rússia incomensurada [perry anderson, new left review, n. 94, julho-agosto 2015 (traduzido)]

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Baby Siqueira Abrão <[email protected]> [izquierdaunida] Rússia incomensurada [Perry Anderson, New Left Review, n. 94, julho-agosto 2015 (traduzido)] 1 mensagem Vila Vudu [email protected] [izquierdaunida] <[email protected]> 22 de agosto de 2015 19:40 Responder a: [email protected] Para: [email protected], [email protected], Castor Filho <[email protected]>, Dario Achkar <[email protected]> Rússia incomensurada* Perry Anderson, New Left Review, n. 94, julho-agosto 2015 "Exceto pelos clamores por 'eleições limpas' e funcionários públicos honestos, não havia nenhuma reivindicação que unificasse a oposição, nenhum programa capaz de atrair a maioria da população que não goza das mesmas vantagens, a vasta população pobre, para quem as dificuldades da vida material – desigualdade, insegurança, falta de moradias, de médicos, miséria, ineficiência – importam muito mais que alguma 'retidão jurídica'. Como estavam as coisas, a rejeição da estrutura formal do regime, sem criticar sua substância social, dificilmente levaria a um levante popular. A fórmula de Navalny para a libertação – "dez valentes empresários, e derrubamos o governo" – fala por si mesma." _____________________________ Em breve fará um quarto de século desde que a Rússia deixou para trás o comunismo. O atual presidente está no poder há 15 anos, e ao final do atual mandato terá alcançado o recorde de Brezhnev. Desde o início, a opinião do ocidente sobre seu regime esteve claramente dividida. Que sob Putin – depois de período de miséria e deslocação disseminadas, que culminou com o Estado em quase bancarrota – o país voltou ao crescimento econômico e à estabilidade política, já era bem claro ao final do primeiro mandato do presidente; e bem clara também a popularidade de que usufruía por causa do crescimento e da estabilidade. Mas por trás dos dados nus, não havia consenso. De um lado, cada vez ouvido mais veementemente com o passar do tempo, os pivôs do sistema de poder de Putin eram corrupção e repressão: um Estado neoautoritário, fundamentalmente inimigo do Ocidente, um laço de propriedades legais em volta de uma oscilante pirâmide de cleptocracia e bandidagem. Essa pelo menos era a visão dominante entre jornalistas, embora não só aí: amostra representativa incluirá necessariamente The New Cold War (2009), de autoria do editor de Economist, Edward Lucas; Mafia State (2012), de Luke Harding, do Guardian; Fragile Empire (2013) de Ben Judah, colaborador de Standpoint; mas também aparece, pungente, no trabalho de um jurista, como Stephen Holmes. Para Lucas, Putin, tendo chegado ao poder com um "putsch cínico", e conservado o poder com os "métodos de terroristas e gângsteres", lançou "sombra escura sobre toda a metade oriental do continente". Para Harding, sob a tutelagem de Putin, "a Rússia converteu-se em violenta, provocadora e cruel e – ainda pior – desumana". Para Judah, a Rússia seria "sociedade angustiada, fraturada", um dos "maiores fracassos da história", nas garras de um sistema apocalíptico no qual, uma vez que "Putin não pode deixar o poder por medo de ser preso", o ocidente "tem de decidir se lhe dará exílio, para evitar derramamento de sangue". Para Holmes, "por trás da máscara de restauração autoritária" não havia mais que "frenesi sem qualquer lei em busca do que saquear", de uma "oligarquia internamente belicosa, socialmente isolada e rapace", cujos "vários grupos lutam para se pôr as garras em porções de massivos fluxos de dinheiro".[1] O campo oposto tinha maior peso na academia, onde trabalhos das duas principais autoridades sobre política da Rússia pós-comunista produziram e divulgaram – sem deixar de ver os aspectos mais sombrios –, veredictos substancialmente favoráveis aos serviços que Putin prestara ao país. Gmail - [izquierdaunida] Rússia incomensurada [Perry Anderson, New Le... https://mail.google.com/mail/u/0/?ui=2&ik=876347ab65&view=pt&sea... 1 de 23 23/08/2015 22:37

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Artigo de Perry Anderson

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Page 1: Rússia Incomensurada [Perry Anderson, New Left Review, n. 94, Julho-Agosto 2015 (Traduzido)]

Baby Siqueira Abrão <[email protected]>

[izquierdaunida] Rússia incomensurada [Perry Anderson, New Left Review, n. 94, julho-agosto 2015(traduzido)]1 mensagem

Vila Vudu [email protected] [izquierdaunida] <[email protected]> 22 de agosto de 2015 19:40Responder a: [email protected]: [email protected], [email protected], Castor Filho <[email protected]>, Dario Achkar<[email protected]>

Rússia incomensurada*Perry Anderson, New Left Review, n. 94, julho-agosto 2015

"Exceto pelos clamores por 'eleições limpas' e funcionários públicos honestos, não havianenhuma reivindicação que unificasse a oposição, nenhum programa capaz de atrair a maioriada população que não goza das mesmas vantagens, a vasta população pobre, para quem asdificuldades da vida material – desigualdade, insegurança, falta de moradias, de médicos,miséria, ineficiência – importam muito mais que alguma 'retidão jurídica'. Como estavam ascoisas, a rejeição da estrutura formal do regime, sem criticar sua substância social, dificilmentelevaria a um levante popular. A fórmula de Navalny para a libertação – "dez valentesempresários, e derrubamos o governo" – fala por si mesma."_____________________________

Em breve fará um quarto de século desde que a Rússia deixou para trás o comunismo. O atual presidenteestá no poder há 15 anos, e ao final do atual mandato terá alcançado o recorde de Brezhnev. Desde oinício, a opinião do ocidente sobre seu regime esteve claramente dividida. Que sob Putin – depois deperíodo de miséria e deslocação disseminadas, que culminou com o Estado em quase bancarrota – o paísvoltou ao crescimento econômico e à estabilidade política, já era bem claro ao final do primeiro mandato dopresidente; e bem clara também a popularidade de que usufruía por causa do crescimento e daestabilidade. Mas por trás dos dados nus, não havia consenso. De um lado, cada vez ouvido maisveementemente com o passar do tempo, os pivôs do sistema de poder de Putin eram corrupção erepressão: um Estado neoautoritário, fundamentalmente inimigo do Ocidente, um laço de propriedadeslegais em volta de uma oscilante pirâmide de cleptocracia e bandidagem.

Essa pelo menos era a visão dominante entre jornalistas, embora não só aí: amostra representativa incluiránecessariamente The New Cold War (2009), de autoria do editor de Economist, Edward Lucas; Mafia State(2012), de Luke Harding, do Guardian; Fragile Empire (2013) de Ben Judah, colaborador de Standpoint;mas também aparece, pungente, no trabalho de um jurista, como Stephen Holmes.

Para Lucas, Putin, tendo chegado ao poder com um "putsch cínico", e conservado o poder com os"métodos de terroristas e gângsteres", lançou "sombra escura sobre toda a metade oriental do continente".Para Harding, sob a tutelagem de Putin, "a Rússia converteu-se em violenta, provocadora e cruel e – aindapior – desumana". Para Judah, a Rússia seria "sociedade angustiada, fraturada", um dos "maioresfracassos da história", nas garras de um sistema apocalíptico no qual, uma vez que "Putin não pode deixaro poder por medo de ser preso", o ocidente "tem de decidir se lhe dará exílio, para evitar derramamento desangue". Para Holmes, "por trás da máscara de restauração autoritária" não havia mais que "frenesi semqualquer lei em busca do que saquear", de uma "oligarquia internamente belicosa, socialmente isolada erapace", cujos "vários grupos lutam para se pôr as garras em porções de massivos fluxos de dinheiro".[1]

O campo oposto tinha maior peso na academia, onde trabalhos das duas principais autoridades sobrepolítica da Rússia pós-comunista produziram e divulgaram – sem deixar de ver os aspectos mais sombrios–, veredictos substancialmente favoráveis aos serviços que Putin prestara ao país.

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O estudo de Daniel Treisman, das primeiras duas décadas depois da extinção da União Soviética, TheReturn (2011), elaborava sobre o que o autor já dissera: que a Rússia tornara-se país normal, de rendamédia e com os defeitos típicos desses países – capitalismo de compadrio, corrupção, desigualdade derenda, mídia-empresa militante a favor dos ricos, manipulação de eleições –, mas país incomparavelmentemais livre que as petromonarquias do Golfo com as quais era frequentemente comparada; menos violentaque um México, tão respeitável membro da Organização para a Cooperação e DesenvolvimentoEconômico (OCDE); menos estatista no controle da energia que o Brasil. Muitos russos sentiram que aliberdade aumentara para eles desde 1997, e também a felicidade geral. "Será que realmente beneficia osinteresses de longo prazo do ocidente" – perguntou Treisman –, "assumir que haveria alguma agendaimperial jamais provada, exagerar traços autoritários do atual regime, demonizar quem está no Kremlin eromantizar seus opositores liberais?"[2]

Richard Sakwa – o intelectual mais prolífico dos que escrevem sobre a Rússia no novo século (4 grandeslivros, e incontáveis artigos) –, por sua vez, escreveu que, embora Putin tenha-se beneficiado dos poderesa ele garantidos pela Constituição que herdou, sempre agiu conforme os parâmetros constitucionais, cujasregras liberais jamais foram repudiadas. O que emergiu do governo de Putin não era nem (i) algumaespécie de autocracia moderna (nunca houve Estado de emergência, nem prisões em massa, nemcensura a material escrito ou imagético – nem (ii) alguma versão suavizada do regime soviético; dogoverno de Putin emergiu um "Estado dual", composto de (i) uma ordem legal-constitucional e de (ii) umsistema administrativo-discricionário, mantidos em tensão entre eles pelo centrismo de Putin.

"A essência do sistema de Putin" – escreveu Sakwa em The Crisis of Russian Democracy (2011) – "foimanter os dois pilares em paridade". O difícil equilíbrio entre eles permite evolução esperançosa rumo aoque o autor chama de "o pacote padrão" de constitucionalismo, democracia liberal e mercados livres noocidente, quando "o poderoso potencial latente nas instituições formais da democracia russapós-comunismo" for ativado: "Naquele ponto, as instituições miméticas do pacote padrão passarão aganhar gradualmente vida autônoma, e o Estado constitucional superará as arbitrariedades do regimeadministrativo".[3]

Dualidades

Essas avaliações antitéticas não eram, como fora típico nos anos 1930s ou durante a Guerra Fria, produtode diferentes visadas ideológicas. Todos partilham o mesmo ponto de vista político, compromisso com o"pacote padrão" de valores ocidentais como Sakwa definiu, cuja mimésis é a régua para aferir o progressorusso. O que os contrastes entre essas diferentes avaliações refletem, à sua própria maneira, sãoambiguidades objetivas do sistema que as avaliações manifestam. Essas ambiguidades percorrem todasas suas formas econômicas, políticas e ideológicas.

Para a melhor parte do período desde Yeltsin, a maior preocupação dos comentários ocidentais em geralconcentrara-se sobre os elementos-testes de qualquer capitalismo que se respeite – liberdade de mercadoe proteção aos direitos de propriedade. Como se trataram esses atributos essenciais de uma economialiberal, no governo de Putin? Segundo vários indicadores convencionais, foi regime amigo do business.Impostos de renda baixos e impostos sobre empresas de 13%, de fazerem inveja a qualquer CEOocidental. Depois da admissão à Organização Mundial do Comércio, o teto da tarifa para bensmanufaturados estava abaixo de 8%. Dívida pública, mesmo depois da crise financeira global de 2008,sempre em torno de 10% do PIB; e $500 bilhões de reservas – posição com a qual EUA ou países da UEpodiam, no máximo sonhar. A conta corrente vivia virtualmente em superávit sem interrupção, desde avirada do século. Desde que Putin chegou ao poder, a participação do setor privado na economiaaumentou, de 45 para 60%; como Putin sempre repetiu aos investidores: "Nós não estamos construindocapitalismo de Estado".

No setor da energia, porém, que em 2011 foi responsável por 52% das exportações russas, e 49% dasrendas federais, o gás continua a ser monopólio estatal, e a fatia da indústria do petróleo que pertence aoEstado aumentou, de bem perto de zero, para cerca de 45%, sob Putin. Que o capital privado ainda

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controle a maior parte dos recursos do petróleo no país faz da Rússia mais um 'marginal' no mundocontemporâneo, ao lado de outros bastiões dos princípios do livre mercado, EUA, Canadá e Reino Unido.Virtualmente todo o mundo, do Brasil à Noruega, da Arábia Saudita a Angola, da Indonésia à Venezuela, aregra é a propriedade pública. Mas a distribuição de títulos conta menos que a mudança neles.

Putin, embora bem consciente da altíssima popularidade que recompensaria qualquer medida para revertera "privataria" [ru. prikhvatizatsiya] dos anos 1990s, rejeitou tal noção. Mas, ao quebrar o poder do oligarcamais ambicioso, mais cruel e mais criminoso de toda a era Yeltsin, pela expropriação do império Yukos,Putin alterou toda a paisagem da riqueza e do privilégio em seu país, com uma só, mas certeira, tacada.

O destino de Khodorkovsky – glamourizado na mídia-empresa russa e internacional como um 'titã' doneoempreendedorismo à russa – foi mensagem absolutamente clara aos demais empresários-bandidos esaqueadores do Estado russo. Ficariam com seus bilhões, mas lhes custaria muito caro. Dali em diante,que nenhum oligarca se atrevesse a desafiar o poder do Estado; e todos, quando solicitados, teriam deestar prontos para pagar o preço. No ponto em que interessava, nos píncaros da economia, a propriedadeprivada não era incondicional. Era concessional, dada em concessão, de fato, ou, como diriam alguns,usando uma palavra que serviu tanto ao colonialismo do século 19, como ao absolutismo do século 17, nãodiferia muito de uma versão moderna da pomestie – a posse de terras que Ivan IV concedia e garantia aosseus servidores.[4]

As origens dessa 'marca de cunhagem' do sistema de Putin estão na sua experiência formativa napaisagem da sociedade pós-soviética. Depois de fazer a Revolução de Outubro na capital imperial daRússia, os bolcheviques mudaram a sede do poder, de Petrogrado para Moscou, mais defensável durantea Guerra Civil. Dali em diante, por toda a vida da URSS, a cidade que viria a chamar-se Leningrado foisendo gradualmente reduzida a posto de fim de carreira, um beco-sem-saída político, para líderes locais,cuja permanência ali era encurtada invariavelmente por morte ou desgraça. A abertura da economia russa,nos anos 1990s, reconverteu a (renomeada) São Petersburgo, cidade mais geográfica e culturalmenteorientada para o ocidente, na cidade que seu fundador quis fazer dela, com novas possibilidades.

De volta ao país, depois de servir em Dresden como funcionário da KGB, Putin em pouco tempo tornou-seassistente do novo prefeito de São Petersburgo, um herói liberal da época, em 1991, que encarregou Putindas relações econômicas internacionais da cidade. Ali, ele estava no centro de convergência deincontáveis redes de influência política, manobras de negócios, conectando (i) neoempreendedoristas àmoda russa e o pessoal veterano de segurança, com (ii) todos os tipos de intermediários'facilitadores/indutores' para assuntos financeiros e de leis, os quais, adiante, constituiriam o núcleo durode seu regime. Ao final da década, o próprio prefeito Sobchak, sob investigação em processo em que eraacusado de corrupção massiva, fugiu para Paris com a ajuda de Putin – que então já trabalhava noKremlin. Por sua vez, a maioria dos figurões do sistema que emergiu depois de 2000 vieram da rede depitertsy ["sãopetersburguenses", derivado de Piter, apelido carinhoso de S.Petersburgo (NTs, cominformações de Richard Sakwa, 10/4/2013)], dentre outros os falcões neoliberais Chubais, Kudrin e Gref,os agentes de inteligência Sechin, Ivanov e Yakunin, os chefes de segurança Patrushev e Bortnikov,Medvedev e Kozak, da quota pessoal de Putin, e os bilionários do círculo de amigos pessoais dopresidente, Timchenko e os irmãos Rotenberg.[5]

Dentro dessa constelação, onde todos adquiriram fortuna pessoal, jamais houve qualquer linha clara dedemarcação entre os liberais na economia e os statist siloviki: dos dois lados houve acumulação depatrimônio privado por meios políticos. Mas foi constituída como 'grupamentos' [orig. congeries], não comoclãs; com conflitos pessoais e alianças mutáveis endêmicos. Isso permitiu a Putin alterar posições eequilibrar interesses como bem entendeu, como árbitro da interflexão em grande escala de Estado ecapital. O mais inteligente de seus 'técnicos políticos' – conselheiro para gestão de opiniões – oferecerelato vívido do que havia por trás dessa carpintaria para construir o Estado. No início de 2012 GlebPavlovsky explicou:

"Putin é figura soviética que compreendeu de modo soviético a vinda do capitalismo. Todos fomos

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ensinados que o capitalismo é reino de demagogos, por trás dos quais quem manda é o grandedinheiro, e uma máquina militar que aspira a controlar o mundo. É quadro muito claro e simples, eacho que Putin tinha esse quadro na cabeça, não como ideologia oficial, mas como uma forma desenso comum. Quer dizer, claro, fomos idiotas; tentamos construir uma sociedade justa, quandodeveríamos estar fazendo dinheiro. Porque, se tivéssemos feito mais dinheiro que os capitalistasocidentais, poderíamos comprar a parte deles e demiti-los. Ou poderíamos ter criado uma arma queeles não tivessem. É isso. Era um jogo, e nós perdemos, porque não fizemos várias coisas simples:não criamos nossos próprios capitalistas, não demos ao tipo de predadores dos quais só ouvíramosfalar, uma chance de aparecer e devorar os predadores deles. Esses eram os pensamentos dePutin, e não acho que tenham mudado muito desde então".[6]

Os oligarcas criados sob Yeltsin não haviam compreendido sua ultima ratio; Yukos foi a lição que tiveramde receber, para compreender. Mas jamais houve qualquer dúvida de que a 'espécie' capitalista eranecessária. Vladislav Surkov, consigliere mais falante e destacado, disse a um repórter, em 2011, que Putinpercebeu que era impossível tomar todos os bens de todos os oligarcas, destruí-los todos, completamente,porque não havia empreendedores em número suficiente para substituí-los. O conjunto dos businessmenera "muito ralo e muito precioso" (...) são os portadores do capital, do intelecto, das tecnologias". Daí aconclusão de que "os homens do petróleo não são menos importantes que o petróleo; o Estado tem deextrair o máximo de ambos".[7] Nessa sintaxe econômica, o sujeito mais alto é o Estado.

Garantidor da ordem

E quanto aos ingredientes políticos do pacote padrão? Putin sempre insistiu que governa uma sociedadedemocrática. Ninguém dirá que ditadura policial ou militar. A liberdade de expressão, impressa ou online,não é menor que no Ocidente. Oportunidades para exercê-la na televisão ou em jornais são em menornúmero, mas não encontra grandes obstáculos na web, onde a Rússia hoje se orgulha de ter o maiorpúblico internet na Europa. Liberdade de viajar é bem fixada. A vigilância eletrônica contra os cidadãos émuito maior nos EUA. Os partidos de oposição, embora nominal, são regularmente eleitos ao Parlamento.Uma Constituição, cuja aprovação foi saudada pelo Ocidente permanece inviolada. A jurisdiçãointernacional da Corte Europeia de Direitos Humanos é aceita. Na lei doméstica, todo o processo civilrealiza-se, sem interferência. Os traços de um Estado de Direito não são todos imaginários.

Mas envolvendo tudo isso, há, contudo, uma ordem superveniente. A Constituição é filha de uma fraude –houve votos falsificados num referendum denunciado pela própria comissão de controle criada por Yeltsin –em torno da qual intelectuais especialistas e repórteres ocidentais cuidam de esconder sob um manto desilêncio. Desde o fim da União Soviética jamais aconteceu eleição livre de fraude e de coerções. A vitóriade Yeltsin em 1996, saudada por aplauso entusiasta na Casa Branca e em Downing Street, foi o maisevidente confisco da vontade popular: 16 anos depois, Medvedev, presidente eleito sob o mesmo sistema,admitiu abertamente que o vencedor, em 1996, foi o subcomunista Zyuganov.[8]

Putin, diferente de Yeltsin, teria vencido as eleições em que foi eleito, talvez não com os números deYeltsin, mas sem fraude e distorções; mas os votos para sua face parlamentar decorativa (Partido RússiaUnida, ing. United Rússia) jamais corresponderam a real apoio popular.[9] Nos termos da Constituição,praticamente não há divisão substantiva de poderes. Nos níveis mais altos, o Judiciário realiza o que oKremlin deseje. Desde que Yeltsin bombardeou a Duma, os deputados não passam de reunião em quepraticamente todos são fantoches. Até o governo não chega a ser Executivo genuíno, dado que não só oprimeiro-ministro é nomeado pelo presidente (exceto quando Putin se autonomeou) e pode ser demitidopelo presidente, mas a presidência tem poderes diretos amplos sobre todo o governo.

Pode-se dizer que o sistema político ali é um "super-presidencialismo", sem equivalente constitucional emnenhum outro grande estado no mundo contemporâneo.

Como andaimes a sustentar a maquinaria de representação superestendida ou fictícia, há a máquinaatualizada e expandida de coerção. Desde Yeltsin, o tamanho da burocracia federal e local mais do que

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duplicou, para perto de 1,7 milhão. Sob Putin, o aparelho de segurança continuou a crescer, os gastoscorrespondentes aumentaram 12 vezes. O Serviço Federal de Segurança da Federação Russa (ru. FSB)converteu-se em corpo de 350 mil funcionários, que forma rede mais cerrada, sobre toda a sociedade, doque a velha KGB, e fornece quadros para todo o escalão superior da administração regional.[10] À parte aszonas de guerra do Norte do Cáucaso, a repressão direta é feita por esquadrões de forças especiaisOMON, polícia antitumultos que atua contra manifestações ou protestos públicos não autorizados.Continua a haver assassinatos encomendados, sem alteração desde os anos de Yeltsin, e os oligarcasraramente vão a julgamento. O grude que mantém juntas todas as instituições da administração, darepresentação e da repressão, num único sistema é a corrupção, presente em toda parte, em todos osníveis de governo. Propinas e 'por-foras' foram estimados em número de 12 algarismos por ano.[11]

Isso quanto às bases internas do regime. O pacote padrão, contudo, avanço rumo ao qual ainda terá deser avaliado pelo ocidente, inclui mais um elemento que quase nem exige comentário, porque tudo já ficadito na definição: compromisso ideológico com a comunidade internacional que incorpora a Rússia, comocertificado da indescartável, indispensável mimésis. Para Washington e Bruxelas, a construção dedemocracia moderna é inseparável do alinhamento com o ecúmeno euro-norte-americano. Até que ponto aRússia satisfaz essa exigência?

No início de seu governo, Putin insistia, não só que o país se incluía historicamente na Europa, mas quepartilhava uma identidade com a região mais avançada do continente – "Somos europeus ocidentais".Chegou a sugerir que o país poderia unir-se à OTAN. Se declarações posteriores foram mais comedidas, oregime e sua mídia nunca deixaram de invocar os valores comuns da civilização ocidental, defendidos pelaRússia, ao lado de EUA e UE, na batalha de todos cont5ra o terrorismo contemporâneo. Diplomaticamente,Putin o primeiro estadista a manifestar solidariedade a Bush, depois dos ataques às Torres Gêmeas e aoPentágono; fechou as bases soviéticas em Cuba e no Vietnã; abriu o espaço aéreo da Rússia para aslinhas de suprimento para tropas norte-americanas no Afeganistão; fez pouco caso da expansão da OTANpara os países do Báltico; reduziu, em vez de ampliar, o establishment militar de seu país – tantas e tantasdemonstrações eloquentes de que a Rússia era parceira confiável para o ocidente, e membro respeitávelda comunidade internacional.

Mas desde o início sempre houve uma ressalva. Sim, Moscou abandonara toda e qualquer pretensão deapresentar qualquer modalidade alternativa à civilização do capital e às suas formas políticas. Mas nãoabrira mão de seu direito à autonomia, dentro da tal civilização do capital. A Rússia continuaria a preservaras próprias tradições que avançavam até passado tão remoto da história dos russos.

Em sua "Mensagem do Milênio", no início de sua presidência, Putin explicou:

"Para nós, o Estado e suas instituições e estruturas sempre desempenharam papelexcepcionalmente importante na vida do país e do povo. Para os russos, Estado forte não éanomalia da qual nos devamos livrar. Bem ao contrário, é fonte e garantidor da ordem, iniciador eprincipal força para conduzir qualquer mudança.[12]

No exterior, significava cumprir os deveres do derzhavnost’ [aprox. "atuar e pensar como grande potência"]:a Rússia continuaria a agir como a grande potência que sempre foi desde o século 18.[13] A contradiçãoentre esse vocabulário do passado e o discurso normativo de uma "comunidade internacional" do qual sebaniu qualquer referência a qualquer hierarquia (porque é o melhor modo para impor a hegemonia do únicoEstado pressuposto superior), foi bem claramente percebida. Na sequência, com os EUA sem darem sinalde terem se emocionado muito com as aberturas de Putin na direção deles, foi desenvolvida uma doutrinapara superar o fosso entre as duas nações. A Rússia continuou a defender para ela uma "democraciasoberana"; expressão na qual o substantivo reitera a adesão ao pacote padrão, e o adjetivo é índice dedesvio para longe dele. A Rússia não seria meramente mimética, nem em casa nem no mundo. O ocidenteteria de se acostumar à ideia.

1. CHOQUES

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As coisas estavam assim quando o segundo mandato de Putin na presidência chegou ao fim, na primaverade 2008, depois não interrompido surto de rápido crescimento, elevação dos padrões de vida, estabilidadepolítica, e popularidade sempre crescente em todo o país. Como qualquer apoteose, durou pouco. Porquefoi então que quatro crises sucessivas sacudiram o regime, afetando suas bases, uma depois da outra. Aprimeira atacou poucos meses depois, quando a onda de choque da crise financeira ocidental chegou àRússia. Com seu alto superávit de exportações, o Estado pagara a dívida externa que Yeltsin acumulara etinha reservas fortes. Mas empresas privadas e bancos públicos haviam-se endividado temerariamente empraças estrangeiras, contra garantias do Estado, numa bolha de créditos que quase triplicou a exposiçãointernacional em 2006-07.[14]

Quando os credores quiseram receber os empréstimos de curto prazo, apanhados no crash de Wall Street,e os preços do petróleo desabaram, de $147 a $34 por barril, o mercado de ações russo perdeu 1/3 do quevalia, virtualmente da noite para o dia. Injeções massivas de fundos da reserva no sistema bancárioimpediram um colapso geral, mas a recessão que se seguiu foi a mais profunda dentre todas as grandeseconomias do mundo – o PIB caiu 7,9% em 2008.

Em 2010, a economia havia saído da crise, mas o tempo de orçamentos fora do vermelho estava acabado.Para preservar seu apoio popular, o regime teve de sustentar o consumo com gastos públicos aumentados,exatamente como os falcões neoliberais sempre cobraram que não se fizesse: os superávits do petróleo,tradicionalmente postos pelo Ministério das Finanças em fundos soberanos e depósitos no exterior, tinhamagora de ser gastos em aumentos de aposentadorias e outros benefícios sociais. Déficits passariam a sera regra. Mas o boom já era passado, e o crescimento, lentíssimo, dava sempre a impressão de que estavaparando. O capitalismo das concessões não dera conta de renovar as contas físicas do país ou deexpandir sua fronteira tecnológica. A queda dos lucros no setor de energia tampouco ajudara, o plutocratascontinuando a comprar bens imóveis e ações, em vez de modernizar a indústria, em casa. Em 2007, oinvestimento caíra 40% abaixo do último ano da União Soviética e, numa média atual de 20% do PIB,continua em menos da metade do chinês e de 2/3 do da China – os dois países com menos empresasglobalmente competitivas que a Rússia.[15]

Na indústria do petróleo, que continua a ser decisiva para o futuro do país, os ganhos caíram fortemente,com os campos de mais rápida exploração começando a esgotar-se – investimentos quadruplicadosgeraram apenas 5% a mais na extração. Em toda a economia, onde manufaturas respondem por mais de1/5 da produção, o desempenho não foi muito melhor: a produtividade do trabalho estava parada um poucoacima de 2/5 dos níveis da Europa Ocidental ou dos EUA.[16] O horizonte dos ganhos do regime seestreitavam.

Dificuldades políticas vieram na sequência das dificuldades econômicas. Cuidando para preservar alegitimidade constitucional que servia em parte como escudo a proteger sua imagem internacional, Putinpassou a presidência a seu auxiliar Medvedev, escolhido como figura de sua entourage mais bemcalculada para confirmar ao ocidente e à opinião libela, que o regime perseverava na trajetóriaprogressista. Mas em vez de sair de cena, mesmo por apenas um período, Putin mudou-se para a CasaBranca como primeiro-ministro. O efeito foi sugerir uma incorporação personalizada do estado dual, comoteorizada por Sakwa. Com os críticos zombando daquela "democracia de dois manches" [‘tandemocracy’],o arranjo fracassou. Medvedev, querendo criar seu próprio eleitorado com vistas a um segundo mandatono Kremlin, falou contra fraudes, corrupção, estado sem leis – "niilismo legal" – e estagnação tecnológica,pregou a independência da mídia-empresa e declarou que não haveria negociação entre bem-estar eliberdade. Mas nada, do que ele dizia, correspondia a mudanças significativas no sistema político: de fato,a única mudança foi ampliar os mandatos presidenciais, de quatro, para cinco anos. Na conta final,aconteceu que o aumento de esperanças por reformas, nos círculos liberais, só levou a aprofundar afrustração, nos mesmos círculos, quando não se concretizou nenhuma daquelas esperanças.

Entrementes, Putin ia-se mostrando cada vez mais incomodado com as pretensões de Medvedev, osatritos já aparecendo à superfície na questão do apoio russo ao bombardeamento contra a Líbia; paraMedvedev, seria saudável revide contra o barbarismo; para Putin, puro desrespeito a Resolução do

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Conselho de Segurança. No outono de 2011, especialistas políticos do primeiro escalão – ambos,Pavlovsky e Surkov – já haviam passado para o campo dos que, mais ou menos abertamente já falavamde um segundo mandato para Medvedev, e voavam altas as expectativas, em Moscou, de que, uma vezemancipado do tutor, Medvedev introduziria uma liberalização do regime, já ansiosamente esperada.Pondo fim às fantasias, em setembro Putin anunciou – com Medvedev de crista baixa, ao seu lado – quepor "um acordo vigente já há muito tempo" – clara inverdade – os dois agora trocariam as funções, e queele, Putin, reassumiria a presidência.

Essa troca de posições, feita com excessiva falta de tato, para deixar excessivamente claro quem mandavaali, foi movimento errado; resultou em mais indignação que indiferença ou resignação no tout Moscou. E opior veio depois, quando, em dezembro, houve fraude flagrante para encobrir queda acentuada no apoioao partido Rússia Unida, de Putin. Dessa vez, a reação na capital foi mais cenográfica, com mais de 100mil em manifestações de rua contra o regime – mais do que os 'democratas' jamais haviam conseguidoreunir nos dias da perestroika e do fim dela. Pela primeira vez, Putin enfrentou oposição disseminada nocentro, com efeitos mais fracos que ecoaram também por algumas cidades do interior do país.

Mas na sociedade como um todo, faltava ainda alguma coisa para que se pudesse definir aquela oposiçãocomo massa crítica. Saídos da classe média de profissionais de uma metrópole que não se confundia comas demais cidades russas pela excepcional concentração de serviços e salários, a maioria dosmanifestantes que protestavam em Moscou correspondia a uma minoria privilegiada da população, na quala intelligentsia à moda antiga estava sendo substituída por um estrato de 'criativos' mais jovens – para usaro termo sempre elogiativo/admirativo no ocidente –, saídos dos mundos da publicidade, moda, relaçõespúblicas, 'programação & TI', consultorias em geral e esse pessoal. Embora aparentemente muito liberais,no trajar e nas preferências sexuais, os manifestantes iam de grupos nacionalistas, por um lado, acorrentes esquerdistas, do outro – uma heterogeneidade ideológica que se manifestava no símbolo públicoda oposição, o blogueiro xenófobo Alexei Navalny, que espancava igualmente os bandidos milionários e osmigrantes sem vintém.

Exceto pelos clamores por "eleições limpas" e funcionários públicos honestos, não havia nenhumareivindicação que unificasse a oposição, nenhum programa capaz de atrair a maioria da população quenão goza das mesmas vantagens, a vasta população pobre, para quem as dificuldades da vida material –desigualdade, insegurança, miséria, ineficiência – importam muito mais que alguma 'retidão jurídica'. Comoestavam as coisas, a rejeição da estrutura formal do regime, sem criticar sua substância social, dificilmentelevaria a um levante popular.[17] A fórmula de Navalny para a libertação – dez valentes empresários, ederrubamos o governo – fala por si mesma.

Para enfrentar o desafio que lhe vinha do centro de Moscou, Putin trouxe ônibus e mais ônibus defuncionários públicos, trabalhadores e jovens moradores das periferias, para fazer muito barulho a seufavor, e pôs todo o peso do governo e da mídia estatal a favor de sua reeleição à presidência em março.Foi vitória fácil – o máximo que a oposição neoliberal conseguira para lhe fazer frente havia sido obilionário Mikhail Prokhorov, oligarca que fora preso (prisão fartamente noticiada) pela polícia francesa, porprática de cafetinagem numa estação de esqui nos Alpes – embora os números finais tenham sido inflados;e veio com novo apelo.

Desintegrado o consenso de que gozara nos dois primeiros mandatos presidenciais, foi preciso polarizarpara preservar o poder – convocando massas pobres, menos formalmente bem-educadas, contra o 'grandmonde' e respectivos filhos 'bem criados'. Nessa estratégia, a oposição encara iguais dificuldades. Gastopúblico até ajudava a minorar a desesperada carência dos mais pobres, mas a substância socioeconômicado regime se desgastara. Ideologicamente, não era possível mobilizar o apoio em base política de classes;o único apoio a mobilizar estava numa espécie de guerra cultural: jogar valores morais patrióticos contra apermissividade sem raízes; os ícones de uma terra de gente decente e sua fé, contra uma decadênciainfestada de vírus de estrangeiridade.

No plano nacional, onde está explicitamente acionada, a retórica do confronto entre valores teve algumefeito político. No plano provincial, necessariamente muito menos. Lá, a ravina entre a figura pessoal de

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Putin como presidente, e seus funcionários ativos localmente, já bem visível nas eleições à Duma, só seaprofundara. Em 2013, depois de longo período de indecisão do regime, oscilando entre repressão econcessão, Navalny foi afinal liberado para concorrer à prefeitura de Moscou; obteve 27% dos votos –menos de 1/10 do eleitorado, com comparecimento pífio de 33% dos eleitores –, mas declarou vitóriamoral, ante a vitória já esperada do candidato do Kremlin. Longe da capital, as identidades regionaissempre haviam sido relativamente frágeis nas vastíssimas regiões indiferenciadas da Rússia, e afragmentação social se ampliara muito nas condições pós-comunistas, dividindo comunidades por um ououtro evento de haver ali recursos naturais e possibilidades de ganho, ou não haver. Se esses dois fatorestrabalham a favor do poder central, as questões locais quase sempre se sobrepõem ao interesse nacional.Depois de problemas para o establishment em Kaliningrado e Yaroslavl, em 2014 candidatosindependentes foram eleitos às prefeituras de Novosibirsk e Yekaterinburg, a 3ª e a 4ª maiores cidades dopaís. A coesão do regime estava visivelmente comprometida.

Mas o afrouxamento que permitira tais tropeços eleitorais poderia sem mostrado como sinal de correção decurso. Examinando essa cena, Sakwa pode concluir com um toque de esperança. Dado que "a essênciado putinismo é a constante absorção de políticas, pessoal e poder, pelo centro" – diz ele –, Putin agora"procurou incorporar elementos da insurgência num sistema reequilibrado de poder", com "potencial paramudança e desenvolvimento". A Rússia precisava de estado de direito, eleições justas e direitos garantidosà propriedade privada, mas "absolutamente não se pode dizer que uma Rússia sem Putin poderia executarmelhor as tarefas necessárias, do que com um Putin castigado pelas instituições renascidas do Estadoconstitucional e a pressão de uma nação política madura e mobilizada".[18] Era ainda muito cedo paradescartar a lógica da mimésis.

Regiões fronteiriças

Mas havia ainda à frente um teste crucial. Depois da crise econômica e política, veio a crise diplomática.Ao longo dos dois primeiros mandatos presidenciais, o tom da política exterior de Putin mudara, mas adireção geral pouco havia mudado. O objetivo principal, de ordem superior a todos os demais, permanecia:construir parcerias com o ocidente. Significara reconhecimento e respeito para com a Rússia, como omaior Estado europeu, alinhamento na luta contra o terrorismo islamista, aliança com a InternationalSecurity Assistance Force (ISAF) [da OTQAN] no Afeganistão, inclusão como membro do G8, participaçãono Quarteto para o Oriente Médio, em termos cordiais com Israel e – por último, mas não menosimportante – economia pujante integrada nos mercados globais de capitais. Pontos de atrito havia com osEUA e a UE: atropelamento do Tratado dos Misseis Antibalísticos; instalação de sistemas de radares naEuropa Central, suspensão da Emenda Jackson-Vanik. Mas basta rápido exame das Resoluções doConselho de Segurança nesse período para ver que a Rússia só faltou atirar-se ao mar para atender atodos os desejos do ocidente, com a única exceção do Plano Annan para desmantelar a República deChipre para acordo com a Turquia – que a Rússia vetou, ante um pedido de ajuda do governo emNicosia.[19] Tudo isso considerado, a Rússia era mais que força aliada confiável dentro da comunidadeinternacional. Era portadora de uma "missão civilizacional no continente eurasiano".[20] Sob Medvedev, apolítica exterior russa curvou-se ainda mais ao ocidente. Para satisfazer Washington, Moscou cancelou aentrega de sistemas de mísseis S-300 a Teerã, que dificultariam ataques aéreos de israelenses e norte-americanos contra o país; aprovou várias vezes na ONU sanções contra o Irã requeridas pelos EUA; deuluz verde ao ocidente para bombardear a Líbia; e até ofereceu via de transporte, por solo russo, emUlyanovsk, para operações da OTAN no Afeganistão.

Houve porém uma nuvem, que desde o início lançou sombras sobre a busca por boas relações com oocidente. A Rússia tinha interesse especial pelo cinturão de Estados ex-soviéticos ao sul, interesse que,aos olhos de Moscou, os seus parceiros euro-norte-americanos deveriam reconhecer. Eram regiões quepertencia, segundo a fórmula local, ao "Exterior Próximo" da Rússia, territórios que antes haviam sido partedo império czarista. Politicamente falando, os Estados bálticos haviam sido absorvidos pela OTAN e pelaUE, e já não estavam submetidos ao controle russo. Por razões práticas, se não por outras, as repúblicascentro-asiáticas também preocupavam menos, sob regimes suficientemente similares ao russo parapreservar relações confortáveis, ainda que por ali já houvesse bases norte-americanas dedicadas à lutacomum na Guerra ao Terror. A zona sensível ficava entre essas duas destacamentos russos, na região que

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vai do litoral ocidental do Cáspio até o baixo Danúbio, compreendendo as três repúblicas do Trans-Cáucaso, a Ucrânia e a Moldávia.

Ali, o problema começou na Geórgia, cuja fronteira com a Rússia cobre cerca de ¾ de suas fronteiras noCáucaso. Em 1992, o regime de Shevardnadze atacou a Abecázia, originalmente república membro daURSS quando o núcleo da população era de sunitas circassianos, subsequentemente anexada à Geórgiapor Stálin e Beria em 1935, e que finalmente se separara da Geórgia quando a URSS se autodissolveu.Incorporando combatentes muçulmanos de todo o norte do Cáucaso – entre os quais Shamil Basayev, quedepois seria insurgente checheno –, a resistência da Abcássia expulsou os invasores georgianos;Shevardnadze fugiu, para salvar a vida.[21] Essa primeira eclosão de lutas precedeu o ataque de Yeltsincontra a Chechênia, devastada em 1996. Três anos depois, um segundo ataque russo, sob Putin, esmagoua resistência chechena, instalando em Grozny o regime de Kadyrov.

Uma década adiante, longe de ter sido pacificado, praticamente todo o norte do Cáucaso abaixo da cidadede Stavropol Krai estava convertido em zona de guerra: rebelião – dessa vez sob a bandeira de um Islãradicalizado – contra o poder russo e seus prepostos locais, estendendo-se do Daguestão a Karachay-Cherkessia. Sob desemprego, pobreza e desigualdade massivos, com a população já tendo praticamenteabandonado o país (a língua russa já não era usada em todo o país), a Chechênia, sob seu brutal senhor-da-guerra alcançara uma independência de facto, sem secessão, enquanto em outros pontos as tropas e odinheiro de Moscou impôs governantes locais, em relação aos quais, contudo, a capital praticamente nãointerferia.[22] Na própria Rússia, a região interessa tão pouco que pesquisas mostram que metade dapopulação é favorável a dar-lhe independência. Mas, por violenta que fosse a ação dos russos, o ocidentejamais emitiu uma palavra, que fosse, de reprovação; do tempo de Clinton e Blair, ao de Obama e Merkel.A santidade das fronteiras que Yeltsin afirmou as protege.

À parte isso, as questões tomavam outro rumo. Em 2003, Shevardnadze, elogiadíssimo no ocidente pelaparticipação na derrubada da URSS, já não passava, então, de fóssil decrépito, consumido pela corrupção,e derrubado depois de fraudar mais uma eleição na Geórgia. O regime que o sucedeu, liderado porSaakashvili, membro da camarilha de Shevardnadze, radicalizou ainda mais o posicionamento pró ocidentede Tbilisi.

Saakashvili é advogado formado em New York; seu principal assessor está na folha de pagamento daUSAID; seu principal lobbyista é assessor de McCain, e o próprio Saakashvili forjou laços fortes com Bush,recebeu instrutores militares e equipamento enviado por Washington; e enviou soldados georgianos paracolaborar na ocupação do Iraque. Em casa, só fez fraudar eleições e atacar opositores, exatamente comoShevardnadze, antes dele. No exterior, seu principal objetivo é o mesmo do antecessor: fazer da Geórgiaestado-membro da OTAN. Em 2008, crente que o apoio que lhe vinha do ocidente o tornaria invulnerável,lançou ataque militar contra Ossétia do Sul, outro território alógeno alocado à Geórgia logo depois da 1ªGuerra Mundial, e que se declarara independente logo depois da autoextinção da URSS. A Rússia reagiuao ataque, servindo-se do túnel que conecta as Ossétias, do Sul e do Norte, uma das áreas do Cáucasoque pertence aos russos do outro lado das montanhas, e rapidamente derrotou o exército georgiano,garantindo estrada aberta até Tbilisi. Mas logo depois de a Ossétia do Sul estar segura, Moscou retirouseus soldados. A mídia e as capitais ocidentais começaram por denunciar veementemente a agressãorussa, mas na sequência, quando as causas do conflito afinal puderam ser conhecidas e compreendidas,calaram-se, embora sem qualquer retratação pública. Quatro anos depois, Saakashvili foi derrotado nasurnas e retirou-se para os EUA, seguido por denúncias de vários crimes.

Do lado russo, o conflito despertou duas preocupações: a OTAN de modo algum poderia cercar a Rússiapelo sul, fazendo da Geórgia um trampolim para o ocidente, como regimes sucessivos em Tbilisi haviamdesejado; e a importância de manter sistema inexpugnável de segurança no norte do Cáucaso, dada apersistente insurgência armada, para impedir o surgimento de problemas mais ao sul. No ocidente, por suavez, os especialistas dividiam-se quanto ao acerto de expandir a OTAN até a Geórgia, mas uniam-se paracondenar a pressão russa sobre o país; e a insistência em que as suas fronteiras, não importava comotivessem sido demarcadas ou qualquer realidade em campo, eram e tinham de continuar a ser invioláveis.Mas para ambos os lados, embora assimetricamente – muito mais para o ocidente, que para a Rússia – a

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área em disputa era secundária, as apostas não eram lá muito altas. Quando a mesma colisão de visõesmudou-se para a Ucrânia, o desfecho rapidamente se tornou muito mais explosivo.

Desvendar a Ucrânia

Na Ucrânia, não há as agudas diferenças culturais ou históricas como as que separavam a Geórgia – comseu idioma ibero-caucasiano, grafia mkhedruli e reinos medievais – da Rússia , e separaram em duas umamesma população eslava, cada uma numa república nos tempos soviéticos. Com população dez vezesmaior que a georgiana, e território aproximadamente do mesmo tamanho, a Ucrânia é incomparavelmentemais importante como estado adjacente. Não apenas os laços econômicos e culturais que a ligam à Rússiasão muito mais próximos, mas na memória política essa foi uma das batalhas cruciais do que os russoschamam de "Grande Guerra Patriótica de 1941-45", o front onde o Exército Vermelho lançou as primeirasgrandes ofensivas contra a Wehrmacht. Quando Yeltsin tomou o poder na Rússia, desconstituindo aURSS, a liderança comunista local na Ucrânia, como em outros pontos, abandonou o Partido paraaproveitar a oportunidade de tornar-se líder de um estado independente. O nacionalismo ucraniano semprefoi forte no oeste galiciano do país, anexado por Stálin, extraído da Polônia, só em 1945. Mas emreferendum de final de 1991, uma maioria pan-regional de mais de 90% decidiu a favor da independência.

A chuva de votos – influenciada pela crença de que, com clina superior e solo fertilíssimo, a Ucrâniaprosperaria mais se separada da Rússia –, comprovou-se pouco representativa do grau de identidadenacional que havia por trás dela. A independência trouxe o oposto, um colapso da economia mais cruel doque o da Rússia sob Yeltsin.[23] A renda per capita caiu, de $1.570 em 1990 para $635 em 2000. Nessascondições, logo se instalou um sentimento de comprador arrependido, nas regiões industriais maisafetadas. Em 1994, 47% da população no sudeste do país declarou que, então, votaria a favor daindependência; só 24% votariam a favor.[24] Com o tempo, esses sentimentos diminuíram, conformeavançava a adaptação ao status quo, apesar de persistirem as dolorosas realidades econômicas. Naindependência, os indicadores russos de qualidade de vida eram o dobro dos da Ucrânia. Hoje, em estãoem torno de três vezes acima. Até a Bielorrússia exibe números duas vezes superiores aos da Ucrânia.

Somando-se a essas dificuldades, foram-se tornando cada vez mais claras as profundas divisões culturaisdo país, onde o ucraniano era idioma oficial, mas a maioria da população ainda falava russo; um oestepolonizado olhava outra vez para o nacionalismo ucraniano de extrema direita de Dontsov and Bandera;um leste carcomido pela ferrugem deixava-se tomar pela nostalgia do passado soviético, as simpatias dasplanícies entre esses dois lados divididas ao longo do rio Dnieper. Desde o começo o sistema político foimais aberto que na Rússia, não só por causa dessas divisões, mas também porque nenhumsuperpresidencialismo dera certo ali, o Parlamento mantendo efetivos poderes legislativo e de controleexecutivo. Loteamento de patrimônio público, corrupção massiva e longa história de assassinatoscontratados em números que superavam qualquer coisa que houvesse na Rússia. Mas, uma vez que oEstado central era muito fraco, sem raiz profunda de tipo algum, nem tradições históricas dos temposczaristas ou soviéticos, o próprio Estado virou presa de apropriação direta por clãs oligárquicos rivais,quando nem Berezovsky nem Khodorkovsky poderiam jamais tomar, eles, diretamente, o Kremlin. Aosbilionários em disputa entre eles, regiões contrastantes e culturas conflitantes, acrescentaram-se tensõesgeopolíticas, a tentação da isca europeia a oeste, e da Rússia a leste do rio Dnieper: Bruxelas eWashington manobrando para arrastar o país para um lado, Moscou, para arrastá-lo para o outro. Ao longodo corte criado pelo rio, os votos mais ou menos se equilibravam, com o poder em Kiev oscilando, àsvezes para um lado, às vezes para outro, na primeira década depois da independência.

Derrota e compressão

Em 2004, quando o governo corrupto e brutal de Leonid Kuchma – purulento até pelos padrões locais –chegou ao fim, a competição pela presidência travava-se entre seu então primeiro-ministro do leste,Yanukovych, condenado na juventude por assalto, e que Kuchma escolhera para sucedê-lo, e um dosex-primeiros-ministros, do banco central, Yushchenko, operando em aliança com Yulia Timoshenko, a maisglamourosa e loura dos oligarcas do país, com plataforma que exigia, dentre outros itens, a incorporaçãoda Ucrânia na OTAN. Alarmado ante a possibilidade de Yushchenko vir a ser eleito, Putin mandou seus

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especialistas políticos para ajudar o outro candidato, e passou a aparecer com muita frequência em Kiev,para uma bateria de palestras e entrevistas. Yanukovych foi declarado vencedor no segundo turno daseleições, depois de escandalosa fraude promovida pelo regime Kuchma, que disparou um protesto cívicoem – chamada 'revolução laranja' – que forçou uma segunda votação, na qual Yushchenko venceu porlarga margem. Para Putin, foi o mais duro revés da década: episódio que não apenas o marcava comoadversário para o ocidente, que fez jorrar dinheiro em apoio aos manifestantes, mas também criavaperigoso exemplo de manifestações urbanas bem-sucedidas para consumo doméstico. Mas o golpepassou. Rápida suspensão no fornecimento de gás, para repor a Ucrânia sob a dependência da energiarussa, foi resolvida por um pacto interoligárquico nada transparente, e os líderes da 'revolução laranja' logose desentenderam entre eles, colhidos, um depois do outro em sucessivos escândalos. Em mais umagirada do pêndulo regional, cinco anos depois o mesmo Yanukovych chegou à presidência sem precisarrecorrer a muita fraude.

Como todos os políticos ucranianos desde Kuchma, uma vez no governo, Yanukovych pôs-se a oscilarentre Bruxelas e Moscou, buscando o melhor negócio a extrair de cada um sem enfurecer o outro. Em2009, quando o PIB caíra nada menos que 15% sob o impacto da crise financeira global, tornara-seindispensável criar uma linha salva-vidas para a economia. Em 2012, a UE redigiu um Acordo deAssociação, para criar uma área de livre comércio com a Ucrânia, e o FMI concedeu um empréstimo de$15 bilhões sob condições da chamada 'austeridade'. Para bloquear a assinatura desses acordo eempréstimo, Putin fez melhor oferta de curto prazo, em novembro de 2013, que foi aceita por Yanukovychno último momento. Protestos indignados, mas ainda bem pequenos, de rejeição à mão que a Europaestendia, surgiram em Kiev. Quando a polícia ucraniana usou atiradores com rifles de precisão, no alto dosprédios, para matar manifestantes, as manifestações converteram-se em sítio contra o regime no centro dacidade, com insurgentes ativos no oeste do país. Em pânico, Yanukovych desapareceu. Bem à mão, parasupervisionar a construção de um regime substituto de seus inimigos no Parlamento e nas ruas, lá estavamos EUA.

Em Washington, a Ucrânia jamais deixara de ser acompanhada de perto: nos governos Clinton, a Ucrâniafoi o terceiro país a receber as maiores 'ajudas', atrás, só, de Israel e do Egito; nos governos Bush, aUcrânia forneceu o quarto maior contingente de soldados para a ocupação do Iraque pelos EUA.[25]

Para Putin, o desfecho foi doída dupla derrota. Não só a motivação para os tumultos em Kiev era – alta eclara – rejeição de um projeto russo, mas, e ainda pior, a Ucrânia passava a estar, pela primeira vez, sobalcance direto da diplomacia e da inteligência dos EUA – o que um dos recentes embaixadores dos EUA àONU chamou de "supervisionada por adultos" – com apoio da UE: exatamente o que a Rússia sempreprocurou evitar. Para recuperar-se como podia da humilhação, Putin retaliou e anexou a Crimeia. Em doisterços da península fala-se russo, e foi transferida para a Ucrânia por Khrushchev em 1954, naturalmentesem consulta popular e, também, sem muita alteração material dentro da jurisdição comum da UniãoSoviética. Sob Gorbachev, um referendum votou a favor de criar-se uma república autônoma da Crimeia,que Kiev aceitou um ano depois, cujo primeiro presidente foi eleito com plataforma de união com a Rússiae convocou um segundo referendum, quando então Kuchma pôs a península sob mando direto dopresidente até que se elegessem prepostos locais.

Nos anos 90s, o declínio econômico foi mais acentuado na Crimeia que no resto da Ucrânia, com poucosinvestimentos. Mas ao final do século já não havia qualquer ativa mobilização a favor da união com aRússia, que parecia bem pouco provável, embora tampouco houvesse qualquer ligação sentimental com aUcrânia, senão entre a minoria ucraniana. Aceitar o governo de Kiev não significou acolhê-lo. Haviaexcesso de impedimentos. Historicamente, a Crimeia não só fora território russo desde o século 18, mastambém constituía lieu de mémoire particularmente intenso, cenário não só de vários episódios narradosna alta literatura russa, de Pushkin a Tolstoy, Chekhov a Nabokov, mas dos dois sítios épicos deSevastopol na Guerra da Crimeia e na 2ª Guerra Mundial, os quais, somados, custaram 1,2 milhão devidas: mais do que todas as perdas que os EUA sofreram nas duas grandes guerras somadas.[26] Aalocação da Crimeia à Ucrânia, arbitrária, mas pouco além de apenas simbólica em 1954, sob Khrushchev,converteu-se em separação material do passado, em 1992 – essencialmente porque Yeltsin estavadeterminado a desmantelar a URSS a toda velocidade, para obter poder pessoal na República Socialista

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Federativa Soviética Russa [orig. Russian Soviet Federative Socialist Republic, RSFSR], e não queriacomplicações com Kravchuk, ex-chefe do partido no governo da Ucrânia, como aliado nesse projeto.Politicamente, a dação da península a Kiev não teve qualquer maior legitimidade, além dessa.

Se a agitação na Crimeia pela reunificação com a Rússia definhou depois de Yeltsin abrir mão dapenínsula, não foi só porque Moscou desencorajou qualquer movimento nessa direção, como embaraço aogovernante que tão cavalheirescamente dispusera da região, mas, muito mais, porque o movimento pelaunificação cresceu justamente quando Yeltsin preparava seu ataque contra a Chechênia, em nome daintegridade territorial da Rússia – em momento impróprio para questionar as mesmas prerrogativas para aUcrânia. Como Solzhenitsyn lamentou amargamente naquele momento: "Sem o esquema sangrento daguerra na Chechênia, Moscou poderia (talvez...?) ter arranjado coragem e peso para apoiar as demandaslegais dos crimeanos, nos anos de crise aguda na península (quando 80% da população votou pelaindependência). Em vez disso, por causa da Chechênia, as esperanças da Crimeia foram emudecidas etraídas."[27] 20 anos mais tarde, quando se aproximava a crise do final de 2013, não se via crescerqualquer pressão popular a favor da reunificação: em vez disso, como em outros pontos da UniãoSoviética, o mais visível traço da população na península parecia ser uma passividade despolitizada, comtoques de ressentimento por ter sido negligenciada pelos oligarcas em guerra em Kiev, de clãs, todos eles,que não tinham nem raízes nem grandes interesses na Crimeia.

Tão logo Yanukovych – que três anos antes recebera 78% dos votos dos crimeanos – foi derrubado,porém, rapidamente começou a turbulência. Em março, sob semicerco de bandos insurrecionais, oParlamento da Crimeia aprovou às pressas uma resolução sobre reunião e, em poucos dias, tropas russas,muitas estacionadas ali mesmo, assumiram o controle. As guarnições ucranianas não ofereceram qualquerresistência. Em seguida, em referendum, 95% da população aprovaram a unificação, com comparecimentoàs urnas de 83% do eleitorado, o que converteu o indiscutível apoio dos 2/3 de russos da população emvitória completa no plano imaginário. Dois meses depois, Putin veio de Moscou para celebrar a volta dapenínsula à pátria-mãe. Nas capitais ocidentais, a indignação foi total: tal 'anexação' seria violação semprecedentes, da lei internacional, que rasgaria o mapa da Europa como se o mundo ainda vivesse noséculo 19 ou em tempo de ditaduras. O movimento jamais foi admitido. Na Rússia, o entusiasmo foiequivalentemente unânime: que patriota russo não aplaudiria a restituição de tamanho símbolo da naçãoao seu lar por direito? A popularidade de Putin, que caíra muito – mas já chegara outra vez a substanciais61% – em dezembro de 2013, na primavera saltou para 83%.

Estrategicamente, a operação crimeana fora limpa, sem luta, recebida com aclamação local. Masideologicamente não havia como contê-la. No cinturão leste, falante de russo, na Ucrânia, só incorporadodepois dos tempos soviéticos, o efeito dela foi insuflar a agitação secessionista, nem plenamentecontrolada nem plenamente desautorizada publicamente por Moscou, mas inflamada pelas diatribes natelevisão russa contra as novas autoridades em Kiev, apresentadas como junta fascista. Em abril, quasetoda a região, de Donetsk a Lugansk foi tomada por milícias armadas em uniformes com estampa decamuflagem, com a polícia assistindo a tudo, sem intervir. Em maio, foram encenados referendums – queMoscou repudiou – a favor da unificação com a Rússia, enquanto no resto da Ucrânia prosseguia acampanha eleitoral para a presidência deixada vaga por Yanukovych, e que resultou na vitória semdificuldades de mais um oligarca, o bilionário magnata fabricante de chocolate Poroshenko, ex-figura quedecorou os dois governos anteriores, de Yushchenko e de Yanukovych.[28]

Tão logo Poroshenko foi instalado em Kiev, foi lançada violenta ofensiva militar contra os rebeldes doDonbass, chamados de "terroristas" para assegurar o apoio ocidental à guerra contra eles. Sob orientaçãode emissários militares e da inteligência dos EUA, o exército ucraniano e paramilitares, apoiados porartilharia pesada avançaram contra guerrilheiros que já recebiam armas e reforços enviados da Rússiaatravés da fronteira, até que os confrontos entraram num impasse. [Trecho omitido: Absolutamente não éverdade o que aí se lê; já está sobejamente provado que o avião civil derrubado na Ucrânia não foiderrubado por "míssil fornecido pelos russos a insurgentes" e tolices semelhantes distribuídas pelapropaganda 'ocidental' e ali repetidas. Digamos que o artigo tenha sido escrito antes de as provas seremestabelecidas e distribuídas. Omitimos esse parágrafo Ver nota [28a] (NTs)].

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Ao denunciar o tal "ultraje indizível", Obama convocou o ocidente a unir-se em ação contra a Rússia.Sanções econômicas contra setores financeiros e de defesa foram intensificadas. A evidência de que osEUA derrubaram avião civil, com praticamente o mesmo número de mortes [que Obama tentava atribuiraos russos] sem jamais ter sequer pedido desculpas formais, foi coisa também "indizível", em sentidomenos metafórico: o avião era iraniano, o capitão do Vincennes agiu de boa fé, e assim sendo melhor todaa "comunidade internacional" esquecer; melhor ainda se nunca mais se falar sobre o caso. A suposta'anexação' da Crimeia também seria fato absolutamente sem precedentes: claro que ninguém jamais ouviufalar da tomada de Jerusalém Leste, do norte de Chipre, do Sahara Ocidental, ou do Timor Leste, porgovernos apoiados, prestigiados (e armados) por Washington.[29]

O que importaria em todos esses casos, se a anexação afogou em sangue a autodeterminação dos locais,em vez de ser operada sem derramamento de sangue? São considerações absolutamente ociosas, comose o poder que administra a lei internacional pudesse ser submetido a ela.

Erros de cálculo

A Ucrânia, estado fraco e dividido que cobre grande parte do território, é exemplo clássico de vácuo depoder, onde forças que enfrentam forças exteriores de potência superior são arrastadas à guerra pelocontrole. Para a Rússia, a Ucrânia importava muito mais, por razões históricas e estratégicas. Era muitomenos significativa para o ocidente. Mas dos dois rivais que disputavam a predominância, o ocidente eramuito mais forte.

A expansão da UE e da OTAN para incorporar a Ucrânia, expandindo o cercamento pós-Guerra Fria daRússia para o sul, evidentemente provocaria reflexo defensivo em Moscou. Mas o mau jeito e ainconsequência da linha de marcha de Putin não lhe foram ordenadas: foram efeito de dois errosfundamentais de cálculo, um local, o outro global. O primeiro foi ter subestimado o sentimento nacionalucraniano. Ao observar com desprezo os oligarcas em luta em Kiev, e os antagonismos regionais dentro dopaís, as elites russas não perceberam o fato ordinário de que o Estado – como qualquer ex-colôniaafricana o demonstra – cristaliza a identidade nacional, não importa o quanto frágil ou pouco propício sejamos materiais que o constituam inicialmente. Inevitavelmente, a posição de superioridade de Moscou sóreforçaria, como reforçou, em vez de minar, o Estado existente – daí o confronto e o renegado irredentismono Donbass, empurrando o país na direção de abraçar o que a Rússia mais temia.

O erro local de cálculo aconteceu por arrogância cínica; o erro global, por ingenuidade.

A crença de Putin, de que poderia construir um capitalismo russo estruturalmente interconectado com o doocidente, mas operacionalmente independente dele – um predador entre outros predadores, mesmo quepredador capaz de desafiá-los – sempre foi ilusão das mais ingênuas. Ao abrir a Rússia aos mercadosocidentais de capital, como sua equipe econômica neoliberal queria, na esperança de arrancar algumavantagem daqueles mercados simplesmente por competir com eles, não pôde evitar fazê-la prisioneira deum sistema muitíssimo mais poderoso que o seu, à cuja mercê seu governo sempre estaria, no caso deeclodir algum conflito.

O crash de Wall Street em 2008-09 já havia exposto o quanto a Rússia é vulnerável às flutuações docrédito ocidental e a implicações políticas. Uma vez a Rússia despossuída de seu superávit em contacorrente, como um banqueiro local comentou com satisfação, "agora os investidores estrangeiros terãovez, no modo como a Rússia é governada. É sinal muito encorajador" – porque Putin será pressionado aprivatizar e privatizar.[30] Esse era o objetivo lógico da imbricação econômica, mesmo antes de Maidan.Depois de uma colisão geopolítica acontecida por causa da Ucrânia, as alavancas controladas peloocidente sempre poderiam, no mínio potencialmente, criar o inferno na Rússia. Primeiro, vieram assanções só contra indivíduos, logo já feriam todo o setor financeiro russo, à altura do verão de 2014.

Na sequência disso tudo, logo chegou a quarta e potencialmente a mais grave das crises que assolaram oregime, com o colapso dos preços do petróleo, no outono. Ainda beirando os $109/barril na primeirametade do ano, o preço despencou para $50 ao final do ano, criando um pânico monetário e fuga de

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capitais, e lançando os juros à estratosfera. Embora a Rússia ainda mantenha superávit em conta corrente,a dívida privada já excede as reservas, numa recessão plenamente desabrochada: o PIB deve encolherpara 5% em 2015. Dado que o Estado depende do setor de energia para mais da metade de sua renda, ahabilidade de Putin para distribuir benefícios materiais para prolongar o apoio popular ao regime serádrasticamente reduzida. Permanece a incógnita de se, ou até que ponto, a decisão dos sauditas de cortar opreço do petróleo foi coordenada com Washington, como foi no tempo de Reagan, em parte parapressionar Moscou: talvez não tenha havido absolutamente qualquer coordenação. Mas foi como caída docéu – em termos do efeito objetivo, foi uma super-sanção. Nem se exauriu o arsenal de potenciais armas àdisposição do ocidente. Expulsão do sistema SWIFT de pagamentos internacionais interbancários, lembraum observador, foi usada com efeito devastador contra o Irã. Assim também "excluir a Rússia do SWIFTpode levar o caos a Moscou, no curto prazo". Mesmo sem ir tão longe, as sanções atualmente vigentes jádeixaram os bancos estatais russos fora dos mercados mundiais de capital: "Com o dólar e o euro como asmaior moedas de transação, o ocidente pode produzir instabilidade financeira na Rússia com o ligar umconector".[31]

2. RECURSOS?

Ideologicamente falando, a eclosão da disputa pela Ucrânia fez reverter à atmosfera da Guerra Fria.Domesticamente, a entrega do pacote padrão pela Rússia pode ter sofrido uma parada ou um adiamento,mas continua a andar na direção certa, e o ocidente pode assumir uma visada de longo prazo e esperar.No exterior pode ter sido diferente. Aí, a comunidade internacional não facilitou. Depois da 'anexação[31a] da Crimeia, a tolerância até dos mais emocionados estudiosos do governo Putin acabou. Ao gerar "amais perigosa crise que a Europa conheceu nesse século", resolveu Treisman, "Putin abandonou aestratégia que marcara sua dominação política durante os últimos 14 anos".[32] Aquela estratégia geraramelhores padrões de vida para a população, que se beneficiou dos preços mais baixos da energia, masenvolvera "relações cordiais com os círculos ocidentais do business, e também a entrada da Rússia naOMC e na OCDE. Taxas de crescimento já declinantes desde 2009 haviam exigido financiamento para odéficit, para proteger os consumidores contra os efeitos da crise econômica. Nessas condições, afrontar acomunidade internacional com aquela aventura externa temerária implicava risco de debacle. – [Putin]"arriscou o trono numa abordagem que provavelmente fracassará".

Ter perdido a classe média 'plugada' à Web foi sinal de perigo, mas enquanto as massas mais pobresfossem preservadas, o regime poderia persistir. Ter perdido os banqueiros e os grandes empresáriosrussos, dos quais dependia a coesão econômica do regime, foi outra coisa: o apoio deles era um dos pivôsdo sistema político. De modo algum aquelas elites veriam com isenção as sanções: as fortunas delasestavam ameaçadas, em qualquer caso de rompimento de laços com o ocidente. Putin poderia pagar opreço de afastar-se dessas elites?

Tudo indica que Putin tenha sido apanhado num beco sem saída. Com a recuperação da Crimeia e aguerra civil no Donbass, a máquina ideológica por trás do retorno dele à presidência entrou emsuperaquecimento, e escapou ao seu controle. Depois de mobilizar emoções populares do nacionalismorusso para a reeleição, e tê-las intensificado com o desafio ao ocidente por causa da Ucrânia, como Putinpoderá agora desamparar aquelas massas e suas emoções, deixando-se oprimir pelas sanções? Para queo regime consiga suportar mesmo uma versão suavizada do bloqueio que o Irã enfrentou, teria demover-se numa direção autárquica, mas próxima de uma economia controlada de marca soviética. Paraaceitar a tutela dos EUA e da UE na Ucrânia, e entregar a Crimeia, Putin teria de assinar um [acordo de]Brest-Litovsk moderno. Regressão ou humilhação: essas, nos termos do sistema que Putin construiu,parecem ser as alternativas. O regime sem dúvida tentará escapar do dilema, combinando (i) a conciliaçãosub rosa com o ocidente – minimizando revides contra as sanções; continuando a cooperar na quarentenacontra o Irã; ajudando a contrainsurgência no Afeganistão – com (ii) arroubos retóricos de coragemnacional para consumo doméstico. Não se sabe se esse curso de ação conseguirá preservar suacredibilidade doméstica.

Neopietismo

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Nesse caso, por quanto tempo funcione depende em boa parte do alcance e da profundidade dosentimento nacionalista na Rússia pós-comunista. A cena cultural, da mais alta à menos alta (sic), estácom certeza saturada com variados tipos de nostalgia do passado imperial e clerical. Dentre esses, o cultoda Igreja Ortodoxa ocupa o lugar de honra, como única instituição no país que sobreviveu com existênciacontinuada, embora politicamente duvidosa, desde os tempos czaristas. Yeltsin devolveu à Igreja grandeparte das suas propriedades de antes da Revolução Bolchevique, fazendo dela, outra vez, instituiçãoopulenta, com cerca de 800 monastérios, seis estações de rádio, dois canais de TV e destaque em todosos eventos oficiais importantes. Putin, que não esconde um crucifixo de alumínio que leva no pescoço,apresenta-se sempre como cristão devoto, que pessoalmente cuidou da reunificação das igrejas ortodoxasna diáspora e na pátria, que se dividiram durante a Guerra Fria, e sempre leva o patriarca em suas viagensao exterior. Oficialmente, assim como a Federação Russa é estado multiétnico, embora enfaticamente nãomulticultural, assim também igreja e estado são separados na Rússia, onde todas as fés – ortodoxia, Islã,budismo, judaísmo – são iguais, e o estado não favorece nenhuma delas. A realidade é que autoridadeslocais em Moscou podem proibir, como provocação, um cartaz que simplesmente reproduzia esse artigo daConstituição. O nexo ideológico entre país, estado e religião é a fé única. Para Putin, a ortodoxia cristã é"tradição que molda o Estado". Para o patriarca Alexei II, "só sobre a base da religião ortodoxa apátria-mãe poderá reconquistar toda sua magnificência". O hino nacional, reescrito em 2000, aproveitafórmula da liturgia ortodoxa, e proclama a Rússia "Terra Abençoada por Deus"[33] [o que Jorge Benjor diztambém, igualzinho, só que do Brasil (NTs)].

[Trecho aqui omitido. O autor alinha, no trecho que não traduzimos, uma depois da outra,quantidade ESPANTOSA de tolices sobre (pelo menos, com certeza) o cinema russocontemporâneo. O tom de 'superioridade' europeia é detestável. Seja como for, se as besteiras quePerry Anderson diz sobre os filmes que não conhecemos forem remotamente comparáveis àsbesteiras que diz sobre os filmes que conhecemos muito bem, tudo que aqui se omitiu, de juízossobre cinema russo e sobre autores russos contemporâneos, foi muito bem omitido (NTs)].

O quanto a 'virada religiosa' é profunda, seja no nível popular ou no nível educado (sic), pode não ser fácilde aferir. Assim como nos EUA, também na Rússia o altar perde, de longe, para o shopping center. Deus éapenas mais um acessório. De 1990 a 1992, o número de russos que decidiram que são crentes saltourepentinamente de 29 para 40% – oportuno milagre de conversão em massa. [Mais um pouco, e PerryAnderson terá DEMONSTRADO que o sucesso do Bispo Malafaia no Brasil é culpa de Putin! (NTs)]

Império e nação

Outras fontes de sentimento nacional, mesmo que não consumadas, vão mais fundo. Historicamente, asplanícies sem saída para o mar, economia atrasada e campesinato empobrecido fizeram a Rússia – semfronteiras naturais, só protegida pelo próprio tamanho e pelo clima – continuamente vulnerável a invasõespelo lado ocidental: poloneses no século 17; suecos, no 18; franceses, no 19; alemães, no século 20. Emresposta, cada vez a custo sempre crescente em mobilização e gastos em material, os ataques foramrespondidos, e foi-se criando um estado autocrático, cada vez mais poderoso, com sua própria dinâmicaexpansionista. Para o leste, estepe e tundra ralamente povoadas por tribos caçadoras e coletoras foramcolonizadas até o Pacífico, num movimento que prefigurou a viagem dos colonos norte-americanos para ooutro litoral, do outro lado do mundo, 200 anos depois. Para o sul, a absorção reincorporação da Ucrânia eo Cáucaso levaram a Rússia ao Mar Negro; para o norte, ganhou da Suécia acesso ao litoral báltico.Grande parte da Polônia e muito da Ásia Central vieram na sequência. Ao longo de cerca de 300 anos, alise desenvolveu o único império pré-moderno fora da Europa que jamais sucumbiu ao ocidente, como seuscontrapartes sucumbiriam no Oriente Próximo, no subcontinente e no Extremo Oriente.[34] Onde todosviriam eventualmente a adotar os avanços militares e burocráticos do ocidente, para melhor resistir contraeles, só a Rússia czarista – porque tivera de começar muito antes, porque vivia muito mais perto do perigo– foi bem-sucedida, não só em preservar a própria autonomia, mas por se ter tornado, por algum tempo,ela mesma, a potência líder na Europa continental.

A revolução industrial pôs fim a essa história de triunfo. Nas mãos de Grã-Bretanha e França na Crimeia,

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do Japão na Manchúria, e terminalmente da Alemanha na 1ª Guerra Mundial, a Rússia Imperial foi batidanos campos da guerra moderna, e a monarquia dos Romanov colapsou. Mas onde os impérios Habsburgoe Otomano dissolveram-se pouco depois em derrotas, a Revolução de Outubro manteve coesospraticamente todos os territórios governados pelos czares, o que permitiu que a União Soviética nascesse.Em alta velocidade, o novo estado conduziu a industrialização que o regime anterior deixara passar, equando veio a invasão nazista, pode derrotar a Wehrmacht com força militar superior, e levou os exércitosrussos, como no início do século 19, mais uma vez, bem profundamente para dentro da Europa,conquistando, dessa vez, prolongado controle sobre metade do continente.

Apesar das enormes perdas do tempo de guerra, mais industrialização possibilitou uma marcha forçadapara obter a arma mais avançada e mais destrutiva de todas: e a URSS alcançou paridade nuclear com osEUA em apenas mais 30 anos, para tornar-se a outra superpotência mundial.

Essa cadeia de sucessos geopolíticos repousava sobre dois pilares agudamente contrastantes. O sistemaczarista compreendia um autocracia dinástica, uma nobreza de serviço e – durante q maior parte de suaexistência – uma massa de camponeses-servos, que constituía a maioria da população. O sistemasoviético destruiu a monarquia, a aristocracia e, com o tempo, quase todo o campesinato, instalando opoder de um partido ditatorial sobre uma população recentemente urbanizada e predominantementeoperária. Sociedades antitéticas manifestam configurações culturais opositivas. Sob o czarismo, elites emassas viviam em mundos separados – uma nobreza cada vez mais letrada, cosmopolita, mesmo, que sesuperimpôs a camponeses analfabetos, uma a patroa distante dos outros, com fraca ou nenhumamediação existencial entre as duas: a Igreja Ortodoxa, apêndice corrupto do estado, uma intelligentsiapopulista tentando, sem sucesso, penetrar nas cidades e vilas.

[Trecho omitido: em nenhum caso, sob nenhum pretexto pressuposto 'ilustrado' ou 'crítico' ou'progressista', se admite que se apliquem termos e conceitos nazistas (no caso, Gleichschaltung),para descrever ou 'explicar' eventos, conceitos ou movimentos da Rússia soviética. Não se admite.Ponto. (NTs)].

Mas num aspecto criticamente importante, porém, houve homologia nos horizontes culturais gerados pelosdois sistemas. Em ambos, o império tinha prioridade sobre a nação. A Rússia imperial que se desenvolverado que na Idade Média tardia havia sido o principado Muscovy foi estado comandado por uma elite cujacomposição era multiétnica e cuja lealdade era dinástica. O próprio nome "Rússia" foi criação de Pedro I, ogrande. No século 17, só cerca de 1/3 dos altos funcionários eram russos; nos dois séculos seguintes, 2/5continuaram a ser não russos, metade dos quais, alemães. Por fim, os russos já não eram maioria nem napopulação. Mesmo assim, embora cronologicamente precedesse a emergência do estado-nação comoforma modal na Europa, o império dos czares jamais foi tão apátrida como o dos Habsburgos ou ootomano. No nível popular, houve um senso de identidade protonacional, capaz de mobilizar a "Santa Rus"contra incursões polonesas durante os Tempos de Dificuldades, alimentando a rejeição sectária dainovação teológica, como apostasia estrangeira; na sequência, forneceria material mitográfico paradenúncias de eslavofilia do ocidente e imitação, do mesmo ocidente, por um czarismo burocrático.[35]

Eventualmente, no final do século 19, emergiu um estridente nacionalismo russo étnico, mas, sem massaalfabetizada nem pequena burguesia substancial, teve alcance limitado. Ocasionalmente suas agitaçõeseram usadas pelo regime imperial como profilaxia contra subversão revolucionária, mas dado queimplicava perigo óbvio para a unidade do império, jamais foi formalmente apoiado pelos governantes. ARússia foi império, formado de vários povos, não nação de um só povo.

Territorialmente contínuo com o estado czarista – menos a Finlândia, o Reino da Polônia e as províncias doBáltico – o estado soviético, ao nascer, rompeu ideologicamente com ele. O império foi denunciado comosinônimo de opressão, e o nacionalismo russo atacado de cima abaixo. Antes da Revolução de Outubro, etambém depois dela, Lênin atacou o chauvinismo de uma "Grande Rússia", como a principal ameaçacontra a igualdade e a solidariedade dos povos que se uniam na URSS. O internacionalismo bolcheviquenão sairia incólume da Guerra Civil, quando considerações estratégicas – a defesa da revolução –atropelaram opções e suscetibilidades locais, para assegurar o Cáucaso e a Ásia Central para o Exército

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Vermelho, muitas vezes sem claro apoio das minorias comprometidas. No leito de morte, Lênin aindaalertava contra os continuados perigos do chauvinismo Grande-Russista, e contra Stálin, portador daquelechauvinismo.

Durante 30 anos, o regime de Stálin manteve intacta a estrutura constitucional da URSS como foraesboçada em 1922. Mas quando surgiu a necessidade, durante a Grande Guerra Patriótica, apelouabertamente aos ícones e tradições populares da identidade nacional russa; e quando houve oportunidade,não hesitou em estender o mando de Moscou aos territórios que haviam pertencido aos czares, libertadospelos bolcheviques. Mas o império jamais poderia ser formalmente valorizado, nem ser autoafirmado pelanacionalidade dominante na União, que corria à rédea solta. A russificação criou uma lingua franca nasrepúblicas. Mas foi acompanhada de uma promoção das culturas locais e quadros que eventualmenteescapou do controle central, nos efeitos não desejados de um "império de ação afirmativa";[36] na via rumoao centro, a República Socialista Federativa Soviética Russa [orig. Russian Soviet Federative SocialistRepublic, RSFSR] – tacitamente identificada com níveis de poder All-Union – ficou sem seu próprio partido,sua academia e outras instituições republicanas padrão.

Para os russos, o desdobramento foi repique da identidade rachada dos tempos dos Romanov. Nos doissistemas, czarista e soviético, a nação foi subsumida numa ordem de valores que a transcendia. Sob osdosséis ideológicos, primeiro da autocracia, ortodoxia, integridade popular (Narodnost’: precisamentenão-'nacionalidade'’) e depois do internacionalismo proletário, a Rússia existiu como comunidadeetnocultural entre outras, sempre a mais saliente, mas nunca se firmando, politicamente, sobre os própriospés. Em todas, as asas da consciência nacional estavam amarradas. Dentre os russos educados doperíodo final do czarismo, sobretudo, definições de nação eram não só impostas de cima para baixo, mastambém sofriam outras pressões, laterais.

Confrontando a expansão das potências industrializadas do ocidente, cada grande sociedade extra-Europaenfrentava o dilema de como melhor evitar ser subjugada por elas. Será que a única esperança desobreviva independente estava na rápida imitação delas? Ou imitar não passaria de rota para aautodestruição, de cujos perigos a redescoberta das fontes profundas da tradição indígena, devidamentepurificada, só ela, poderia salvar a nação? Por duas razões, o dilema tornou-se especialmente agudo naRússia.

O avanço ocidental, como promessa ou como ameaça, aparecia geograficamente muito próximo; e paraenfrentá-lo, os recursos herdados eram tradicionalmente rasos, comparados com os potencialmenteencontráveis em terras mais distantes – China, Índia ou Japão.[37] Resultado foi tensão maior que emoutros pontos, ambivalência constitutiva desabando numa polarização clássica. Na Rússia, o conflito entreeslavófilos e Zapadniks [ocidentalistas] fixou o padrão que se veria em outras sociedades expostas aoimpacto da expansão capitalista ocidental, mas – durou lá meio século – sob forma mais aguda e maisembasada que em qualquer outro lugar.

Dessa tensão adveio uma alta cultura espantosa, criação da primeira intelligentsia na história a serconsciente de si mesma como tal. Escritores e pensadores russos, pintores, musicistas, alcançaram talqualidade de produção nacional que se tornou a mais admirada de toda a Europa. Mas o esplendordaquela cultura não podia desempenhar qualquer papel para integrar uma sociedade na qual 80% daspessoas continuavam analfabetas na virada do século 20. O estado-nação e seus cidadãos, com direitoscomuns e escolarização para todos, ainda faziam falta, além das interconexões de uma moderna divisãodo trabalho. Nessa ausência, ideias de Rússia adquiriam intensidade de alta voltagem, como se pudessemsubstituir os tijolos institucionais normais da nacionalidade.[38] O resultado foi uma virada messiânica nadefinição da nação, para incluir doutrinas de uma Terceira Roma com seus monges, memórias folclóricasda Santa Rus e tropos da alma eslava, a proclamar a Rússia portadora de uma missão universal, pararedimir um decaído mundo materialista, com o mais alto espírito de verdade e justiça que seria doteexclusivo, só dela. Concepções desse tipo – Dostoievsky é famoso exemplar delas – nunca circularamcomo moeda comum para toda a intelligentsia. Mas formaram o suprimento mais distintivo no estoque devalores nacionais, uma hipomania ideológica, a compensar pela frustração política sob o peso de umaautocracia percebida como absolutamente estranha. O tamanho do país o capacitava para tais sonhos.

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Quando o czarismo caiu, sonhos místicos de uma Rússia que seria salvadora moral da humanidadetiveram o destino de outro bricabraque do antigo regime. Mas tão logo Stálin consolidou seu poder, oesquema formal de uma missão especial centrada em Moscou ganhou vida.

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, como Lênin a fundou, não incluía qualquer referência aqualquer terra ou a qualquer povo. A URSS era uma sala-de-espera revolucionária, na qual qualquer paíspodia entrar, tão logo tivesse derrubado o capitalismo; até lá, serviria como a cidadela do internacionalismoproletário. Desde os primeiros anos 1930s, contudo, a paisagem doméstica passou por uma mudançaideológica. Outro valor tornou-se cada vez mais obrigatório, perfeito oxímoro, estranho ao tempo de Lênin:o patriotismo soviético. Não se tratava do nacionalismo russo, e no momento de máximo perigo do regime,quando a Wehrmacht chegava às portas de Moscou ainda era abstrato de ais para operar como grito deguerra contra o inimigo. Mas, com o tempo, tornou-se uma realidade para muito, talvez para a maioria, doscidadãos da União Soviética. Nem poderia haver qualquer contradição entre os dois ideais, de 1921 e de1931. Porque a URSS não era só a pátria de seus cidadãos, que lhes cobrava lealdade tão naturalmentecomo qualquer estado moderno; era também, na fórmula oficial, "pátria-mãe do proletariado internacional edos operários de todo o mundo". Mais uma vez, como na "Ideia Russa" do passado, uma identidadeparticular recebia missão universal. Ao mesmo tempo guia e exemplo, a Pátria-mãe dos Trabalhadoresconduziria o mundo rumo ao socialismo.

Estado decaído

Com o colapso da URSS, essa construção também se desintegrou. Agora, segundo todas as aparências,quando já se foram os integumentos supranacionais do czarismo e do comunismo, o nacionalismo russoque de diferentes modos estivera cerceado pelos dois, pode desdobrar-se livremente, como expressãonatural de uma identidade coletiva longamente inibida, num espaço sem embaraços, de ligaçõesalternativas. Mas, desde o início, houve uma sombra: o desdobramento sem peias não veio de dentro parafora. Foi a vitória do ocidente na Guerra Fria que removera o comunismo. Uma guerra real, combatidapelas duas superpotências durante décadas num campo de batalha global com todas as armas reais, trocade tiros entre os lados, terminara em completo triunfo norte-americano e derrota dos soviéticos – resultadotão categórico como a capitulação da Alemanha e do Japão em 1945.

Mas o resultado não seria o mesmo, porque para a vitória na guerra, Washington tivera de recorrer àsarmas. Para a vitória sobre a Rússia, nada de ocupação, como houve nas potências do Eixo. Sem umClay[39] ou MacArthur à vista, com controle menos amplo. Por outro lado, se encontrar o pessoal para osregimes pós-fascistas man compliant na Alemanha e Japão havia sido processo hesitante e complicado,que exigiu vigilância militar direta, na Rússia uma classe política inteira ofereceu colaboraçãopós-comunista entusiasmada a favor do vitorioso, desde o início. A vontade norte-americana só muitoraramente geraria algum ressentimento. Os gastos para implantá-la foram portanto pequenos. Os EUA nãopouparam só os custos de uma ocupação; Washington pôde usar a seu próprio favor a ajuda econômicadada à Alemanha e ao Japão para a recuperação industrial – que na sequência seria utilíssima para abatalha contra a URSS.

Com o comunismo já inexistente, não havia necessidade de segurança contra ele. Ainda mais que não sóo comunismo como ordem política e ideológica, mas o próprio estado opositor, cuja magnitude popularantes rivalizara com a dos EUA, também evanescera. Depois da derrota, as fronteiras da Alemanha foramredesenhadas, e o país foi pela primeira vez dividido, antes de reemergir como, outra vez, a potênciaeuropeia dominante. O Japão preservou, não só o território, mas praticamente toda ou quase toda a elitedos tempos de guerra, para nem falar do imperador por direito divino. Mas a URSS foi varrida do mapa.

Esse foi ganho não antecipado para os EUA, não antevisto como um dos butins a recolher com a vitória.Bush e Baker, no timão em 1991, estavam mais apreensivos que entusiasmados ante a desintegração daUnião Soviética; Gorbachev e Shevardnadze haviam sido interlocutores agradáveis. Mas tão logo semostrou como fato consumado, a elite da segurança norte-americana tinha todos os motivos para se sentirsatisfeitíssima com a extinção do velho adversário.

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O capitalismo aplicara um 'cala-a-boca' ao comunismo como forma de sociedade, de fora para dentro. Aliquidação do estado que o comunismo fizera nascer foi como um bônus gerado internamente. Servindo-seda República Socialista Federativa Soviética Russa [orig. Russian Soviet Federative Socialist Republic,RSFSR] como base, e jogando com o ressentimento russo contra a anomalia que fora sua falta deautonomia e peso proporcionais dentro da estrutura All-Union da URSS, Yeltsin despachou Gorbachev dafunção de presidir – metade incitando, metade consentindo – a dissolução do estado soviético a qual seurival ainda presidia formalmente.

Na ascensão de Yeltsin, a hora e a vez do nacionalismo russo parecia ter afinal soado. Mas, se o apoiopopular a Yeltsin para a escalada dependera de apelar àquele nacionalismo, tão logo se entrincheirou nopoder, sua base política transferiu-se para uma intelligentsia que o apoiava por outras razões. Era movidanão por conexão ao nacionalismo, mas – numa versão de zapadnichestvo [ocidentalismo] diferente deversões anteriores – por admiração pelo capitalismo.

Nas variantes do século 19 desse ocidentalismo, intelectuais russos haviam olhado para o ocidente embusca de inspiração para uma modernidade liberal, industrial, parlamentar rumo à qual o czarismo era oobstáculo. Mas já havia alguns atraídos pelo vínculo monetário [orig. cash nexus]. Ao final do século 20, aliberdade canônica dos pós-modernos era a democracia, e a entourage de Yeltsin aproveitou-se muito bemdisso. Na autodescrição que preferiam, eram todos, sobretudo, democratas. Mas como o mais refinadointelectual russo daquele momento, espécime genuíno, observou enquanto ascendiam ao poder, eramdemocratas cujo governo significou a humilhação da democracia. Yeltsin bombardeou o Parlamento, forjouratificações da Constituição, fraudou leilões pelos quais a riqueza do país passou a ser propriedade demeia dúzia de oligarcas e enriqueceu, ele próprio e seus favoritos, além de qualquer limite razoável.[40]Para eles, os expedientes não tinham importância alguma. Só lhe importava a emancipação da qual sefaziam instrumentos: a irreversível introdução do capitalismo na Rússia, da qual decorreriam, afinal, todasas demais bênçãos políticas e sociais.

Nesse projeto, não houve lugar para o nacionalismo russo. A tarefa do país era ligar-se ao ocidente, nãodeixar-se ficar pendurado ao que só seriam diferenças retrógradas. Significava fazer o desejo do ocidentecom prazer, se possível; estoicamente, se necessário.

Kozyrev, ministro de Relações Exteriores de Yeltsin, passou a perna em Nixon, que visitava a Rússia; disseque Moscou não tinha qualquer interesse que não fossem os interesses do ocidente. Com interlocutorescomo esses, que representavam um governo dependente, para manter-se no poder, do apoio econômico eideológico do ocidente, os EUA podiam tratar a Rússia com um pouco mais de cerimônias do que sefossem, de fato, país ocupado. Quando até Kozyrev balançou, ao ouvir que era obrigação de Moscouunir-se a Washington na ameaça de um ataque contra a Sérvia, Victoria Nuland – hoje secretária deEstado assistente dos EUA para a Europa –, observou: "É sempre assim quando se tenta fazer os russoscomer o espinafre. Quanto mais você diz que espinafre faz bem a eles, mais eles esperneiam".[41] Osuperior de Nuland naquele momento, amigo íntimo dos Clinton, Strobe Talbott, recorda com orgulho que"aplicar o tratamento do espinafre" à Rússia era uma de suas principais atividades oficiais naquelemomento. Adiante, Obama diria, em público, que Putin o fazia lembrar "aquele adolescente emburrado,entediado, no fundão da classe". Na sequência da crise ucraniana, ouviu-se o que Nuland tinha a dizer, emconversa com o embaixador dos EUA em Kiev, sobre a composição do governo ucraniano, em termos queum observador norte-americanos comparou ao de um residente britânico dando instruções aos regenteslocais da Índia colonial.[42] Condescendente, ou de desprezo, a atitude subjacente da americana fala porela mesma: vae victis [Fodam-se, os vencidos].

Quando afinal Yeltsin deixou o Kremlin nas pegadas da debacle econômica de 1998, afundado emcorrupção, caos e pauperização, seus conselheiros neoliberais haviam caído em descrédito. Comoideologia, o capitalismo nunca gozara de muito prestígio, respeito ou confiança popular; e comoexperiência, sob o patrocínio de Chubais, Gaidar, Nemtsov e o resto, comprovara, para a maioria dosrussos, que parecia mais provação, que libertação.

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Putin trouxe uma restauração da ordem e a recuperação econômica, sem repudiar o capitalismo, mas sem,tampouco, proclamá-lo como legitimação do sistema que herdou. Era necessário que houvesse mercados,claro, mas se tratava de um estado mais forte que os russos sempre valorizaram. Quanto ao exterior,significou um fim às humilhações da era Yeltsin. A Rússia passaria a buscar, como disse uma altaautoridade norte-americana especialista em política exterior, "o respeito, o reconhecimento e aresponsabilidade por apoiar a ordem mundial".[43] Faria as acomodações que fossem necessárias paratanto, mas seus interesses não coincidiriam automaticamente com os do ocidente; e fazia jus a ser tratadaem pés de igualdade com seus parceiros nos EUA e na Europa.

15 anos mais tarde, aquela reivindicação já era saudade. Encurralado pela crise econômica e sob boicoteocidental, o regime recaiu no nacionalismo russo e no esteio ideológico que representa. Historicamente, osgovernantes apelaram ao nacionalismo em tempos de guerra – 1812, 1914, 1941 –, sempreepisodicamente, o apelo logo superado por outras ordens de valores. Hoje não há guerra nem qualquersistema alternativo de valores.

É a primeira vez em tempos de paz que um governo está apostando tudo e recorrendo ao nacionalismorusso puro e simples, ao que tudo indica até agora. E o recurso será efetivo? Conforme a recessãodoméstica se aprofunda, há cortes nos custos do bem-estar social e os padrões de vida da populaçãocaem, todo o processo será tensionado. Os protestos políticos na capital não causaram, até agora, gravedano ao regime, mas se os protestos nas províncias, que pipocam aqui e ali desde 2011 – se espalharempelo país, o regime estará sob risco: a atual onda de sentimento nacional russo é altamente afetável pordificuldades materiais. Outra questão, que nada tem a ver com a crise atual, é a força interna do regime.

De quais fontes o nacionalismo russo pode hoje se alimentar? Se a religião ortodoxa é pouco mais queuma fachada de respeitabilidade, objeto de modismo, em vez de objeto de fé, se a alta cultura honrada nostempos dos sovietes foi atropelada por uma cultura de massa de cunho comercial globalizado, e a 'imitaçãode democracia' do regime, ela própria, não é alimento que baste para manter o orgulho patriótico, o queresta? Essencialmente, resta um paradoxo.

Agora que já não existe, o império que uma vez nublou e atrofiou a nação converteu-se em pedrafundamental de sua identidade contemporânea: a grandeza do passado, independente das origens ou dosfrutos, oferece o mais acessível denominador comum de uma subjetividade coletiva do presente. Memóriassão seletivas, como em qualquer nostalgia. Mas nem por isso são sem correlatos objetivos que as mantêmvivas.

Porque a Rússia já não é a arquitrave de um império, nem é estado-nação convencional nem está a umpasso de converter-se nisso. Mas mesmo amputada, a Rússia ainda é o maior país do planeta. Apopulação não corresponde às dimensões do território, nem se aproxima das outras potências com asquais os russos comparam-se, mas ainda assim há mais habitantes na Rússia que em qualquer outroestado europeu. As conquistas coloniais continuam acomodadas dentro do país; um de cada seis cidadãosrussos é muçulmano; dos que têm o russo como primeira língua, um de cada seis vive fora do país. Emrenda per capita é o pais mais rico dos BRICs; em armamento, o arsenal nuclear dos russos só é menorque o dos EUA. Pequeno para ser Grande Potência em pés de igualdade com EUA ou China, ou, emfuturo próximo, com a Índia; grande demais para caber dentro da Europa, ou encontrar lugar entre outrosmembros da 'comunidade internacional'. Para infelicidade sua, a Rússia tem medidas intermediárias, emtermos geopolíticos.

Há 14 anos, na que continua a ser a apreciação mais profunda da situação do país na aurora do novoséculo, Georgi Derluguian escreveu:

"O Estado russo enfrenta hoje os dilemas provavelmente mais agudos, não simplesmente por causado repentino encolhimento de tamanho, mas porque seus maiores patrimônios e orientaçõestradicionais perderam valor. O capitalismo em sua modalidade globalizada é a antítese de impériosmercantilistas burocráticos que se especializaram em maximizar a força militar e o coeficiente de

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arrasto geopolítico – precisamente os itens em cuja busca governantes russos e soviéticosenredam-se há séculos.

Por quanto tempo essa condição se manterá?

"O regime da globalização de mercado perdurará enquanto perdurarem três condições: que a maisrecente expansão econômica prossiga; que os EUA mantenham a hegemonia ideológica,diplomática e militar; e que as rupturas sociais provocadas pela extensão das operações demercado permaneçam contidas pelo estado de bem-estar ou por métodos policiais. Rebus sicstantibus ['se as coisas se mantiverem como são hoje'], pode-se, provavelmente, dar à forma deglobalização que há hoje uns dez anos, pouco mais, pouco menos [contados a partir de 2001,quando o artigo foi escrito (NTs)]."[44]

Nesse interim que ainda transcorre, o regime de Putin tentou uma ponte sobre a diferença entre o velho e onovo: procurando revalorizar rapidamente o patrimônio e as orientações que se desvalorizaram, mas nãoperderam totalmente o valor; e indiferente ao hegemon, abraçar os mercados que degradaram aquelesitens – corre com a lebre de um cameralismo militar e caça com os cães de um capitalismo financeiro.Essa corrida/caçada é uma contradição. Mas é também reflexo da posição estranha, rara, incomensuradada Rússia, na atual ordem internacional, na qual o regime está cercado, sem saída à vista. ******

* NOTA DOS TRADUTORES: Essa tradução não implica adesão a tudo que Perry Anderson escreve. Longe disso. Muito mais aproveitável, emtermos de proposta à qual aderir, é, nos parece, o que se publica no Blog Vineyard of the Saker [traduzido no Blog Redecastorphoto; e no Blog doAlok a partir de julho/2015], sobre Rússia, Ucrânia e questões correlatas.

Mas Perry Anderson, nesse ensaio, organiza quantidade enorme de informação sobre a Rússia – crucialmente importante para compreendernosso mundo contemporâneo, ao qual o Brasil vai lentamente se integrando – e opera inteligentemente sobre todos esses dados/fatos/versões quenós desconhecemos completamente em língua portuguesa do Brasil. Entendemos que pouco importa, de fato, que PA use essa rica informaçãopara conclusões sobre os danos que traria ao mundo algum "nacionalismo russo". Depois de demorada discussão e cem mil cervejas, concluímosque se algum nacionalismo russo for necessário para nos livrar do atraso de vida que é, para o mundo, o pervertido nacionalismo norte-americano,"francamente foi de graça", como ensina, para momentos difíceis, o grande Adoniran Barbosa ("Praça Clóvis" (canta Chico Buarque). Por issotraduzimos.

Esse artigo deve ser usado como instrumento de/para análise e crítica. É vitalmente útil, até, como uma espécie de saco de pancadas: paraser descontruído e criticado palmo a palmo. De modo algum tem de ser tomado como fonte de opinião a incorporar, sem crítica. Mas, sim, pode sertomado como fonte de informação organizada, mesmo que para rejeitar –, justamente o que menos se acha em língua portuguesa do Brasil.

Não temos dúvida de que a ideia sob a qual trabalha o Saker – "a Rússia é hoje, com a China e outros os países BRICS, porta-estandarte deuma nova ordem mundial MULTIPOLAR; e chamado 'ocidente' trabalha a favor do velho unipolarismo, sob dominação dos EUA excepcionais & suasguerras" – é fórmula muito mais potente, com muito mais poder explicativo, que esse besteirol dito 'democrático' à moda das redações & jornalistasempregados do Grupo GAFE (Globo-Abr-FSP-Estadão), ou antinacionalista à moda de uma autoproclamada 'esquerda', tão falhada quando falante[NTs].

[1] Lucas, The New Cold War: Putin’s Rússia and the Threat to the West, New York 2009, p. 17 ff; Harding, Mafia State: How One Reporter Becamean Enemy of the Brutal New Rússia, London 2011, p. 292; Judah, Fragile Empire: How Rússia Fell In and Out of Love With Vladimir Putin, NewHaven 2013, pp. 2, 328-9; Holmes, ‘Fragments of a Defunct State’, London Review of Books, 5 January 2012.

[2] Treisman, The Return: Rússia’s Journey from Gorbachev to Medvedev, New York 2011, pp. 340-50 ff, 389.

[3] Sakwa, The Crisis of Russian Democracy: The Dual State, Factionalism and the Medvedev Succession, Cambridge 2011, pp. xi-xiv; ‘Transition asa Political Institution: Toward 2020’, in Maria Lipman and Nikolay Petrov, eds, Rússia in 2020: Scenarios for the Future, Washington 2011, pp. 233-5,250-1. Em outros escritos, Sakwa observa que o dualismo do sistema russo não é único – o Irã é mais um exemplo.

[4] Compare Gerald Easter, ‘Revenue Imperatives: State over Market in Post-Communist Rússia’, in Neil Robinson, ed., The Political Economy ofRússia, Lanham 2013, pp. 62-6, with William Tompson, ‘Putin and the “Oligarchs”: a Two-Sided Commitment Problem’, in Alex Pravda, ed., LeadingRússia: Putin in Perspective: Essays in Honour of Archie Brown, New York 2005, pp. 200-1.

[5] Para análise acurada e documentada da conexão São Petersburgo, baseada também em contatos pessoais, ver Thane Gustafson, Wheel ofFortune: The Battle for Oil and Power in Rússia, Cambridge, MA, pp. 231-71, que contudo passa polidamente ao largo da história do prefeitoSobchak, cuja figura e destino são detalhadamente expostos por Masha Gessen in The Man Without a Face: The Unlikely Rise of Vladimir Putin,New York 2012, pp. 91-3, 124-5, 127, 134-44.

[6] Gleb Pavlovsky, entrevistado por Tom Parfitt, publicada pela primeira vez em NLR 88, July-August 2014, p. 56.

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[7] See Fiona Hill and Clifford Gaddy, Mr Putin: Operative in the Kremlin, Washington 2013, p. 209; Yelena Tregubova, Baiki kremlyovskogo diggera,Moscou 2003, pp. 349-50.

[8] Para um relato integral, ver Time, 24/2/2012.

[9] A melhor análise detalhada da fabricação de resultados eleitorais sob Yeltsin e nos primeiros anos de Putin encontra-se em M. Steven Fish,Democracy Derailed in Rússia: The Failure of Open Politics, New York 2005, pp. 30-81.

[10] Gustafson, Wheel of Fortune, p. 391; Judah, Fragile Empire, pp. 100-1.

[11] Richard Sakwa, ‘Systemic Stalemate: Reiderstvo and the Dual State’, in Robinson, ed., The Political Economy of Rússia, p. 74, fala de 240bilhões – provavelmente exagerados, mas só o fato de tal número ser possível já é indicador suficiente.

[12] 29/12/2012: ver Hill and Gaddy, Mr Putin, p. 36

[13] Pavlovsky: "Putin foi um dos que, até o final dos anos 1990s, esperamos pacientemente pelo momento da revanche. Com "revanche", querodizer: a ressurreição de um grande Estado, no qual todos nós vivemos, ao qual nos acostumamos. Não estado totalitário, é claro, mas estado que sepudesse respeitar" (NLR 88, p. 56).

[14] Gustafson, Wheel of Fortune, p. 362.

[15] Paul Christensen, ‘Rússia as Semiperiphery: Political Economy, the State, and Society in the Contemporary World System’, in Robinson, ed.,The Political Economy of Rússia, p. 184.

[16] Vladimir Popov, ‘RussIa Redux?’, NLR 44, March-April 2007, pp. 42-3; Financial Times, 26/9/2013; World Bank, Russian Economic Report,Spring 2012, p. 9.

[17] Esse é a contundente avaliação de Tony Wood, ‘Collapse as Crucible: The Reforging of Russian Society’, NLR 74, March-April 2012, p. 37. Paraanálise mais fina da natureza e perspectivas da oposição em Moscou, ver Judah, Fragile Empire, pp. 195-256 ff.

[18] Richard Sakwa, Putin Redux: Power and Contradiction in Contemporary Rússia, London and New York 2014, pp. 230-1.

[19] Foi evento tão raro que foi recebido com incredulidade pelo arquiteto britânico do plano, ex-embaixador do Reino Unido à ONU, RichardHannay, que fulminou o voto dos russos como "uma desgraça": Anderson, The New Old World, London and New York 2009, p. 383.

[20] Putin: Address to the Assembly of the Russian Federation, 25 April 2005.

[21] Ver Patrick Armstrong, ‘Enter the Memes’, in Robert Bruce Ware, ed., The Fire Below: How the Cáucaso Shaped Rússia, London 2013, pp.15-23.

[22] Domitila Sagramoso and Akhmet Yarlykapov, ‘Caucasian Crescent: Rússia’s Islamic Policies and Its Responses to Radicalization’; e AnnaMatveeva, ‘The Northeastern Cáucaso: Drifting Away from Rússia’, in Ware, ed., The Fire Below, pp. 67-9, 256-78.

[23] Andrew Wilson, Ukrainian Nationalism in the 1990s: A Minority Faith, Cambridge 1997, pp. 128, 168-70.

[24] See Anatol Lieven, Ucrânia and Rússia: A Fraternal Rivalry, Washington 1999, p. 46.

[25] Para esses rankings, ver respectivamente Andrew Wilson, The Ukrainians: Unexpected Nation, New Haven 2002, p. 291; e Ucrânia’s OrangeRevolution, New Haven 2005, p. 95.

[26] Lieven, Ucrânia and Rússia, p. 127.

[27] Solzhenitsyn, Rossiya v obvale, Moscou 1998, p. 81.

[28] Foi secretário da Segurança Nacional e Conselho de Defesa e ministro de Relações Exteriores sob Yushchenko, e ministro da Economia sobYanukovych: ver, para seu currículo político e império empresarial, Slawomir Matuszak, The Oligarchic Democracy: The Influence of BusinessGroups on Ukrainian Politics, Warsaw 2012, pp. 28, 57, 108-10.

[28a] Sobre o voo MH17 da Malasia Airlines e a aeronave derrubada sobre a Ucrânia, ver, dentre muitas outras fontes de melhor informação: Saker;Zero Hedge, ambas com farta documentação; e, se interessar, também o "Relatório Preliminar" dos peritos holandeses que examinaram o local e osrestos do avião [NTs].

[29] Ver Susan Watkins, ‘Annexations’, NLR 86, March-April 2014, pp. 5-11.

[30] Ver Charles Clover, ‘Rússia’s Economy: Unsustainable Support’, Financial Times, 21/3/2012.

[31] Respectivamente, Gideon Rachman, ‘The Swift way to get Putin to scale back his ambitions’, e Wolfgang Münchau, ‘Europe needs to play thelong game on sanctions’, Financial Times, 12/5 e 23/5/2014.

[31a] Perry Anderson insiste em usar essa expressão, criada e divulgada pela propaganda dos EUA. Absolutamente só houve "anexação daCrimeia" na propaganda pró-EUA. O que houve foi reintegração da Crimeia à Rússia, votada e aprovada em referendo popular [NTs].

[32] Treisman, ‘Watching Putin in Moscou’, Foreign Affairs, 5/3/2014.

[33] Sobre tudo isso, ver o penetrante estudo de Geraldine Fagan, Believing in Rússia: Religious Policy after Communism, London and New York2013, pp. 34-5, 195-200, 24-5, que comenta: "no mundo em mutação da política pós-soviética, onde a legitimidade (ou aparência de legitimidade) étudo, a igreja tem a função essencial de sacralizar a elite governante" (p. 33).

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[34] [Nota 38 do original:] Tema central de Marshall Poe, The Russian Moment in World History, Princeton 2006, pp. 47-9 ff.

[35] [Nota 39 do original]: Ver especialmente Geoffrey Hosking, Empire and Nation in Russian History, Waco 1993, pp. 7-12; ‘The Russian NationalMyth Repudiated’, em Hosking and George Schöpflin, Myths and Nationhood, London 1997, pp. 198-210.

[36] [Nota 40 do original]: É expressão famosa de Terry Martin. The Affirmative Action Empire: Nations and Nationalism in the Soviet Union,1923-1939, Ithaca 2001.

[37] [Nota 41 do original]: É ponto bem exposto por Dominic Lieven, Empire: The Russian Empire and its Rivals, London 2002, pp. 228-9.

[38] [Nota 42 do original]: Ver, sobre isso, o ainda percuciente estudo de Tim McDaniel, The Agony of the Russian Idea, Princeton 1996, pp. 22 ff,160-1.

[39] Pode referir-se a Clay Blair (1925-1998), historiador norte-americano da 2ª Guerra Mundial, autor de MacArthur, o General Rebelde (ed. bras.Rio de Janeiro: Record, 1977), que também deu filme [NTs, com informações de https://en.wikipedia.org/wiki/Clay_Blair ].

[40] [Nota 43 do original] Dmitri Furman, ‘Perevernutyi istmat’? Ot ideologii perestroiki k ideologii “stroitel’stva kapitalizma” v Rossii’, SvobodnayaMysl’, no. 3, 1995, pp. 12-25; Dvizhenie po spirali, Moscou 2010.

[41] [Nota 44 do original] Strobe Talbott, The Rússia Hand: A Memoir of Presidential Diplomacy, New York 2002, p. 76.

[42] [Nota 45 do original] David Rieff, ‘Obama’s Liberal Imperialism’, The National Interest, 11 February 2014. Para a transcrição da conversa, verNLR 86, March-April 2014, pp. 12-13.

[43] [Nota 46 do original] Jeffrey Mankoff, Russian Foreign Policy: The Return of Great Power Politics, Lanham 2009, p. 305.

[44] [Nota 47 do original] ‘Recasting Rússia’, NLR 12, November-December 2001, pp. 20-1.

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