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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X PIBID PEDAGOGIA: TRANSVERSALIZANDO GÊNERO E SEXUALIDADES NAS AULAS DE HISTÓRIA Andrêsa Helena de Lima 1 Leandra Aparecida de Sousa Souza 2 Resumo: A equipe Pibid Pedagogia/Ufla - Gênero e Sexualidades, atuante em uma escola estadual do sul de Minas Gerais, com turmas de sexto ano, construiu com as/os estudantes uma encenação teatral com a temática “O Egito na contemporaneidade” para discussão das lutas de mulheres, sobretudo de mulheres negras na sociedade atual. As/os adolescentes foram divididas/os em equipes e durante alguns dias produziram a peça teatral em andanças pelos espaços da escola, como a sala de aula, pesquisas na biblioteca e pátio escolar. Na sala de aula as/os adolescentes sofrem limitações quanto ao espaço físico e quanto a supervisão da escola que durante as oficinas esteve insistentemente na porta da sala para verificar por que as/os discentes estavam conversando. Quando ocupamos a escadaria de saída da escola fomos questionadas/os porque estávamos fora da sala de aula. No dia da apresentação encontramos obstáculos quanto ao local de apresentação da peça, já que espaços como biblioteca e sala de vídeo estavam ocupados e na frente da secretaria, “atrapalharia o andamento do trabalho burocrático”. O poder disciplinar exercido através da produção de verdades, procura controlar os corpos nas redes do poder que aprisionam quem está emaranhado em sua malha. A sensação era de vigilância constante que condiciona adolescentes ao adestramento. Diante dos impedimentos a equipe Pibid resiste com as/os estudantes e a encenação acontece dentro da sala de aula, inspiradas/os em (re)pensar lutas de mulheres negras. Palavras-chave: Pibid Pedagogia. Gênero. Mulheres Negras. Resistência. A escola se constitui historicamente como um espaço de educação que aprisiona e sujeita as crianças através da produção de verdades e de um poder disciplinador mascarado por discursos de autonomia e liberdade. Neste trabalho perceberemos possibilidades de resistência de bolsistas e supervisora Pibid Pedagogia: Gênero e Sexualidades/Ufla no desenvolvimento de oficinas para uma encenação teatral com estudantes do 6º ano a partir das problematizações de gênero e sexualidades. Ao pensar as oficinas fez-se importante a problematização sobre o conceito de gênero, com atenção para a construção social que determina e institui modos de ser homem ou mulher. Louro (2000) enfatiza a construção social das diferenças: Construção social feita sobre diferenças sexuais. Gênero refere-se, portanto, ao modo como as chamadas ‘diferenças sexuais’ são representadas ou valorizadas; refere-se à aquilo que se diz ou se pensa sobre tais diferenças, no âmbito de uma dada sociedade, num determinado grupo, em determinado contexto (LOURO, 2000, p.26). 1 Professora da Educação Básica em escola estadual no Sul de Minas Gerais. Supervisora Pibid Pedagogia: Gênero e Sexualidades Ufla/Lavras-MG/Brasil. Integrante do Fesex < http://fesexufla.wixsite.com/fesex > E-mail: [email protected] 2 Pibid Pedagogia: Gênero e Sexualidades - Universidade Federal de Lavras (Ufla), Lavras/MG-Brasil.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th

Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

PIBID PEDAGOGIA: TRANSVERSALIZANDO GÊNERO E SEXUALIDADES NAS AULAS DE HISTÓRIA

Andrêsa Helena de Lima1

Leandra Aparecida de Sousa Souza2

Resumo: A equipe Pibid Pedagogia/Ufla - Gênero e Sexualidades, atuante em uma escola estadual

do sul de Minas Gerais, com turmas de sexto ano, construiu com as/os estudantes uma encenação

teatral com a temática “O Egito na contemporaneidade” para discussão das lutas de mulheres,

sobretudo de mulheres negras na sociedade atual. As/os adolescentes foram divididas/os em

equipes e durante alguns dias produziram a peça teatral em andanças pelos espaços da escola, como

a sala de aula, pesquisas na biblioteca e pátio escolar. Na sala de aula as/os adolescentes sofrem

limitações quanto ao espaço físico e quanto a supervisão da escola que durante as oficinas esteve

insistentemente na porta da sala para verificar por que as/os discentes estavam conversando.

Quando ocupamos a escadaria de saída da escola fomos questionadas/os porque estávamos fora da

sala de aula. No dia da apresentação encontramos obstáculos quanto ao local de apresentação da

peça, já que espaços como biblioteca e sala de vídeo estavam ocupados e na frente da secretaria,

“atrapalharia o andamento do trabalho burocrático”. O poder disciplinar exercido através da

produção de verdades, procura controlar os corpos nas redes do poder que aprisionam quem está

emaranhado em sua malha. A sensação era de vigilância constante que condiciona adolescentes ao

adestramento. Diante dos impedimentos a equipe Pibid resiste com as/os estudantes e a encenação

acontece dentro da sala de aula, inspiradas/os em (re)pensar lutas de mulheres negras.

Palavras-chave: Pibid Pedagogia. Gênero. Mulheres Negras. Resistência.

A escola se constitui historicamente como um espaço de educação que aprisiona e sujeita as

crianças através da produção de verdades e de um poder disciplinador mascarado por discursos de

autonomia e liberdade. Neste trabalho perceberemos possibilidades de resistência de bolsistas e

supervisora Pibid Pedagogia: Gênero e Sexualidades/Ufla no desenvolvimento de oficinas para uma

encenação teatral com estudantes do 6º ano a partir das problematizações de gênero e sexualidades.

Ao pensar as oficinas fez-se importante a problematização sobre o conceito de gênero, com

atenção para a construção social que determina e institui modos de ser homem ou mulher. Louro

(2000) enfatiza a construção social das diferenças:

Construção social feita sobre diferenças sexuais. Gênero refere-se, portanto, ao

modo como as chamadas ‘diferenças sexuais’ são representadas ou valorizadas;

refere-se à aquilo que se diz ou se pensa sobre tais diferenças, no âmbito de uma

dada sociedade, num determinado grupo, em determinado contexto (LOURO,

2000, p.26).

1 Professora da Educação Básica em escola estadual no Sul de Minas Gerais. Supervisora Pibid Pedagogia:

Gênero e Sexualidades – Ufla/Lavras-MG/Brasil. Integrante do Fesex < http://fesexufla.wixsite.com/fesex > E-mail:

[email protected] 2 Pibid Pedagogia: Gênero e Sexualidades - Universidade Federal de Lavras (Ufla), Lavras/MG-Brasil.

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Articulada à discussão de gênero, apontamos, também, para as de classe, raça e etnia.

“Procura-se refletir sobre os avanços do debate teórico advindos do aprofundamento da

compreensão do gênero como construção social e inter-relacionados com outras dimensões sociais”

(GARCIA, 1998, p.31).

A equipe Pibid construiu, com a participação de adolescentes do 6º ano, uma encenação

teatral com a temática “O Egito na contemporaneidade” que possibilitou a discussão da situação de

exploração vivenciada por mulheres, com foco na mulher negra na sociedade atual.

Para a análise de gênero, estivemos atentas ao referencial teórico, que alertava para as várias

relações estabelecidas socialmente. Scott (1995) lembra o compromisso político das pesquisas ao

relacionar algumas categorias:

O interesse pelas categorias de classe, raça e de gênero assinalavam primeiro o

compromisso do/a pesquisador/a com a história que incluía a fala dos/as

oprimidos/as e com uma análise do sentido e da natureza de sua opressão:

assinalava também que esses/as pesquisadores/as levavam cientificamente em

consideração o fato de que as desigualdades de poder estão organizadas, segundo,

no mínimo, estes três eixos (SCOTT, 1995, p. 73)

O entrelaçamento de discussões tão complexas exigiu um olhar minucioso e dedicado que

revelou nas entrelinhas nuances de nossa sociedade que, passam despercebidas a leituras menos

atentas. A leitura de Scott (1995) sensibiliza o repensar de construções feitas no passado que

permanecem no presente nos desafiando:

O desafio lançado por este tipo de relação é, em última análise, um desafio teórico.

Ele exige a análise não só da relação entre experiências masculinas e femininas no

passado, mas também a ligação entre a história do passado e as práticas atuais.

Como é que o gênero funciona nas relações sociais humanas? Como é que o gênero

dá um sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico? As

respostas dependem do gênero como categoria de análise (SCOTT, 1995, p. 74)

Estudantes atentas, integrantes do Pibid, foram divididas em equipes e durante dois meses

produziram a peça teatral com estudantes de três sextos anos ocupando os espaços escolares e

desafiando toda a comunidade para a discussão. Com a presença do Pibid a escola teve a

oportunidade de reconsiderar falas e comportamentos com a problematização de gênero. Essa

formação negada na maioria das licenciaturas no Brasil agora será cobrada de toda a comunidade

escolar pelas/os estudantes que já refletem essas questões na escola.

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A construção da peça

Na sala de aula as crianças sofrem limitações quanto ao espaço físico e quanto à supervisão

escolar que durante os cinquenta minutos de duração das atividades vigiava e questionava a

movimentação e agitação das crianças ao negociar as falas e papéis para a apresentação. Quando

ocupamos a escadaria de saída da escola, que transformamos em um teatro, fomos indagadas/os

porque estávamos fora da sala de aula. As oficinas eram movimentadas diante das problematizações

com meninas e meninos que tiveram a oportunidade de repensar as práticas sociais, e no caso desse

trabalho, repensando inicialmente a situação da mulher, principalmente da mulher negra e depois

outras questões surgidas durante o processo, quanto ao corpo e a maquiagem de meninas e meninos.

As/os estudantes estavam pesquisando sobre o Egito nas aulas de História e muitas

descobertas já mobilizavam as turmas. A equipe atenta do Pibid intencionalmente apimentou as

discussões com as/os estudantes em atividades que repensaram as pinturas dos corpos e a existência

de rainhas negras. A partir dessas atividades meninas e meninos pediram para vestirem-se e

adornarem-se inspiradas/os nas imagens do Egito antigo. A ideia da construção de uma peça teatral

veio fácil à cabeça, mas a equipe Pibid propôs mais ao transportarmos os questionamentos e

estranhamentos da cultura egípcia acontecidos nas oficinas para as experiências cotidianas de

estudantes na contemporaneidade.

A escrita do texto da encenação aconteceu em sala com participação da equipe Pibid, que

utilizou as anotações das falas de estudantes durante as vivências nas oficinas e com as/os

estudantes que incrementaram com detalhes para a finalização. Decidimos em grupo, pela utilização

de falas curtas em cinco cenas com a participação e revezamento de papéis entre as/os estudantes.

Dessa maneira teríamos no mínimo vinte e cinco personagens, oportunizando a atuação quase de

uma turma inteira. Quem não experimentou a aventura e exposição no palco, colaborou com a

organização da peça desde a montagem do figurino até os artefatos colocados em cena.

O texto, com falas curtas, encorajou a expressão de todas e todos numa primeira encenação:

Egito na Contemporaneidade

1ª Cena F: Eu sou o dono desse castelo!

C: Eu sou a rainha do Egito. Eu faço tudo por esse lar!

M: Eu não sei de nada...

E: Eu sou uma/um escriba. Estou aqui para questionar!

E2: Eu sou a mais inteligente.

RS: Eu sou a mais poderosa de todas as rainhas!

2ª Cena C: O jantar está pronto. Venham para eu servir.

F: Peraí, o jogo tá acabando...

M: Ham? O quê?

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RS: Minha amiga deve repensar...

E: Nessa casa tudo é muito difícil.

3ª Cena F: Vai galo doido!!! (Time preferido do estudante)

M: Essa gororoba que tem hoje pra jantar?

C: Faço tudo e ninguém tá nem aí...

RS: Isso amiga, é tempo de mudança!

E: As mulheres repensaram, as mulheres mudaram!

4ª Cena C: Abaixo a ditadura! Quem quiser comer que faça a comida. Cansei!!!

F: Que absurdooo! Minha rainha contestando?

M: Ô mãezinha, faz aquela batatinha que só a senhora sabe fazer?

RS: Deixa esse povo sem comer, na hora que a barriga roncar, eles que façam a

comida.

E: A casa caiu...

5ª Cena C: O que temos para o almoço?

F: Temos carneiro assado e batatas gratinadas.

M: Estão satisfeitos? Posso lavar a louça?

RS: Revoluções cotidianas, que beleza!!!

E: É possível uma nova atitude!

Legenda C: Cleopátra

F: Faraó

M: Múmia (dependendo da turma pode ter mais de uma múmia que ficará

registrada como M2 ou M3)

RS: Rainha de Sabat

E: Escriba (dependendo da turma pode ter mais de uma/um escriba que ficará

registrada/o como E2 ou E3)

O texto teve a intenção de questionar a realidade de uma família tradicional brasileira. A

maioria de nossas/os estudantes confirmam que essa é a realidade de suas casas. Na primeira cena

as personagens apresentam-se e percebemos situações vivenciadas cotidianamente pelas/os

estudantes. A Cleópatra é uma rainha orgulhosa que faz tudo pelo seu lar e família. O Faraó é o

dono do castelo, a Múmia foi representada por um adolescente desligado e sem compromisso com a

participação e decisões da casa. Outros personagens fundamentais no enredo são a/o escriba

responsável pela escrita da lei e da Rainha de Sabat, a amiga questionadora da rainha mãe.

Na terceira cena Cleópatra já está incomodada com situações de exploração vivenciadas em

família. A Rainha de Sabat e o/a escriba comentam a situação e possibilitam a ampliação da

discussão. Na quarta cena a Rainha Cleópatra revolta-se e abandona o lar, Faraó e Múmia foram

surpreendidos. A Rainha de Sabat e a/o escriba festejam o acontecimento.

Na quinta e última cena Cleópatra retorna ao lar a partir do repensar e de novas atitudes do

Faraó que agora está responsável pela realização do jantar e da Múmia que assumiu o compromisso

com a limpeza da cozinha. A Rainha de Sabat e o/a escriba comemoram as revoluções cotidianas.

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Inspiradas em Foucault (1998) refletimos com as/os estudantes que onde há o mínimo de

liberdade há possibilidade de transgressão. Todas e todos a cada dia estávamos mais

comprometidas/os com a execução da peça que envolveria toda a escola para a promoção de

revoluções cotidianas.

Outro desafio para a equipe Pibid e estudantes foi a criação do nosso figurino com poucos

recursos materiais. Nesse momento, não poderíamos pensar em desistir, pois estávamos muito

envolvidas/os e as discussões estavam acaloradas. Seguimos resistindo e optamos pela confecção de

colares e braceletes de papel, turbantes de tecido TNT. Tudo foi confeccionado com material do

projeto da equipe Pibid e da escola e pinturas corporais com a maquiagem das estudantes. As/os

estudantes toparam a resistência e decidiram participar da apresentação com o uniforme da escola

para incitar a comunidade e comprovar que a escola pública também pode construir projetos

inovadores.

As rainhas negras

Com o objetivo de incentivar a participação de um número maior de meninas ao

percebermos que as estudantes tinham uma certa curiosidade com a escolha da menina que

interpretaria a Rainha Cleópatra, nos preocupamos em trazer outra possibilidade de atuação como

uma rainha negra. Dessa maneira, ao escrevermos com elas e eles o texto criamos a personagem

Rainha de Sabat. Como nossa peça era composta de cinco cenas, decidimos pelo revezamento das

personagens em cada cena. Dessa maneira, surgiu a necessidade da interpretação de

aproximadamente dez rainhas, ou seja, cinco Cleópatras e cinco Rainhas de Sabat.

Buscamos algumas leituras para o entendimento da preocupação de meninas principalmente

negras com a escolha da estudante para o papel principal. bell hooks (2013) nos fala da situação

vivida em sua infância: “Na época do Apartheid, meninas negras de classe trabalhadora tinham três

opções de carreira. Podíamos casar, podíamos trabalhar como empregadas e nos tornar

professoras”.

Essa situação ainda nos pareceu muito próxima de nossas estudantes já que em poucos

momentos a educação brasileira vem repensando a educação de meninas e meninos negros e negras.

A produção dos artefatos culturais que atingem essa população ainda negligencia essa discussão e

as meninas não se veem como rainhas ou com um padrão de beleza eleito pelas mídias e sociedade

em geral como o mais bonito. As meninas tiveram dificuldades para aceitar a fotografia e a

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maquiagem porque não se enxergavam como rainhas, achavam que o cabelo não combinava com a

coroa e nem a maquiagem era para a pele delas.

Alguns se referem ao cabelo como: “ninho de guacho”, “cabelo de bombril”, “nega

do cabelo duro”, “cabelo de picumã”! Apelidos que expressam que o tipo de cabelo

do negro é visto como símbolo de inferioridade, sempre associado à artificialidade

(esponja de bombril) ou com elementos da natureza (ninho de passarinhos, teia de

aranha enegrecida pela fuligem) (GOMES, 2002, p. 45)

Problematizar com estudantes quando uma menina tem o seu cabelo chamado de Bombril e

por isso ela acha que não deve ser a rainha, faz parte da atuação intencional nas brechas.

Incentivadas pela fala de hooks (2013) buscamos “uma prática pedagógica revolucionária de

resistência, uma pedagogia profundamente anticolonial”.

Construir atividades com crianças e adolescentes que possibilitem o questionamento dos

nossos currículos torna-se a cada dia um desafio para a equipe Pibid Pedagogia: gênero e

sexualidades como nos fala Gomes (2002):

Embora atualmente os currículos oficiais aos poucos incorporem leituras críticas

sobre a situação do negro, e alguns docentes se empenhem no trabalho com a

questão racial no ambiente escolar, o cabelo e os demais sinais diacríticos ainda são

usados como critério para discriminar negros, brancos e mestiços. A questão da

expressão estética negra ainda não é considerada um tema a ser discutido pela

pedagogia brasileira (GOMES, 2002, p. 45).

Seguimos com a perspectiva de resistência para a modificação da nossa legislação.

Figura 1 O desafio da maquiagem Fonte: Acervo pessoal

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Figura 2 Espanto da colega com a nossa rainha Fonte: Acervo particular

A discussão sobre masculinidades

No dia da apresentação vivenciamos muitas situações de estranhamento diante da

maquiagem com os meninos. Eles estavam curiosos e queriam experimentar, mas ao mesmo tempo

intimidados pela presença agressiva de alguns colegas que insistiam que maquiagem não é artefato

utilizado por “homens de verdade” (Estudante 6º ano A).

Junqueira (2009) nos instiga para a reflexão:

Vale ainda observar que a construção da masculinidade segundo padrões

normativos hegemônicos é um processo fortemente cerceador e que apresenta

fortes vínculos com o sexismo e, mais especificamente com a homofobia. Nele, o

indivíduo de sexo masculino, para merecer sua identidade masculina (de “homem

de verdade”), deve dar mostras contínuas de ter eliminado de si qualquer elemento

que indique feminilidade ou homossexualidade. Deve ostentar crenças e atitudes

viris, agressivas, ao mesmo tempo sexistas e homofóbicas (JUNQUEIRA, 2009, p.

123).

Figura 3 Meninos e o desafio da maquiagem Fonte: Acervo particular

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Figura 4 Estranhamento com a maquiagem Fonte: Acervo particular

Durante a pesquisa de imagens que nos aproximasse do Egito, meninas e meninos ficaram

encantadas/os com a beleza dos colares e braceletes utilizados pelos faraós e rainhas do Egito.

Assim, pensamos com elas e eles a utilização desses artefatos na apresentação. Os artefatos foram

construídos por todas e todos, mas os meninos ainda não estavam certos da sua utilização.

Inicialmente eles não sentiram-se muito à vontade para a utilização desses adornos. Então,

resolvemos que além de mostrar os reis do Egito utilizando colares e braceletes partiríamos para a

desconstrução desse imaginário ao problematizar um pouco mais os artefatos utilizados pelos

cantores de funk e rap. As falas modificaram-se e jovens passaram a repensar. Um estudante da

turma do 6º ano A diz “dessa maneira eu usaria...” outro estudante lembra que o relógio do pai,

inspirado num cantor de rap famoso, “é tão grande que parece um bracelete”.

A construção de gênero acontece de forma processual, formando corpos masculinos e corpos

femininos, resultados do contexto de determinada sociedade e cultura por meio de discursos e

representações.

Ser homem, ou melhor, tornar-se homem, saber que comportamentos adotar de

acordo com o espírito de um tempo, é um aprendizado social, implementado por

diferentes agências sociais, algo relacionado não só a dimensões culturais, como

também à economia e a política, aos projetos de país e aos debates relacionados à

identidade nacional. Por isso, dado o quadro complexo em que se insere o tema,

mesmo que aja um conjunto de compreensões majoritárias, é mais adequado falar

em masculinidades, que convivem e têm pontos de divergências (MELO, 2013, p.

147).

Com essa intervenção e dedicação da equipe para a problematização tornou-se possível

repensar com os/as estudantes participantes que ao final exibiam-se mais que confortáveis para um

registro fotográfico.

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Figura 5 Estudantes orgulhosos de seus colares Fonte: Acervo particular

Figura 6 Estudantes exibem-se para o registro Fonte: Acervo particular

O grande dia: a apresentação

No dia da apresentação encontramos muitas impossibilidades quanto ao local de

apresentação das/dos estudantes, já que espaços como biblioteca e sala de vídeo estavam ocupados

e na frente da secretaria, “atrapalharia o andamento da parte burocrática escolar”. O poder

funcionava como uma rede que aprisiona os indivíduos e de alguma forma, em algum momento

exercem ou sofrem a ação do poder. O poder disciplinar exercido através da produção de verdades,

procura controlar os corpos dos que enredam nas redes que aprisiona os que estão emaranhados na

sua malha. Na tentativa de privar a liberdade de expressão dos corpos, percebeu-se que com o

confinamento das crianças seria mais fácil modelar os corpos com docilidade e utilidade.

A sensação de ser vigiada/o através das frestas da malha condiciona as crianças a serem

adestradas e naturaliza a obediência dos seus corpos. Diante das tentativas de impedimento,

resistimos e realizamos a apresentação em sala e percebemos que as/os estudantes apropriaram-se

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de uma forma intensa do tema trabalhado, uma vez que os conceitos abordados e sistematizados nas

experimentações proporcionadas pelo teatro aparecem com facilidade em suas falas. A partir do

espaço privilegiado de discussão com a equipe Pibid tornou-se possível a construção da autonomia

para manifestar seu conhecimento de forma significativa.

Figura 7 Toda a turma reunida Fonte: Acervo pessoal

Figura 8 Outra turma veio assistir Fonte: Acervo pessoal

Considerações finais

Participar de um projeto como o Pibid (Programa de iniciação à docência)Pedagogia Ufla

com a oportunidade de discussão de gênero e sexualidades entrelaçadas as de raça e etnia é uma

experiência única tanto para as bolsitas quanto para a supervisora da escola estadual, para as e os

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estudantes envolvidas/os com as oficinas e também toda a equipe que trabalha na escola que de

alguma maneira entrará em contato com as discussões.

Para as bolsistas esse contato com uma instituição pública pode desmistificar inverdades

sobre a escola pública e promover a reflexão para a criação de novas estratégias que colaborem para

a melhoria desse espaço.

A supervisão, participa do processo de formação continuada e torna-se fortalecida para a

discussão que exige pesquisa, trabalho em grupo com a orientação da coordenação do programa

para a reflexão e construção das atividades com as/os estudantes.

Pensamos que a movimentação da escola vem surtindo efeito e já planejamos novos projetos

com o envolvimento de toda a equipe. As pessoas não entendem inicialmente porque não tiveram

acesso a essa discussão anteriormente, mas com a presença da equipe Pibid na escola essa formação

pode acontecer.

As/os estudantes das turmas aguardam semanalmnte a chegada da equipe Pibid com a

possibilidade de participação em atividades que elas/eles sempre nos relatam que estavam

surpreendentes.

Seguimos assim, planejando a continuação das discussões sobre as diversidades e diferenças

para a promoção de uma escola pública comprometida com o diálogo e a problematização de

questões antes silenciadas, mas pertinentes à nossa soiedade.

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ARILHA, Margareth; RIDENTI, Sandra G. Unbehaum e MEDRADO, Benedito (orgs.) Homens e

masculinidades: outras palavras. São Paulo: ECOS, Ed. 34, 1998, p. 31-50.

GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de

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2478

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Tradução de

Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 2013. 281 p.

JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Diversidade sexual e homofobia. In: Constantina Xavier Filha (Org.)

Educação para a sexualidade, para a equidade de gênero e para a diversidade sexual. Campo

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LOURO, Guacira Lopes. Currículo, gênero e sexualidade. Lisboa, PT: Porto Editora, 2000.

MELO, Victor Andrade de. Novas performances públicas masculinas: esporte, a ginástica, a

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homens no Brasil. São Paulo: Editora da Unesp, 2013. p. 119-152

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e realidade. Porto Alegre,

v. 20, n. 2, p. 71-99, jul./dez. 1995.