pesquisa audiovisual em comunicação
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Pesquisa Audiovisual em Comunicao: Um convite ao dilogo1 Felipe Gue Martini2
Faculdade Amrica Latina Resumo Esta reflexo parte da pesquisa Auto-representao e produo audiovisual no coletivo Nao Perifrica, apresentada ao PPGCOM da Unisinos em 2011. Interrogamos a apropriao audiovisual como dispositivo metodolgico cientfico, tema derivado da Antropologia Visual, onde a noo de Antropologia Partilhada, proposta e descrita por Jean Rouch nos anos 1960, surge como norte; o etngrafo francs props compartilhar aes e reflexes investigativas junto de seus sujeitos observados, a fim de favorecer a apropriao das pesquisas pela coletividade participante. A Antropologia Partilhada contribuiu para delimitar a linguagem do filme documentrio e tornou-se paradigma etnogrfico. Quais seriam os limites de sua aplicabilidade em outras cincias e contextos? Acreditamos que a Comunicao campo privilegiado onde a discusso sobre os mtodos de Rouch ressurge com atualidade e pertinncia. Palavras-chave: Comunicao; Audiovisual; Metodologia.
1. INTRODUO
O poeta banido da esfera poltica por Plato est de volta. E parece que transformou a
caverna escura e iluminada pela tocha cinematogrfica na nova sensao mundana de
existir. Quando Benjamin descreve o papel do intelectual de seu tempo (em 1934),
busca na figura de linguagem do poeta a imagem capaz de expressar sua viso de
tendncia. Est preocupado com a forma. No basta um contedo revolucionrio se, ao
mesmo tempo, no se reinventarem os meios de produo, as formas expressivas desse
contedo (1994, p.131). Inspirado no teatro pico brechtiano, ele supe a queda das
dicotomias entre pblico e plateia, leitor e produtor.
Benjamin metafrico, fala de sua sociedade criando referncias visuais e poticas. No
a toa que sumiu da histria do sculo XX, para reaparecer no alvorecer ps-moderno,
como representante de um pensamento transgressor e visionrio. A percepo de que o
conhecimento cientfico um produto conquistado, uma investida contra noes
1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos de Audiovisualidades do V SIPECOM - Seminrio Internacional de Pesquisa em Comunicao. 2 Coordenador do curso de Jornalismo da Faculdade Amrica Latina Caxias do Sul, RS.
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estabelecidas anteriormente (BACHELARD, 1971, p.143-163) fica clara atravs de sua
pulso criativa.
As rupturas epistemolgicas parecem criar desordens. Em termos de audiovisualidade
cientfica, a experincia mais marcante da cincia contempornea o cinema
etnogrfico de Jean Rouch. Inspirado nas experincias de Robert Flaherty e outros
etngrafos, ele convidou personagens de filmes/sujeitos de pesquisa a debaterem suas
atuaes artstico-cientficas em cena e abriu novos caminhos para as interpretaes
antropolgicas. Seria como ler nas entrelinhas? Ou ele ampliou a lente do pesquisador
sobre seu material pesquisado, ou assumiu de vez o lugar do simulacro no cientificismo
tcnico-racionalista. Na prtica, trouxe flego ao cinema documentrio, atravs dos
questionamentos reflexivos que deslocaram a viso esttica sobre as obras. H sempre
um processo, no existe transparncia, a linguagem sempre interpretativa e cultural.
Documentrios lidos como peas cientficas parecem expressar cineticamente noes
ps-estruturalistas como a impossibilidade de sairmos da linguagem e a necessidade de
abrir brechas nessa condio para irromper formas estabelecidas. O cinema tambm
hermtico, mas potico por natureza, imaginrio. Aberto, polissmico? Ele permitiu
novas entradas e tambm ajudou a conduzir o texto literal da antropologia urbana para
investidas repletas de subjetividade, inventividade. A forma redacional (ANGROSINO,
2009, p.104) da escrita antropolgica oferece o contato com os dados puros, percurso
fabricado no campo, que assim como o vdeo, depende da envergadura discursiva do
autor.
A dimenso esttica da cincia parece adquirir relevncia, no apenas em termos de
apresentao e leitura, de acesso ampliado diferentes pblicos, mas enquanto quesito
epistemolgico mesmo. Parece que h um universo de expresso prprio desse campo
de saber que tem exigido de seus artesos, buscas em esferas sensveis de discurso.
Como se a objetividade no fosse capaz de apreender sinais presentes em nossas
sociedades. Algumas perguntas se apresentam: como se d esse processo de ruptura no
dilogo entre audiovisual e cincia atualmente? Uma vez que os dispositivos de
produo e reproduo audiovisuais avanam rapidamente sobre todas as esferas da
sociedade, de que formas emergem essas narrativas cientficas? Veremos em breve uma
linguagem de cincia audiovisual? Algo diferente do uso do audiovisual em pesquisas,
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ou da reproduo de pesquisas numa linguagem audiovisual, mas uma forma prpria de
textualidade, de fruio flmica cientfica? Trazemos breves indcios conceituais e
materiais na tentativa de cercar essas questes. No uma defesa, mas uma reflexo.
2. PANO DE FUNDO
O discurso cientfico como modelo explicativo da natureza humana se impe como
nova religio desde a revoluo copernicana. Traz as formas produtivas de experincia e
bane a alquimia; revela o universo tautolgico da prova material como caminho a
seguir. Deus e o rei so insuficientes, basta o cientista. A queima das bruxas acontece
seguindo uma ordem, o modelo de acumulao asceta descrito por Weber como tica
protestante. O chamado esprito do capitalismo no parece ter alma, est muito mais
para carne pura que pode (e deve) aniquilar-se na direo do progresso. Em termos
dialticos, essa mesma cincia positiva instalada, traz consigo erupes, talvez porque
seu sistema explicativo no d conta de tudo (escamoteando deuses e diabos,
naturalmente). Os grandes questionamentos do sculo XX podem ser vistos assim,
racionalmente, como a prova material da insuficincia ou do sucesso do modelo. Afinal,
a cincia permite-se revolucionar desde dentro (ser?). Tanta liberdade para qu?
(pergunta Nietzsche atravs de Zaratustra).
Tal liberdade no tem a ver com uma concepo tradicional, essencialmente negativa
liberar-se daquilo que nos constrange, romper com o estabelecido (FURTADO, 1973,
p.204), estamos no reino da positividade, da inovao, da eficcia. Abrigados da
liberdade transcendente e religadora da esttica kantiana, ou da faculdade humana de
autotransformar-se. Estamos livres, desde que produtivos.
Talvez a indeterminao seja a prpria experincia contempornea. E posicionar-se
tica e politicamente na direo de romper com o estabelecido seja uma tarefa quase to
herclea quanto definir o que liberdade sem metafsica (assim como o Esteves sem
metafsica, dono da Tabacaria de lvaro de Campos). Enjaulados no sistema
burocrtico? no sistema racional? no sistema capitalista global de mercado? Sobretudo,
definidos e delimitados pelo sistema discursivo e lingustico.
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Notamos no alvorecer da sociedade do conhecimento a visualidade, a imagem tcnica
como um paradigma particular, como sistema de significao autnomo a desafiar as
capacidades humanas de compreender o mundo. Novidade no pelo acontecimento em
si, mas pelo volume. Presena imperativa que altera os objetos, recria universos
anteriores, condiciona percepes. As investigaes dentro das Cincias Sociais,
enquanto prticas sensoriais, convivem na noosfera procura de seus marcos,
sintagmas, discursos. Submetidos aos processos analticos disponveis de miniaturizar
(BOURDIEU, 2004, p.72) essas realidades em busca de suas lgicas interiores,
fabricamos nossas categorias de acordo com as condies de nosso tempo, onde a
abstrao um construto histrico determinado e determinante (MARX, 1977). No
tempo da imagem, do simulacro, da estetizao do cotidiano, a presena massiva e
invasiva da audiovisualidade material e espiritual.
Nas Cincias Sociais, a fotografia e o cinema lanam as bases audiovisuais no campo.
Inicialmente, so suporte para escritas etnogrficas coloniais. Fotografias e filmes
trazem realidades distantes aos gabinetes, onde atestam, com o peso da analogia
perfeita, a materialidade dos relatrios descritivos. No estudo Balinese Character
(1942), de Gregory Bateson e Margareth Mead, as fotografias ganham o primeiro plano
na descrio de posturas e costumes. Antes disso, na dcada de 1920, Lewis Hine
improvisa no papel de socilogo ao mostrar fotografias do trabalho infantil nas
indstrias norte-americanas, favorecendo o fim da explorao. Na poca, sua
contribuio para o fotojornalismo foi mais perceptvel, do que sua influncia nas
Cincias Sociais (j que os estudo urbanos s seriam sistemticos e sistematizados
alguns anos mais tarde), mas a interlocuo promovida um marco3.
Experincia que preserva relao com as incurses de Jean Rouch, pela repercusso em
diferentes esferas da sociedade e pelo olhar sobre o universo urbano. Assim a proposta
de seu filme mais conhecido, Crnicas de um vero (1961), que insere o som direto no
documentrio e vai as ruas de Paris acompanhar o dia a dia de pessoas comuns. No
seu filme etnogrfico mais pertinente, cientificamente pode ser considerado um
fracasso, pelos mtodos falseados e as abordagens distantes do rigor, mas uma
3 Assim como as fotografias de campo de Malinowski e Lvi-Strauss, que s foram publicadas anos depois das realizaes, revelando os bastidores de seus estudos basilares.
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aventura narrativa e estilstica. Delimita um campo de observao possvel atravs da
cmera e um mtodo: a Antropologia Partilhada, esse formato de realizar o filme,
mont-lo, discuti-lo com seus personagens/atores e incluir a discusso na montagem
final. No somente uma questo de forma. O fundo epistemolgico de convidar
sujeitos a integrar a produo como personagens de si mesmos a base do trabalho,
onde as tentativas e as reflexes sobre essa fabricao so o foco das produes. E de
estudos semelhantes que pululam a partir de sua popularizao.
Metodologia que logo adotada como frmula, onde o dispositivo surge pr-arranjado,
como prpria condio de pesquisa favorecendo aberturas somente visando o contedo.
Em termos cientficos, cada incurso exigiria arranjos especficos para dar conta das
dimenses de sentido oferecidas, levando em considerao contextos materiais reais,
historicidade, lgicas passveis de apreenso (MALDONADO, 2008). Essa a licena
para pensar poeticamente estticas prprias da comunicao que desafiam os
pesquisadores a produzir snteses textuais de suas vivncias. O audiovisual surge como
potencialidade pela prpria natureza expressiva: uma criao sempre imaginria do
mundo. Por mais que exista o esforo objetivo, prprio da linguagem audiovisual sua
dimenso psicolgica, enigmas de identificao, projeo, realizao catrtica. Mas ao
sair da tela escura rumo a condio de tese sobre a realidade, quais caractersticas se
preservam? Mesmo no documentrio, a dimenso esttica a base para a fruio. H
filmes sem linguagem, mas ser que podemos cham-los de filmes? O filme obedece
lgicas gramaticais e sintticas que organizadas, repetidas, mais ou menos
internalizadas pelo pblico, oferecem uma condio de linguagem cinematogrfica
(MARTIN, 2005). Ser que assim como no documentrio reflexivo, por exemplo,
quando a transparncia cinematogrfica adquiriu status de forma narrativa, existiro
outras formas precedentes, vindouras, surgidas de um audiovisual cientfico?
3. ENFIM
No estudo chamado Fotoetnografia da Biblioteca Jardim, Achutti defende as
fotografias produzidas no campo como elementos autnomos. Elas so a pesquisa,
embora o processo de realizao seja descrito, das justificativas ao clique. Achutti
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fotgrafo. H (pelo menos) uma limitao material para o surgimento de uma
linguagem audiovisual cientfica: a habilidade do pesquisador. Em sentido amplo, no
s de ligar a mquina, mas de racionalizar seus processos a partir das especificidades
hermenuticas que os meios exigem. Experincias cinematogrficas se multiplicam
diariamente e a reflexo sistemtica corre atrs. Talvez as tendncias sejam outras. H
potencialidade latente, porm, e a Comunicao parece campo onde a inveno desses
delrios permissvel, por algumas caractersticas particulares:
1. alguns de seus objetos de estudo so sutis, exigem cerceamento e mapeamento
exaustivo de suas delimitaes, onde os processos narrativos para descrev-los
permitiriam ou exigiriam ngulos inovadores;
2. pesquisadores de comunicao, geralmente, so graduados na rea, onde existe
formao em audiovisual e uma probabilidade maior de habilidade e domnio tcnico
das mquinas de imagem. Alm de um saber atualizado sobre formas e tecnologias de
produo audiovisual4;
3. existe uma tenso histrica nas graduaes de comunicao brasileiras entre o
tecnificismo e o intelectualismo (MARTINO, 2005), onde o ensino por pesquisa
audiovisual pode trazer uma contribuio apaziguadora ao levar os discentes a
dialogarem com as dimenses reflexivas da tcnica aplicada a pesquisa.
Perspectivas para futuras discusses, dentro e fora do espao acadmico.
REFERNCIAS ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia da Biblioteca Jardim. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Tomo Editorial, 2004. ANGROSINO, Michel. Etnografia e observao participante. Porto Alegre: Artmed, 2009. BACHELARD, Gaston. A epistemologia. Lisboa: Edies 70, 1971. BENJAMIN, Walter. O autor como produtor. In: BENJAMIN, Walter. Magia e Tcnica, Arte e Poltica. Obras Escolhidas I. So Paulo: Brasiliense, 1989, p.120-136.
4 Um exemplo a apropriao do webdocumentrio pelo jornalismo digital, onde os formatos abertos parecem vias interessantes ao uso cientfico.
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BOURDIEU, Pierre. et al. Ofcio de Socilogo. 5.ed. So Paulo: Editora Vozes, 2004. FURTADO, Celso. Economia. So Paulo: tica, 1983. MALDONADO, Alberto Efendy; BONIN, Jiani Adriana; ROSRIO, Nsia Martins do (orgs.). Perspectivas metodolgicas em comunicao: desafios na prtica investigativa. Joo Pessoa: Editora Universitria da UFPB, 2008. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematogrfica. Lisboa: Dinalivro, 2005. MARTINO, Luiz C. Os cursos de teoria da comunicao luz do jornalismo: obstculos e impropriedades das posies tecnicista e intelectualista. In: XXVIII Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom, 2005. Universidade Estaual do Rio de Janeiro (UERJ), set. 2005. MARX, Karl. O mtodo na Economia Poltica. In: MARX, Karl. Contribuio crtica da Economia Poltica. 5. ed. Lisboa: Estampa, 1977.