizada na elaborao deste estudo exploratrio.
O estudo exploratrio tem por objetivo buscar novas dimenses do luxo no
comportamento do consumidor de perfume e culos escuros de luxo. Pesquisas
exploratrias so realizadas com o objetivo de buscar novos indcios e proporcionar
uma viso geral e por isso devem ter flexibilidade para permitir um novo olhar sobre o
tema estudado.
Para a compreenso do processo de pesquisa utilizado neste trabalho, sero abordados
os seguintes temas:
- perspectiva adotada na pesquisa
- pergunta da pesquisa
- anlise e interpretao dos resultados
3.1 Perspectiva Metodolgica Estudada
A pesquisa social pode ser delineada de acordo com os seguintes paradigmas: o
positivista e o interpretativista. A perspectiva positivista acredita em uma viso nica da
realidade, construda a partir da existncia de regularidades numricas (Burrell, Morgan,
1982).
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J a perspectiva interpretativista baseia-se em uma viso mais complexa e diversificada
dos fenmenos sociais. Devido multiplicidade, singularidade e complexidade de
fenmenos, no se pretende formular regras ou tendncias. Por isso, no
interpretativismo, o conhecimento gerado a partir de diferentes perspectivas e nuances
apresentadas sobre um mesmo fenmeno. Os fenmenos no so previstos, mas sim
descritos, explorados e interpretados, em suas mais diversas verses (Burrell, Morgan,
1982).
A pesquisa do consumidor, enquanto tema de pesquisa acadmica interdisciplinar,
sempre capturou idias de outras reas relacionadas, principalmente das cincias
humanas e sociais. Todavia, a dominncia do paradigma positivista na pesquisa do
consumidor tem sido crescentemente suplementada com as perspectivas
interpretativistas e ps-modernas (Marsden e Littler, 1998). Como resultado, possvel
perceber um aumento da utilizao de metodologias oriundas das cincias humanas e
sociais (Shankar, Elliot e Goulding, 2001).
Para os defensores da perspectiva interpretativista, a realidade objetiva no toda a
realidade, apenas parte dela (Giannetti, 2006).
Para Gianneti, o compromisso com a objetividade condena o investigador a uma postura
cognitiva que faz do objeto de conhecimento, seja qual for, uma superfcie vazia de
experincia e destituda de subjetividade (Gianneti, 2006)
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Na escala micro-individual, a perspectiva recai sobre o indivduo como objeto de
estudo, buscando entender seu processo individual de tomada de deciso, suas
motivaes e processos inconscientes (Campos, Suarez e Casotti, 2005).
3.2 Delineamento da Pesquisa
Este estudo de natureza qualitativa e carter exploratrio buscou novas dimenses do
consumo de luxo utilizando o depoimento de ricos consumidores de luxo da cidade do
Rio de Janeiro, partindo das cinco dimenses propostas por Vigneron e Johnson (2004).
Como ferramentas para seu desenvolvimento, fez uso de dois itens de luxo: perfume e
culos escuros.
Estes dois itens foram escolhidos porque eles tm uma relao intensa com a formao
da imagem da identidade do indivduo e ambos esto claramente relacionados com dois
sentidos do corpo humano: o olfato e a viso. Por isso, os entrevistados sentiram-se
estimulados a responder.
3.3 Pergunta de Pesquisa
Esta pesquisa procura responder seguinte pergunta principal de pesquisa:
Quais so as dimenses do consumo dos ricos consumidores de luxo cariocas?
Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de luxo?
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Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de perfumes de luxo?
Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de culos de luxo?
3.4 Coleta de Dados
Este estudo usou como mtodo de coleta de informaes as entrevistas em profundidade
(Denzin e Lincoln, 2000). Este mtodo adequado quando estamos interessados na
maneira como as pessoas espontaneamente se expressam, falam sobre o que
importante para si e como pensam sobre suas aes e as dos outros (Bauer, Gaskell e
Allum, 2004).
Foram feitas 12 entrevistas com roteiro do tipo semi-estruturado, com um nico
respondente. O estmulo individual das entrevistas permite que o entrevistador capte
informaes que no seriam reveladas diretamente pelo entrevistado e que no esto
claramente propostas. Para a coleta de dados, foi utilizado o mtodo da entrevista em
profundidade e a tcnica projetiva.
Foi elaborado um questionrio (Anexo 1), na forma de roteiro semi-estruturado, para
orientar os entrevistados. A construo desse questionrio foi feita a partir do
conhecimento adquirido pela leitura crtica de uma extensa literatura e reconhecimento
de campo.
Foram adotados os seguintes critrios na seleo dos respondentes:
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a) indivduos de alta renda
b) consumidores de produtos de luxo, mais precisamente aqueles que consomem culos
e perfumes de luxo
c) consumidores que atingiram maturidade profissional e estabilidade financeira, entre
40 e 53 anos
d) todos moradores do Rio de Janeiro
O questionrio foi dividido em cinco partes. A primeira parte contm trs perguntas. A
primeira tem o objetivo de incentivar os respondentes a flexibilizarem suas respostas.
As duas outras iniciam a investigao sobre o consumo de luxo. A segunda tem
perguntas para ajudar a saber como ocorre o consumo individual do perfume. A terceira
retoma as perguntas gerais sobre o consumo de luxo. Na quarta, so repetidas as
perguntas da segunda, agora tratando sobre o consumo de culos escuros. Na quinta e
ltima parte, foram retomadas as perguntas gerais sobre o luxo e suas motivaes. O
objetivo aqui era saber se depois de refletirem sobre o consumo desses dois itens de
luxo, eles confirmariam sua reposta inicial ou alterariam o que havia sido dito.
Foram entrevistados seis homens e seis mulheres, buscando encontrar o equilbrio entre
solteiros e casados. No entanto, houve dificuldade para encontrar homens casados que
se declarassem consumidores de luxo e estivessem dispostos a responder ao
questionrio.
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O quadro a seguir apresenta o perfil dos respondentes por idade, estado civil e profisso.
Todos os nomes apresentados na tabela so fictcios, preservando o anonimato dos
entrevistados.
Renata 51 Casada Leblon Arquiteta
Raquel 49 Solteira Copacabana Dona de Casa
Cristina 53 Casada Leblon Mdica
Paulo 41 Solteiro Leblon Advogado
Fernando 49 Solteiro Lagoa Publicitrio
Conrado 50 Solteiro Ipanema Mdico
Ins 41 Solteira Ipanema Produtora
Maurcio 47 Casado Jardim Botnico Economista
Otvio 40 Solteiro Ipanema Mdico
Thas 40 Casada Copacabana Diretora de Marketing
Rita 43 Solteira Ipanema Advogada
Laila 40 Casada Jardim Botnico Dona de Loja
3.5 Anlise e Interpretao dos Resultados
A primeira etapa do processo de anlise caracterizou-se pelo estudo de cada entrevista
individualmente. J na segunda etapa, elas foram resumidas e agrupadas de acordo com
o assunto, para que as vises fossem comparadas, permitindo a construo da anlise.
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A separao dos discursos das entrevistas em temas visa a fazer uma comparao entre
eles, procurar padres, contradies ou qualquer outra conexo interessante. Cada tema,
ento, foi novamente resumido de forma a identificar os valores e significados
presentes, ressaltando os de maior incidncia e relevncia. A anlise foi feita tanto com
relao ao contedo, ou seja, aquilo que foi dito pelos entrevistados, quanto com relao
ao discurso, que analisa a forma como foi dita.
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4. ANLISE DOS RESULTADOS Neste captulo so descritos os principais achados da pesquisa exploratria, obtidos
atravs da anlise das informaes geradas pelas 12 entrevistas em profundidade
realizadas.
A anlise dividida em tpicos relacionados aos objetivos de pesquisa, levantando os
principais pontos identificados no discurso dos entrevistados.
4.1 Sobre a Felicidade
O que felicidade? Essa pergunta tinha como objetivo abrir o horizonte de respostas de
todo o roteiro, estimul-los a responder com mais emoo do que se responderia um
roteiro de perguntas sobre consumo.
Algumas respostas sugerem que, inicialmente, os entrevistados no fizeram uma relao
direta entre a felicidade e o consumo. O conceito de felicidade surge mais relacionado
com sentimentos naturais positivos originados do simples fato de estar vivendo, assim
como a espontaneidade existencial descrita por Gianneti (2006).
Associaes com ter: paz, famlia, sade, bem-estar e sucesso profissional
foram recorrentes em mais de cinco entrevistas.
A minha felicidade pelo menos, ela se baseia... Enquanto eu tiver sade.
Enfim, acho que o resto a gente corre atrs. (Laila)
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Felicidade t muito bem comigo mesma. ter paz. Dormir em paz. saber
que na vida, s, mas pra mim ... assim, eu acredito muito na coisa da...
Aquilo que voc faz, voc vai receber... Na maioria das vezes eu tenho. Aquela
coisa da satisfao... De alcanar um limite. No ... Se hoje o dia for feliz, a
noite feliz. O dia seguinte ser feliz. Ento viver em paz isso. ... Em
resumo, uma paz interior. (Cristina)
Felicidade pra mim ver todo mundo que eu gosto bem. Assim, famlia,
marido. Principalmente porque minha famlia ficou muito pequena. Assim,
muito pouca gente e antes era muita gente. Ento agora muito exclusivo.
Ento eu me preocupo muito com aquilo. Se perder, s aquilo que tenho.
(Thas)
Felicidade ter sade. estar de bem comigo mesmo. Ter bons amigos.
Trabalhar no que gosto. Estar certo no que trabalho. Ser feliz onde eu trabalho.
Ter um sucesso profissional. Um reconhecimento pelo meu trabalho e
aproveitar a vida. (Otvio)
Foi possvel tambm obter definies do que no felicidade.
Porque no uma coisa sem limite. No uma coisa abstrata. Eu no julgo a
felicidade uma coisa abstrata. Eu acho que ela real. Ela existe mesmo de fato.
No fantasia. No sonho. (Cristina)
Em dois depoimentos foram feitas relaes diretas da felicidade com o verbo ter
associado ao consumo. Mas curiosamente com o consumo de coisas simples como
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tomar vinho, segundo o relato de Maurcio, ou tomar sorvete, como descreve
Renata.
Felicidade tomar um bom vinho quando chego em casa do trabalho, tirar
frias no final do ano, encontrar meus filhos tambm quando chego em casa.
Ter sade e poder garantir a sade de quem voc ama. Beijar minha mulher
todos os dias. (Maurcio)
Felicidade pra mim uma coisa simples. Felicidade pra mim so coisas
simples. Pode ser a compra de um sorvete, realmente. (Renata)
Entretanto, se ficou a impresso inicial de que a felicidade no est associada ao
consumo de coisas caras e grandiosas, de acordo com os relatos dos ricos entrevistados,
aps associar o simples gesto da compra do sorvete felicidade, Renata parece
relativizar sua simplicidade, como sugere seu relato:
Ontem comentei isso com a minha analista. Que s vezes, a felicidade pra
mim so coisas to pequenas, e s vezes, grandiosas tambm, mas as coisas...
Pode variar o momento, entendeu? (Renata)
4.2 O Luxo
Seria a felicidade um luxo? Estaria o luxo associado ao consumo?A definio de luxo
para os entrevistados pode ser dividida em duas categorias: o luxo do ser e o luxo do ter.
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Quando perguntados sobre o significado de luxo, alguns entrevistados fizeram
associaes do luxo com comportamento (aproveitar a vida), estilo de vida (fazer o
que gosto) ou sentimentos como liberdade, ou seja, o luxo do ser. Algumas
respostas foram ligadas pergunta anterior, que explorou significados sobre felicidade.
Dimenses do luxo como escassez e exclusividade (Cartry, 2003) pareceram no estar
ligadas apenas aos bens e servios de consumo. Para o homem contemporneo, a
dificuldade de ter uma qualidade de vida satisfatria parece ter transformado bem-
estar e felicidade em um luxo:
Eu acho o ns que podemos definir como luxo, ligado relao vida, acho o
luxo voc ter uma boa sade, ter uma qualidade de vida. Poder fazer o que
gosta de fazer, tendo condies de fazer o que gosta. Aproveitar bem a vida ser
feliz. ter a vida que eu tenho. Acho isso um luxo. (Otvio)
Luxo pra mim ter opo. Pra mim eu acho que a falta de opo, ela cerceia a
sua vida. E voc ter muita opo, na verdade, a grande liberdade que voc pode
ter na vida. (Paulo)
Luxo aqui no pingue-pongue seria: fazer o que eu gosto. Mas luxo voc poder
se d o direito de fazer o que gosta. Luxo... no tem a ver com o valor n? Nem o
que representa. o quanto me d de prazer. (Antonio)
J para outros entrevistados, o luxo apareceu mais ligado s posses e ao valor dos bens,
o luxo do ter (dinheiro, coisas, beleza, glamour, conforto). A definio de luxo deles
parece se enquadrar com a de Alrres (1990), formada de acordo com o grau de
acessibilidade do indivduo aos bens.
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Luxo pessoalmente eu poder ter aquilo que me conforta. Que agradvel
pra mim, tanto aos olhos como confortvel. Ento eu procuro uma coisa
prtica porque ele super prtico. s vezes no pela beleza em si, mas por
aquilo que ela vai me