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    Perry Anderson: A crise no Brasil

     Posted on 21/04/2016 // 18 Comments

     Por Perry Anderson.

    Os países dos BRICS estão em apuros. Por um tempo eles foram os dínamos do crescimento global

    enquanto o Ocidente estava envolto na pior crise financeira e recessão econômica desde a rande

    !epressão" mas agora eles se tornaram a principal fonte de preocupa#ão nos quart$is%generais do &'I e do

    Banco 'undial. ( C)ina" acima de todos eles" por causa do seu peso na economia global* produ#ão

    desacelerada e um +imala,a de dívidas. ( R-ssia* sitiada" com a queda dos pre#os do petrleo e as san#/es

    tirando seu quin)ão. ( 0ndia* segurando mel)or as pontas" mas com preocupantes revis/es estatísticas. (

    1frica do Sul* em queda livre. (s tens/es políticas emergem em cada um deles* 2i e Putin respondem 3s

    tens/es com for#a bruta" enquanto 'odi vai se afundando nas pesquisas e 4uma $ 5ogado na lama 5unto com

    seu prprio partido. 6odavia" em nen)um outro lugar as crises política e econômica se fundiram de forma tãoe7plosiva quanto no Brasil" cu5as ruas no -ltimo ano viram mais manifestantes do que o resto do mundo

    combinado.

    8scol)ida por 9ula para a sucessão" !ilma Rousseff" a e7%guerril)eira que se tornou c)efe de 8stado" venceu

    a disputa presidencial em :;er bu>ina#os" numa forma de protesto que ficou con)ecida como panelaço. !a noite

     para o dia" o Partido dos 6rabal)adores HP6" que desfrutara do mais longo e maior índice de aprova#ão do

    Brasil" tornou%se o partido mais impopular do país. Confidencialmente" 9ula teria lamentado* JAs

    vencemos a elei#ão. Ao dia seguinte" ns a perdemosK. 'uitos militantes se questionaram se o partido iria

    sobreviver a tudo isso.

    Como a situa#ão c)egou a esse pontoL Ao -ltimo ano do governo 9ula" quando a economia global estava

    ainda se recuperando da primeira onda do cras) financeiro de :;;M" a economia brasileira cresceu "E@. (oassumir o governo" !ilma instituiu uma política de controle contra o superaquecimento da economia" o que

    dei7ou satisfeita a imprensa financista" naquilo que parecia ser uma política semel)ante a que 9ula teve

    durante o início de seu primeiro mandato. 'as tão logo o crescimento e7perimentou uma queda vertiginosa

    https://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/perry-anderson/https://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/perry-anderson/https://blogdaboitempo.com.br/category/colaboracoes-especiais/perry-anderson/

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    e as finan#as globais pareceram sombrias novamente" o governo mudou seu prumo" criando um pacote de

    medidas que visavam priori>ar os investimentos em desenvolvimentos subsidiados. (s ta7as de 5uros foram

    redu>idas" as dívidas trabal)istas foram abatidas" os custos da energia el$trica foram redu>idos" a moeda se

    desvalori>ou e foi imposto um limitado controle sobre o movimento do capital. N

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    C)ina e de outras partes do mundo aumentou o valor das suas principais e7porta#/es" assim como o volume

    de retorno fiscal para gastos sociais. Ao final do segundo mandato de 9ula" a fatia correspondente da

    e7porta#ão de bens primrios dentre as e7porta#/es brasileiras subiu de :M para a#ão do Real que a5udou nas e7porta#/es manufatureiras. 'as todos esses agrados 3 ind-stria

     brasileira foram em vão. 8struturalmente" as finan#as são uma for#a muito maior no país. ( capitali>a#ãocombinada dos dois maiores bancos privados do Brasil" Ita- e Bradesco" $ )o5e duas ve>es maior do que da

    Petrobrs e da Zale" as duas principais empresas e7trativas do país" e com finan#as muito mais saudveis. (s

    fortunas desses e de outros bancos foram concebidas de acordo com o maior sistema de 5uros de longo pra>o

    do mundo F um )orror para os investidores" mas verdadeiro man para os rentistas F e com um

    abissal spread  bancrio" com muturios pagando de cinco a vinte ve>es mais pelos seus empr$stimos. (l$m

    disso" somando%se a esse quadro" ) tamb$m o se7to maior bloco de fundos de pensão do mundo" sem falar 

    no maior banco de investimento da (m$rica 9atina" uma verdadeira constela#ão de fundos de cobertura e

    de private eqity.

     Aa esperan#a de que isso trou7esse o setor industrial para o seu lado" o governo confrontou os bancos ao

    for#a%los a aceitarem a recuarem o patamar sem precedentes de :@ dos 5uros no final de :;

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    cr$dito para a especula#ão imobiliria e constru#ão civil aumentou vinte ve>esT em São Paulo e no Rio de

    Waneiro os pre#os por metro quadrado quadruplicaram. Somente no ano de :; de lidar com a pressão das elites do país" !ilma sem d-vida

    torceu para que" aps sua apertada reelei#ão" ao bater em retirada economicamente" com uma política inicial

    de apertar os cintos semel)ante a que 9ula fe> nos seus primeiros anos no poder" ela poderia então

    reprodu>ir o mesmo tipo de virada de mesa. 'as as condi#/es e7ternas impediram qualquer compara#ão

     possível. ( dan#a doscommodities  5 se foi e uma recupera#ão" se5a l quando vier" parece não ter 

    sustenta#ão. Pode se argumentar" observando esse conte7to" que a e7tensão das atuais dificuldades não deve

    ser e7agerada. O país est passando por uma severa recessão" com o PIB caindo ?"@ no -ltimo ano e

     provavelmente a mesma coisa acontecer esse ano. Por outro lado" o desemprego ainda est longe de atingir 

    os níveis da &ran#a" o que dir da 8span)a. ( infla#ão $ ainda mais bai7a do que os anos de &+C e o país

     possui mais reservas. O d$ficit p-blico $ metade do d$ficit da Itlia" ainda que com os 5uros brasileiros o

    custo de redu>i%la se5a bem maior. O d$ficit fiscal ainda est abai7o da m$dia dos 8stados [nidos. 6udo isso

    tende a piorar. 6odavia" a atual profundidade do abismo econômico não encontra respaldo no volume do

    clamor ideolgico que e7iste sobre ele* a oposi#ão militante e a fi7a#ão neoliberal possuem interesses em

    aumentar o grau de martírio do país. 'as isso" por sua ve>" não redu> a escala da crise a qual o P6 est agora

    envolto" que não $ apenas econômica" mas tamb$m política.

    \ \ \

    Pode%se di>er que as origens desse dilema residem na estrutura da Constitui#ão Brasileira. 8m praticamente

    quase todos os países da (m$rica 9atina" presidGncias inspiradas pelo modelo estadunidense coe7istem com

     parlamentos aos moldes europeus* ou se5a" 87ecutivos superpoderosos de um lado e" do outro" 9egislativos

    eleitos por um sistema proporcional de representa#ão F e não no modelo distorcido de past"the"post " tal qual

    nos sistemas anglo%sa7/es. O resultado típico desse modelo" ainda que não se5a invarivel" $ uma presidGncia com enormes poderes administrativos cu5a fraque>a reside no fato de que nen)um partido

    consegue ter uma maioria parlamentar com poder significativo. 6odavia" em nen)um lugar o 87ecutivo se

    separou tanto do 9egislativo como no Brasil. Isso $ porque" acima de tudo" o país possui o mais frgil

    sistema partidrio do continente. Ao Brasil" a representa#ão proporcional toma forma de um sistema de lista

    aberta na qual os eleitores podem escol)er qualquer candidato dentro de um enorme n-mero de indivíduos

    que nominalmente estão dentro da mesma disputa" em legislaturas que geralmente recebem cerca de pouco

    mais que dois mil)/es de votos. (s consequGncias dessa configura#ão são duais. Aa maioria dos casos"

    eleitores escol)em um político que eles con)ecem F ou ac)am que con)ecem F ao inv$s de escol)erem um

     partido do qual eles pouco ou nada sabem" enquanto os políticos" por sua ve>" precisam obter uma grande

    quantia de din)eiro para financiar suas campan)as e garantir que os eleitores se identifiquem com eles. (

    grande maioria dos partidos" cu5os n-meros aumentam a cada elei#ão Hatualmente ) :M partidos com

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    representa#ão no Congresso" não possuem qualquer coerGncia política" o que dir disciplina política. O seu

     propsito $ simplesmente assegurar favores dos c)efes do 87ecutivo diretamente para os seus bolsos e"

    claro" dar algum retorno para assegurar a reelei#ão de seus correligionrios" oferecendo aos governos votos

    favorveis nas diferentes c]maras.

    =uando o Brasil emergiu aps duas d$cadas de !itadura 'ilitar em meados dos anos ar a possibilidade de que a democracia levasse 3 forma#ão de algum tipo de vontade popular que

    amea#asse a grande>a da desigualdade brasileira" ao anestesiar as preferGncias eleitorais num miasma de

    disputas subpolíticas por vantagens venais. Cabe ressaltar que o que acentua os problemas desse sistema $

    tamb$m sua massiva despropor#ão geogrfica. 6odo os sistemas federais e7igem algum tipo de equali>a#ão

    dos pesos de cada região" geralmente envolvendo uma sobrerepresenta#ão das reas menores e rurais numa

    c]mara mais alta" 3s custas das reas maiores e mais urbani>adas" tal como o Senado dos 8[(. Contudo"

     poucos países c)egam perto do grau de distor#ão criado pelos engen)eiros do sistema brasileiro" no qual a

     propor#ão dessa sobrerepresenta#ão entre os pequenos e maiores 8stados atinge uma propor#ão de MM para <

    Hnos 8[( ela fica em torno de E para a#/es F recebeu

    enormes quantias de din)eiro* os ricos sabem recon)ecer seus amigos. O custo relativo de suas campan)as"

    num país mais pobre" foi maior at$ mesmo que os gastos das campan)as de Clinton no mesmo período.

    Concorrendo contra ele estava 9ula" diante de uma montan)a de din)eiro que financiava a campan)a de

    Cardoso. 'as assim que assumiu o cargo" &+C geralmente não precisou de din)eiro para comprar o apoiodo Congresso F embora e7ista pelo menos uma notvel e7ce#ão nessa afirmativa F pois sua coali>ão com os

    clãs das oligarquias do Aordeste" ainda que su5eitas 3s suas disputas regionais" não era meramente

    oportunista" mas sim baseada numa parceria natural para ob5etivos comuns. O acordo foi estvel e" nos anos

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    recentes" foi muito elogiado por admiradores de Cardoso no Brasil e nos países anglfonos" considerado um

    modelo de Jpresidencialismo de coali>ãoK" tomado inclusive como um e7emplo esperan#oso para o resto do

    mundo" em lugares onde os modelos de governo europeu ou americano raramente conseguem vingar.

    (inda assim" os cofres das campan)as de &+C estavam JlimposK no sentido dos financiamentos americanos"

    onde os #per PACs compram votos" e sua coali>ão era ideologicamente slida" 5 que uma ve> eleito" nemseus ob5etivos e tampouco os de seus aliados poderiam ser atingidos por outros meios. 6anto seu vice%

     presidente" 'arco 'aciel" assim como seu mais poderoso aliado no Congresso" (ntônio Carlos 'agal)ães"

    eram verdadeiros ei7os da política repressiva no Aordeste F ambos instalados pela !itadura como

    governadores" o primeiro em Pernambuco e o segundo na Ba)ia" algo feito tão logo eles apoiaram a

    derrubada do regime democrtico em ado numa escala )eroica durante a primeira presidGncia civil aps a !itadura F a de Wos$ Sarne,"

    outro antigo lacaio dos generais F" era o de comprar apoios distribuindo minist$rios e cargos de confian#a para aqueles que tivessem interesse e pudessem tra>er consigo a maior quantidade de votos. Inicialmente

    isso ocorreu dentro das fac#/es de seu prprio partido" o P'!B" a maior e mais fisiolgica entidade política

    do país e que" uma d$cada depois" tornara%se a fossa na qual desaguavam todas os riac)os da corrup#ão

     política. O camin)o clssico para o P6 era então fa>er acordos com essa criatura" alocando para eles uma

     boa parte de seus minist$rios e agGncias estatais. 6odavia" essa solu#ão fora re5eitada pelo partido F ) uma

    disputa sobre quem" dentro da c-pula" estava a favor e quem estava contra F pois )avia receio de que as

    consequGncias seriam criar um peso%morto ideolgico dentro do governo que poderia neutrali>ar o

    momentum progressista que se criara. (o inv$s disso" a decisão foi de costurar um grupo de apoiadores de

    uma densa camada de partidos pequenos" sem conceder assim muito terreno para um deles em específico"

    mas pagando%os com din)eiro em troca de apoio na c]mara num esquema de propina. !e fato" o P6 tentou

    compensar a falta de parceiros naturais Halgo que &+C não teve que lidar e sua recusa em retomar o sistema

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    concebido por Sarne," criando assim um sistema de estímulos materiais para coopera#/es dentro do

    Congresso e por uma moeda de troca mais barata* ou se5a" usando de mesadas para não usar de lugares

    específicos dentro do governo.

    =uando esse esquema veio 3 tona em :;;E" o c)amado esc]ndalo do J'ensalãoK Hou se5a" de pagamentos

    mensais aos deputados fe> com que 9ula perdesse o apoio do eleitorado de classe m$dia e por muito pouconão terminou precocemente com sua primeira presidGncia. 6ão logo ele sobrevivera e fora triunfantemente

    reeleito no ano seguinte" o P6 não teve outra escol)a senão recuar e aceitar a solu#ão que tanto temia em

    abra#ar* o P'!B então entrou no bloco do governo" garantindo assim alguns importantes minist$rios e

     postos centrais no Congresso" e assim permaneceu at$ o primeiro mandato de !ilma e no primeiro ano do

    segundo mandato. Contudo" isso não significa que a corrup#ão ten)a diminuído e sim que ela aumentou

    drasticamente. Isso não apenas porque o P'!B era o campeão do saque dos recursos p-blicos em ]mbitos

    municipais e estaduais Hpor d$cadas o partido inclusive abandonara as disputas presidenciais" mas tamb$m

     porque um gigantesco pote de mel" maior do que tudo que se podia imaginar" estava se concreti>ando com a

    e7pansão da Petrobrs" a empresa de petrleo estatal cu5as atividades equivalem a

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    ser vista em parte como condu>ida pela esperan#a de aplacar a opinião neoliberal o suficiente para que a

    mídia moderasse seu discurso sobre o P6" que estava sendo tratado como uma gangue de ladr/es. 'as se foi

    isso de fato" ela foi em vão. Superando at$ mesmo o PS!B na virulGncia de seus ataques" uma nova direita

     passou a gan)ar proeminGncia nas manifesta#/es massivas contra !ilma em mar#o de :;

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    (o mesmo tempo" ainda que mais passivas e promíscuas do que seus iguais nos 8stados [nidos" essas

    Igre5as formam um reservatrio conservador para os agressivos líderes da direita no Congresso.

    Sintomaticamente" o presidente da &rente 8vang$lica $ um musculoso pastor e e7%policial que senta na

     bancada do PS!B. (li tamb$m se encontra o Presidente da C]mara dos !eputados" eleito em fevereiro de:;

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    na mídia não conseguiram conter os questionamentos* como pode o partido da moralidade dar cobertura

     para taman)a criminalidadeL !iante do clamor" o PS!B foi for#ado a bater em retirada e tirar o apoio ao

    Presidente da C]mara F um pequeno partido socialista independente No PSO9" a essa altura do 5ogo" )avia

    entrado com recurso para tirar Cun)a da C]mara. (o perceber que o PS!B dei7ara de l)e dar apoio" Cun)a

    rapidamente fe> um 5ogo de dupla%face. Aegociando a portas fec)adas" ele ofereceu trancar o impeac)ment

    de !ilma se o P6 o protegesse das tentativas de anula#ão de seu mandato e e7pulsão do Congresso. 8 isso

    rapidamente aconteceu. Os ministros do P6" tanto desavergon)ados quanto os políticos do PS!B"

    concordaram em au7ili%lo a manter%se no cargo" desde que ele não fi>esse nen)um movimento contra

    !ilma. 8sse surreal carrossel foi demais para as bases do partido que estavam afastadas do Congresso e o

    acordo teve de ser cancelado. Por um breve momento" pareceu que a posi#ão de Cun)a era insustentvel e a

    causa do impeac)ment estava tão desgastada pela sua e7posi#ão que )avia" portanto" quase nen)uma c)ance

    de ela passar.

    \ \ \

     Aos bastidores" contudo" o principal repositrio das esperan#as de acabar com o P6 não tin)a desistido.

    !esde o início da crise" &+C tornou%se onipresente na mídia F sua imagem estava em toda parte" numa

    en7urrada de entrevistas" artigos" discursos" dirios. Bastante estimado pelos bar/es da mídia e seus lacaios"

    sua renovada proeminGncia era fruto de um clculo político mais imediato de ambas as partes. (presentado

    como o estadista ancião da Rep-blica" a cu5a sabedoria se deve a estabilidade atingida" editores e 5ornalistas

    esfor#aram%se para construí%lo como um pensador de renome internacional" a vo> da sanidade e da

    responsabilidade diante das ma>elas do país" inclusive com a imprensa e a academia anglfona cote5ando%o"

    engolindo todo esse coro de sicofantia. ( ra>ão para toda essa apoteose $ bastante simples* a presidGncia de

    Cardoso administrou ao Brasil uma generosa dose de administra#ão pr%mercado" um rem$dio que parecia

    ser mais urgente do que nunca diante do escrnio populista do P6. O prprio Cardoso" que quando

     presidente lamentou a Qenorme dificuldade de que Qo Brasil não gostava do sistema capitalista" estava

    tranquilo em e7ercer esse papel. 'as ele tamb$m tin)a uma questão pessoal no meio de todos esses

    )olofotes. =uando ele saiu da presidGncia" seu índice de aprova#ão não era muito mais alto do que o de

    !ilma )o5e" e por oito anos ele sofreu uma dura compara#ão com 9ula" um presidente muito mais popular 

    que repudiou seu legado e transformou o país de forma decisiva" assegurando ao P6 mandatos que duraram

    o dobro do seu.

    Isso foi algo duro de suportar. Ser que a aura do pensador poderia suportar a perda de seu prestígio comogovernantesL Ob5etivamente" o segundo mandato foi F e isso $ bastante normal F menos popular do que o

     primeiro. Aa busca pela presidGncia" Cardoso sacrificou não apenas suas antigas convic#/es" que inclusive

    eram mar7istas e socialistas" mas com o tempo at$ mesmo seus padr/es intelectuais. ( banalidade dessa

    mudan#a c)ega a ser disparatada F bromas elogiosas para os efeitos da globali>a#ão e ansiedade com seus

    efeitos colaterais. 8m raras ocasi/es ele acabava sendo sincero* Q8u devo admitir que" ainda que meu lado

    intelectual se5a forte" eu sou basicamente um omo politics" disse ele certa ve>. 'as sub5etivamente" a

    vaidade F atingida pelo apelo político grandioso de um e7%operrio sem educa#ão formal F não permite que

     pretens/es mais cerebrais se5am colocadas de lado. 6ingido pelo verde e amarelo da (cademia Brasileira de

    9etras" uma cpia tropical da versão original e pomposa dos franceses F com uma espada a seu lado" ele

    declarou que o socilogo e o presidente nunca divergiram" demonstrando uma carreira coerente e uma

    administra#ão criativa" inteiramente em sintonia uma com a outra.

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    Por anos ele teve motivos para reclamar que" enquanto oposi#ão" o prprio PS!B foi insuficientemente leal

    3 memria de seu líder m7imo" evitando qualquer defesa mais vigorosa de sua moderni>a#ão nacional e seu

    cora5oso programa de privati>a#/es. (gora" contudo" diante da crise do JlulopetismoK F seu uso mais

    desden)oso" implicando algo ainda focado nas bases" mais demaggico do que o mero suporte petista" ou

    JpetismoK F fica claro o quão certo Cardoso esteve todo esse tempo. Se )ouve algo de bom durante o

    governo do P6" isso se deve 3 )eran#a dei7ada por &+C. Se )ouve algo desastroso e terrível" então a culpa

    não $ dele" pois )avia alertado a todos o que aconteceria. 8ra tempo de erguer novamente as bandeiras de

    amentos feitos pela for#a tarefa da

    9ava Wato passaram a aparecer na imprensa" implicando 9ula em d-bias transa#/es financeiras de tipo

     pessoal* viagens em 5atos empresariais" palestras remuneradas por empreiteiras" apartamentos confortveis"

    mel)orias num sítio" sem falar nos gan)os obscuros de um de seus fil)os. 9ogo em seguida veio a apreensão

    de um amigo milionrio fa>endeiro" acusado de repassar as retribui#/es de um contrato da Petrobrs para o

    tesoureiro do P6. (parentemente" a rede estava se fec)ando sobre ele.

    \ \ \

    Rapidamente" durante a primeira semana de mar#o" uma for#a%tarefa da Polícia &ederal c)egou na porta da

    casa de 9ula 3s seis da man)ã" levando%o sob custdia para ser interrogado no aeroporto de São Paulo. (imprensa" informada de antemão" estava esperando do lado de fora para invadir com suas c]meras"

    esperando obter o m7imo de publicidade. O prete7to para todo esse s)o $ de que se 9ula fosse convidado

    a dar esclarecimentos" ele poderia ter se recusado. Aa semana seguinte" a maior manifesta#ão no Brasil aps

    a !itadura F de acordo com a polícia" com ?" mil)/es de pessoas nas ruas F clamou por 5usti#a contra 9ula

    e impeac)ment para !ilma. 6rGs dias depois" !ilma apontou 9ula como Jc)efe da Casa CivilK de seu

    governo F algo equivalente a um Primeiro 'inistro. Como ministro" 9ula teria imunidade perante as

    acusa#/es de 'oro em Curitiba" possibilitando que ele" assim como os demais membros do governo"

    respondesse somente ao Supremo 6ribunal. 'oro não perdeu tempo. Aa mesma tarde" ele publicou as

    grava#/es de uma conversa telefônica entre 9ula e !ilma" na qual ela disse a ele que mandaria os pap$is

    necessrios para que ele assinasse e assumisse" Qse necessrio. Sua fala foi ambígua. 'as o esc]ndalo

    miditico foi ensurdecedor* aqui" pega com a boca na boti5a" estava uma manobra para fugir da Wusti#a e

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    salvar 9ula" dei7ando%o longe do alcance da lei. !entro de : )oras" um 5ui> em Brasília impediu a

    nomea#ão F um 5ui> que" como se soube mais tarde" )avia postado imagens nas redes sociais de quando ele

    estava nas manifesta#/es pelo impeac)ment" ostentando alegremente uma camiseta do PS!B. 'as esse 5ui>

    rapidamente foi apoiado por ilmar 'endes e" naquela mesma noite" o P'!B anunciou que estava saindo

    do governo" no qual ele controlava a vice%presidGncia e outros seis minist$rios" pavimentando o camin)o

     para uma rpida deposi#ão de !ilma no Congresso.

     Aessa dramtica escalada da crise política" o protagonista central era o Wudicirio. ( no#ão de que a opera#ão

    de 'oro estava agindo de forma imparcial em Curitiba" inicialmente defensvel" acabou sendo pre5udicada

    com a cobertura gratuita e espetaculosa da imprensa sobre a condu#ão coercitiva de 9ula" o que acabou

    ainda sendo seguida por uma mensagem p-blica saudando as manifesta#/es a favor do impeac)ment* Qo

    Brasil est nas ruas" anunciou o 5ui>. QSinto%me tocado. Contudo" ao publicar as grava#/es da conversa

    entre 9ula e !ilma" )oras depois do grampo ter sido anulado pela Wusti#a" ele violou a lei duas ve>es* violou

    o sigilo das intercepta#/es" ainda que fosse permitido o grampo" e sem falar tamb$m no princípio da

    confidencialidade que supostamente protegia as comunica#/es da c)efe do 87ecutivo. &icou tão evidente

    que essas coisas eram ilegalidades que logo 'oro foi repreendido pelo 5ui> do Supremo responsvel por 

    'oro" mas sem qualquer san#ão efetiva. (inda que Qinapropriado" seu superior notou delicadamente que a

    a#ão do 5ui> )avia atingido seu ob5etivo.

     Aa maioria das democracias contempor]neas" a separa#ão dos poderes $ uma fic#ão bem%educada" com os

    Supremos 6ribunais F no que o caso americano $ uma importante e7ce#ão F curvando%se perante os

    governos. Os contorcionismos do 6ribunal Constitucional (lemão F geralmente visto como e7emplo de

    independGncia 5udicial F ao sustentar as viola#/es do país tanto nornd!eset'  e no 6ratado de 'aastric)t e

    favorecer os diferentes regimes de Berlim pode ser visto como uma norma geral. Ao Brasil" a politi>a#ão do

    Wudicirio $ uma tradi#ão longínqua. ( figura inverossímil de ilmar 'endes $ talve> um caso e7tremo"

    ainda que se5a revelador. Como presidente" &ernando +enrique Cardoso defendeu seu amigo de acusa#/es

    criminais ao l)e promover como 'inistro antes de elev%lo ao S6& F e 'endes agora se volta contra !ilma

     por ela fa>er o mesmo com 9ula. (o coloc%lo no posto e tentando evitar c)amar aten#ão" &+C entrava pelo

     pr$dio sorrateiramente pelo edifício da garagem" encontrando 'endes no estacionamento. Bastante militante

    em rela#ão ao PS!B F Jtucano demaisK" considerando que a ave $ o símbolo do partido F at$ mesmo para

    8liane Catan)Gde" uma respeitvel 5ornalista de direita" 'endes geralmente era visto almo#ando com

     proeminentes líderes do partido aps ter sido absolvido das acusa#/es e o 5ui> não )esitou em utili>ar 

    din)eiro p-blico para JalistarK seus subordinados a partir de uma escola privada de advocacia que ele possui"

    algo feito enquanto ele 5 era 5ui> no maior tribunal da na#ão. Seus ataques contra o P6 são constantes.

    Sergio 'oro" por sua ve>" $ de uma gera#ão mais 5ovem e vin)o de outra pipa. Os 8stados [nidos" país que

    ele visita com regularidade" $ sua principal referGncia. [m su5eito trabal)ador e provinciano" ele considera

    que nada deve aos sistemas de patronagem e compadrio. 'as vale destacar que" quando 'oro tin)a pouco

    mais de ?; anos" ele demonstrou tamb$m sua indiferen#a com os princípios bsicos das leis e das regras

    num artigo e7altando o e7emplo dos magistrados italianos nos anos

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    delator" ainda que ele ten)a sido re5eitado pela corte. ( presun#ão da inocGncia não poderia ser tida como

    JabsolutaK" tal como ele declarara* ela era apenas um Jinstrumento pragmticoK que poderia ser desfeita de

    acordo com a vontade do magistrado. 8le celebrou os va>amentos seletivos para a mídia como forma de

    Jpressão sobre os acusadosK" usados quando Jos meios legítimos não podem ser atingidos por outros

    m$todosK.

    O perigo de ter um Wudicirio atuando nesse espírito $ o mesmo no Brasil do que foi na Itlia* uma

    campan)a absolutamente necessria contra a corrup#ão se torna tão infectada com o desd$m pelo devido

     processo" com um conluio tão inescrupuloso com a mídia" que ao inv$s de instalar qualquer nova $tica de

    legalidade" ela acaba confirmando o longo desrespeito social pela lei. Berlusconi e seus )erdeiros são a

     prova viva disso. 6odavia" a cena no Brasil se difere da situa#ão na Itlia por dois aspectos. Aão ) nem

    Berlusconi ou Rin>i no )ori>onte brasileiro. 'oro" cu5a celebridade agora e7cede qualquer um dos seus

    modelos italianos" sem d-vida est sendo solicitado para suprir o va>io político" caso a 9ava Wato fa#a de

    fato uma limpe>a sobre a vel)a ordem. 'as o medíocre destino de (ntonio di Pietro" o mais popular dos

    magistrados de 'ilão" pode ser lido como um aviso para 'oro" por mais puritana que se5a a sua aparGncia"

    evitar a tenta#ão de envolver%se na política. O espa#o para uma ascensão meterica tamb$m tende a ser 

    menor" pois ) uma diferen#a crucial entre as duas cru>adas contra a corrup#ão. O assalto feito

     pela $a!entopoli  foi direcionado contra os principais partidos do país" a !emocracia Cristã e o Partido

    Socialista" que estiveram no poder durante trinta anos. ( 9ava Wato" por sua ve>" não parece estar focada nos

     partidos tradicionais do poder político no Brasil que" diga%se de passagem" estão bastante divididos" mas sim

    nos sistemas que possibilitaram que eles c)egassem l. Aesse ponto" ela parece mirar somente num alvo e"

    sendo assim" mais manipuladora.

    6al manipula#ão pode ser acentuada naquilo que se considera como a segunda diferen#a entre a Itlia dos

    anos . O Brasil possui alguns dos mel)ores 5ornalistas do mundo" cu5os te7tos vem analisando a atual crise

    num nível intelectual e literrio que vai al$m do que fa>em o ardian ou o e or, $imes. 'as tais vo>es

    são sufocadas por uma enorme floresta de conformistas que nada mais fa>em do que ecoar as vis/es de

     patrocinadores e editores.

    Comparar a cobertura da mídia sobre qualquer va>amento que pre5udique o P6 com o tratamento dado 3s

    informa#/es ou rumores que afetam a oposi#ão $ uma forma de medir a e7tensão da sua política de dois

     pesos e duas medidas. 8nquanto a 9ava Wato estava se desenrolando" veio 3 tona um pu5ante e7emplo. 8m

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     paga pelo prprio irmão de Collor" acusando 9ula de querer que ela abortasse de um fil)o de ambos. (quele

    momento" amplificado at$ o limite pela mídia" foi fundamental na sua derrota eleitoral. !ois anos depois"

    Cardoso F na $poca um proeminente senador do PS!B" 5 cotado como futuro candidato 3 presidGncia F 

    ficou con)ecido no meio político por ter uma amante trabal)ando na mesma rede de televisão que

     pre5udicou a campan)a de 9ula" a 6Z lobo. =uando ela teve um fil)o do e7%senador" ela saiu do país e foi

    mandada para Portugal. 8m meados de endo pesquisas de mercado na 8uropa para uma

    cadeia de lo5as dty"3ree que recebera do prprio &+C direitos monopolísticos nos aeroportos brasileiros.

    Por meio dessa firma" ela teria lavado cerca de cem mil dlares via uma conta bancria nas Il)as Ca,man F 

    teria sido pensão alimentícia ou suborno para ficar caladaL ( )istria veio 3 tona em fevereiro" em meio ao

    furacão das den-ncias sobre as reformas no sítio de 9ula. ( mídia fe> de tudo para que isso recebesse o

    mínimo possível de cobertura. ( firma agora est sob investiga#ão por transa#ão criminosa. Cardoso protesta

    sua inocGncia. 8 ningu$m espera que ele sofra qualquer inconveniGncia.

    Ser que isso pode ser generali>ado para toda a oposi#ãoL 'oro lan#ou seus grampos incendirios no dia G%lo antes que as listas da Odebrec)t pudessem amea#ar 

    seus prprios acusadores. Poucos dias depois" o P'!B anunciara que abandonava o governo e come#aria

    uma contagem de votos a favor do impeac)ment. Os ?VE de votos necessrios na C]mara dos !eputados"

    algo que parecia muito difícil de atingir no início das discuss/es" agora estava mais perto do alcance. (

    opinião p-blica passou a perceber a farsa de um Congresso c)eio de ladr/es" tendo Cun)a 3 sua frente"

    solenemente derrubando uma presidente por crime de responsabilidade fiscal.

    =uais são as c)ances de !ilma resistir a esse desfec)o e as perspectivas caso o impeac)ment não aconte#aL

    (s esperan#as do Planalto residem em duas contingGncias* de que com suficiente apoio no Congresso se

     possa bloquear o impeac)ment" oferecendo assim mais minist$rios e cargos para partidos menores que não

    conseguiriam acesso ao governo antes" visando com isso reverter a saída do P'!BT e a outra" de que com

    muitas manifesta#/es em defesa do governo possam desestimular as grandes manifesta#/es feitas a favor do

    impeac)ment. (mbos ob5etivos e7igem o retorno de 9ula para Brasília" de onde ele poderia F ainda que l)e

    se5a negado o direito de ocupar formalmente o minist$rio F informalmente cumprir ambas tarefas que l)e

    foram atribuídas" ou se5a" de apro7imar%se de deputados relutantes para o campo governista e de estimular oapoio popular vindo das ruas. 'as o cenrio est mudando e isso tudo parece cada ve> mais distante. (s

    rela#/es entre 9ula e !ilma se fragili>aram desde que ela optou pela austeridade aps sua reelei#ão.

    Culpando%a pela falta de )abilidade política e pela sua recusa em aceitar consel)os" 9ula falaria" no ]mbito

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     privado" que Qela foi min)a C)efe da Casa Civil e ela ainda age como uma" e não como uma presidente" ou

    então que Qela $ como se fosse a min)a fil)a" que sempre di> pra mim que me ama" mas nunca presta

    aten#ão no que eu falo pra ela. 'as $ duvidoso se faria alguma diferen#a a fle7ibilidade ttica" ainda que

    importante" diante das dificuldades enfrentadas por ela. !esde o início" sua segunda presidGncia foi pega em

    um círculo vicioso de esc]ndalos políticos e indicadores econômicos deteriorados" cu5a intera#ão forma um

    obstculo nada fcil de superar para recuperar sua autoridade. O problema da Petrobrs" com in-meras

    dela#/es" vem gerando demiss/es em massa de trabal)adoresT o mesmo vem acontecendo com as

    empreiteiras cu5os diretores e e7ecutivos estão na cadeia. ( incerte>a sobre onde soprar a 9ava Wato tem

    feito os investidores mais temerosos e dei7ado o mercado financeiro assustado* em novembro" o c)efe do

    fundo bilionrio B6%Pactual" o maior banco de investimento do continente" a menina dos ol)os

    do inancial $imes e do 5conomist " foi levado algemado para a delegacia. Ao Congresso" o corte de gastos

    neoliberal e o aumento tributrio proposto pelo governo foi derrubado pelo prprio neoliberal PS!B"

     buscando criar todo um constrangimento político* o or#amento de :;/es. ( primeira $ simplesmente

     porque se a corrup#ão fe> com que a classe m$dia perdesse a simpatia que o partido antes desfrutou" a

    austeridade alienou a base de classes populares que tin)am conquistado. (s manifesta#/es feitas para

    impedir o impeac)ment foram" at$ agora" muito menos impressionantes do que aquelas feitas por aqueles

    que querem que ele aconte#a. Os manifestantes tGm sido arregimentados principalmente entre funcionrios

     p-blicos e sindicatos* os pobres ainda não tGm comparecido nessas manifesta#/es. ( for#a rural do Aordeste

    onde o P6 se consolidou estão ainda socialmente dispersos" enquanto as grandes cidades do Sul e Sudeste

    são as fortale>as da nova direita no momento. + tamb$m a inevitvel desmorali>a#ão do partido conforme

    sucessivos esc]ndalos surgem com o seu nome" criando um sentido de culpa coletiva difusa" ainda que não

    e7plícita" mas que enfraquece qualquer espírito de luta. 8 por fim" mas fundamentalmente" na $poca que

    9ula c)egou ao poder" o partido tornou%se uma mquina eleitoral" financiada principalmente por doa#/es de

    grandes corpora#/es" ao inv$s de F como ele era em seu início F pelas doa#/es de membros e simpati>antes"

    com eles inclusive aderindo passivamente ao nome de seu líder" sem qualquer vontade de construir uma a#ão

    coletiva com os eleitores. ( mobili>a#ão ativa que fe> o P6 ser uma for#a nas regi/es urbanas e industriaisdo Brasil tornou%se uma memria distante conforme o partido passou a gan)ar for#a em regi/es sem

    ind-strias" enrai>adas numa tradi#ão de submissão 3 autoridade e medo da desordem. Isso foi uma cultura

     política entendida por 9ula e que ele não fe> nen)uma tentativa s$ria de termina%la. Segundo sua prpria

    visão" ele considerava que mudar isso teria um custo potencial alto demais. Para a5udar as massas ele buscou

    )armonia com as elites" para as quais qualquer polari>a#ão vigorosa era um tabu. 8m :;;: ele finalmente

    gan)ou a presidGncia" na sua quarta tentativa" com um slogan de Qpa> e amor. 8m :;

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    unilateral como no Brasil. 'esmo quando 9ula estava no auge de seu prestígio enquanto estava na

     presidGncia" sempre )ouve uma assimetria entre as políticas moderadas e comodistas do P6 e a )ostilidade

    de uma classe m$dia enra! e da mídia contra ele. Aos -ltimos de>oito meses" essa e7pressão de

    abomina#ão unilateral se tornou ainda mais violenta. [m vereador NRoberval &rai>" de (raraquara do

    P'!B no interior de São Paulo falou publicamente que 9ula deveria ser morto como uma cobra" tendo que

     pisar em sua cabe#a. Ao Rio rande do Sul" no Sul do país" uma pediatra se recusou a atender uma crian#a

    de um ano porque a mãe era uma JpetistaK" e foi absolvida de infra#ão $tica pelo Consel)o Regional de

    'edicina e pela (ssocia#ão de '$dicos. O 5ui> do Supremo 6ribunal" 6eori 4avascYi" responsvel por ter 

    repreendido 'oro" foi presenteado com uma s$rie de fai7as e carta>es que o c)amavam de Qtraidor e

    Qpilantra do P6" enquanto manifestantes cantavam sua can#ão símbolo que fala que o Qcapitalismo veio pra

    ficar. Conforme apro7ima%se do !ia ! do impeac)ment" os militantes fanticos vGm recebendo endere#os

    de deputados indecisos ao redor do país e intimidando%os" acampando em frente de suas casas.

    'eticulosamente deve%se di>er que o mercado de a#/es vem mantendo um ritmo* ele subiu quando 9ula foi

     preso" caiu quando ele foi feito ministro e subindo novamente quando a sua posse foi impedida.

    [m golpe teatral Hum cop de th7tre ainda $ possível" com uma virada de eventos salvando !ilma no

    -ltimo minuto" mesmo que não pare#a que isso ir acontecer. ( maior probabilidade $ de que se forme um

    regime liderado pelo vice%presidente que a abandonou" o veterano sepulcral do P'!B F comparado com o

    mordomo de um filme de terror F 'ic)el 6emer. !e fala mansa e cerimonioso" ele preparou o camin)o

    alguns meses atrs" criando um programa para dei7ar claro que o país estaria seguro assim que ele

    assumisse. Seu pacote trata%se de um plano de estabili>a#ão convencional" agili>ando privati>a#/es" reforma

    da previdGncia e abolindo os gastos mandatrios constitucionais em sa-de e educa#ão" acompan)ados de

     promessas de cuidar dos menos afortunados. Se !ilma sofrer o impeac)ment" tendo uma maioria de ?VE do

    Congresso l)e apoiando" 6emer não teria nen)um problema em formar um governo de coali>ão 5unto com

    P'!B" PS!B e uma grande quantidade de partidos nanicos" colocando uma pitada de tecnocratas em

    minist$rios centrais. W que tal combina#ão poderia passar uma s$rie de leis" 3s quais !ilma não pode" e isso

    garantiria o retorno da confian#a do mercado" isso certamente traria mel)orias aos indicadores econômicos

    feitos pelos mercados financeiros" não importa o quanto isso custaria aos pobres. 'as dada a con5untura

    global adversa e a teimosa bai7a ta7a de investimentos que persiste no Brasil desde o fim da !itadura" $

    difícil ver qualquer alívio para o país num )ori>onte futuro.

    Politicamente tamb$m a estabilidade não estaria garantida. [ma questão bvia que surge $ se ser que o

    c)oque do impeac)ment ir sufocar o que resta do espírito de luta daqueles que apoiam !ilma" ou o

    contrrio" ou se5a" que isso provoque uma resistGncia ainda mais fero> contra as elites do país. (mbas

    alternativas não são fceis para a fileira dos vitoriosos F se eles de fato conseguirem o impeac)ment da

     presidenta. [m 5ui> do Supremo 6ribunal &ederal ordenou que Cun)a tamb$m colocasse em vota#ão o

    impeac)ment de 6emer" usando da mesma referGncia legal do impeac)ment da !ilma" 5 que quando ela

    estava fora do país" ele tamb$m assinou os decretos de responsabilidade fiscal que são atribuídos a ela F algo

    que pegaria desprevenido aqueles que querem derrub%la e esperam instalar 6emer como presidente

    rapidamente. Caso esse ataque se5a evitado" outro curioso problema se avi>in)a. (inda est pendente no

    Supremo 6ribunal 8leitoral uma acusa#ão de que a campan)a de :;ado e 6emer tomasse o poder. 'as desde que

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    ilmar 'endes torne%se presidente do Supremo em maio" a Wusti#a brasileira provavelmente superar essa

    questão sem dificuldade. 'as" claro" uma interroga#ão maior surge sobre qual o impacto subsequente que a

    9ava Wato poderia ter sobre os deputados pr%impeac)ment. (celerar o procedimento do impeac)ment serviu

     para desviar os ol)ares da opinião p-blica sobre a lista da Odebrec)t. 'as essas listas podem ser apagadas

    da consciGncia da popula#ão aps o impeac)mentL !entro de suas fileiras" toda a classe política est em

    risco. Ser que a Wusti#a brasileira tamb$m poderia minimi>ar essa dificuldade" nos interesses" digamos" de

    uma reconcilia#ão nacionalL

    =ue o Partido dos 6rabal)adores ten)a se 5untado" por uma transforma#ão ocorrida internamente" 3s

    deformadas fileiras do resto da fauna política brasileira F P'!B" PS!B" PP e o restante da cor5a F não pode

    ser negado. (t$ agora" dois presidentes do partido" dois tesoureiros" um presidente e um vice%presidente da

    C]mara dos !eputados e o líder do partido no Senado foram todos presos" afundados na lama da corrup#ão

    que descon)ece fronteiras políticas. !e forma emblemtica" o -ltimo dos notveis e com a dela#ão mais

    volumosa" o senador !elcídio do (maral era um refugiado do PS!B" uma importante engrenagem do

     partido de &+C nas opera#/es da Petrobrs. 'ais da metade do Congresso est na lista de pagamento das

    empreiteiras" cu5as doa#/es financiam suas campan)as eleitorais. ( degrada#ão do sistema político se tornou

    tão evidente que no outono passado o S6& F que est longe de ser algum tipo de arepago da integridade

    imparcial F finalmente decidiu que o financiamento privado de campan)a era mat$ria inconstitucional e

     proibiu as empresas de doarem para as campan)as. O Congresso imediatamente reagiu com emendas

    constitucionais para permitir as doa#/es" mas o assunto segue congelado na C]mara. Se confirmada a

    decisão do Supremo sem ser driblada" a decisão permitir uma esp$cie de revolu#ão no funcionamento da

    democracia brasileira* a -nica coisa inequivocamente positiva em meio a toda essa crise.

    O Partido dos 6rabal)adores acreditou" durante determinado período" que ele poderia se valer da ordem

    institucional brasileira para beneficiar os pobres sem pre5udicar os ricos F e at$ mesmo contando com a

    a5uda deles. 8 de fato )ouve benefícios aos pobres" tal como eles se propuseram. 'as uma ve> aceito o

     pre#o de entrar num sistema político moribundo" a porta para voltarem atrs fec)ou%se. O prprio partido

     passou a defin)ar" tornando%se um enclave do 8stado" sem qualquer autocrítica ou dire#ão estrat$gica" tão

    cego que c)egou a ostraci>ar (ndr$ Singer" seu mel)or pensador" para colocar uma mistura de marqueteiros

    e rela#/es p-blicas" tornando%se tão insensíveis que passaram a conceber o lucro" não importa de onde

    viesse" como condi#ão para o poder político. Suas conquistas ainda permanecerão. 'as se o partido ter o

    mesmo destino" isso $ uma questão em aberto. Aa (m$rica do Sul" um ciclo est c)egando ao fim. Por uma

    d$cada e meia" sem a pressão direta dos 8stados [nidos" fortalecidos peloboom das commodities" e

    amparando%se em grandes reservas de tradi#ão popular" o continente foi a -nica parte do mundo em que

    movimentos sociais rebeldes coe7istiram com governos )eterodo7os. Ao despertar de :;;M" ) agora cada

    ve> mais desses movimentos. 'as não ) mais nen)um desses governos. [ma e7ce#ão global est c)egando

    ao seu fim e sem nen)um sinal de mudan#a positiva no )ori>onte.

    Arti!o pblicado ori!inalmente na ediç(o de Abril da 9ondon Revie of BooYs. A tradç(o

    de ernando Pre'a9 para o :lo! ;nho.

    NOTA

    \ (ndr$ Singer escreveu a principal anlise sobre esse con5unto de medidas e seu desenrolar no artigo JCutucando on#as com

    varas curtasK HAovos 8studos

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    P6" )s sentidos do