pinto 2007

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  1  CONSUMO DE LUXO: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO DE SUAS PRINCIPAIS DIMENSÕES Gabriel Bicharra Pinto Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto Coppead de Administração Mestrado em Administração Orientadora: Prof a . D.Sc. Letícia Moreira Casotti (COPPEAD / UFRJ) Rio de Janeiro

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  • 1

    CONSUMO DE LUXO: UM ESTUDO EXPLORATRIO DE SUAS PRINCIPAIS DIMENSES

    Gabriel Bicharra Pinto

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Instituto Coppead de Administrao

    Mestrado em Administrao

    Orientadora: Profa. D.Sc. Letcia Moreira Casotti

    (COPPEAD / UFRJ)

    Rio de Janeiro

  • 2

    Pinto, Gabreil Bicharra Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses/Gabriel Bicharra Pinto - Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2007.

    93 f: il.

    Dissertao (Mestrado em Cincias em Administrao) Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Instituto COPPEAD de Administrao, 2008 Orientadora: Letcia Moreira Casotti. 1. Marketing. 2. Comportamento do Consumidor. 3. Consumo do Luxo. 4. Administrao Teses, I. Casotti, Letcia Moreira (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administrao. III. Ttulo Consumo de luxo:um estudo exploratrio de suas principais dimenses.

  • 3

    Gabriel Bicharra Pinto

    Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Administrao, Instituto COPPEAD de Administrao, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Administrao. Orientador: Prof.Letcia Moreira Casotti D.Sc. em Administrao de Empresas

    Aprovada por: ____________________________________________________ PROF: Letcia Moreira Casotti Orientador (COPPEAD UFRJ) ____________________________________________________ PROF: ngela da Rocha COPPEAD - UFRJ ____________________________________________________ PROF: Eduardo Andr Teixeira Ayrosa CPDA / UFRRJ

    Rio de Janeiro RJ, Brasil

    Maio de 2008

  • 4

    RESUMO

    PINTO, Gabriel. Consumo de Luxo: um Estudo Exploratrio de suas Principais Dimenses. Orientadora: Letcia Casotti. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2007. Dissertao (Mestrado em Administrao). O objetivo deste estudo foi explorar dimenses e significados no comportamento de consumidores de luxo, utilizando dois bens de consumo perfume e culos escuros como instrumentos para a investigao, sob o enfoque das teorias propostas na literatura. A anlise do discurso dos entrevistados luz da teoria estudada mostrou que a busca pelo prazer, a satisfao e outras caractersticas do consumo hednico so fatores importantes do consumidor de luxo contemporneo. O perfume um apoio importante na extenso da identidade e por isso deve ter sua exclusividade garantida. Enquanto os culos contribuem para a construo dos diferentes eus. So observadas tendncias como o consumo racional do luxo e os cuidados tomados pelos consumidores ao consumir bens caros dentro de uma economia marcada pela desigualdade social. Optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando o mtodo da entrevista em profundidade, associada tcnica projetiva. Doze pessoas foram entrevistadas, seis homens e seis mulheres, de classe A1 moradoras do Rio de Janeiro.

  • 5

    ABSTRACT

    PINTO, Gabriel Bicharra. Consumo de luxo: um estudo exploratrio de suas principais dimenses. Rio de Janeiro, 2008. Dissertao (Mestrado em Administrao de Empresas) COPPEAD, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.

    The objective of this study is to analyze and explore the meanings and dimensions of the luxury consumer, using two different goods perfume and sunglasses as instruments to investigate it, under the basis given by the scientific literature in consumer behavior. The analysis of the speech of the people interviewed showed that finding pleasure, satisfaction and other characteristics of the hedonic consumption are important factors in the personality of the contemporary luxury consumer. The perfume is an important support for the extension of the identity and because of that it must have its uniqueness guarantied. While the sunglasses contribute to build differents selfs. It were observed some tendencies at the rational consumption of luxury and some cares taken by the consumers when consuming expensive goods inside na economy remembered by poverty and economic disparity.

  • 6

    SUMRIO

    1. INTRODUO ...................................................................................................................................... 9

    1.1 Organizao do estudo ....................................................................................................................... 13

    2. REVISO DE LITERATURA ............................................................................................................ 14

    2.1 Consumo Contemporneo ................................................................................................................. 14

    2.2 Luxo: Conceito e Histria ................................................................................................................. 21

    2.3 O Luxo Enquanto Produto do Desejo ............................................................................................... 27

    2.4 Ponderaes do Novo Luxo ............................................................................................................... 34

    2.5 Dimenses do Luxo ............................................................................................................................. 35

    3. METODOLOGIA ................................................................................................................................ 50

    3.1 Perspectiva Metodolgica Estudada ................................................................................................. 50

    3.2 Delineamento da Pesquisa ................................................................................................................. 52

    3.3 Pergunta de Pesquisa ......................................................................................................................... 52

    3.4 Coleta de Dados .................................................................................................................................. 53

    3.5 Anlise e Interpretao dos Resultados ............................................................................................ 55

    4. ANLISE DOS RESULTADOS ......................................................................................................... 57

    4.1 Sobre a Felicidade .............................................................................................................................. 57

    4.2 O Luxo ................................................................................................................................................. 59

    4.3 Motivaes para Compra do que Caro. ......................................................................................... 63

    4.4 Perfume e Exclusividade. ................................................................................................................... 64

  • 7

    4.5 Perfume e Extenso do Eu ................................................................................................................. 67

    4.6 Perfume do Prazer e da Lembrana ................................................................................................ 71

    4.7 culos: Fantasia e Ostentao ........................................................................................................... 73

    4.8 Desejo ................................................................................................................................................... 76

    4.9 Uma Volta Felicidade ...................................................................................................................... 77

    5. DISCUSSO FINAL ............................................................................................................................ 80

    REFERNCIAS ....................................................................................................................................... 85

    ANEXO 1 .................................................................................................................................................. 94

  • 8

    1. INTRODUO

    Este estudo exploratrio tem como objetivo investigar dimenses do consumo de luxo

    de ricos consumidores do Rio de Janeiro, atravs de dois bens de consumo: o perfume e

    os culos escuros. Para isso, utilizou-se metodologia qualitativa e foram entrevistadas

    12 pessoas.

    Seguindo, primeiro, uma justificativa elaborada em cima de elementos mais racionais,

    podemos destacar alguns vetores que impulsionam o desenvolvimento do luxo no

    mundo. Com o aumento da renda disponvel das classes mdias (Twitchell, 2001), os

    consumidores comearam a rever suas prioridades de consumo e o luxo se tornou lugar-

    comum. As pessoas de renda mdia esto dispostas a pagar preos premium por

    produtos e servios com nveis mais altos de qualidade, gosto e fantasia do que outros

    bens da mesma categoria. Os novos bens de luxo quebraram o paradigma convencional

    que sugere preos altos e volumes baixos. Os novos bens de luxo so vendidos a preos

    altos e em grandes volumes (Silverstein, 2005).

    O fato de que casais esto se casando mais tarde na vida e tendo menos filhos implica

    tambm um aumento substancial da renda disponvel para o consumo de luxo. O

    nmero crescente de solteiros e casais divorciados outro elemento significativo que

    indica que a quantidade de dinheiro a ser gasta com o indivduo aumentou. E esse gasto

    geralmente utilizado para reconstruir vidas, auto-estima, confiana e promover e

    remediar angstias emocionais. Nesses casos, a propenso do indivduo gastar em itens

    e servios de luxo aumenta (Yeoman, 2005).

  • 9

    Baixas taxas de juros, crdito fcil e baixa inflao fizeram com que o padro de vida

    mdio dobrasse desde os anos 1980 nos Estados Unidos e na Europa. Essa nova renda

    disponvel est sendo aplicada em lazer em vez de nos gastos domiciliares tradicionais.

    E os consumidores passaram a gastar mais dinheiro com eles mesmos (Cornish, 2003).

    No Brasil, o aumento do nvel de renda da populao ocorreu em meados da dcada

    passada, com a criao do Plano Real, com baixa do nvel inflacionrio e alta do crdito

    (Garcia, 2006).

    No mundo, o nvel educacional tem avanado consideravelmente, especialmente na

    educao terciria. Em 2004, por exemplo, 2.176.000 milhes de estudantes ingleses

    que saram do ensino mdio ingressaram na universidade, comparado com os 721.000

    em 1970 (Yeoman, 2004). A educao tambm um vetor do luxo, uma vez que quanto

    maior o nvel educacional do indivduo, mais poder de discernimento ele adquire e mais

    liberal se torna, de acordo com o estudo da Future Foundation (Cornish, 2003).

    Crescente prosperidade e elevao do nvel educacional significam que o consumidor

    est mais viajado e mais experiente comparado s geraes anteriores (Willmott e

    Nelson, 2003). Mudanas sociais em relao ao gnero, o declnio da importncia da

    religio, a liberdade sexual e a consolidao das sociedades multiculturais deixaram o

    mundo mais liberal e cosmopolita. Isto abre oportunidades para o desenvolvimento de

    novos produtos, com pessoas desejando mais opo e variedade (Yeoman, 2005).

  • 10

    O desenvolvimento individual hoje uma varivel importante para a criao de novos

    produtos de luxo que buscam saciar o desejo por experincias de satisfao pessoal e de

    prazer. Tem ocorrido um salto cultural em direo ao individualismo e vontade de

    experimentar novas sensaes (Stevens, 2005).

    A combinao da elevao do nvel educacional e de uma sociedade baseada em

    conhecimento e criatividade parece implicar o crescimento da importncia do capital

    cultural. O que faz com que as pessoas passem a consumir mais arte, que tem o carter

    oposto ao dos bens utilitrios (Stevens, 2005).

    O luxo tem se beneficiado no apenas do aumento da renda disponvel ou de generosas

    taxas de crescimento econmico. A mudana do comportamento em geral do

    consumidor, a ascenso de valores individualistas e hedonistas nas sociedades

    contemporneas favorecem o setor de consumo de bens mais caros. Assim, o luxo se

    tornou necessrio ao bem-estar ordinrio de uma vida material mais prtica e mais

    funcional (Lipovtski, 2002).

    Em um tempo de individualismos galopante, afirma-se a necessidade de destacar-se da

    massa, de no ser como os outros, de sentir-se uma exceo. O luxo j no mais o

    mesmo de antes. As motivaes elitistas permanecem, mas esto menos baseadas em

    desgnios de honorabilidade e de ostentao social do que no sentimento da distncia,

    no prazer da diferena proporcionada pelos consumos raros e no afastamento que abrem

    em relao maioria (Lipovtski, 2002).

  • 11

    E ainda sob o impulso do neo-individualismo, vm a luz novas formas de consumo

    dispendioso que dependem bem mais do regime de emoes e sensaes pessoais do

    que das estratgias distintivas para a classificao social (Kemp, 1998).

    No entanto, estima-se que a viso cientfica da vida limitada e parcial; a vida no

    fundo uma prospeco no terreno dos valores, uma tentativa de descobrir valores, em

    vez de, com base no conhecimento deles, produzir e desfrut-los ao mximo. Ns nos

    esforamos para conhecermos a ns mesmos, para descobrirmos os nossos reais desejos,

    mais do que para obter o que queremos (Gianneti, 2006).

    Estudar o fenmeno do luxo deve ser, portanto, um trato curiosidade humana e

    fundamental para as economias que desejam se desenvolver trabalhando com altos

    valores agregados e fugindo da larga escala produtiva destruidora e, principalmente,

    uma tentativa de compreender parte de uma dinmica to complexa.

    Conclui-se, portanto, que o luxo encontra-se numa conjuntura de ascenso vantajosa e

    que ele prope desafios e restries para realizar estudos a respeito. importante

    lembrar: quais so as vantagens deste estudo na produo de contribuies? A principal

    vantagem o fcil acesso ao grupo dos ricos entrevistado, que se propuseram a

    responder aos questionrios de maneira agradvel e fcil, sem impor restries diretas.

    Alm disso, possvel destacar o grande interesse pelo tema, por seu eu um vido

    consumidor de luxo. Todavia, esse estudo se limitou a investigar produtos que no

    representam partes mais relevantes do oramento de uma pessoa abastada. Se fossem

    analisados objetos mais caros, talvez resultados mais diferenciadores pudessem ser

    obtidos.

  • 12

    1.1 Organizao do estudo

    Esta dissertao consiste em cinco captulos. No captulo a seguir, descrita a reviso

    de literatura, que inclui uma breve introduo sobre o simbolismo e o consumo, perfil

    do consumidor contemporneo, desejo, enquanto fator motivacional do consumo, breve

    reviso sobre o histrico do luxo e sugestes para as dimenses do consumo de luxo.

    Na terceira parte, apresentada a metodologia do estudo, detalhando algumas questes.

    O quarto captulo trata da anlise dos resultados, considerando os achados da pesquisa e

    os tpicos levantados pela reviso de literatura.

    O quinto e ltimo captulo traz algumas reflexes suscitadas por esse estudo e sugestes

    para pesquisas futuras a respeito do tema. Ao final, encontram-se as referncias

    bibliogrficas e o anexo.

  • 13

    2. REVISO DE LITERATURA

    Neste captulo, alguns temas da literatura do consumo de uma forma mais generalista e

    do consumo de luxo especialmente so visitados. Primeiro, busca-se encontrar um

    caminho para a compreenso do homem consumidor contemporneo, para depois

    enumerar e diferenciar conceitos do que caro. As ltimas sesses desse captulo

    retomam dimenses do consumo do luxo propostas anteriormente pela literatura.

    2.1 Consumo Contemporneo

    O consumo se tornou um campo de investigao complexo, que engloba vrias

    atividades, atores e um conjunto de bens e servios que no restringem necessariamente

    aos providos sob a forma de mercadorias e que envolve outras formas de proviso que

    no apenas aquelas concebidas no formato tradicional de compra e venda de

    mercadorias em condies de mercado (Barbosa e Campbell, 2006).

    Na sociedade contempornea, consumo ao mesmo tempo um processo social que diz

    respeito a mltiplas formas de proviso de bens e servios e a diferentes formas de

    acesso a esses mesmos bens e servios; um mecanismo social percebido pelas cincias

    sociais como produtor de sentidos e de identidades, independentemente da aquisio de

    um bem; uma estratgia utilizada no cotidiano pelos mais diferentes grupos sociais para

    previnir diversas situaes em termos diretos, estilo de vida e identidades; e uma

    categoria central na definio da sociedade contempornea (Barbosa e Campbell, 2006).

  • 14

    Por que entender o consumo? Em busca da compreenso do porqu o consumo tem

    tanta importncia na vida das pessoas, conclui-se que talvez ele cumpra uma papel mais

    relevante do que apenas satisfazer motivos ou intenes especficos que supostamente

    deram incio ao ato de consumir. Em outras palavras, possvel que o consumo tenha

    uma dimenso que o relacione com as mais profundas e definitivas questes que os

    seres humanos possam se fazer, questes relacionadas com a natureza da realidade e

    com o verdadeiro propsito da existncia questes de ser e saber (Campbell, 2006).

    Duas perspectivas da sociedade de consumo ps-moderna podem ser destacadas. A

    primeira perspectiva v a sociedade como alienada e decadente, com consumidores

    fragmentados, procura de compensaes atravs do consumo de sinais, espetculos e

    superficialidades. A segunda perspectiva adota uma viso mais otimista do consumidor

    ps-moderno, ao interpretar, por exemplo, a fragmentao como uma potencial fora

    libertadora que libera o individual da conformidade. possvel identificar sinais de

    ambas perspectivas no cotidiano.( Goulding, 2002; Firat e Venkatesh, 1995).

    Nas duas ltimas dcadas, a ps-modernidade se espalhou por domnios da cincia e do

    saber. Fragmentao, indeterminao e desconfiana em relao aos discursos

    universais totalizadores caractersticos da ps-modernidade. Enquanto a modernidade

    tinha como princpios: a regra da razo e o estabelecimento da ordem racional; a

    emergncia dos temas livres, e entrou na histria como uma fora progressiva que

    prometia libertar a humanidade da ignorncia e da irracionalidade, a ps-modernidade

    reconhece que os objetivos traados pela modernidade no podem ser alcanados (Cova,

    1996).

  • 15

    A ps-modernidade uma era sem uma utopia ou uma ideologia dominante, mas cheia

    de pluralidade de correntes e estilos. Justaposies opostas e desconexas so cada vez

    mais encontradas na cultura contempornea. Como conseqncia, uma das

    caractersticas mais importante da ps-modernidade , por exemplo, a justaposio de

    emoes contraditrias. No consumo, mistura-se heterogeneidade com uniformidade,

    individualismo com tribalismo, fragmentao com globalizao, e assim por diante. O

    indivduo ps-moderno rejeita os valores dominantes e tudo que normal e quer fazer

    suas prprias coisas. O consumidor ps-moderno preocupa-se em reestruturar sua

    identidade na lgica da totalidade do mercado, distanciando-se de compromissos com

    grandes projetos e imagens universais e procurando experincias locais e diferenciadas.

    Eles querem ser parte do processo e experimentar imerso em configuraes temticas,

    em vez de produtos e imagens acabadas. Na ps-modernidade foi criada a hiper-

    realidade, exemplificada pelos mundos fantsticos criados nos parques de diverso e

    nos aparatos de realidade virtual. A essncia da ps-modernidade a participao

    (Cova, 1996).

    Na era do indivduo ordinrio, qualquer um pode tomar medidas pessoais para produzir

    e mostrar sua prpria existncia, sua unicidade. Ao mesmo tempo, as pessoas que

    finalmente conseguiram se liberar de regras sociais esto se encaixando num

    movimento reverso para recompor seu universo social com base na livre escolha

    emocional. o tribalismo, que retoma os valores quase arcaicos de senso local de

    identificao, religiosidade, sincretismo e narcisismo grupal, que est se desenvolvendo

    cada vez mais. Cada indivduo ps-moderno pertence a uma grande variedade de tribos

    (Arnould e Price, 1993; Cova, 1996).

  • 16

    J para Fogel (2000), o pensamento contemporneo desenvolveu uma alternativa para a

    sociedade ps-moderna. Uma mudana geral de valores que j est ocorrendo hoje em

    dia, de forma parcial e espontnea, nos pases mais desenvolvidos. Seria o surgimento

    de uma sociedade ps-materialista ou a emergncia de uma agenda tico-poltica e ps-

    moderna para o sculo XXI, na qual o desenvolvimento dos recursos espirituais teria

    primazia frente s questes de ordem estritamente econmica que dominaram a agenda

    a partir do sculo XVIII. Entre os objetivos centrais da nova agenda estariam: 1) a luta

    pela auto-realizao; 2) a educao no apenas para fazer carreiras, mas para elevar

    valores espirituais; e 3) o desejo de encontrar um sentido mais profundo na vida do que

    a interminvel acumulao de bens de consumo e a busca do prazer.

    A ao racional aquela que, dadas as restries de recursos e conhecimentos

    disponveis, identifica, mobiliza e aplica o melhor mtodo existente para alcanar o

    objetivo pretendido. Mas o fato de uma ao ser racional no quer dizer que ela ser

    capaz de atingir o alvo. O avano do conhecimento pode revelar que aes que

    pareciam perfeitamente racionais na busca de determinado fim, dado o que se supunha

    conhecer sobre o mundo, na verdade no o so. A sociedade contempornea tem como

    realizao, a felicidade. na busca da felicidade que, geralmente, o homem justifica

    suas escolhas das vidas pblica e privada (Argyle, 1999).

    A importncia do consumo do ponto de vista do consumidor emergiu no final do sculo

    XIX, com a introduo e a expanso das primeiras lojas de departamento.

    Subseqentemente, o crescimento da economia, junto com o desenvolvimento do

    transporte pblico e todas as novas formas de transporte de massa, contribuiu para a

  • 17

    expanso das lojas e do consumo no comeo do sculo XX. E de igual importncia

    destaca-se o crescimento da demanda de uma crescente populao urbana (Nava, 1996).

    A mola mestra do consumo a demanda do consumidor, e ela depende da habilidade do

    consumidor exercitar continuamente seu desejo por bens e servios. Neste sentido, so

    nossos estados emocionais, mais especificamente nossas habilidades de querer e desejar

    e ansiar por alguma coisa, sobretudo nossa habilidade de repetidamente experimentar

    tais emoes, que na verdade sustentam a economia das sociedades modernas

    desenvolvidas (Campbell, 2006).

    Existe um repdio moral e intelectual dimenso material da existncia que permeia o

    olhar ocidental sobre o consumo e revela uma viso ingnua e idealizada, que encara a

    sociedade como fruto apenas das relaes sociais, como se estas pudessem existir em

    separado das relaes materiais. Um olhar que trata o fenmeno do consumo de bens

    materiais e as relaes dos homens com os objetos como algo recente e ainda cr na

    existncia de um tempo quando as pessoas s faziam uso das dimenses funcionais dos

    objetos (Barbosa, 2006).

    De todo modo, tanto na sociedade norte-americana quanto no velho continente, os idias

    de frugalidade puritana bem como os da contestao esto esgotados; eis o luxo e suas

    marcas de prestgio reabilitados, cada vez menos controversos. A poca contempornea

    faz recuar os imperativos da moda, mas v triunfar o culto das marcas e dos bens raros

    O esnobismo, o desejo de parecer rico, o gosto por brilhar, a busca pela distino social,

    pelos signos demonstrativos, tudo isso est longe de ter sido enterrado pelos ltimos

    desenvolvimentos da cultura democrtica e mercantil (Lipovtski, 2002).

  • 18

    O homem contemporneo concretizou no luxo o poder da auto-satifao. A paixo pelo

    luxo no exclusivamente alimentada pelo desejo de ser admirado, de despertar inveja,

    de ser reconhecido pelo outro, tambm sustentada pelo desejo de admirar a si prprio,

    de se aproveitar e de uma imagem elitista (Lipovtski, 2002).

    A etimologia da palavra luxo deriva de luxus, sensualidade, esplendor, pompa, e tem a

    palavra luxria como derivativo, significando extravagncia, exibicionismo. Luxo

    tambm uma possibilidade de consumo que nos oferecemos, sem necessidade, de uma

    maneira excepcional ou que nos permitimos dizer, fazer a mais, para nos dar prazer.

    Refere-se luxuosidade a objetos, produtos ou servios que correspondem a gostos

    rebuscados e dispendiosos (Yeoman e McMahon-Beattie, 2005).

    Luxo, portanto, remonta a preo, prazer, desejo, exceo, raridade, refinamento. Um

    bem de luxo capaz de criar emoes, experincias excepcionais e nicas, suspender o

    curso do tempo, para fazer sentir um prazer intenso, permitir dar uma festa, pr os

    sentidos em efervescncia, em ressonncia ou correspondncia, e fazer reviver na idade

    adulta os encantamentos da infncia (Roux, 2002)

    Mas como ligar o luxo ao marketing? O marketing de produtos de luxo uma rea em

    que a literatura do marketing prtico e acadmico tem depositado pouca ateno e

    relativamente escassa. Parece no existir consenso na literatura a respeito da definio

    do que seja um produto de luxo. Embora um grande esforo tenha sido feito pelos

    pesquisadores do marketing na tentativa de classificar os produtos em vrias categorias:

    bens de convenincia, bens de compra, bens especiais e bens preferenciais, existem

  • 19

    poucas classificaes especficas e definitivas para os produtos de luxo (Nueno e

    Quelch, 1998).

    Quando os pesquisadores tentam chegar a uma definio de luxo, em geral, eles levam

    em considerao o contexto no qual esto operando. Um forte argumento diz que os

    produtos no podem ser classificados simplesmente como de luxo ou no de luxo pela

    aparncia ou pelas qualidades intrnsecas do objeto; eles devem ser analisados de acordo

    com o contexto socioconmico (Veblen, 1889).

    O conceito de luxo , portanto, fluido e muda de acordo com o tempo e culturas. No

    passado, havia uma associao mais clara do luxo com o champanhe, caviar, designer

    de roupas e carros esportivos. Com o crescimento de sua importncia, o luxo no parece

    ser mais um conceito reservado s s elites. Os consumidores tm cada vez mais

    substitudos antigos valores de tradio e nobreza pela segurana e conforto. O luxo,

    hoje, mais experincia e autenticidade do que valores (Yeoman e McMahon-Bride,

    2005, p. 12).

    A psicologia desenvolveu outra aproximao para a definio do luxo. Livingstone

    (1992) e Matsuyama (2002) examinaram o consumo de massa e a identidade pessoal e a

    relao entre a necessidade e o luxo. Por exemplo, duas pessoas igualmente inteligentes

    e com a mesma base referencial podem ter diferentes opinies sobre o significado do

    luxo. Se examinarmos um produto de luxo quanto ao grau de convenincia que ele d

    ao seu usurio, como um carro numa zona rural onde no existem escolas e hospitais em

    uma curta distncia, poder no ser um bem de luxo. Todavia, o carro poder ser

    considerado um bem de luxo para as pessoas que vivem e trabalham numa cidade

  • 20

    grande, onde todos os destinos da vida cotidiana esto perto de casa. Desta forma, o

    contexto influenciou o que ou no luxo.

    Alerrs (1990), utilizando a dimenso socioeconmica, construiu a hierarquia dos

    produtos de luxo, uma diviso em trs nveis: 1) o luxo inacessvel, consumido pela

    elite tradicional 2) o luxo intermedirio, consumido pela elite profissional 3) o luxo

    acessvel, consumido pela classe mdia.

    Kemp (1998) demonstrou que alguns bens, como a gua por exemplo, podem ser

    classificados por diferentes observadores como de luxo ou uma necessidade,

    dependendo de quem quer e por qu Mais surpreendente, ele mostrou que esses bens

    podem ser tanto de necessidade quanto de luxo para a mesma pessoa, em diferentes

    situaes. A definio do que luxo depender, portanto, do contexto em que ela est

    sendo analisada.

    Outros aspectos considerados nas tentativas de definir luxo referem-se a produtos que

    vo alm da sua funo utilitria, aumentam a auto-estima e do satisfao (Kapferer,

    1997). Vigneron e Johnson (2004) definem produtos de luxo como aqueles que, ao

    serem utilizados, aumentam a auto-estima do consumidor, independente da sua utilidade

    funcional. So os benefcios psicolgicos que representam o principal fator de

    diferenciao entre um produto de luxo e os outros (Vigneron e Johnson, 2004).

    2.2 Luxo: Conceito e Histria

  • 21

    Dentro de uma abordagem mais histrica, Lipovstski (2002) traz associaes do luxo

    diretamente com riquezas monetrias e desenvolvimento tecnolgico da manufatura de

    objetos. As origens esto marcadas pelo pensamento religioso e por experincias

    mgicas transcendentais ligadas ao divino. Foram os povos primitivos que fizeram as

    primeiras manifestaes do luxo, quando separavam o excesso para ganhar

    prosperidade. Nas cerimnias suntuosas, presentes com grande estima era oferecidos

    para celebrar a paz e pedir proteo. Nas festas primitivas, consumir riquezas

    significava lutar contra os males do universo, preparar a renovao do esprito e

    consertar os erros da sociedade. Um dos objetivos do dispndio festivo era repetir a

    passagem do caos ao cosmo. Sacrifcios e bens preciosos dedicados aos deuses sempre

    foram acompanhados de preces relativas fecundidade e longevidade. Pensava-se que

    era preciso doar generosamente s potncias do alm para ganhar vida longa e receber

    passagem a para vida futura (Lipovtski, 2002).

    O surgimento da sociedade de classes foi um marco fundamental na histria do luxo. A

    partir desse momento, o luxo passou a se organizar de acordo com as lgicas da

    hierarquizao e da centralizao. A sociedade estratificada se organiza em torno dos

    bens ricos e dos bens ordinrios, e as sociedades estatais so baseadas nas desigualdades

    sociais e nas diferenas dos gastos das riquezas. Ao mesmo tempo, dentro do topo da

    hierarquia existem divises fundamentais, como a separao entre o luxo sagrado e o

    luxo profano, o luxo pblico e o luxo privado, o luxo eclesistico e o luxo da realeza

    (Lipovtski, 2002).

    Na Renascena, o luxo se casa com a obra do artista e com a criao da beleza. Nesse

    perodo, surgem novas atitudes estticas em relao ao passado e s obras, surge

  • 22

    tambm uma mentalidade moderna e livre que desliga estas ltimas do seu contexto,

    colecionando-as por amor, fora de toda imposio coletiva e religiosa. Essa paixo

    pelo raro e pelo singular entre os amadores de arte, o gosto pelas viagens, as inovaes

    do domnio bancrio e na tcnica dos negcios marcaram uma poca aberta a

    transformaes. A vontade de mudana aliada ao fenmeno do pensamento

    renascentista que d mais valor transformao do que continuidade ancestral, a

    preocupao com a personalidade, o reconhecimento do direito de valorizar-se, de

    fazer-se notar, de singularizar-se promoveram o surgimento da moda (Sombart, 1913).

    A moda, resultado de uma preocupao maior com a particularidade do indivduo,

    ganhou impulso com a Revoluo Industrial. Dois fatores contriburam para o

    desenvolvimento deste fenmeno. O primeiro foi o grande desenvolvimento do

    maquinrio, que mudou o processo de produo da indstria do vesturio em geral. E o

    segundo contraposto, consistia na valorizao dos grandes costureiros, que at ento

    eram apenas artesos obscuros e passaram a ser reconhecidos como artistas sublimes. O

    surgimento da alta costura um marco na histria da moda e especialmente na histria

    do luxo, e a partir desse momento, no apenas a riqueza do material que constitui o

    luxo, mas a aura do nome e renome das grandes casas, o prestgio da grife, a magia da

    marca. O costureiro, que antes era um arteso obscuro, passou a ser reconhecido como

    um artista sublime, um criador favorecido por uma notoriedade excepcional espalhada

    por cima das fronteiras dos pases (Lipovtski, 2002)..

    Nessa poca, o gosto pelo luxo j no era mais visto como uma opo malfica para o

    ser humano. Pensava-se que o luxo poderia ser bom para a sociedade porque produzia

    riqueza econmica e porque teria a curiosa propriedade de produzir o que pode ser

  • 23

    pensado como o sentimento de riqueza. Esse sentimento comea quando a felicidade

    que o luxo traz ao homem de riquezas se espalha generosamente para os demais

    (Cunningham, 2005).

    De acordo com Adam Smith (1789), com a exceo dos miserveis, a felicidade e a dor,

    ao contrrio da renda e do poder, estavam razoavelmente distribudos de forma

    equnime entre as diversas classes da sociedade, e naquilo que constitui a verdadeira

    felicidade da vida humana, os pobres em nada se encontram numa situao inferior

    daqueles que pareciam estar to acima deles.

    No sculo XIX combinam-se o aumento da demanda por produtos feitos a mo, de

    qualidade superior, e produzidos em pequena escala com o aumento no consumo de

    suprfulos, com o desperdcio com o indispensvel, com os dispndios com as

    excitaes. nessa poca que surgem as primeiras grandes casas: Charles Frederic

    Worth (1825), Guerlain (1828), Cartier (1847) e Louis Vitton (1845), por exemplo

    (Roux, 2002).

    Enquanto a alta-costura consagra a unio entre o artesanato de arte e a indstria, os

    progressos da mecanizao, no mesmo momento, vo permitir o aparecimento de um

    luxo, com preo menor, destinado s classes mdias. Baixando os preos, o grande

    magazine conseguiu democratizar o luxo ou, mais necessariamente, transformar certos

    tipos de bens de outrora reservados s elites abastadas em artigos de consumo corrente e

    promover o ato de compra de objetos no estritamente necessrios (Lipovtski, 2002).

  • 24

    Em reao difuso do consumo de bens no necessrio, Thorsten Veblen (1899)

    criticou o consumo conspcuo. Para ele, a classe ociosa no tem outra motivao alm

    da ao pecuniria, pois se trata de um procedimento social normal e muito bem visto

    dentro das virtudes ociosas. Portanto, o que direciona o comportamento do consumidor

    no a subsistncia e nem o conforto, mas a necessidade de estima e a inveja do homem

    de riquezas (Veblen, 1899).

    Veblen, filho de um carpinteiro imigrante dos Estados Unidos, enuncia em seu livro trs

    teorias a respeito do consumo ostentatrio: 1) Consumo ostentatrio como inteno,

    motivo ou instinto; 2) Consumo ostentatrio como conseqncia; e 3) Consumo

    ostentatrio como uma qualidade de conduta intrnseca. O autor conclui que depois que

    uma pessoa sacia todas as suas necessidades bsicas de comida, vestimenta, abrigo e

    segurana, qualquer acrscimo de riqueza que no seja destinado ao cumprimento de

    objetivos racionais, pode ser definido como ostentao e exibicionismo. Depois de

    atingido certo nvel de subsistncia, o homem usa todo seu trabalho produtivo apenas

    para se mostrar para os outros. E assim, a classe ociosa, constri mais quartos em suas

    casas do que pode ocupar, compra mais automveis do que pode dirigir e tem mais

    roupas em seus guarda-roupas do que jamais poderia imaginar usar (Veblen, 1899).

    Campbell (1995) apontou algumas limitaes no trabalho de Veblen (1899). No

    desenvolvimento da sua idia, Veblen (1899) sugere que as pessoas tm intenes

    conscientes ao realizar o consumo dispendioso, deixando de lado, portanto, fatores

    importantes que levam ao consumo e que nem sempre so desejos conscientes do ser

    humano. Ele sugere tambm que no existe razo para consumir junto com os outros

    seno a necessidade de se mostrar, anulando a infinita gama de possibilidades nas

  • 25

    relaes humanas, como agradecimento, hospitalidade, generosidade e carinho. E

    mesmo que as intenes sejam conscientes, as pessoas so capazes de reconhecer que

    nem sempre elas tero a resposta que esperam.

    Contemporneo de Weblen, Werner Sombart (1913) enxergava o luxo por outra

    semitica. O autor de Luxo e capitalismo (1913) afirmou que o luxo tem grande

    importncia para o desenvolvimento do capitalismo e foi o primeiro a consagrar o

    carter hedonista e ertico do luxo. Sombart (1913) comparou as pinturas das Tits, de

    nudez e celebrao, com o florescimento do capitalismo no sculo XVI, argumentando

    que a pura esttica hedonista da concepo da mulher criou o luxo e promoveu o

    crescimento econmico, j que as cortess passaram a influenciar outras mulheres

    atravs da arte, da moda e de um consumo apaixonado. Esse, ele afirma, foi um modelo

    mantido at o presente, quando todo o frisson da moda, luxo, esplendor e extravagncia

    so primeiro experimentados pelas jovens e depois rejeitados pelas mais conservadoras.

    At ento, aqueles que pensaram o luxo deixaram escapar o carter ertico que ele tem.

    Geog Simmel (1969), tambm autor do comeo do sculo XX, apontou para a

    individualidade existente no consumo do luxo, principalmente da moda. A moda surgiu

    na idade mdia quando as pessoas ganharam mais individualidade, quando ganharam o

    direito de singularizar-se, de poder chamar ateno para si. Assim, a moda para o

    autor uma manifestao ambgua de sentimentos, j que se por um lado o indivduo tem

    o gosto pela imitao, ele quer tambm se diferenciar dos demais. Trata-se do duelo do

    conformismo e do individualismo (Simmel, 1907/1969; Lipovstski, 2002).

  • 26

    E como o luxo se desenvolveu durante o sculo XX? Num perodo marcado por duas

    grandes guerras mundiais e por uma grande recesso que devastou os principais centros

    de consumo, o luxo teve de conviver com a contingncia durante os perodos de

    recuperao. No entanto, o aumento do consumo era tambm resultado da guerra entre

    as duas utopias que dividiam o planeta (Fogel, 2000).

    Com a recuperao da Europa, ocorre a retomada do consumo nos anos 1980, uma

    dcada marcada pelo superconsumo ostentatrio individualista e demandante de grandes

    marcas. Nessa mesma poca, as antigas casas lanaram novos nomes de grandes

    costureiros, enquanto os conglomerados comeavam os processos de fuso e aquisio

    (Roux, 2002)

    A ps-modernidade demanda explicaes mais abrangentes do que a luta de classes para

    explicar a complexidade dos fenmenos sociais em geral, do consumo ocidental e das

    marcas de luxo em particular. Surgem novas dinmicas: a da distino, a da identidade

    por diferenciao de classe, a da auto-afirmao de um poder pela ruptura, a da

    identificao sucessiva e efmera com tribos mltiplas. Dinmicas refletidas na compra

    de objetos, que representam escolhas efetuadas sobre bases afetivas e emocionais,

    produto da vontade de imerso em sentimentos, que resultam no envolvimento do

    consumo com as paixes, especialmente, o desejo.

    2.3 O Luxo Enquanto Produto do Desejo

    As bases do sistema do luxo so: ser desejvel, manter certa distncia, ser algo

    merecido. O luxo possui uma aura imaterial que se projeta acima do ordinrio e acima

  • 27

    da simples qualidade da vida para ser uma forma de realizao e de oferenda que se faz

    a si prprio e aos outros (Roux, 2002).

    A vontade de consumir resulta da capacidade dos indivduos de realizar uma mgica

    psicolgica e especial, isto , despertar o desejo que antes no existia. Contudo, para

    que os consumidores faam isso realizar a mgica de querer o que nunca quiseram

    antes tm de se engajar num processo criativo. Os consumidores invocam

    espontaneamente um sentimento positivo especfico por um objeto ou uma experincia.

    , ento, o desejo subseqentemente invocado que se torna a causa da experincia,

    gratificante e bastante real. So os consumidores que definem o que lhes caro. No ,

    portanto, inteiramente fora de propsito sugerir que os consumidores criam suas

    prprias realidades ou seus prprios luxos, pois criam condies necessrias para suas

    experincias de consumo (Campbell, 2006).

    A maioria dos produtos que compramos e que agora enchem nossas casas est ali

    porque em algum momento nos o quisemos. Neste sentido em particular, sua presena

    em nosso mundo uma conseqncia ou resultado direto de nosso estado emocional,

    especificamente de nosso desejo. Se no tivssemos sentido desejo por eles, eles no

    fariam parte da nossa realidade cotidiana (Campbell, 2006).

    O desejo enquanto fenmeno do consumo tem semelhanas com outras tipologias, o

    impulsivo e o compulsivo. No obstante, o desejo tem caractersticas especiais que

    deixam seu estudo ainda mais interessante (Belk, Ger e Askergard, 2003).

  • 28

    O consumo impulsivo a forte vontade instantnea de comprar algum objeto em

    determinada situao. A fora que resulta nesse tipo de consumo uma caracterstica

    compartilhada com o desejo, que tambm resultado de um poder que, s vezes, se

    torna incontrolvel. Todavia, o consumo impulsivo demanda saciedade imediata,

    diferentemente do desejo (Belk, Ger e Askergard, 2003).

    Essa fora que antev o ato de consumir caracterstica comum tambm do consumo

    compulsivo. No entanto, este tipo de consumo pode ser mais facilmente aliviado do que

    aquele que feito por paixo. O produto em si secundrio, ao contrrio de quando se

    deseja alguma coisa (Belk, 1997).

    As necessidades naturais do homem so a concluso do pensamento sobre o que

    necessrio ou no para um indivduo. O desejo um produto elaborado da mente

    humana, em que sentimentos e emoes se misturam. Ele mais do que o simples ato

    de querer alguma coisa ou satisfazer uma necessidade bsica. o que tem menos lgica,

    no planejado e vem acompanhado da irracionalidade. fruto de uma imaginao

    apaixonada que precisa de um contexto social que lhe fornea os smbolos para seu

    desenvolvimento (Belk, Ger Askegaard, 2003).

    O desejo para a psicanlise resultado de uma vontade inconsciente e no saciada pelo

    amor da me. Para Freud, libido a fora responsvel por todo tipo de desejo, e uma

    vez que nenhum objeto ser capaz de saciar, o espao criado pela ausncia continuar

    aberto (Richardson, 1987).

  • 29

    Para alguns autores da psicanlise recente, s existe desejo se for por algo que seja

    socialmente estimado e que seja resultado das conexes da psique com o ambiente

    sociocultural (Elliot, 1995).

    Os utilitaristas criticam as paixes e classificam as necessidades em duas categorias: as

    verdadeiras (bsicas e autnticas) e as falsas (alienadas). Eles afirmam que o que

    chamam de consumo alienado para o simples despertar dos sentidos dos outros

    (Veblen 1899). Com o objetivo de tentar controlar e apreender o desejo do outro,

    comumente chamado de inveja, a sociedade criou alguns mecanismos, como o medo da

    inveja alheia. O resultado so os mtodos para disperso da inveja, como distribuio de

    riqueza em festividades, outros rituais de compartilhamento, confiar em amuletos com

    poderes sobrenaturais de proteo e o simples comportamento com discrio.

    Entretanto, com o desenvolvimento recente da sociedade de consumo, em vez de temer

    a inveja alheia, muitas vezes passamos a cultiv-la (Douglas e Isherwood, 1979).

    Assim como uma promessa de uma vida melhor, o objeto de desejo pode remontar a um

    tempo que traz boas lembranas ao consumidor e que ao ser consumido o levar para

    quando a vida era dramaticamente diferente e muito melhor (Holbrook, 1993). De

    acordo com Hirsch (1992), o fenmeno da nostalgia, geralmente focada nos anos da

    infncia e adolescncia, consiste em evocar positivamente o passado vivido, gerando

    um sentimento negativo a respeito do presente ou do futuro, atravs de manifestaes

    como as coisas eram melhores... do que so agora.

    E quando a paixo ganha um corpo, o objeto ou a experincia do desejo promete

    transformao, um estado diferente, uma promessa de mudana de vida. Um sentimento

  • 30

    to intenso que associado magia e ao mistrio (Belk, Ger, ASkegarard, 1997).

    Mesmo que possa parecer que o objeto que tenha o poder de criar esse sentimento de

    magia no indivduo, o fenmeno do desejo originado e perpetuado na imaginao.

    Imerso nos nossos desejos, cultivamos e depositamos todas as expectativas no objeto.

    Esse processo chamado de auto-seduo, quando a pessoa est longe de ser uma

    vtima passiva do desejo e participa: cuidando e inflamando sua paixo. Criar

    expectativas e excitao descrevendo como ser obter o objeto do desejo resultado da

    fantasia sensorial e social do processo. O objeto de desejo seduz o indivduo

    (Baudrillard, 1981), que quer ser seduzido, e por isso ele tem um papel ativo no jogo da

    seduo (Belk, Ger Askegaard, 2003).

    A realizao do desejo pode desencadear dois processos: 1) de monotonia, com o foco

    na procura por um novo objeto aps a aquisio; e 2) um novo ciclo, em que a

    satisfao j foi experimentada atravs da reciclagem do desejo com o objetivo de

    repetir esses prazeres (Belk, Ger Askegaard, 2003).

    O ciclo do desejo tem um curso inevitvel: desejo aquisio reformulao. Depois

    que o objeto desejado adquirido, ele perde a habilidade de permanecer como o objeto

    do desejo. Se existir alegria na realizao do desejo, ela ser de curta durao ou se

    transforma em rotina, monotonia, podendo at criar sentimentos negativos sobre o

    objeto outrora amado (Belk, Ger Askegaard, 2003).

    O desejo de desejar mantido pelo medo de viver sem desejar. Sentimentos negativos

    como desapontamento, confuso, frustrao e solido so associados ao tempo em que

  • 31

    se vive sem desejar. Viver sem um desejo como viver sem f (Belk, Ger Askegaard,

    2003).

    Como controlar ento o desejo? A culpa um mtodo de represso do desejo de

    consumo bastante utilizado, estabelecida pelo cdigo moral das sociedades. Culpa

    uma palavra de amplo significado, que tem diferentes tratamentos: a culpa moral, que

    inclui a culpa religiosa, a culpa neurtica e a culpa existencial (Scliar, 2002). Para a

    elaborao deste trabalho, ser analisada apenas a culpa moral.

    A culpa moral resultado do conjunto de costumes, crenas, valores e normas de

    carter coletivo e pessoal, resulta da assimilao, desde a infncia, de padres de

    conduta transmitidos (ou impostos) pela famlia, pelo grupo, pela escola ou pela

    religio. Scliar lembra Piaget quando define comportamento moral e diz que a moral

    consiste em um sistema de regras, sistema este que se desenvolve em duas etapas. Na

    primeira etapa, regra uma coisa exterior conscincia, imposta pelos adultos, e a

    obrigao da criana obedecer; seu comportamento avaliado pela conseqncia dos

    seus atos, por exemplo, pelos danos causados a coisas ou pessoas. Numa segunda etapa,

    a moral incorporada pela criana. O fator essencial para uma ao moral o respeito

    mtuo, a responsabilidade coletiva, a cooperao com os outros; desenvolve-se ento a

    noo de justia. Pesam ento as intenes e no apenas as conseqncias (Scliar,

    2006).

    Os desvios dos padres morais tm vrias conseqncias, entre elas a culpa e a

    vergonha. A vergonha ocorre, em geral, de forma imediata, aguda, invisvel: a pessoa

    fica vermelha, a expresso facial se altera. Portanto, na vergonha o componente

  • 32

    emocional pode ser intenso. J a culpa se instala mais devagar, cronicamente; o

    componente emocional, quando existe, no facilmente perceptvel. Freud via na

    vergonha uma formao reativa contra impulsos do exibicionismo sexual, ao passo que

    a culpa seria o resultado de um conflito complexo entre o Superego e o Ego. Na

    literatura psicanaltica, a vergonha associada ao narcisismo. Pessoas que tm traos

    narcsicos mostram-se mais vulnerveis s situaes que causam vergonha (Scliar,

    2006).

    O cdigo moral pode ser o ponto de partida para o surgimento de uma verdadeira

    cultura da culpa, que o cristianismo partilha com o judasmo, enfatizando a punio

    como forma de manter padres de conduta. Nestas circunstncias, os mecanismos

    psicolgicos que desencadeiam a culpa encontram um reforo externo poderoso (Scliar,

    2006).

    A culpa no se expressa apenas no plano religioso, moral jurdico ou psicolgico. A

    culpa pode ter conotao social e poltica. Sentem-se culpadas pessoas pertencentes a

    grupos que exploram ou exploraram, oprimem ou oprimiram, discriminam ou

    discriminaram outros grupos (Scliar, 2006).

    Nos pases mais desenvolvidos, com menos desigualdade social, a culpa ocasionada

    pelo consumo no deve ser to latente como num pas como o Brasil, que apresenta

    altos ndices de disparidade econmica. Todavia, um fenmeno universal e

    contemporneo o consumo mais ponderado do luxo. Na prxima sesso faremos uma

    breve discusso acerca da tipologia do luxo e do novo luxo.

  • 33

    2.4 Ponderaes do Novo Luxo

    Por muito tempo, o luxo confundiu-se com a demonstrao, o cenrio, o espetculo

    ostentatrio da riqueza: o artifcio, o adorno, os signos visveis destinados ao olhar do

    outro constituam-lhe as manifestaes dominantes. Isso no desaparece, mas surgiram

    novas orientaes que testemunharam o recuo dos smbolos honorficos em favor das

    expectativas centradas na experincia vivida imediata, na sade, no corpo, no maior

    bemestar subjetivo. Agora, os produtos de cuidado classificaram-se na primeira

    posio de vendas dos cosmticos, muito frente dos produtos de maquiagem. Os

    centros de cuidado e de recuperao da forma, as clnicas de sade esto em pleno

    crescimento. O importante no mais pr a fortuna em evidncia, mas parecer jovem e

    realar a beleza. De outro lado, as prticas de luxo aventuram-se por caminhos menos

    sujeitos aos primados do olhar, dominados que so pela busca da sade e do

    experiencial, do sensitivo e do bem-estar emocional. O luxo tende a pr-se a servio do

    indivduo privado e de suas sensaes objetivas (Allres, 1999).

    A diversificao e a democratizao abriram espao para que um consumidor que no

    tem condies financeiras de comprar o principal produto de uma grife de luxo compre

    outros itens da mesma grife, mais baratos que o principal, mas que tambm so caros se

    comparados a similares de marcas inferiores (Twitchell, 2002). No so somente os

    muito ricos que esto gastando tanto. Mesmo as pessoas de classe mdia esto

    encontrando formas de se presentear com produtos de luxo. Para os que no podem

    comprar iates, avies e roupas da alta-costura, vem surgindo um novo movimento de

    consumo, em que empresas esto criando produtos de luxo, com maior apelo para as

  • 34

    classes mdias, que aceitam pagar mais, mas no conseguem pagar os preos do

    "antigo" luxo (Betts, Novack e Toyama, 2004).

    Allrs (1999) sugere que estamos presenciando uma mudana no cenrio de consumo,

    com produtos que apresentam um alto preo relativo, o suficiente para serem

    considerados de luxo, mas um baixo preo absoluto, de forma que fiquem mais

    acessveis. Essa tendncia resultou em um fenmeno batizado por Allrs (1999) de

    novo luxo, em que vemos o surgimento de novas categorias de consumo de luxo:

    como cuidar da pele e pagar preos elevados pela segurana.

    2.5 Dimenses do Luxo

    Para entender a dinmica da formao do luxo na sociedade de consumo

    contempornea, preciso entender quais so as principais dimenses que compem o

    consumo do luxo. Para tanto, na prxima sesso ser construda uma anlise de cinco

    dimenses propostas pela literatura.

    Vickers e Renand (2003) concluram que os produtos de luxo podem ser caracterizados

    por um distinto mix de trs dimenses de performance instrumental em termos de

    funcionalismo, experimentalidade e interao simblica, e que produtos de luxo exibem

    um grau maior do mix composto pelas dimenses experimentais e de interao

    simblica, quando comparados aos produtos padres ou que no so de luxo, na mesma

    categoria do produto.

  • 35

    J Vigeron e Johnson (2004) sugerem cinco dimenses-chave do luxo, que devem ser

    estabelecidas e monitoradas para criar uma marca de luxo eterna. Trs das cinco

    dimenses no so orientadas para o indivduo: Ostentao, Unicidade e Qualidade.

    Outras duas o so: Hedonismo e Extenso do Eu

    A partir da diviso das cinco dimenses do luxo propostas por Vigeron e Johnson

    (2004), ser feita uma anlise nas sesses seguintes das quatro dimenses ainda no

    analisadas, na seguinte ordem: Qualidade, Unicidade, Ostentao e Hedonismo.

    2.7.1 Qualidade

    A excelncia na qualidade condio sine qua non para que o item seja percebido como

    um produto premium. A liderana em qualidade deve faz-lo tonar-se referncia em seu

    segmento. Espera-se que as marcas de itens de luxo mostrem qualidade superior s

    demais (Quelch, 1987).

    mais complicado desenvolver uma marca de luxo sem ter um compromisso de longo

    prazo com a qualidade. As pessoas influenciadas pela dimenso do luxo da qualidade

    percebem que as marcas de luxo tm uma qualidade melhor do que as populares. Essas

    caractersticas incluem, mas no so restritas a: tecnologia, engenharia, design,

    sofisticao e acabamento. Por exemplo, velocidade e acelerao dos carros de luxo ou

    a preciso do relgio de luxo so elementos que refletem percepes de qualidade

    (Vigneron e Johnson, 2003).

  • 36

    Os consumidores compram e usam roupas de luxo porque elas tm confiana no

    julgamento do estilo do designer. Muitas vezes, quando o produto notadamente um

    produto de alta qualidade, o consumidor antecipa a satisfao do consumo do item

    (Quelch, 1987).

    2.7.2 Unicidade

    O que os autores da lngua inglesa chamam de uniqueness, trataremos como

    unicidade. As pessoas desejam itens escassos mais do que outros similares disponveis

    porque a sensao de posse sobre tal elemento gera sensaes de distino e

    exclusividade (Snyder e Fronkim, 1977).

    Os indivduos expressam o desejo por unicidade quando procuram por algum produto

    que difcil de ser encontrado para o consumo. A aquisio de um objeto raro

    especialmente desejada se ela ajuda a definir a relevncia da pessoa numa dimenso

    importante da identidade (Snyder e Fronkim, 1977).

    A teoria da psicanlise desenvolvida sobre o desejo humano pela unicidade sugere que

    diferenas motivacionais na procura por dissimilao advm da socializao na poca

    da infncia, que d nfase a caminhos contraditrios: o da obedincia e cumprimento de

    normas e o da criatividade e individualidade. A exclusividade procurada para

    melhorar a imagem pessoal e social do consumidor, seja indicando o bom gosto do

    indivduo, quebrando as regras ou evitando algo que similar. A dimenso da

    exclusividade baseada no pressuposto que diz que a percepo de exclusividade e

  • 37

    raridade provoca o desejo pela marca, e essa vontade ainda amplificada quando

    percebida como cara (Vigeron e Johson, 2004)

    Usamos os quatro vetores de Cartry (2003) para analisar como um item de luxo

    percebido como exclusivo: escassez natural; raridade tcnica; edies limitadas;

    escassez atravs da informao.

    Escassez Natural

    Originalmente causada pela limitao da quantidade possvel de ser obtida de

    determinado recurso, ingrediente ou capacidade de produo. O consumidor do melhor

    caviar do mundo entende que sua oferta limitada porque sabe que as ovas salgadas do

    esturjo do Mar Cspio precisam ser retiradas de dentro do peixe ainda vivo em apenas

    quinze minutos (Cartry, 2003).

    A expertise do homem pode ser tambm percebida como uma raridade. Embora o

    treinamento possa ser uma forma de aliviar essa restrio, no obstante a caracterstica

    peculiar do trabalho artesanal dos bens de luxo (Cartry, 2003).

    A grande demanda por produtos que tm limitaes no processo de extrao ou

    fabricao um limitador para as vendas. A indstria de diamantes tem h sculos

    longas listas de espera por itens bem-acabados. No entanto, se houver uma queda na

    qualidade do produto na tentativa de atender a procura, a imagem da marca pode ser

    absolutamente comprometida (Cartry, 2003).

  • 38

    O maior desafio de quem trabalha com um bem com escassez natural fazer com que o

    mercado reconhea a escassez do bem. Quantos so os consumidores de caviar

    iraniano?

    Raridade tcnica

    Uma vez que um item de luxo no fabricado com componentes raros, a escassez do

    produto pode ser resultado de um processo contnuo de investimentos em novos

    atributos (Cartry, 2003).

    As primeiras televises eram peas raras exibidas nas salas dos primeiros detentores da

    nova tecnologia, smbolo de elitismo e progresso. Os primeiros usurios eram parte de

    uma aristocracia de elegncia e lderes tecnolgicos. Os carros de luxo foram os

    primeiros a incorporar os airbags e os freios ABS em seus acessrios (Cartry, 2003)

    Diferente do luxo da escassez natural, o luxo tcnico , a priori, compatvel com o

    volume porque no tem limitaes fsicas. Todavia, competir por tecnologia uma

    corrida cara e inacabvel. A menos que estejam protegidos por um know-how exclusivo

    ou pela regulao das patentes, se o novo produto, ou a nova caracterstica,

    desenvolvido agradar ao mercado, os competidores vo copi-lo em seguida, anulando a

    dominncia sobre a exclusividade da marca inovadora (Cartry, 2003).

    Para se proteger do ataque da concorrncia, as empresas que decidem inovar tm de se

    proteger. Primeiro, devem investir em pesquisa e desenvolvimento, dando, assim, um

    passo frente das demais; e. depois, trabalhar para que a produo da nova commodity

  • 39

    seja mais custo/eficiente na sua manufatura. As companhias que investem no avano

    tecnolgico nem sempre protegem a eficincia operacional (Cartry, 2003).

    A indstria do luxo j se preparou adequadamente para cobrar devidamente de quem

    pode pagar pela tecnologia. O melhor exemplo de novo a indstria de carros. Um

    comprador do modelo mais caro Mercedes-Benz e seu atributos paga dez vezes mais do

    que pagaria pelo modelo mais barato (Cartry, 2003).

    Edies limitadas

    Se no foi causada por elementos tcnicos ou naturais, a escassez pode ter sido criada

    pelas companhias por meio de sries especiais e aproximao um-a-um com seus

    consumidores (Cartry, 2003).

    Essa limitao voluntria vem do criador do produto que assina um nmero mximo de

    peas para indicar que seu trabalho nico. Essa tem sido a regra no mundo das artes

    para trabalhos originais, pinturas e reprodues (Cartry, 2003).

    Os investimentos da alta costura em caros desfiles, grandes produes e indumentrias

    sofisticadas podem parecer gastos economicamente no eficientes, entretanto eles

    produzem o glamour necessrio para compensar a iniciativa das firmas do pronto-pra-

    vestir (Cartry, 2003).

    As marcas criam valor para o consumidor atravs do reconhecimento de potenciais

    benefcios do reconhecimento de renomados autores, criam sentimentos positivos, e

  • 40

    promovem a idia da expresso pessoal casada com a possibilidade de o consumidor ter

    bom gosto na escolha da marca. As marcas que se posicionam para passar a idia de

    exclusividade transmitem prestgio, status e indicam que so desejadas por outros

    consumidores (Zinkhan e Prenshaw, 1994).

    Quanto mais um produto puder ser observado como um item nico, de fabricao

    artesanal, quanto mais ele se parecer com uma obra de arte, mais valer. No limite,

    possvel oferecer um produto diferente para cada consumidor, o que uma tradio no

    topo do mercado de luxo. Para chegar nesse nvel de customizao, as empresas podem

    se preocupar em no industrializar partes do processo produtivo, ganhando variedade

    em detrimento de ganhos econmicos de eficincia. Todavia, para chegar diretamente

    nos consumidores mais vantajoso ter o acesso direto aos clientes, isto , a firma tem

    que ser dona da ponta de venda (Zinkhan e Prenshaw, 1994).

    Escassez atravs da informao

    A indstria do luxo tem utilizado estratgias de marketing inovadoras para indicar

    raridade. O preo uma das ferramentas escolhidas pelo mercado, seja atravs do

    estabelecimento do seu nvel, seja combatendo sistematicamente polticas de descontos

    e promoes. Quanto mais alto o preo, mais seleto ser o mercado consumidor do

    produto, implicando uma curva de elasticidade-preo positiva. De fato, adotar a

    estratgia de preo premium pode aumentar os apelos esnobe e elitista (Grewal D,

    1998).

  • 41

    O consumidor usa o preo como um indicador de qualidade porque ele acredita que os

    preos do mercado so determinados por foras competitivas de oferta e demanda. A

    seqncia competitiva entre os produtos criaria um equilbrio tal que exista uma relao

    positiva entre preo e qualidade (Dodds, 1991; Rao e Monroe, 1989). Assim,

    consumidores que percebem o preo como uma proxy para qualidade, entendem que

    preos altos so indicadores do luxo (Litchtenstein, Ridgway e Netemeyer, 1993).

    No entanto, a estratgia de preos altos possui duas armadilhas bsicas: 1) o

    desapontamento dos consumidores com o produto pode implicar o fim da marca; e 2)

    ela estimula a entrada de novos concorrentes disputando fatias do mercado. Dessa

    forma, a varivel distribuio uma boa alternativa para estimular a imagem de

    raridade. O bem ser tido como raro porque no est disponvel bem ali na esquina ou

    porque o ambiente criado na ponta de distribuio do produto tem uma atmosfera

    elitista (Cartry, 2003).

    Alm das estratgias de preo e distribuio, as marcas de luxo podem difundir a idia

    de exclusividade atravs da propaganda com mensagens criativas em canais

    apropriados. A estratgia publicitria deve ser cuidadosamente construda, uma vez que

    tem como objetivo atingir um segmento muito pequeno. Para atingir seu alvo de uma

    forma mais assertiva, as firmas do luxo recorrem s seguintes alternativas: 1)

    desenvolver programas de relaes pblicas; 2) associar-se a outras marcas fortes de

    luxo (Cartry, 2003).

    Alm das mensagens que eles recebem, os consumidores visualizam a caracterstica da

    raridade do luxo melhor quando ela transmitida atravs de nomes, logos e embalagens,

  • 42

    ou quando ela materializada em museus e a marca tem seu nome contado atravs de

    histrias (Cartry, 2003).

    Quando a raridade percebida atravs da informao, a indstria utiliza a magia do luxo

    e todo o simbolismo imbudo na criao das idias para construir o imaginrio

    consumido pelos vidos receptores, que compram sem perguntar o preo o produto

    escondido nas prateleiras (Cartry, 2003).

    O segredo a arma do negcio na indstria do luxo. Criar um ambiente de mistrio

    um recurso recorrente usado pelas firmas para despertar o desejo. Detalhes operacionais

    e financeiros manchariam a beleza das obras e por isso so severamente escondidos.

    Ser que algum que paga 1.000 euros numa cala Dior ficaria agradado em saber

    quantas pessoas tm a mesma pea?

    A criao de smbolos faz com que a aura elitista se consolide, mudando inclusive o

    vocabulrio utilizado nesse segmento. Nos meios de produo do luxo, os desenhistas

    so criadores, e trabalham no em companhias mas em casas de criao, as fbricas so

    oficinas e os produtos so modelos (Cartry, 2003).

    2.7.3 Ostentao

    O rico ufana-se de suas riquezas porque sente que atraiu naturalmente para si toda a

    ateno do mundo. O pobre, ao contrrio, envergonha-se da sua pobreza. Sente que ela

    o coloca fora da vista da humanidade. Sentir que no temos ateno decepciona

    necessariamente os mais ardentes desejos da natureza humana (Adam Smith, 1759).

  • 43

    Byrne (1999) destaca que a aquisio de bens materiais uma das medidas mais fortes

    do sucesso social e status, indicando que as pessoas so mais favorveis a comprar e

    expor bens do que servios.

    O desejo de status responsvel por grande parte do comportamento do consumidor

    (Eastman, 1999). Status a posio ou lugar no ranking que um indivduo ocupa na

    sociedade ou em um grupo e dada pelos demais. Status uma forma de poder que

    consiste em respeito, admirao, considerao e inveja dos outros, e representa os

    objetivos de uma cultura (Bierstedt, 1970). Os acadmicos definem trs tipos de status:

    status por natureza (ex: reis e rainhas); status meritocrtico; status adquirido atravs do

    consumo (Brown, 1991; Eastman, 1999).

    Os consumidores adquirem, tm, usam e exibem alguns bens e servios para provocar o

    seu senso pessoal, para mostrar a imagem de como so, para representar o que so e

    sentem e para indicar quais so os tipos de relaes sociais que querem ter. O valor de

    determinados produtos so elaborados a partir do quanto as outras pessoas estimam o

    determinado bem (Belk 1988).

    Packard (1959) aplicou na sociedade moderna a idia vebleriana do consumo

    ostentatrio, sugerindo que as pessoas consomem produtos para demonstrar um nvel

    superior para si mesmos e para seus amigos, e ele define como procuradores de status

    as pessoas que esto sempre tentando se cercar de evidncias visveis que demonstrem

    sua posio superior.

  • 44

    As pessoas tm necessidade de pertencer a grupos para que estejam psicologicamente

    satisfeitas. Num primeiro momento, elas imitam outros membros do grupo, depois, os

    indivduos lutam pelo reconhecimento atravs da diferenciao. E como demonstrao

    de superioridade elas, algumas vezes, utilizam sua renda para se destacar dos demais

    (Dawson e Cavel, 1987).

    2.7.4 Hedonismo

    As pessoas compram produtos no s pelo que eles podem fazer, mas tambm pelo que

    eles significam (Levy, 1959, p. 118).

    Aqueles que procuram pelos itens de luxo so considerados consumidores hednicos

    quando buscam por recompensas emocionais e satisfao pessoal atravs da compra de

    produtos avaliados de acordo com o valor dos benefcios emocionais e propriedades

    intrnsecas, mais do que por sua funcionalidade (Seth, Newman e Gross, 1991). O

    consumo hednico um processo que envolve multissensorialidade, fantasia e aspectos

    emocionais da experincia do consumidor com o produto (Holbrook e Hirshman, 1982).

    Atualmente, a crena em que possvel modificar o mundo apenas atravs da fora

    mental ou emocional convencionalmente chamada de mgica. Algo que a maioria de

    ns associa tanto com o mundo do entreterimento e das festas infantis, quanto com um

    estgio muito mais antigo, primitivo e supersticioso da evoluo humana. Mas pensar

    dessa forma revela justamente como se est alheio ao mundo contemporneo. Pois no

    apenas no mundo dos livros infantis e do cinema que a mgica se apresenta atualmente

    de forma to proeminente. A mgica definida como a habilidade de modificar tanto a

  • 45

    prpria pessoa quanto seu meio ambiente apenas com atitudes, pensamentos e emoes

    (Campbell, 2006).

    O consumo hednico composto pelas facetas do comportamento do consumidor

    relativas multissensorialidade, fantasias e aspectos emotivos da experincia de algum

    com um produto. O consumo sensorial resulta em experincias em todas as modalidades

    dos sentidos, gostos, sons, odores, sensaes tteis e imagens. Todavia, quando uma das

    modalidades dos sentidos estimulada, nossa mente responde com lembranas e

    estmulos aos outros sentidos; por exemplo, um perfume pode fazer com que o

    indivduo codifique no s o odor exalado, mas pode estimular o imaginrio interno,

    criando sons, imagens e sensaes que tambm sero experimentadas (Holbrook e

    Hirshman, 1982).

    Os indivduos respondem atravs da codificao dos estmulos sensoriais com reaes

    externas e internas, com a formao de um imaginrio, que pode ser histrico ou de

    fantasia. O imaginrio histrico remete a pessoa a algum tempo passado, provocando a

    sensao de nostalgia. Os elementos sensoriais de olfato, paladar, audio, tato e viso

    do imaginrio da fantasia nunca ocorreram, mas so reunidos em uma determinada

    configurao pela primeira vez e assim experimentados, formando o fenmeno mental

    da fantasia (Holbrook e Hirshman, 1982).

    Alm dos elementos sensoriais, outro aspecto relacionado ao consumo hednico o

    surgimento das emoes. Elas so um fenmeno motivacional de cunho

    neuropsicolgico que envolve alegria, medo, raiva e xtase (Freud, 1955).

  • 46

    O consumo hednico ligado construo imaginativa da realidade. Assim, os atos do

    consumo hednico so baseados no no que os consumidores sabem da realidade, mas

    sim no que desejam que ela seja. Dessa forma, a construo da realidade pelo indivduo

    pode no ser condizente com a realidade externa (Swanson, 1978; Goulding, 2002).

    O elemento da fantasia refletido na habilidade mgica contida em cada experincia

    hednica de consumo. A experincia mgica transcendental intimamente ligada com

    os processos existenciais psicolgicos e sociais e com as projees pessoais e

    particulares do ser humano nas atualidades de suas vidas (Kapferer, 1998).

    2.7.5 Extenso do Eu

    O eu no pode ser conceitualizado s como um produto de um sistema social, nem

    somente como uma identidade fixa que o indivduo pode simplesmente adotar. Ele pode

    ser uma criao gradual realizada atravs do consumo. Os consumidores tm a liberdade

    de escolher qual imagem iro formar do que eles querem e iro ser, mesmo que,

    paradoxalmente, essa liberdade seja direcionada por valores produzidos por um sistema

    social (Elliot, 1995).

    No mundo ps-moderno, as pessoas podem criar identidades para si atravs de smbolos

    e referncias culturais, referncias humanitaristas, referncias esportivas e de fato, todas

    as referncias possveis. Nesse universo, onde o ecltico e a confuso de valores reinam,

    tudo pode ser absorvido e assimilado de acordo com a livre escolha do indivduo (Cova,

    1997).

  • 47

    O indivduo livre para criar uma variedade de eus e ele utiliza os bens de consumo

    para criar a quantidade que for da sua escolha (Markus e Nurius, 1986). As possesses

    materiais de um indivduo tm uma relevante importncia para seus donos, assim como

    para outras pessoas. O significado pessoal dos nossos pertences uma forma integral de

    expressar nossa identidade e perceber a identidade dos outros (Cova, 1997).

    Campbell (2006) contesta a idia de que os indivduos na sociedade contempornea no

    tm um conceito fixo ou nico de eu, embora sustente a tese de que o consumo, longe

    de exacerbar a crise de identidade, , na verdade, a principal atividade pela qual os

    indivduos geralmente resolvem seus dilemas.

    Todavia, para entender o que nossas posses podem dizer sobre ns, temos de reconhecer

    que, conscientemente ou no, intencionalmente ou no, ns consideramos nossas posses

    como partes de ns mesmos. Nosso frgil senso do eu precisa de apoio, e isso ns

    obtemos quando possumos coisas, porque, em um grau maior, ns somos o que

    possumos (Belk, 1989).

    Para que um objeto seja visto como parte de ns, preciso que sejamos capazes de

    exercer alguma espcie de poder sobre o objeto, assim como controlamos um membro

    do nosso corpo. E assim como controlamos um objeto, ele pode exercer sua identidade

    em ns ou como ferramentas utilizadas para o desenvolvimento do eu (Belk, 1989)

    Uma das formas para entender o poder que os objetos tm na formao da indentidade

    estudar a perda de um objeto. Quando um indivduo ingressa em uma nova instituio e

  • 48

    seus objetos so substitudos por pertences padres da organizao, a identidade do

    indivduo adquirida pela instituio (Belk, 1989)

    A evidncia do poder dos objetos pode ser ilustrada pelos ritos de passagem na morte,

    na ndia, quando objetos do indivduo morto so enterrados junto com ele, para que eles

    o acompanhem em sua morte. Ou ainda quando o x do Ir e Ferdinando Marcos das

    Felipinas destruram todos os seus pertences, encolerizados, quando foram depostos de

    seus cargos (Belk, 1989).

  • 49

    3. METODOLOGIA

    Este captulo apresenta a metodologia utilizada na elaborao deste estudo exploratrio.

    O estudo exploratrio tem por objetivo buscar novas dimenses do luxo no

    comportamento do consumidor de perfume e culos escuros de luxo. Pesquisas

    exploratrias so realizadas com o objetivo de buscar novos indcios e proporcionar

    uma viso geral e por isso devem ter flexibilidade para permitir um novo olhar sobre o

    tema estudado.

    Para a compreenso do processo de pesquisa utilizado neste trabalho, sero abordados

    os seguintes temas:

    - perspectiva adotada na pesquisa

    - pergunta da pesquisa

    - anlise e interpretao dos resultados

    3.1 Perspectiva Metodolgica Estudada

    A pesquisa social pode ser delineada de acordo com os seguintes paradigmas: o

    positivista e o interpretativista. A perspectiva positivista acredita em uma viso nica da

    realidade, construda a partir da existncia de regularidades numricas (Burrell, Morgan,

    1982).

  • 50

    J a perspectiva interpretativista baseia-se em uma viso mais complexa e diversificada

    dos fenmenos sociais. Devido multiplicidade, singularidade e complexidade de

    fenmenos, no se pretende formular regras ou tendncias. Por isso, no

    interpretativismo, o conhecimento gerado a partir de diferentes perspectivas e nuances

    apresentadas sobre um mesmo fenmeno. Os fenmenos no so previstos, mas sim

    descritos, explorados e interpretados, em suas mais diversas verses (Burrell, Morgan,

    1982).

    A pesquisa do consumidor, enquanto tema de pesquisa acadmica interdisciplinar,

    sempre capturou idias de outras reas relacionadas, principalmente das cincias

    humanas e sociais. Todavia, a dominncia do paradigma positivista na pesquisa do

    consumidor tem sido crescentemente suplementada com as perspectivas

    interpretativistas e ps-modernas (Marsden e Littler, 1998). Como resultado, possvel

    perceber um aumento da utilizao de metodologias oriundas das cincias humanas e

    sociais (Shankar, Elliot e Goulding, 2001).

    Para os defensores da perspectiva interpretativista, a realidade objetiva no toda a

    realidade, apenas parte dela (Giannetti, 2006).

    Para Gianneti, o compromisso com a objetividade condena o investigador a uma postura

    cognitiva que faz do objeto de conhecimento, seja qual for, uma superfcie vazia de

    experincia e destituda de subjetividade (Gianneti, 2006)

  • 51

    Na escala micro-individual, a perspectiva recai sobre o indivduo como objeto de

    estudo, buscando entender seu processo individual de tomada de deciso, suas

    motivaes e processos inconscientes (Campos, Suarez e Casotti, 2005).

    3.2 Delineamento da Pesquisa

    Este estudo de natureza qualitativa e carter exploratrio buscou novas dimenses do

    consumo de luxo utilizando o depoimento de ricos consumidores de luxo da cidade do

    Rio de Janeiro, partindo das cinco dimenses propostas por Vigneron e Johnson (2004).

    Como ferramentas para seu desenvolvimento, fez uso de dois itens de luxo: perfume e

    culos escuros.

    Estes dois itens foram escolhidos porque eles tm uma relao intensa com a formao

    da imagem da identidade do indivduo e ambos esto claramente relacionados com dois

    sentidos do corpo humano: o olfato e a viso. Por isso, os entrevistados sentiram-se

    estimulados a responder.

    3.3 Pergunta de Pesquisa

    Esta pesquisa procura responder seguinte pergunta principal de pesquisa:

    Quais so as dimenses do consumo dos ricos consumidores de luxo cariocas?

    Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de luxo?

  • 52

    Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de perfumes de luxo?

    Quais so as principais dimenses associadas ao consumo de culos de luxo?

    3.4 Coleta de Dados

    Este estudo usou como mtodo de coleta de informaes as entrevistas em profundidade

    (Denzin e Lincoln, 2000). Este mtodo adequado quando estamos interessados na

    maneira como as pessoas espontaneamente se expressam, falam sobre o que

    importante para si e como pensam sobre suas aes e as dos outros (Bauer, Gaskell e

    Allum, 2004).

    Foram feitas 12 entrevistas com roteiro do tipo semi-estruturado, com um nico

    respondente. O estmulo individual das entrevistas permite que o entrevistador capte

    informaes que no seriam reveladas diretamente pelo entrevistado e que no esto

    claramente propostas. Para a coleta de dados, foi utilizado o mtodo da entrevista em

    profundidade e a tcnica projetiva.

    Foi elaborado um questionrio (Anexo 1), na forma de roteiro semi-estruturado, para

    orientar os entrevistados. A construo desse questionrio foi feita a partir do

    conhecimento adquirido pela leitura crtica de uma extensa literatura e reconhecimento

    de campo.

    Foram adotados os seguintes critrios na seleo dos respondentes:

  • 53

    a) indivduos de alta renda

    b) consumidores de produtos de luxo, mais precisamente aqueles que consomem culos

    e perfumes de luxo

    c) consumidores que atingiram maturidade profissional e estabilidade financeira, entre

    40 e 53 anos

    d) todos moradores do Rio de Janeiro

    O questionrio foi dividido em cinco partes. A primeira parte contm trs perguntas. A

    primeira tem o objetivo de incentivar os respondentes a flexibilizarem suas respostas.

    As duas outras iniciam a investigao sobre o consumo de luxo. A segunda tem

    perguntas para ajudar a saber como ocorre o consumo individual do perfume. A terceira

    retoma as perguntas gerais sobre o consumo de luxo. Na quarta, so repetidas as

    perguntas da segunda, agora tratando sobre o consumo de culos escuros. Na quinta e

    ltima parte, foram retomadas as perguntas gerais sobre o luxo e suas motivaes. O

    objetivo aqui era saber se depois de refletirem sobre o consumo desses dois itens de

    luxo, eles confirmariam sua reposta inicial ou alterariam o que havia sido dito.

    Foram entrevistados seis homens e seis mulheres, buscando encontrar o equilbrio entre

    solteiros e casados. No entanto, houve dificuldade para encontrar homens casados que

    se declarassem consumidores de luxo e estivessem dispostos a responder ao

    questionrio.

  • 54

    O quadro a seguir apresenta o perfil dos respondentes por idade, estado civil e profisso.

    Todos os nomes apresentados na tabela so fictcios, preservando o anonimato dos

    entrevistados.

    Renata 51 Casada Leblon Arquiteta

    Raquel 49 Solteira Copacabana Dona de Casa

    Cristina 53 Casada Leblon Mdica

    Paulo 41 Solteiro Leblon Advogado

    Fernando 49 Solteiro Lagoa Publicitrio

    Conrado 50 Solteiro Ipanema Mdico

    Ins 41 Solteira Ipanema Produtora

    Maurcio 47 Casado Jardim Botnico Economista

    Otvio 40 Solteiro Ipanema Mdico

    Thas 40 Casada Copacabana Diretora de Marketing

    Rita 43 Solteira Ipanema Advogada

    Laila 40 Casada Jardim Botnico Dona de Loja

    3.5 Anlise e Interpretao dos Resultados

    A primeira etapa do processo de anlise caracterizou-se pelo estudo de cada entrevista

    individualmente. J na segunda etapa, elas foram resumidas e agrupadas de acordo com

    o assunto, para que as vises fossem comparadas, permitindo a construo da anlise.

  • 55

    A separao dos discursos das entrevistas em temas visa a fazer uma comparao entre

    eles, procurar padres, contradies ou qualquer outra conexo interessante. Cada tema,

    ento, foi novamente resumido de forma a identificar os valores e significados

    presentes, ressaltando os de maior incidncia e relevncia. A anlise foi feita tanto com

    relao ao contedo, ou seja, aquilo que foi dito pelos entrevistados, quanto com relao

    ao discurso, que analisa a forma como foi dita.

  • 56

    4. ANLISE DOS RESULTADOS Neste captulo so descritos os principais achados da pesquisa exploratria, obtidos

    atravs da anlise das informaes geradas pelas 12 entrevistas em profundidade

    realizadas.

    A anlise dividida em tpicos relacionados aos objetivos de pesquisa, levantando os

    principais pontos identificados no discurso dos entrevistados.

    4.1 Sobre a Felicidade

    O que felicidade? Essa pergunta tinha como objetivo abrir o horizonte de respostas de

    todo o roteiro, estimul-los a responder com mais emoo do que se responderia um

    roteiro de perguntas sobre consumo.

    Algumas respostas sugerem que, inicialmente, os entrevistados no fizeram uma relao

    direta entre a felicidade e o consumo. O conceito de felicidade surge mais relacionado

    com sentimentos naturais positivos originados do simples fato de estar vivendo, assim

    como a espontaneidade existencial descrita por Gianneti (2006).

    Associaes com ter: paz, famlia, sade, bem-estar e sucesso profissional

    foram recorrentes em mais de cinco entrevistas.

    A minha felicidade pelo menos, ela se baseia... Enquanto eu tiver sade.

    Enfim, acho que o resto a gente corre atrs. (Laila)

  • 57

    Felicidade t muito bem comigo mesma. ter paz. Dormir em paz. saber

    que na vida, s, mas pra mim ... assim, eu acredito muito na coisa da...

    Aquilo que voc faz, voc vai receber... Na maioria das vezes eu tenho. Aquela

    coisa da satisfao... De alcanar um limite. No ... Se hoje o dia for feliz, a

    noite feliz. O dia seguinte ser feliz. Ento viver em paz isso. ... Em

    resumo, uma paz interior. (Cristina)

    Felicidade pra mim ver todo mundo que eu gosto bem. Assim, famlia,

    marido. Principalmente porque minha famlia ficou muito pequena. Assim,

    muito pouca gente e antes era muita gente. Ento agora muito exclusivo.

    Ento eu me preocupo muito com aquilo. Se perder, s aquilo que tenho.

    (Thas)

    Felicidade ter sade. estar de bem comigo mesmo. Ter bons amigos.

    Trabalhar no que gosto. Estar certo no que trabalho. Ser feliz onde eu trabalho.

    Ter um sucesso profissional. Um reconhecimento pelo meu trabalho e

    aproveitar a vida. (Otvio)

    Foi possvel tambm obter definies do que no felicidade.

    Porque no uma coisa sem limite. No uma coisa abstrata. Eu no julgo a

    felicidade uma coisa abstrata. Eu acho que ela real. Ela existe mesmo de fato.

    No fantasia. No sonho. (Cristina)

    Em dois depoimentos foram feitas relaes diretas da felicidade com o verbo ter

    associado ao consumo. Mas curiosamente com o consumo de coisas simples como

  • 58

    tomar vinho, segundo o relato de Maurcio, ou tomar sorvete, como descreve

    Renata.

    Felicidade tomar um bom vinho quando chego em casa do trabalho, tirar

    frias no final do ano, encontrar meus filhos tambm quando chego em casa.

    Ter sade e poder garantir a sade de quem voc ama. Beijar minha mulher

    todos os dias. (Maurcio)

    Felicidade pra mim uma coisa simples. Felicidade pra mim so coisas

    simples. Pode ser a compra de um sorvete, realmente. (Renata)

    Entretanto, se ficou a impresso inicial de que a felicidade no est associada ao

    consumo de coisas caras e grandiosas, de acordo com os relatos dos ricos entrevistados,

    aps associar o simples gesto da compra do sorvete felicidade, Renata parece

    relativizar sua simplicidade, como sugere seu relato:

    Ontem comentei isso com a minha analista. Que s vezes, a felicidade pra

    mim so coisas to pequenas, e s vezes, grandiosas tambm, mas as coisas...

    Pode variar o momento, entendeu? (Renata)

    4.2 O Luxo

    Seria a felicidade um luxo? Estaria o luxo associado ao consumo?A definio de luxo

    para os entrevistados pode ser dividida em duas categorias: o luxo do ser e o luxo do ter.

  • 59

    Quando perguntados sobre o significado de luxo, alguns entrevistados fizeram

    associaes do luxo com comportamento (aproveitar a vida), estilo de vida (fazer o

    que gosto) ou sentimentos como liberdade, ou seja, o luxo do ser. Algumas

    respostas foram ligadas pergunta anterior, que explorou significados sobre felicidade.

    Dimenses do luxo como escassez e exclusividade (Cartry, 2003) pareceram no estar

    ligadas apenas aos bens e servios de consumo. Para o homem contemporneo, a

    dificuldade de ter uma qualidade de vida satisfatria parece ter transformado bem-

    estar e felicidade em um luxo:

    Eu acho o ns que podemos definir como luxo, ligado relao vida, acho o

    luxo voc ter uma boa sade, ter uma qualidade de vida. Poder fazer o que

    gosta de fazer, tendo condies de fazer o que gosta. Aproveitar bem a vida ser

    feliz. ter a vida que eu tenho. Acho isso um luxo. (Otvio)

    Luxo pra mim ter opo. Pra mim eu acho que a falta de opo, ela cerceia a

    sua vida. E voc ter muita opo, na verdade, a grande liberdade que voc pode

    ter na vida. (Paulo)

    Luxo aqui no pingue-pongue seria: fazer o que eu gosto. Mas luxo voc poder

    se d o direito de fazer o que gosta. Luxo... no tem a ver com o valor n? Nem o

    que representa. o quanto me d de prazer. (Antonio)

    J para outros entrevistados, o luxo apareceu mais ligado s posses e ao valor dos bens,

    o luxo do ter (dinheiro, coisas, beleza, glamour, conforto). A definio de luxo deles

    parece se enquadrar com a de Alrres (1990), formada de acordo com o grau de

    acessibilidade do indivduo aos bens.

  • 60

    Luxo pessoalmente eu poder ter aquilo que me conforta. Que agradvel

    pra mim, tanto aos olhos como confortvel. Ento eu procuro uma coisa

    prtica porque ele super prtico. s vezes no pela beleza em si, mas por

    aquilo que ela vai me