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Page 1:  · perna começou a ferver e meu tornozelo incandesceu no local onde a cicatriz estava surgindo. O terceiro símbolo Lorien, o terceiro aviso. Tara começou a gritar e as pessoas

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Eu Sou o Número Quatro OS EVENTOS NESSE LIVRO SÃO REAIS. NOMES E LUGARES FORAM MUDADOS PARA PROTEGER OS SEIS LORIEN QUE CONTINUAM ESCONDIDOS. ENCARE ESSE COMO SEU PRIMEIRO AVISO. OUTRAS CIVILIZAÇÕES EXISTEM. ALGUMAS DELAS PROCURAM TE DESTRUIR. A porta começa a balançar. Ela é fina e fraca, feita de pedaços de bambu amarrados com tiras esfarrapadas de corda. O tremor é sutil e pára quase imediatamente. Eles levantam as cabeças para ouvir; um garoto de catorze anos e um homem de cinqüenta, que todos pensam que é pai do menino, mas que, na verdade, nasceu próximo a uma floresta diferente, em um planeta diferente, a centenas de anos-luz de distância. Eles estão deitados sem camisa em lados opostos da cabana; mosquiteiros cobrem cada cama. Eles ouvem um barulho distante que parece com o som de algum animal quebrando galhos, mas que, nesse caso, soa como se uma árvore inteira estivesse sendo quebrada. — O que foi isso?- o garoto pergunta. — Shh- o homem responde. Eles ouvem o som dos insetos, nada mais. O homem vira-se em direção ao lado da cabana onde a trepidação recomeça. Um tremor longo, mais firme e outro barulho, dessa vez mais próximo. O homem coloca seus pés no chão e caminha lentamente para a porta. Silêncio. Ele respira profundamente à medida que move sua mão devagar em direção ao trinco. O garoto senta-se. — Não - o homem sussurra e naquele instante a lâmina de uma espada, longa e reluzente, feita de um material branco brilhante não encontrado na Terra, atravessa a porta e afunda no peito do homem. A lâmina projeta-se quinze centímetros além de suas costas e rapidamente é puxada. O homem grunhe. O garoto arfa. O homem toma fôlego e profere uma palavra: ―Corra‖. Ele cai sem vida no chão. O garoto salta da cama, irrompendo pela parede dos fundos. Ele não se incomoda em usar a porta ou uma janela; ele literalmente corre em direção à parede, a qual se despedaça como se fosse feita de papel, embora, na realidade, seja de um mogno africano forte e duro. Ele rompe pela noite no Congo, saltando por cima de árvores, correndo numa velocidade em torno de 100 km/h. Sua visão e audição são sobre-humanas. Ele esquiva-se das árvores, rasga videiras enlaçadas, salta sobre córregos com um único passo. Passos pesados estão logo atrás dele, tornando-se mais próximos a cada segundo. Seus perseguidores também possuem habilidades. E eles têm algo com eles. Algo que ele apenas imagina o que é, que ele nunca acreditou que veria na Terra.

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O barulho aproxima-se. O garoto ouve um rugido baixo e intenso. Ele sabe: o que está atrás dele está tornando-se mais veloz. Ele vê uma clareira na floresta a sua frente. Quando chega lá, o garoto vê um enorme desfiladeiro de 100 metros de extensão e 100 metros de profundidade, com um rio em sua base. As margens do rio são cobertas com imensas pedras. Pedras que o despedaçariam, caso ele caísse em cima. Sua única chance é atravessar o desfiladeiro. Ele terá um pequeno trecho de corrida para ganhar impulso e apenas uma chance. Uma chance para salvar sua vida. Mesmo para ele, ou para qualquer outro parecido com ele na Terra, é um salto praticamente impossível. Voltar para trás, ir para baixo ou tentar lutar contra eles significaria uma morte certa. Ele tem apenas uma opção. Há um rugido ensurdecedor atrás dele. Eles estão entre seis e nove metros de distância. Ele volta cinco passos para trás e corre- e assim que chega à borda, ele decola e começa a voar sobre o desfiladeiro. Ele permanece no ar três ou quatro segundos. Ele grita; seus braços estendidos para frente, esperando pela salvação ou pelo final. Ele atinge o chão e caiu para frente, parando na base de uma árvore gigantesca. Ele sorri. O garoto não consegue acreditar no que fez, que sobreviveu. Não querendo que o vejam e sabendo que precisa ficar mais distante deles, o garoto levanta-se. Ele tem que continuar correndo. Ele vira-se em direção a floresta. Ao mesmo tempo em que se movimenta, uma mão enorme envolve sua garganta. Ele é levantado do chão. Ele debate-se, chuta, tenta afastar-se, mas sabe que é em vão, que tudo está terminado. Ele deveria ter imaginado que eles estariam em ambos os lados de desfiladeiro e que, uma vez que o encontrassem, ele não escaparia. O Mogadorian levanta o garoto tão alto que pode ver seu peito e o amuleto que está pendurado em seu pescoço; amuleto que somente ele e os indivíduos de sua espécie podem usar. O Mogadorian arranca o amuleto e coloca-o em algum lugar dentro do manto negro que está vestindo e, quando sua mão ressurge, está segurando a espada de metal branco reluzente. O garoto olha dentro dos olhos negros enormes, profundos e sem emoção do Mogadorian e diz: — Os Legados vivem. Eles se encontrarão e, quando estiverem prontos, te destruirão. O Mogadorian solta uma risada desagradável, de zombaria. Ele levanta a espada, a única arma no universo que pode quebrar o feitiço que tem protegido o garoto até aquele momento, e que ainda protege os outros. A lâmina inflama em uma chama prateada à medida que é apontada para o céu, como se estivesse viva, pressentindo sua missão e animando-se por antecipação. No momento em que desce, um arco de luz atravessa a escuridão da floresta e o garoto ainda acredita que uma parte dele sobreviverá e voltará para casa. Ele fecha seus olhos um pouco antes da espada colidir com ele. E então termina. Capítulo 1

NO COMEÇO, NÓS ÉRAMOS NOVE. Nós partimos quando éramos jovens, quase muito jovens para lembrar. Quase. Disseram-me que o chão tremia, que os céus estão cheios de luzes e explosões. Nós estávamos naquele período de duas semanas no ano em que as duas luas repousavam em lados opostos do horizonte. Era uma época de

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celebração, e, em um primeiro momento, as explosões foram confundidas com fogos de artifício. Mas não eram. Estava quente, uma brisa suave soprava da água. Sempre me contavam do tempo: que estava calor... existia uma brisa suave. Eu nunca entendi porque isso importava. O que eu lembro mais vividamente é o jeito como minha avó estava naquele dia. Inquieta e triste. Havia lágrimas em seus olhos. Meu avô estava atrás dela. Eu lembro o modo como os óculos dele captavam a luz do céu. Houve abraços, palavras ditas por cada um deles. Não me lembro quais foram. Nada me assombra mais. Levou um ano para chegarmos aqui. Eu tinha cinco anos quando isso ocorreu. Nós tínhamos que nos assimilar à cultura daqui, antes de retornar a Lorien, quando fosse possível viver lá novamente. Nós nove deveríamos nos espalhar e tomar cada um seu próprio caminho. Por quanto tempo, ninguém sabia. Ainda não sabemos. Nenhum deles sabe onde estou e eu não sei onde eles estão ou como são agora. Esse é o modo como nos protegemos, pois o feitiço que foi colocado sobre nós quando partimos- um feitiço garantindo que só poderemos ser mortos na ordem dos nossos números- necessita que fiquemos separados. Se nos unirmos, o feitiço é quebrado. Quando um de nós é encontrado e morto, uma cicatriz circular aparece no tornozelo direito dos que ainda permanecem vivos. No nosso tornozelo esquerdo há uma pequena cicatriz- formada quando o feitiço foi lançado- igual a do amuleto que cada um de nós usa. As cicatrizes circulares são outra parte do feitiço. Um sistema de alerta que nos revela quando encontramos uns com os outros ou quando seremos os próximos que eles procurarão. A primeira cicatriz apareceu quando eu tinha nove anos. Ela me acordou, queimando em minha carne. Nós vivíamos no Arizona, em uma pequena cidade na fronteira com o México. Eu acordei gritando no meio da noite, em agonia, aterrorizado pelo modo como a cicatriz queimava o meu corpo. Foi o primeiro sinal de que os Mogadorians finalmente nos encontraram na Terra, e o primeiro sinal de que nos estávamos em perigo. Até o momento em que a cicatriz apareceu, eu tinha quase me convencido que minhas memórias estavam erradas, que as coisas

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que Henri havia me contado eram mentira. Eu queria ser uma criança normal vivendo uma vida normal, mas depois eu soube, que apesar de qualquer dúvida ou discussão, que eu não era. Nós nos mudamos para Minnesota no dia seguinte. A segunda cicatriz apareceu quando eu tinha doze anos. Eu estava na escola, no Colorado, participando de um campeonato de soletrar. Tão logo a dor começou, eu já sabia o que estava acontecendo, o que tinha acontecido com o Número 2. A dor era excruciante, mas tolerável dessa vez. Eu teria permanecido no palco, mas o calor incendiou minha meia. O professor que estava comandando o campeonato apagou o fogo com um extintor de incêndio e apressou-se em me levar para o hospital. O médico no pronto-socorro viu a primeira cicatriz e chamou a polícia. Quando Henri apareceu, eles ameaçaram prendê-lo por maus-tratos. Mas, como ele não estava perto de mim quando a segunda cicatriz apareceu, eles o liberaram. Nós pegamos o carro e fomos embora, dessa vez para Maine. Nós deixamos tudo o que tínhamos, exceto o baú Loric que Henry levava em todas as mudanças. Todas as vinte-e-uma mudanças, até aquele momento. A terceira cicatriz apareceu a uma hora atrás. Eu estava sentando em um barco que pertence aos pais do garoto mais popular da minha escola, e onde sem o conhecimento deles, o filho estava dando uma festa. Eu nunca havia sido convidado antes para nenhuma festa da escola. Eu sempre me mantive sozinho, porque sabia que a qualquer momento partiria. Mas eu tinha ficado quieto por dois anos. Henri não tinha visto notícias de que os Mogadorians estariam atrás de nós, ou de que deveríamos ficar alertas em relação a eles. Então, fiz alguns amigos. E um deles me apresentou ao garoto que estava dando a festa. Todos nos encontramos nas docas. Havia três geladeiras, música, garotas que eu admirava há muito tempo, mas com quem nunca tinha falado, mesmo querendo. Nós partimos das docas e percorremos uns 800 metros no Golfo do México. Eu estava sentado com meus pés na água, conversando com uma garota atraente, de cabelos negros e olhos azuis, chamada Tara, quando senti que tinha começado. A água ao redor da minha perna começou a ferver e meu tornozelo incandesceu no local onde a cicatriz estava surgindo. O terceiro símbolo Lorien, o terceiro aviso. Tara começou a gritar e as pessoas começaram a se reunir ao meu redor. Eu sabia que não havia como explicar aquilo. E eu sabia que teríamos que partir imediatamente. Os riscos eram maiores naquele momento. Eles encontraram o Número 3, onde quer que ele ou ela estivesse, e o Número 3 estava morto. Então, eu acalmei Tara, beijei sua bochecha, disse que tinha sido muito bom conhecê-la e que desejava que ela tivesse uma vida longa e bela. Pulei do barco e comecei a nadar, submerso todo o tempo- exceto para respirar uma vez no meio do caminho- tão rápido quanto eu pude até chegar à margem. Eu corri paralelamente a estrada, no meio das árvores, me movendo na mesma velocidade que os carros. Quando cheguei em casa, Henri estava olhando o banco de dados de exploradores e monitores, que ele usava para pesquisar notícias do resto do mundo e as atividades policiais da nossa área. Ele soube sem que eu dissesse nenhuma palavra e logo levantou minhas calças molhadas para ver as cicatrizes. No começo éramos um grupo de nove. Três morreram. Seis de nós ainda permanecem.

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Eles estão nos caçando e não pararão até matar todos nós. Eu sou o Número Quatro. Eu sei que serei o próximo. Capítulo 2 EU PERMANEÇO NO MEIO DA ESTRADA E ENCARO A CASA. Ela é rosa, parecendo um glacê de bolo, situada a uns três metros do chão sobre palafitas de madeira. Uma palmeira oscila na frente. Atrás da casa, um píer estende-se vinte metros dentro do Golfo do México. Se a casa fosse um quilômetro e meio mais para o sul, o píer estender-se-ia sobre o oceano Atlântico. Henry sai da casa carregando as últimas caixas, algumas que nem foram desempacotadas da nossa última mudança. Ele tranca a porta, depois deixa as chaves na caixa de correio ao lado. São duas horas da manhã. Ele está usando shorts cáqui e uma camiseta pólo preta. Ele está muito bronzeado, com um rosto não barbeado que parece abatido. Ele também está triste por ter que partir. Ele lança as últimas caixas atrás do caminhão, junto com o resto de nossas coisas. — É isso- ele diz. Eu confirmo com a cabeça. Nós paramos, observamos a casa e escutamos o vento passando pelas folhas da palmeira. Estou segurando um saco com aipo. — Sentirei saudades desse lugar- eu digo- Bem mais do que dos outros. — Eu também. — Hora de queimar? — Sim, você quer fazer isso, ou quer que eu faça? — Eu faço. Henri pega sua carteira e a coloca no chão. Eu pego a minha e faço o mesmo. Ele vai em direção ao caminhão e volta com os passaportes, certidões de nascimento, cartões do seguro social, talões de cheque, cartões de crédito e de banco e também os coloca no chão. Todos os documentos e materiais relacionados à nossa identidade aqui, que são falsificados. Eu trago do caminhão uma pequena garrafa com gasolina que guardamos para emergências. Eu despejo a gasolina em cima da pilha de papéis. Meu nome atual é Daniel Jones. Minha história é que cresci na Califórnia e me mudei para cá devido ao trabalho do meu pai como programador de computadores. Daniel Jones está a ponto de desaparecer. Eu acendo um fósforo e lanço-o no chão; a pilha pega fogo. Outra vida minha, terminada. Como sempre fazemos, Henri e eu ficamos parados observando o fogo. Adeus, Daniel- eu penso- foi bom te conhecer. Quando o fogo diminui, Henri olha para mim. — Temos que ir. — Eu sei. — Essas ilhas nunca foram seguras. É muito difícil partir rapidamente, muito difícil escapar daqui. Foi tolice nossa vir para cá. Eu confirmo. Ele está certo, e eu sei disso. Mas, estou relutante em partir. Nós viemos para cá porque eu quis, e pela primeira vez, Henri me deixou escolher para onde iríamos. Nós ficamos aqui por nove meses, e esse foi o período mais longo que nós permanecemos em um lugar desde que partimos de Lorien. Eu sentirei saudades do sol e do calor. Sentirei saudades da lagartixa que eu via todas as manhãs na parede enquanto tomava meu café da manhã. Embora haja literalmente milhões de lagartixas no sul da Florida, eu juro que essa me

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seguia até a escola e parecia estar em todos os lugares em que eu estava. Sentirei saudades das trovoadas que pareciam surgir do nada, do modo como tudo ficava calmo e quieto de manhã cedo, horas antes das andorinhas chegarem. Sentirei saudades dos golfinhos que, algumas vezes, se alimentavam no pôr-do-sol. Sentirei saudades até do cheiro de enxofre proveniente do apodrecimento das algas na base da colina, que enchia a casa e penetrava nos nossos sonhos enquanto dormíamos. — Livre-se do aipo. Estarei esperando no caminhão- Henri diz- Está na hora. Eu entro em um bosque localizado a direita do caminhão. Já há três cervos esperando. Esvazio o saco de aipo em suas patas, agacho e acaricio cada um deles. Eles deixam; já faz muito tempo que eles superaram o medo. Um deles levanta sua cabeça e olha para mim. Olhos negros e inexpressivos me fitam. Eu sinto quase como se ele quisesse me dizer algo. Um arrepio percorre minha espinha. Ele abaixa a cabeça e continua comendo. — Boa sorte, pequenos amigos- eu digo. Vou para o caminhão e me acomodo no banco de passageiros. Nós vemos a casa tornando-se pequena nos retrovisores laterais até que Henri entra na estrada principal e a casa desaparece. É sábado. Me pergunto o que aconteceu na festa sem mim. O que eles comentaram sobre o modo como fui embora e o que dirão na segunda-feira quando virem que eu não fui à escola. Gostaria de poder dizer adeus. Nunca mais verei ninguém que eu conheci aqui. Nunca mais falarei com nenhum deles. E eles nunca saberão quem eu sou e porque parti. Depois de alguns poucos meses, ou talvez poucas semanas, nenhum deles provavelmente pensará em mim. Antes de pegarmos a estrada, Henri pára o caminhão para abastecer. Enquanto ele mexe na bomba de combustível, eu começo a olhar um atlas que nós guardamos entre os assentos do caminhão. Nós temos esse atlas desde que chegamos a esse planeta. Nele há linhas desenhadas ligando todos os lugares onde já moramos. Nesse momento, há linhas cruzando todo os Estados Unidos. Nós sabemos que deveríamos nos livrar do atlas, mas ele é a única recordação que temos de nossa vida juntos. Pessoas normais guardam fotos, vídeos e diários; nós temos o atlas. Quando o pego, observo que Henri desenhou uma nova linha partindo da Flórida em direção a Ohio. Quando eu penso em Ohio, imagino vacas, milho e pessoas agradáveis. Eu sei que as placas dos carros de Ohio dizem: O CORAÇÃO DE TODOS. O que ―todos‖ significa, eu não sei, mas espero descobrir. Henri volta para o caminhão. Ele comprou dois copos de soda e um saco de batatinhas. Ele começa a dirigir em direção a U.S. 1, a qual nos levará para o norte. Ele apanha o atlas. — Você acha que tem pessoas em Ohio?- eu brinco. Ele ri. — Eu imagino que pelo menos algumas. E nós teremos muita sorte se encontrarmos carros e uma TV lá. Eu assinto. Talvez não será tão ruim quanto eu imagino. — O que você acha do nome ―John Smith‖?- eu pergunto. — É o que você escolheu? — Acho que sim- eu digo. Eu nunca fui John ou Smith antes. — Não podia ser mais comum. Eu diria que é um prazer conhecê-lo, Sr. Smith. Eu sorrio. — Sim, acho que gosto de ―John Smith‖.

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— Criarei seu perfil quando pararmos. Um quilômetro e meio mais tarde e estamos fora da ilha, cruzando a ponte. A água passa embaixo de nós. Ela está calma e a luz da lua cintila nas pequenas ondas, criando manchas brancas em suas cristas. À direita é o oceano, à esquerda o golfo; na essência são a mesma água, porém com dois nomes diferentes. Eu tenho vontade de chorar, mas não choro. Não que eu esteja tão triste em deixar a Florida, mas estou cansado de fugir. Cansado de inventar um novo nome a cada seis meses. Cansado de casas novas, escolas novas. Me pergunto se um dia será possível pararmos. Capítulo 3 PARAMOS PARA COMPRAR ALIMENTOS, GASOLINA E CELULARES NOVOS. Vamos até uma parada de caminhões, onde comemos carne cozida, macarrão e queijo, uma das poucas coisas que Henri reconhece como sendo superior ao que tínhamos em Lorien. Enquanto comemos, ele cria novos documentos em seu laptop, usando os novos nomes. Ele os imprimirá quando chegarmos e antes de qualquer um nos conhecer, seremos quem dizemos ser. — Você tem certeza sobre John Smith?- ele diz. — Sim. — Você nasceu em Tuscaloosa no Alabama. Eu rio. — De onde você tirou isso? Ele ri e aponta duas mulheres sentadas em uma mesa próxima. As duas são extremamente gostosas. Uma delas está com uma camiseta em que se lê FAZEMOS MELHOR EM TUSCALOOSA. — E da próxima vez é para lá que nós vamos- ele diz. — Por mais estranho que possa parecer, espero que fiquemos em Ohio por bastante tempo. — Verdade. Você gosta da idéia de Ohio? — Eu gosto da idéia de fazer alguns amigos, ou de freqüentar a mesma escola mais do que alguns meses, de talvez realmente ter uma vida. Eu comecei a fazer isso na Florida. Foi legal e, pela primeira vez desde que chegamos à Terra, eu me senti quase normal. Eu gostaria de encontrar um lugar e lá permanecer. Henri parece pensativo. — Você olhou suas cicatrizes hoje? —Não, por quê? — Porque isso não é sobre você. É sobre a sobrevivência da sua espécie, que foi quase que totalmente extinta; é sobre te manter vivo. A todo o momento que um de nós morre- a todo o momento que um de vocês, os Garde, morrenossas chances diminuem. Você é o Número Quatro, você é o próximo na ordem. Tem uma espécie inteira de assassinos cruéis te perseguindo. Nós partiremos ao primeiro sinal de problemas e eu não vou discutir isso com você. Henri dirige o tempo todo. Contando as paradas e a criação dos nossos documentos, já se passam 30 horas. Gasto a maior parte do tempo cochilando ou jogando vídeo-game. Devido aos meus reflexos, eu posso zerar a maioria dos jogos rapidamente. O máximo que eu gasto em um jogo é um dia. O que eu mais gosto são os jogos de guerras de alienígenas e os espaciais. Finjo que estou de volta a Lorien, lutando contra os Mogadorians, derrubando-os e

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transformando-os em cinzas. Henri acha isso esquisito e tenta me desencorajar. Ele diz que precisamos viver no mundo real, onde guerra e morte não são fingimento. Quando termino meu último jogo, eu olho para cima. Estou cansado de ficar sentado no caminhão. O relógio no painel indica 07h58min. Eu bocejo, esfregando os olhos. — Falta muito? — Estamos quase lá- Henri diz. Está escuro lá fora, mas há um brilho pálido a oeste. Nós passamos por fazendas com cavalos e gado, depois por campos vazios, e depois deles há árvores tão longe quanto os olhos podem ver. É exatamente o que Henri quer, um lugar quieto para passarmos despercebidos. Uma vez por semana, ele percorre a internet por seis, sete, oito horas para atualizar a lista de possíveis casas no país para morarmos, que se encaixam nos seguintes critérios: isolada, rural e com disponibilidade imediata. Ele me diz que fez três tentativasuma na Dakota do Sul, uma no Novo México e uma no Arkansas- até alugar a casa para onde estamos indo. Poucos minutos mais tarde nós vemos as luzes dispersas que anunciam a cidade. Passamos por uma placa que diz: BEM-VINDOS A PARAÍSO, OHIO- POPULAÇÃO: 5.243 hab. — Uau- eu digo- Esse lugar consegue ser menor do que aquele em que moramos em Montana. Henri está sorrindo. — Você acha que o paraíso é para quem? — Vacas, talvez? Espantalhos? Passamos por um posto de gasolina, um lava-rápido, um cemitério. Depois as casas começam; casas de madeira separadas umas das outras mais ou menos uns 10 metros. Decorações de Halloween estão penduradas nas janelas da maioria delas. Há caminhos cruzando os pequenos jardins, ligando as portas da frente das casas à calçada. Existe uma rotatória no centro da cidade e no meio dela há uma estátua de um homem em um cavalo segurando uma espada. Henri pára. Quando olhamos para aquilo, nós rimos, esperando que ninguém mais com espadas apareça por aqui. Ele continua a rotatória e o sistema de GPS no painel diz para fazermos uma curva. Vamos para oeste, fora da cidade. Dirigimos por seis quilômetros antes de virarmos à esquerda e entrarmos em uma estrada de cascalhos. Passamos por campos abertos que provavelmente ficam cheios de milho no verão e depois atravessamos uma floresta densa por aproximadamente um quilômetro e meio. E, então, chegamos. Coberta pela vegetação, há uma rústica caixa de correio prata com letras pretas pintadas ao lado em que se lê 17 OLD MILL RD. — A casa mais próxima é a três quilômetros- Henri diz, virando. Ervas-daninhas cresceram em todo o caminho de cascalho, o qual também está coberto de buracos cheios de água suja. Ele pára e desliga o caminhão. — Que carro é aquele?- eu digo, apontando para o utilitário preto que está na frente de onde Henri estacionou o caminhão. — Suponho que seja da corretora imobiliária. A casa está encoberta pelas árvores. No escuro, parece misteriosa, como se a última pessoa que viveu aqui fugiu ou foi expulsa. Eu saio do caminhão. O motor ainda ruge e eu posso sentir o calor saindo dele. Eu pego minhas malas

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e fico lá esperando. — O que você acha?- Henri pergunta. A casa tem um andar. Ripas de madeira. A maior parte da pintura branca está lascada. Uma das janelas da frente está quebrada. O telhado é coberto com telhas pretas, que parecem deformadas e frágeis. Três degraus de madeira levam a uma pequena varanda na qual há cadeiras cambaleantes. O quintal é grande e bagunçado. Há muito tempo que a grama foi cortada. — Parece o paraíso- eu digo. Nós caminhamos para a casa juntos. Enquanto andamos, uma mulher loira bem-vestida mais ou menos da idade de Henri aparece na porta. Ela está usando um terninho e segurando uma prancheta e uma pasta; um Black Berry está preso em sua cintura. Ela sorri. — Sr Smith? —Sim- Henri diz. — Sou Annie Hart, corretora imobiliária da Paradise Realty. Nós nos falamos por telefone. Tentei ligar para o senhor mais cedo, mas seu celular parecia estar desligado. — Sim, com certeza. Infelizmente a bateria acabou no caminho. — Ah, odeio quando isso acontece- ela diz, caminha até nós e aperta a mão de Henri. Ela pergunta meu nome e eu digo a ela, embora eu esteja tentado, como sempre estou, a dizer-lhe apenas ―Quatro‖. Enquanto Henri assina o contrato, ela pergunta minha idade e me diz ter uma filha da mesma idade, que estuda na escola da cidade. Ela é muito animada, amigável e claramente ama conversar. Henri devolve para ela o contrato e nós três entramos na casa. Lá dentro a maior parte da mobília está coberta por lençóis brancos. Os móveis que não estão cobertos têm uma espessa camada de pó e insetos mortos. As telas nas janelas parecem quebráveis ao toque e as paredes estão cobertas de painéis de madeira baratos. Há dois quartos, uma cozinha pequena forrada com linóleo verde-limão, um banheiro. A sala de estar é grande e retangular, situada na parte da frente da casa. Há uma lareira no canto mais distante. Eu vou até o quarto menor e lanço minha mala sobre a cama. Há um enorme pôster desbotado de um jogador de futebol americano usando um uniforme laranja-brilhante. Ele está no meio de um passe e parece que está prestes a ser esmagado por um homem enorme com um uniforme preto e dourado. No pôster está escrito: BERNIE KOSAR ,QUARTERBACK ,CLEVELAND BROWN. — Venha dizer boa-noite para a Sra. Hart- Henri grita da sala. A Sra Hart está parada na porta junto com Henri. Ela me diz que devo procurar sua filha na escola; que talvez possamos ser amigos. Eu sorrio e digo que sim, que seria legal. Depois que ela vai embora, nós imediatamente começamos a descarregar o caminhão. Dependendo de quão rápido temos que partir de um lugar, nós viajamos mais leves- levando apenas as roupas do corpo, o laptop de Henri e o detalhadamente entalhado baú Loric que é levado para qualquer lugar que vamos- ou podemos carregar algumas outras coisas- geralmente os computadores e equipamentos extras do Henri, os quais ele usa para montar um perímetro de segurança e procurar na rede por notícias e eventos relacionados a nós. Dessa vez trouxemos o baú, dois computadores muito potentes, quatro monitores e quatro câmeras. Nós também trouxemos algumas roupas, embora a maioria das roupas que usávamos na Flórida não seja apropriada para Ohio. Henri leva o baú para seu quarto e nós colocamos todos os equipamentos no porão, onde possíveis visitantes não verão. Uma vez que

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tudo está dentro da casa, começamos a instalar as câmeras e ligar os monitores. — Nós não teremos internet até amanhã de manhã. Mas se você quiser ir à escola amanhã, posso imprimir todos seus novos documentos. — Se eu ficar, terei que te ajudar a limpar esse lugar e terminar as instalações? — Sim. — Vou para a escola- eu digo. — Então é bom você ter uma boa noite de sono. Capítulo 4

OUTRA IDENTIDADE NOVA, OUTRA ESCOLA NOVA. Eu perdi as contas de quantas escolas já freqüentei ao longo dos anos. Quinze? Vinte? Sempre uma cidade pequena, uma escola pequena, sempre a mesma rotina. Novos alunos chamam atenção. Ás vezes, eu questiono nossa estratégia de nos escondermos em cidades pequenas, porque nelas é difícil, quase impossível, passar despercebido. Mas eu conheço a lógica de Henri: é impossível para eles passarem despercebidos também. A escola é a cinco quilômetros da nossa casa. Henri me leva de caminhão de manhã. A escola é menor do que a maioria das outras que freqüentei e é simples, com um andar, grande e rebaixada. Um mural de um pirata com uma faca entre os dentes cobre a parede externa, ao lado da porta de entrada. — Então você é um pirata agora?- Henry diz ao meu lado. — Parece que sim- eu respondo. — Você sabe o que fazer- ele diz — Essa não é minha primeira vez. — Não mostre sua inteligência. Isso fará com que eles se ofendam com você. — Não sonharia com isso. — Não se destaque ou chame muita atenção. — Serei apenas uma mosca na parede. — E não machuque ninguém. Você é muito mais forte do que eles. — Eu sei. — O mais importante: fique sempre preparado. Preparado para partir a qualquer momento. O que tem na sua mochila? — Suprimento de frutas secas e castanhas para cinco dias. Meias extras e roupas quentes. Capa de chuva. Um GPS portátil. Uma faca disfarçada de caneta. — Mantenha com você em todos os momentos- ele respira profundamente- e fique de olho em todos os sinais. Seus Legados vão aparecer a qualquer hora. Esconda-os a todo custo e me ligue imediatamente. — Eu sei, Henri. — A qualquer hora, John- ele repete- Se seus dedos começarem a desaparecer, ou se você começar a flutuar, ou tremer violentamente, se você perder o controle dos músculos ou começar a ouvir vozes que ninguém mais ouve. Qualquer uma dessas coisas, me liga. Eu bato na minha mochila. — Meu celular está bem aqui. — Estarei esperando aqui depois da escola. Boa sorte lá, amigo. Eu sorrio para ele. Ele tem cinqüenta anos, o que significa que ele tinha quarenta quando chegamos. Tendo essa idade, a adaptação foi muito difícil

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para ele. Ele ainda fala com um sotaque Loric acentuado, que às vezes é confundido com francês. Foi um bom álibi no começo, então ele se nomeou Henri e permanece com esse nome, apenas mudando o sobrenome para combinar com o meu. — Lá vou eu colocar ordem nessa escola- eu digo. — Seja bom. Eu caminho em direção à construção. Como na maioria das escolas de ensino médio, existem vários grupos de jovens do lado de fora. Eles estão divididos em panelinhas, os atletas e as líderes de torcida, os garotos da banda carregando instrumentos, os nerds com seus óculos, notebooks e BlackBerris, os maconheiros de lado, alheios a todos os outros. Um garoto, com óculos grossos, está sozinho. Ele tem um telescópio portátil e está observando o céu, que está quase totalmente encoberto pelas nuvens. Reparo uma garota tirando fotos, se movendo facilmente de um grupo para outro. Ela é chocantemente bonita com seu cabelo liso e loiro passando dos ombros, pele marfim, maçãs do rosto salientes e suaves olhos azuis. Todo mundo parece conhecê-la e a cumprimenta, e ninguém se recusa a ser fotografado por ela. Ela me vê, sorri e acena. Pergunto-me por que e viro-me para ver se não há ninguém atrás de mim. Há apenas dois jovens discutindo a lição de casa de matemática. Viro-me de volta. A garota caminha em minha direção, sorrindo. Eu nunca vi uma garota tão bonita, muito menos conversei com uma e definitivamente nunca recebi um sorriso e um aceno, como se fossemos amigos. Fico imediatamente nervoso e começo a corar. Mas, eu também sou desconfiado e fui treinado para ser assim. À medida que chega perto de mim, ela levanta a câmera e começa a tirar fotos. Levanto minhas mãos e escondo meu rosto. Ela abaixa a câmera e sorri. — Não seja tímido. — Eu não sou. Só estou tentando proteger a lente da sua câmera. Minha imagem pode quebrá-la. Ela ri. — Com essa carranca é possível mesmo. Tente sorrir. Eu sorrio, levemente. Estou nervoso a ponto de explodir. Posso sentir meu pescoço queimando, minhas mãos ficando quentes. — Esse não é um sorriso verdadeiro- ela diz, provocando- Sorrir envolve mostrar os dentes. Eu dou um sorriso amplo e ela tira fotos. Geralmente não permito que tirem fotos minhas. Se elas terminarem na internet ou no jornal, eu posso ser achado mais facilmente. As duas vezes em que fui fotografado, Henri ficou furioso, pegou as fotos e as destruiu. Se ele souber o que eu estou fazendo agora, terei um grande problema. No entanto, eu não posso evitar- a garota é tão linda e charmosa. Enquanto ela tira fotos, um cachorro vem correndo até mim. É um beagle, com orelhas de abano escuras, peito e patas brancas e um corpo preto magro. Ele está sujo como se tivesse sido abandonado. Ele se esfrega em minhas pernas e choraminga, tentando chamar minha atenção. A garota acha isso fofo e me faz ajoelhar para que ela possa tirar fotos minhas com o cachorro. Quando ela começa a fotografar, ele se afasta. Toda hora que ela tenta novamente, ele se move mais para longe. Ela finalmente desiste e tira algumas outras fotos de mim. O cachorro fica sentando uns 10 metros distante, nos observando. — Você conhece aquele cachorro?- ela pergunta.

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— Nunca vi antes. — Com certeza ele gostou de você. Você é o John, certo? Ela estendeu a mão. — Sim- eu digo- Como você sabe? — Eu sou Sarah Hart. Minha mãe é sua corretora imobiliária. Ela me disse que, provavelmente, você estaria começando a freqüentar a escola hoje, e que eu deveria te procurar. Você é o único garoto novo que apareceu hoje. Eu rio. — É, eu conheci sua mãe. Ela é simpática. — Você vai apertar minha mão? Ela ainda está com a mão estendida. Eu sorrio e aperto, e é literalmente uma das melhores sensações que eu já tive. — Uau- ela diz. — O quê? — Sua mão está quente. Realmente quente, como se você estivesse com febre ou algo assim. — Acho que não. Ela solta minha mão. — Talvez você apenas tenha o sangue quente. — Sim, talvez. Um sinal soa a distância e Sarah me diz que é o sinal de aviso. Nós temos cinco minutos para entrar na sala. Nos despedimos e eu fico olhando-a se afastar. Logo depois, alguma coisa bate em meu cotovelo. Eu me viro e vejo um grupo de jogadores de futebol, todos vestindo jaquetas do time passando por mim. Um deles me olha furiosamente e eu percebo que foi ele quem bateu em mim com sua mochila enquanto passava. Duvido que tenha sido um acidente e começo a segui-los. Eu sei que não farei nada, mesmo podendo. Eu só não gosto de valentões. À medida que eu os sigo, o garoto com camiseta da NASA se aproxima. — Eu sei que você é novo, então vou te deixar por dentro - ele diz. — Do quê? — Aquele é Mark James. Ele é o cara por aqui. O pai dele é xerife da cidade e ele é a estrela do time de futebol. Ele namorava a Sarah, quando ela era líder de torcida, mas ela saiu do grupo e largou ele. Ele não superou isso. Se eu fosse você, não me meteria com ele. — Obrigado. O garoto se apressa pelo corredor. Eu vou em direção a sala do diretor, para me matricular nas aulas e poder começá-las. Eu olho para trás para ver se o cachorro ainda está lá. Ele está sentado no mesmo local, me observando. O nome do diretor é Sr. Harris. Ele é gordo e quase totalmente careca, exceto por uns poucos fios longos de cabelo atrás e dos lados da sua cabeça. Sua barriga cai sobre seu cinto. Seus olhos são pequenos e redondos, bem próximos um do outro. Ele sorri para mim do outro lado da mesa e o sorriso dele parece engolir seus olhos. — Então você é um estudante do 2º ano vindo de Santa Fe?- ele pergunta. Eu confirmo e digo que sim, mesmo que nós nunca estivemos em Santa Fé, ou no Novo México, para começar. Uma mentira simples para não sermos rastreados. — Isso explica o bronzeado. O que te traz a Ohio? — O trabalho do meu pai.

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Henri não é meu pai, mas eu sempre digo que é para não gerar suspeitas. Na verdade, ele é meu Keeper, o que pode ser melhor compreendido na Terra como guardião. Em Lorien havia dois tipos de cidadãos, sendo que um dos tipos desenvolve Legados, ou poderes, os quais podem ser bem variados, passando por invisibilidade, capacidade de ler mentes, voar ou usar os elementos naturais como fogo, vento ou raios. Os que possuíam Legados eram chamados de Garde e os que não possuíam eram conhecidos como Cepan, ou Keepers. Eu sou um membro dos Garde. Henri é um Cepan. Para todo Garde é atribuído um Cepan até certa idade. Os Cepans nos ajudam a entender a história de nosso planeta e desenvolver nossos poderes. Os Cepan e os Garde- um grupo para conduzir o planeta, e outro para defendê-lo. O Sr. Harris assente. — E o que ele faz? — Ele é escritor. Ele queria viver em uma cidade pequena e quieta para finalizar o trabalho que está desenvolvendo- eu digo, usando nossa história de cobertura padrão. O Sr. Harris assente e semicerra os olhos. — Você parece ser um jovem forte. Você planeja praticar esportes aqui? — Gostaria, se eu pudesse. Mas, eu tenho asma, senhor- eu digo; minha desculpa usual para evitar qualquer situação que possa revelar minha força e velocidade. — Sinto muito ouvir isso. Nós estamos procurando atletas talentosos para o time de futebol - ele diz e olha para a estante na parede, no topo da qual há uma troféu de futebol gravado com a data do ano anterior- Nós ganhamos a Conferencia Pioneer- ele diz, irradiando orgulho. Ele se estica, puxa duas folhas de papel de um arquivo ao lado de sua mesa e entrega-as para mim. A primeira é o meu cronograma, que tem poucos horários livres. A segunda é uma lista das disciplinas optativas disponíveis. Eu escolho as aulas e preencho a folha, depois a devolvo para ele. Ele me dá algumas orientações, falando pelo que parecem horas, comentando cada página do manual do estudante, com detalhes meticulosos. Um sinal soa e depois outro. Quando ele finalmente termina, me pergunta se tenho alguma dúvida e eu digo que não. — Excelente. Faz meia hora que começou a segunda aula, e você escolheu astronomia com a Sra. Burton. Ela é uma ótima professora, uma das melhores. Ela já ganhou um prêmio estadual, assinado pelo próprio governador. — Que legal – eu digo. Depois que o Sr. Harris luta para sair da cadeira, nós saímos de sua sala e caminhamos pelo corredor. Os sapatos dele quicam pelo chão recentemente encerado. O ar cheira tinta fresca e produtos de limpeza. Armários cobrem as paredes, muitas das quais têm cartazes de apoio ao time de futebol. Não há mais de vinte salas de aula no prédio inteiro. Eu as conto enquanto andamos. — Chegamos- o Sr. Harris diz. Ele estende sua mão. Eu a aperto. - Estamos felizes em ter você aqui. Gosto de pensar que somos uma família unida. Estou contente de recebê-lo nela. — Obrigado- eu digo. O Sr. Harris abre a porta e coloca sua cabeça dentro da sala. Só naquele momento eu percebo que estou um pouco nervoso, que há algum sentimento de desorientação dentro de mim. Minha perna direita está tremendo; eu estou com um frio na barriga. Não entendo por quê. Certamente não é a expectativa

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de entrar em minha primeira aula. Eu já fiz isso tantas vezes que nem me sinto mais nervoso. Eu respiro fundo e tento me acalmar. — Sra Burton, desculpe interrompê-la. Seu novo aluno está aqui. — Oh, ótimo! Mande-o entrar- ela diz com uma voz muito alta de entusiasmo. O Sr. Harris abre a porta e eu entro. A sala é um quadrado perfeito, cheia com 25 pessoas mais ou menos, sentadas em carteiras retangulares do tamanho aproximadamente de mesas de cozinha, sendo três pessoas por carteira. Todos os olhos estão em mim. Olho para eles antes de olhar para a Sra. Burton. Ela tem aproximadamente sessenta anos e está usando um suéter de lã pink e óculos vermelhos de plástico pendurados por uma corrente em seu pescoço. Ela dá um grande sorriso. Seu cabelo é grisalho e enrolado. As palmas das minhas mãos estão suadas e eu sinto meu rosto corar. Espero não estar vermelho. O Sr. Harris fecha a porta. — E qual é o seu nome?- ela pergunta. Do jeito agitado que eu estou, quase falo ―Daniel Jones‖, mas me refreio a tempo. Respiro fundo e respondo ―John Smith‖ — Ótimo! E você veio de onde? — Flo- eu começo, mas me seguro novamente antes da palavra se formar completamente.- Santa Fe. — Classe, vamos dar um boas-vindas caloroso para ele. Todos batem palmas. A Sra. Burton indica para que eu me sente em um lugar vago no meio da sala entre dois outros alunos. Me sinto aliviado por ela não ter me feito mais perguntas. Ela se vira para retornar a sua mesa e eu começo a caminhar pela sala, em direção a Mark James, que está sentado em uma mesa com Sarah Bart. Quando eu passo, ele estica o pé e me dá uma rasteira. Eu cambaleio, mas me mantenho em pé. Risadas baixas percorrem toda a sala. A Sra Burton olha ao redor. — O que aconteceu?- ela pergunta. Eu não respondo, em vez disso encaro Mark. Toda escola tem um brigão, um valentão, ou qualquer outro nome que você queira dar, mas nenhum se materializou tão rápido. Seu cabelo é preto, cheio de gel, cuidadosamente espetado em todas as direções, com costeletas meticulosamente cortadas e, em sua face, a barba está por fazer. Sobrancelhas espessas apresentam-se sobre seus olhos escuros. Pela sua jaqueta do time, eu vejo que ele é veterano e em cima da data, seu nome está escrito em letras douradas. Continuamos nos encarando e a sala emite um som de entusiasmo. Eu olho meu lugar que está a três mesas de distância, depois olho novamente para Mark. Eu poderia literalmente quebrá-lo no meio se eu quisesse. Podia atirá-lo na cidade mais próxima. Se ele tentasse fugir, eu poderia ultrapassar seu carro e jogá-lo em cima de uma árvore. Mas, juntamente com minha reação extrema, as palavras de Henri ecoam em minha mente: ―Não se destaque ou chame muita atenção‖. Eu sei que devo seguir o conselho dele e ignorar o que aconteceu, como sempre fiz no passado. Nisso somos bons, misturarmo-nos com o ambiente e viver nas sombras. Mas eu estou um pouco fora do normal, e antes de ter a chance de pensar duas vezes, já fiz a pergunta. — Você quer alguma coisa? Mark olha em volta para o resto da sala, se ajeita na cadeira, depois me olha novamente. — Do que você está falando?

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—Você colocou seu pé na minha frente quando eu estava passando. E você esbarrou em mim lá fora. Imagino que você queira alguma coisa. — O que está acontecendo?- a Sra. Burton pergunta atrás de mim. Olho por cima do ombro para ela. — Nada- eu respondo. Depois me viro para Mark.- Certo? Suas mãos seguram a mesa, mas ele permanece em silêncio. Seus olhos ficam fechados, até ele soltar um suspiro e desviar o olhar. — Foi o que eu pensei- eu digo para ele e continuo andando. Os outros alunos não sabem como reagir e a maioria continua me olhando até eu sentar em minha carteira entre uma garota ruiva com sardas e um garoto gordo que me olha boquiaberto. A Sra. Burton vai para a frente da sala. Ela parece um pouco confusa, mas logo balança os ombros e começa a explicar a razão pela qual existem anéis em Saturno e que eles são compostos na sua maioria de partículas de gelo e poeira. Depois de um momento paro de prestar atenção nela e olho para os alunos. Um novo grupo de pessoas das quais terei que me manter distante. Sempre existe uma linha tênue entre interagir um pouco e manter o mistério, sem se tornar estranho e conseqüentemente desprezado. Eu já tinha feito um trabalho horrível hoje. Inspiro profundamente e expiro devagar. Eu ainda sinto um frio na barriga, minha perna ainda treme de maneira incômoda. Minhas mãos estão quentes. Mark James está sentado três mesas na minha frente. Ele se vira uma vez e olha para mim; depois sussurra alguma coisa no ouvido de Sarah. Ela se vira. Ela parece legal, mas o fato de que ela o namorava e que está sentada com ele me surpreende. Ela sorri calorosamente para mim. Eu queria sorrir de volta, mas estou congelado. Mark tenta novamente falar-lhe algo, mas ela balança a cabeça e o empurra. Minha audição é muito melhor que a humana, se eu me concentrar, mas eu estou tão confuso com o sorriso dela que não consigo. Queria ter ouvido o que ela disse. Eu abro e fecho minhas mãos. As palmas estão suadas e começam a queimar. Outra respiração profunda. Minha visão está embaçada. Cinco minutos se passam, depois dez. A Sra. Burton ainda está falando, mas eu não consigo ouvir o que ela diz. Mantenho minhas mãos fechadas, depois as reabro. Quando faço isso, minha respiração fica presa na garganta. Um brilho fraco aparece na palma da minha mão direita. Olho para ele, chocado, maravilhado. Depois de alguns segundos, o brilho começa a ficar mais forte. Fecho minhas mãos. Meu medo inicial é que algo tenha acontecido com algum dos outros. Mas o que poderia ter acontecido? Nós não podemos ser mortos fora de ordem. Esse é o modo como o feitiço funciona. Mas isso significa que eles não podem ser feridos? Algum deles teve a mão direita cortada? Não tem como eu saber. Mas se algo tivesse acontecido, eu teria sentido as cicatrizes no meu tornozelo. Só então que eu percebo: meu primeiro Legado está se formando. Eu pego meu telefone da mochila e mando uma mensagem de texto para Henri que diz VNEHA, embora eu quisesse escrever VENHA. Estou muito atordoado para mandar alguma coisa mais. Fecho minhas mãos e coloco-as no colo. Elas estão queimando e tremendo. Abro minhas mãos. A palma da minha mão esquerda está vermelha e a da direita ainda está brilhando. Olho para o relógio na parede e vejo que a aula está quase terminando. Se eu puder sair dali, eu encontrarei uma sala vazia, ligarei para Henri e perguntarei para ele o que está

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acontecendo. Começo a contar os segundos: 60, 59, 58. Parece que minhas mãos vão explodir. Concentro-me na contagem. 40, 39. Elas estão formigando agora, como se pequenas agulhas estivessem enfiadas na palma. 38, 37. Abro meus olhos e olho para frente, me concentrando em Sarah com a esperança de me distrair olhando para ela. 15, 14. Olhar para ela faz piorar. As agulhas parecem pregos agora. Pregos que foram colocados em uma fornalha e aquecidos até incandescerem. 8, 7. O sinal toca e, em um segundo, estou de pé e fora da sala, andando rápido entre os outros estudantes. Eu estou tonto, instável sobre meus pés. Continuo andando pelo corredor, sem idéia de aonde vou. Posso sentir que alguém está me seguindo. Pego meu cronograma do meu bolso traseiro e olho o número do meu armário. Por sorte, meu armário está bem a minha direita. Paro nele e encosto minha cabeça na porta de metal. Balanço minha cabeça, percebendo que na minha pressa em sair da sala eu esqueci minha mochila lá com meu celular dentro. Então, alguém me empurra. — Qual é, valentão? Eu cambaleio e olho para trás. Mark está lá, sorrindo para mim. — Alguma coisa errada?- ele pergunta. — Não – eu respondo. Minha cabeça está girando. Sinto como se estivesse a ponto de desmaiar. E minhas mãos estão em chamas. Seja lá o que estiver acontecendo, não podia ocorrer em uma hora pior. Ele me empurra de novo. — Não é tão valente sem professores por perto? Estou muito desequilibrado para permanecer de pé, tropeço e caio no chão. Sarah aparece na frente de Mark. — Deixe-o em paz- ela diz. — Isso não é da sua conta- ele fala. — Certo. Você vê um garoto novo conversando comigo e imediatamente tenta começar uma briga com ele. Esse é apenas um exemplo do porquê nós não estamos mais juntos. Começo a levantar. Sarah se abaixa para me ajudar e no momento em que ela me toca, a dor em minhas mãos aumenta, parecendo que há relâmpagos na minha cabeça. Viro-me e começo a andar depressa, na direção oposta à sala de astronomia. Eu sei que todos pensarão que sou um covarde por fugir, mas estou sentindo que vou desmaiar. Eu agradecerei Sarah e me ocuparei do Mark, mais tarde. Nesse momento, só preciso achar uma sala com a chave na porta. Chego no fim do corredor, o qual cruza com a entrada principal da escola. Penso nas orientações do Sr. Harris, que incluíam a localização das várias salas no prédio. Se eu me lembro corretamente, o auditório, a sala da banda e a sala de artes estão no fim desse corredor. Corro em direção a elas o mais rápido que posso no estado em que estou. Atrás de mim, eu posso ouvir Mark gritando comigo e Sarah gritando com ele. Eu abro a primeira porta que encontro, entro e fecho a porta atrás de mim. Felizmente ela tem um trinco e eu posso trancá-la. Eu estou em uma sala escura. Tiras de negativos de fotos estão penduradas em linhas para secar. Desmorono no chão. Minha cabeça gira e minhas mãos queimam. Desde a primeira vez que eu vi a luz, tinha fechado minhas mãos. Agora, olho para elas e vejo que minha mão direita ainda está brilhando, pulsando. Começo a entrar em pânico.

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Sento-me no chão, o suor arde meus olhos. Minhas duas mãos estão terrivelmente doloridas. Eu esperava pelos meus Legados, mas não tinha idéia que eles incluiriam isso. Eu abro minhas mãos e a palma da minha mão direita está reluzindo e a luz tornando-se mais concentrada. A mão esquerda está piscando fracamente; a sensação de ardor quase insuportável. Eu queria que Henri estivesse aqui. Espero que ele esteja chegando. Fecho meus olhos e passo meus braços ao redor do meu corpo. Balanço-me para frente e para trás no chão. Tudo dentro de mim é dor. Eu não sei quanto tempo se passou. Um minuto? Dez minutos? O sinal toca, sinalizando o começo da próxima aula. Eu posso ouvir as pessoas conversando do lado de fora da porta. A porta balança várias vezes, mas ela está trancada e ninguém consegue entrar. Só continuo me balançando, com os olhos fechados fortemente. Batidas na porta. Vozes abafadas que eu não compreendo. Eu abro meus olhos e posso ver que o brilho das minhas mãos ilumina a sala inteira. Fecho minhas mãos e tento fazer com que a luz desapareça, mas ela escapa pelos espaços entre meus dedos. A porta começa a balançar de verdade. O que eles pensarão da luz em minhas mãos? Não há como escondê-la. Como eu poderei explicá-la? — John? Abra a porta, sou eu- uma voz diz. Uma onda de alívio me percorre. A voz de Henri, a única voz no mundo inteiro que eu quero ouvir. Capítulo 5 ARRASTO-ME ATÉ A PORTA E A DESTRANCO. ELA SE ABRE. Henri está coberto de terra, vestindo roupas de jardinagem como se estivesse trabalhando do lado de fora de nossa casa. Eu estou tão feliz de vê-lo que tenho o impulso de pular e abraçá-lo e até tento fazer isso, mas estou tão tonto que caio no chão. — Está tudo bem aqui?- o Sr. Harris pergunta ao lado de Henri. — Está tudo bem. Apenas nos dê um minuto, por favor- Henri responde. — Precisa que eu chame uma ambulância? — Não. A porta se fecha. Henri olha para minhas mãos. A luz na mão direita está brilhando fortemente, enquanto a esquerda está mais fraca, como se estivesse apenas tentando se firmar. Henri dá um sorriso amplo; sua face brilha como um farol. — Ahhh, obrigado Lorien- ele suspira. Depois pega um par de luvas de couro de jardinagem do seu bolso traseiro.- Que sorte grande que eu estava trabalhando no jardim. Coloque-as. Coloco-as e elas escondem completamente a luz. O Sr. Harris abre a porta e põe a cabeça para dentro. — Sr. Smith? Está tudo bem? — Sim, está tudo bem. Apenas nos dê mais trinta segundos- Henri diz e olha de volta para mim.- Seu diretor se intromete muito. Inspiro profundamente e expiro. — Eu entendo o que está acontecendo, mas por que isso? — Seu primeiro Legado. — Eu sei disso, mas por que as luzes? — Vamos falar sobre isso no caminhão. Você consegue caminhar?

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— Acho que sim. Ele me ajuda a levantar. Eu ainda estou desequilibrado, ainda tremendo. Eu me apoio em seu antebraço. — Tenho que pegar minha mochila antes de irmos embora- eu digo. — Onde ela está? — Eu deixei na sala de aula. — Que número? — Dezessete. — Vou te levar para o caminhão, depois volto para pegá-la. Coloco meu braço direito ao redor dos ombros dele. Ele me segura colocando seu braço esquerdo em minha cintura. Embora o segundo sinal já tenha tocado, ainda posso ouvir pessoas no corredor. — Você precisa caminhar o mais normal que puder. Respiro profundamente. Tento juntar todas as poucas forças que eu tenho para enfrentar a longa caminhada para fora da escola. — Vamos lá- eu digo. Limpo o suor da minha testa e sigo Henri para fora da sala escura. O Sr. Harris ainda está na porta. — Apenas uma crise forte de asma- Henri diz ao passar por ele. Umas vinte ou mais pessoas também estão na porta e a maioria tem câmeras fotográficas penduradas no pescoço, esperando para entrar na sala para a aula de fotografia. Felizmente Sarah não está entre elas. Eu caminho o mais firmemente que posso, um pé de cada vez. A saída da escola é a 30 metros. São muitos passos. As pessoas cochicham. — Que cara esquisito. — Será que ele vai continuar vindo para a escola? — Espero que sim, ele é tão fofo. — O que você acha que ele estava fazendo numa sala escura para ficar com o rosto tão vermelho?- eu ouço. Todos riem. Do mesmo modo que podemos focar nossa audição, também podemos deixar de ouvir, o que nos ajuda quando tentamos nos concentrar em um ambiente com muitos ruídos e confusão. Então, me isolo do barulho e sigo atrás de Henri. Cada passo que eu dou parece dez, mas finalmente chegamos à porta. Henri a mantêm aberta para mim e eu tento caminhar até o caminhão, o qual está estacionado em frente à escola. Nos últimos 20 passos, tenho que me segurar nos ombros dele novamente. Ele abre a porta do caminhão e eu entro. — Você disse 17? — Sim. — Você deveria ter mantido a mochila com você. São os pequenos erros que levam aos grandes. Não podemos cometer nenhum. — Eu sei. Me desculpe. Ele fecha a porta e volta para o prédio. Eu me debruço no banco e tento acalmar minha respiração. Ainda sinto o suor em minha testa. Me sento e abaixo a aba protetora contra o sol, de maneira a me olhar no espelho. Meu rosto está mais vermelho do que eu pensei, meus olhos um pouco úmidos. Mas apesar da dor e do cansaço, eu sorrio. Finalmente, eu penso. Depois de anos de espera, depois de anos em que minhas únicas defesas contra os Mogadorians foram a inteligência e a discrição, meu primeiro Legado apareceu. Henri sai da escola carregando minha mochila. Ele caminha até o caminhão, abre a porta e joga minha mochila no banco.

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— Obrigado- eu digo. — De nada. Quando estamos fora do terreno da escola, eu tiro as luvas e olho minhas mãos. A luz na mão direita está começando a se concentrar em um feixe, como em uma lanterna, só que mais brilhante. O ardor está começando a diminuir. Minha mão esquerda ainda brilha fracamente. — Fique com as luvas até chegarmos em casa- Henri diz. Coloco as luvas novamente e olho para ele. Ele está sorrindo orgulhosamente. — Foi uma merda de espera longa- ele diz. — Ahm?- eu perguntei. Ele me olha. — Uma merda de espera longa- ele diz novamente- pelos seus Legados. Eu rio. Entre todas as coisas que Henri aprendeu a dominar enquanto está na Terra, palavrões não estavam inclusos. — Uma maldita espera longa- eu corrigi. — Sim, foi o que eu disse. Ele vira em nossa rua. — Então, o que vem depois? Isso significa que eu serei capaz de atirar lasers com a mão ou algo assim? Ele sorri. — Seria bom se fosse assim, mas não. — Bem, então o que eu serei capaz de fazer com a luz? Quando eu estiver sendo perseguido, me virarei e ofuscarei os olhos deles? Daí eles se acovardarão ou algo assim? — Paciência- ele diz- Você ainda não está pronto para compreender isso. Apenas vamos para casa. Nesse momento, me lembro de algo que quase faz com que eu pule do meu banco. — Isso significa que nós finalmente abriremos o baú? Ele confirma e sorri. — Muito em breve. — Legal!- eu digo. O baú de madeira detalhadamente entalhado tem me assombrado a vida inteira. É uma caixa frágil com símbolos Loric dos lados, da qual Henri guardava completo segredo. Ele nunca me disse o que há dentro, e ele é impossível de abrir, o que eu sabia, pois tinha tentado inúmeras vezes e nunca conseguido. Ele é mantido fechado por um cadeado que não tem entrada para nenhuma chave. Quando chegamos em casa, posso ver no que Henri estava trabalhando. As três cadeiras da varanda da frente haviam sido limpas e todas as janelas estão abertas. Dentro da casa, os lençóis que cobriam a mobília foram retirados, e a superfície de alguns móveis está limpa. Eu coloco minha mochila em cima da mesa da cozinha e a abro. Frustro-me imediatamente. — Filho da mãe- eu digo. — O quê? — Meu telefone não está aqui. —Onde está, então? — Eu tive um pequeno desentendimento com um garoto chamado Mark James, essa manhã. Ele provavelmente pegou. — John, você ficou na escola por uma hora e meia. Como já conseguiu arranjar um desentendimento? Você sabe que isso não é certo.

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— É o ensino médio. Eu sou o aluno novo. Foi fácil. Henri tira seu celular do bolso e disca meu número. Depois fecha o celular. — Está desligado- ele diz. — É claro que está. Ele me encara. — O que aconteceu?- ele me pergunta em uma voz que eu reconheço como sendo a voz que ele usa quando está considerando outra mudança. — Nada. Só uma discussão idiota. Eu provavelmente derrubei o celular no chão quando fui colocá-lo na mochila.- eu digo, mesmo sabendo que isso não aconteceu- Eu não estava muito bem. Provavelmente, ele está esperando por mim no ―achados e perdidos‖. Ele olha ao redor e suspira. — Alguém viu suas mãos? Olho para ele. Seus olhos estão vermelhos, mais vermelhos do que quando ele me deixou na escola. Seu cabelo está despenteado e seu olhar está caído como se ele estivesse a ponto de desmoronar de exaustão a qualquer momento. A última vez que ele dormiu foi na Florida, dois dias atrás. Eu não sei como ele ainda está de pé. — Ninguém viu. — Você foi para a escola por uma hora e meia. Seu primeiro Legado apareceu, você esteve próximo de uma briga, e você deixou sua mochila na sala de aula. Não foi exatamente o que combinamos. — Não foi nada. Certamente não é algo importante o suficiente para nos mudarmos para Idaho, Kansas ou para qualquer que seja a próxima droga de lugar para que vamos. Henri estreita os olhos, considerando o que ele tinha testemunhado e decidindo se tinha sido o suficiente para justificar uma mudança. — Agora não é momento de sermos descuidados.- ele diz. —Há discussões em todas escolas todos os dias. Eu te garanto, eles não vão nos rastrear porque um valentão arranjou confusão com o aluno novo. — As mãos do garoto novo não brilham em todas as escolas. Eu suspiro. — Henri, você parece que está a ponto de morrer. Tire uma soneca. Nós podemos decidir depois que você tiver dormido um pouco. — Nós temos muito o que conversar. — Eu nunca te vi tão cansado antes. Durma algumas horas. Nós conversamos depois. Ele concorda. — Uma soneca provavelmente me fará bem. Henri vai para seu quarto e fecha a porta. Eu caminho para fora e ando um pouco pelo quintal. O sol está atrás das árvores e há uma brisa agradável. As luvas ainda estão em minhas mãos. Eu tiro-as e coloco-as no meu bolso traseiro. Minhas mãos estão do mesmo jeito que antes. Verdade seja dita, apenas metade de mim está excitada com a chegada do meu primeiro Legado após muitos anos de espera impaciente. A outra metade de mim está deprimida. Nossas constantes mudanças têm me esgotado, e a partir de agora será impossível eu me misturar ou permanecer em um só lugar por qualquer período de tempo. Será impossível fazer amigos ou me sentir a vontade em algum lugar. Eu estou cansado de nomes falsos e mentiras. Estou cansado de sempre ter que olhar para trás para ver se estou sendo seguido.

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Eu me abaixo e toco as três cicatrizes no meu tornozelo direito. Três cicatrizes que representam três mortos. Nós estamos ligados uns aos outros mais do que pela espécie. Enquanto toco as cicatrizes, eu tento imaginar quem eles foram, se foram homens ou mulheres, onde eles moraram, quantos anos tinham quando morreram. Tento me lembrar das outras crianças na nave comigo e numerar cada uma. Eu imagino como seria conhecê-los, sair com eles. O que nós teríamos feito se ainda estivéssemos em Lorien. Como seria se o futuro de toda nossa espécie não dependesse da sobrevivência de tão poucos de nós. Como seria se todos nós não estivéssemos encarando a morte na mão dos nossos inimigos. É terrível saber que eu sou o próximo. Mas nós sempre estivemos à frente deles, nos mudando, fugindo. Mesmo que eu tenha enjoado de me mudar, eu sei que essa é a única razão pela qual ainda estamos vivos. Se pararmos, eles nos encontrarão. E agora que eu sou o próximo na contagem, eles sem dúvida intensificaram a busca. Certamente eles devem saber que estamos nos tornando mais fortes, desenvolvendo nossos Legados. Além disso, há a outra cicatriz no outro tornozelo, formada quando o feitiço foi lançado, naqueles momentos preciosos antes de partirmos de Lorien. É a marca que nos liga. Capítulo 6 ENTRO NA CASA E DEITO NO COLCHÃO SEM LENÇÓIS EM MEU QUARTO. A manhã me esgotou e eu deixo meus olhos se fecharem. Quando eu os reabro, o sol está incidindo no topo das árvores. Eu saio do quarto. Henri está na mesa da cozinha com seu laptop aberto e eu sei que ele está olhando as notícias, como ele sempre faz, procurando por informações ou reportagens que possam nos dizer onde os outros estão. — Você dormiu?- eu pergunto. — Não muito. Nós temos internet agora e eu não checo as notícias desde que saímos da Flórida. Isso está me atormentando. — Algo importante?- eu pergunto. Ele balança os ombros. — Um jovem de catorze anos na África caiu de uma janela no 4º andar e saiu sem nenhum arranhão. Há um jovem de quinze anos em Bangladesh afirmando ser o Messias. Eu rio. — Eu sei que o de 15 anos não é um de nós. Alguma chance do outro ser? — Não. Sobreviver de uma queda do 4º andar não é um feito tão grande, e, além disso, em primeiro lugar nenhum de nós seria tão descuidado a esse ponto.- ele responde e pisca o olho. Eu sorrio e sento-me em frente a ele. Ele fecha o computador e coloca as mãos na mesa. Seu relógio indica 11:36. Nós estamos em Ohio por mais ou menos metade de um dia e muita coisa já aconteceu. Eu mantenho as palmas das minhas mãos para cima. Elas se apagaram um pouco desde a última vez que eu as olhei. — Você sabe o que tem? — Luzes em minhas mãos. Ele ri. — Isso é chamado de Lumen. Você logo será capaz de controlar a luz. — Realmente espero que sim, porque nosso disfarce estará acabado se eu não apagá-las logo. Só não vejo a vantagem disso.

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— Há mais no Lumen do que simples luzes. Eu juro. — O que mais tem? Ele vai para o seu quarto e volta com um isqueiro em sua mão. — Você lembra bem de seus avôs?- ele pergunta. Nossos avôs são aqueles que nos criam. Nós vemos pouco nossos pais até a idade de 25 anos quando temos nossos próprios filhos. A expectativa de vida para um Loric é de aproximadamente 200 anos, muito maior que a dos humanos, e quando as crianças nascem, tendo os pais entre 25 e 35 anos, elas são criadas pelos mais velhos enquanto os pais continuam treinando seus Legados. — Um pouco. Por quê? — Porque seu avô tinha esse mesmo dom. — Eu não me lembro nunca de ver as mãos dele brilhando- eu digo. Henri ri. — Ele nunca deve ter tido razão para usá-lo. — Maravilha- eu digo- parece um belo dom para se ter, um que nunca usarei. Ele balança sua cabeça. — Me dê sua mão. Eu estendo minha mão direita e ele agita o isqueiro sobre ela, depois o move de maneira que o fogo toque a ponta do meu dedo. Eu puxo minha mão. — O que você está fazendo? — Confie em mim- ele diz. Estendo a mão novamente para ele. Ele a segura e agita o isqueiro sobre ela novamente. Ele olha em meus olhos. Depois sorri. Eu olho para baixo e vejo que ele está segurando a chama sobre a ponta do meu dedo médio. Eu não sinto nada. Instintivamente, puxo minha mão. Toco meu dedo. Ele não parece diferente de antes. — Você sentiu aquilo? — Não. — Me dê sua mão de novo- ele diz- e me diga quando sentir algo. Ele começa a colocar a chama na ponta do meu dedo novamente, depois a move bem devagar até a palma da minha mão. Eu sinto uma cócega leve onde a chama toca na minha pele, nada mais. Somente quando o fogo alcança meu pulso, que eu começo a sentir que está queimando. Eu puxo meu braço. — Ai. — Lumen- ele diz.- Você está se tornando resistente ao fogo e ao calor. Suas mãos tornaram-se naturalmente, mas teremos que treinar o resto do seu corpo. Um sorriso se abre em meu rosto. — Resistente ao fogo e ao calor- eu digo- Então eu nunca mais poderei ser queimado? — Digamos que sim. — Isso é incrível! — No final das contas não é um Legado tão ruim, né? — Não é ruim de tudo- eu concordo- Agora sobre essas luzes? Elas vão se apagar? — Elas vão. Provavelmente após uma boa noite de sono, quando sua mente esquecer que elas estão acesas- ele diz.- Mas você terá que ser cuidadoso por um tempo. Um desbalanço emocional poderá fazer com que elas se acendam novamente, se você ficar excessivamente nervoso, irado ou triste. — Por quanto tempo? — Até você aprender a controlá-las- ele fecha os olhos e esfrega o rosto com

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as mãos.- Bom, vou tentar dormir novamente. Nós conversamos sobre o seu treinamento daqui a algumas horas. Depois que ele sai, eu permaneço na mesa da cozinha, abrindo e fechando as mãos, inspirando profundamente e tentando me acalmar para que as luzes se apaguem. É claro que não funciona. A casa ainda está inteira bagunçada, tirando as poucas coisas que Henri fez enquanto eu estava na escola. Eu diria que ele está inclinado a decidir partir, mas não a um ponto em que não possa ser convencido a ficar. Talvez se acordar e encontrar a casa limpa e em ordem, ele possa tomar a decisão certa. Começo pelo meu quarto. Tiro a poeira, lavo as janelas e varro o chão. Quando tudo está limpo, eu coloco lençóis, travesseiros e cobertas em minha cama, depois penduro e dobro minhas roupas. O guarda-roupa é velho e fraco, mas eu o encho e depois coloco alguns poucos livros que tenho em cima dele. E o resultado é um quarto limpo, com tudo o que eu tenho arrumado. Vou para a cozinha, guardo as louças e limpo os armários. Isso me dá trabalho e eu posso parar de pensar em minhas mãos, mesmo porque, enquanto eu limpo, eu penso em Mark James. Pela primeira vez na minha vida inteira, eu enfrentei alguém. Foi algo que eu sempre desejei, mas nunca fiz, pois queria seguir o conselho de Henri de me manter quieto. Sempre tentei adiar uma nova mudança por quanto tempo eu conseguisse. Mas hoje tinha sido diferente. Há uma satisfação muito grande em ser empurrado por alguém e reagir empurrando de volta. E depois há o caso do celular, que foi roubado. Com certeza, podemos comprar um novo, mas onde está a justiça nisso? Capítulo 7

EU ACORDO ANTES DO DESPERTADOR. A CASA ESTÁ FRESCA E SILENCIOSA. Tiro minhas mãos de debaixo das cobertas. Elas estão normais, sem luzes, sem brilho. Eu levanto da cama e vou para a sala. Henri está na mesa da cozinha, lendo o jornal local e tomando café. — Bom dia- ele diz- Como se sente? — Extremamente bem. Sirvo-me de uma tigela de cereal e sento-me na frente dele. — O que você vai fazer hoje?- eu pergunto. —Uma viagem curta. Nós estamos ficando sem dinheiro. Eu estou pensando em fazer uma retirada no banco. Lorien é (ou era, dependendo do ponto de vista) um planeta rico em recursos naturais. Alguns desses recursos eram pedras preciosas e metais. Quando partimos, foi dado a cada Cepan um saco cheio de diamantes, esmeraldas e rubis para serem vendidos quando chegássemos à Terra. Henri vendeu e depositou o dinheiro em uma conta de banco no exterior. Eu não sei quanto de dinheiro há lá e nunca perguntei. Mas eu sei que é o suficiente para nos sustentar por dez vidas, se não mais. Henri faz retiradas mais ou menos uma vez por ano. — Mas, eu não sei- ele continua- Eu não quero estar muito longe, caso mais alguma coisa aconteça hoje. Não querendo dar muita importância para o que aconteceu ontem, eu jogo a frase: —Ficarei bem. Vá fazer o saque. Eu olho para a janela. Está amanhecendo e uma pálida luz cobre tudo. O caminhão está coberto de orvalho. Já é tempo, uma vez que estamos entrando

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no inverno. Eu não tenho nhenhuma jaqueta e meus agasalhos estão pequenos. — Parece que está frio lá fora- eu digo- Talvez devêssemos comprar roupas logo. Ele confirma. — Eu estava pensando nisso na noite passada e é por isso que eu preciso ir ao banco. — Então vá- eu digo- Nada vai me acontecer hoje. Eu termino de comer a tigela de cereal, coloco a louça suja na pia e vou tomar banho. Dez minutos depois, já estou vestido com calça jeans e uma blusa quente preta, com as mangas arregaçadas até meu cotovelo. Eu olho no espelho e depois para minhas mãos. Eu me sinto calmo. Preciso permanecer desse jeito. No caminho para a escola, Henri me dá um par de luvas. — Tenha certeza de sempre mantê-las com você. Nunca se sabe. Coloco-as no meu bolso traseiro. — Não precisarei delas. Me sinto muito bem. Vários ônibus estão enfileirados na frente da escola. Henri para ao lado do prédio. — Não gosto do fato de você estar sem celular- ele diz- Tem muitas coisas que podem dar errado. — Não se preocupe. Logo o terei de volta. Ele suspira e balança a cabeça. — Não faça nada estúpido. Estarei bem aqui no fim do dia. — Não farei- eu digo, e desço do caminhão. Ele vai embora. Dentro da escola, os corredores estão cheios; alunos mexendo nos armários, conversando, rindo. Alguns olham para mim e cochicham. Eu não sei se é por causa da briga ou da sala escura. É mais provável que eles estejam cochichando sobre as duas coisas. É uma escola pequena, e em escolas pequenas há poucas coisas que todo mundo não saiba prontamente. Quando chego à entrada principal, eu viro a direita e encontro meu armário. Está vazio. Eu tenho quinze minutos antes da aula do 2º ano começar. Caminho até a sala de aula apenas para ter certeza que sei onde é e depois vou até a secretaria. A secretária sorri quando entro. — Olá- eu digo- Eu perdi meu celular ontem e eu gostaria de saber se alguém o trouxe para o ―achados e perdidos‖. Ela balança a cabeça. — Não, infelizmente nenhum celular foi trazido. — Obrigado.- eu digo. Lá fora, no corredor, não vejo Mark em nenhum lugar. Eu escolho uma direção e começo a andar. As pessoas ainda estão me encarando e cochichando, mas isso não me incomoda. Eu o vejo quinze metros a minha frente. De repente, sinto a adrenalina me invadir. Olho para minhas mãos. Elas estão normais. Tenho medo de que elas acendam e esse medo pode ser exatamente o estímulo para que isso ocorra. Mark está encostado em um armário, com seus braços cruzados, no meio de um grupo de cinco garotos e duas meninas, todos conversando e rindo. Sarah está sentada no parapeito de uma janela, uns quatro metros distante. Ela parece novamente radiante com seu cabelo loiro preso em um rabo-de-cavalo, vestindo uma saia e um suéter cinza. Ela está lendo um livro, mas levanta a

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cabeça quando eu caminho em direção a eles. Eu paro próximo ao grupo, encaro Mark e espero. Ele me nota após cinco segundos. — O que você quer?- ele pergunta. — Você sabe o que eu quero. Nossos olhos permanecem fixos. O grupo ao nosso redor aumenta para dez pessoas, depois vinte. Sarah se levanta e caminha até o meio da multidão. Mark está usando sua jaqueta do time e seu cabelo preto está cuidadosamente desarrumado para parecer que ele apenas levantou da cama e se vestiu. Ele desencosta do armário e vem em minha direção. Quando ele está a centímetros de mim, para. Nossos peitos quase se tocam e o cheiro picante da sua colônia enche minhas narinas. Ele é provavelmente um seis centímetros mais alto do que eu. Nossa estrutura corporal é parecida. Mal sabe ele que há algo dentro de mim que ele não tem. Eu sou mais rápido e muito mais forte. Esse pensamento traz um sorriso confiante ao meu rosto. — Você acha que vai conseguir ficar um pouco mais na escola hoje? Ou você vai fugir de novo como um bicha? Risadas vêm da multidão. — Vamos ver, não? — Sim, nós vamos.- ele diz e chega mais perto. — Quero meu celular de volta- eu digo. — Não estou com seu celular. Balanço minha cabeça para ele. —Duas pessoas me disseram que te viram pegá-lo- eu minto. Pelo jeito com que suas sobrancelhas enrugam, eu percebo que deduzi certo. — Sim, e se tiver sido eu? O que você vai fazer? Há provavelmente umas 30 pessoas ao nosso redor agora. Eu não tenho dúvida de que toda a escola saberá o que aconteceu nos primeiros dez minutos da primeira aula. — Você foi avisado- eu digo.- Você tem até o fim do dia. Viro-me e saio. — Ou o quê?- ele grita atrás de mim. Eu não tenho idéia do que. Deixo-o esperando a resposta. Meus punhos estão cerrados e eu percebo que eu confundi a adrenalina com os nervos. Por que eu estou tão nervoso? O desconhecido? O fato de pela primeira vez eu ter confrontado alguém? A possibilidade das minhas mãos brilharem? Provavelmente as três alternativas. Vou para o banheiro, entro em um reservado vazio e tranco a porta atrás de mim. Abro minhas mãos. Há uma luz fraca na direita. Fecho meus olhos e suspiro, me concentrando em respirar devagar. Um minuto depois a luz ainda está ali. Balanço minha cabeça. Eu não achava que o Legado seria tão sensível. Permaneço no reservado. Uma fina camada de suor cobre minha testa; minhas duas mãos estão quentes, mas felizmente a esquerda ainda está normal. As pessoas entram e saem do banheiro, mas eu fico ali esperando. A luz continua acesa. Felizmente, o sinal da primeira aula toca e o banheiro fica vazio. Balanço minha cabeça de desgosto e aceito o inevitável. Eu não estou com meu celular e Henri está indo para o banco. Eu estou sozinho com minha própria estupidez e não tenho ninguém para culpar além de mim mesmo. Pego as luvas do meu bolso traseiro e coloco-as. Luvas de couro de jardinagem. Se eu estivesse vestindo sapatos de palhaço com calças amarelas, pareceria

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menos ridículo. Dificilmente passarei despercebido. Percebo que devo desistir do Mark. Ele ganhou. Ele pode ficar com meu celular; eu e Henri compraremos outro a noite. Saio do banheiro e caminho pelo corredor vazio até minha sala. Todos me encaram quando eu entro, depois olham minhas luvas. Não há como escondêlas. Eu pareço um idiota. Eu sou um alienígena, tenho poderes extraordinários, com outros ainda por vir, e posso fazer coisas que os humanos nem sonham, mas eu ainda pareço um idiota. Sento-me no meio da sala. Ninguém me diz nada e estou muito atordoado para ouvir o que o professor diz. Quando o sinal toca, eu junto minhas coisas, coloco-as na mochila e ponho as alças no meu ombro. Eu ainda estou usando as luvas. Quando saio da sala, dou uma olhada na mão direita. Ainda está brilhando. Caminho pelo corredor com passos firmes. Respirando devagar. Estou tentando esvaziar minha mente, mas isso não está funcionando. Quando entro na outra sala, Mark está sentado no mesmo lugar do dia anterior, com Sarah ao seu lado. Ele zomba de mim. Na sua tentativa de parecer corajoso, ele não nota minhas luvas. — E aí, fujão? Ouvi falar que o time de cross-country está procurando por novos membros. — Não seja idiota- Sarah diz para ele. Olho para ela enquanto passo por sua carteira, dentro de seus olhos azuis que fazem com que eu me sinta tímido e embaraçado, que me fazem corar. O lugar em que me sentei no dia anterior está ocupado, então vou mais para o fundo. A classe enche e o garoto do dia anterior, que me alertou sobre o Mark, senta perto de mim. Ele está vestindo outra camiseta preta com o logotipo da NASA no meio, calças militares e um par de tênis da Nike. Tem um cabelo desgrenhado cor de areia e seus olhos castanhos são aumentados pelos óculos. Ele pega um caderno cheio de diagramas de constelações e planetas. Ele olha para mim e não tenta esconder o fato de que está me encarando. — Como vai?- eu pergunto. Ele balança os ombros. — Por que você está usando luvas? Eu abro minha boca para responder, mas a Sra. Burton começa a aula. Durante a maior parte do tempo, o garoto ao meu lado desenha figuras que parecem ser sua interpretação de como são os marcianos. Corpos pequenos; cabeças, mãos e olhos grandes. As mesmas representações estereotipadas que geralmente aparecem nos filmes. No final de cada desenho ele escreve seu nome em letras pequenas: SAM GOODE. Ele percebe que estou observando e eu olho para frente. Enquanto a Sra. Burton fala sobre as 61 luas de Saturno, eu olho para a cabeça de Mark. Ele está debruçado sobre sua carteira, escrevendo. Depois ele senta-se direito e passa um bilhete para Sarah. Ela devolve para ele sem ler. Isso me faz sorrir. A Sra. Burton apaga as luzes e começa a passar um vídeo. Os planetas em rotação sendo projetados na tela em frente à classe me fazem pensar em Lorien. Ele é um dos 18 planetas habitáveis no universo. A Terra é outro. E Mogadorian, infelizmente, outro. Lorien. Eu fecho meus olhos e me permito lembrar. Um planeta velho, centenas

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de eras mais velho que a Terra. Todos os problemas que a Terra possuíapoluição, superpopulação, aquecimento global, escassez de alimentos- Lorien também tinha. Em certo momento, vinte e cinco mil anos atrás, o planeta começou a morrer. Isso foi muito antes da possibilidade de se viajar através do universo e as pessoas de Lorien tinham que fazer alguma coisa para sobreviverem. Lenta, mas seguramente elas assumiram um compromisso de que mudariam seu modo de vida, acabando com todas as coisas nocivasarmas, bombas, venenos químicos, poluentes- para garantir que o planeta permanecesse auto-sustentável para sempre. Ao longo do tempo, os danos começaram a ser revertidos. Com as vantagens evolutivas, após milhares de anos, certos cidadãos- os Garde- desenvolveram poderes para protegerem o planeta e ajudá-lo. É como se os meus ancestrais Lorics tivessem sido recompensados por sua previdência, por seu respeito. A Sra. Burton acende as luzes. Eu abro meus olhos e olho o relógio. A aula está prestes a acabar. Sinto-me calmo novamente e percebo que tinha me esquecido completamente das minhas mãos. Respiro profundamente e puxo a luva para dar uma olhada na mão direita. A luz se apagou! Sorrio e tiro as duas luvas. Novamente normal. Eu tenho mais seis aulas no dia. Eu tenho que permanecer em paz em todas elas. A primeira metade do dia transcorre sem incidentes. Eu continuo calmo e também não tenho outros encontros com Mark. No almoço, encho minha bandeja com o básico, depois encontro uma mesa vazia no fundo do refeitório. Eu estou no meio de um pedaço de pizza, quando Sam Goode, o garoto da minha aula de astronomia, senta-se na minha frente. — Você vai realmente brigar com Mark depois da escola?- ele pergunta. Balanço minha cabeça. — Não. — É o que as pessoas estão dizendo. — Elas estão erradas. Ele suspira e começa a comer. Um minuto depois, ele pergunta: — Onde as luvas foram parar? — Eu as tirei. Minhas mãos não estão mais frias. Ele abre a boca para responder, mas uma almôndega gigante, que eu tenho certeza que estava direcionada para me acertar, vem do nada e bate atrás da cabeça dele. Seu cabelo e seus ombros ficam cobertos de pedaços de carne e molho de espaguete. Algumas gotas respingam em mim. No momento em que eu começo a me limpar, uma segunda almôndega cruza o ar e me acerta na bochecha. Ouvi-se ―ooh‖ em todo o refeitório. Levanto-me e limpo um lado do meu rosto com um guardanapo. A raiva percorre meu corpo. Naquele instante não me preocupo com minhas mãos. Elas podem brilhar mais do que o sol e eu e Henri termos que partir nessa mesma tarde, caso aconteça. Mas não existe nenhuma chance no mundo de eu deixar isso passar. Tudo havia terminado depois do que aconteceu de manhã... mas agora não mais. — Não- Sam diz- Se você brigar, eles nunca mais te deixarão em paz. Começo a andar. Um silêncio se instala no refeitório. Centenas de pares de olhos se concentram em mim. Meu rosto fica com uma expressão raivosa. Sete pessoas estão sentadas na mesa de Mark, todos garotos. Todos os sete se

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levantam quando eu me aproximo. — Algum problema?- um deles me pergunta. Ele é grande, com aparência de um atacante ofensivo. Pêlos vermelhos crescem em suas bochechas e no seu queixo, parecendo que ele está deixando a barba crescer. Isso faz seu rosto parecer sujo. Como os outros, ele está usando uma jaqueta do time. Ele cruza os braços e permanece no meu caminho. — Isso não tem a ver com você- eu digo. — Para chegar nele, você vai ter que passar por mim. — É o que eu farei, se você não sair do meu caminho. — Não acho que você consiga- ele diz. Dou uma joelhada diretamente em seus testículos. Sua respiração fica presa na garganta e seu corpo se dobra. O refeitório inteiro sobressalta-se. — Eu te avisei- eu digo. Passo por cima dele e caminho em direção a Mark. Assim que o alcanço, sou agarrado por trás. Fecho minhas mãos, pronto para me virar, mas no último segundo percebo que é o funcionário do refeitório. — Já foi o suficiente, garotos. — Olhe o que ele acabou de fazer com o Kevin, Sr. Johnson.- Mark diz. Kevin ainda está no chão, se segurando. Seu rosto está vermelho-beterraba.- Mande ele para a diretoria. — Cale a boca, James. Todos vocês quatro vão. Não pense que eu não vi você jogando aquelas almôndegas.- ele diz, e olha para Kevin ainda no chão- Levante-se. Sam aparece do nada. Ele tentou limpar a sujeira do seu cabelo e dos seus ombros. Os pedaços maiores foram retirados, mas ele ainda está manchado de molho. Eu não sei por que ele está aqui. Olho para minhas mãos, pronto para fugir ao primeiro sinal de luz, mas para minha surpresa, elas estão apagadas. Será por que eu não havia previsto aquela situação, permitindo-me aproximarse dele sem que meus nervos estivessem pré-estimulados? Eu não sei. Kevin se levanta e olha para mim. Ele está trêmulo, ainda tendo dificuldade para respirar. Ele se agarra no ombro de um garoto ao lado para se apoiar. — Você pagará por isso- ele diz. — Duvido- eu digo. Eu ainda estou com o rosto contorcido de raiva, ainda coberto de comida. E não estou me importando em me limpar. Nós quatro vamos para a sala do diretor. O Sr. Harris está sentado atrás de sua mesa comendo uma comida preparada no microondas, com um guardanapo pendurado no pescoço. — Desculpe interromper. Tivemos uma pequena discussão durante o almoço. Tenho certeza que esses garotos ficarão felizes em te explicar.- o funcionário do refeitório diz. O Sr. Harris suspira, tira o guardanapo do pescoço e joga-o no lixo. Ele empurra seu almoço para o lado com as costas da mão. — Obrigado, Sr. Johnson. O Sr. Johnson sai, fechando a porta da sala atrás dele, e nós quatro nos sentamos. — Então, quem quer começar?- o diretor diz com uma voz irritada. Eu permaneço em silêncio. Os músculos do rosto do Sr. Harris estão flexionados. Olho para minhas mãos. Ainda apagadas. Por via das dúvidas, posiciono as palmas viradas para minha calça. Depois de dez segundos de silêncio, Mark começa.

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— Alguém o acertou com uma almôndega. Ele pensou que fosse eu, então deu uma joelhada nas bolas do Kevin. — Preste atenção na sua linguagem- Mr. Harris diz, e depois se vira para Kevin.- Você está bem? Kevin, que ainda está com o rosto vermelho, confirma. — Então, quem atirou a almôndega?- o Sr. Harris me pergunta. Eu não digo nada, ainda fervendo, irritado com toda aquela cena. Respiro profundamente para tentar me acalmar. —Não sei- eu digo. Minha raiva alcançou novos níveis. Eu não quero brigar com Mark na frente do Sr. Harris, eu prefiro cuidar da situação sozinho, longe da sala do diretor. Sam me olha surpreso. O Sr. Harris levanta suas mãos, frustrado. — Bem, então, por que vocês estão aqui? — É uma boa pergunta- Mark diz- Nós estávamos simplesmente almoçando. Sam falou. — Mark jogou a almôndega. Eu o vi atirando, Sr. Harris. Eu olho para Sam. Eu sabia que ele não tinha visto nada, porque ele estava de costas da primeira vez e na segunda, estava ocupado se limpando. Mas, eu estou impressionado com o fato dele ter dito aquilo, de ficar ao meu lado, mesmo sabendo que isso o colocará em perigo com Mark e seus amigos. Mark olha-o com uma cara feia. — Convenhamos, Sr. Harris- Mark alega- Eu tenho uma entrevista com a Gazeta amanhã, e um jogo na sexta-feira. Eu não tenho tempo de me preocupar com bobagens como essa. Estou sendo acusado de algo que não fiz. É difícil me concentrar com esse tipo de merda acontecendo. — Cuidado com a sua língua!- o Sr. Harris grita. — É verdade. — Acredito em você- o diretor diz, e suspira pesadamente. Ele olha para Kevin, que ainda está esforçando-se para recuperar o fôlego.- Você precisa ir para a enfermaria? — Eu ficarei bem- Kevin diz. O Sr. Harris confirma. — Vocês dois: esqueçam do incidente no refeitório, e Mark, mantenha-se concentrado. Nós demoramos muito para conseguir essa reportagem. Eles devem nos colocar na primeira página. Imagine isso, a primeira página da Gazeta.- ele diz e sorri. — Obrigado- Mark diz- Estou muito animado para isso. — Certo. Agora, vocês dois podem sair. Eles vão e o Sr. Harris olha duro para Sam. Sam o encara. — Diga-me, Sam. E eu quero a verdade. Você viu Mark jogar a almôndega? Os olhos de Sam se estreitam. Ele não desvia o olhar. — Sim. O diretor balança a cabeça. — Não acredito em você, Sam. E por isso, aqui está o que faremos- ele olha para mim- Então, uma almôndega foi jogada... —Duas- Sam interrompe. — O quê?! - o Sr. Harris pergunta, novamente encarando Sam. — Duas almôndegas foram jogadas, não uma. O Sr. Harris bate sua mão na mesa. — Quem se importa com quantas foram jogadas! John, você atacou o Kevin.

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Olho por olho. Agora vamos esquecer isso. Você me entendeu? Seu rosto está vermelho e eu sei que é inútil discutir. — Sim- eu digo. — Não quero vê-los aqui novamente-ele diz- Vocês dois estão dispensados. Nós saímos da sala dele. — Por que você não falou para ele sobre seu celular?- Sam pergunta. — Porque ele não se importa. Ele só quer voltar para seu almoço- eu digo- E seja cuidadoso- falo para ele- Você está na mira do Mark agora. Depois do almoço, tenho aula de economia doméstica- não porque eu necessariamente me preocupo em cozinhar, mas porque é isso ou o coro. E embora eu tenha muita força e muitos poderes que são considerados excepcionais na Terra, cantar não está entre eles. Então eu vou para a aula de economia doméstica e me sento em um lugar. É uma sala pequena e antes do sinal tocar, Sarah entra na sala e senta-se ao meu lado. — Olá- ela diz. — Olá. Meu rosto cora e meus ombros enrijecem. Pego um lápis e começo a girar-lo na minha mão direita, enquanto minha mão esquerda segura os cantos do meu caderno. Meu coração acelera. Por favor, que minhas mãos não brilhem. Dou uma espiada na palma da minha mão e respiro com alivio, porque ainda ela está normal. Fique calmo, eu penso. Ela é apenas uma garota. Sarah está me olhando. Tudo dentro de mim parece estar derretendo. Ela deve ser a garota mais bonita que eu já vi. — Me desculpe por Mark estar sendo um idiota com você- ela diz. Eu balanço os ombros. — Não é sua culpa. — Vocês não vão brigar de verdade mais tarde, vão? — Eu não quero.- eu digo. Ela balança a cabeça. — Ele consegue ser um idiota total. Sempre tentando mostrar que manda. — É um sinal de insegurança- eu digo. —Ele não é inseguro. Somente um idiota. Com certeza, ele é. Mas eu não quero discutir com Sarah. Além disso, ela fala com tanta certeza que eu quase duvido de mim mesmo. Ela olha as manchas de molho de espaguete que secaram na minha blusa, depois se aproxima e tirou um pedaço grande de almôndega do meu cabelo. — Obrigado.- eu digo. Ela suspira. — Sinto muito por isso ter acontecido- ela olha em meus olhos- Você sabe que não estamos mais juntos? — Não? Ela balança a cabeça. Estou intrigado pelo fato de ela ter sentido a necessidade de deixar aquilo claro para mim. Depois de dez minutos de explicações de como preparar panquecas- nenhum dos quais eu realmente escuto- a professora, Sra. Benshoff, monta duplas e deixa Sarah e eu juntos. Nós entramos em uma porta no fundo da sala que leva à cozinha, a qual é três vezes maior do que a sala de aula. Há dez mini-cozinhas diferentes, contendo geladeiras, armários, pias e fornos. Sarah caminha até uma, pega um avental em uma gaveta e o coloca. — Você pode amarrá-lo para mim?- ela pede.

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Eu puxo muito o cordão e tenho que amarrá-lo novamente. Eu posso sentir o contorno da parte inferior das costas dela contra meus dedos. Quando o avental dela está amarrado, começo a amarrar o meu. — Aqui, bobo- ela diz, pega o cordão e amarra para mim. — Obrigado. Eu tento quebrar o primeiro ovo, mas faço isso com muita força e praticamente todo o conteúdo cai para fora da tigela. Sarah ri. Ela me dá um novo ovo e segura minha mão na dela, me mostrando como quebrar o ovo na borda da tigela. Ela continua segurando minha mão por um segundo a mais do que o necessário, depois tira a sua. Ela olha para mim e sorri. — É assim. Enquanto ela mistura a massa, mechas do seu cabelo caem em seu rosto. Eu quero desesperadamente pega-las e colocá-las atrás de sua orelha, mas não faço isso. A Sra. Benshoff entra em nossa cozinha para avaliar nosso progresso. Até aquele momento está bom, o que é tudo graças a Sarah, já que eu não tenho idéia do que estou fazendo. — Até agora, o que você achou de Ohio?- Sarah pergunta. — É legal. Eu só poderia ter tido um primeiro dia de aula melhor. Ela sorri. — O que aconteceu? Fiquei preocupada com você. — Você acreditaria se eu te disesse que já fui um alienígena? — Cala a boca- ela diz brincando- O que realmente aconteceu? Eu ri. — Eu tenho asma forte. Por alguma razão, eu tive uma crise ontem.- eu digo, e me sinto triste por ter que mentir. Eu não queria que ela visse fraqueza em mim, principalmente uma fraqueza que nem é verdadeira. — Bem, fico feliz que esteja melhor. Nós fazemos quatro panquecas. Sarah as empilha em um prato. Ela despeja uma quantidade absurda de xarope de bordo sobre elas e me dá um garfo. Eu olho para os outros alunos. A maioria está comendo em dois pratos. Eu corto um pedaço. — Nada mau- eu digo enquanto mastigo. Eu não estou com fome, mas ajudo-a a comer o resto. Nós alternamos pedaços até que o prato fica vazio. Quando terminamos, eu estou com dor de estômago. Depois, ela lava a louça e eu seco. Quando o sinal toca, nós saímos da sala juntos. — Sabe, você não é tão ruim para um aluno do segundo-ano- ela diz e me cutuca- Não me importo com o que dizem. — Obrigado, e você não é tão ruim para uma- seja lá o que você for. — Eu sou do terceiro ano. Nós caminhamos alguns passos em silêncio. — Você realmente não vai brigar com Mark no fim do dia, vai? — Eu preciso do meu celular de volta. Além disso, olhe para mim.- eu digo e aponto minha blusa. Ela suspira. Eu paro no meu armário. Ela repara o número. — Bem, você não deveria- ela diz. — Eu não quero. Ela revira os olhos. — Garotos e suas brigas. De qualquer forma, te vejo amanhã. — Tenha um bom resto de dia- eu digo.

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Depois da nona aula, história americana, eu caminho devagar para meu armário. Penso em sair da escola, discretamente, sem procurar Mark. Mas depois percebo que fazendo isso, eu sererei rotulado para sempre como covarde. Abro meu armário e o encho com os livros que eu não preciso, esvaziando minha mochila. Depois, apenas permaneço ali e sinto o nervosismo começar a tomar conta de mim. Minhas mãos ainda estão normais. Penso em colocar as luvas apenas por precaução, mas não coloco. Respiro profundamente e fecho a porta do armário. — Oi- eu ouço, a voz me surpreende. É Sarah. Ela olha para trás, depois olha novamente para mim.- Tenho uma coisa para você. — Não são mais panquecas, são? Ainda estou sentindo que vou explodir. Ela ri nervosa. — Não são panquecas. Mas se eu te der, você tem que me prometer que não vai mais brigar. — Ok.- eu digo. Ela olha para trás novamente e rapidamente abre o bolso da frente de sua mochila. Ela pega meu celular e me dá. — Como você pegou isso? Ela balança os ombros. — Mark sabe? — Não. Então, você ainda vai dar uma de valentão?- ela pergunta. — Acho que não. — Certo. — Obrigado.- eu digo. Eu não consigo acreditar que ela esforçou tanto para me ajudar- ela mal me conhece. Mas eu não estou reclamando. — De nada- ela diz, depois se vira e corre pelo corredor. Fico olhando ela por todo caminho, sem conseguir parar de sorrir. Quando vou em direção a saída encontro Mark James e oito amigos no lobby. — Bem, bem, bem- Mark diz- Realmente, chegou ao fim do dia, hum? — Certamente que sim. E olha o que eu encontrei- eu digo, segurando meu celular no alto para ele ver. Seu semblante cai. Passo por ele e saio do prédio. Capítulo 8

HENRI ESTÁ ESTACIONADO EXATAMENTE ONDE DISSE QUE ESTARIA. Eu subo no caminhão ainda sorrindo. — Teve um bom dia?- ele pergunta. — Nada mal. Peguei meu celular de volta. — Sem briga? — Nenhuma importante. Ele olha para mim desconfiado. — Eu vou querer saber o que isso significa? — Provavelmente não. — De qualquer modo, suas mãos se acenderam? — Não- eu menti- Como foi seu dia? Ele pega a rua ao redor da escola. — Foi bom. Dirigi por uma hora e meia até Columbus depois de te deixar na escola. — Por que Columbus? — Pois há bancos grandes lá. Eu não queria gerar suspeitas, sacando uma quantidade de dinheiro maior do que a cidade inteira possui.

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Eu assinto. — Bem pensado. Ele entra na rodovia. — Então, você vai me falar qual é o nome dela? — Ahn?- eu pergunto. — Tem que existir uma razão para esse seu sorriso ridículo. A razão mais óbvia é uma garota. — Como você saberia? — John, meu amigo, em Lorien esse velho Cepan aqui era um conquistador. — Não vem com essa- eu digo- não existem conquistadores em Lorien. Ele acena com a cabeça, confirmando. — Você prestou atenção. Os Loric são um povo monogâmico. Quando nos apaixonamos, é para a vida toda. O casamento é realizado por volta da idade de 25 anos, e não tem nada a ver com a lei. É baseado em compromisso e promessa, mas do que em qualquer outra coisa. Henri foi casado por vinte anos antes de partir comigo. Dez anos se passaram, mas eu sei que, a cada dia, ele ainda sente saudades da sua esposa — Então, quem é ela?- ele pergunta. — O nome dela é Sarah Hart. Ela é a filha da corretora imobiliária de quem você comprou a casa. Ela está em duas aulas comigo. Ela é do terceiro-ano. Ele assente. — Bonita? — Totalmente. E esperta. — Sim- ele diz lentamente- Eu espero isso há muito tempo. Apenas lembre-se que nós poderemos partir a qualquer momento. — Eu sei.- eu digo, e no resto do caminho para casa ficamos em silêncio. Quando chegamos em casa, o baú Loric está em cima da mesa. É do tamanho de um aparelho de microondas, quase perfeitamente quadrado, 45 cm de largura por 45 cm de comprimento. A excitação percorre meu corpo. Caminho até ele e seguro o cadeado em minhas mãos. — Acho que estou mais animado para aprender como abrir isso do que para saber o que realmente tem aí dentro.- eu digo. — Sério? Bem, então eu posso te mostrar como destrancá-lo e depois nós trancamos de novo, esquecendo de olhar dentro. Eu sorrio para ele. — Não seja precipitado. Vamos lá. O que tem dentro? — É a sua Herança. — O que isso quer dizer, minha Herança? — A Herança é dada para cada Garde no seu nascimento, para ser usado por seu ou sua Protetor(a), quando o Garde está começando a desenvolver seus Legados. Eu assinto com alegria. — Então, o que é? — Sua Herança. A resposta evasiva dele me frustra. Eu pego o cadeado e tento forçá-lo a abrir, como eu sempre tentava fazer. É claro que nada acontece. — Você não pode abri-la sem mim, nem eu sem você.- Henri diz. — Bem, então como abrimos isso? Não há abertura para chave. — Pela vontade.

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— Ah, vamos lá, Henri. Deixe de ser tão misterioso. Ele tira o cadeado da minha mão. — O cadeado se abre somente quando estamos juntos, e somente após o seu primeiro Legado aparecer. Ele caminha até a porta da frente e estica sua cabeça para fora, depois fecha a porta e a tranca. Ele volta. — Pressione a palma da sua mão contra o lado do cadeado- ele diz e assim eu faço. — Está quente- eu digo. — Certo. Isso significa que você está pronto. — E agora? Ele pressiona a palma de sua mão contra o outro lado do cadeado e entrelaça seus dedos nos meus. Um segundo se passa. O cadeado abre-se. —Incrível- eu digo. — O baú é protegido por um feitiço Loric, assim como você. Ele não pode ser quebrado. Você poderia passar um rolo compressor por cima dele e mesmo assim ele não seria danificado. Somente podemos abri-lo juntos. A não ser que eu morra; nesse caso você pode abrir sozinho. — Bem- eu digo- espero que isso não aconteça. Eu tento levantar a tampa do baú, mas Henri detém. — Ainda não- ele diz.- Há coisas ai dentro que você não está pronto para ver. Vá sentar-se no sofá. — Henri, vamos lá. — Apenas confie em mim- ele diz. Eu balanço minha cabeça e vou me sentar. Ele abre a caixa e tira uma pedra de mais ou menos 15 cm de comprimento e 5 cm de espessura. Ele tranca o baú e depois traz a pedra para mim. Ela é perfeitamente lisa e alongada, clara no exterior, mas turva no centro. — O que é isso?- eu pergunto. — Um cristal Loric. — Para que serve? — Segure-o- ele diz, estendendo-o para mim. No segundo em que minhas mãos entram em contato com o cristal, luzes em suas palmas se acendem. Elas estão até mais brilhantes do que no dia anterior. A pedra começa a aquecer-se. Levanto-a para olhar mais de perto. A massa turva no centro é um redemoinho, girando em torno de si mesmo como uma onda. Também posso sentir o amuleto pendurado em meu pescoço se aquecendo. Estou emocionado com todos esses novos eventos. Eu passei minha vida inteira esperando impaciente pela chegada dos meus poderes. Certamente, houve vezes em que eu desejei que eles nunca chegassem, principalmente porque poderíamos nós estabelecer em algum lugar e viver uma vida normal- mas naquele momento- segurando um cristal que contem o que parecia ser uma bola de fumaça em seu centro, sabendo que minhas mãos são resistentes ao aquecimento e ao fogo e que mais Legados estão por vir, me dando um poder maior (o poder que me permitirá lutar)- bem, tudo é muito legal e excitante. Eu não consigo tirar o sorriso do meu rosto. — O que está acontecendo com ele? — Ele está unido ao seu Legado. Seu toque o ativou. Se você não tivesse desenvolvido o Lumen, o cristal se acenderia do modo como suas mãos estão acesas. Como você desenvolveu, suas mãos se acendem.

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Eu encaro o cristal, examinando o circulo nebuloso e o brilho. — Vamos começar?- Henri pergunta. Eu consinto, rapidamente. — É claro que sim. O dia tornou-se frio. A casa está silenciosa a não ser por rajadas de vento ocasionais que chacoalham as janelas. Eu estou deitado de costas em cima da mesa de centro de madeira. Minhas mãos estão suspensas do lado. A qualquer momento, Henri fará uma fogueira abaixo delas. Minha respiração está lenta e constante, como Henri me instruiu. — Você tem que manter seus olhos fechados- ele diz- Apenas ouça o vento. Você deverá sentir uma leve ardência em seus braços quando eu arrastar o cristal por eles. Ignore essa sensação o máximo que você puder. Eu escuto o vento soprando nas árvores lá fora. Eu posso, de alguma forma, senti-las balançarem e penderem. Henri começa pela minha mão direita. Ele pressiona o cristal contra seu dorso, depois o arrasta pelo meu pulso e pelo meu antebraço. Há uma ardência, como ele havia avisado, mas não suficiente para me fazer puxar o braço. — Deixe sua mente vagar, John. Vá aonde você precisa ir. Eu não sei sobre o que ele está falando, mas tento esvaziar minha mente e respirar lentamente. De repente, sinto que estou me afastando dali. Vindo de algum lugar, posso sentir o calor do sol no meu rosto, e o vento soprando bem mais quente do que o vento que sopra além de nossas paredes. Quando abro os olhos, não estou mais em Ohio. Estou acima de uma vasta área de árvores, com nada além de floresta até onde eu posso enxergar. Céu azul, o sol brilhando, um sol com o dobro do tamanho do sol da Terra. Uma brisa leve e quente bagunça meu cabelo. Embaixo, rios cortam desfiladeiros profundos que se encontram no meio da vegetação. Eu estou flutuando acima de um deles. Animais de todas as formas e tamanhos- alguns alongados e magros, alguns com braços curtos e corpos robustos, alguns com cabelo e outros com pele escura que parece áspera ao toque- estão bebendo a água fresca das margens do rio. Há uma curva na linha do horizonte, e eu sei que estou em Lorien. É um planeta dez vezes menor do que a Terra e é possível ver a curvatura da sua superfície ao olhar de uma certa distância. De alguma forma, sou capaz de voar. Vou para cima e giro no ar, depois vôo como um torpedo para baixo e acompanho com velocidade a superfície do rio. Os animais levantam suas cabeças e me olham com curiosidade, mas não com medo. Lorien em seus primórdios, coberto de florestas, habitado por animais. De certa forma, é como eu imagino que a Terra era a milhões de anos atrás, quando a natureza governava a vida de suas criaturas, antes dos humanos chegarem e começarem a governar a natureza. Lorien em seus primórdios; eu sei que nem de longe parece com o que Lorien é hoje. Eu devo estar revivendo uma lembrança. Certamente não é uma lembrança minha, é? E depois o dia dá espaço para escuridão. Distante, uma bela exibição de fogos de artifício começa, cruzando alto no céu com formas de animais e árvores; o céu escuro, a lua e milhões de estrelas servem como um pano de fundo brilhante. —Eu posso sentir o desespero deles- eu ouço de algum lugar. Viro e olho ao meu redor. Não há ninguém ali.- Eles sabem onde um dos outros está, mas o feitiço permanece. Eles não podem tocá-la sem te matarem antes. Mas eles

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continuam seguindo-a. Eu vôo mais alto, depois mergulho para baixo, procurando a origem daquela voz. De onde ela está vindo? —Agora é o momento em que temos que ser mais cautelosos. Agora é o momento em que temos que estar à frente deles. Sigo em direção aos fogos de artifício. A voz me irrita. Talvez, o barulho alto prevalecerá sobre aquela voz. — Eles esperavam matar todos nós bem antes que seus Legados se desenvolvessem. Mas nos mantivemos escondidos. Nós temos que ficar calmos. Os três primeiros entraram em pânico. Os três primeiros estão mortos. Nós temos que ser espertos e cautelosos. Quando entramos em pânico, cometemos erros. Eles sabem que cada vez ficará mais difícil para eles quanto mais desenvolvidos vocês estiverem, e quando vocês estiverem completamente prontos, a guerra será travada. Nós os enfrentaremos e buscaremos nossa vingança, e eles sabem disso. Eu vejo bombas vindas do alto caírem sobre a superfície de Lorien. As explosões balançam o chão e o ar; gritos são carregados pelo vento; rajadas de fogo consumem o chão e as árvores. A floresta queima. Deve haver milhares de naves diferentes, todas mergulhando do céu sob a superfície de Lorien. Soldados Mogadorian saltam, carregando armas e granadas muito mais potentes do que as utilizados nas guerras da Terra. Eles são mais altos do que nós, mas se parecem conosco, exceto pelo rosto. Eles não tem pupilas e suas íris são de uma forte coloração magenta, sendo em alguns deles negra. Círculos escuros e pesados rodeiam seus olhos e sua pele é pálida - quase descolorida, cheia de equimoses. Os dentes deles brilham entre os lábios que parecem nunca se fechar, dentes que parecem muito polidos, chegando a um ponto não natural. As bestas de Mogadore saem das naves logo depois, com o mesmo olhar gélido. Algumas delas são maiores do que uma casa e mostram seus dentes cortantes, rugindo tão alto a ponto de fazer meus ouvidos doerem. — Nós fomos descuidados, John. Essa é a razão pela qual fomos derrotados tão facilmente.- ele diz. Agora, eu sei que a voz que tenho ouvido é de Henri. Mas ele não está em nenhum lugar em que possa ser visto, e eu não consigo desviar meus olhos da matança e da destruição abaixo de mim para procurar por ele. As pessoas estão correndo por toda a parte, lutando. Tanto Mogadorians quanto Lorics estão morrendo. Mas os Loric estão perdendo a batalha contra as bestas, as quais estão matando nosso povo às dúzias: cuspindo fogo, rangendo os dentes, balançando ferozmente os braços e as caudas. O tempo está correndo, passando muito mais rápido do que o normal. Quanto tempo já passou? Uma hora? Duas? Os Garde lideram o combate, usando seus Legados ao máximo. Alguns estão voando, alguns são capazes de correr muito rápido a ponto de tornarem-se vultos, e alguns podem desaparecer completamente. Lasers são atirados por mãos; corpos são envolvidos pelas chamas; nuvens de tempestades são conjugadas a ventos fortes por aqueles que conseguem controlar o clima. Mas, mesmo assim, eles estão perdendo. Estão em menor número: para cada 500 Mogadorian há 1 Garde. Seus poderes não são suficientes. — Nossa guarda foi derrotada. Os Mogadorians planejaram bem, nos atacando no momento exato em que estávamos mais vulneráveis, quando os anciões tinham partido. Pittacus Lore, o maior deles, o líder, os convocou antes do

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ataque. Ninguém sabe o que aconteceu com eles, para onde eles foram, ou se ainda estão vivos. Talvez os Mogadorians os pegaram primeiro, e uma vez que os anciões estão fora do caminho, eles nos atacaram. Tudo o que realmente sabemos é que havia uma coluna de luz branca cintilante, que cortava o céu até onde os olhos podiam ver no dia em que os anciões se reuniram. Ela durou um dia inteiro, depois desapareceu. Nós, como um povo, deveríamos ter reconhecido isso como um sinal de que algo está errado, mas não foi o que aconteceu. Nós não podemos culpar ninguém além de nós mesmos pelo ocorrido. Tivemos sorte de conseguir enviar alguns de nós para fora do planeta, principalmente nove jovens Garde que, algum dia, continuarão a batalha e manterão a nossa espécie viva. Distante, uma nave sobe rapidamente pelo céu, seguida por um rastro azul. Eu a assisto, do meu lugar privilegiado, cruzar o céu até desaparecer. Há algo familiar naquilo. Logo, eu percebo: eu estou na nave e Henri também. É a nave nos levando até a Terra. Os Loric deviam saber que seriam derrotados. Por que outro motivo nos mandariam para longe? Massacre inútil. É como tudo isso parece para mim. Eu pouso no chão e passo através de uma bola de fogo. A raiva percorre meu corpo. Homens e mulheres estão morrendo, Garde e Cepan, juntamente com crianças indefesas. Como aquilo pode ser tolerado? Como o coração dos Mogadorians pode ser tão insensível a ponto de fazer tudo isso? E por que eu estou sendo poupado? Eu ataco um soldado próximo a mim, mas atravesso-o e caio no chão. Tudo o que eu estou testemunhando já aconteceu. Sou um espectador de nossa própria derrota e não há nada que eu possa fazer. Viro-me e encaro uma besta que deve ter uns doze metros de altura, ombros largos, olhos vermelhos e chifres de seis metros de comprimento. De seus dentes longos e afiados cai saliva. Ela solta um rugido e ataca. A besta me atravessa, mas mata dúzias de Lorics atrás de mim. De uma vez, todos eles morrem. A besta continua se movendo, matando mais Lorics. Além da cena de destruição, eu ouço um barulho de arranhão, que não vem da carnificina que ocorre em Loric. Eu estou vagando, ou voltando. Duas mãos pressionam meus ombros para baixo. Meus olhos se abrem e eu estou de volta à nossa casa em Ohio. Meus braços estão suspensos dos lados da mesa de centro. Centímetros abaixo deles há dois caldeirões de fogo, e minhas mãos e pulsos estão completamente submergidos nas chamas. Porém, não sinto os efeitos disso. Henri está em pé, perto de mim. O barulho que eu ouvi um minuto atrás está vindo da varanda da frente. — O que é isso?- eu sussurro, me sentando. — Eu não sei- ele diz. Nós dois ficamos em silêncio, nos esforçando para ouvir. Três novos arranhões na porta. Henri olha para mim. — Há alguém lá fora- ele diz. Eu olho no relógio na parede. Aproximadamente, uma hora se passou. Eu estou suando, com a respiração descompassada, agitado pelas cenas de carnificina que acabei de testemunhar. Pela primeira vez em minha vida, eu realmente entendo o que aconteceu em Lorien. Antes de hoje a noite, os eventos eram apenas parte de outra história, não diferente de muitos livros que eu li. Mas agora eu vi o sangue, as lágrimas e a morte. Eu vi a destruição. É uma parte de quem eu sou. Do lado de fora, está escuro. Três outros arranhões na porta, um gemido baixo.

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Nós dois nos sobressaltamos. Eu imediatamente lembro-me dos rugidos baixos que ouvi vindos das bestas. Henri corre até a cozinha e apanha uma faca da gaveta ao lado da pia. — Vá para trás do sofá. — O quê, por quê? — Porque eu estou dizendo. — Você acha que essa pequena faca vai derrubar um Mogadorian? — Se eu acertar ele diretamente no coração, sim. Agora vá. Eu pulo da mesa de centro e me agacho atrás do sofá. Os dois caldeirões de fogo ainda estão acesos; fracas visões de Lorien ainda percorrem minha mente. Um rosnado impaciente vem do outro lado da porta da frente. Não há dúvidas que alguém, ou alguma coisa, está lá fora. Meu coração dispara. — Mantenha-se abaixado- Henri diz. Levanto minha cabeça para que eu possa espreitar por cima do encosto do sofá. Penso em todo aquele sangue. Certamente eles sabiam que seriam derrotados. Mas, de qualquer forma, eles lutaram até o fim, morrendo para salvar uns aos outros, morrendo para salvar Lorien. Henri segura a faca firmemente. Ele alcança lentamente a maçaneta de bronze. A raiva percorre meu corpo. Eu desejo que seja um deles. Deixe um Mogadorian atravessar aquela porta. Ele encontrará um oponente a altura. Não há como eu continuar atrás desse sofá. Eu me estico e pego um dos caldeirões, coloco minha mão dentro dele e tiro um pedaço de madeira incandescente e pontiagudo. Ele é frio ao toque, mas o fogo queima nele, e espalha-se pela minha mão. Eu seguro o pedaço de madeira como um punhal. Deixe que eles venham, eu penso. Não haverá mais fugas. Henri olha para mim, respira profundamente e abre a porta da frente. Capítulo 9 Todos os músculos do meu corpo estão flexionados, todos tensos. Henri pula para a porta, e eu estou pronto para segui-lo. Eu posso sentir o tum-tum-tum no meu peito. As articulações de meus dedos estão brancas, segurando o pedaço de madeira que ainda está queimando. Uma rajada de vento entra pela porta e o fogo se espalha pela minha mão e sobe até meu pulso. Ninguém está lá. De repente, o corpo de Henri relaxa e ele ri, olhando para seus pés. Lá, olhando para Henri com a parte de cima dos olhos, está o mesmo beagle que eu vi na escola ontem. O cachorro abana seu rabo e mexe suas patas no chão. Henri se abaixa e o afaga; em seguida o cachorro se desvencilha de Henri e trota para dentro da casa com a língua balançando. — O que ele está fazendo aqui?- eu pergunto. — Você conhece esse cachorro? — Eu o vi na escola. Ele ficou me seguindo ontem, depois que você me deixou lá. Eu coloco o pedaço de madeira de volta no caldeirão e limpo minha mão na calças jeans, deixando um rastro de cinzas negras na parte da frente da calça. O cachorro senta aos meus pés e olha para cima com expectativa, com seu rabo batendo contra o chão duro de madeira. Eu sento no sofá e assisto ambos os caldeirões queimarem. Agora que a excitação da situação acabou, minha mente volta para o que eu acabei de presenciar em minha visão. Eu ainda posso escutar os gritos em meus ouvidos, ainda vejo o modo como o sangue brilha na grama sob a luz do luar, os corpos e as árvores derrubadas, o brilho

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avermelhado nos olhos das bestas de Mogadore e o terror nos olhos dos Loric. Eu olho para Henri. — Eu vi o que aconteceu. Pelo menos, o começo de tudo. Ele assente. — Eu imaginei que você veria. — Eu pude ouvir a sua voz. Você estava falando comigo? — Sim. — Eu não compreendo- eu digo- Foi um massacre. Havia muito ódio neles para que seu interesse fosse apenas nossos recursos. Havia algo mais do que isso. Henri suspira e senta na mesa de centro em frente a mim. O cachorro pula no meu colo. Eu o afago. Ele está imundo; sinto seu pêlo duro e oleoso em minhas mãos. Na frente da sua coleira, há uma etiqueta anexada com o formato de uma bola de futebol americano. É uma etiqueta velha, com a maior parte da sua coloração marrom desgastada. Eu a pego em minha mão, há o número 19 de um lado e o nome BERNIE KOSAR do outro. —Bernie Kosar- eu digo. O cachorro abana o rabo.- Acho que esse é o nome dele, o mesmo do cara do pôster na minha parede. É um nome popular por aqui. – Passo minha mão pelas costas do cão- Ele não parece ter uma casaeu digo- e ele está faminto.- De alguma forma posso deduzir isso. Henri assente. Ele olha para Bernie Kosar. O cachorro se estica, descansa seu queixo sob as patas e fecha os olhos. Eu acendo o isqueiro e passo a chama pelos meus dedos, pela palma da minha mão e depois pelo lado interno do meu braço. Somente quando a chama está à 2 ou 3 cm do meu ombro, eu sinto queimar. Seja lá o que Henri fez, funcionou e minha resistência aumentou. Eu me pergunto quanto tempo levará até meu corpo inteiro se tornar resistente. — Então, o que aconteceu?- eu pergunto. Henri respira profundamente. — Eu tive aquelas visões também. São tão reais, como se você realmente estivesse lá. — Eu nunca tive consciência de quão ruim foi tudo aquilo. Quero dizer, eu sei que você me contou, mas eu não compreendi verdadeiramente até que vi com meus próprios olhos. — Os Mogadorians são diferentes de nós, dissimulados e manipuladores, desconfiados de quase tudo. Eles têm certos poderes, mas não como os nossos. Eles vivem em bandos, em cidades lotadas. Quanto mais densamente povoadas, melhor. Essa é a razão pela qual você e eu estamos fora das grandes cidades agora, mesmo sabendo que se vivêssemos em uma, seria mais fácil nos misturar. Porém, seria infinitamente mais fácil para eles se misturarem também. — Quase cem anos atrás, Mogadore começou a morrer, assim como aconteceu com Lorien 25 mil anos antes. Entretanto, eles não agiram da forma como agimos - não entenderam o que fazer, como a população humana está começando a entender agora. Eles ignoraram. Mataram seus oceanos e encheram os rios e lagos com esgoto e lixo, para continuar aumentando suas cidades. A vegetação começou a morrer, o que fez com que os herbívoros morressem e os carnívoros não ficaram atrás. Eles perceberam que tinham que fazer algo drástico. Henri fecha seus olhos e permanece em silêncio por um minuto inteiro. — Você sabe qual é o planeta habitável mais próximo de Mogadore?- ele

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finalmente pergunta. — Sim, é Lorien. Ou era, eu acho. Henri assente. — Sim, é Lorien. E eu tenho certeza que você sabe agora que eram dos nossos recursos que eles estavam atrás. Eu confirmo com a cabeça. Bernie Kosar levanta sua cabeça e solta um grande bocejo. Henri esquenta um filé de frango cozido no microondas, o corta em tiras, em seguida carrega o prato para o sofá e o coloca em frente ao cachorro. Ele come com ferocidade, como se não estivesse se alimentando há dias. — Há um grande número de Mogadorians na Terra- Henri continua- Eu não sei quantos estão aqui, mas eu posso senti-los enquanto durmo. Algumas vezes posso vê-los em meus sonhos. Eu nunca entendo onde eles estão, ou o que estão dizendo. Mas eu os vejo. E não acho que vocês seis são a única razão para haver tantos deles aqui. — O que você quer dizer? Por que outra razão eles estariam aqui? Henri olha em meus olhos. — Você sabe qual é o segundo planeta habitável mais próximo de Mogadore? Eu assinto. — É a Terra, não é? — Mogadore é duas vezes maior do que Lorien, mas a Terra é cinco vezes maior que Mogadore. Em termos de defesa, a Terra é melhor preparada contra um ataque, devido ao seu tamanho. Os Mogadorians precisam conhecer esse planeta melhor antes que possam atacar. Eu não sou capaz de te dizer por que fomos derrotados tão facilmente, pois ainda há muitas coisas que não compreendo. Mas eu posso dizer, com certeza, que parte do motivo foi uma combinação do conhecimento deles sobre nosso planeta e nosso povo e do fato de não termos outras defesas além da nossa inteligência e dos Legados dos Garde. Diga o que quiser dos Mogadorians, mas eles são estrategistas brilhantes quando entram em uma guerra. Nós ficamos em silêncio; o vento ainda soprando lá fora. — Eu não acho que eles estão interessados em tomar os recursos da Terra- Henri diz. Eu suspiro e olho para ele. — Por que não? — Mogadore ainda está morrendo. Mesmo que eles tenham resolvido os problemas mais urgentes, a morte do planeta é inevitável, e eles sabem disso. Acho que eles querem fazer da Terra o seu lar permanente. Eu dou banho em Bernie Kosar, depois do jantar, usando xampu e condicionador. Eu o escovo com um pente velho esquecido pelo último inquilino em uma das gavetas. Sua aparência e cheiro são muito melhores do que antes, mas sua coleira ainda fede. Eu a jogo fora. Antes de ir para a cama, eu seguro a porta da frente aberta para ele, mas ele não está interessado em voltar lá para fora. Ao invés disso, ele se deita no chão e apóia o queixo nas patas da frente. Posso sentir sua vontade de permanecer na casa conosco. Pergunto-me se ele pode sentir minha vontade que ele fique também. — Acho que temos um novo animal de estimação- Henri diz. Eu sorrio. Desde quando eu o vi mais cedo, esperava que Henri me deixasse ficar com ele. — Parece que sim- eu digo. Meia hora depois, me arrasto para a cama e Bernie Kosar vem comigo, se

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encolhendo como uma bola nos meus pés. Ele está roncando dentro de minutos. Deito-me de costas por algum tempo, olhando para a escuridão, com um milhão de pensamentos diferentes inundando minha cabeça. Imagens da guerra: os olhares vorazes e famintos dos Mogadorians; os olhares raivosos e firmes das bestas; a morte e o sangue. Penso na beleza de Lorien. Esse planeta um dia será habitável novamente ou eu e Henri continuaremos esperando aqui na Terra para sempre? Tento tirar os pensamentos e imagens da minha mente, mas não consigo deixá-los de fora por muito tempo. Levanto-me e ando um pouco. Bernie Kosar levanta a cabeça e me olha, mas depois a abaixa e cai novamente no sono. Eu suspiro e pego meu celular do criado-mudo, a fim de verificar se Mark James não bagunçou nada. O número de Henri ainda está aqui, mas já não é mais meu único contato. Outro número, escrito abaixo do nome ―Sarah Hart‖ foi adicionado. Depois do último sinal tocar e antes de vir até meu armário, Sarah adicionou seu número em meu celular. Fecho meu celular, coloco-o no criado-mudo e sorrio. Dois minutos se passam e eu olho o celular novamente para ter certeza que não estava vendo coisas. Não estava. Fecho e coloco-o de novo no criado-mudo, somente para pega-lo cinco minutos depois para olhar o número dela outra vez. Não sei quanto tempo demora até eu adormecer, mas eu finalmente durmo. Quando acordo de manhã, meu celular ainda está em minha mão, repousando sobre meu peito. Capítulo 10 BERNIE KOSAR ESTÁ ARRANHANDO A PORTA DO MEU QUARTO QUANDO ACORDO. Deixo-o sair da casa. Ele ronda o quintal, correndo por toda sua extensão com o nariz no chão. Depois que percorre os quatro cantos do quintal, ele foge e desaparece no mato. Fecho a porta e vou tomar banho. Saio dez minutos depois e ele está novamente dentro de casa, sentado no sofá. Ele abana seu rabo quando me vê. — Você o deixou entrar?- pergunto para Henri, que está na mesa da cozinha com seu laptop aberto e quatro jornais empilhados na sua frente. — Sim. Depois de um café-da-manhã rápido, nós saímos. Bernie Kosar corre à nossa frente, depois pára e senta-se, olhando para a porta do passageiro no caminhão. — Isso é meio esquisito, você não acha?- eu digo. Henri encolhe os ombros. — Aparentemente, não é a primeira vez que ele passeia de carro. Deixe-o entrar. Abro a porta e ele pula para dentro. Ele senta-se no banco do meio com sua língua balançando. Quando saímos da garagem, ele vem para meu colo e coloca as patas na janela. Eu abaixo o vidro e ele coloca metade do corpo fora do caminhão, com a boca ainda aberta e o vento balançando suas orelhas. Cinco quilômetros depois, Henri chega à escola. Abro a porta e Bernie Kosar pula para fora antes de mim. Coloco-o de volta no caminhão, mas ele novamente pula para fora. Coloco-o no caminhão de novo e o impeço de sair até conseguir fechar a porta. Ele se equilibra apenas com as patas traseiras; as patas dianteiras estão na borda da porta, já que a janela permanece aberta. Dou um tapinha na cabeça dele. — As luvas estão com você?- Henri pergunta. —Sim.

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— Celular? —Sim. — Como se sente? — Me sinto bem- eu digo. — Ok. Me ligue se tiver qualquer tipo de problema. Ele vai embora e Bernie Kosar me olha da janela traseira até que o caminhão desaparece em uma curva. Sinto um nervosismo parecido com o do dia anterior, mas por razões diferentes. Metade de mim quer ver Sarah logo, embora metade de mim espera não vê-la de modo algum. Não sei o que dizer a ela. E se eu não conseguir pensar em nada e ficar lá parecendo um idiota? E se ela estiver com Mark quando eu a ver? Devo cumprimentá-la e arriscar outra briga, ou apenas passar por ela e fingir que não os vi? No mínimo, vou vê-los na segunda aula. Não há como fugir disso. Caminho para meu armário. Minha mochila está cheia de livros que eu deveria ter lido na noite passada, mas os quais eu nem abri. Muitos pensamentos e imagens se passam em minha cabeça. Eles não se foram, e é difícil imaginar que um dia sairão da minha mente. Foi muito diferente do que eu imaginava. A morte não é como aparece nos filmes. Os sons, as imagens, os cheiros. Tão diferentes. No meu armário, eu noto imediatamente que algo está errado. O trinco de metal está coberto de barro, ou algo que se parece com barro. Não tenho certeza se devo abri-lo, mas, em seguida, respiro profundamente e forço o trinco para cima. O armário está cheio até a metade de estrume e no momento em que eu abro a porta, grande parte cai no chão, cobrindo meus sapatos. O cheiro é horrível. Eu bato a porta para fechar. Sam Goode estava atrás da porta e sua aparição repentina vindo do nada me assusta. Ele parece desolado, vestindo uma camiseta branca da NASA muito pouco diferente da que estava usando ontem. — Oi Sam.- eu digo Ele olha para o monte de estrume no chão, depois de volta para mim. — Você também?- pergunto. Ele confirma com a cabeça. — Vou para a sala do diretor. Você quer vir? Ele balança a cabeça, depois se vira e vai embora sem dizer uma palavra. Vou para a sala do Sr. Harris, bato na porta, depois entro sem esperar por sua resposta. Ele está sentado atrás da sua mesa, vestindo uma gravata cheia de desenhos do mascote da escola, com nada menos que vinte cabeças de pirata minúsculas. Ele sorri orgulhosamente para mim. — Hoje é um grande dia, John- ele diz. Eu não sei sobre o que ele está falando- Os repórteres da Gazeta deverão estar aqui em uma hora. Primeira página! Daí eu me lembro da grande entrevista de Mark James para o jornal local. — O senhor deve estar muito orgulhoso.- digo. — Me orgulho de cada um dos estudantes de Paraíso.- o sorriso não sai de seu rosto. Ele se inclina para trás na cadeira, entrelaça os dedos e descansa as mãos sobre a barriga.- O que eu posso fazer por você? — Apenas queria que o senhor soubesse que meu armário estava cheio de estrume essa manhã. — O que você quer dizer com ―cheio‖?

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— Quero dizer que o armário inteiro estava cheio de estrume. — De estrume?- ele pergunta confusamente. — Sim. Ele ri. Surpreendo-me com sua total falta de consideração e a raiva surge em mim. Meu rosto está quente. — Queria que o senhor soubesse para que o armário pudesse ser limpo. O armário de Sam Goode estava cheio de estrume também. Ele suspira e balança a cabeça. — Mandarei o Sr. Hobbs, o zelador, vir imediatamente e nós faremos uma investigação completa. — Nós dois sabemos quem fez isso, Sr. Harris. Ele dá um sorriso condescendente para mim. — Eu cuidarei da investigação, Sr. Smith. Não há nada mais a dizer, então eu saio da sala do diretor e vou ao banheiro para jogar um pouco de água fria no rosto e nas mãos. Eu tenho que me acalmar. Não quero ter que usar as luvas novamente hoje. Talvez eu não devesse fazer nada, apenas deixar rolar. Quando acabará? E, além disso, existe outra escolha? Estou derrotado e meu único aliado é um aluno do segundo ano de cinqüenta quilos com uma inclinação para assuntos extraterrestres. Talvez essa não seja a verdade absoluta- talvez eu tenha outro aliado: Sarah Hart. Olho para baixo. Minhas mãos estão bem, sem brilho. Saio do banheiro. O zelador já está limpando o estrume do meu armário, retirando os livros e os colocando no lixo. Passo por ele, entro na sala e espero a aula começar. Regras gramaticais são explicadas, sendo o principal tema a diferença entre um gerúndio e um verbo, e a razão pela qual um gerúndio não é um verbo. Presto mais atenção do que no dia anterior, mas quando o fim da aula se aproxima começo a ficar nervoso com a próxima aula. Mas não porque verei Mark... porque verei Sarah. Ela sorrirá para mim novamente hoje? Penso que será melhor se eu chegar antes dela, me sentar em meu lugar e vê-la entrar na sala. Desse jeito, posso ver se ela me cumprimentará primeiro. Quando o sinal toca, eu me arremesso para fora da sala e corro pelo corredor. Sou o primeiro a entrar na aula de astronomia. A sala se enche e Sam senta ao meu lado novamente. Antes do sinal tocar, Sarah e Mark entram juntos. Ela está vestida com uma camisa de botões branca e calça preta. Ela sorri para mim antes de se sentar. Sorrio de volta. Mark, no entanto, não olha em minha direção. Eu ainda posso sentir o cheiro de estrume nos meus sapatos, ou talvez o odor esteja vindo de Sam. Ele tira uma revista da sua mochila com o título ―Eles estão entre nós‖ na capa. A revista aparenta ter sido impressa em algum porão. Sam abre em um artigo no meio da revista e começa a ler atentamente. Olho para Sarah que está quatro carteiras na minha frente, com seu cabelo preso em um rabo-de-cavalo. Eu posso ver sua nuca fina. Ela cruza as pernas e senta reta na cadeira. Eu desejo estar sentado ao lado dela, poder pegar e segurar sua mão na minha. Desejo que já seja a oitava aula. Pergunto-me se serei seu parceiro em Adm.Doméstica novamente. A Sra. Burton inicia sua explicação. Ela ainda está no tema Saturno. Sam pega uma folha de papel e começa a escrever descontroladamente, parando algumas vezes para consultar um artigo na revista que está aberta ao seu lado. Olho por cima do seu ombro e leio o título: ―Cidade de Montana inteira

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abduzida por alienígenas.‖ Antes da noite passada, eu nunca consideraria tal teoria. Mas Henri acredita que os Mogadorians estão conspirando para dominar a Terra, e eu devo admitir que embora a teoria na revista de Sam seja ridícula, em seus princípios não está errada. Eu sei, pois Loric visitou a Terra muitas vezes antes de haver vida nesse planeta. Nós vimos o desenvolvimento da Terra, a assistimos através dos tempos de crescimento e abundância, quando tudo se transformava, e nas eras glaciais, quando nada mais acontecia. Nós ajudamos os humanos, os ensinamos a fazer fogo, demos a eles ferramentas para desenvolverem a fala e a linguagem, razão pela qual nossa linguagem é tão parecida com os idiomas da Terra. E mesmo que nós nunca tenhamos abduzido os humanos, isso não significa que a abdução nunca tenha acontecido. Olho para Sam. Eu nunca tinha conhecido alguém com tamanha fascinação por alienígenas a ponto de ler e tomar notas de teorias conspiratórias. Logo depois a porta abre-se e o Sr. Harris coloca sua cabeça para dentro, com um sorriso. — Desculpe interromper, Sra. Burton. Tenho que roubar Mark de você. Os repórteres da Gazeta estão aqui para entrevista-lo para o jornal- ele diz alto suficiente para que toda a sala ouça. Mark se levanta, pega sua mochila e casualmente sai da sala. Na porta, eu vejo o Sr. Harris dar um tapinha em suas costas. Depois olho novamente para Sarah, desejando poder sentar no lugar vazio ao seu lado. A quarta aula é educação física. Sam está na minha turma. Depois de trocar de roupa, nós nos sentamos lado a lado no chão do ginásio. Ele está usando tênis, shorts e uma camiseta duas ou três vezes maior que seu tamanho. Ele parece com uma cegonha, só pele e ossos, bem magro apesar de ser baixinho. O professor de ginástica, Sr. Wallace, está imóvel em nossa frente, seus pés separados na distância da largura dos ombros, suas mãos segurando o quadril. — Tudo bem, rapazes, ouçam. Essa é provavelmente a última chance que teremos de trabalhar ao ar livre, então façam valer a pena. Corrida de 1,5 km, tão rápido quanto puderem. Seus tempos serão anotados e arquivados para quando corrermos essa distância novamente na primavera. Então se esforcem. A pista externa é feita de borracha sintética. Ela circunda o campo de futebol e além dela há um bosque, o qual eu imagino que leva à nossa casa, embora não tenha certeza. O vento está frio e arrepia os braços de Sam. Ele os esfrega. — Você já fez essa corrida antes?- pergunto. Sam assente. — Nós corremos na segunda semana de aula. — Qual foi seu tempo? — Nove minutos e cinqüenta e quatro segundos. Olho para ele. — Achei que garotos esqueléticos seriam mais rápidos. — Cala a boca.- ele diz. Corro lado a lado com Sam, atrás da multidão. Quatro voltas. Esse é o número de voltas necessário para completar 1,5 km. Na metade do caminho começo a me afastar de Sam. Pergunto-me quão rápido eu poderia correr 1,5 km se eu realmente tentasse. Dois minutos, talvez um, talvez menos? O exercício é prazeroso, e sem prestar muita atenção, começo a liderar a corrida. Depois diminuo a velocidade e finjo estar entrando em exaustão.

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Quando faço isso, vejo um vulto marrom e branco vir correndo entre os arbustos na entrada da arquibancada em minha direção. Minha mente está pregando peças em mim, penso. Olho para frente e continuo correndo. Passo pelo professor. Ele está segurando um cronômetro. Ele grita palavras de incentivo, mas está olhando atrás de mim, para longe da pista. Sigo seus olhos. Eles estão fixados em um vulto marrom e branco. Ele continua vindo em minha direção e, repentinamente, as imagens do dia anterior voltam a minha mente. As bestas Mogadorians. Havia bestas pequenas também, com dentes que brilhavam na luz como lâminas de barbear, criaturas rápidas com intenção de matar. Começo a correr rápido. Corro até metade da pista em uma corrida mortal antes de virar-me. Não há nada atrás de mim. Acho que escapei dessa. Vinte segundos se passam. Virome de volta e a coisa está bem na minha frente. Deve ter cortado caminho pelo campo. Fico imobilizado na pista e minha visão se foca. É Bernie Kosar! Ele está sentado no meio da pista com a língua balançando e o rabo abanando. — Bernie Kosar- eu grito- Quase morri de susto! Volto a correr em um ritmo lento e Bernie Kosar segue ao meu lado. Espero que ninguém tenha visto quão rápido corri. Depois paro e me curvo, como se estivesse tendo câimbras e não conseguisse recuperar o fôlego. Ando um pouco. Depois corro mais um pouco. Antes de terminar a segunda volta, duas pessoas já me passaram. — Smith! O que aconteceu? Você estava ganhando de todos!- Sr. Wallace grita quando passo por ele. Respiro com dificuldade, para que ele perceba. — Eu... tenho... asma- digo. Ele balança a cabeça, desaprovando. — E eu aqui pensando que teria o campeão da corrida do estado de Ohio em minha sala. Eu balanço os ombros e sigo em frente, parando de vez em quando para caminhar. Bernie Kosar permanece ao meu lado, algumas vezes andando, algumas vezes trotando. Quando começo a última volta, Sam me alcança e corremos juntos. Seu rosto está vermelho. — Então, o que você estava lendo na aula de astronomia hoje?- pergunto- Cidade de Montana inteira abduzida por alienígenas? Ele sorri para mim. — Sim, essa é a teoria- ele diz timidamente, meio que envergonhado. — Por que uma cidade inteira seria abduzida? Sam encolhe os ombros e não responde. — Não, de verdade?- pergunto — Você realmente quer saber? — Claro. — Bem, a teoria é que o governo permitiu as abduções alienígenas em troca de sua tecnologia. — Sério? Que tipo de tecnologia?- pergunto. —Chips para supercomputadores, fórmulas para mais bombas e tecnologia sustentável. Coisas como essas. — Tecnologia sustentável em troca de espécimes vivos? Estranho. Por que os alienígenas querem abduzir os humanos? — Para que possam nos estudar.

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— Mas, por quê? Quero dizer, qual é a possível razão deles? — Quando o fim chegar, eles saberão nossas fraquezas e serão capazes de nos derrotar com facilidade Surpreendo-me com sua resposta, mas somente porque as cenas da noite anterior continuam em minha mente, me lembrando das armas que vi os Mogadorians usarem e das bestas enormes. — Não seria fácil para eles,uma vez que já tem bombas e tecnologia superior a nossa? — Bem, algumas pessoas parecem pensar que eles esperam que nos matemos primeiro. Olhei para Sam. Ele estava sorrindo para mim, tentando decidir se eu estava levando aquela conversa a sério. — Por que eles querem que nos matemos primeiro? Qual o interesse deles? — Porque eles são invejosos. — Inveja de nós? Devido a nossa aparência melhor? Sam ri. — Algo assim. Eu assinto. Nós corremos em silêncio por um minuto e eu posso perceber que Sam está tendo dificuldades, respirando pesadamente. — Como você se interessou por tudo isso? Ele encolhe os ombros. — É apenas um hobby.- ele diz, embora eu tenha a sensação que ele está escondendo alguma coisa de mim. Nós terminamos o percurso em oito minutos e cinqüenta e nove segundos, melhor do que o último tempo de corrida de Sam. Bernie Kosar segue a turma de volta para a escola. Os outros o afagam, e quando entramos no prédio ele tenta vir conosco. Eu não sei como ele sabia onde eu estava. Ele pôde memorizar o caminho da escola esta manhã quando viemos? Esse pensamento parece ridículo. Ele permanece na porta. Vou para o corredor dos armários com Sam e no segundo em que ele recupera o fôlego, começa a falar de toneladas de teorias conspiratórias, uma após a outra, sendo a maioria de dar risada. Gosto dele e o acho divertido, mas algumas vezes desejo que ele pare de falar. --------------------------------------------------------------------------------------------------------- Quando a aula de Adm. Doméstica começa, Sarah não está na sala. A Sra. Benshoff dá instruções nos primeiros dez minutos e depois nós vamos para a cozinha. Eu entro na minicozinha, resignado com o fato de que terei que cozinhar sozinho hoje, e logo que esse pensamento me ocorre, Sarah chega. — Perdi algo interessante?- ela pergunta. — Uns dez minutos de tempo de qualidade comigo- digo com um sorriso. Ela ri. — Fiquei sabendo o que aconteceu com seu armário essa manhã. Me desculpe. — Você colocou o estrume lá?-pergunto. Ela ri novamente. — Não, claro que não. Mas eu sei que eles estão te atormentando por minha causa. — Eles têm sorte de eu não usar meus superpoderes e jogá-los no município mais próximo. Ela segura meu bíceps, brincando.

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— Certo, com esses músculos enormes. Seus superpoderes. Garoto, eles tem sorte. Nosso projeto do dia é fazer bolinhos de mirtilo. Assim que começamos a misturar a massa, Sarah começa a me contar sobre sua história com Mark. Eles namoraram por dois anos, mas quanto mais tempo ficavam juntos, mais ela se afastava de seus pais e de seus amigos. Ela era a namorada de Mark, nada mais. Ela percebeu que tinha começado a mudar, a adotar algumas atitudes parecidas com as dele em relação às pessoas: ser mesquinha e julgadora, achar que era melhor do que os outros. Ela também começou a beber e suas notas caíram. No fim do ano escolar passado, seus pais a mandaram morar com uma tia no Colorado, durante o verão. Quando ela chegou lá, começou a fazer longas caminhadas nas montanhas, tirando fotos da paisagem com a câmera de sua tia. Ela se apaixonou pela fotografia e teve o melhor verão de todos os tempos, percebendo que a vida era muito mais que ser uma líder-de-torcida e namorar o quarterback do time de futebol. Quando ela voltou para casa, terminou com Mark, saiu do grupo e fez uma promessa que seria boa e gentil com todos. Mark não superou isso. Ela diz que ele ainda a considera sua namorada e acredita que ela voltará para ele. Ela me conta que a única coisa dele da qual sente falta são os cachorros, com os quais ela sempre saia quando ia à casa dele.Então, contei a ela sobre Bernie Kosar, e sobre como ele apareceu na porta de casa inesperadamente depois daquela manhã na escola. Enquanto conversamos, nós trabalhamos. Em certo momento, vou até o forno sem luvas de cozinha e retiro as formas de bolinhos. Ela vê o que fiz e me pergunta se estou bem, e eu finjo que me machuquei, balançando as mãos como se tivessem sido queimadas, embora eu não tenha sentido nada. Nós vamos para a pia e Sarah joga água morna em minhas mãos para tentar melhorar a ardência que nem está lá. Quando ela olha minha mão, apenas encolho os ombros. No momento em que estamos polvilhando os bolinhos com açúcar, ela me pergunta sobre meu celular e me diz que percebeu que havia um único contato nele. Digo a ela que é o número de Henri e que perdi meu antigo celular com todos meus outros contatos. Ela me pergunta se deixei uma namorada para trás quando me mudei. Digo que não e ela sorri, o que faz meu coração derreter. Antes da aula terminar, ela me fala que haverá uma festa de Halloween na cidade e diz que espera me ver lá, que talvez nós pudéssemos ir juntos. Digo que sim, que seria legal, e finjo estar calmo, embora meu coração esteja flutuando. Capítulo 11 IMAGENS SURGEM PARA MIM, EM MOMENTOS ALEATÓRIOS, GERALMENTE QUANDO MENOS ESPERO. Algumas vezes, elas são pequenas e fugazes- minha avó segurando um copo de água e abrindo a boca para dizer algo- mas eu nunca sei quais são as palavras, pois a imagem desaparece tão rapidamente quanto surgiu. Algumas vezes elas são mais duradouras, mais realistas- meu avô me empurrando em um balanço. Posso sentir a força de seus braços a medida que ele me empurra, o frio na minha barriga quando o movimento fica mais rápido. Minha risada carregada pelo vento. Depois a imagem acaba. Algumas vezes eu me lembro explicitamente de imagens do meu passado, me lembro que elas fizeram parte dele. Mas outras vezes, elas são novas para mim, como se nunca tivessem acontecido antes.

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Na sala de estar, com Henri passando o cristal Loric por cada um dos meus braços e minhas mãos mergulhadas nas chamas, eu vejo o seguinte: eu sou mais novo- três, talvez quatro anos- e estou correndo no nosso quintal da frente, no qual a grama foi recém-cortada. Ao meu lado, há um animal com corpo de cachorro, mas com pêlos de tigre. Sua cabeça é redonda, seu corpo tem a forma de barril e repousa sobre pernas curtas. Diferente de qualquer animal que eu já tenha visto. Ele se agacha, posicionado para pular em mim. Não consigo parar de rir. Daí ele pula e eu tento segurá-lo, mas sou muito pequeno e nós dois caímos na grama. Nós nos empurramos. Ele é mais forte do que eu. Depois ele salta no ar, e ao invés de cair de volta no chão como eu esperava, ele se transforma em um pássaro e voa ao meu redor, pairando além do meu alcance. Ele voa em círculos, em seguida desce e se atira entre minhas pernas, e aterrissa a seis metros de distância de mim. Ele se transforma em um animal que parece um macaco sem rabo, se agacha e investe contra mim. Nesse momento, um homem chega andando. Ele é jovem e está vestido com uma roupa de borracha prateada e azul apertada em seu corpo, o tipo de roupa que eu já vi mergulhadores usarem. Ele fala comigo em um idioma que não entendo. Ele diz o nome: ―Hadley‖ e acena com a cabeça para o animal. Hadley corre para ele, seu corpo mudando da forma de macaco para algo maior, como se fosse um urso com uma juba de leão. Suas cabeças estão na mesma altura, e o homem coça a região abaixo do queixo de Hadley. Em seguida, meu avô sai da casa. Ele parece mais jovem, mas eu sei que ele deve ter no mínimo uns cinqüenta anos. Ele aperta a mão do homem. Eles conversam, mas não entendo o que estão dizendo. Depois o homem olha para mim, sorri, levanta suas mãos e repentinamente estou fora do chão, voando pelo ar. Hadley me segue, como um pássaro novamente. Estou no total controle do meu corpo, mas o homem controla para onde vou, movendo sua mão para a esquerda ou para a direita. Hadley e eu brincamos no ar, ele me fazendo cócegas com seu bico, eu tentando segurá-lo. E aí meus olhos se abrem e a imagem se vai. — Seu avô podia ficar invisível quando quisesse.- ouvi Henri dizer, e fechei meus olhos novamente. O cristal continuava no meu braço, espalhando a proteção contra o fogo para o resto do meu corpo- Esse é um dos Legados mais raros, desenvolvido apenas em 1% do nosso povo, e ele era um deles. Ele podia fazer a si mesmo e tudo o que tocasse desaparecer completamente. — Uma vez ele queria pregar uma peça em mim, antes de eu saber quais Legados ele tinha. Você tinha três anos e eu tinha acabado de começar a trabalhar com a sua família. No dia anterior, tinha sido a primeira vez que eu havia ido a sua casa e quando cheguei na sua rua, para o meu segundo dia, a casa não estava lá. Havia uma garagem, um carro, e a árvore, mas nenhuma casa. Pensei que eu tinha errado o caminho. E continuei, passando por ela. Depois, quando percebi que tinha ido muito longe, voltei e lá, a alguns metros, estava a casa que eu jurava não ter visto antes. Então, caminhei até ela, mas quando cheguei mais perto, a casa tinha desaparecido novamente. Só fiquei ali, olhando para o local onde eu sabia que a casa deveria estar, mas onde apenas se via as árvores. Então, continuei andando. Somente na terceira vez que voltei, seu avô fez a casa reaparecer de vez. Ele não conseguia parar de rir. Nós rimos sobre aquele dia por um ano e meio, todo o tempo até que o final chegou.

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Quando abro meus olhos, estou de volta ao campo de batalha. Mais explosões, fogo e morte. — Seu avô era um homem bom- Henri diz- Ele amava fazer as pessoas rir, amava contar piadas. Eu não me lembro de nenhuma vez em que sai da sua casa sem uma dor no estômago de tanto rir. O céu tinha se tornado vermelho. Uma arvore atravessa o ar, arremessada pelo homem de prateado e azul, aquele que vi na casa. Ela acerta dois Mogadorians e eu quero aplaudir a vitória. Mas qual razão há para celebrar? Não importa quantos Mogadorians eu veja morrer, o fim daquele dia não mudará. Os Loric ainda serão derrotados, até o ultimo deles será morto. Eu serei enviado para a Terra. — Eu nunca vi aquele homem ficar nervoso. Quando todos perdiam a razão, quando o stress se espalhava por todos, seu avô continuava calmo. Nesses momentos, geralmente ele soltava uma de suas melhores piadas e todos voltavam a rir. As pequenas bestas atacam as crianças. Elas estão indefesas, segurando fogos de artifício da celebração nas mãos. Essa é a razão pela qual estamos perdendo- somente alguns poucos Loric estão lutando contra as bestas, e o resto está tentando salvar as crianças. — Sua avó era diferente. Ela era quieta e reservada, muito inteligente. Desse modo, eles se completavam, seu avô despreocupado, sua avó trabalhando por trás das cortinas para que tudo saísse como planejado. Alto no céu, eu ainda posso ver o rastro de fumaça azul da nave que nos transporta para a Terra, carregando nós Nove e nossos Keepers. Sua presença incomoda os Mogadorians. — E havia ainda Julianne, minha esposa. Longe, há uma explosão, como as que ocorrem na Terra após a decolagem de um foguete. Outra nave sobe no céu, com um rastro de fogo atrás dela. Lenta inicialmente, ela vai tomando velocidade. Estou confuso. Nossas naves não usam fogo para a decolagem, elas não usam óleo nem gasolina. Elas emitem um pequeno rastro azul de fumaça que vem dos cristais usados para propulsioná-las, nunca fogo como essa última. A segunda nave é lenta e desajeitada se comparada a primeira, mas ela se move, subindo no ar, ganhando velocidade. Henri nunca mencionou uma segunda nave. Quem está nela? Onde ela está indo? Os Mogadorians gritam e apontam para ela. Novamente, isso os inquieta e por um breve momento os Loric avançam. — Ela tinha os olhos mais verdes que eu já havia visto, de um verde brilhante que parecia esmeraldas, além de um coração tão grande como o planeta inteiro. Sempre ajudando os outros, constantemente trazendo animais para casa e cuidando deles. Nunca saberei o que ela viu em mim. As bestas maiores voltaram, aquelas com olhos vermelhos e chifres enormes. Saliva misturada com sangue cai dos seus dentes que são afiados e tão grandes que não cabem em suas bocas. O homem de prateado e azul está bem em frente a elas. Ele tenta suspender as feras do chão com seus poderes e consegue levantá-las alguns metros, mas elas se debatem e ele não consegue suspende-las mais. As bestas rugem, se balançam, e caem novamente no chão. Elas tentam neutralizar os poderes do homem, mas não podem. O homem as suspende novamente. Suor e sangue brilham sob a luz do luar em seu rosto. Em seguida, ele abaixa suas mãos e as feras caem para o lado. O chão treme. Trovões e relâmpagos enchem o céu, mas a chuva não

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vem com eles. — Ela dormia até tarde, e eu sempre acordava antes dela. Eu me sentava no escritório e lia o jornal, fazia o café-da-manhã, saia para uma caminhada. Algumas vezes eu voltava e ela ainda estava dormindo. Eu ficava impaciente, mal podia esperar para começarmos o dia juntos. Ela me fazia sentir bem apenas estando ao meu lado. Eu entrava e tentava acordá-la. Ela puxava os cobertores em cima da cabeça e resmungava para mim. Quase toda a manhã, a mesma coisa. As bestas se debatem, mas o homem ainda está no controle. Outro Garde se junta a ele, cada um usando um poder sobre a besta mamute; relâmpagos e fogo chovem sobre ela, raios lasers vem de todas as direções. Alguns Garde fazem estragos não sendo vistos, permanecendo longe das bestas e segurando suas mãos para o alto, concentrados. Uma nuvem grande, crescente e brilhante, contendo algum tipo de energia dentro, surge em um céu anteriormente sem nuvens. Todos os Garde estavam trabalhando nisso, todos tentando criar uma tempestade cataclísmica. E no final, um enorme raio cai e acerta a besta. E ela morre. — O que eu podia fazer? O que qualquer um podia? No total, havia dezenove de nós na nave. Nove crianças e nove Cepan, escolhidos apenas por estarmos no local correto naquela noite, e o piloto que nos trouxe. Nós Cepan não podíamos lutar, e que diferença faria se pudéssemos? Os Cepan são burocratas, com a função de manter o planeta funcionando, ensinar e treinar novos Garde para que possam entender e controlar seus poderes. Nós nunca tivemos a função de lutadores. Teria sido ineficaz. Teriamos morrido como todo o resto. Tudo o que podíamos fazer era partir. Partir com vocês para sobreviver e um dia restaurar a glória do planeta mais belo de todo o universo. Eu fecho meus olhos e quando os reabro a guerra acabou. Sobe fumaça da terra, de entre os mortos e dos que estão morrendo. Árvores quebradas, florestas queimadas, nada fica a salvo dos poucos Mogadorians que sobreviveram para contar a história. O sol se põe para o sul e um brilho pálido crescente cobre a terra árida de vermelho. Pilhas de corpos, nem todos intactos, nem todos inteiros. No topo de uma pilha está o homem de prateado e azul, morto como o resto. Não há marcas visíveis em seu corpo, mas ele está morto do mesmo jeito. Meus olhos se abrem. Não consigo respirar e minha boca está seca. — Aqui- Henri diz. Ele me ajuda a descer da mesa de centro, guia-me para a cozinha e puxa uma cadeira para mim. Lágrimas começam a cair dos meus olhos, mesmo que eu tente segura-las. Henri me traz um copo de água e eu tomo cada gole dela, sem parar. Devolvo-lhe o copo e ele o enche novamente. Abaixo minha cabeça, ainda com dificuldade para respirar. Eu bebo o segundo copo, depois olho para Henri. — Por que você nunca me contou sobre a segunda nave?-pergunto. — Sobre o que você está falando? — Havia uma segunda nave- digo. — Onde havia uma segunda nave? — Em Lorien, no dia em que partimos. Uma segunda nave decolou depois de nós. — Impossível. — Por que é impossível? — Porque as outras naves foram destruídas. Vi com meus próprios olhos.

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Quando os Mogadorians aterrissaram, eles primeiramente destruíram nossas naves. Nós viajamos na única nave que sobreviveu ao ataque deles. Foi um milagre conseguirmos sair. — Eu vi uma segunda nave. Estou te dizendo. No entanto, não era como as outras. Ela funcionava com combustível; havia uma bola de fogo atrás dela. Henri me observa atentamente. Ele está pensando; suas sobrancelhas estão enrugadas. — Tem certeza, John? — Sim. Ele encosta na cadeira, olha para a janela. Bernie Kosar está no chão, nos encarando. — Ela decolou de Lorien- eu digo- Eu vi seu percurso inteiro até ela desaparecer. — Isso não faz sentido- Henri diz- Não sei como pode ser possível. Não havia nenhuma outra nave. — Havia uma segunda nave. Nós permanecemos em um longo silêncio. — Henri? — Sim? — O que havia naquela nave? Ele fixa seu olhar em mim. — Não sei- ele diz- Realmente não sei. ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- Nós nos sentamos na sala de estar; há fogo na lareira; Bernie Kosar está no meu colo. Um ocasional estalo dos troncos quebra o silêncio. — Liga- eu digo e estalo meus dedos. Minha mão direita se ilumina, não tão brilhante como eu já vi antes, mas próximo a isso. No pequeno período desde que Henri começou a me treinar, comecei a aprender a controlar o brilho. Eu posso concentrá-lo, fazê-lo aumentar como as luzes de uma casa, ou restringilo e focá-lo como uma lanterna. Minha habilidade em dominar esse Legado está se desenvolvendo mais rápido do que eu esperava. A mão esquerda ainda brilha mais fracamente que a direita, mas está se desenvolvendo também. Estalo meus dedos e digo ―Liga‖ apenas para impressionar, pois não preciso fazer isso para controlar a luz, ou para ligá-la. O controle vem de dentro e exige tão pouco esforço quanto contrair um dedo ou piscar um olho. — Quando você acha que os outros Legados se desenvolverão?- pergunto. Henri levanta os olhos do jornal. — Logo.- ele diz.- O próximo Legado deverá aparecer ainda esse mês, não importa qual seja. Você apenas deve estar atento. Nem todos os poderes são tão óbvios como as suas mãos. — Quanto tempo demorará para todos aparecerem? Ele encolhe os ombros. — Algumas vezes leva dois meses, outras vezes um ano. Isso varia de Garde para Garde. Mas não importa o período, o seu Legado principal será o último a se desenvolver. Fecho meus olhos e encosto no sofá. Eu penso sobre meu Legado principal, aquele que me permitirá lutar. Não tenho certeza do que quero que ele seja. Lasers? Controle da mente? A habilidade de controlar o clima como eu vi o homem de prateado e azul fazer? Ou algo mais obscuro, mais sinistro, como a

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habilidade de matar sem tocar? Passo minha mão nas costas de Bernie. Olho para Henri. Ele está usando uma touca e um par de óculos na ponta do nariz, parecendo um ratinho de histórias infantis. — Por que estávamos na pista de pouso aquele dia?- pergunto. — Nós fomos a uma exibição aérea. Depois que terminou, nós fomos fazer um passeio em algumas naves. — Essa foi realmente a única razão? Ele vira-se para mim e confirma com a cabeça. Ele engole seco e isso me faz imaginar que ele está escondendo alguma coisa de mim. — Bem, como foi decidido que nós partiríamos?- pergunto.- Quero dizer, certamente um plano como esse precisaria de mais que um aviso de alguns minutos, certo? — Nós decolamos após três horas do inicio da invasão. Você não se lembra de nada disso? — Muito pouco. — Nós encontramos seu avô na estátua de Pittacus. Ele me entregou você e me disse para te levar à pista de pouso, que essa era nossa única chance. Havia uma parte subterrânea na pista. Ele disse que sempre houve um plano de contingência caso algo do tipo ocorresse, mas isso nunca havia sido levado a sério, pois a possibilidade de um ataque era absurda. Justamente como seria aqui, na Terra. Se você dissesse a algum humano agora que há a possibilidade de um ataque de alienígenas, bem, ele riria de você. Não era diferente em Lorien. Perguntei como ele sabia do plano e ele não respondeu, apenas sorriu e me disse adeus. Fazia sentido que ninguém soubesse realmente do plano, ou somente alguns soubessem. Eu assinto. — Então foi assim, vocês surgiram com um plano de vir para a Terra? — Claro que não. Um dos Anciões do planeta nos encontrou na pista. Foi ele que lançou o feitiço que marcou seus tornozelos e os uniu, e deu a cada um de vocês um amuleto. Ele disse que vocês eram crianças especiais, abençoadas, o que eu acho que é por vocês terem tido a chance de escapar. Nós inicialmente planejamos decolar e esperar lá em cima a invasão acabar, esperar nosso povo lutar e vencer. Mas isso nunca aconteceu...- ele diz, as palavras se arrastando. Em seguida, ele suspira- Nós permanecemos em órbita por uma semana. Foi o tempo que os Mogadorians levaram para despojar Lorien de tudo. Depois disso, ficou claro que não voltaríamos e nós seguimos para a Terra. — Por que ele não lançou um feitiço para que nenhum de nós fosse morto, independente dos números? — Nem tudo pode ser feito, John. Você está falando de invencibilidade. Isso não é possível. Eu assinto. O feitiço por si só já ajuda muito. Se um dos Mogadorians tentar nos matar fora de ordem, todo o mal que tentar fazer será revertido para ele. Se ele tentasse atirar em minha cabeça, a bala entraria em sua própria cabeça. Mas não mais. Agora, se eles me pegarem, eu morro. Fico em silêncio por um momento pensando sobre tudo isso. A pista de pouso. O único ancião remanescente que lançou o feitiço sobre nós, Loridas, que agora está morto. Os anciões foram os primeiros a habitar Lorien, os que fizeram do planeta o que ele era. Existiam dez no início, e eles continham todos

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os Legados dentro de si. Tão antigos, há muito tempo eles se pareciam mais com um mito do que com algo baseado na realidade. Fora Loridas, ninguém sabia o que tinha acontecido com o resto deles, se estavam mortos. Tento me lembrar de orbitarmos o planeta esperando para ver se podíamos voltar, mas não me lembro de nada disso. Posso apenas evocar pequenas partes da viagem. O interior da nave em que viajamos era circular e aberto, fora dois banheiros que tinham portas. Havia camas em um lado; o outro lado era dedicado a exercícios e jogos, para que não ficássemos muito impacientes. Não me lembro como eram os outros. Não me lembro dos jogos que jogamos. Me lembro de ter ficado entediado; um ano inteiro que passei dentro de uma nave com outras dezessete pessoas. Havia um bichinho de pelúcia com o qual eu dormia a noite, e embora eu tenha certeza que essa memória é equivocada, a imagem desse animal sempre volta a minha mente. — Henri? — Sim? — Tenho visto imagens de um homem com uma roupa prateada e azul. Vi ele em nossa casa, e na batalha. Ele podia controlar o clima. E depois o vi morto. Henri assente. — Toda vez que você viajar de volta, será para as cenas que tiveram mais relevância para você. — Ele era meu pai, não era? — Sim- ele disse- Não era esperado que ele aparecesse, mas ele aparecia de qualquer forma. Ele sempre estava perto de você. Eu suspiro. Meu pai tinha lutado bravamente, matando a besta e muitos soldados. Mas, no fim, isso não foi suficiente. — Nós realmente temos chance de vencer? — O que você quer dizer? — Nós fomos derrotados tão facilmente. Que esperança há de um final diferente se nos encontrarem? Mesmo quando todos desenvolvermos nossos poderes, e finalmente nos juntarmos e estivermos prontos para a batalha, que esperança nos temos contra coisas como aquelas? — Esperança?- ele diz- Há sempre esperança, John. Nem todos os poderes apareceram. Não temos todas as informações. Não. Não desista ainda da esperança. É a última coisa que você deve perder. Quando você perde a esperança, perde tudo. E quando você pensa que tudo está perdido, quando tudo está terrível e desolador, há sempre a esperança. Capítulo 12

EU E HENRI VAMOS PARA A CIDADE NO SÁBADO PARA O DESFILE DE HALLOWEEN, QUASE DUAS SEMANAS DEPOIS DE CHEGARMOS EM PARAÍSO. Acho que a solidão está começando a tomar conta de nós. Não que nós não costumássemos nos sentir solitários. Nós nos sentíamos. Mas a solidão em Ohio é diferente do que na maioria dos outros lugares. Ela provoca um certo silêncio, um certo isolamento. É um dia frio; o sol espreita intermitentemente através das espessas nuvens brancas, deslizando por cima delas. A cidade está agitada. Todas as crianças estão fantasiadas. Compramos uma coleira para Bernie Kosar, o qual está usando uma capa do Super-Homem estendida sobre suas costas, com um grande ―S‖ no peito. Ele não parece impressionar com isso. Ele não é o único cachorro fantasiado de super-herói. Eu e Henri ficamos na calçada em frente ao Hungry Bear, o restaurante no

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centro da cidade, para assistir o desfile. Na janela da frente do restaurante está pendurado um recorte da reportagem de Mark James para a Gazeta. Ele foi fotografado na frente da linha de cinqüenta-jardas do campo de futebol, vestindo a jaqueta do time, com seus braços cruzados, seu pé direito em cima de uma bola de futebol e um sorriso torto confiante em seu rosto. Até eu tenho que admitir que ele impressiona. Henri me vê encarando o jornal. — É seu amigo, certo?- ele me pergunta com um sorriso. Henri agora sabe da história, desde a briga iminente, passando pelo estrume de vaca até a paixão que eu sinto pela sua ex-namorada. Desde que descobriu essas coisas, Henri se refere a ele apenas como meu amigo. — Meu melhor amigo- corrijo ele. Nesse momento, a banda começa. Está no começo do desfile, seguida por vários carros alegóricos com tema do Halloween, um dos quais está levando Mark e alguns outros jogadores de futebol. Alguns eu reconheço das aulas, alguns não. Eles lançam punhados de doces para as crianças. Então Mark me avista e cutuca o garoto ao seu lado- Kevin, o cara no qual dei uma joelhada no refeitório. Mark aponta para mim e diz algo. Ambos riem. — É ele?- Henri pergunta. — É ele. — Parece um idiota. — Eu te disse. Depois vêm as líderes de torcida, caminhando, todas uniformizadas, com os cabelos amarrados, sorrindo e acenando para a multidão. Sarah está caminhando ao lado delas, tirando fotos. Elas as fotografa em ação, quando estão pulando ou fazendo suas acrobacias. Embora ela esteja vestindo calça jeans e não esteja maquiada, ela é muito mais bonita do que qualquer uma das outras. Nós temos conversando cada vez mais na escola, e não consigo parar de pensar nela. Henri me vê encarando-a. Em seguida, ele olha novamente para o desfile. —É ela? — É ela. Ela me vê e acena, depois aponta para sua câmera, o que significa que ela viria até aqui, mas que quer continuar tirando fotos. Eu sorrio e assinto. — Bem- Henri diz- Eu certamente posso ver o charme dela. Nós assistimos o desfile. O prefeito de Paraíso passa, sentando no banco de trás de um conversível vermelho. Ele joga mais doces para as crianças. Haverá um monte de crianças hiperativas hoje, eu penso. Sinto um tapinha em meu ombro e me viro. — Sam Goode. E aí? Ele balança os ombros. — Nada. E você? — Assistindo o desfile. Esse é meu pai, Henri. Eles apertam as mãos. Henri diz: — John me falou muito sobre você. — Sério?- Sam pergunta com um sorriso torto. — Sério- Henri responde. Em seguida, ele detém-se por um minuto e um sorriso toma forma em seu rosto- Sabe, eu estive lendo. Talvez você já tenha ouvido, mas você sabia que os alienígenas são a razão de existirem tempestades? Eles as criam para poderem entrar em nosso planeta sem serem

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notados. A tempestade é uma distração, e os raios que você vê, na realidade, são naves entrando na atmosfera terrestre. Sam sorri e coça sua cabeça. — Fala sério.- ele diz. Henri encolhe os ombros. — Foi o que eu ouvi. — Tudo bem.- Sam diz, disposto a disputar com Henri- Bem, você sabia que os dinossauros, na verdade, não foram extintos? Os alienígenas ficaram tão fascinados com eles que decidiram reunir todos e levá-los para seu planeta. Henri balança a cabeça. — Dessa eu não sabia- ele diz- Você sabia que o monstro do Lago Ness era, na realidade, um animal do planeta Trafalgra? Eles o trouxeram para a Terra em um experimento, para ver se ele podia sobreviver, o que ele fez. Mas quando o descobriram, os alienígenas tiveram que o levar de volta, razão pela qual ele nunca mais foi visto. Eu ri, não da teoria, mas do nome Trafalgra. Não há nenhum planeta chamado Trafalgra e eu me pergunto se Henri inventou isso na hora. — Você sabia que as pirâmides do Egito foram construídas por alienígenas? — Já ouvi isso.- Henri diz, sorrindo. Isso é engraçado para ele, porque embora as pirâmides do Egito não tenham sido construídas realmente por alienígenas, em sua construção foi utilizado o conhecimento e a ajuda de Lorien.- Você sabia que é previsto que o mundo acabe em 21 de Dezembro de 2012? Sam assente e sorri. — Sim, já ouvi isso. A suposta data de vencimento da Terra, o fim do calendário Maia. — Data de vencimento?- eu interrompo- Como o ―melhor se usado antes de tal data‖ que vem impresso nas caixas de leite? A Terra vai coalhar? Rio da minha própria piada, mas Sam e Henri não prestam atenção. Em seguida, Sam diz: — Você sabia que os círculos nas plantações foram originalmente utilizados como instrumentos de navegação para a espécie alienígena Agharian? Mas isso foi a milhares de anos atrás. Hoje, eles são criados apenas por fazendeiros entediados. Rio novamente. Eu tenho vontade de perguntar que tipos de pessoas criam conspirações alienígenas se são os fazendeiros entediados que desenham círculos nas plantações, mas não pergunto. — E sobre os Centuri?- pergunta Henri- Você sabe sobre eles? Sam balança a cabeça. — Eles são uma espécie de alienígenas que vive no núcleo da Terra. São contenciosos, estão em constante discórdia uns com os outros, e quando eles tem guerras civis, a superfície da Terra balança descontroladamente. Nesses momentos é que ocorrem terremotos e explosões vulcânicas. O tsunami de 2004? Tudo por causa do desaparecimento da filha do rei de Centuri. — Eles a encontraram?- pergunto. Henri balança a cabeça, olha para mim e depois para Sam, que ainda está sorrindo por causa da disputa. —Eles nunca a encontraram. Pesquisadores acreditam que ela foi capaz de mudar de forma e que está vivendo em algum lugar na América do Sul. A teoria de Henri é tão boa, que eu acho que não há como ele ter inventado tão rápido. Fico parado ali e realmente começo a ponderá-la, embora nunca tenha

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ouvido falar de alienígenas chamados Centuri e mesmo tendo certeza que nada vive no núcleo da Terra. — Você sabia...- Sam para. Eu acho que Henri o derrotou, e tão logo esse pensamento me passa na cabeça, Sam diz algo tão assustador que uma onda de terror me atinge. — Você sabia que os Mogadorians estão em busca da dominação do universo, que eles já dizimaram um planeta e querem fazer da Terra o próximo? Eles estão aqui procurando as fraquezas humanas, para que possam explorá-las quando a guerra começar. Minha boca se abre e Henri encara Sam, atônito. Ele está segurando a respiração. Sua mão vai se apertando ao redor do copo de café, até um ponto em que eu fico com medo de que o copo amasse, caso ele aperte um pouco mais. Sam olha para Henri, depois para mim. — Vocês parecem que viram um fantasma. Isso significa que eu ganhei? — Onde você ouviu isso?- pergunto. Henri me olha tão ferozmente que desejo ter ficado em silêncio. — Na ―Eles estão entre nós‖. Henri ainda não sabe como responder. Ele abre a boca para falar, mas nada sai. Em seguida, uma pequena mulher atrás de Sam interrompe. — Sam- ela diz. Ele vira-se e olha para ela- Onde você esteve? Sam balança os ombros. — Eu estava bem aqui. Ela suspira, depois diz para Henri: — Olá, sou a mãe de Sam. — Henri- ele diz, e aperta a mão dela- Prazer em te conhecer. Ela arregala os olhos, surpresa. Algo no sotaque de Henri a anima. —Ah bon! Vous parlez francais? C’est super! J’ai personne avec qui je peux parler francais depuislong-temps. (Oh, você fala francês? Isso é ótimo. Faz tempo que não encontro alguém que fale francês.) Henri sorri. — Me desculpe. Eu, realmente, não falo francês, embora eu saiba que meu sotaque soa como francês. — Não?- ela está desapontada- Que droga, eu aqui pensando que alguma dignidade tinha finalmente chegado a essa cidade. Sam olha para mim e revira os olhos. — Tudo bem, Sam, vamos indo- ela diz. Ele encolhe os ombros. — Vocês vão ao parque e ao passeio mal-assombrado? Eu olho para Henri, depois para Sam. — Sim, certamente.- eu digo- Você vai? Ele balança os ombros. — Bem, tente nos encontrar lá então se puder- digo. Ele sorri e assente. — Ok, legal. — Hora de ir, Sam. E acho que não vai dar para você ir ao parque. Preciso da sua ajuda em casa.- a mãe dele diz. Ele começa a dizer algo, mas ela vai embora. Ele a segue. — Uma mulher muito agradável- Henri diz sarcasticamente. — Como você inventou tudo aquilo?- pergunto. A multidão começa a migrar para a rua principal, na direção contrária a

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rotatória. Eu e Henri seguimos para o parque, onde será servida cidra e comida. — Quando você mente por muito tempo, começa a se acostumar a isso. Eu concordo. — Então, o que você acha? Ele inspira profundamente e expira. Está frio o suficiente para que eu possa ver sua respiração. — Não tenho idéia. Não sei o que pensar nesse momento. Ele me pegou desprevenido. — Ele pegou nós dois desprevenidos. — Nós teremos que dar uma olhada na revista de onde ele tirou essa informação, descobrir quem está escrevendo e onde ela está sendo escrita. Ele olha para mim com expectativa. — O quê? — Você vai ter que arranjar uma cópia.- ele diz. — Eu arranjarei- digo- Mas ainda não faz sentido. Como alguém pode saber daquilo? — Essa informação está sendo fornecida de algum lugar. — Você acha que é algum de nós? — Não. — Você acha que são eles? — Pode ser. Eu nunca pensei em checar esses trapos de teorias de conspiração. Talvez, eles pensem que nós lemos isso e que podem nos encontrar se vazarem esse tipo de informação.- ele para, pensando por um minuto- Droga, John, eu não sei. No entanto, temos que olhar isso a fundo. Com certeza, não é coincidência. Nós caminhamos em silêncio, ainda um pouco aturdidos, com possíveis explicações rodando em nossas mentes. Bernie Kosar trota entre nós, com sua língua pendurada e a capa caindo para um lado, arrastando na calçada. Ele é um grande sucesso entre as crianças e muitas delas nos param para afagá-lo. O parque localiza-se na extremidade sul da cidade. Em seu limite ao longe, há dois lagos adjacentes separados por uma estreita faixa de terra que se projeta em uma floresta, localizada atrás dos lagos. O parque possui três campos de baseball, um playground e um grande pavilhão onde voluntários estão servindo cidra e pedaços de torta de abóbora. Três vagões cheios de feno estão ao lado de uma estrada de cascalho, com um grande cartaz onde se lê: MORRA DE MEDO PASSEIOS MAL-ASSOMBRADOS DE HALLOWEEN COMEÇO AO PÔR DO SOL $5 POR PESSOA. A estrada de cascalho torna-se de barro antes de chegar ao bosque, cuja entrada está decorada com recortes de fantasmas e caricaturas de duendes. Parece que o percurso mal-assombrado atravessa o bosque. Olho ao redor, procurando por Sarah, mas não a vejo em lugar nenhum. Me pergunto se ela virá. Eu e Henri entramos no pavilhão. As líderes de torcida estão de um lado, algumas fazendo desenhos de Halloween no rosto das crianças e outras vendendo cupons de rifa para um sorteio a ser realizado às seis horas da tarde. — Oi John- escuto atrás de mim. Viro-me para trás e lá está Sarah, segurando sua câmera- Gostou do desfile?

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Sorrio para ela e deslizo minhas mãos para dentro dos bolsos. Há um pequeno fantasma branco pintado em sua bochecha. — Ei, você- digo- Eu gostei. Acho que estou me acostumando com o charme dessa pequena cidade de Ohio. — Charme? Você quer dizer monotonia, certo? Balanço os ombros. — Não sei, isso aqui não é ruim. — Ei, é o pequeno garoto da escola. Me lembro de você- ela diz, curvando-se para afagar Bernie Kosar. Ele balança seu rabo descontroladamente, pula e tenta lamber o rosto dela. Sarah ri. Olho por cima do meu ombro. Henri está a seis metros de distância, conversando com a mãe de Sam em uma das mesas de piquenique. Estou curioso para saber sobre o que estão falando. — Acho que ele gosta de você. O nome dele é Bernie Kosar. — Bernie Kosar? Isso não é nome para um cachorro adorável. Olhe para essa capa. Tão fofa. — Sabe, se você ficar elogiando tanto ele, vou começar a ter ciúmes do meu próprio cachorro.- digo. Ela sorri e se põe de pé. — Então, você vai comprar uma rifa minha ou não? É para reconstruir um abrigo para animais, de uma organização sem fins lucrativos, que foi destruído em um incêndio no mês passado no Colorado. — Sério? Como uma garota de Paraíso, em Ohio, descobriu um abrigo para animais no Colorado? — É da minha tia. Convenci todas as líderes de torcida a participar. Nós faremos uma viagem e auxiliaremos na construção. Estaremos ajudando os animais e tendo folga da escola aqui em Ohio por uma semana. É uma situação em que se une o útil ao agradável. Eu imagino Sarah usando um capacete, segurando um martelo. Esse pensamento traz um sorriso para meu rosto. — Então você está me dizendo que terei que cozinhar sozinho por uma semana inteira?- finjo um suspiro exasperado e balanço minha cabeça- Não sei se posso apoiar essa viagem agora, mesmo sendo pelos animais. Ela ri e dá um soco em meu braço. Pego minha carteira e dou a ela cinco dólares por seis cupons. — Esses seis darão boa sorte- ela diz. — Darão? — Claro. Você os comprou de mim, bobo. Nesse momento, por cima do ombro de Sarah, eu vejo Mark e o resto dos garotos do carro alegórico entrar no pavilhão. — Você vai ao passeio mal-assombrado esta noite?- Sarah pergunta. — Sim, eu estava pensando sobre isso. — Você deveria ir, é divertido. Todo mundo vai. E é realmente muito assustador. Mark vê eu e Sarah conversando e fecha a cara. Ele vem caminhando em nossa direção. A mesma roupa de sempre- jaqueta do time, calça jeans, cabelo cheio de gel. —Você vai?- pergunto para Sarah. Antes dela poder responder, Mark interrompe: — Gostou do desfile, John?- ele pergunta. Sarah rapidamente se vira e o encara.

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— Gostei muito.- respondi. — Você vai ao passeio mal-assombrado essa noite ou tem muito medo? Sorrio para ele. —Pra falar a verdade, eu vou. — Você vai ter um colapso como na escola e fugir do bosque chorando feito um bebê? — Não seja idiota, Mark- Sarah diz. Ele olha para mim, fervendo por dentro. Com a multidão ao nosso redor, não há nada que ele possa fazer sem criar uma cena- e, de qualquer forma, não acho que ele faria algo. — Tudo em seu tempo apropriado- Mark diz. — É isso que você acha? —O que é seu está chegando.- ele diz. — Isso pode ser verdade- eu digo- Mas não virá de você. — Parem!- Sarah grita. Ela se coloca entre nós, empurrando-nos com as mãos. As pessoas estão olhando. Ela olha ao redor, envergonhada por estarmos chamando atenção, e em seguida, fecha a cara inicialmente para Mark e depois para mim. — Bem, obrigada. Vocês, garotos, briguem se é o que querem fazer. Boa sorte com isso.- Sarah diz, se vira e vai para longe. Observo ela partir. Mark não. — Sarah- eu chamo, mas ela continua andando e desaparece ao sair do pavilhão. — Em breve- Mark diz. Olho de volta para ele. — Duvido. Ele volta para seu grupo de amigos. Henri vem em minha direção. — Não acho que ele estava perguntando da lição de casa de matemática de ontem, estava? — Quase- digo. — Eu não me preocuparia com ele- Henri diz- Ele parece ser do tipo que só fala. — Não estou preocupado- digo, e depois olho para o local onde Sarah desapareceu.- Devo ir atrás dela?- pergunto e olho para ele, suplicando para a parte dele que uma vez foi casada e se apaixonou, a parte que ainda sente saudades da esposa todos os dias e não para a parte dele que quer me manter a salvo e escondido. Ele confirma com a cabeça. — Sim- ele diz com um suspiro- Por mais que eu odeie admitir, você provavelmente deve ir atrás dela. Capítulo 13 CRIANÇAS CORRENDO, GRITANDO, NOS ESCORREGADORES E NAS BARRAS DE FERRO. Cada criança com uma sacola de doces em sua mão e com a boca cheia de doces também. Crianças vestidas como personagens de desenhos animados, monstros, vampiros ou fantasmas. Todos os habitantes de Paraíso devem estar no parque, nesse momento. E no meio de toda essa loucura, eu vejo Sarah, sentada sozinha e lentamente se impulsionando em um balanço. Eu traço meu caminho entre gritos e guinchos. Quando Sarah me vê, ela sorri; seus grandes olhos azuis parecendo faróis. — Precisa de um empurrão?- pergunto.

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Ela inclina a cabeça para o balanço ao seu lado e eu sento. — Tudo bem?- pergunto. — Sim, estou bem. Ele apenas me desgasta. Sempre agindo de forma tão agressiva e se achando tão importante quando está com os amigos. Ela gira no balanço até que a corda fique bem esticada, depois levanta os pés e roda, inicialmente devagar, mas depois ganhando velocidade. Ela ri o tempo todo, com seu cabelo loiro voando atrás dela. Faço a mesma coisa. Quando o balanço finalmente para, o mundo continua girando. — Onde está Bernie Kosar? — Deixei-o com Henri- eu digo. —Seu pai? —Sim, meu pai.- eu estou constantemente fazendo isso, chamando Henri pelo nome quando eu deveria dizer: ―pai‖. A temperatura está diminuindo rapidamente, e as articulações da minha mão segurando as correntes do balanço estão ficando brancas e frias. Nós observamos as crianças correndo enlouquecidas ao nosso redor. Sarah olha para mim e seus olhos parecem mais azuis do que nunca na luz do crepúsculo. Nosso olhar permanece fixo, um apenas olhando para o outro, nenhuma palavra sendo dita, mas muito se passando entre nós. As crianças parecem desaparecer ao fundo. Daí, ela sorri timidamente e olha para longe. — Então, o que você vai fazer?- pergunto. — Sobre o quê? — Mark. Ela encolhe os ombros. — O que posso fazer? Eu já terminei com ele. Sempre digo para ele que não estou interessada em voltarmos a ficar juntos. Eu assinto. Não estou certo de como responder a isso. — Mas, de qualquer forma, eu provavelmente deveria tentar vender o resto desses cupons. Falta somente uma hora para a rifa. — Você quer alguma ajuda? — Não, tudo bem. Você tem que se divertir. Bernie Kosar provavelmente está sentindo sua falta agora. Mas você, definitivamente, tem que ir ao passeio malassombrado. Talvez nós possamos ir juntos, ok? — Vamos.- eu digo. Uma felicidade floresce dentro de mim, mas tento mantê-la escondida. — Vejo você daqui a pouco. — Boa sorte com os cupons. Ela estende o braço, pega minha mão e a segura por uns três segundos. Depois ela a solta, pulado balanço e sai apressada. Sento no balanço dela, balançando-me suavemente, aproveitando o vento que eu não sentia a muito tempo, porque passamos o último inverno na Florida e o penúltimo no Texas. Quando volto para o pavilhão, Henri está sentado em uma mesa de piquenique, comendo um pedaço de torta, com Bernie Kosar deitado aos seus pés. — Como foi? — Bom- eu digo com um sorriso. Vindos de algum lugar, fogos de artifício alaranjados e azuis sobem e explodem no céu. Isso me faz pensar em Lorien e nos fogos de artifício que vi no dia da invasão.

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— Você pensou mais um pouco sobre a segunda nave que eu vi? Henri olha ao redor para certificar-se que não há ninguém escutando. Nós temos uma mesa de piquenique apenas para nós, posicionada numa extremidade distante da multidão. — Um pouco. No entanto, ainda não faço idéia do que isso significa. — Você acha que ela pode ter vindo para cá? — Não. Não seria possível. Se ela funcionava com combustível, não poderia ter viajado tão longe sem reabastecer. Sento-me por um momento. —Gostaria que pudesse. — Pudesse o quê? — Ter vindo para cá, conosco. — É um belo desejo- Henri diz. Uma hora mais ou menos se passou e eu vejo os jogadores de futebol, com Mark na frente, caminhando na grama. Eles estão vestidos de múmias, zumbis, fantasmas, sendo vinte-e-cinco no total. Eles sentam-se nas arquibancadas do campo de futebol mais próximo e as líderes de torcida que estavam pintando o rosto das crianças, começaram a maquiar Mark e seus amigos para completar suas fantasias. Somente nesse momento, percebo que Mark e seus amigos serão aqueles que assustarão no passeio mal-assombrado, aqueles que nos esperarão no bosque. — Viu aquilo?- pergunto para Henri. Henri olha para eles todos e assente, depois pega seu café e toma um grande gole. — Você está pensando se ainda deve ir ao passeio?- ele pergunta. — Não- eu digo- Eu vou de qualquer jeito. — Imaginei que iria. Mark está vestido como uma espécie de zumbi, vestindo roupas pretas esfarrapadas, maquiagem preta e cinza no rosto com manchas vermelhas em lugares aleatórios para simular sangue. Quando sua fantasia está completa, Sarah vai em sua direção e diz algo. A voz dele se eleva, mas não consigo escutar o que ele está dizendo. Seus movimentos são agitados e ele fala tão rápido que posso supor que ele está tropeçando em suas próprias palavras. Sarah cruza os braços e balança a cabeça para ele. O corpo dele fica tenso. Me endireito para levantar, mas Henri segura meu braço. — Não- ele diz- Ele apenas está a afastando ainda mais. Olho para eles e desejo mais do que tudo ouvir o que está sendo dito, mas há muitas crianças gritando em volta para que eu possa me concentrar. Quando a gritaria pára, eles estão olhando um para o outro, Mark com uma cara fechada cheia de dor e Sarah com um sorriso incrédulo. Em seguida, ela balança a cabeça e se vai. Olho para Henri. — O que devo fazer agora? — Nada- ele diz- nada. Mark caminha de volta para seus amigos, com a cabeça baixa, carrancudo. Alguns deles olham em minha direção. Sorrisos afetados aparecem. Depois, eles começam a caminhar para a floresta. Numa marcha lenta e metódica, vinte-e-cinco garotos fantasiados desaparecem na distância. Para matar o tempo, eu caminho de volta para o centro da cidade com Henri e nós jantamos no Hungry Bear. Quando voltamos para o parque, o sol já se pôs

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e o primeiro trailer com feno empilhado, puxado por um trator verde, está sendo levado para o bosque. A multidão se dispersou consideravelmente e as pessoas restantes são alunos do ensino-médio e adultos espirituosos, que totalizam mais ou menos cem pessoas. Procuro por Sarah entre elas, mas não a vejo. O próximo trailer parte em dez minutos. De acordo com o panfleto, o passeio inteiro dura meia hora; o trator atravessa o bosque lentamente, gerando expectativas, depois pára e os ocupantes do trailer descem e seguem uma trilha diferente à pé, momento no qual os sustos começam. Eu e Henri permanecemos em um local abaixo do pavilhão e eu novamente olho a longa fila de pessoas esperando sua vez. Ainda não a vejo. Nesse momento, meu celular vibra no meu bolso. Não consigo me lembrar da última vez que meu telefone tocou sem ser o Henri me ligando. No identificador de chamadas se lê SARAH HART. A agitação percorre meu corpo. Ela deve ter adicionado meu número em seu celular no mesmo dia em que adicionou o número dela no meu. — Alô?- eu digo. — John? — Sim. — Oi, é a Sarah. Você ainda está no parque?- ela diz. Ela soa como se sua ligação para mim fosse normal, como se eu não devesse pensar duas vezes sobre ela já ter o meu número mesmo eu nunca tendo o dado para ela. — Sim. — Ótimo! Vou estar de volta em cinco minutos. Os passeios já começaram? — Sim, alguns minutos atrás. — Você não foi ainda, foi? — Não. — Ah, legal! Me espere para irmos juntos. — Sim, com certeza.- eu digo- O segundo está para sair. — Perfeito! Estarei aí a tempo para o terceiro. — Vejo você, então. Eu desligo, com um enorme sorriso no rosto. — Seja cuidadoso lá- Henri diz. —Serei. Nesse momento paro e tento trazer leveza a minha voz. — Você não precisa ficar por aqui. Com certeza, posso arranjar uma carona para casa. — Estou desejando permanecer e poder viver nessa cidade, John. Mesmo sendo, provavelmente, mais esperto da nossa parte ir embora depois das coisas que já aconteceram. Mas você vai ter que me ver no meio das suas coisas. E essa é uma delas. Não gosto nenhum pouco do modo como aqueles garotos te olharam mais cedo. Eu assinto. — Ficarei bem.- eu digo. —Tenho certeza que sim. Mas em todo o caso, estarei bem aqui esperando. Eu suspiro. — Tudo bem. Sarah surge cinco minutos depois com uma amiga bonita que eu já tinha visto antes, mas a quem nunca fui apresentado. Ela tinha trocado de roupa. Estava com uma calça jeans, um suéter de lã e uma jaqueta preta. Ela tinha limpado a pintura de fantasma da sua bochecha direita e seu cabelo está solto, caindo

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sobre seus ombros. — Ei, você- ela diz. — Oi. Ela envolve seus braços ao meu redor, numa tentativa de abraço. Posso sentir o perfume vindo do seu pescoço. Depois ela se afasta. — Olá, pai do John- ela diz para Henri- Essa é minha amiga, Emily. — Prazer em conhecê-las.- Henri diz- Então vocês vão partir para o terror desconhecido? — Pode apostar que sim- Sarah diz.- Vai ficar tudo bem com esse daqui lá? Não quero ele ficando apavorado.- Sarah diz para Henri, apontando para mim com um sorriso. Henri ri e posso dizer que ele já gosta de Sarah. — É melhor você ficar por perto em todo o caso. Ela olha por cima de seu ombro. O terceiro trailer está um quarto cheio. — Manterei ele em segurança.- ela diz- É melhor nós irmos. — Se divirtam- Henri diz. Sarah me surpreende ao segurar minha mão e nós três andamos depressa para o vagão de feno localizado a uns cem metros do pavilhão. Há uma fila de mais ou menos trinta pessoas. Nós entramos no fim dela e começamos a conversar, embora eu esteja com um pouco de vergonha e na maior parte do tempo apenas escuto as duas garotas conversando. Enquanto estamos esperando, vejo Sam pairando ao nosso lado como se estivesse ponderando se deveria ou não se aproximar. — Sam!- eu grito com mais entusiasmo do que pretendia. Ele tropeça- Quer vir ao passeio conosco? Ele dá de ombros. — Vocês se importam? — Venha- Sarah diz e acena para ele entrar na fila. Ele fica próximo a Emily, que sorri para ele. Ele imediatamente começa a corar e eu fico muito feliz com o fato dele ir conosco. De repente, um garoto segurando um radiocomunicador vem em nossa direção. Reconheço-o do time de futebol. — Oi, Tommy- Sarah diz para ele. — Oi- ele diz.- Têm quatro lugares vagos nesse trailer. Vocês querem ir? — Sério? — Sim. Saímos da fila e entramos no trailer, onde nós quatro sentamos juntos em um fardo de feno. Acho estranho Tommy não ter pedido nossos bilhetes. Também estou curioso para saber por que ele nos deixou furar completamente a fila. Algumas das pessoas esperando nos olham com desaprovação. Não posso dizer que as culpo. — Aproveitem o passeio- Tommy diz com uma risada do tipo que vejo as pessoas usarem quando algo de ruim acontece com quem elas desprezam. — Isso foi estranho- eu digo. Sarah dá de ombros. — Ele provavelmente tem uma queda pela Emily. — Meu Deus, espero que não.- Emily diz e depois coloca a mão sobre a boca. Observo Tommy de onde estou. O trailer está apenas metade cheio, o que é outra coisa que acho estranha uma vez que há muitas pessoas esperando. O trator nos puxa, dando solavancos ao longo do caminho e anda em direção a entrada do bosque, na qual pessoas escondidas emitem sons desagradáveis.

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A mata é densa e nenhuma luz penetra nela a não ser aquela proveniente da frente do trator. Uma vez que não tivermos essa luz, eu penso, não haverá nada além da escuridão. Sarah segura minha mão novamente. Ela está fria ao toque, mas uma sensação de calor me inunda. Ela se inclina para mim e sussurra: — Estou um pouco assustada. Imagens de fantasmas surgem dos arbustos mais baixos e fora da trilha, zumbis fazendo caretas se inclinam nas árvores. O trator pára e seu farol se apaga. Em seguida, o farol pisca intermitentemente por dez segundos. Não há nada assustador nisso e somente quando ele pára, entendo seu propósito: nossos olhos demoram alguns segundos para se acostumar e não conseguimos ver nada. Um grito atravessa a noite e Sarah se encosta em mim a medida que algo paira ao nosso redor. Mantenho meus olhos semicerrados para tentar enxergar e vejo que Emily se moveu para perto de Sam, e que ele está com um sorriso enorme. Eu, na realidade, também estou um pouco assustado. Coloco meu braço cuidadosamente ao redor de Sarah. Uma mão roça em nossas costas e Sarah agarra firmemente a minha perna. Alguns outros gritos. Com uma sacudida, o trator volta a funcionar e continua a moverse para a frente; não vemos nada além dos contornos das árvores iluminados pela sua luz. Nos movemos por mais três ou quatro minutos. A expectativa aumenta, assim como o medo premente de ter que caminhar de volta toda a distância que já percorremos. Em seguida, o trator chega a uma clareira circular e pára. — Todos para fora- o motorista grita. Quando a última pessoa sai, o trator vai embora. Sua luz diminui à distância e depois desaparece, não deixando nada além da noite e nenhum som além dos que nós mesmos produzimos. — Merda- alguém diz, e todos nós rimos. No total, somos onze. Uma luz se acende, nos mostrando o caminho, depois se apaga. Fecho meus olhos para me concentrar na sensação dos dedos de Sarah entrelaçados nos meus. — Não sei por que faço isso todo ano- Emily diz nervosa, com seus braços cruzados em torno de si. As outras pessoas começaram a trilha e nós a seguimos. Algumas luzes piscam ocasionalmente para nos manter no caminho. Os outros estão muito a frente, de maneira que não podemos vê-los. Eu mal consigo ver o chão aos meus pés. Três ou quatro gritos, repentinamente, soam a nossa frente. — Ah, não- Sarah diz e aperta minha mão- Parece que há problemas a frente. Nesse momento, algo pesado cai sobre nós. As duas garotas gritam e Sam grita em seguida. E tropeço e caio no chão, ralando o joelho, emaranhado em seja lá que droga de coisa. Percebo, então, que é uma rede! — Que droga é essa?- Sam grita. Eu rasgo o fio retorcido, mas no segundo em que estou livre, sou empurrado com força. Alguém me agarra e me arrasta para longe das garotas e de Sam. Me liberto e me levanto, mas imediatamente sou novamente atingido por trás. Isso não faz parte do passeio. — Me largue- uma das garotas grita. Um homem ri em resposta. Não consigo ver nada. As vozes das garotas estão ficando cada vez mais distantes de mim. — John?- Sarah chama.

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— Onde você está, John?- Sam grita. Vou em direção a eles, mas sou novamente golpeado. Não, isso não está certo. Sou derrubado. Não sinto mais o vento, quando caio no chão. Levantome rapidamente e tento recuperar o fôlego, segurando em uma árvore como apoio. Retiro a sujeira e as folhas da minha boca. Fico lá por alguns segundos e não escuto um único som além da minha própria respiração forçada. Justo no momento em que acho que fui deixado sozinho, alguém me empurra com os ombros e eu vôo para a árvore mais próxima. Minha cabeça bate contra o tronco e por um momento vejo estrelas. Estou surpreso com a força da pessoa. Coloco a mão em minha testa e sinto sangue em meus dedos. Olho ao redor novamente, mas não consigo ver nada além do contorno das árvores. Ouço o grito de uma das meninas, seguido pelo som de luta. Cerro meus dentes. Estou tremendo. Há pessoas escondidas nas árvores ao meu redor? Não sei dizer. Mas eu sinto um par de olhos em mim, vindo de algum lugar. — Me larga- Sarah grita. Ela está sendo arrastada para longe, posso dizer que para bem longe. — Ok- eu digo para a escuridão, para as árvores. A raiva percorre meu corpo.- Você quer jogar?- eu digo, mais alto dessa vez. Alguém ri próximo a mim. Dou um passo em direção ao som. Sou empurrado novamente, mas recupero o equilíbrio antes de cair. Lanço um soco a cegas e as costas da minha mão raspam na casca de uma árvore. Não há nada a fazer. Qual a vantagem em ter os Legados se eles nunca podem ser usados quando necessário? Mesmo se isso significar que eu e Henri teremos que carregar o caminhão essa noite e fugir para outra cidade, no mínimo terei feito o que eu precisava fazer. — Você quer jogar?- grito novamente.- Eu posso jogar também! Um filete de sangue escorre pelo lado do meu rosto. Ok, eu penso, vou fazer isso. Eles podem fazer o que quiserem comigo, mas eles não vão arrancar um único fio de cabelo da Sarah. Ou do Sam. Ou da Emily. Respiro profundamente e a adrenalina percorre meu corpo. Um sorriso malicioso toma forma e meu corpo parece ficar maior, mais forte. Minhas mãos se acendem e o brilho ilumina a noite; o mundo, de repente, flameja. Olho ao redor. Movo minhas mãos em direção as árvores e corro pela noite. Capítulo 14

KEVIN SAI DE TRÁS DAS ÁRVORES, VESTIDO DE MÚMIA. Foi ele quem me atacou. As luzes o desorientam e ele parece confuso, tentando descobrir de onde elas estão vindo. Ele está usando óculos de visão noturna. Então, essa é a razão pela qual eles são capazes de nos ver, eu penso. Onde eles os arranjaram? Ele investe contra mim e no último segundo eu desvio do seu ataque e dou uma rasteira nele. — Me largue- eu ouço vindo da trilha. Eu olho ao redor e balanço minhas luzes por entre as árvores, mas nada se movimenta. Não sei dizer se a voz é de Sarah ou de Emily. Uma risada de homem a acompanha. Kevin tenta se levantar, mas eu chuto o lado do seu corpo antes que ele se ponha de pé. Ele cai novamente no chão com um ―Ummpf‖. Eu tiro os óculos de seu rosto e os jogo o mais longe possível, sabendo que eles aterrissarão no mínimo a um quilometro e meio de distância, ou talvez três ou cinco quilômetros, pois estou tão irado que não consigo controlar minha força. Em

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seguida, corro pelo bosque antes de Kevin conseguir sentar-se. A trilha vira para a esquerda, depois para a direita. Minhas mãos se iluminam apenas quando preciso enxergar. Sinto que estou perto. Logo depois, vejo Sam a frente, em pé, com os braços de um zumbi ao seu redor. Três outros zumbis estão por perto. O zumbi o solta. — Relaxe, nós estamos apenas brincando. Se você não resistir, não iremos te machucar- ele diz para Sam- Sente-se ou algo do tipo. Eu ilumino minhas mãos e pisco as luzes nos olhos deles, a fim de cegá-los. A pessoa mais próxima vem em minha direção; eu me viro e bato na lateral do seu rosto, fazendo-o cair imóvel no chão. Seus óculos caem no meio de um arbusto crescido e desaparecem. A segunda pessoa tenta me agarrar em um abraço de urso, mas eu me livro de seu aperto e o derrubo no chão. — Que merda está acontecendo?- ele diz, confuso. Eu o empurro e ele bate contra uma arvore a seis metros de distância. O terceiro rapaz vê isso e foge. Apenas sobra o quarto, aquele que estava segurando Sam. Ele levanta suas mãos como se eu tivesse apontando uma arma para seu peito. — Isso não foi idéia minha- ele diz. — O que ele planejou? — Nada, cara. Nós apenas queríamos fazer uma brincadeira com vocês, assustá-los um pouco. — Onde eles estão? — Eles deixaram Emily ir. Sarah está na trilha, um pouco a frente. — Me dê seus óculos.- eu digo. — De jeito nenhum, cara. Eles foram emprestados da polícia. Vou me meter em confusão. Caminho em direção a ele. — Tudo bem- ele diz. Ele os tira e os estende para mim. Eu os lanço com mais força ainda do que joguei os últimos. Espero que eles aterrissem na cidade mais próxima. Deixe que eles expliquem isso para a polícia. Seguro a camisa de Sam com minha mão direita. Não consigo ver nada sem acender minhas luzes. Somente nesse momento percebo que deveria ter ficado com os dois óculos para podermos usá-los. Mas não fiquei, então respiro profundamente e deixo minha mão esquerda se acender e começar a nos guiar no caminho. Se Sam acha isso suspeito, ele não se manifesta. Paro para escutar. Nada. Nós continuamos em frente, caminhando por entre as árvores. Desligo a luz. — Sarah- eu grito. Paro para escutar e não ouço nada além do vento balançando os arbustos e da respiração pesada de Sam. — Quantas pessoas estão com Mark?- pergunto. — Cinco, mais ou menos. — Você sabe em que direção eles foram? — Eu não vi. Nós continuamos e eu não tenho idéia em que direção estamos indo. Longe, escuto o rugido do motor do trator. O quarto passeio está começando. Me sinto agitado por dentro e quero correr, mas sei que Sam não pode me acompanhar. Ele já está respirando com dificuldade e mesmo que eu esteja suando, a temperatura é de apenas 7ºC. Ou talvez eu esteja confundindo sangue com

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suor. Não sei dizer. A medida que passamos por uma grande arvore com tronco nodoso, sou agarrado por trás. Sam grita no momento em que um soco me acerta na parte de trás da cabeça e eu fico momentaneamente atordoado, mas, em seguida, eu giro e seguro o garoto pela garganta e ilumino seu rosto. Ele tenta afastar meus dedos, mas é inútil. — O que Mark está planejando? — Nada- ele diz. — Resposta errada. Eu o empurro em direção a árvore mais próxima a um metro e meio, depois o seguro e o levanto, tirando seus pés do chão, com minha mão novamente em seu pescoço. Suas pernas chutam descontroladamente, me acertando, mas eu contraio meus músculos de maneira que os chutes não produzam nenhum dano. — O que ele está planejando fazer? Eu o abaixo até que seus pés toquem o chão sólido, afrouxando meu aperto para que ele possa falar. Sinto que Sam está ouvindo, absorvendo isso tudo, mas não há nada que eu possa fazer a esse respeito. — Nós apenas queríamos assustar vocês- ele arfa. — Eu juro que vou te quebrar no meio, se você não me disser a verdade. — Ele acha que os outros estão arrastando vocês dois para as corredeiras Shepherd. É pra onde ele levou Sarah. Ele queria que ela o visse batendo em você, e depois ele deixaria você ir. — Me leve pra lá.- eu digo. Ele tropeça para a frente e eu apagoi minhas luzes. Sam segura em minha camisa e segue atrás de nós. Enquanto caminhamos por uma pequena clareira iluminada pela luz da lua, posso ver que ele está olhando para minhas mãos. — São luvas- eu digo- Kevin Miller estava usando-as. Algum tipo de objeto de Halloween. Ele assente, mas posso dizer que ele está em pânico. Caminhamos por aproximadamente um minuto até que ouvimos o som de água correndo bem a nossa frente. — Me dê seus óculos- digo para o garoto que está nos guiando. Ele hesita e eu torço seu braço. Ele se contorce de dor e rapidamente os tira de seu rosto. — Pegue-os, pegue-os.- ele grita. Quando eu os coloco, o mundo se transforma em uma sombra verde. Empurro o garoto fortemente e ele cai no chão. — Venha- eu digo para Sam, e nós seguimos para a frente, deixando o garoto para trás. A frente, vejo o grupo. Eu conto oito garotos, e mais a Sarah. — Posso vê-los agora. Você quer esperar aqui ou vir comigo? A coisa pode ficar feia. — Quero ir.- Sam diz. Posso dizer que ele está com medo, embora eu não saiba se é por causa do que ele me viu fazer ou por causa dos jogadores de futebol a nossa frente. Eu ando o resto do caminho o mais silenciosamente que eu posso, com Sam na ponta dos pés atrás de mim. Quando estamos a poucos metros, Sam tropeça em um galho. — John?- Sarah pergunta. Ela está sentada em uma grande pedra com seus

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joelhos encostados no peito e seus braços em torno de si. Ela não está usando óculos e vagueia o olhar em nossa direção. — Sim- eu digo- E Sam. Ela sorri. — Eu disse pra você- ela fala, e eu suponho que ela esteja se dirigindo a Mark. A água que eu ouvi não é nada além de um riacho balbuciante. Mark vem em minha direção. — Ok, ok, ok- ele diz. — Cala a boca, Mark- eu digo- Estrume no meu armário é uma coisa, mas você foi longe demais agora. — Você acha? São oito contra dois. — Sam não tem nada a ver com isso. Você tem medo de me enfrentar sozinho?- eu digo- O que você estava esperando que acontecesse? Você tentou seqüestrar duas pessoas. Você realmente acha que eles ficarão em silêncio? — Sim, eu acho. Quando elas me verem chutando seu traseiro. — Você está delirando- eu digo, e me viro para os outros- Para aqueles de vocês que não quiserem cair na água, sugiro que vão embora agora. Mark vai cair, não importa o que fizerem. Ele perdeu a chance de permutar. Todos eles riem. Um deles pergunta o que ―permutar‖ significa. — Agora é a última chance de vocês- eu digo. Todos eles permanecem firmes. — Que seja.- eu digo. Uma agitação nervosa se instala no meio do meu peito. A medida que eu dou uma passo em direção a Mark, ele caminha para trás e tropeça em seus próprios pés, caindo no chão. Dois garotos vem em minha direção, ambos maiores que eu. Um se lança contra mim, mas eu evito seu soco e bato em sua barriga. Ele se dobra, com as mãos segurando o estômago. Empurro o segundo garoto e seus pés deixam o chão. Ele aterrissa com um baque a um metro e meio, e o impulso o lança na água. Ele se levanta, chapinhando. Os outros permanecem parados, chocados. Sinto que Sam move-se em direção a Sarah. Agarro o primeiro cara e o arrasto pelo chão. Ele chuta o ar errantemente, mas não acerta em nada. Quando chegamos a margem do riacho, eu o levanto pelo cós da calça jeans e o jogo na água. Outro cara investe contra mim. Eu meramente me esquivo e ele cai de cara no riacho. Três já foram, faltam quatro. Me pergunto quanto Sarah e Sam podem ver sem os óculos. — Caras, vocês estão fazendo isso muito fácil para mim- eu digo- Quem é o próximo? O maior do grupo me dá um soco que nem chega perto de me acertar, embora eu o oponha tão rapidamente que seu cotovelo me acerta o rosto e os óculos saiam do meu rosto. Os óculos caem no chão. Agora, posso ver apenas sombras. Dou um soco e acerto o garoto na boca; ele cai no chão como um saco de batatas. Ele parece sem vida, e eu temo ter batido muito forte nele. Tiro os óculos de seu rosto e os coloco. -- Outros voluntários? Dois deles mantêm as mãos levantadas em sinal de rendição; o terceiro permanece com a boca aberta parecendo um idiota. -- Sobrou você, Mark Mark vira-se, como se pretendesse correr, mas eu me precipito para a frente e

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o seguro antes que ele possa fugir, puxando seus braços e exercendo pressão sobre sua nuca. Ele se contorce de dor. -- Isso acaba agora, você me entende? Eu aperto mais forte e ele grunhe de dor. -- Seja o que for que você tenha contra mim, esqueça agora. Isso inclui Sam e Sarah. Você entende? Aperto ainda mais forte. Temo que se apertar mais, seu ombro saia do lugar. -- Eu disse, você me entende? -- Sim! Eu o arrasto até Sarah. Sam está sentado na pedra ao lado dela agora. -- Peça desculpas! -- Que isso, cara. Você já venceu. Aperto mais forte. -- Me desculpe!- ele grita. -- Fale como se realmente se importasse. Ele respira profundamente. -- Me desculpe- ele diz. -- Você é um imbecil, Mark- Sarah diz, e dá um tapa forte no rosto dele. Ele se estica, mas estou o segurando firme e não há nada que ele possa fazer. Arrasto ele para a água. O resto dos garotos permanece assistindo em choque. O garoto que eu havia derrubado está sentado, coçando a cabeça, como se estivesse tentando entender o que aconteceu. Suspiro de alivio por ele não estar machucado muito seriamente. --Você não vai dizer uma palavra sobre isso, me entende?- eu digo com a voz baixa para apenas Mark ouvir- Tudo o que aconteceu essa noite, morre aqui. Juro, se eu ouvir alguma palavra a esse respeito na escola na próxima semana, isso não será nada comparado ao que acontecerá com você. Você me entende? Nem uma única palavra. -- Você realmente acha que eu diria alguma coisa?- ele pergunta. -- Certifique-se que seus amigos farão o mesmo. Se eles disserem uma única palavra, vou atrás de você. -- Nós não diremos nada- ele fala. Eu o solto, coloco meu pé em sua bunda e o empurro de cara para a água. Sarah está na pedra com Sam ao seu lado. Ela me abraça forte quando chego perto dela. -- Você sabe kung fu ou algo do tipo?- ela pergunta. Eu rio, nervoso. -- Você conseguiu ver muito? -- Não muito, mas eu sei o que aconteceu. Quer dizer, você treinou nas montanhas sua vida inteira ou o quê? Não entendo como você fez aquilo. -- Eu apenas estava com medo que algo acontecesse com você, eu acho. E sim, há um passado de vinte anos em treinamento intenso de artes marciais no Himalaia. -- Você é surpreendente- Sarah ri- Vamos sair daqui. Nenhum dos garotos disse uma palavra para nós. Depois de três metros, percebo que não tenho idéia para onde estou indo, então dou os óculos para Sarah nos guiar no caminho. -- Eu não consigo acreditar nessa merda- Sarah diz- Quer dizer, que imbecil! Espere até eles terem que explicar isso para a polícia. Não vou deixar eles escaparem dessa.

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-- Você realmente vai a policia? O pai de Mark é o xerife, afinal. – eu digo. -- Por que eu não levaria isso a diante? Bobagem! O emprego do pai de Mark é aplicar a lei, mesmo quando seu próprio filho a quebra. Balanço os ombros na escuridão. -- Acho que eles já foram punidos. Mordo meu lábio, aterrorizado com a idéia de ter a polícia envolvida. Se eles aparecerem, terei que partir, não tem jeito. Nós já teremos carregado o caminhão e partido para outra cidade, dentro de uma hora se Henri tomar conhecimento disso. Eu suspiro. -- Você não acha?- pergunto- Quer dizer, eles já perderam a maior parte dos óculos de visão noturna. Eles terão que explicar isso. Para não mencionar a água extremamente gelada. Sarah não diz nada. Nós caminhamos em silêncio e eu rezo para ela estar considerando os méritos de deixar isso passar. Finalmente, o fim do bosque chega a nosso campo de visão. A luz vinda do parque nos alcança. Quando paro, Sarah e Sam olham para mim. Sam caminhou em silêncio o tempo todo e eu espero que seja porque ele não pôde ver realmente o que acontecia; a escuridão, pelo menos uma vez, servindo como uma aliada inesperada; ou que talvez ele ainda esteja um pouco abalado com tudo. -- Isso é com vocês- eu digo- mas, eu sou a favor de deixar esse assunto morrer. Eu realmente não quero ter que falar com a policia sobre o que aconteceu. As luzes caem sobre o rosto incrédulo de Sarah. Ela balança a cabeça. -- Eu acho que ele está certo- Sam diz- Não quero ter que sentar e escrever uma declaração estúpida pela próxima meia hora. Eu ficarei encrencado; minha mãe pensa que eu fui para a cama a uma hora atrás. -- Você mora perto daqui?- pergunto. Ele confirma. -- Sim, e eu vou embora antes que ela vá olhar meu quarto. Vejo vocês por aí. Sem outras palavras, Sam sai rápido. Ele está claramente agitado. Provavelmente, ele nunca esteve em uma briga antes e certamente ele nunca havia sido seqüestrado e atacado no bosque. Tentarei conversar com ele amanhã. Se ele viu algo que não devia, o convencerei que seus olhos pregaram peças nele. Sarah vira meu rosto em sua direção e segue a linha do meu machucado com o polegar, movendo-o muito suavemente pela minha testa. Depois, ela passa o dedo pelas minhas sobrancelhas, olhando em meus olhos. -- Obrigada por hoje a noite. Eu sabia que você apareceria. Balanço os ombros. -- Eu não deixaria ele te assustar. Ela sorri e eu posso ver seus olhos brilhando na luz da lua. Ela se aproxima e quando eu percebo o que está para acontecer, minha respiração fica presa na garganta. Ela pressiona seus lábios nos meus e tudo dentro de mim parece ruborizar. É um beijo suave, duradouro. Meu primeiro. Depois ela se afasta e seus olhos me observam. Eu não sei o que dizer. Um milhão de pensamentos diferentes passam pela minha cabeça. Sinto minhas pernas tremerem eu quase não sou capaz de permanecer de pé. -- Eu soube que você era especial desde a primeira vez que te vi- ela diz. -- Senti o mesmo por você.

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Ela se estica e me beija de novo; sua mão tocando levemente minha bochecha. Nos primeiros segundos, me perco na sensação de seus lábios nos meus e no pensamento que eu estou com essa linda garota. Ela se afasta e nós dois sorrimos um para o outro, não dizendo nada, olhando um nos olhos do outro. -- Bem, acho que é melhor vermos se Emily ainda está aqui- Sarah diz após dez segundos- Ou então estarei abandonada. -- Tenho certeza que ela está- digo. Nós caminhamos de mãos dadas até o pavilhão. Não consigo parar de pensar em nossos beijos. O quinto trator faz barulho ao longo da trilha. O trailer está cheio e ainda há uma fila de dez pessoas mais ou menos esperando sua vez. Depois de tudo que aconteceu no bosque, com a mão quente de Sarah na minha, o sorriso não deixa meu rosto. Capítulo 15 A PRIMEIRA NEVASCA CAI DUAS SEMANAS DEPOIS. Uma pequena quantidade de neve, apenas suficiente para cobrir o caminhão com uma camada fina. Logo depois do Halloween, uma vez que o cristal Loric espalhou o Lumen por todo o meu corpo, Henri começou meu treinamento real. Nós trabalhamos todos os dias, sem falta, passando pelo clima frio e chuva e agora pela neve. Embora ele não diga, acredito que ele está impaciente para que eu esteja preparado. Começou com olhares desconcertados, suas sobrancelhas enrugando enquanto ele mordia o lábio inferior, seguiu-se com suspiros profundos e noites eventualmente sem dormir, o assoalho rangendo sob seus pés enquanto eu estava deitado acordado em meu quarto, até chegar onde estamos agora, um desespero inerente na voz tensa de Henri. Nós estamos no quintal dos fundos, separados três metros, encarando um ao outro. -- Não estou inspirado, hoje- eu digo. -- Eu sei que não, mas temos que trabalhar de qualquer maneira. Eu suspiro e olho no meu relógio. São quatro horas. -- Sarah estará aqui às seis- digo. -- Eu sei- Henri diz- É por isso que temos que nos apressar. Ele segura uma bola de tênis em cada mão. -- Está pronto?- ele pergunta. -- Tão pronto como sempre estarei. Ele lança a primeira bola no ar, e a medida que ela atinge seu ápice, tento conjurar um poder profundo dentro de mim para que ela não caia. Eu não sei como fazer isso, apenas que devo ser capaz de fazê-lo, com tempo e prática, como Henri diz. Todos os Garde desenvolvem a habilidade de mover objetos com sua mente. Telecinese. E, ao invés de me deixar descobrir isso sozinho, - como aconteceu com minhas mãos- Henri parece obcecado em acordar o poder de onde quer que seja a caverna onde ele está hibernando. A bola cai como as milhares de bolas lançadas antes dela, sem uma única interrupção, saltando duas vezes, e depois pára na grama coberta de neve. Solto um suspiro profundo. -- Não estou no clima, hoje. -- De novo- Henri diz. Ele lança a segunda bola. Eu tento movê-la, pará-la, com tudo dentro de mim se esforçando para fazer apenas essa coisa idiota mover-se um centímetro para a direita ou para a esquerda, mas não tenho sorte. Ela cai no chão,

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também. Bernie Kosar, que está nos assistindo, vai até ela, a pega e vai para longe. -- Isso virá no seu próprio tempo- digo. Henri balança a cabeça. Os músculos da sua mandíbula estão flexionados. Seu mau humor e impaciência estão me atingindo. Ele observa Bernie Kosar trotar com a bola, depois suspira. -- O quê?- eu digo. Ele balança a cabeça novamente. -- Vamos continuar tentando. Ele caminha para dentro e pega outra bola. Então, ele a arremessa no ar. Tento pará-la, mas, é claro que ela cai. -- Talvez amanhã- eu digo. Henri assente e olha para o chão. -- Talvez amanhã. Estou coberto de suor, lama e neve derretida depois de nosso trabalho ao ar livre. Henri me cobrou mais do que o normal hoje, e veio até mim com uma agressão que somente pode ser revestida de pânico. Além da prática de telecinese, na maioria das nossas sessões há exercícios de luta- combate corpo-a-corpo, luta livre, artes marciais mixas- seguidos por fundamentos de concentração- calma sob pressão, controle da mente, como identificar medo nos olhos do adversário e reconhecer a melhor forma de abordá-lo. Mas, não foi o treinamento intenso que Henri me deu, e sim seu olhar. Um olhar angustiado, tingido por medo, aflição, desapontamento. Não sei se ele está apenas preocupado com meu progresso, ou se é algo mais profundo, mas essas sessões estão me deixando exausto- emocionalmente e fisicamente. Sarah chega exatamente na hora. Vou para fora e a beijo no momento em que ela chega na varanda da frente. Pego o casaco dela e o penduro, quando entramos. Nossa prova de adm. doméstica é na semana que vem, e foi idéia dela cozinhar o prato, antes de termos que prepará-lo na sala de aula. No momento em que começamos a cozinhar, Henri pega sua jaqueta e sai para uma caminhada. Ele leva Bernie Kosar e fico agradecido pela privacidade. Nós fazemos peito de frango cozido com batatas e vegetais no vapor, e a refeição fica muito melhor do que eu tinha imaginado. Quando está tudo pronto, nós três nos sentamos e comemos juntos. Henri fica em silêncio na maior parte do jantar. Eu e Sarah quebramos o silêncio incômodo, com conversas banais, sobre a escola, sobre irmos ao cinema no próximo sábado. Henri raramente tira os olhos de seu prato, a não ser para dizer quão maravilhosa está a refeição. Quando o jantar termina, eu e Sarah lavamos as louças e vamos para o sofá. Sarah trouxe um filme e nós assistimos na nossa pequena TV, mas Henri na maior parte do tempo olha para a janela. No meio do filme, ele se levanta com um suspiro e caminha para fora. Sarah e eu observamos ele sair. Nós estamos de mãos dadas, e ela está com a cabeça encostada em meu ombro. Bernie Kosar está sentado ao lado com a cabeça no colo dela; um cobertor envolve ambos. Pode estar frio e ventando lá fora, mas está quente e aconchegante na nossa sala de estar. — Seu pai está bem?- Sarah pergunta. — Não sei. Ele anda agindo estranho. —Ele estava bem quieto durante o jantar. — Sim, vou ver como ele está. Volto logo.- eu digo e sigo Henri para fora da

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casa. Ele está em pé na varanda- olhando longe, na escuridão. — Então, o que está acontecendo?- pergunto. Ele olha para o alto, contemplando as estrelas. — Sinto que algo não está certo- ele diz. — O que você quer dizer? — Você não vai gostar. — Ok. Me deixe saber o que é. — Eu não sei quanto tempo mais devemos permanecer aqui. Não parece seguro para mim. Meu coração desmorona e eu permaneço em silêncio. — Eles estão agitados, e acho que estão se aproximando. Posso sentir isso. Não acho que estamos seguros aqui. — Não quero partir. — Eu sei que não. — Nós estamos escondidos. Henri olha para mim com a sobrancelha levantada. — Não se ofenda, John, mas é difícil acreditar que você tem se mantido nas sombras. — Me mantenho oculto nas coisas mais relevantes. Ele concorda. — Acho que descobriremos isso. Ele caminha para a extremidade da varanda e segura o corrimão da escada. Me posiciono ao seu lado. Novos flocos de neve começam a cair, pontinhos brilhantes brancos em uma noite escura. — E isso não é tudo- Henri diz. — Não achei que fosse. Ele suspira. — Você já deveria ter desenvolvido a telecinese. Ela geralmente surge junto com o primeiro Legado. Muito raramente ela aparece depois, e quando isso acontece, não demora mais que uma semana. Olho para ele. Seus olhos estão cheios de ansiedade e vincos de preocupação atravessam sua testa. — Seus Legados vêm de Lorien. Sempre. — O que você está tentando me dizer? — Eu não sei o que devemos esperar de agora em diante.- ele diz e faz uma pausa- Uma vez que não estamos mais no nosso planeta, não sei se o resto dos seus Legados aparecerá. E se isso acontecer, não temos esperança de lutar contra os Mogadorians, muito menos de derrotá-los. E se não podemos derrotá-los, nunca poderemos voltar. Observo a neve cair, incapaz de decidir se devo estar preocupado ou aliviado, já que, talvez, isso trará um fim para nossas mudanças e nós finalmente poderemos nos fixar. Henri aponta para as estrelas. — Exatamente lá- ele diz- exatamente lá é Lorien. Sem dúvida, eu sei muito bem onde é Lorien sem que ninguém me diga. Há uma certa atração, um certo modo como meus olhos sempre gravitam para o lugar onde, a bilhões de quilômetros de distância, Lorien está. Tento pegar um floco de neve com a ponta da minha língua, em seguida, fecho meus olhos e respiro o ar frio. Quando eu reabro os olhos, me viro e vejo Sarah pela janela. Ela está sentada em cima das pernas; a cabeça de Bernie Kosar ainda está em seu colo.

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— Você já pensou em apenas permanecer aqui, mandar Lorien para o inferno e construir uma vida na Terra?- pergunto para Henri. — Nós partimos quando você era muito jovem. Imagino que você não se lembra muito, lembra? — Realmente, não- eu digo- Apenas algumas visões aparecem para mim de tempos e tempos. Embora eu não saiba dizer se são coisas que me lembro ou coisas que vi durante nosso treinamento. — Acho que você não se sentiria desse jeito se pudesse lembrar. — Mas, não me lembro. Não é essa a questão? — Talvez- ele diz- Mas você querendo ou não voltar, os Mogadorians não pararão de te procurar. E se nós formos descuidados e permanecermos aqui, pode ter certeza que nos encontrarão. E quanto mais cedo eles aparecerem, mais fácil será para eles matar a nós dois. Não há como mudar isso. Não tem jeito. Eu sei que ele está certo. De algum modo, assim como Henri, posso sentir tudo, no fim da noite quando os pêlos no meu braço se eriçam, quando um calafrio percorre minha espinha mesmo quando não estou com frio. — Você se arrepende de ter ficado comigo tanto tempo? — Se me arrependo? Porque você acha que eu me arrependeria? — Porque não há nada para nós quando retornarmos. Sua família está morta. A minha também. Em Lorien, a vida está em reconstrução. Se não fosse por mim, você poderia facilmente criar uma nova identidade aqui e passar o resto dos seus dias fazendo parte de algo. Você poderia ter amigos, talvez se apaixonar de novo. Henri ri: — Eu já estou apaixonado. E continuarei apaixonado até o dia em que eu morrer. Não acho que você entenda isso. Lorien é diferente da Terra. Eu suspiro, exasperado. — Ainda assim, você poderia fazer parte de algum lugar. — Sou parte de algum lugar. De Paraíso, Ohio, bem agora, com você. Balanço a cabeça. — Você entendeu o que eu quis dizer, Henri. — Do que você acha que sinto falta? — Uma vida. — Você é minha vida, querido. Você e minhas lembranças são minha única ligação com o passado. Sem você não tenho nada. Essa é a verdade. Nesse momento a porta se abre atrás de nós. Bernie Kosar vêm trotando para fora na frente de Sarah, que permanece na soleira, metade para fora e metade para dentro. — Vocês dois realmente vão me fazer assistir o filme sozinha?- ela pergunta. Henri sorri para ela. — Não sonhe com isso.- ele diz. Depois do filme, eu e Henri levamos Sarah para casa. Quando chegamos lá, acompanho-a até a porta da frente e nós permanecemos na varanda, sorrindo um para o outro. Dou um beijo de boa noite nela, um beijo demorado enquanto seguro suas mãos suavemente nas minhas. — Vejo você amanhã- ela diz, apertando minhas mãos. — Tenha bons sonhos. Ando de volta para o caminhão. Henri sai da frente da casa de Sarah e dirige para nossa casa. Não posso evitar uma sensação de medo, enquanto me

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lembro das palavras de Henri no dia em que ele me buscou na escola no meu segundo dia: ―Apenas lembre-se que nós poderemos partir a qualquer momento.‖ Ele está certo, eu sei, mas nunca me senti desse jeito em relação a alguém antes. Como se eu estivesse flutuando no ar quando nós estamos juntos, e apavorado quando estamos separados, como agora, apesar de ter passado as últimas duas horas com ela. Sarah dá sentido as nossas fugas, a nos escondermos, uma razão que transcende a mera sobrevivência. Uma razão para vencer. E eu sei que posso estar colocando a vida dela em risco por estar com ela- bem, isso me aterroriza. Quando chegamos, Henri vai até seu quarto e volta trazendo o baú. Ele o coloca na mesa da cozinha. — Sério?- pergunto. Ele confirma. — Tem uma coisa aqui que venho querendo te mostrar a anos. Eu mal posso esperar para ver o que mais há no baú. Nós abrimos o cadeado juntos e ele levanta a tampa de modo que não consigo espreitar dentro. Henri tira um saco de veludo, fecha o baú e o tranca. — Isso não tem a ver com os seus Legados, mas da última vez que abrimos o baú, o coloquei dentro porque já estava com a sensação ruim que venho sentindo. Se os Mogadorians nos capturarem, eles nunca serão capazes de abrir isso.- ele disse e apontou para o baú. — Então, o que tem no saco? — O sistema solar- ele diz. — Se não faz parte dos meus Legados, por que você nunca me mostrou? — Porque você precisava pelos menos desenvolver um Legado para ativá-lo. Ele abre espaço na mesa da cozinha e depois senta na minha frente com o saco em seu colo. Ele sorri para mim, percebendo meu entusiasmo. Em seguida, ele se abaixa e retira sete esferas de vidro de tamanhos variados do saco. Ele as aproxima do rosto, segurando em suas mãos em forma de concha, e as sopra. Pequenos flashes de luz saem delas, então ele as joga para cima e repentinamente elas ganham vida, permanecendo suspensas acima da mesa da cozinha. As esferas de vidro são uma réplica do nosso sistema solar. A maior delas, do tamanho de uma laranja- o sol de Lorienpermanece no meio, emitindo a mesma quantidade de luz que uma lâmpada e parece conter lava. As outras esferas orbitam ao seu redor. As que estão mais próximas ao sol movem-se mais rápidas, enquanto as mais distantes parecem apenas arrastar-se. Todas elas giram; dias começam e terminam em uma hipervelocidade. A quarta esfera contada a partir do sol é Lorien. Nós observamos ela se mover, observamos sua superfície começar a tomar forma. Ela é do tamanho aproximado de uma bola de tênis. A réplica não deve estar em escala, pois na realidade Lorien é bem menor que nosso sol. — O que está acontecendo?- pergunto. — A esfera está tomando a forma de como é Lorien nesse exato momento. — Como isso é possível? — É um lugar especial, John. Existe uma velha magia em suas profundezas. É de lá que seus Legados vêm. É o que dá vida e realidade aos objetos contidos na sua herança. — Você acabou de dizer que isso não tem a ver com meus Legados. — Não, mas eles vieram do mesmo lugar.

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Detalhes são formados, montanhas crescem, vincos profundos cortam a superfície onde eu sei que rios deveriam correr. E depois pára. Procuro por qualquer tipo de cor, qualquer movimento, algum vento soprando pelo planeta. Mas não há nada. O planeta inteiro é um fragmento monocromático cinza e preto. Não sei o que eu esperava ver, o que eu desejava. Movimento de algum tipo, uma alusão de fertilidade. Meu ânimo desmorona. Em seguida, a superfície se turva e eu posso ver além dela; no núcleo, um pequeno brilho começa a se formar. Brilha, em seguida escurece, depois brilha novamente como se simulasse o batimento cardíaco de um animal adormecido. — O que é aquilo? — O planeta ainda vive e respira. Retirou-se para dentro de si, aguardando o momento certo. Hibernando, se você preferir. Mas acordará qualquer dia. — O que te faz ter tanta certeza? — Há um pequeno brilho bem aqui- ele diz- Isso é esperança, John. Observo. Sinto um prazer incalculável em olhar para aquele brilho. Eles tentaram dizimar nossa civilização, e o planeta também, entretanto ele ainda brilha. Sim, eu penso, há sempre esperança, como Henri diz o tempo todo. — Isso não é tudo. Henri se levanta, estala os dedos e os planetas param de se mover. Ele aproxima seu rosto a poucos centímetros de Lorien, e em seguida, posiciona as mãos em concha ao redor da boca e novamente sopra a esfera. Manchas verdes e azuis aparecem na esfera e começam a desaparecer quase que imediatamente à medida que a névoa da respiração de Henri evapora. — O que você fez? — Acenda as suas mãos ao redor da esfera- ele diz. Faço-as brilharem e quando eu envolvo a esfera, o verde e o azul retornam, porém permanecem apenas se mantenho minhas mãos ao redor do planeta. — Lorien era desse jeito no dia anterior à invasão. Você pode ver como tudo era bonito? Eu mesmo, algumas vezes, me esqueço. É bonito. Tudo verde e azul, suntuoso e viçoso. A vegetação parece se agitar sob rajadas de vento, que, de algum modo, posso sentir. Leves ondulações aparecem na água. O planeta está realmente vivo, florescente. Mas, quando apago minha luz e tudo isso desaparece, voltam as sombras cinzentas. Henri aponta um local na superfície da esfera. — Bem aqui- ele diz- é onde decolamos no dia da invasão. Depois ele move o dedo um centímetro para o lado- E aqui era onde ficava o Museu de Exploração Loric. Eu assinto e olho para o local onde ele aponta. Mais cinza. — O que os museus têm a ver com isso?- pergunto. Sento de volta na cadeira. É difícil olhar para a esfera e não sentir tristeza. Ele olha para mim. — Tenho pensado muito sobre o que você viu. — Uh-huh- digo, incentivando-o a continuar. — Era um museu enorme, dedicado apenas a evolução das viagens espaciais. Uma das alas do prédio continha foguetes antigos, usados há milhares de anos. Foguetes que funcionavam a base de um combustível conhecido apenas em Lorien.- ele diz e para, olhando novamente para a pequena esfera de vidro suspensa meio metro acima da nossa mesa. – Agora, se o que você viu, de fato ocorreu, se uma segunda nave conseguiu decolar e escapar de Lorien durante o auge da guerra, ela teria que estar alojada no museu. Não há outra

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explicação para isso. Ainda é difícil para mim acreditar que ela teria funcionado, e se funcionou, que chegou muito longe. — Então, se ela não teria chegado muito longe, por que você ainda está pensando nisso? Henri balança a cabeça. — Sabe, realmente eu não tenho certeza. Talvez porque eu estive errado antes. Talvez porque eu desejo estar errado agora. E, bem, se de qualquer forma isso ocorreu, ela teria vindo para cá, o planeta habitável mais próximo de Lorien, além de Mogadore. E isso assumindo, em primeiro lugar, que havia pessoas na nave, que ela não estava apenas cheia de artefatos ou até mesmo vazia, e teria sido lançada apenas para enganar os Mogadorians. Mas eu acho que havia no mínimo um Loric dentro da nave, porque tenho certeza que naves desse tipo não funcionam sozinhas. Outra noite de insônia. Fico sem camisa na frente do espelho, encarando meu reflexo, com as luzes das minhas mãos ligadas. ―Eu não sei o que devemos esperar de agora em diante.‖, Henri disse hoje. A luz do núcleo de Lorien ainda brilha, e os objetos que trouxemos de lá ainda funcionam, então por que a magia teria acabado? E os outros; eles estão tendo os mesmos problemas? Eles estão sem seus Legados? Me flexiono em frente ao espelho, depois soco o ar, desejando que o espelho se quebre ou que faça algum barulho. Mas nada acontece. Apenas me vejo, parecendo um idiota em pé sem camisa, lutando contra eu mesmo na escuridão, enquanto Bernie Kosar me observa da cama. É quase meia-noite e não me sinto cansado. Bernie Kosar pula da cama, senta ao meu lado e observa meu reflexo. Sorrio para ele e ele abana o rabo. — E você?- pergunto para Bernie Kosar- Tem algum poder especial? É um super-cão? Preciso colocar a capa novamente em você para que voe pelo ar? Seu rabo continua balançando e ele arranha o chão enquanto olha para mim. Levanto-o acima da minha cabeça e vôo com ele pelo quarto. — Olhem! É Bernie Kosar, o magnífico super-cão. Ele se contorce em minhas mãos, então eu o coloco no chão. Ele cai de lado, com seu rabo batendo no colchão. — Bem, amigo, um de nós deve ter superpoderes. E não parece que vai ser eu. A menos que voltarmos para a Idade das Trevas e eu puder fornecer luz para o mundo. Caso contrário, receio que sou inútil. Bernie Kosar rola até ficar de costas e me encara com seus grandes olhos, esperando que eu afague sua barriga. Capítulo 16 SAM ESTÁ ME EVITANDO. Na escola ele desaparece assim que me vê, ou sempre assegura estarmos em grupo. Diante do pedido de Henri- que está desesperado para colocar as mãos na revista de Sam, depois de vasculhar toda a internet e não achar nada parecido com ela- decido ir a sua casa, sem avisar. Henri me dispensa após o treinamento do dia. Sam mora no subúrbio de Paraíso, em uma pequena e modesta casa. Ninguém responde quando bato na porta, então tento abri-la. Está destrancada, então a abro e entro na casa. Um carpete felpudo marrom cobre o chão e fotos de Sam quando era mais jovem estão penduradas nas paredes, em painéis de madeira. Ele, sua mãe e um homem que imagino ser seu pai, usando óculos tão grossos como os de Sam. Olho mais de perto. Parecem ser o mesmo par de óculos. Ando pelo corredor até encontrar uma porta que deve ser a do quarto de Sam,

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onde uma placa em que se lê ENTRE POR SUA CONTA E RISCO está pendurada. A porta abre com um ruído e eu espreito lá dentro. O quarto está muito limpo, tudo está conscientemente no lugar. Sua cama de solteiro está arrumada, com uma colcha preta onde está representado o planeta de Saturno. Fronhas combinando. As paredes estão cobertas com pôsteres. Há dois da NASA, um do filme Alien, um de Star Wars e um de um alienígena verde escuro em um fundo negro. No meio do quarto, pendurado por uma linha visível, está o sistema solar, todos os nove planetas e o sol. Isso me fez lembrar do que Henri me mostrou no começo da semana. Sam ficaria maluco se visse a mesma coisa. E, então, vejo Sam debruçado sobre uma pequena mesa de carvalho, com fones de ouvido. Empurro a porta e ele olha por cima do ombro. Ele não está de óculos, e sem eles seus olhos parecem menores e brilhantes, quase como um personagem de desenhos animados. — E aí?- pergunto casualmente, como se eu fosse à sua casa todos os dias. Ele parece chocado e assustado e freneticamente tira os fones de ouvido e abre uma gaveta. Olho na sua mesa e vejo que ele está lendo um fascículo de Eles Estão Entre Nós. Quando o olho novamente, ele está apontando uma arma para mim. — Uau- eu digo, e instintivamente levanto minhas mãos- O que está acontecendo? Ele se levanta. Suas mãos estão tremendo. A arma está apontada para meu peito. Acho que ele enlouqueceu. — Me diga o que você é.- ele diz. — Do que você está falando? — Eu vi o que você fez no bosque. Você não é humano.- Eu tive medo disso, dele ter visto mais do que eu desejava. — Isso é loucura, Sam! Eu entrei em uma briga. Eu pratico artes marciais há anos. — Suas mãos se acenderam como se fossem lanternas. Você conseguia arremessar pessoas como se elas não fossem nada. Aquilo não foi normal. — Não seja ridículo- eu disse, minhas mãos ainda levantadas.- Olhe para elas. Você consegue ver alguma luz? Eu te disse, eram as luvas que Kevin estava usando. — Eu perguntei para o Kevin! Ele me disse que não estava usando luvas. — Você realmente acha que ele te contaria a verdade depois do que aconteceu? Abaixe a arma. — Me diga! O que você é? Reviro meus olhos. — Sim, eu sou um alienígena, Sam. Eu sou de um planeta há milhões de quilômetros daqui. Tenho super-poderes. É isso que você queria ouvir? Ele me encara, suas mãos ainda estão tremendo. — Você percebe como isso soa ridículo? Deixe de ser louco e abaixe a arma. — O que você acabou de dizer é verdade? —Que você está sendo ridículo? Sim, é verdade. Você é muito obcecado com esse assunto. Você vê alienígenas e teorias conspiratórias em todas as partes da sua vida, incluindo em seu único amigo. Agora pare de apontar essa arma idiota para mim. Ele me encara, e eu posso dizer que ele está pensando no que eu disse. Depois ele suspira e abaixa a arma. — Sinto muito- ele diz.

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Respiro profundamente, nervoso. — Você deve sentir mesmo. Em que merda você estava pensando? — Não estava carregada. — Você deveria ter me falado antes- eu digo- Por que você quer tanto acreditar nessas coisas? Ele balança a cabeça e coloca a arma de volta na gaveta. Fico em silêncio um minuto para tentar me acalmar e tento parecer descontraído, como se o que tivesse acabado de acontecer não fosse grande coisa. — O que você está lendo?- pergunto. Ele balança os ombros. — Mais coisas de alienígenas. Talvez eu devesse parar um pouco. — Ou apenas encará-las como ficção ao invés de realidade.- eu digo- O material deve ser bem convincente. Posso ver? Ele estende o último fascículo de Eles Estão Entre Nós e eu sento na beirada de sua cama. Acho que ele já se acalmou o suficiente para não apontar uma arma para mim de novo. Novamente, é uma fotocópia ruim, com a impressão ligeiramente desalinhada com o papel. Não é muito grossa- oito páginas, doze no máximo, impressas em folhas sulfites. A data na parte de cima é DEZEMBRO. Deve ser o fascículo mais recente. — Isso é bem estranho, Sam Goode- digo. Ele sorri. — Pessoas estranhas gostam de coisas estranhas. — Onde você consegue isso?- pergunto. — Eu assino. — Eu sei, mas como? Sam balança os ombros. — Não sei. Apenas começou a chegar um dia. — Você assina alguma outra revista? Talvez eles pegaram seu contato de lá. — Eu fui a uma convenção uma vez. Acho que me inscrevi para algum sorteio ou algo do tipo quando estava lá. Não me lembro. Sempre achei que foi de lá que pegaram meu endereço. Examino a capa. Não há um website indicado em nenhum lugar, e eu nem esperava que houvesse, considerando que Henri já vasculhou a internet de cima a baixo. Li o título do artigo principal. SEU VIZINHO É UM ALIENÍGENA ? DEZ MANEIRAS EFICAZES DE DESCOBRIR. No meio do artigo, há uma foto de um homem segurando um saco de lixo em uma mão e a tampa do latão na outra. Ele está em pé no fim de uma avenida e podemos considerar que ele está no meio do ato de colocar o saco de lixo dentro do latão. Embora a publicação seja toda em preto e branco, há um certo brilho nos olhos do homem. É uma imagem medonha- como se alguém tivesse tirado a foto de um vizinho suspeito e depois contornado seus olhos com um lápis. Isso me fez rir. — Que foi?- Sam pergunta. — É uma imagem horrível. Parece que saiu do Godzilla. Sam olha para ela. Depois balança os ombros. — Não sei.- ele diz- Pode ser real. Como você mesmo disse, eu vejo alienígenas em todos os lugares, em tudo. — Mas achei que alienígenas fossem daquele jeito- eu digo e inclino a cabeça em direção ao pôster na sua parede.

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— Não acho que todos sejam assim- ele diz- Como você disse, você é um alienígena com super-poderes e você não é daquele jeito. Nós dois rimos, e me pergunto como vou me livrar dessa. Espero que Sam nunca descubra que eu estava dizendo a verdade. Entretanto, parte de mim quer contar para ele- sobre mim, Henri, Lorien- e me pergunto qual seria sua reação. Ele acreditaria em mim? Vasculho o fascículo para achar a página com dados de publicação que todas as revistas e jornais possuem. Não há nenhuma aqui, apenas mais histórias e teorias. — Não há uma página com dados de publicação. — O que isso quer dizer? — Você sabia que todas as revistas e jornais sempre tem uma página listando os editores, escritores, onde foi impressa e tudo mais? Sabe, ―Para sugestões, nosso contato‖. Todas as publicações tem isso, mas essa não. — Eles tem que se proteger no anonimato- Sam diz. — Do quê? — Alienígenas- ele diz, e sorri, como se reconhecesse o absurdo disso. — Você tem o fascículo do mês passado? Ele pega-o em seu guarda-roupa. Eu folheio rapidamente, desejando que o artigo sobre os Mogadorians esteja nessa edição e não na do mês anterior. E então, eu acho na página 4. A ESPÉCIE MOGADORIAN PROCURA DOMINAR A TERRA. A espécie alienígena Mogadorian, do planeta Mogadore na 9º Galáxia, tem estado na Terra há dez anos. É uma espécie perversa em busca da dominação do universo. Há rumores que já dizimaram outro planeta não tão diferente da Terra, e estão planejando descobrir as fraquezas do nosso planeta para dominá-lo posteriormente. (mais informações na próxima edição) Leio o artigo três vezes. Eu esperava que houvesse mais informações além daquelas que Sam já tinha dito, mas não tenho sorte. E não existe 9º Galáxia. Me pergunto de onde tiraram isso. Vasculho a edição recente duas vezes. Não há nenhuma referência aos Mogadorians. Meu primeiro pensamento é que não havia mais nada para publicar, nenhuma notícia nova. Mas não acredito que tenha sido isso. Meu segundo pensamento é que os Mogadorians leram o artigo, e liquidaram o problema, seja ele qual fosse. — Você pode me emprestar isso?- pergunto, segurando o último fascículo. Ele consente. — Mas seja cuidadoso com ele. Três horas mais tarde, às oito horas, a mãe de Sam ainda não está em casa. Pergunto para Sam onde ela está e ele balança os ombros, dando a entender que ele não sabe e que sua ausência não é nenhuma novidade. Na maioria do tempo, apenas jogamos vídeo-game e assistimos TV. No jantar comemos comidas congeladas, preparadas no microondas. O tempo todo em que estou lá, ele não usa óculos nenhuma vez, o que é estranho já que nunca o vi sem eles antes. Mesmo quando corremos na aula de educação física, ele os usava. Pego os óculos de cima da sua cômoda e os coloco. O mundo se torna instantaneamente um borrão e sinto dor de cabeça quase que imediatamente. Olho para Sam. Ele está sentado de pernas cruzadas no chão, encostado em sua cama, com um livro de alienígenas no colo. — Meu Deus, sua visão é assim tão ruim?- pergunto.

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Ele olha para mim. — Eles eram do meu pai. Eu os tiro. — Você precisa mesmo de óculos, Sam? Ele balança os ombros. — De verdade, não. — Então por que você usa? — Eles eram do meu pai. Coloco-os novamente. — Uau, não sei como você consegue andar em linha reta com eles. — Meus olhos estão acostumados. — Você sabe que eles podem prejudicar sua visão se você continuar usandoos, não sabe? — Então serei capaz de ver o que meu pai via. Tiro-os e os coloco no lugar onde estavam. De verdade, não entendo porque Sam os usa. Por razões sentimentais? Será que ele acha que isso realmente vale a pena? — Onde seu pai está, Sam? Ele olha para mim. — Eu não sei- ele diz. — O que você quer dizer? — Ele desapareceu quando eu tinha 7 anos. — Você não sabe para onde ele foi? Ele suspira, abaixa a cabeça e retoma a leitura. Obviamente, ele não quer falar sobre isso. — Você acredita nessas coisas?- ele me pergunta após alguns minutos de silêncio. — Alienígenas? — É. — Sim, eu acredito em alienígenas. — Você acha que eles realmente abduzem pessoas? — Não tenho idéia. Acho que é uma teoria que não podemos descartar. Você acredita que eles abduzem? Ele assente. — Na maioria dos dias. Mas, às vezes, essa idéia parece simplesmente ridícula. — Não entendo. Ele olha para mim. — Acho que meu pai foi abduzido.- ele diz. Ele fica tenso assim que as palavras saem da sua boca e um olhar de vulnerabilidade aparece em seu rosto. Isso me faz pensar que ele já dividiu essa teoria com alguém antes, cuja reação não foi nada solidária. — Por que você acha isso? — Porque ele simplesmente desapareceu. Ele foi á mercearia comprar leite e pão, e nunca mais voltou. Seu caminhão estava estacionado no lado de fora da mercearia, mas ninguém o viu. Ele apenas sumiu, e seus óculos estavam na calçada, perto do caminhão.- ele pára por um segundo- Fiquei com medo de que você estivesse aqui para me abduzir também. É uma teoria difícil de acreditar. Como ninguém viu o pai dele sendo abduzido

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se esse incidente teria acontecido bem no centro da cidade? Talvez o pai dele tivesse alguma razão para partir e planejou seu próprio desaparecimento. Não é difícil desaparecer; eu e Henri temos feito isso nos últimos dez anos. Mas, de repente, o interesse de Sam por alienígenas faz sentido perfeitamente. Talvez Sam apenas queira ver o mundo como seu pai via, mas talvez parte dele realmente acredita que a última visão de seu pai foi capturada nos óculos, de alguma forma foi gravada nas lentes. Talvez ele acha que com persistência, algum dia, ele, eventualmente, chegará a ver, e que a última visão de seu pai confirmará o que já está em sua mente. Ou talvez, ele acredita que se procurar de verdade, finalmente se deparará com um artigo que provará que seu pai foi abduzido, e não somente isso, que ele também pode ser salvo. E quem sou eu para dizer que um dia ele não encontrará essa prova? — Eu acredito em você.- digo- Eu acho que as abduções alienígenas são perfeitamente possíveis. Capítulo 17

NO DIA SEGUINTE ACORDO MAIS CEDO DO QUE O NORMAL, me arrasto para fora da cama e saio do meu quarto. Encontro Henri sentado na mesa lendo jornal com o laptop aberto. Como o sol ainda está escondido, a casa está escura, a única luz vem da tela do computador. - Alguma coisa? - Nah, nada demais. Acendo a luz da cozinha. Bernie Kosar começa a arranhar a porta da frente e eu abro. Ele dispara para o quintal e começa a patrulhar como faz toda manhã, cabeça erguida, trotando em volta do perímetro enquanto procura por alguma coisa suspeita. Ele fareja em lugares aleatórios. Uma vez satisfeito de que tudo está em seu devido lugar, ele dispara até as árvores e desaparece. Duas edições de Eles Estão Entre Nós estão sobre a mesa da cozinha, a original e uma cópia que Henri fez para guardar. Uma lupa entre elas. - Alguma coisa única na original? - Não. - Então, e agora? – eu pergunto. - Bem, eu tive alguma sorte. Eu cruzei referencias de alguns dos outros artigos na edição e consegui algumas pistas, uma que me levou ao site pessoal de um homem. Mandei um email. Encaro Henri. - Não se preocupe. – ele diz. – Eles não podem rastrear emails. Pelo menos não da maneira que eu enviei. - Como você enviou? - Eu reencaminhei eles através de vários servers de cidades pelo mundo, de modo que a localização original se perde no meio do caminho. - Impressionante. Bernie Kosar arranha a porta pelo lado de fora e eu o deixo entrar. O relógio no microondas mostra 5:59, eu tenho duas horas antes de ter que ir para escola. - Você tem certeza de que nós devemos ir adiante com isso? – eu pergunto. – Quero dizer, e se isso for uma armadilha? E se eles estão simplesmente tentando nos atrair? Henri assente. – Sabe, se o artigo tivesse mencionado alguma coisa sobre nós, isso teria me feito parar. Mas não mencionou. Falava apenas sobre eles invadirem a Terra do mesmo jeito que fizeram em Lorien. Ainda há tanto sobre isso que nós não entendemos. Você estava certo há algumas semanas quando

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disse que nós fomos derrotados facilmente. Nós não fomos. Isso não faz sentido. Tudo isso sobre o desaparecimento dos Anciões também não faz sentido. Até tirar você e as outras crianças de Lorien, o que eu nunca questionei, é estranho. E enquanto você está vendo o que aconteceu – eu também tenho essas visões – algo está faltando na equação. Se algum dia nós voltarmos, acho que é uma obrigação entender o que aconteceu para prevenir que aconteça outra vez. Você conhece o ditado: Quem não entende história está condenado a repeti-la. E quando ela se repete, os riscos são dobrados. - Tudo bem. – eu digo. – Mas de acordo com o que você disse no sábado à noite, as chances de nós voltarmos parecem diminuir a cada dia. Então, considerando isso, você acha que vale a pena? Henri dá de ombros. – Ainda há outros cinco lá fora. Quem sabe eles já receberam os Legados. Quem sabe é só o seu que está meramente atrasado. Eu penso que o melhor é ter planos para todas as possibilidades. - Então o que você está pensando em fazer? - Apenas uma ligação. Estou curioso para ouvir o que essa pessoa sabe. Me pergunto o que fez ele não continuar com a história. Uma das duas possibilidades: ou ele não encontrou mais informações e perdeu o interesse, ou alguém o encontrou antes da publicação. Suspiro. – Bem, tenha cuidado. – eu digo. Coloco de calça e casaco de moletom por cima de duas camisas, amarro o cadarço e faço alongamento. Jogo na minha mochila as roupas que vou vestir na escola, junto com a toalha, um sabonete e um pote pequeno de shampoo para tomar quando chegar lá. Agora toda manhã eu vou correndo para escola. Henri aparentemente acredita que o exercício adicional vai ajudar no meu treino, mas a razão verdadeira é que ele espera que isso ajude na transição do meu corpo e acorde os meus Legados de seu sono, se é que eles estão realmente dormindo. Olho para baixo onde está Bernie Kosar. – Pronto pra correr, garoto? Hein? Quer sair para correr? O rabo dele balança e ele gira em círculos. - Vejo você depois da escola. - Tenha uma boa corrida. – diz Henri. – Tome cuidado no caminho. Nós caminhamos para fora e o ar frio e refrescante nos encontra. Bernie Kosar excitado late algumas vezes. Eu começo com uma corrida leve, indo pela rua, para fora da estrada de cascalho, o cachorro trotando ao meu lado da melhor maneira que pode, eu imagino. Leva uns quatrocentos metros para esquentar. - Pronto para acelerar, garoto? Ele não me dá atenção, apenas continua trotando com a língua balançando, parecendo tão feliz quanto poderia estar. - Beleza, então aqui vamos nós. Começo a aumentar a velocidade, passando a correr, logo em seguida Faço Bernie Kosar comer poeira. Olho para trás e ele está correndo o mais rápido que pode, mas eu ainda estou avançando na frente dele. O vento atravessando os meus cabelos, as árvores passando em uma mancha. Isso é maravilhoso. Então Bernie Kosar dispara para dentro da floresta e desaparece de vista. Não tenho certeza se devo parar e esperar por ele. Então eu viro de volta e Bernie Kosar pula para fora das árvores três metros na minha frente. Olho para ele e ele para mim, a língua para fora da boca, um brilho nos olhos. - Você é um cachorro estranho, sabia disso?

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Depois de cinco minutos a escola entra no meu campo de visão. Eu corro pelo último quilômetro, me esforçando, fazendo o máximo que posso, aproveitando que ainda é muito cedo e não há ninguém do lado de fora que possa ver. Ao chegar, paro com os meus dedos entrelaçados por trás da minha cabeça, pegando ar. Bernie Kosar chega trinta segundos depois e senta me olhando. Ajoelho e faço carinho nele. - Bom trabalho, amigão. Acho que nós temos um novo ritual da manhã. Puxo minha mochila de sobre o meu ombro, abro o zíper, e pego um pacote de tiras de bacon e as dou a ele. Ele devora. - Tudo bem, garoto. Vou entrar. Vai pra casa. Henri está esperando. Ele me assiste por um segundo e depois vai embora trotando em direção a casa. A compreensão dele me deixa completamente impressionado. Depois eu viro e vou caminhando até o prédio para tomar banho. Eu sou a segunda pessoa a entrar em astronomia. Sam é a primeira, já sentado na cadeira de sempre no fundo da sala. - Whoa. – eu digo. – Sem óculos. O que aconteceu? Ele dá de ombros. – Pensei sobre o que você disse. Provavelmente é idiotice minha usar. Sento ao lado dele e sorrio. É difícil imaginar que um dia vou me acostumar com os olhos dele parecendo tão brilhantes. Eu devolvo a ele a edição de Eles Estão Entre Nós. Ele joga na mochila. Aponto pra Sam como se a minha mão fosse uma arma e o cutuco. - Bang! – digo. Ele começa a rir. E eu começo também. Nenhum de nós consegue parar. Toda vez que um está perto de conseguir o outro começa a rir e tudo outra vez. As pessoas ficam olhando para nós quando eles entram. Então aparece Sarah. Ela entra sozinha, andando sem pressa até nós, o rosto expressando confusão. Senta ao meu lado. - Do que vocês estão rindo? - Não sei muito bem. – eu digo e então começo a rir mais um pouco. Mark é a última pessoa a chegar. Ele senta na cadeira de costume, mas em vez de Sarah, hoje uma outra garota senta ao lado. Acho que ela é sênior. Sarah procura minha mão por baixo da mesa e a segura. -Quero falar com você uma coisa. – ela diz. - O que? - Eu sei que está em cima da hora, mas meus pais estão convidando você e o seu pai para o jantar de Ação de Graças amanhã. - Sério? Isso é ótimo. Eu tenho que perguntar, mas nós não temos plano, então acho que a resposta é sim. Ela sorri. – Ótimo. - Somos só nós dois, então normalmente nós nem fazemos nada no dia de Ação de Graças. - Bem, nós realmente comemoramos. E meus dois irmãos vêm da faculdade. Eles querem te conhecer. - Como eles sabem de mim? - Como você acha? A professora entra e Sarah pisca o olho, então nós dois começamos a copiar. Henri está me esperando como sempre, Bernie Kosar em pé no assento de passageiro. Ela começa a balançar o rabo quando me vê, fazendo barulho quando bate na porta. Eu entro.

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- Athens. – diz Henri. - Athens? - Athens, Ohio. - Por quê? - É onde as edições de Eles Estão Entre Nós estão sendo escritas, e impressas. É de onde estão enviando. - Como você descobriu? - Tenho minhas formas. Olho para ele. - Tudo bem, tudo bem. Foram três emails e cinco ligações, mas agora eu tenho um número. – Ele olha para mim. – Em outras palavras, não foi tão difícil descobrir com um pouco de esforço. Eu apenas aceno com a cabeça. Eu sei o que ele está me dizendo. Os Mogadorians poderiam encontrar isso tão facilmente quando ele conseguiu. O que significa, é claro, que a escala agora aponta em direção à segunda possibilidade de Henri – que alguém chegou ao editor antes da história inteira se desenvolver. - Athens fica muito longe? - Duas horas de carro. - Você vai pra lá? - Espero que não. Vou ligar antes. Quando chegamos em casa Henri imediatamente pega o telefone e senta na mesa da cozinha. Eu sento na frente dele e escuto. - Sim, eu estou ligando para perguntar sobre um artigo na edição de Eles Estão Entre Nós do último mês. Uma voz profunda responde do outro lado. Eu não consigo ouvir o que está sendo dito. Henri sorri. – Sim. – ele diz, depois pausa. - Não, eu não sou um assinante. Mas um amigo meu é. Outra pausa. – Não, obrigado. Ele acena com a cabeça. - Bem, eu estou curioso sobre um artigo escrito sobre os Mogadorians. Não teve seguimento na edição desse mês como eu esperava. Eu me curvo para frente e me esforço para ouvir, meu corpo tenso e rígido. Quando a resposta vem a voz parece tremida, perturbada. Depois o telefone fica mudo. - Alô? Henri afasta o telefone do ouvido, olha e depois tenta ouvir outra vez. - Alô? – ele diz novamente. Então desliga o celular e coloca sobre a mesa. Ele olha para mim. - Ele disse, ―não ligue outra vez‖. E depois desligou na minha casa. Capítulo 18 DEPOIS DE DISCUTIR POR MUITAS HORAS, Henri acorda na manhã seguinte e imprime as direções passo a passo daqui até Athens, Ohio. Ele me diz que vai estar em casa antes da hora de irmos para o jantar de Ação de Graças na casa de Sarah, e depois me entrega um pedaço de papel com o endereço e número do telefone do lugar. - Tem certeza que vale a pena? – pergunto. - Nós temos que entender o que está acontecendo. Eu suspiro. – Acho que nós dois sabemos o que está acontecendo.

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- Talvez. – ele diz, com tanta autoridade que nenhuma incerteza acompanha a palavra. - Você sabe o que me diria se os papéis estivessem invertidos, certo? Henri sorri. – Sim, John. Eu sei o que eu diria. Mas acho que isso vai nos ajudar. Eu quero descobrir o que eles fizeram para assustar tanto esse homem. Eu quero saber se eles mencionaram algo sobre nós, se eles estão nos procurando por meios que nós nem imaginamos. Isso vai nos ajudar a continuar escondidos, a estar um passo a frente deles. E se esse homem os viu, vamos saber como eles são. - Nós já sabemos com o que eles são. - Nós sabíamos como eram quando nos atacaram, por volta de dez anos atrás, mas eles podem ter mudado. Faz muito tempo que eles estão na Terra agora. Eu quero saber como estão se misturando. - Mesmo se nós soubermos como eles são, quando nós os vermos, provavelmente já vai ser tarde mais. - Talvez, talvez não. Se eu vejo um, vou tentar matá-lo. Não há garantias de que ele vai poder me matar. – ele diz, dessa vez com incerteza e nenhuma autoridade. Eu desisto. Não gosto nem um pouco dele ir até Athens enquanto eu fico sentado em casa esperando. Mas eu sei que as minhas objeções vão continuar a entrar por uma orelha e sair pela outra. - Tem certeza que vai voltar a tempo? – eu pergunto. - Eu estou indo agora, então devo chegar lá pelas nove. Duvido que eu fique por mais de uma hora, duas no máximo. Devo chegar por volta de uma da tarde. - Então pra que me entregou isso? – eu pergunto, e mostro o pedaço de papel com o endereço e o número do telefone. Ele dá de ombro. – Bem, nunca se sabe. - E é precisamente por isso que eu não acho que você deva ir. - Touché. – ele diz, terminando a discussão. Ele recolhe os papeis da mesa, levanta e coloca a cadeira no lugar. - Vejo você à tarde. - Beleza. – digo. Ele vai caminhando para a caminhonete e entra. Bernie Kosar e eu vamos atrás até a varanda da frente e ficávamos vendo ele se afastar. Não sei por que, mas estou com uma sensação ruim. Espero que ele volte. Esse vai ser um dia longo. Um daqueles que o tempo fica devagar e cada minuto parece dez, cada hora parece vinte. Jogo videogame, fico na internet. Procuro por notícias que podem estar relacionadas a um de nós. Não encontro nada, o que me deixa feliz. Isso significa que todos nós estamos fora do radar. Evitando os inimigos. Toda hora pego o celular pra ver se tem alguma notícia. Mando uma mensagem para Henri ao meio dia. Ele não responde. Faço um lanche e alimento Bernie, depois mando outra. Nenhuma resposta. Começo a ficar meio nervoso com a incerteza. Henri nunca deixou de responder imediatamente. Talvez o celular só esteja desligado. Ou talvez a bateria tenha acabado. Tento me convencer com essas possibilidades, mas no fundo eu sei que nenhuma delas é verdade. Quando dá duas em ponto começo a ficar preocupado. Realmente preocupado. Nós deveríamos chegar na casa dos Hart em uma hora. Henri sabe que o

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jantar é importante para mim, ele nunca faltaria. Entro no chuveiro com a esperança de que quando sair, Henri vai estar me esperando sentado na cozinha enquanto bebe um café. Ligo a água quente no máximo, apesar de também não me incomodar com o frio. Não sinto nada. Meu corpo é impermeável ao calor. Sinto como se água morna estivesse jorrando pela minha pele, chego a sentir falta do calor. Eu adorava tomar banho quente. Ficar embaixo do chuveiro até não poder mais. Com os olhos fechados aproveitando a sensação da água batendo contra a minha cabeça e descendo pelo meu corpo. Isso costumava me afastar da vida. Eu podia esquecer um pouco sobre quem e o que eu sou. Quando saio do chuveiro abro o meu armário e procuro as melhores roupas que eu tenho, o que não é nada especial: calça cáqui, uma camisa de abotoar, um suéter. Por nós estarmos sempre mudando de lugar, tudo o que eu tenho são tênis de corrida, o que é tão ridículo que até me faz rir – pela primeira vez no dia inteiro. Vou até o quarto de Henri e procuro no armário dele. Encontro um par de mocassins que cabe em mim. Ver todas as roupas dele só me deixa mais preocupado, mais angustiado. Eu quero acreditar que é só um imprevisto e ele está demorando mais do que havia planejado, mas nesse caso ele teria me avisado. Algo está errado. Vou até a porta frente, onde Bernie está sentado olhando pela janela. Ele olha para mim e choraminga. Eu faço carinho na cabeça dele e volto para o meu quarto. Olho para o relógio. Quase três horas. Olho o meu celular. Nenhuma mensagem, nada. Decido ir até a casa de Sarah e, se eu não ouvir nada de Henri até às cinco, invento um plano. Talvez eu diga que Henri está doente e que eu estou meio mal também. Ou, quem sabe, eu diga que a caminhonete quebrou no meio do caminho e eu tenho que ir ajudar Henri. Com sorte, ele aparece e nós só temos um bom jantar de Ação de Graças. Na verdade, se acontecer, esse será o primeiro que temos. Se não, eu digo algo a eles. Eu terei que fazer isso. Sem a caminhonete eu decido ir correndo. Provavelmente nem vou suar e ainda chego mais rápido do que conseguiria de carro. Além disso, por causa do feriado as ruas devem estar vazias. Digo tchau para Bernie, falo que volto mais e vou embora. Corro na margem dos campos, através das árvores. A sensação de queimar a energia é boa. Isso diminui a minha ansiedade. Algumas vezes vou o mais rápido que posso, o que provavelmente é algo entre noventa e centro e vinte quilômetros por hora. O som também é ótimo, o mesmo que escuto quando coloco a cabeça para fora da janela quando estamos dirigindo na estrada. Me pergunto quão rápido eu vou correr aos vinte, ou vinte e cinco anos. Paro de correr a cerca de cem metros da casa de Sarah. Não estou nem respirando rápido. Conforme ando pela rua vejo Sarah olhando pela janela. Ela sorri e acena, abrindo a porta da frente no momento que eu piso na varanda. - E aí, gato. – ela diz. Eu viro e olho por cima dos meus ombros fingindo que ela está falando com outra pessoa. Então eu viro de volta e pergunta se ela está falando comigo. Ela ri. - Seu bobo. – ela diz, e dá um soco no meu braço antes de me puxar para perto e me dar um beijo demorado. Eu respiro fundo e posso sentir o cheiro de comida: peru temperado, batatas doces, couve de bruxelas, torta de abóbora. - O cheiro é bom. – eu digo.

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- Minha mãe está na cozinha o dia inteiro. - Mal posso esperar para provar. - Cadê o seu pai? - Ele teve um problema. Deve chegar daqui a pouco. - Ele está bem? - Aham, nada demais. Nós entramos e ela me leva para conhecer o lugar. É uma ótima casa. Uma clássica casa de família com quartos no segundo andar, um sótão onde fica o quarto de um dos irmãos dela, e todos os outros lugares – a sala de estar, sala de jantar, cozinha e sala de TV – no primeiro andar. Quando chegamos ao quarto dela, ela fecha a porta e me beija. Eu estou surpreso, mas eletrizado. - Eu estive esperando para fazer isso durante o dia todo. – ela diz suavemente quando se afasta. Quando ela vira em direção à porta, eu a puxo de volto e a beijo novamente. - E eu já estou beijando para te beijar mais depois. – sussurro. Ela sorri e dá um soco no meu braço. Nós voltamos para o primeiro andar e ela me leva para a sala de TV, onde os dois irmãos mais velhos, que vieram da faculdade para o fim de semana, estão assistindo futebol com o pai. Sento com eles, enquanto Sarah vai para cozinha ajudar a mãe e a irmã mais nova com o jantar. Nunca fui muito chegado a futebol. Acho que por causa do modo como eu e Henri vivemos, eu nunca fui realmente muito chegado a alguma coisa fora da nossa vida. Minhas preocupações foram sempre me encaixar seja lá onde nós estivéssemos e depois estar preparado para ir a qualquer outro lugar. Os irmãos dela e o pai, todos jogaram futebol na escola. Eles amam isso. E no jogo de hoje, um dos irmãos dela junto com o pai torce por um time, enquanto o outro irmão torce pelo outro. Está claro que eles fazem isso há anos, provavelmente a vida inteira, e é visível que estão se divertindo muito. Isso me faz desejar que Henri e eu tivéssemos algo, fora os meus treinos e nossa vida de estar sempre correndo e se escondendo, que nós dois gostássemos para nos divertir juntos. Isso me faz desejar que eu estivesse um pai e irmãos reais para passar o tempo junto. Em meia hora a mãe de Sarah nos chama para o jantar. Olho meu celular e ainda nada. Antes de nós sentarmos vou até o banheiro e tento ligar para Henri, vai direto para a caixa de mensagens. É quase cinco em ponto e eu estou começando a entrar em pânico. Volto para a mesa, onde todos estão sentados. A mesa parece impressionante. Há flores no centro, com jogos americanos colocados meticulosamente na frente de cada cadeira. Pratos servidos de comida estão colocados pela mesa, o peru no centro em frente ao lugar de Sr. Hart. Logo depois que eu sento, Sra. Hart entra na sala. Ela tirou o avental e está vestindo saia e suéter lindos. - Teve notícias do seu pai? – ela pergunta. - Acabei de tentar falar com ele. Ele, ahn... vai chegar atrasado e disse para nós não esperarmos. Ele sente muito pelo inconveniente. – eu digo. Sr. Hart começa a cortar o peru. Sarah sorri para mim através da mesa, o que me faz sentir melhor por meio segundo. A comida começa a ser passada e eu pego pequenas porções de tudo. Não acho que vou conseguir comer muito. Eu mantenho meu celular no meu colo, e já coloquei para vibrar caso alguém ligue ou mande mensagem. A cada segundo que passa, porém, eu não acredito que isso vá acontecer, ou que eu vou ver Henri outra vez. A ideia de viver sozinho –

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com os meus Legados se desenvolvendo, e sem ninguém para explicá-los ou me treinar, de viver por minha conta, de ter que me esconder sozinho, de encontrar meu próprio caminho, de lutar com os Mogadorians, lutar até eles estejam derrotados ou eu morto – me apavora. O jantar parece que nunca vai acabar. O tempo está devagar outra vez. A família inteira da Sarah me enche de perguntas. Eu nunca estive em uma situação em que tantas coisas foram perguntadas por tantas pessoas em um tempo tão curto. Eles perguntam sobre o meu passado, os lugares que vivi, sobre Henri, sobre a minha mãe – quem, como eu sempre digo, morreu quando eu era bem pequeno. É a única resposta que há o mínimo fio de verdade. Eu não tenho nem ideia se minhas respostas fazem sentido. O celular na minha perna parece pesar uns mil quilos. Não vibra. Apenas fica lá. Depois do jantar, e antes da sobremesa, Sarah pede para todos irem lá fora no quintal para que ela tire algumas fotos. Enquanto nós vamos para o lado de fora, Sarah pergunta se há algo errado. Digo a ela que estou preocupado com Henri. Ela tenta me acalmar e diz que está tudo bem, mas não funciona. Se teve algum efeito, foi me fazer ficar pior. Eu tento imaginar onde ele está e o que ele está fazendo, e a única imagem que eu consigo pensar é dele na frente dos Mogadorians, parecendo apavorado, e sabendo que está prestes a morrer. Enquanto nós nos juntamos para as fotos, eu começo a entrar em pânico. Como posso chegar à Athens? Eu poderia correr, mas seria difícil encontrar o caminho, especialmente porque eu teria que evitar o tráfico e ficar longe das maiores estradas. Eu poderia pegar um ônibus, mas demoraria muito. Eu poderia pedir a Sarah, mas isso envolveria um monte de explicações, inclusive dizer a ela que eu sou um alienígena e que acredito que Henri foi sequestrado ou assassinado por alienígenas inimigos que estão me procurando para fazer o mesmo. Não é a melhor ideia. Enquanto posamos a urgência de ir embora começa a me deixar desesperado, mas tenho que dar um jeito de fazer isso sem que Sarah ou a família dela fiquem ressentidas comigo. Eu gosto na câmera, focando diretamente enquanto tento pensar na desculpa que causará a menor quantidade de perguntas. O pânico total já está me torturando agora. Minhas mãos começam a tremer. Elas ficam quentes. Olho para ver se há algum sinal de luz. Não há, mas quando levanto a cabeça outra vez percebo que a câmera está tremendo nas mãos de Sarah. Eu sei que de algum modo eu estou fazendo isso, mas não faço ideia de como ou do que posso fazer para parar. Um calafrio percorre as minhas costas. O ar fica preso na minha garganta no instante em que as lentes de vidro da câmera racham e se estilhaçam. Sarah grita e joga a câmera no chão, olhando confusa. A boca aberta, lágrimas nos olhos. Os pais dela saem correndo para ver se ela está bem. Eu apenas continuo em pé chocado. Eu não tenho certeza do que fazer. Em parte estou abatido por causa da câmera dela, por ela estar triste, mas eu também estou eletrizado por minha telecinese ter claramente chegado. Será que posso controlar? Henri vai entrar em êxtase quando descobrir. Henri. O pânico retorno. Fecho minhas mãos com força. Eu preciso sair daqui. Eu preciso encontra-lo. Se os Mogadorians estiverem com ele, o que eu espero que não seja verdade, vou matar cada um daqueles malditos para trazê-lo de volta. Pensando rápido, eu caminho até Sarah e a afasto dos pais, que estão examinando a câmera numa tentativa de entender o que aconteceu. - Acabei de receber uma mensagem de Henri. Eu sinto muito, mas tenho que ir.

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Ela está claramente distraída, olhando de mim para os pais. - Ele está bem? - Sim, mas eu tenho que ir, ele precisa de mim. – ela apenas assente e nos beijamos gentilmente. Espero que não seja pela ultima vez. Agradeço aos pais e irmãos dela e vou embora antes que eles possam perguntar demais. Atravesso a casa e, uma vez na porta, começo a correr. Para voltar pego a mesma rota que usei para chegar na casa de Sarah mais cedo. Fico longe das estradas principais, correndo entre as árvores. Levo poucos minutos. Escuto Bernie Kosar arranhando a porta enquanto corro rua acima. Ele está claramente ansioso, como se também sentisse que algo está errado. Vou direto para o meu quarto. Pego na minha mochila o pedaço de papel contendo o número de telefone e o endereço que Henri me deu antes de sair. Eu ligo para o número. Uma gravação começa. ―O número chamado está desligado ou fora da área de cobertura‖. Eu olho para o pedaço de papel e tento o número outra vez. A mesma gravação. - Merda! – eu berro. Chuto a cadeira e ela sai voando através da cozinho até a sala de estar. Ando até o meu quarto. Volto. Ando até lá outra vez. Fito o espelho. Meus olhos estão vermelhos e lágrimas estão brotando, mas nenhuma está caindo. Minhas mãos tremendo. Fúria, raiva e o terrível medo da morte de Henri me consumindo. Fecho os olhos com força e empurro toda a destruição para o centro do meu estômago. Com uma explosão repentina eu grito e abro os olhos, jogando minhas mãos para frente na direção do espelho. O vidro se estilhaça, apesar de eu estar a três metros de distância. Olho para o que aconteceu. A maior parte do espelho ainda está presa à parede. O que aconteceu na casa de Sarah não foi apenas acaso. Olho para os cacos no chão. Eu estendo o braço para frente, enquanto me concentro em um caco em particular, tentando movimentá-lo. Minha respiração está controlada, mas todo o medo e raiva ainda estão em mim. Medo é uma palavra muito simples. Terror. É isso que eu sinto. O caco não se move de primeira, mas depois de quinze segundos começa a tremer. Devagar no inicio, depois rapidamente. E então eu lembro. Henri disse que normalmente são emoções que despertam os Legados. Com certeza é o que está acontecendo agora. Faço esforço para levantar o caco. Gotas de suor surgindo na minha testa. Eu concentro com tudo o que posso, apesar de todo o resto que está acontecendo. É uma luta até para respirar. Em um devagar eterno o caco começa a levantar. Um centímetro. Dois centímetros. Está a um metro acima do chão, continuando a subir, meu braço direito estendido e levantando junto com o caco, até que ele esteja na altura dos olhos. Mantenho assim. Se ao menos Henri pudesse ver isso, eu penso. E em um flash, através da excitação e felicidade da nova descoberta, o pânico e o medo retornam. Olho para o caco, a madeira da parede refletida nele parece antiga e frágil. Madeira. Antiga e frágil. que o caco de vidro está na altura dos olhos. Mantenho isso assim. Se ao menos Henri pudesse ver isso, eu penso. E em um flash, através da excitação da minha felicidade da nova descoberta, pânico e medo retornam. Olho para o caco, do modo que isso reflete a madeira da parede parecendo antiga e frágil no reflexo. Madeira. Antiga e frágil. E então de repente meu olhos se arregalam, mais do que em qualquer outra vez na minha vida.

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O Baú! Henri disse: ―Apenas nós dois, juntos, podemos abrir isso. A não ser que eu morra; aí você poderá abrir sozinho.‖. Deixo o caco cair e corro do meu quarto para o de Henri. A Baú está no chão ao lado da cama dele. Eu agarro, corro para a cozinha e jogo na mesa. O cadeado na forma do emblema Loric está olhando para mim. Eu sento na mesa e fito o cadeado. Meus lábios estão tremendo. Eu tento acalmar minha respiração, mas é inútil; meu peito está pesado como se eu tivesse acabado de terminar uma corria de vinte quilômetros. Eu estou com medo da ideia de sentir o clique nas mãos. Eu respiro fundo e fecho meus olhos. - Por favor, não abra. – eu digo. Seguro o cadeado. Eu aperto os mais forte que posso, o ar preso, minha visão embaçada, meus músculos no antebraço flexionados e tensionados. Esperando o clique. Segurando o cadeado e esperando o clique. Só que não houve um clique. Solto e me jogo na cadeira, segurando minha cabeça nas mãos. Uma pequena luz de esperança. Eu passo as mãos pelo meu cabelo e deixo. No balcão a dois metros está uma colher suja. Eu foco nela e esfrego as mãos na roupa, a colher sai voando. Henri ficaria feliz. Henri, eu pendo, onde está você?Em algum lugar e ainda vivo. Eu estou indo te buscar. Eu disco o número de Sam, o único amigo que eu tenho além de Sarah em Paraíso, o único amigo que eu já tive, para ser honesto. Ele atende na segunda chamada. - Alô? Eu fecho os olhos e aperto a ponte do nariz. Respiro fundo. A tremedeira volta, se é que ela foi embora. - Alô? – ele diz novamente. - Sam. - E. – ele diz, então, - Nossa, você parece mal. Está tudo bem? - Não. Eu preciso da sua ajuda. - Ahn? O que aconteceu? - Será que a sua mãe pode te trazer aqui? - Ela não está aqui. Ela está fazendo um turno no hospital porque recebe em dobro nos feriados. O que está acontecendo? - As coisas estão ruins, Sam. Eu preciso de ajuda. Silêncio outra vez, e depois, – Vou chegar aí o mais rápido que puder. - Sério? - Até mais. Fecho o celular e deito a cabeça sobre a mesa. Athens, Ohio. É onde Henri está. De um jeito ou de outro, é onde eu tenho que chegar. E preciso chegar rápido. Capítulo 19 ENQUANTO ESPERO POR SAM ANDO PELA casa levantando no ar objetos inanimados sem tocá-los: uma maçã da bancada da cozinha, um garfo dentro da pia, um pequeno vaso de planta perto da janela da frente. Eu só consigo levantar coisas pequenas, e elas se levantam um tanto tímidas. Quando eu tento algo mais pesado – uma cadeira, uma mesa – nada acontece. As três bolas de tênis que eu e Henri usamos para o treino estão em uma cesta do outro lado da sala de estar. Trago uma delas para mim, e quando ela passa

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pelo campo de visão de Bernie Kosar ele levanta atento. Então eu a jogo longe sem nem tocá-la e ele sai correndo atrás; mas antes que ele consiga pegá-la, eu faço voltar, ou se ele arranja uma forma de segurá-la, eu a tiro de sua boca, tudo isso enquanto eu fico sentado em uma cadeira da sala de estar. Isso tira a minha atenção de Henri, do que pode ter acontecido com ele e da culpa pelas mentiras que eu vou ter que dizer a Sam. Ele levou vinte e cinco minutos para vir correndo de bicicleta pelos seis quilômetros até a minha casa. Eu consigo ouvi-lo pedalando na rua. Ele pula fora da bicicleta, que cai no chão enquanto ele corre e entra pela porta da frente sem nem bater, ofegante. O rosto dele está mBaúdo de suor. Ele olha em volta e analisa a cena. - Então, o que foi? – pergunta. - Isso vai soar absurdo para você. – eu digo. – Mas você vai ter que prometer que vai me levar a sério. - Do que você está falando? Do que eu estou falando? Eu estou falando de Henri. Que ele desapareceu por falta de cuidado, a mesma falta de cuidado que ele viveu pregando contra. Eu estou falando sobre o fato de que quando você apontou uma arma para mim, eu disse a verdade. Eu sou um alienígena. Henri e eu viemos para a Terra dez anos atrás, e nós começamos a ser caçados por uma raça de alienígenas ameaçadora. Eu estou falando sobre Henri pensar que pode evita-los se os conhecer um pouco mais. E agora ele se foi. É disso que eu estou falando, Sam. Você entende? Mas não, eu não posso dizer a ele essas coisas. - Meu pai foi capturado, Sam. Eu não tenho muita certeza sobre quem, ou o que estão fazendo com ele. Mas algo aconteceu, e eu acho que ele está sendo mantido como prisioneiro. Ou pior. Um sorriso surge no rosto dele. – Pare com isso. – ele diz. Eu balanço a cabeça e fecho os olhos. A gravidade da situação está outra vez tornando difícil respirar. Eu viro e fito Sam com uma expressão de suplica. Lágrimas enchendo os meus olhos. - Eu não estou brincando. O rosto de Sam demonstra surpresa. – Está querendo dizer o quê? Quem o capturou? Onde é que ele está? - Ele rastreou o escritor de um dos artigos da sua revista até Athens, Ohio, e foi lá hoje. Ele foi e ainda não voltou. O celular dele está desligado. Acho que aconteceu algo com ele. Algo ruim. Sam fica mais confuso. – O quê? Por que ele se importaria com isso? Tem alguma coisa que eu não estou entendendo. É só uma revista idiota. - Eu não sei, Sam. Ele gosta de você. E ele ama alienígenas e teorias de conspiração e todas essas coisas. – eu digo, pensando rápido. – Isso sempre foi um hobbie idiota dele. E aí um dos artigos o deixou interessado e acho que ele queria saber mais, então foi até lá. - Foi o artigo dos Mogadorians? Eu concordo com um aceno. – Como você sabe? - Porque parecia que ele tinha visto um fantasma quando eu falei disso no Halloween. – ele diz, e balança a cabeça. – Mas por que alguém se importaria se ele fizesse perguntas sobre esse artigo idiota? - Eu não sei. Quer dizer, imagino que essas pessoas não são lá as mais normais do mundo. Provavelmente eles são paranoicos e alucinados. Talvez eles pensem que ele é um alienígena, a mesma razão que você apontou uma

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arma para mim. Ele deveria estar em casa por volta de uma e o celular está desligado. É tudo o que eu posso dizer. Eu levanto e ando até a mesa da cozinha. Pego o pedaço de papel com o endereço e o número do telefone que Henri me deu. - É o endereço de onde ele foi hoje. – eu digo. – Tem ideia de onde isso fica? Ele olha para o papel, depois para mim. - Você quer ir lá? - Não sei mais o que fazer. - Por que você não pode simplesmente ligar para a polícia e dizer o que aconteceu? Eu sento no sofá, pensando na melhor maneira de responder. Eu queria poder dizer a verdade, que na melhor das nossas chances com o envolvimento da polícia seria eu ter que ir embora com Henri. Na pior das hipóteses, nós dois seríamos questionados, talvez até tendo que gravar as digitais, sendo empurrados para dentro de uma burocracia retrógrada, o que daria aos Mogadorians a chance de agir. E se nos encontrarem, a morte é quase certa. - Ligar para quais policiais? Os de Paraíso? O que você acha que eles fariam se eu dissesse a verdade? Poderia levar dias para que eles levassem a sério, e eu não tenho dias. Sam dá de ombros. – Eles poderiam levar a sério. Além disso, e se só o carro parou, ou o celular quebrou? Ele pode estar a caminho de casa agora. - Talvez, mas acho que não. Algo está errado, e eu tenho que chegar lá o mais cedo possível. Ele deveria estar em casa horas atrás. - Talvez ele tenha sofrido um acidente. Eu balanço a cabeça. – Talvez você esteja certo, mas eu não acho que esteja. E se ele estiver em perigo, então nós estamos perdendo tempo. Sam olha para folha. Ele morde o lábio e fica em silêncio por quinze segundos. - Bem, eu sei vagamente como chegar à Athens. Mas não tenho ideia de como chegar nesse endereço quando estivermos lá. - Posso imprimir direções da internet. Não estou preocupado com isso. O que me preocupa é como vamos chegar lá. Eu tenho cento e vinte dólares no meu quarto. Posso pagar alguém para nos levar até lá, mas não tenha ideia de a quem eu poderia pedir. Não é como se houvesse um monte de taxis em Paraíso, Ohio. - Nós podemos pegar nossa caminhonete. - Que caminhonete? - Estou falando da do meu pai. Nós ainda temos. Está na garagem. Não foi tocada desde que ele desapareceu. Olho para ele. – Está falando sério? Ele assente. - Faz quanto tempo isso? Ela ainda funciona? - Oito anos. Por que não funcionaria? Era praticamente nova quando ele comprou. - Calma aí, deixa eu ver se entendi direito. Você está sugerindo que a gente dirija por conta própria, eu e você, duas horas até Athens? Um sorriso torto surge nos lábios de Sam. – É exatamente o que eu estou sugerindo. Sentado no sofá, inclino o corpo para frente. Não consigo resistir, acabo sorrindo também. - Você sabe a merda que vai dar se nós formos pegos? Nenhum de nós tem

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carteira de motorista. Sam assente. – Minha mãe vai me matar, e talvez te mate também. E ainda tem a lei. Mas aham, se você realmente acha que seu pai está com problemas, que outra opção nós temos? Se os papeis tivessem invertidos, e fosse o meu pai em perigo, eu já estaria lá. Olho para Sam. Não há nem um pouco de hesitação no rosto dele e ele está sugerindo que a gente dirija ilegalmente até uma cidade a duas horas de distância, e sem mencionar que nenhum de nós sabe dirigir e nós não temos ideia do que esperar quando chegar lá. E ainda assim Sam está disposto. Aliás, foi ideia dele. - Beleza então, vamos dirigir até Athens. – eu digo. Jogo meu celular na mochila, confiro se está fechada e em ordem. Depois eu ando pela casa, absorvendo tudo como se essa pudesse ser a última vez que eu vejo qualquer uma dessas coisas. É um pensamento bobo, e eu sei que eu estou sendo um pouco sentimental, mas estou nervoso e isso meio que me acalma. Pego coisas aleatórias, depois as coloco de volta no lugar. Depois de cinco minutos estou pronto. - Vamos lá. – eu digo para Sam. - Quer ir na parte de trás da minha bicicleta? - Você pedala, eu vou correndo atrás. - E a sua asma? - Acho que vou ficar bem. Nós vamos. Sam sobe na bicicleta. Ele tenta correr o máximo possível, mas não está em boa forma. Eu mantenho uma leve corrida alguns passos atrás e finjo que estou com falta de ar. Bernie nos segue também. Quando chegamos à casa dele, Sam já está pingando suor. Ele corre para o quarto e volta com uma mochila, deixando-a em cima do balcão e depois vai trocar a roupa. Decido espiar dentro. Há um crucifixo, alguns dentes de alho, uma estaca de madeira, um martelo, uma bola de SillyPutty, que é uma substância plástica melequenta parecida com a Geleca, e um canivete. - Você sabe que essas pessoas não são vampiros, certo? – eu digo quando Sam volta. - Aham, mas nunca se sabe. Eles são provavelmente loucos, como você disse. - E mesmo se nós estivéssemos caçando vampiros, o que você acha que vai fazer com SillyPutty? Ele dá de ombros. – Só queria estar preparado. Encho uma tigela de água para Bernie Kosar e ele bebe tudo imediatamente. Troco de roupas no banheiro e pego o papel mostrando como chegar lá na mochila. Depois volto e caminho pela casa até a garagem, que está escura e com cheiro de gasolina e cortador de grama velho. Sam acende a luz. Várias ferramentas enferrujaram com a falta de uso estão penduradas na parede de pregos. A caminhonete está no centro da garagem, sob uma grande capa azul que está coberta por uma grossa camada de poeira. - Quanto tempo faz desde a última vez que tiraram essa capa? - Não desde que meu pai desapareceu. Pego uma ponta, Sam pega a outra, e juntos nós a tiramos, depois coloco em um canto. Sam observa a caminhonete, os olhos grandes, um sorriso no rosto. A caminhonete é pequena e de um azul escuro, tem espaço dentro para apenas duas pessoas, ou talvez uma terceira se não se importarem com o desconforto de alguém sentado no meio. Vai ser perfeito para Bernie Kosar.

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Nenhuma poeira dos últimos oito anos conseguiu entrar na caminhonete, então ela brilha como se tivesse acabado de ser encerada. Jogo minha mochila no fundo. - A caminhonete do meu pai. – Sam diz orgulhoso. – Todos esses anos, ainda parece a mesma. - Nossa carruagem dourada. – eu digo. – Você tem as chaves? Ele caminha até a lateral da garagem e pega um chaveiro em um gancho da parede. Eu destranco a porta da garagem e abro. - Quer fazer pedra-papel-tesoura pra ver quem dirige? – eu pergunto. - Nem. – Sam diz, abre a porta do lado do motorista e entra atrás do volante. A ignição estala e finalmente começa. Ele abaixa o vidro. - Acho que meu pai ficaria orgulhoso se me visse dirigindo isso. – ele diz. Eu sorrio. – Também acho que ficaria. Agora, sai que eu vou fechar a porta. Ele respira fundo, e depois vai apertando o acelerador para ir saindo lentamente, timidamente, aos poucos da garagem. Ele pisa no freio com tanta força e tão rápido que a caminhonete para com violência. - Você ainda não saiu totalmente. – eu digo. Ele tira lentamente o pé do freio e então sai devagar pelo resto do caminho. Bernie Kosar pula e entra sem nem ser chamado, entro logo ao lado dele. As mãos de Sam pálidas fechadas em volta do volante, posicionadas como sugere a cartilha. - Nervoso? – pergunto. - Apavorado. - Você vai conseguir. – eu digo. – Nós dois já vimos isso ser feito mil vezes antes. Ele assente. – Tudo bem. Pra que lado eu viro? - Nós realmente vamos fazer isso? - Sim. – ele diz. - Então, nós viramos para direita. – eu digo. – e seguimos para sair da cidade. Nós dois colocamos os cintos de segurança. Abro o vidro deixando só uma fresta, o suficiente para que Bernie Kosar possa colocar a cabeça para fora, o que ele faz imediatamente, ficando com as patas de trás no meu colo. - Cara… Eu estou com muito medo. – Sam diz. - Eu também. Ele respira fundo, segura o ar nos pulmões, e depois solta lentamente. - E... aqui... vamos... nós. – ele diz, tirando o pé do freio ao dizer a última palavra. A caminhonete vai chacoalhando rua abaixo. Ele aperta freio com tudo e nós derrapamos antes de parar. Depois ele começa a avançar aos poucos outra vez, bem devagar, até nós chegarmos ao final da rua, ele olha para os dois lados e então vira a esquina. Novamente, devagar no início e então ganhando velocidade. Ele está tenso, inclinado para frente, mas depois de um quilômetro um sorriso começa a ganhar forma em seu rosto e ele senta direito. - Não é tão difícil. - Você tem o dom. Ele mantém a caminhonete perto da linha pintada no lado direito da estrada. Ele fica rígido cada vez que um carro passa na direção oposta, mas depois de um tempo relaxa e dá pouca atenção. Ele faz uma curva, depois outra, e em vinte cinco minutos nós entramos na interestadual. - Não acredito que estamos fazendo isso. – ele diz, finalmente quebrando o silêncio. – É a coisa mais louca que eu já fiz, sem dúvidas.

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- Eu também. - Tem algum plano para quando chegarmos? - Nada por enquanto. Espero que a gente encontre logo para ir embora de uma vez. Não faço ideia se é uma casa, um prédio de escritório ou o que for. Eu não sei nem se Henri está lá. Ele assente. – Você acha que ele está bem? - Eu não tenho ideia. – eu digo. Eu respiro fundo. Ainda temos uma hora e meia na estrada, depois chegamos a Athens. E então nós vamos encontrar Henri. Capítulo 20

NÓS DIRIGIMOS PARA O SUL ATÉ QUE, ACONCHEGADA na base das Montanhas do Alpalaches, Athens fica a vista: uma pequena cidade emergindo entre as árvores. Na pouca luz eu posso ver um rio enroscando-se gentilmente em volta da cidade como se a segurasse em concha, servindo de borda para o leste, o sul e oeste, no norte há colinas e árvores. A temperatura está relativamente quente para novembro. Nós passamos pelo estádio de futebol da universidade. Uma arena de domo branco fica um pouco depois. - Pega essa saída. – eu digo. Sam guia a caminhonete para fora da interestadual e vira a direita para Richland Avenue. Nós dois estamos felizes por termos conseguido vir direto, sem sermos pegos. - Então é assim que é uma cidade universitária, hein? - Acho que sim. – Sam diz. Edifícios e dormitórios nos cercam. A grama é verde, meticulosamente aparada mesmo para o mês de novembro. Nós subimos uma colina íngreme. - No topo fica a Court Street. Viramos à esquerda. - Estamos muito longe? – Sam pergunta. - Menos de um quilômetro. - Quer passar pela rua de carro antes? - Não. Acho que nós devemos estacionar na primeira oportunidade e depois ir andando. - Nós dirigimos Court Street abaixo, que é a via principal no centro da cidade. Tudo está fechado por causa do feriado – livrarias, cafés, bares. Então eu vejo, exposto como uma joia. - Pare! – eu falo. Sam afunda o pé no freio. - Quê?! Um carro buzina atrás de nós. - Nada, nada. Continue dirigindo. Vamos estacionar. Nós passamos por mais um bloco até encontrar um uma vaga para parar. Suponho que seja uma caminhada de cinco minutos no máximo até lá. - O que foi aquilo? Eu quase morri de susto. - Era a caminhonete de Henri. – eu digo. Sam assente. – Por que às vezes você o chama de Henri? - Eu não sei, eu só faço. Meio que uma brincadeira entre nós. – eu digo, e olho para Bernie Kosar. – Acha que demos levá-lo? Sam dá de ombros. – Ele pode acabar atrapalhando. Dou a Bernie Kosar alguns biscoitos e o deixo na caminhonete com a janela aberta um pouco. Ele não fica feliz e começa a ganir e arranhar a janela, mas

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não acho que nós vamos demorar. Eu e Sam caminhamos de voltar para Court Street, as alças da minha mochilas passadas pelos meus ombros, Sam segurando a dele na mão. Ele pegou SillyPutty e está apertando isso como as pessoas fazem com aquelas bolas de espuma quando estão estressados. Nós chegamos à caminhonete de Henri. A porta está trancada. Não há nada importante nos assentos ou no painel. - Bem, isso significa duas coisas. – eu digo. – Henri ainda está aqui e seja lá quem esteja com ele, não descobriu o carro ainda, o que significa que ele não foi interrogado. Não que ele fosse dizer algo. - O que ele poderia dizer se fosse interrogado? Por um breve momento eu tinha esquecido que Sam não sabe nada sobre as verdadeiras razões de Henri para estar aqui. Eu já deixei escapar e o chamei de Henri. Eu preciso ser cuidadoso para não revelar nada mais. - Eu não sei. – eu digo. – Quer dizer, vai saber que tipo de perguntar esses malucos estão fazendo. - Tudo bem, e agora? Eu pego o mapa com o endereço que Henri me deu essa manhã. – Nós andamos. – eu digo. Nós caminhamos de volta pelo caminho que viemos. Os edifícios acabam e as casas começam. Desalinhadas e de aparência suja. Em pouco tempo nós alcançamos o endereço e paramos. Olho para o pedaço de papel, depois para a casa. Respiro fundo. - É aqui. – digo. Ficamos em pé olhando a casa de dois andares com revestimento de vinil cinza. O caminho na frente leva a uma varanda sem pintura, onde este pendurado um balanço quebrado meio torto para um lado. A grama é longa e malcuidada. Parece inabitada, mas há um carro na garagem atrás. Eu não sei o que fazer. Pego o meu celular. São 11:11. Ligo para Henri mesmo sabendo que ele não vai atender. É uma tentativa de estabilizar meu estado mental, para inventar um plano. Eu não tinha pensado nisso tão a frente, e agora que a realidade está aqui minha mente está em branco. Minha ligação vai direto para caixa de mensagens. - Me deixa ir bater na porta. – Sam diz. - E dizer o que? - Eu não sei, o que vier na minha cabeça. Mas ele nem teve chance, logo depois um homem saiu pela porta da frente. Ele é grande, no mínimo 1,90, cem quilos. Ele tem um cavanhaque e a cabeça é raspada. Ele está vestindo botas de trabalho, jeans azul, e um moletom preto puxado até os cotovelos. Há uma tatuagem em seu antebraço direito, mas eu estou muito longe para ver o que é. Ele cospe no quintal, depois vira e tranca a porta da frente, saindo da varanda e vindo na nossa direção. Eu me endireito quando ele se aproxima. A tatuagem é de um alienígena segurando um buquê de tulipas em uma mão como se estivesse oferecendo para alguma entidade invisível. O homem passa direto por nós sem dizer uma palavra. Sam e eu viramos para assisti-lo ir. - Você viu a tatuagem? – eu pergunto. - Aham. E é demais para o estereótipo de que nerds magrelos são os únicos fascinados por alienígenas. Esse homem é gigante, e ele parece... do mal. - Pegue o meu celular, Sam. - Que? Por quê? – ele pergunta.

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- Você tem que seguir ele. Pega o meu celular. Eu vou entrar na casa. É óbvio que não há ninguém lá, ou ele não teria trancado a porta. Henri pode estar aí dentro. Ligo pra você logo que eu puder. - Como você vai me ligar? - Eu não sei. Vou dar um jeito. Aqui. – relutantemente ele pega o celular. - E se Henri não estiver lá? - É por isso que eu quero que você siga esse cara. Ele pode está indo até Henri agora. - E se ele voltar? - Nós vamos dar um jeito. Mas você tem que ir agora. Eu prometo, te ligo na primeira chance. Sam vira e olha para o homem. Ele está cinquenta metros na frente agora. Depois olha de volta para mim. - Tudo bem, eu vou fazer isso. Tome cuidado lá dentro. - Tenha cuidado também. Não o perca de vista. E não deixe ele te ver. - Isso não tem nem chances de acontecer. Ele vira e se apressa para acompanhar o homem. Eu os assisto ir, uma vez que eles somem de vista, eu caminho em direção à casa. As janelas estão escuras, cada uma coberta com uma veneziana branca. Não consigo ver lá dentro. Ando em volto em direção a parte de trás. Há um pátio de concreto pequeno que leva à porta de trás, que está trancada. Continuo pelo resto do caminho em volta da casa. Está coberto por ervas daninhas e arbustos que continuaram depois do verão. Eu tento abrir uma janela. Trancada. Todas elas estão trancadas. Eu deveria quebrar uma? Procuro por pedras entre uns arbustos, encontro uma e a faço levitar, mas uma ideia passa pela minha cabeça, uma ideia tão louca que deve funcionar. Largo a pedra e caminho de volta para a porta dos fundos. Ela tem uma tranca comum, sem qualquer complicação. Respiro fundo, fecho os olhos em concentração, e seguro a maçaneta. Tendo abrir sacudindo. Meus pensamentos correndo da cabeça, para o coração e então para o estômago; cada parte centralizando-se ali. Seguro com mais força, o ar preso em antecipação enquanto tento visualizar o interior da tranca funcionando. De repente, sinto e escuto um clique sob a minha mão que está segurando a maçaneta. Um sorriso surge no meu rosto. Giro a maçaneta e a porta abre. Não posso acreditar que consigo destrancar portas só de imaginar como funciona. A cozinha é surpreendentemente limpa, bem cuidada, a pia livre de pratos sujos. Há um pão de forma no balcão. Caminho por um corredor estreito até a sala de estar, onde as paredes são cobertas por pôsteres de esporte e banners e há uma tela grande de TV no canto. A porta de um quarto está meio aberta à esquerda. Coloco minha cabeça para dentro. Está uma confusão, cobertor jogado de qualquer jeito na cama, uma massa de coisas sobre a cômoda. O cheiro ruim de roupa suja molhada de suor. Na frente da casa, perto da porta, uma escada leva ao segundo andar. Começo a subir. O terceiro degrau range embaixo do meu pé. - Oi? – uma voz grita no segundo andar. Eu congelo, prendendo o ar. - Frank, é você? Fico em silêncio. Escuto alguém levantar de uma cadeira, depois o barulho dos passos ocos no chão de madeira enquanto se aproxima. Um homem aparece

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no alto da escada. Cabelos escuros desgrenhados, costeletas e a barba não feita. Não tão grande quando o homem que eu vi saindo antes, mas também não é exatamente pequeno. - Que isso? Quem é você?! – ele pergunta. - Eu estou procurando por um amigo meu. – eu digo. O rosto se transforma, uma expressão de raiva surgindo. Ele some e reaparece cinco segundos depois com um bastão de baseball. - Como você entrou aqui? – ele pergunta. - Eu largaria o bastão se fosse você. - Como é que você entrou aqui? - Eu sou mais rápido do que você e muito mais forte. - Ah, é. Claro que é. - Estou procurando um amigo meu. Ele veio aqui essa manhã. Quero saber onde ele está. - Você é um deles, não é? - Não sei de quem você está falando. - Você é um deles! – ele grita. Ele segura o bastão como um jogador de baseball, as dobras dos dedos brancas em volta da extremidade mais fina do bastão, pronto para bater. Há medo genuíno nos olhos dele. O maxilar comprimido com força. – Você é um deles! Por que você ainda não nos deixou em paz?! - Eu não sou um deles. Eu vim aqui por causa do meu amigo. Me diz onde ele está. - Seu amigo é um deles! - Não, ele não é. - Então você sabe de quem eu estou falando? - Sim. Ele desce um degrau. - Eu estou te avisando. – eu digo. – Largue o bastão e me diz onde ele está. A incerteza dessa situação faz minhas mãos tremerem, o fato de que ele está com um bastão e eu não tenho nada a não ser as minhas habilidades. Fico nervoso por causa do medo nos olhos dele. Ele desce outro degrau. Há apenas mais seis entre nós. - Eu vou arrancar a sua cabeça. Isso deve servir como mensagem aos seus amigos. - Eles não são meus amigos. Eu posso garantir a você que você vai estar fazendo um favor a eles se me machucar. - Vamos ver, então. – ele diz. Ele vem correndo escada abaixo. Não há nada que eu possa fazer, a não ser reagir. Ele golpeia com o bastão. Eu abaixo e isso bate na parede com um baque, deixando um buraco no painel de madeira. Ergo o corpo e o levanto no ar, apertando o pescoço dele com uma mão, a outra segurando embaixo de seu braço, carregando-o de volta para o segundo andar. Ele se debate, chutando as minhas pernas e virilha. O bastão cai de sua mão. Vai rolando fantasmagoricamente escada abaixo e então escuto uma janela quebrar atrás de mim. O segundo andar é uma grande área aberta. Está escuro. Edições de Eles Estão Entre Nós vão cobrindo as paredes e, quando terminam, começa parafernália de alienígenas – mas diferente das de Sam, os pôsteres são de fotografias reais tiradas ao longo dos anos, tão embaçadas e granuladas que é

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difícil entender, a maioria é de manchas brancas com o fundo preto. O domo de uma alienígena de borracha com um laço no pescoço está no canto. Alguém acrescentou um sombreiro mexicano à cabeça dele. Há estrelas que brilham no escuro presas ao teto. Elas parecem deslocadas, como se fossem algo pertencente ao quarto de uma menininha de dez anos. Jogo o homem no chão. Ele se arrasta para longe e levanta. Ao ver que ele está fazendo isso, concentro meu poder no meu estômago e direciono para ele, com um gesto forte de arremessar, e ele sai voando para trás até bater contra uma das paredes. - Onde ele está? – eu pergunto. - Eu nunca vou te dizer. Ele é um de vocês. - Eu não sou quem você pensa que eu sou. - Vocês nunca vão vencer! Deixe a Terra em paz! Levanto a mão e aperto o pescoço dele. Posso sentir os tendões flexionados embaixo da minha mão, mesmo que eu nem esteja tocando-o. Ele não consegue respirar e está ficando com o rosto vermelho. Eu solto. - Vou perguntar de novo. - Não vou falar. Aperto com força, sufocando-o outra vez, mas agora não solto quando o rosto dele fica vermelho, pelo contrário, aperto mais forte. Quando largo ele começa a chorar e eu me sinto mal pelo que fiz. Mas ele sabe onde Henri está, fez algo com ele. Minha simpatia acaba tão rápido quanto surge. Depois que ele recupera o ar diz entre choros: - Ele está lá embaixo. - Onde? Eu não o vi. - No porão. A porta é atrás o banner do Steelers na sala de estar. Disco o número do meu celular no telefone que está na parede atrás de uma escrivaninha. Sam não responde. Então arranco da parede e quebro ao meio. - Me dê seu celular. - eu digo. - Eu não tenho um. Vou até o domo do alienígena e pego o laço. - Ah, qual é, cara. - ele implora. - Cale a boca. Você sequestrou meu amigo. Você prendeu ele aqui contra a própria vontade. Você tem sorte de eu só estar te amarrando. Coloco os braços dele para trás e amarro o laço em volta com força, depois prendo à cadeira. Não acho que isso vai segurá-lo por muito tempo. Passo silver tape na boca dele para que não berre e vou lá embaixo procurar. Arranco o banner do Steelers da parede, revelando uma porta escura que está trancada. Para destrancar faço o mesmo que fiz com a outra. Um lance de escadas de madeira leva ao escuro absoluto. O cheiro de mofo chega ao meu nariz. Eu acendo a luz e começo a descer, devagar, aterrorizado com o que eu posso encontrar. Os cantos cheios de teias de aranha. Eu alcanço o fim e imediatamente sinto a presença de mais alguém, alguém ali comigo. Eu fico rígido, respiro fundo, e então viro. Lá, no canto do porão, está Henri. - Henri! Ele aperta os olhos por causa da luz, ajustando-os. Uma tira de silver tape está sobre a boca dele. As mãos estão amarradas atrás, os tornozelos presos às pernas da cadeira que ele está sentado. O cabelo dele está desgrenhado e do lado direito do rosto há uma linha de sangue seco, quase preto. Ver isso me enche de raiva.

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Corro até Henri e tiro a fita da boca dele. Ele respira fundo. - Graças a deus. - ele diz. A voz fraca. - Você estava certo, John. Foi bobeira vir aqui. Me desculpe. Eu deveria ter ouvido. - Shh. - eu digo. Eu abaixo e começo a desamarrar os tornozelos dele. Ele está com cheiro de urina. - Fui pego em uma emboscada. - Quantos eram? - eu pergunto. - Três. - Eu amarrei um deles lá em cima. - eu digo. Solto os tornozelos dele. Ele estica as pernas e deixa o ar escapar com o alívio. - Fiquei nessa droga de cadeira o dia inteiro. Começo a trabalhar para livrar as mãos dele. - Meu Deus, como é que você chegou aqui? – ele pergunta. - Sam e eu viemos juntos. Nós dirigimos. - Está brincando? - Não tinha outro jeito. - O que você dirigiu? - A caminhonete velha do pai dele. Henri fica em silêncio um minuto enquanto pondera o que isso significa. - Ele não sabe de nada. - eu digo. - Eu disse a ele que alienígenas é um hobbie seu, nada mais. Ele assente. - Bem, estou feliz por você ter feito isso. Onde ele está agora? - Seguindo um deles. Não sei onde foram. Escutamos o piso ranger acima de nós. Levanto, as mãos de Henri desamarradas apenas pela metade. - Você ouviu isso? – eu sussurro. Nós dois olhamos para a porta prendendo a respiração. Vemos um pé no degrau mais alto, e outro. Então de uma só vez o homem alto que passou por nós mais cedo, o que Sam estava seguindo, surge. - A festa acabou, pessoal. – ele diz. Apontando uma arma para o meu rosto. – Agora, se afaste. Levanto as mãos para frente, dou um passo para trás. Penso em usar os meus poderes para afastar a arma, mas e se de alguma forma eu causo um tiro por acidente? Eu ainda não tenho confiança com as minhas novas habilidades. É muito arriscado. - Eles nos disseram que vocês poderiam vir. Que vocês se pareceriam como humanos. Que vocês eram o inimigo real. – o homem diz. - Do que você está falando? – eu pergunto. - Eles estão delirando. – Henri diz. – Eles acham que nós somos os inimigos. - Cale a boca! - o homem grita. Ele dá três passos na minha direção. Depois muda e aponta a arma diretamente para Henri. - Um movimento em falso e eu atiro. Está entendendo? - Sim. – eu digo. - Agora, pegue isso. – ele diz. Ele pega um rolo de fita em uma prateleira próxima e joga na minha direção. Enquanto isso se move no ar, eu faço parar, suspendido a cerca de dois metros e meio do chão, na metade do caminho entre nós. Faço com que ela vire bem rápido. O homem apenas observa,

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confuso. - Que merd... ? Enquanto ele está distraído, estendo meu braço na direção dele em um gesto de jogar. O rolo de fita voa de volta e atinge o nariz dele. O sangue começa a jorrar e ele acaba deixando a arma cair quando tenta pegá-la, ela cai no chão e dispara. Aponto a mão para bala e faço com que pare, atrás de mim escuto Henri rir. Faço a bala se mover de modo que ela fique na frente do rosto do homem. - Ei, bonzão. – eu digo. Ele abre os olhos e vê a bala no ar, bem em frente ao seu rosto. - Você vai ter que se esforçar mais. Eu deixo a bala cair no chão ao pé dele. Ele vira para correr, mas o puxo de volta através do porão e o empurro contra uma larga coluna de sustentação. Ele apaga e escorrega para o chão. Pego a fita e o amarro à coluna. Depois de verificar que está preso, viro para Henri e termino de soltá-lo. - John, acho que essa é a melhor surpresa que eu já tive na minha vida inteira. – ele diz em um sussurro, tanto alívio na voz que eu acho que ele vai chorar. Eu sorrio com orgulho. - Obrigado. Apareceu no jantar. - Sinto muito por ter perdido isso. - Disse a eles que você estava ocupado. Ele sorri. - Graças a Deus o Legado veio. - ele diz, e eu percebo que o estresse da formação dos meus Legados - ou o medo deles não se formarem – tiveram muito mais peso para Henri do que eu imaginei. - O que aconteceu com você? - eu pergunto. - Bati na porta. Todos os três estavam em casa. Quando entrei um deles bateu com algo atrás da minha cabeça. Depois eu acordei nessa cadeira. - Ele balança a cabeça e diz uma longa série de palavras em Loric que eu sei que são xingamentos. Eu termino de desamarrá-lo e ele levanta e estica as pernas. - Nós precisamos sair daqui. - ele diz. - Nós temos que encontrar Sam. Então nós o ouvimos. - John, você está aí embaixo? Capítulo 21 TUDO FICA DEVAGAR. VEJO UMA SEGUNDA PESSOA no alto da escada. Sam se assusta e dá um grito que mais parece um ganido, eu viro para ele, silêncio enchendo meus ouvidos junto ao zumbido discordante que vem com a câmera lenta. O homem atrás dele o empurra com tanta força que faz seus pés saírem do chão e, quando tocá-lo outra vez, vai ser nos pés da escada, onde o piso de concreto o espera. Assisto enquanto ele desliza pelo ar, balançando os braços e com uma expressão de terror no rosto. Sem nem pensar, meus instintos tomam conta, eu levanto as mãos bem no último segundo e consigo segurá-lo, sua cabeça a meros cinco centímetros acima do piso do porão. Coloco Sam no chão gentilmente. - Merda. - Henri diz. Sam senta e engatinha para trás como um caranguejo até alcançar a parede de concreto cinza. Está com os olhos arregalados, fitando os degraus, a boca aberta abrindo e fechando, mas nenhuma palavra chegar a se formar. O homem que o empurrou está em pé no alto da escada tentando entender, assim como Sam, o que acabou de acontecer. Esse deve ser o terceiro.

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- Sam, eu tentei- – digo.

O homem lá em cima vira e tenta correr, mas o faço descer dois degraus. Sam olha o homem ser segurado por uma força invisível, depois para o meu braço estendido na direção dele. Ele está chocado e sem palavras. Pego a fita adesiva, faço o homem levantar do chão e carrego para o segundo andar, mantendo-o suspendido por todo caminho. Ele grita palavrões enquanto o prendo na cadeira, mas não escuto nenhum porque minha mente está muito ocupada correndo atrás de um modo para explicar a Sam o que aconteceu de aconteceu. - Cale a boca. - digo. O homem começa a despejar outra sequência de xingamentos. Já tive o bastante, coloco a fita na boca dele, calando-o, e volto para o porão. Henri está em pé perto de Sam, que ainda está sentado lá, com o mesmo olhar vazio no rosto. - Eu não entendi - ele diz. - O que acabou de acontecer? Henri e eu trocamos um olhar. Dou de ombros. - Me diz o que aconteceu. - Sam diz, a voz implorando a nós, tingida com desespero para saber a verdade, para saber que ele não é louco e que ele não imaginou o que acabou de ver. Henri suspira e balança a cabeça. Então diz: - Pra que continuar com isso? - Isso o que? - pergunto. Henri me ignora, em vez disso vira para Sam. Ele contrai os lábios, olha para o homem jogado na cadeira para ter certeza de que ainda está apagado, e depois de para Sam outra vez. - Nós não somos quem você pensa que somos. - diz, e pausa. Sam fica em silêncio, fitando Henri. Não consigo ler o rosto dele, então não tenho ideia do que Henri vai dizer – se vai novamente inventar uma história bem elaborada ou, pela primeira vez, dizer a verdade – e é por essa última opção que estou esperando. Henri olha para mim e eu aceno a cabeça em acordo. - Nós viemos para Terra dez anos atrás de um planeta chamado Lorien. Nós tivemos que vir porque ele foi destruído pelos habitantes de outro planeta, o Morgadore. Eles fizeram isso por causa dos nossos recursos naturais, porque eles já transformaram o próprio planeta em uma fossa de decadência. Nós estamos aqui para no esconder até que possamos voltar para Lorien, o que nós vamos fazer um dia. Mas nós fomos seguidos por eles, os Mogadorians. Eles estão nos caçando. Além disso, acredito que eles estejam aqui para tomar conta da Terra também, e é por isso que eu vim até aqui hoje, para entender um pouco mais. Sam não diz nada. Se tivesse sido eu a dizer isso tudo, tenho certeza de que ele não acreditaria em mim, de que poderia ficar irritado, mas foi Henri quem disse a ele, e eu sempre senti certa integridade em Henri, e não tenho dúvidas de que Sam também sente isso. Ele olha para mim. - Eu estava certo: você é um alienígena. Você não estava zoando quando disse isso. - Sam diz para mim. - Sim, você estava certo. Ele olha de volta para Henri. - E aquelas histórias que você me disse no Halloween? - Não. Aquelas eram só aquilo. - Henri diz. - Histórias ridículas que me fazem rir quando eu tropeço nelas pela internet, nada mais. Mas o que eu te disse agora

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é a pura verdade. - Bem... - Sam começa a dizer, mas a frase perde o rumo, ele abre e fecha a boca atrás de palavras. - O que acabou de acontecer? Henri me indica. - John está no processo de desenvolver certos poderes. Telecinese é um deles. Quando você foi empurrado, John te salvou. Sam sorri, me observando. Quando olho para ele, ele acena com a cabeça. - Eu sabia que você era diferente. - diz. - Desnecessário dizer. - Henri diz para Sam. - Você vai ter que ficar quieto sobre isso. - depois olha para mim. - Nós precisamos de informações e temos que sair daqui. Provavelmente eles já estão por perto. - Os caras lá em cima ainda devem estar conscientes. - Vamos lá falar com eles. Henri se adianta, pega a arma do chão e puxa o pente. Está carregada. Ele remove todas as balas e as coloca em uma prateleira próxima, depois empurra o pente de volta e coloca a arma no cós do jeans. Ajudo Sam a ficar em pé e nós três vamos para o segundo andar. O homem que eu trouxe com telecinese ainda está lutando para se soltar. O outro está sentado imóvel. Henri vai até ele. - Você foi avisado. - Henri diz. O homem apenas assente. - Agora você vai falar. - Henri diz, e tira a fita da boca do homem. - E se você não... - Ele puxa o percussor da arma e aponta para o peito do homem. - Quem visitou você? - Havia três deles. - ele diz. - Bem, há três de nós. E daí? Continue falando. - Eles me disseram que se vocês aparecessem e eu falasse algo, eles iam me matar. - o homem diz. - Eu não vou dizer mais nada. Henri pressiona o cano da arma contra a testa dele. Por alguma razão fico desconfortável com isso. Estico o braço e abaixo a arma para que aponte apenas para o chão. Henri me olha com curiosidade. - Há outros modos. - eu digo. Henri dá de ombros e deixa a arma apontada para baixo - O chão é seu. - ele diz. Paro a uns dois metros na frente do homem. Ele me olha com medo. Ele é pesado, mas depois de pegar Sam enquanto ainda praticamente voava até o chão, eu sei que posso levantá-lo. Eu mantenho meus braços para frente, tensionando meu corpo em concentração. Nada no início, mas depois bem devagar ele começa a sair do chão. O homem se debate, mas está preso à cadeira com a fita e não há nada que ele possa fazer. Eu me concentro com tudo o que tenho, e ainda posso ver pelo canto dos olhos que Henri está sorrindo orgulhoso, e Sam também. Ontem eu não podia levantar uma bola de tênis; agora eu estou levantando uma cadeira onde um homem de noventa quilos está sentado. Quão rápido o Legado se desenvolveu. Quando já levantei até o nível dos nossos rostos, viro a cadeira e ele fica pendurado de cabeça para baixo. - Qual é, cara?! - ele berra. - Comece a falar. - Não! - ele berra outra vez. - Eles falaram que vão me matar. Largo a cadeira e ela cai. O homem grita, mas pego antes que ele bata no chão. Faço ele subir de volta.

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- Havia três deles! - ele grita, falando rápido. - Eles apareceram no mesmo dia que nós enviamos as revistas. Eles apareceram naquela noite. - Como eles eram? - Henri pergunta. - Como fantasmas. Eles eram pálidos, quase albinos. Eles usavam óculos de sol, mas quando nós não falamos um deles tirou. Eles tinham olhos negros e dentes afiados, mas não parecia natural como os de animais. Era como se tivessem sido quebrados e esculpidos. Todos estavam vestindo sobretudo comprido e chapéu, como se tivessem saído de um filme antigo de espião. O que mais você quer saber? - Por que eles vieram? - Eles queriam saber a fonte da nossa história. Nós dissemos a eles. Um homem ligou, disse que tinha uma exclusiva para nós, começou a falar rápido, cuspindo as palavras com raiva, sobre um grupo de alienígenas que queriam destruir a nossa civilização. Mas ele ligou no dia que estávamos imprimindo, então em vez de escrever a história toda, nós colocamos um pequeno resumo e falamos que teria mais no próximo mês. Ele falava tão rápido que era difícil acompanhar o que ele dizia. Nós estávamos pensando em ligar para ele na noite seguinte, só que isso não aconteceu, em vez disso os Mogadorians apareceram. - Como vocês souberam que eles eram Mogadorians? - Quem mais você acha que poderia ser? Nós escrevemos sobre a raça de alienígenas Mogadorian e, olhe só, de repente um grupo de alienígenas aparece na nossa porta querendo saber onde conseguimos a história. Não foi muito difícil descobrir. O homem é pesado e está ficando difícil segurá-lo. Minha testa está ensopada de suor e até respirar é um esforço. Faço com que ele fique de cabeça para cima outra vez, logo começando a abaixá-lo. Quando está a um metro do chão eu solto e ele aterrissa com um Oomphf. Apoio as mãos nos joelhos e pego ar. - Qual é, cara?! Eu estava respondo as suas perguntas. - ele diz. - Me desculpe. - digo. - Você é muito pesado. - E essa foi a única vez que eles vieram? - Henri diz. O homem balança a cabeça. - Eles voltaram. - Por quê? - Para ter certeza de que nós não publicamos mais nada. Eles não acreditaram em nós, mas o homem que nos ligou nunca mais atendeu, então não tínhamos mais nada para publicar. - O que aconteceu com ele? - O que você acha? - o homem pergunta. Henri assente e diz: - Então eles sabiam onde o homem vivia? - Eles tinham o número de telefone que nós deveríamos usar para ligar. Tenho certeza de que deram um jeito. - Eles te ameaçaram? - Meu Deus, e como! Eles destruíram nosso escritório. Eles ferraram com a minha mente. Não tenho sido o mesmo desde então. - O que eles fizeram com a sua mente? Ele fecha os olhos e respira fundo. - Eles não pareciam nem reais. - ele diz. - Quer dizer, aparecem esses três homens na nossa frente falando em vozes ásperas e profundas, todos vestindo sobretudo, chapéu e óculos de sol, mesmo que estivesse à noite. Parecia que eles estavam vestidos para festa de Halloween ou algo assim. Era até

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engraçados e eles pareciam meio que fora do lugar, então de cara eu ri... – ele diz, a voz desaparecendo. - Mas no segundo que eu ri soube que tinha cometido um erro. Os outros dois Mogadorians vieram na minha direção sem os óculos. Tentei parar de olhar, mas eu não pude. Aqueles olhos. Eu tinha que olhar, como se algo estivesse me puxando. Foi como ver a morte. Minha própria morte, e a morte de todas as pessoas que eu conheço e amo. As coisas não eram mais engraçadas. Eu não só tive que testemunhar as mortes, como tive que sentir. A incerteza. A dor. O terror completo e absoluto. Eu não estava mais nessa sala. E então vieram coisas que eu sempre temi quando criança. Imagens de animais de pelúcia que ganhavam vida, com dentes afiados nas bocas, as garras eram como lâminas de navalha. As coisas comuns de que toda criança tem medo. Lobisomens. Palhaços demoníacos. Aranhas gigantes. Eu vi todas pelos olhos de uma criança, e elas me aterrorizaram absolutamente. E a cada vez que uma dessas coisas me mordia, eu podia sentir os dentes rasgarem a carne do meu corpo, eu podia sentir o sangue saindo das minhas feridas. Não conseguia nem parar de gritar. - Você pelo menos tentou lutar? - Eles tinham duas dessas pequenas coisas com cara de doninha, gordas, com pernas curtas. Não eram maiores do que um cachorro. As bocas espumando. Um dos homens estava segurando na coleira, mas dava para ver que elas estavam famintas por nós. Eles disseram que iam soltá-las se nós resistíssemos. Estou te dizendo, cara, aquelas coisas não eram da Terra. Se fossem cachorros, grande coisa, nós poderíamos nos defender. Mas acho que aquelas coisas poderiam nos comer inteiros a despeito do nosso tamanho. E elas estavam forçando para se soltar, rosnando, tentando nos pegar. - Então você falou? - Sim. - Quando eles voltaram? - Na noite antes da última revista sair, pouco mais de uma semana atrás. Henri vira para mim com um olhar preocupado. Apenas uma semana atrás os Mogadorians estavam a menos de 200 quilômetros de onde nós vivemos. Eles podem ainda estar aqui em algum lugar, talvez monitorando o escritório. Quem sabe é por causa disso que Henri sentiu a presença deles há pouco tempo. Sam está perto de mim, tentando absorver toda a história. - Por que eles não simplesmente te mataram como fizeram com a sua fonte? - Sei lá, como que é que eu vou saber? Talvez porque nós publicamos uma revista respeitável. - Como o homem que ligou sabia sobre os Mogadorians? - Ele disse que capturou e torturou um deles. - Onde? - Eu não sei. O código do telefone dele era de uma área próxima a Columbus. Muito ao norte daqui. Talvez a noventa ou cento e vinte quilômetros ao norte. - Você falou com ele? - Aham. E eu não tinha certeza se ele era louco ou não, mas já tinha ouvido rumores sobre algo assim. Ele começou a contar sobre eles quererem acabar com a nossa civilização. Às vezes ele falava tão rápido que era difícil encontrar sentido no meio do que dizia. Uma coisa que ele ficava repetindo era que eles estavam aqui caçando algo, ou alguém. Então ele começava a falar números, como se tivesse contando ou sei lá.

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Meus olhos se arregalaram. - Que números? O que eles significam? - Não tenho ideia. Como eu disse, ele estava falando tão rápido que isso foi tudo o que conseguimos fazer para escrever. - Vocês escreveram enquanto ele falava? - Henri pergunta. - Claro que sim. Nós somos jornalistas. - ele diz incrédulo. - Vocês acham que nós inventamos as histórias que escrevemos? - Aham, eu acho. - Henri diz. - Você ainda tem as notas que escreveu? - eu digo. Ele olha para mim e assente. - Estou te dizendo, elas são inúteis. A maior parte do que eu escrevi são rabiscos sobre o plano deles de destruir a raça humana. - Eu preciso ver. – praticamente grito. - Onde, onde elas estão? Ele faz um gesto na direção a uma escrivaninha contra uma das paredes. - Na escrivaninha. Nos post it, esses papeizinhos de lembrete que grudam. Caminho até lá, a escrivaninha está coberta com papeis, começo a procurar pelos post it. Encontro algumas notas bem vagas sobre a esperança dos Mogadorians de conquistar a Terra. Nada concreto, nenhum plano ou detalhe, apenas algumas palavras indistintas: "Excesso demográfico" "Recursos da Terra" "Guerra biológica?" "O Planeta Mogadore" Encontro a nota que estou procurando. Leio com cuidado três ou quatro vezes. PLANETA LORIEN?O LORIC? 1-3 MORTOS 4? 7 RASTREADO NA ESPANHA 9 FUGINDO NA A.S. (DO QUE ELE ESTÁ FALANDO? O QUE ESSES NÚMEROS TÊM A VER COM INVADIR A TERRA?) - Por que tem uma interrogação depois do número 4? - eu pergunto. - Porque ele disse algo sobre isso, mas falou muito rápido e eu não consegui entender. - Você só pode estar brincando. Ele balança a cabeça. Eu suspiro. Sorte a minha, eu penso. A única coisa dita sobre mim é a única coisa que não foi escrita. - O que significa AS? - pergunto. - América do Sul. - Ele falou onde na América do Sul? - Não. Aceno com a cabeça e fito o pedaço de papel. Queria ter ouvido a conversa, queria ter feito perguntas. Os Mogadorians sabem mesmo onde o Sete está? Eles estão mesmo seguindo ele ou ela? Se sim, o Feitiço Loric ainda funciona. Dobro os papeizinhos e guardo no bolso de trás. - Você sabe o que os números significam? - ele pergunta. Eu balanço a cabeça. - Não tenho ideia. - Não acredito em você. - ele diz. - Cale a boca. - Sam diz, e cutuca a barriga dele com a ponta mais grossa do bastão. - Há algo mais que você possa me dizer? - eu pergunto. Ele pensa sobre isso por um momento, então diz: - Acho que luz forte os

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incomoda. Parece que causa dor quando tiram os óculos escuros. Nós ouvimos um barulho no andar de baixo. Como se alguém tentasse abrir devagar a porta. Olhamos um para o outro. Olho para o homem na cadeira. - Quem é? - digo em voz baixa. - Eles. - Quê? - Eles falaram que iam ficar de olho. Que eles sabiam que alguém poderia vir. Nós ouvimos o som baixo de passos no primeiro andar. Henri e Sam trocam olhares, ambos aterrorizados. - Por que você não nos disse? - Eles falaram que iam me matar. E a minha família. Corro para a janela, olho para os fundos. Nós estamos no segundo andar. É uma queda de seis metros até o chão. Há uma cerca em volta do quintal. Ripas de madeira de dois metros e meio. Volto rápido para as escadas, espio embaixo. Vejo três figuras enormes, em longos sobretudos pretos, chapéus pretos e óculos escuros. Eles estão carregando espadas longas e reluzentes. Não há jeito de voltar pela escada. Meus Legados estão ficando fortes, mas não fortes o suficiente para vencer três Mogadorians. A única maneira de sair é por uma das janelas ou através da pequena varanda na frente da sala. As janelas são menores, mas o quintal vai nos permitir escapar sem sermos vistos. Se nós sairmos pela frente, vamos ficar mais visíveis. Eu escuto um barulho vindo do porão e os Mogadorians falando uns com os outros em uma linguagem horrível e gutural. Dois deles se movem em direção ao porão enquanto o terceiro vai em direção à escada que leva até nós. Tenho um ou dois segundos para agir. As janelas vão quebrar se formos por elas. Nossa única chance é a porta que leva à varanda do segundo andar. Abro usando telecinese. Está escuro lá fora. Escuto os passos subindo a escada. Eu puxo Sam e Henri para mim e jogo cada um sobre os meus ombros como sacos de batatas. - O que você está fazendo? - sussurra Henri. - Não tenho ideia. - digo. - Mas espero que funcione. Assim que vejo o topo do chapéu do primeiro Mogadorian, eu disparo na direção da porta e pouco antes do parapeito da varanda, pulo. Nós voamos para dentro do céu da noite. Por dois ou três segundos nós ficamos flutuando. Vejo carros se movendo na rua abaixo de nós. Vejo pessoas nas calçadas. Não sei onde nós vamos aterrissar, ou se o meu corpo vai suportar todo o peso que estou carregando quando acontecer. Quando nós atingimos o telhado de uma casa do outro lado da rua eu praticamente desabo, com Sam e Henri sobre mim. Fico sem ar, e parece que minhas pernas estão quebradas. Sam começa a levantar, mas Henri o puxa de volta. Ele me arrasta para a ponta do telhado e pergunta se eu posso usar minha telecinese para colocar os dois lá embaixo. Eu posso e faço. Ele me diz para pular. Levanto sobre as minhas pernas que estão vacilantes e ainda machucadas, e, bem antes de pular, viro e vejo os três Mogadorians em pé na varanda do outro lado da rua, parecendo confusos. As espadas estão reluzindo. Sem perder nem mais um segundo, nós vamos embora sem que eles nos vejam. Nós chegamos à caminhonete de Sam. Henri e ele tiveram que me ajudar a andar. Bernie está lá nos esperando. Nós decidimos deixar para trás a caminhonete de Henri porque é mais fácil eles conseguirem rastreá-la. Nós saímos de Athens e Henri começa a dirigir de volta para Paraíso, que

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realmente vai ser um depois da noite que tivemos. Henri começa do início, dizendo tudo a Sam. Ele não para até estarmos entrando na nossa rua. Ainda está de noite. Sam olha para mim. - Inacreditável. - ele diz, e sorri. - É a coisa mais legal que eu já ouvi. - eu olho para ele e vejo a confirmação que ele sempre procurou na vida, alguma afirmação de que o tempo que ele gastou com o nariz enfiado tabloides de conspiração, procurando por pistas sobre o desaparecimento de seu pai, não foi em vão. - Você é mesmo resistente a fogo? - ele pergunta. - Sim. - eu digo. - Cara, isso é tão legal! - Obrigado, Sam. - Você pode voar? - ele pergunta. Primeiro eu penso que ele está zoando, mas depois vejo que não. - Eu não posso voar. Eu sou resistente a fogo e minhas mãos podem acender como luzes. Eu tenho telecinese, que eu só aprendi a usar ontem. Mais Legados devem vir em breve. Pelo menos nós achamos que sim. Mas eu não tenho ideia do que eles vão ser até eles realmente se desenvolverem. - Espero que você aprenda a ficar invisível. - Sam diz. - Meu avô podia. E qualquer coisa que ele tocasse também ficava invisível. - Sério? - Aham. Ele começa a rir. - Eu ainda não acredito que vocês dois foram dirigindo sozinhos por todo o caminho até Athens. - Henri diz. - Vocês são realmente incríveis. Quando nós paramos para abastecer eu vi que a placa expirou há quatro anos. Eu realmente não faço ideia de como vocês conseguiram chegar lá sem serem parados. - Bem, vocês podem contar comigo daqui pra frente. - Sam diz. - Eu vou fazer o que for preciso para ajudar a pará-los. Especialmente porque eu aposto que foram eles que pegaram meu pai. - Obrigado, Sam. - Henri diz. - A coisa mais importante que você pode fazer é guardar o nosso segredo. Se qualquer pessoa descobrir sobre, pode levar à nossa morte. - Não se preocupe. Nunca vou dizer pra ninguém. Não quero que John use os poderes dele em mim. Nós rimos e agradecemos a Sam outra vez e ele vai embora. Henri e eu entramos. Mesmo que eu tenha dormido no caminho de volta, eu ainda estou exausto. Eu deito no sofá. Henri senta na cadeira à minha frente. - Sam não vai dizer nada. - digo. Ele não responde, apenas fita o chão. - Eles não sabem que estamos aqui. - digo. Ele olha para mim. - Eles não sabem. - eu digo. - Se soubessem estariam nos seguindo agora. Ele fica em silêncio. Eu não posso aceitar isso. - Eu não vou embora de Ohio só por causa de especulação. Henri levanta. - Estou feliz que você tenha feito um amigo. E eu acho que a Sarah é incrível. Mas não podemos ficar. Vou começar a empacotar as coisas. - ele diz. - Não.

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- Quando nós terminarmos eu vou até a cidade e compro um carro novo. Nós precisamos sair daqui. Eles podem não ter nos seguidos, mas eles sabem o quão perto estavam de nos pegar, e que eles ainda podem estar perto. Eu acredito que o homem que ligou para a revista pegou mesmo um deles. Essa foi a história dele, de que ele capturou um e torturou até ele falar e depois o matou. Nós não sabemos que tipo de tecnologia de rastreamento eles têm, mas eu não acho que vai demorar a nos encontrarem. E quando conseguirem, nós vamos morrer. Seus Legados estão emergindo, e sua força está crescendo, mas você não está nem perto de estar preparado para lutar com eles. Ele sai da sala. Eu sento. Eu não quero ir embora. Eu tenho um amigo de verdade pela primeira vez na minha vida. Um amigo que sabe quem eu sou e não está assustado, não pensa que eu sou louco. Um amigo que está inclinado a lutar comigo, e entrar em perigo comigo. E eu tenho uma namorada. Alguém que quer ficar comigo, mesmo sem saber quem eu sou. Alguém que me deixa feliz, alguém por quem eu lutaria, ou entraria em perigo para proteger. Nem todos os meus legados emergiram, mas eu tenho o bastante. Eu derrubei três homens adultos. Eles nem tiveram uma chance. Foi como lutar com crianças pequenas. Eu poderia ter feito o que quisesse com eles. E agora nós também sabemos que os humanos podem lutar, capturar, machucar e matar os Mogadorians. Se eles conseguem, então eu definitivamente consigo. Não quero ir embora. Eu tenho um amigo, eu tenho uma namorada. Eu não vou embora. Henri volta para a sala. Ele está carregando a BaúLoric que é o nosso bemmais valioso. - Henri. - eu digo. - Sim? - Nós não vamos embora. - Sim, nós vamos. - Você pode ir se quiser, mas eu vou morar com Sam. Eu não vou embora. - Não é uma decisão sua. - Não é? Eu pensei que fosse eu que estivesse sendo caçado. Eu pensei que fosse eu que estivesse em perigo. Você poderia ir embora bem agora e os Mogadorians nunca procurariam por você. Você poderia viver uma vida normal, boa e longa. Você poderia fazer o que quisesse. Eu não. Eles vão estar sempre atrás de mim. Eles vão estar sempre tentando me encontrar e me matar. Eu tenho quinze anos. Eu não sou mais uma criança. É uma decisão minha. Ele me olha por um minuto. - Foi um bom discurso, mas não muda nada. Arrume as suas coisas. Nós vamos embora. Levanto a minha mão e aponto para ele, erguendo-o do chão. Ele está tão chocado que não diz nada. Faço Henri flutuar e levo para o canto da sala, bem perto do teto. - Nós vamos ficar. - eu digo. - Me coloque no chão, John. - Vou te colocar no chão quando você concordar em ficar. - É muito perigoso. - Nós não sabemos disso. Eles não estão em Paraíso. Eles podem não ter ideia de onde estamos. - Me coloque no chão. - Não até que você concorde em ficar.

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- ME COLOQUE NO CHÃO. Eu não respondo. Apenas o seguro lá. Ele se debate, lutando, tenta empurrar a parede e o teto, mas não pode se mover. Meu poder o prende no lugar. E eu me sinto forte fazendo isso. Mais forte do que já senti na minha vida inteira. Não vou embora. Eu não vou fugir. Eu amo minha vida em Paraíso. Eu amo ter amigos de verdade, e eu amo minha namorada. Eu estou pronto para lutar pelo que eu amo, seja com os Mogadorians ou com Henri. - Você sabe que você não vai descer até que eu te faça descer. - Você está agindo como uma criança. - Não, eu estou agindo como alguém que está começando a perceber quem é e o que pode fazer. - E você vai mesmo me manter aqui? - Até que eu acabe dormindo ou ficando cansado, mas volto a fazer depois que descansar um pouco. - Ótimo. Nós podemos ficar. Com certas condições. - Quais? - Me coloque no chão antes. Abaixo Henri e coloco no chão. Ele me abraça. Eu estou surpreso; achei que ele ia ficar irritado. Ele me solta e senta no sofá. - Eu estou orgulhoso do quão longe você foi. Eu passei muitos anos esperando e preparando para que essas coisas acontecessem, para que os seus Legados chegassem. Você sabe que a minha vida inteira é dedicada para te manter seguro, e te fazer forte. Eu nunca me perdoaria se algo acontecesse com você. Se você morresse sob os meus cuidados, eu não teria certeza de como seguiria em frente. Uma hora os Mogadorians vão nos encontrar, eu quero estar preparado quando eles chegarem. Não acho que você já esteja, mesmo que você ache que sim. Você ainda tem um longo caminho pela frente. Nós podemos ficar aqui, por enquanto, se você concordar que o treino vem primeiro. Antes de Sarah, antes de Sam, antes de tudo. E que no primeiro sinal deles estarem por perto, ou estarem no nosso rastro, nós vamos embora, sem perguntas, sem brigas, sem me fazer levitar até o teto e me manter lá. - Fechado. - eu digo, e sorrio. Capítulo 22

O INVERNO CHEGOU CEDO E COM TODA A FORÇA em Paraíso, Ohio. Primeiro veio o vento, depois o frio, e então a neve. Era bem suave no começo, mas em seguida surgiram verdadeiras nevascas, enterrando toda a cidade a ponto do barulho irritante dos tratores ser tão presente quanto o próprio vento, que deixa neve salpicada em todo lugar. A escola está cancelada por dois dias. A neve perto das estradas vai da cor branca até a preta bem escura e, eventualmente, acaba derretendo e formando poças de lama que se recusam a secar. Henri e eu passamos o tempo livre treinando, às vezes dentro de casa, às vezes fora. Já consigo fazer malabarismo com três bolas sem tocá-las, o que significa que posso levantar mais de um objeto ao mesmo tempo. Agora também já consigo levantar as coisas maiores e mais pesadas, como a mesa da cozinha, o trator que Henri comprou na semana passada e a nossa nova caminhonete, que é exatamente igual à antiga e à milhões de outras picapes espalhadas pela América. Se eu consigo levantar fisicamente, usando o meu corpo, então eu posso levantar com a minha mente. Henri acredita que eventualmente a força da mente irá ultrapassar a do corpo. No quintal as árvores ficam em volta de nós como vigias, seus galhos

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congelados como se fossem de vidro, e uma boa quantidade de neve acumulada sobre cada uma. A neve está batendo nos nossos joelhos, a não ser no pequeno pedaço que Henri limpou. Bernie Kosar fica assistindo da varanda de trás. Ele não está nem um pouco de interessado em se misturar com a neve. - Você tem certeza, Henri? – eu pergunto. - Você precisa aprender a lidar com isso de todos os modos. – ele diz. Sobre seu ombro, assistindo agitado de curiosidade, está Sam. É a primeira vez que ele vai me ver treinando. - Por quanto tempo vai ficar pegando fogo? – pergunto. - Não sei. Estou vestindo uma espécie de traje altamente inflamável feito na maior parte por fibras naturais enchBaúdas em óleos, alguns deles vão queimando lentamente, outros não. Quero que jogue fogo de uma vez só para me livrar desses cheiros que estão fazendo meus olhos encherem de água. Eu respiro fundo. - Está pronto? – ele pergunta. - Tão pronto quanto sempre vou estar. - Não respire. Você não é imune nem à fumaça nem ao gás, se respirar vai queimar seus órgãos internos. - Isso é meio ridículo, não faz sentido. – eu digo. - É parte do seu treinamento. Saber agir sob pressão. Você tem que aprender a fazer várias coisas enquanto estiver pegando fogo. - Mas por quê? - Porque quando chegar a hora de lutar, o número deles vai ser bem maior. O fogo vai ser um dos seus grandes aliados na guerra. Você precisa aprender a lutar pegando fogo. - Ugh. - Se der errado, você pula na neve e rola. Olha para Sam, um sorriso se espalha no rosto dele. Ele está segurando um extintor de fogo vermelho nas mãos, caso seja necessário. - Eu sei. – eu digo. Todos nós ficamos em silêncio esperando Henri se entender com os fósforos. - Tá parecendo o Pé-grande vestindo essa coisa. – Sam diz. - Vai pastar, Sam. - Vamos lá. – Henri diz. Respiro fundo pouco antes dele tocar com o fósforo no traje. O fogo se espalha pelo meu corpo. Não é muito fácil continuar com os olhos abertos, mas fico mesmo assim. As chamas sobem até quase três metros acima de mim. O mundo inteiro fica envolvido em tons fortes de laranja, vermelho e amarelo que dançam no meu campo de visão. Sinto o calor, mas apenas de leve como se sentisse os raios de sol em um dia de verão. Nada mais. - Vai! – Henri berra. Abro os braços, esticando para cada lado do corpo, olhos bem abertos, ar preso. É como se eu estivesse flutuando. Entro na neve profunda que logo começa a chiar derretendo embaixo de meus pés, um leve vapor sobe enquanto eu ando. Estendo a mão direita para frente e levanto um bloco de cimento, parece mais pesado do que o normal. Isso é por que não estou respirando? Por causa do nervosismo com o fogo? - Não perca tempo! – Henri berra.

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Arremesso o mais forte que eu posso contra uma árvore morta a uns quinze metros. O impacto forte faz com que ela quebre em milhões de pequenos pedaços, deixando uma mBaú na madeira. Depois levanto três bolas de tênis enchBaúdas de gasolina. Faço com que elas girem no ar, uma após a outra. Trago elas na minha direção. Ela pegam fogo e eu continuo fazendo malabarismo com elas – enquanto isso, levanto um cabo de vassoura longo e fino. Fecho os olhos. Meu corpo está esquentando. Me pergunto se estou suando. Se estiver, o suor deve estar evaporando no instante em que alcança a superfície da minha pele. Cerro os dentes e abro os olhos. Impulsiono meu corpo para frente e direciono todo o meu poder no centro da vassoura. Ela explode, partindo-se em pequenos pedaços. Não deixo nenhuma deles cair no chão; em vez disso, os mantenho flutuando, todos juntos parecendo uma nuvem de pó. Trago até mim e deixo queimar. A madeira estourando através da luz trêmula e do zumbido das chamadas. Forço os pedaços a se juntarem novamente em uma compactada lança de fogo, parece algo que saiu direto das profundezas do inferno. - Perfeito! – Henri berra. Um minuto passa. Meus pulmões começam a queimar por causa do fogo, por causa da falta de ar. Coloco tudo o que eu sou na lança e arremesso com tanta força que ela dispara através do ar como uma bala e acerta uma árvore, umas cem faíscas voam se espalhando por tudo em volta e, quase que na hora, se extinguem. Eu esperava que a árvore morta pegasse fogo, mas não aconteceu. Eu também deixei cair as bolas de tênis. Elas estão chiando na nevem a uns dois metros de mim. - Esqueça as bolas. – Henri berra. – A árvore. Pegue a árvore. A árvore morta é meio bizarra, seu tronco retorcido faz uma sombra contra o mundo de branco ao redor. Fecho os olhos. Não posso prender por muito mais tempo a respiração. Frustração e raiva começam a crescer, abastecidos pelo fogo, pelo desconforto da roupa e os objetivos que eu não completei. Foco em um grande galho que sai do tronco da árvore e tento quebrá-lo, mas não solta. Eu cerro os dentes com as sobrancelhas franzidas, finalmente escuto um estalo, soando através do ar como um tiro de espingarda, e o galho dispara até mim. Seguro. Queime, penso. Ele deve ter uns seis metros de comprimento. Finalmente pega fogo e eu faço subir uns doze ou quinze metros no ar acima de mim e, sem tocar, faço ir direto para o chão como se estivesse cravando a minha bandeira como algum guerreiro do Tempo Antigo no topo de uma colina depois de vencer a guerra. O galho balança para frente e para trás fumegando, chamas dançando ao longo da metade mais alta. Eu abro minha boca e instintivamente respiro, as chamas se precipitam para dentro; em um instante a queimação se espalha por todo lugar dentro de mim. Eu estou tão chocado e dói tanto que eu não sei o que fazer. - A neve! A neve! – Henri berra. Mergulho de cabeça e começo a rolar. O fogo vai embora quase que imediatamente, mas continuo rolando e tudo o que eu escuto é o chiado da neve contra o meu traje esfarrapado enquanto fios de vapor e fumaça sobem de mim. Sam finalmente consegue fazer o extintor funcionar e descarrega sobre mim um pó grosso que só me deixa com mais dificuldade de respirar. - Não. – eu berro. Ele para. Eu fico deitado tentando respirar, mas cada inalação traz uma dor nos

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pulmões que repercute por todo o meu corpo. - Droga, John. Não era pra você respirar. – Henri diz, em pé sobre mim. - Foi sem querer. - Você está bem? – Sam pergunta. - Meus pulmões estão queimando. Tudo está embaçado, difícil de enxergar, mas devagar o mundo começa a entrar em foco. Continuo deitado lá, olhando para o céu cinza e os flocos de neve que caem tristemente sobre nós. - Como eu fui? - Nada mal para a primeira vez. - Nós vamos fazer isso de novo, não vamos? - Às vezes, sim. - Isso foi louco, muito bom. – Sam diz. Eu suspiro, depois tento respirar fundo, o ar vem com dificuldade. – Isso foi uma droga. - Você foi bem para a sua primeira vez. – Henri diz. – Você não pode esperar que tudo aconteça com facilidade. Deitado no chão, eu concordo. Fico deitado lá por mais um ou dois minutos e depois Henri estende a mão e me ajuda a levantar, finalizando o nosso dia de treinamento. Acordo no meio da noite dois dias depois, 2:27 no relógio. Posso ouvir Henri trabalhando na mesa da cozinha. Me arrasto para fora da cama e saio do quarto. Ele está debruçado sobre um documento, usando óculos bifocais e segurando uma espécie de selo com pinças. Ele olha para mim. - Está fazendo o que? – eu pergunto. - Criando documentos para você. - Pra que? - Fique pensando sobre você e o Sam tendo que ir me buscar dirigindo. Acho que é uma bobeira nossa continuar usando a sua idade real enquanto nós podemos mudar facilmente de acordo com as nossas necessidades. Pego a certidão de nascimento que já está pronta. O nome escrito é James Hughes. A data de nascimento me faz um ano mais velho. Eu estaria com dezesseis e poderia dirigir. Então eu me inclino e olho o para o que ele está criando. O nome escrito é JobieGrey, dezoito anos, legalmente adulto. - Por que nós não pensamos nisso antes? – eu pergunto. - Nós nunca tivemos um motivo para fazer. Papeis de diferentes formas, tamanhos e densidades estão espalhados pela mesa, uma grande impressora ao lado. Há vidros de tinta, selos de borracha, selos oficiais e coisas de metal que parecem placas, várias ferramentas que parecem pertencer a um consultório de dentista. O processo de criação sempre serão obscuros para mim. - Nós vamos mudar minha idade agora? Henri balança a cabeça. – É tarde demais para mudar a sua idade em Paraíso. Esses são mais para o futuro. Quem sabe o que vai acontecer que vai dar a você razão para usá-los. A ideia de ter que me mudar no futuro me deixa enjoado. Eu preferiria continuar para sempre com quinze anos e sem poder dirigir do que mudar para um novo lugar. Sarah volta do Colorado uma semana antes do Natal. Não a vejo faz oito dias. Parece um mês para mim. A van vai deixar todas as garotas na escola e uma

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das amigas dela vai dar carona direto para cá. Quando escuto os pneus vindo pela estrada eu vou encontra-la com um abraço e um beijo, levantando-a do chão e girando no ar. Ela esteve dentro do avião e depois de um carro pelas últimas dez horas, está vestindo uma calça de moletom, não está usando maquiagem e o cabelo está preso em um rabo de cabelo, ainda assim é a garota mais linda que eu já vi e não quero deixa-la ir embora. Fitamos um o olho do outro sob o luar e tudo o que nós fazemos é sorrir. - Sentiu falta de mim? – ela pergunta. - Cada segundo de cada dia. Ela beija a ponta do meu nariz. - Também senti sua falta. - Então agora os animais tem um abrigo novamente? - pergunto. - Ah, John, foi maravilhoso! Você tinha que estar lá. Havia umas trinta pessoas ajudando todas as vezes, todo o tempo. O prédio ficou em pé tão rápido e está muito melhor do que antes. Nós também construímos uma dessas árvores para gatos em um dos cantos, e eu juro o que durante o tempo inteiro que estivemos lá, havia gatos brincando nela. Eu sorrio. – Parece ótimo. Também queria ter estado lá. Pego a mala dela e nós entramos juntos na casa. - Onde está Henri? – ela pergunta. - Foi comprar alguma coisa pra comer. Eles saiu há dez minutos mais ou menos. Ela se adianta pela sala de estar e deixa o casaco na parte de trás de uma cadeira a caminho do meu quarto. Ela senta na ponta da minha cama e tira os sapatos. - O que você acha que nós deveríamos fazer? – ela pergunta. Fico lá, olhando para ela. Ela está vestindo um suéter vermelho de capuz com um zíper descendo na frente, está fechado só até a metade. Ela sorri e olha para mim pelo alto dos olhos. - Vem aqui. - ela diz, e estica as mãos para mim. Eu vou até lá e ela segura minha mão nas delas. Ela olha para mim e aperta os olhos por causa da luz no alto. Eu estalo os dedos com a minha mão livre e a luz apaga. - Como você fez isso? - Mágica. – eu digo. Eu sento junto a ela. Ela coloca uns fios de cabelo soltos por trás da orelha, depois se inclina e me beija no rosto. E então ela segura o meu queixo, me puxa para mais perto e me beija outra vez, de um modo suave, delicado. Meu corpo inteiro formiga em resposta. Ela se afasta, a mão ainda no meu rosto. Ela traça a minha sobrancelha com o polegar. - Eu realmente senti falta de você. – ela diz. - Eu também. Um momento de silêncio passa. Sarah morde o lábio inferior. - Mal podia esperar para chegar aqui. – ela diz. – Durante o tempo inteiro que eu estive no Colorado, eu só conseguia pensar em você. Mesmo quando eu estava brincando com os animais, eu estava desejando que você estivesse lá comigo brincando com eles. E quando nós finalmente fomos embora essa manhã, a viagem foi um inferno mesmo que cada quilômetro que passássemos fosse outro quilômetro mais perto de você. Ela sorri, fazendo isso mais com os olhos do que com os lábios, que se movem

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só um pouco, sem nem mostrar os dentes. Ela me beija outra vez, um beijo que começa de um modo lento e demorado e depois vai em frente. Nós dois estamos sentados na ponta da cama, a mão dela no meu rosto, a minha na parte de baixo das costas dela. Eu posso sentir os contornos firmes abaixo das pontas dos meus dedos, posso sentir o gloss de morango nos lábios dela. Eu a puxo para mim. Sinto como se não pudesse chegar perto o suficiente mesmo que nossos corpos estejam pressionados um contra o outro. Minhas mãos percorrem as costas dela, a pele lisa como porcelana. As mãos dela entrelaçadas no meu cabelo, nós dois respiramos pesadamente. Nós caímos de lado na cama. Nossos olhos fechados. Eu fico abrindo os meus para vê-la. O quarto está escuro a não ser pela luz da lua que entra pelas janelas. Ela me pega olhando e para o beijo. Encosta a testa na minha e olha para mim. Ela coloca a mão na minha nuca e me puxa, tudo de uma vez e nós voltamos a nos beijar. Envolvidos. Unidos. Nossos braços apertados em volta do outro. Minha mente livre de qualquer praga que costumam visita-la e de cada pensamento sobre os outros planetas, minha mente livre da caçada e da perseguição dos Mogadorians. Sarah e eu na cama nos beijando, nos desmanchando um no outro. Nada mais no mundo importa. E então a porta abre na sala de estar. Nós dois damos um pulo. - Henri chegou. – eu digo. Levantamos e começamos a desamassar a roupa com pressa, sorrindo, um segredo compartilhado entre nós que nos faz rir enquanto caminhamos para fora do quarto de mãos dadas. Henri está colocando um saco do que comprou na mesa da cozinha. - Oi, Henri. – Sarah diz. Ele sorri para ela. Ela solta a minha mão e vai até lá abraçá-lo, depois começa a falar sobre a viagem para o Colorado. Eu vou lá fora pegar o resto das compras. Respiro o ar gelado, tento sacudir para fora do meu corpo a tensão do que acabou de acontecer, e o desapontamento por Henri chegar em casa justo agora. Minha respiração ainda está pesada quando pego o resto das coisas e as carrego para casa. Sarah está dizendo a Henri sobre alguns gatos que estavam no abrigo. - E você não trouxe um deles para nós? - Ah, Henri, você sabe que eu ficaria feliz em trazer um deles se você tivesse me dito. – Sarah diz, com os braços cruzados na frente do peito com o quadril levemente inclinado para o lado. Ele sorri para ela. – Eu sei que você teria feito. Henri fica guardando as coisas e eu e Sarah vamos para o ar frio lá fora para caminhar antes que a mãe dela venha busca-la. Bernie Kosar vem com a gente. Ele pega a liderança e corre na frente. Sarau e eu de mãos dadas, andando através do quintal, a temperatura pouco acima de congelar. A neve derretendo, o chão molhado e lamacento. Bernie Kosar desaparece por um tempo nas árvores e depois volta correndo. A parte de baixo do corpo toda suja. - Que horas sua mãe vem? – eu pergunto. Ela olha o relógio. – Vinte minutos. Eu aceno com a cabeça. – Eu estou tão feliz que você voltou. - Eu também. Nós vamos até a extremidade das árvores, mas está muito escuro para entrar. Em vez disso nós andamos pelo perímetro do quintal, de mãos dadas,

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ocasionalmente parando para trocar beijos testemunhados pelas estrelas e a lua. Nenhum de nós fala sobre o que acabou de acontecer, mas é óbvio que não sai da nossa cabeça. Quando damos a primeira volta a mãe de Sarah entra na rua. Ela está adiantada dez minutos. Sarah corre para abraçá-la. Vou dentro de casa buscar a mala de Sarah. Depois nós nos despedimos e eu vou caminhando até a estrada para assistir as luzes de trás do carro sumirem na distância. Fico em pé do lado de fora por um tempo e depois Bernie Kosar e eu voltamos para dentro. Henri está no meio da preparação do jantar. Dou um banho no cachorro. Quando termino o jantar está pronto. Sentamos na mesa e comemos, nem uma palavra sendo dita. Não consigo parar de pensar nela. Olho desinteressadamente para o meu prato. Não estou com fome, mas tento forçar a comida abaixo de qualquer forma. Dou um jeito de dar algumas mordidas, depois empurro o prato para frente e fico sentado lá em silêncio. - Então você vai me dizer? – Henri pergunta. - Dizer o que? - O que você está pensando. Dou de ombros. – Eu não sei. Ele assente e volta a comer. Eu fecho os olhos. Ainda posso sentir o cheiro de Sarah no colarinho da minha camisa e ainda posso sentir a mão dela no meu corpo. Os lábios nos meus, a textura do cabelo dela quando eu passo a mão. Tudo o que eu consigo pensar é sobre o que ela deve estar fazendo, e como eu queria que ela ainda estivesse aqui. - Você acha que nós podemos ser amados? – pergunto. - Do que você está falando? - Pelos humanos. Você acha que nós podemos ser amados, tipo, amados de verdade por eles? - Acho que eles podem nos amar como amam uns aos outros, especialmente se eles não sabem o que nós somos, mas não acho possível que um humano ame do modo que você poderia amar um Loric. – ele diz. - Por quê? - Porque lá no fundo nós somos diferentes deles. E nós amamos diferente. Um dos dons que o nosso planeta nos deus foi amar completamente. Sem ciúme, insegurança ou medo. Sem mesquinharia. Sem raiva. Você pode ter sentimentos fortes por Sarah, mas não são o que você poderia sentir por uma garota Loric. - Não há muitas garotas Loric disponíveis para mim. - Mais uma razão para ser cuidadoso com Sarah. Em algum ponto, se nós durarmos o bastante, vamos precisar restaurar a nossa raça e povoar novamente o nosso planeta. Obviamente você ainda está longe de se preocupar com isso, mas eu não contaria com Sarah como a sua parceira. - O que acontece se a gente tentar ter filhos com humanos? - Já aconteceu muitas vezes antes. Normalmente isso resulta em humanos excepcionais e dotados. Na verdade, algumas das grandes figuras nas histórias da Terra foram produto entre humanos e os Loric, incluindo Buddha, Aristóteles, Julius Cesar, Alexandre - o Grande, Genghis Khan, Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Thomas Jefferson e Albert Einstein. Muitos dos antigos deuses gregos, que a maioria das pessoas acreditaram ser mitológicos, foram na verdade filhos de humanos com Loric, principalmente porque era muito mais comum naquela época nós estarmos nesse planeta porque estávamos

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ajudando a desenvolver as civilizações. Afrodite, Apolo, Hermes e Zeus foram todos reais, e tinham um parente Loric. - Então é possível. - Isso era possível. Na nossa situação atual é impulsivo e impraticável. Na realidade, eu não sei o número dela, ou tenho ideia alguma de onde ela está, uma das crianças que vieram à Terra com a gente era a filha de um dos melhores amigos dos seus pais. Eles costumavam brincar que vocês dois iam terminar juntos. Eles deviam estar certos. - Então o que eu faço? - Aproveita o tempo com Sarah, mas não fique muito preso a ela, e não deixe que ela fique muito presa a você. - Sério? - Confie em mim, John. Se você nunca acreditou em outra palavra que eu disse, então acredite nessa. - Eu acredito nas palavras que você diz mesmo que eu não queira. Henri pisca pra mim. – Muito bom. – ele diz. Depois eu vou para o meu quarto e ligo para Sarah. Penso sobre o que Henri me disse antes de fazer isso, mas não há muito que eu possa fazer. Eu estou preso a ela. Acho que estou apaixonado por ela. Nós conversamos por duas horas. É meia noite quando a ligação termina. Então eu deito na cama sorrindo para a escuridão. Capítulo 23 O DIA SE TORNOU ESCURO. A NOITE QUENTE carrega um vento suave e em todo o céu se espalham aleatórios flashes de luz, as nuvens ganhando tons brilhantes de azul, vermelho e verde. Fogos de artifício no começo. Fogos de artifícios que precedem algo mais, algo mais barulhento, mais ameaçador, os oohs e aahs viram berros agudos e gritos. O caos se instala. Pessoas correndo, crianças chorando. Eu, em pé em meio a tudo isso, assistindo sem o benefício de poder fazer algo para ajudar. Os soldados e bestas começam a surgir na cena de todas as direções como eu já vi acontecer, o contínuo cair de bombas com estrondos tão altos que machucam os ouvidos, os ecos que eu sinto até dentro do estômago. É tão atordoante que faz meus dentes doerem. E depois os lorics reagem com tanta intensidade, com tanta coragem, que me sinto orgulhoso por estar entre eles, por ser um deles. Então eu vou embora, sendo arrastado através do ar em uma velocidade que faz o mundo embaixo passar como um borrão de modo que eu não consigo focar em nada. Quando paro novamente, estou em pé em uma pista de decolagem de qualquer aeroporto. Um nave prata está a cinco metros de mim e quatorze ou mais pessoas estão subindo a rampa para a entrada. Duas pessoas já estão lá dentro, paradas na porta olhando para o céu, uma garota muito nova e uma mulher da idade de Henri. Um Henri muito mais jovem do que agora está perto de mim. Ele também está olhando para o céu. Abaixada de joelhos na minha frente está minha avó, apertando os meus ombros. Meu avô em pé atrás dela, o rosto sério, distraído, as lentes dos óculos dele refletindo as luzes do céu. - Volte para nós, ouviu? Volte para nós. – minha avó diz, terminando o que dizia. Eu queria poder ter ouvido as palavras que vieram antes dessas. Até agora eu nunca tinha lembrado de nada que tenham falado para mim nessa noite. Mas agora eu tenho algo. Meu eu de quatro anos não responde. Meu eu de quatro anos está muito assustado. Ele não entende o que está

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acontecendo, por que a urgência e o medo nos olhos de todos a sua volta. Minha avó me puxa para um abraço e depois solta. Ela levanta e fica de costas para evitar que eu a veja chorando. Meu eu de quatro anos sabe que ela está chorando, mas não sabe por que. Depois é o meu avô, que está coberto de suor, sujeira e sangue. Claramente esteve lutando, e seu rosto está contorcido de tensão, pronto para lutar mais, pronto para fazer o que puder no esforço para sobreviver. Ele e o planeta. Ele abaixa sobre o joelho como a minha avó. Pela primeira vez eu olho em volta. Montes de metais amassados, blocos de concretos, grandes buracos no chão onde as bombas caíram. Fogo espalhado, vidro estilhaçado, sujeira, árvores despedaçadas. E no meio de tudo isso um único nave, ileso, é o que nós vamos embBaúr. - Nós temos que ir! – alguém grita. Um homem, cabelos e olhos negros. Eu não sei quem ele é. Henri olha para ele e assente. As crianças sobem a rampa. Meu avô me olha com seriedade. Ele abre a boca para falar. Mas antes que as palavras saiam eu sou arrastado para longe novamente, levado através do ar, o mundo embaixo passando como um borrão. Eu tento entender o que vejo, mas estou me movimentando muito rápido. As únicas imagens discerníveis são das bombas, continuamente caindo, um grande espetáculo de fogo em todas as cores varrendo o céu da noite e as perpétuas explosões que o ocorrem a seguir. Então eu paro outra vez. Estou dentro de um edifício amplo que eu nunca vi antes. É silencioso. O teto é em cúpula. O chão é uma grande superfície de concreto do tamanho de um campo de futebol. Não há janela, mas ainda assim o som das bombas conseguem penetrar, ecoando nas paredes a minha volta. Bem no meio do prédio, alto e imponente, sozinho, está um foguete branco que se estende até o ponto mais alto do teto. Então uma porta se abre fazendo barulho em um canto distante. Minha cabeça vira imediatamente para ver. Dois homens entram, agitados, falando alto e rápido. Um monte de animais vem logo atrás correndo. Quinze, mais ou menos, mudando de forma toda hora. Voando, correndo, em duas pernas, depois quatro. No final da fila, está um terceiro homem que fecha a porta ao passar. O primeiro deles alcança a nave espacial, abre uma espécie de porta de alçapão na parte inferior da nave, e começa a guiar os animais para dentro. - Vai! Vai! Subindo e entrando, subindo e entrando. – ele berra. Os animais vão, todos mudando de forma enquanto entram. Depois que o último animal passa o homem se impulsiona para dentro. Os outros dois começam a jogar bolsas e caixas para ele. Leva uns dez minutos para colocar tudo a bordo. Depois os três se espalham em volta do foguete, preparando-o. Os homens estão suando, se movendo de um modo frenético até que tudo fique pronto. Logo antes dos três entrarem no foguete, alguém corre até eles com um embrulho que parece ser uma criança enrolada, apesar de eu não conseguir ver bem o bastante para afirmar. Eles pegam seja lá o que for isso e entram. A porta bate fechando atrás deles e está selada. Os minutos passam. As bombas agora devem estar bem perto daqui. Vindo de lugar nenhum uma explosão ocorre dentro do prédio e eu vejo o início do fogo saindo da parte de baixo do foguete, um fogo que cresce rápido, um fogo que consome tudo dentro do prédio. Um fogo que consome até a mim. Meus olhos abrem de repente. Eu estou de volta à minha casa, em Ohio,

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deitado na cama. O quarto está escuro, mas eu posso sentir que não estou sozinho. Uma figura se move, uma sombra passa pela cama. Eu fico rígido, pronto para acender as minhas mãos, pronto para jogar o que for contra a parede. - Você estava falando. – Henri diz. – Agora enquanto estava dormindo, você estava falando. Eu acendo as minhas mãos. Ele está em pé próximo à cama, vestindo calças de pijama e uma camisa branca. O cabelo dele está desgrenhado; os olhos vermelhos de sono. - O que eu estava falando? - Você disse "Subindo e entrando, subindo e entrando". O que estava acontecendo? - Eu estava em Lorien. - Em um sonho? - Acho que não. Eu estava lá, da mesma forma que antes. - O que você viu? Levanto e me ajeito na cama para apoiar as costas contra a parede. - Os animais. – eu digo. - Que animais? - Na nave que eu vi decolar. A antiga, no museu. No foguete que saiu depois da gente. Eu vi animais serem colocados nela. Não muitos. Quinze, talvez. Com três outros Loric. Não acho que eles sejam Garde. Há algo mais. Uma trouxa. Parecia um bebê, mas não posso afirmar. - Por que você não acha que eles eram Garde? - Eles colocaram suprimentos no foguete, cinquenta ou mais caixas e malas de mão. Eles não usaram telecinese. - No foguete dentro do museu? - Acho que era o museu. Eu estava dentro de um prédio grande com teto em cúpula e não tinha nada dentro a não ser a pedra. Eu só posso supor que seja o museu. Henri assente. – Se eles trabalhavam no museu, então eles podem mesmo ser Cêpan. - Estavam embBaúndo animais. – eu digo. – Animais que podem mudar de forma. - Chimæra. – Henri diz. - Quê? - Chimæra. Animais de Lorien que podem mudar de forma. Eles eram chamados de Chimæra. - Isso é o que Hadley era? – eu pergunto, lembrando da visão eu tive algumas semanas atrás, a visão de estar brincando no quintal na casa dos meus anciões quando fui erguido no ar por um homem vestindo um traje azul e prata. Henri sorri. – Você se lembra do Hadley? Eu concordo. – Eu vi do mesmo modo que vi todo o resto. - Está tendo as visões mesmo quando nós não treinamos? - Às vezes. - Quão frequente? - Henri, quem se importa com as visões? Por que eles estavam colocando no foguete aqueles animais? O que um bebê estava fazendo com eles, ou aquilo era mesmo um bebê? Onde eles foram? Qual propósito eles poderiam ter? Henri pensa sobre isso por um momento. Ele troca o peso do corpo para a

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perna direita. – Provavelmente o mesmo propósito que nós tínhamos. Pense sobre isso, John. De que outra forma os animais poderiam repovoar Lorien? Eles também precisavam ir para alguma espécie de santuário. Tudo foi destruído. Não apenas pessoas, mas também os animais, e toda vida vegetal. Talvez a trouxa fosse apenas outro animal. Um frágil, ou talvez um mais novo. - Bem, onde eles poderiam ir? Que outro santuário existe sem ser a Terra? - Acho que eles foram para alguma das estações espaciais. Um foguete com o combustível de Loric poderia ser capaz de chegar a essa distância. Talvez eles pensaram que a invasão seria por pouco tempo e acharam que poderiam esperar ali. Quer dizer, eles podem viver na estação espacial por tanto tempo quando os suprimentos durarem. - Há estações especiais perto de Lorien? - Sim, duas delas. Bem, havia duas delas. Eu tenho certeza de que a maior das duas foi destruída nos mesmo tempo da invasão. Nós perdemos contato com ela menos de dois minutos depois da primeira bomba cair. - Por que você não mencionou isso antes, quando eu te disse pela primeira vez sobre o foguete? - Eu pensei que estava vazio, que decolou como uma espécie de distração. E eu acho que se uma estação espacial foi destruída, a outra também foi. A viagem deles, infelizmente, provavelmente foi em vão, seja lá qual for o seu objetivo. - Mas e se eles voltaram quando ficaram sem suprimentos? Você acha que eles poderiam sobreviver em Lorien? – eu pergunto em desespero. Eu já sei a resposta, já sei o que Henri vai dizer, mas eu pergunto de qualquer forma tentando me prender a alguma espécie de esperança de que nós não estamos sozinhos nisso tudo. Que talvez, em algum lugar bem longe, há outros como nós, esperando, monitorando o planeta para que eles, também, possam um dia retornar e nós não estejamos sozinhos. - Não. Não há água lá agora. Você viu isso. Nada, além de um espaço devastado e infrutífero. E nada pode sobreviver sem água. Eu suspiro e escorre de volta para cama. Deixo a cabeça cair no travesseiro. Qual é o ponto em argumentar? Henri está certo e eu sei disso. Eu mesmo vi isso. Se os globos que ele tirou do Baú são confiáveis, então Lorien não é nada mais do que um lugar infrutífero, entulhado. O planeta ainda está vivo, mas na superfície não há nada. Nem água. Nem plantas. Nem vida. Nada além de sujeiras e pedras e os restos da civilização que uma vez existiu. - Você não viu nada mais? – Henri pergunta. - Eu vi a gente no dia que fomos embora. Todos nós no nave logo antes de decolar. - Foi um dia triste. Eu concordo. Henri cruza os braços e olha através da janela, perdido em pensamentos. Respiro fundo. – Onde estava a sua família durante tudo isso? – eu pergunto. Minhas mãos apagaram por uns bons dois ou três minutos, mas eu posso ver os brancos dos olhos de Henri me fitando. - Não comigo, não naquele dia. – ele diz. Nós dois ficamos em silêncio por um tempo e então Henri muda de posição. - Bem, vou voltar para cama. – ele diz, finalizando a conversa. – Durma um pouco. Depois dele ir embora eu fico deitado pensando nos animais, no foguete, na

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família de Henri e em como eu tenho certeza de que ele nunca teve a chance de se despedir. Eu sei que não vou conseguir voltar a dormir. Eu nunca consigo quando essas imagens me visitam, quando eu vejo a tristeza de Henri. Esse deve ser um pensamento constante na cabeça dele, como seria para qualquer um que foi embora sob as mesmas circunstâncias, deixando a única casa que você já aconteceu, fazendo isso com a consciência de que nunca mais verá as pessoas que ama outra vez. Pego meu celular e mando uma mensagem para Sarah. Eu sempre faço isso quando eu não consigo dormir, ou ela faz quando é o contrário. Então nós conversamos pelo tempo que for até ficarmos cansados. Vinte segundo depois que eu aperto o botão de enviar ela liga. - Ei, você. – eu atendo. - Não consegue dormir? - Não. - O que foi? – pergunta. Ela boceja do outro lado da linha. - Só estava sentido a sua falta. Estou deitado na cama olhando o teto faz uma hora. - Seu bobo. Você me viu tipo a seis horas atrás. - Eu queria que você ainda estivesse aqui. – eu digo. Ela geme lamentando. Eu posso ouvir o sorriso através da escuridão. Fico de lado e seguro o telefone entre a orelha e o meu travesseiro. - Bem, eu também queria ainda estar aí. Nós conversamos por vinte minutos. Na outra metade da ligação nós apenas ficamos deitados ouvindo a respiração do outro. Eu me sinto melhor depois de falar com Sarah, mas acho ainda mais difícil voltar a dormir. Capítulo 24 PELA PRIMEIRA VEZ, DESDE QUE CHEGAMOS A OHIO, AS COISAS parecem ficar devagar por um tempo. Escola terminou sem nenhum grande acontecimento e nós temos onze dias de volta nas férias de inverno. Sam e sua mãe estão passando grande parte desse tempo visitando uma tia em Illinois. Sarah ficou em casa. Nós passamos o Natal juntos. Nos beijamos quando os fogos começaram na meia noite do Ano Novo. Mesmo com a neve e o frio, ou até para diminuir o efeito disso, nós saímos para uma longa caminhada na floresta atrás da minha casa, de mãos dadas, nos beijando, respirando no ar gelado abaixo do céu cinzento do inverno. Estamos passando mais e mais tempo juntos. Não há um dia que tenha passado durante as férias que nós não nos encontrávamos pelo menos uma vez. Nós caminhamos de mãos dadas embaixo de uma espécie de guarda-chuva branco da neve acumulada sobre os galhos das árvores acima de nós. Ela está com a câmera e uma hora ou outra para tirando fotos. A maior parte da neve no chão está intacta a não ser na trilha que nós fizemos andando. Agora nós a usamos como guia para voltar. Bernie Kosar na frente, avançando aqui e ali em alguns arbustos, procurando coelhos nos pequenos aglomerados de arbustos espinhosos, caçando esquilos no alto das árvores. Sarah está usando protetores de ouvido pretos. Ela está com as bochechas e a ponta do nariz vermelhos de frio, fazendo com que seus olhos fiquem ainda mais azuis. Fico olhando para ela. - O quê? – ela pergunta, sorrindo. - Estou apenas admirando a vista. Ela rola os olhos. A floresta na maior parte é densa, mas há uma ou outra

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clareira pelas quais nós passamos às vezes. Não tenho certeza de até onde as árvores vão em qualquer uma das direções, em todas as caminhadas nós ainda não alcançamos o fim. - Aposto que aqui é lindo no verão. – Sarah diz. – Nós provavelmente podemos fazer piquenique nessas clareiras. Uma dor se forma no meu peito. O verão está ainda a cinco meses de distância e se Henri e eu estivermos aqui em Maio, fará sete meses que estamos em Ohio. Isso já é quase o máximo de tempo que ficamos em um lugar. - Aham. – eu concordo. Sarah olha para mim. – Quê? Eu olho pra ela confuso. – O que quer dizer com "que"? - Isso não foi muito convincente. – ela diz. Uma massa confusa de corvos passam voando acima de nossas cabeças, guinchando de um modo barulhento. - Eu só queria que fosse verão agora. - Eu também. Eu não acredito que nós vamos ter que voltar para escola amanhã. - Ugh, não me lembre disso. Nós entramos em outra clareira, maior do que as outras, quase que um círculo perfeito com uns trinta metros de diâmetro. Sarah solta a minha mão, corre para o meio, e se joga no chão, rindo. Ela rola para ficar de costas e começa a fazer um anjo de neve. Eu caio perto dela e faço o mesmo. As pontas dos nossos dedos mal se tocando enquanto fazemos as asas. Nós levantamos. - É como se nós estivéssemos segurando as asas. – ela diz. - Isso é possível? – eu pergunto. – Quer dizer, como a gente poderia voar se tivesse com as asas presas? - Claro que é possível. Anjos podem fazer qualquer coisa. Então ela vira e me abraça. O rosto gelado contra o meu pescoço me faz entortar o corpo fugindo dela. - Ahh! Seu rosto parece um gelo. Ela ri. – Vem me esquentar. Pego Sarah nos braços e a beijo sob o céu aberto, as árvores nos cercando. Não há sons, a não ser dos pássaros e do ocasional monte de neve que cai de um dos galhos próximos. Dois rostos gelados pressionados com força juntos. Bernie Kosar vem trotando, ofegante, língua pendurada, rabo balançando. Ele late e senta na neve nos olhando, a cabeça meio virada para o lado. - Bernie Kosar! Você estava caçando coelhos? – Sarah pergunta. Ele late duas vezes, sai correndo e pula nela. Late outra vez e depois abaixando, olhando para cima com expectativa. Ela pega um galho no chão, sacode para tirar a neve e então arremessa entre as árvores. Ele sai correndo atrás e desaparece de vista. Dez segundos depois ele surge entre as árvores, mas em vez de retornar por onde saiu, ele está do lado oposto. Sarah e eu viramos para vê-lo. - Como ele fez isso? – ela pergunta. - Não sei. – eu digo. – Ele é um cachorro peculiar. - Você ouviu isso, Bernie Kosar? Ele acabou de te chamar de peculiar! Ele deixa o galho nos pés dela. Nós caminhamos de volta na direção de casa, de mãos dadas, o dia já está próximo de escurecer. Bernie Kosar trota perto de nós durante todo o caminho, a cabeça virando de um lado para o outro como se estivesse nos guiando de volta, nos mantendo salvos seja lá do que poderia

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ou não se esconder na escuridão além do nosso campo de visão. Cinco jornais estão empilhados na mesa da cozinha, Henri no seu computador, a luz do teto acesa. - Alguma coisa? – pergunto por hábito, nada mais. Não há uma história que promete há meses, o que é uma coisa boa, mas não consigo deixar de esperar por algo toda vez que eu pergunto. - Pra falar a verdade, sim, acho que sim. Eu fico agitado e dou a volta na mesa para olhar por cima do ombro de Henri e ver o que tem na tela do computador. – O quê? - Houve um terremoto na Argentina ontem à noite. Uma garota de dezesseis anos resgatou um homem idoso de uma pila de destroços em uma pequena cidade perto da costa. - Número Nove? - Bem, eu certamente acho que ela é uma de nós. Se ela é a Número Nove ou não, não dá para dizer. - Por quê? Não há nada extraordinário em tirar um homem do meio de destroços. - Olhe. – Henri diz, e rola a página para o início do artigo. Há uma foto de uma grande placa de concreto que tem pelo menos trinta centímetros de espessura e três metros de comprimento e largura. – É isso o que ela levantou para salválo. Deve pesar umas cinco toneladas. E olhe isso, - ele diz, e rola para a parte de baixo da página. Seleciona a última frase. Está escrito: ―Sofia García não foi encontrada para comentar‖. Leio a sentença três vezes. – Ela não pôde ser encontrada. – eu digo. - Exatamente. Ela não negou se negou a comentar; ela simplesmente não foi encontrada. - Como eles sabem o nome dela? - É uma cidade pequena, menos de um terço do tamanho de Paraíso. Quase todo mundo poderia saber o nome dela. - Ela foi embora, não foi? Henri assente. – Acho que sim. Provavelmente antes do jornal ser publicado. Esse é o lado ruim das cidades pequenas; é impossível permanecer despercebido. Eu suspiro. – Também é difícil para os Mogadorians ficarem despercebidos. - Precisamente. - Que droga pra ela. – eu digo, e levanto. – Vai saber o que ela pode ter deixado para trás. Henri me olha com uma expressão cética, abre a boca para dizer algo, mas então pensa melhor e volta para o computador. Eu vou para o meu quarto. Arrumo minha mochila com uma muda nova de roupas e os livros que vou precisar para o dia. De volta à escola. Não estou muito ansioso, mas vai ser legal ver Sam outra vez, faz uma semana que nós não nos encontramos. - Tudo bem. – eu digo. – Estou indo. - Tenha um bom dia. Tome cuidado. - Vejo você à tarde. Bernie Kosar sai correndo da casa na minha frente. Ele está uma bola de energia essa manhã. Acho que ele estava ansioso para nossas corridas da manhã, o fato de nós não fazermos isso há uma semana e meia o deixou louco de vontade para voltar. Ele consegue me acompanhar durante a maior parte.

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Quando chegamos, faço carinho nele e coço atrás de suas orelhas. - Pronto, garoto, vai pra casa. – eu digo. Ele vira e começa a trotar de volta. Vou tomar o meu banho. Quando termino os outros estudantes estão começando a chegar. Vou para o corredor, paro no meu armário, depois vou até o de Sam. Dou um tapa nas costas dele. Ele se assusta, mas abre um grande sorriso ao ver que sou eu. - Por um segundo pensei que eu ia ter que chutar alguém. – ele diz. - Foi apenas eu, meu amigo. Como foi em Illinois? - Ugh. – ele diz, e rola os olhos. – Minha tia me fez beber chá e assistir reprises de Os Pioneiros quase que todo dia. Eu rio. – Isso soa terrível. - E foi, confie em mim. – ele diz, e pega algo na mochila. – Isso estava na caixa de correio quando eu voltei. Ele me entrega a última edição de Eles Estão Entre Nós. Começo a folhear. - Não há nada sobre nós ou os Mogadorians. – ele diz. - Bom. – eu digo. – Eles devem estar com medo da gente depois de você passar lá. - Aham, é claro. Por cima do ombro de Sam eu vejo Sarah vindo na nossa direção. Mark James a interrompe no meio do caminho e entrega a ela algumas folhas de papel laranja. Depois ela continua o caminho. - Oi, gata. – eu digo quando ela nos alcança. Ela fica na ponta dos pés para me beijar. Os lábios delas tem gosto do brilho labialde morango. - Oi, Sam. Como você está? - Bem, e você? – ele responde. Agora parece estar mais tranquilo com ela. Antes do incidente com Henri, que foi a um mês e meio atrás, estar na presença de Sarah o teria feito ficar desconfortável, e ele não seria capaz de fitar os olhos dela ou saber o que fazer com as mãos. Agora ele olha para ela e sorri, falando com confiança. - Ótima. – ela diz. – Me falaram para dar a vocês dois isso. Ela nos entrega duas das folhas laranja que Mark acabou de dar a ela. É um convite para uma festa no próximo sábado à noite na casa dele. - Eu estou convidado? – Sam pergunta. Sarah assente. – Nós três estamos. - Você quer ir? – eu pergunto. - Acho que a gente podia passar lá. Eu concordo. – Está interessado, Sam? Ele olha para algo atrás de Sarah e de mim. Eu viro para ver para onde ele está olhando, ou melhor, para quem. Em um armário do outro lado do corredor está Emily, a garota que estava no Halloween com a gente, e quem Sam tem desejado desde então. Quando ela passa vê que Sam está olhando e sorri educadamente. - Emily? – eu falo para Sam. - Emily o que? – Sam pergunta, olhando para mim. Olho para Sarah. – Acho que Sam gosta de Emily Knapp. - Eu não gosto. – ele diz. - Eu poderia chamar ela para ir na festa com a gente. – Sarah diz. - Você acha que ela iria? – Sam pergunta. Sarah olha para mim. – Bem, talvez eu não deva convidar já que Sam não gosta dela.

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Sam sorri. – Tá, tá bom. Eu só, eu não sei. - Ela fica perguntando por que você nunca ligou depois do Halloween. Ela meio que gosta de você. - Isso é verdade. – eu digo. – Eu escutei ela dizer isso. - Por que você não me disse? – Sam pergunta. - Você nunca perguntou. Sam olha para o flyer que está segurando. – Então é nesse sábado? - Sim. Ele olha para mim. – Então nós vamos. Dou de ombros. – Estou dentro. Henri está me esperando quando o último sinal toca. Como sempre, Bernie Kosar está no assento de passageiro e quando ele me vê, seu rabo começa a balançar uns duzentos quilômetros por hora. Pulo para dentro da caminhonete. Henri passa a marcha e começa a dirigir para casa. - Há um artigo de continuação daquele sobre a garota na Argentina. – Henri diz. - E? - Apenas um pequeno artigo dizendo que ela desapareceu. O prefeito da cidade está oferecendo uma modesta recompensa pela informação de onde ela se encontra. Parece que eles acreditam que ela foi sequestrada. - Você está preocupado de os Mogadorians terem chegado à ela primeiro? - Se ela é a Nove, como a nota que nós encontramos indicava, e os Mogadorians a estavam rastreando, ela ter desaparecido é uma boa coisa. E se ela foi capturada, os Mogadorians não podem matá-la - eles não podem nem machucá-la. O que nos dá esperança. A coisa boa, fora a notícia em si, é que eu imagino que cada Mogadorian do planeta tenha ido para a Argentina. - Falando nisso, Sam estava com a última edição de Eles Estão Entre Nós hoje. - Tinha alguma coisa? - Nope. - Não achei que teria. Seu truque de levitação pareceu afetá-los profundamente. Quando chegamos em casa eu troco de roupa e encontro Henri no quintal para o nosso dia de treinamento. Trabalhar enquanto estou pegando fogo ficou fácil. Eu não me atrapalhei como fiz no primeiro dia. Consigo prender a respiração por mais tempo, perto de quatro minutos. Tenho mais controle sobre os objetos que eu levanto, e eu consigo levantar mais deles ao mesmo tempo. Pouco a pouco, o olhar de preocupação que eu vi no rosto de Henri no primeiro dia desapareceu. Ele assente mais. Ele sorri mais. Nos dias que vai tudo realmente bem ele fica com um olhar louco nos olhos, levanta os braços e berra ―É isso!‖ tão alto quanto consegue. Desse modo, eu estou ganhando confiança com os meus Legados. Ainda há o resto para vir, mas não acho que vai demorar muito. E ainda há o maior deles, seja lá qual for. A expectativa disso me faz ficar acordado na maioria das noites. Eu queto lugar. Eu estou louco para um Mogadorian vir perambular pelo quintal para que eu finalmente possa me vingar. É um dia fácil. Sem fogo. A maior parte é só levantar as coisas e manipular enquanto estão suspensas no ar. Os últimos vinte minutos passaram com Henri jogando objetos em mim – às vezes ele apenas deixa cair no chão, outras vezes eu tenho que desviar fazendo elas girarem no ar e voltarem como

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um bumerangue pegando fogo de volta para ele. Uma hora um amaciador de carne voa de volta tão rápido que Henri mergulha de cara na neve para que não seja acertado. Eu rio. Henri não. Bernie Kosar deita no chão o tempo inteiro assistindo a gente, como se estivesse oferecendo o próprio incentivo. Depois que terminamos eu tomo banho, faço meu dever de casa e sento na mesa da cozinha para jantar. - Vai ter uma festa nesses sábado e eu vou. Ele olha para mim, para de comer. – Festa de quem? - Do Mark James. Henri parece surpreso. - Tudo aquilo acabou. – eu digo antes que ele possa negar. - Bem, você sabe melhor, eu suponho. Só lembre o que está em risco. Capítulo 25

E ENTÃO O TEMPO ESQUENTA. OS VENTOS FORTES, o frio congelante e a neve contínua são seguidos por céu azul e uma temperatura de 10 graus. A neve derrete. No começo há sempre poças pela rua ou no quintal, a estrada molhada e os som dos carros espalhando água ao passar, mas depois de um dia a água fica seca e evapora, os carros continuam passando como fazem em qualquer outro dia. Uma trégua, uma breve prorrogação, até que o Velho do Inverno tome as rédeas outra vez. Sento na varando esperando por Sarah, olhando o céu que está cheio de estrelas brilhantes e uma lua cheia. Fina, como o corte de uma faca, uma sombra atravessa a lua em dois e desaparece rapidamente. Escuto o triturar do cascalho embaixo dos pneus, depois vejo os faróis e um carro para na entrada. Sarah sai do lado do motorista. Ela está vestindo uma calça cinza escura que fica mais larga nos tornozelos, um suéter azul marinho de cardigã por baixo de uma jaqueta bege. A cor de seus olhos acentuada pela parte do suéter que espia para fora onde a jaqueta termina. Os cabelos loiros dela estão caindo pelos ombros. Ela sorri timidamente e olha para mim, piscando o cílios enquanto se aproxima. Sinto borboletas no estômago. Quase três meses juntos e eu ainda fico nervoso quando a vejo. Um nervosismo que fica até difícil imaginar que um dia acabe. - Você está linda. – eu digo. - Ah, obrigada. – ela diz, e brinca fazendo uma reverência. - Você não está tão ruim. Beijo Sarah no rosto. Depois Henri sai de casa e acena para a mãe de Sarah, que está sentada do assento de passageiros do carro. - Então você vai ligar quando estiver pronto para ser pego, certo? – Henri me pergunta. - Sim. – eu digo. Nós vamos para o carro e Sarah entra atrás do volante. Eu sento atrás. Ela tem a permissão de aprendiz por alguns meses agora, o que significa que ela pode dirigir contando que um motorista licenciado sente ao lado dela. O teste de motorista dela é na segunda, daqui a dois dias. Ela tem estado ansiosa desde que marcou nas férias de inverno. Ela dá ré na entrada e vai em frente, ela abaixa o retrovisor e sorrindo para mim pelo espelho. Sorrio de volta. - Como está o seu pai, John? – a mãe dela vira e me pergunta. Nós conversamos um pouco. Ela me diz do passeio que elas duas fizeram até o shopping mais cedo, e como Sarah dirigiu. Eu falo a ela sobre brincar com Bernie Kosar no quintal, e sobre a corrida que fizemos depois. Eu não digo a

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ela sobre a sessão de treinos que durou por três horas no quintal de trás depois da corrida. Eu não digo a ela como eu parti árvores mortas bem no meio usando de telecinese, ou como Henri jogou facas em mim que eu desviei para um saco a quinze metros de mim. Eu não digo a ela sobre ficar imerso no fogo ou dos objetos que eu levantei, esmaguei e despedacei. Outro segredo guardado. Outra meia verdade que parece uma mentira. Eu gostaria de dizer a Sarah. Eu de alguma forma sinto como se estivesse traindo ela por esconder essas coisas, e pelas últimas semanas esse fardo começou a pesar realmente. Mas eu também que não tenho outra opção. Não a esse ponto, de qualquer modo. - Então é essa? – Sarah pergunta. - É. – eu digo. Ela entra na rua da casa de Sam. Ele está no final, vestindo jeans e um suéter de lã. Ele olha para nós com aquele olhar vago de veado-surpreendido-porfaróis. Há gel no cabelo dele. Eu nunca vi gel no cabelo dele antes. Ele caminha até o lado do carro, abre a porta, e escorrega para perto de mim. - Oi, Sam. – Sarah diz, depois apresenta a mãe a ele. Sarah sai da rua de Sam e continua o caminho. Ambas as mãos de Sam estão afundadas firmemente no banco em nervosismo. Sarah entra em uma rua que eu nunca vi antes e vira para a direita, entrando em uma rua cheia de curvas. Trinta ou mais carros estão estacionados pelo caminho. No fim da rua, cercada por árvores, está uma casa grande de dois andares. Nós podemos ouvir bem a música antes de chegarmos à casa. - Meu Deus, que casa legal. – Sam diz. - Evitem fazer besteira. – a mãe de Sarah diz. – E fiquem seguros. Liguem se precisarem de alguma coisa, ou se não conseguirem falar com o seu pai. – ela diz, olhando para mim. - Pode deixar, Sra. Hart. – eu digo. Nós saímos do carro e vamos andando para a porta da frente. Dois cachorros vem correndo do lado da casa, um goldenretrivier e um bulldog. Os rabos balançando e eles cheiram compulsivamente a minha calça, sentindo o cheiro de Bernie Kosar. O bulldog está carregando uma vara na boca. Eu tento tirar dele, o que exige algum esforço, e jogo isso do outro lado do quintal e os dois cachorros saem correndo atrás. - Dozer e Abby. – Sarah diz. (n/t: Dozer significa ―dorminhoco‖) - Imagino que Dozer é o bulldog? – eu pergunto. Ela assente e sorri para mim como em desculpa. Eu lembro agora como ela deve conhecer essa casa. Isso me faz pensar se deve ser estranho para ela voltar agora, comigo. - Essa foi uma ideia horrível. – Sam diz. Ele olha para mim. – Só estou percebendo agora. - Por que você acha isso? - Porque só a três meses atrás o cara que vive aqui encheu os nossos armário com esterco de vaca e jogou na minha cabeça uma bola de carne durante o almoço. Agora estamos aqui. - Aposto que Emily já está aqui. – eu digo, e cutuco ele com o cotovelo. A porta abre para um saguão. Os cachorros vêm correndo passando por nós e desaparecem na cozinha, que fica bem na frente. Posso ver que é Abby que está segurando a vara agora. Nós somos recebidos com a música tão alta que

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nós temos que gritar mais alto do que ela para sermos ouvidos. As pessoas estão dançando na sala de estar. Há latas de cerveja na mão da maioria delas, algumas outras estão bebendo água ou refrigerante. Aparentemente os pais de Mark estão fora da cidade. O time inteiro de futebol está na cozinha, a metade deles vestindo jaquetas do esporte. Mark vem e abraça Sarah. Depois aperta a minha mão. Ele me fita por um segundo e então afasta os olhos. Ele não aperta a mão de Sam. Ele nem olha para ele. Quem sabe Sam está certo. Isso pode ter sido um erro. - Estou feliz por vocês terem vindo. Vem, entrem. A cerveja está na cozinha. Emily está no canto mais longe conversando com outras pessoas. Sam olha para ela, depois pergunta a Mark onde está o banheiro. Ele aponta o caminho. - Já volto. – Sam diz para mim. A maioria das pessoas estão em volta do balcão no meio da cozinha. Eles olham para mim quando Sarah e eu entramos. Eu olho para cada um deles de volta, e depois pego uma garrafa de água do balde de gelo. Mark entrega a Sarah uma cerveja e abre pra ela. O modo como ele olha pra ela me faz perceber outra vez o quão pouco eu confio nele. E eu percebo agora o quanto bizarra é toda essa situação. Eu, na casa dele, com Sarah, a ex-namorada dele. Estou feliz por Sam estar comigo. Eu me abaixo e brinco com os cachorros até Sam voltar do banheiro. A esse ponto Sarah foi para o canto da sala de estar e está falando com Emily. Sam fica rígido ao meu lado quando percebe que não há nada para gente fazer além de ir até lá e dizer oi. Ele respira fundo. Na cozinha dois dos caras colocam fogo na ponta de um jornal sem qualquer razão a não ser ver queimar. - Não deixe de elogiar Emily. – eu digo a Sam enquanto nos aproximamos. Ele assente. - Aí estão vocês. – Sarah diz. – Pensei que você tivesse me esquecido e me largado sozinha. - Nem sonharia em fazer isso. – eu digo. – Oi, Emily. Tudo bem? - Estou bem. – ela diz, depois para Sam. – Gostei do seu cabelo. Sam apenas olha para ela. Eu cutuco ele. Ele sorri. - Obrigado. – ele diz. – Você está bem bonita. Sarah olha para mim como quando alguém percebe o que você está fazendo. Eu dou de ombros e beijo o rosto dela. A música ficou mais alta ainda. Sam conversa com Emily, uma tanto nervoso, mas ela ri e um tempo depois ele relaxa um pouco. - Você está bem? – Sarah me pergunta. - Claro. Eu estou com a garota mais bonita da festa. Como as coisas poderiam ficar melhores? - Ah, deixa de ser bobo. – ela diz, e me cutuca no estômago. Nós quatro dançamos por uma hora ou mais. Os jogadores continuam bebendo. Alguém apareceu com uma garrafa de vodca e não muito depois disso um deles - eu não sei qual - colocou tudo pra fora no banheiro e agora o cheiro de vômito ficou no ar em todo o primeiro andar. Um outro apagou no sofá da sala de estar e alguns pintaram seu rosto com mBaúdor. As pessoas continuam saindo e entrando pela porta que leva ao porão. Eu não tenho ideia do que está acontecendo lá embaixo. Não vi Sarah pelos últimos dez minutos. Eu deixo Sam e caminho pela sala de estar e pela cozinha, depois subo as escadas. Carpete branco e grosso, paredes com quadros e retratos de família. Algumas das portas dos quartos estão abertas. Algumas fechadas. Eu não vejo

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Sarah. Volto para o primeiro andar. Sam está em pé quieto e sozinho no canto. Eu caminho até ele. - Por que essa cara? – eu pergunto. Ele balança a cabeça. - Não me faça levantar você no ar e virar de cabeça pra baixo como cara em Athens. Eu sorrio. Ele não. - Eu só estou encurralado por Alex Davis. – ele diz. Alex Davis é um dos amigos de Mark James, joga na defesa do time. Ele está no penúltimo ano, alto e magro. Eu nunca falei com ele antes, e sei pouco sobre ele. - O que você quer dizer com "encurralado"? - Acabamos de conversar. Ele viu que eu estive falando com Emily. Acho que eles saíram no último verão. - E daí? Por que isso te incomoda? Ele dá de ombros. – É uma droga, e me incomoda, tá bom? - Sam, você sabe por quanto tempo Sarah e Mark saíram? - Por muito tempo. - Dois anos. – eu digo. - Isso te incomoda? – ele pergunta. - Nem um pouco. Quem se importa com o passado dela? Além disso, olha pro Alex. – eu digo, e aponto para ele que está na cozinha. Ele está curvado contra o balcão da cozinha, seus olhos agitados, uma fina camada de suor brilhando em sua testa. – Você acha que ela sente falta de estar com isso? Sam olha para ele, dá de ombro. - Você é um cara legal, Sam Goode. Não se rebaixe. - Não estou me rebaixando. - Bem então, não se preocupe com o passado de Emily. Nós não temos que ser definidos pelas coisas que fizemos ou não fizemos no passado. Algumas pessoas acabam se deixando controlar pelo arrependimento. Talvez seja algo pra se arrepender, talvez não. É meramente algo que aconteceu. Supere. Sam suspira. Ele ainda está em conflito com isso. - Vai lá. Ela gosta de você. Não há nada a temer. – eu digo. - Mas eu estou. - A melhor maneira de lidar com o medo é confrontando-o. Só vai até lá e beija ela. Aposto que ela vai te beijar de volta. Sam olha para mim e assente, então vai para o porão, onde Emily está. Os dois cachorros vem se brincando até a sala estar. Línguas penduradas. Rabos balançando. Dozer abaixa o peito no chão e espera Abby chegar perto o bastante para então ele pular nela, que pula para longe. Eu os assisto até eles desaparecerem no segundo andar, brincando de cabo de guerra com um boneco de borracha. Falta um quarto para meia noite. Um casal está se pegando no sofá do outro lado da sala. Os jogadores de futebol ainda estão bebendo na cozinha. Eu estou começando a ficar com sono. E ainda não consegui encontrar Sarah. Nessa hora um dos jogadores de futebol sai correndo das escadas do porão, uma olhar louco, agitado, nos olhos. Ele corre para a pia da cozinha, abre a torneira de água o máximo que consegue, e começa a abrir as portas dos armários da cozinha. - Tem fogo lá embaixo! – ele diz para uns caras que estão perto.

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Eles começam a encher potes e panelas com água, e um por um eles correm para o porão. Emily e Sam sobem as escadas. Sam parece abalado. - O que foi? – eu pergunto. - A casa está pegando fogo! - Está muito ruim? - Existe fogo bom? Acho que nós é que começamos isso. Nós, ahn, esbarramos em uma vela em uma cortina. Sam e Emily ambos parecem amassados e claramente estiveram se pegando. Faço uma nota mental para parabenizar Sam depois. - Você viu Sarah? – eu pergunto a Emily Ela balança a cabeça. Mais pessoas sobem correndo as escadas, Mark James com eles. Há medo nos olhos dele. Pela primeira vez sinto o cheiro da fumaça. Olho para Sam. - Vai lá para fora. – eu digo. Ele assente, pega a mão de Emily e eles saem juntos. Alguns dos outros os seguem, mas alguns ficam parados onde estão, assistindo com a curiosidade bêbada. Algumas pessoas ficam em volta idiotamente dando tapinhas nas costas dos jogadores de futebol quando eles sobem correndo do porão, encorajando eles como se tudo fosse uma brincadeira. Vou para cozinha e pego a maior coisa deixada, um pote de metal de tamanho médio. Encho com água e desço a escada. Todo mundo saiu a não ser nós batalhando com o fogo, que é bem maior do que eu esperava. Metade do porão está em chamas. Apagar isso com a pouca água que eu tenho é completamente fútil. Nem tento, em vez disso largo o pote e corro de volta. Mark vem correndo para baixo. Eu o paro no meio da escada. Os olhos dele estão flutuando em embriaguez, mas através disso eu posso ver que ele está aterrorizado, que ele está desesperado. - Esqueça isso. – eu digo. – É muito grande. Nós temos que tirar todo mundo daqui. Ele olha lá para baixo, para o fogo. Ele sabe que o que eu estou dizendo é verdade. O cara valentão da superfície se foi. Não há mais fingimento. - Mark! – eu grito. Ele assente e larga o pote e nós voltamos juntos. - Sai daqui todo mundo! Agora! – Eu grito quando chego no topo da escada. Alguns bêbados não se movem. Alguns riem. Alguém diz, "Cadê os marshmallows?", Mark bate na cara dele. - Sai! – ele grita. Eu tiro o telefone sem fio da parede e empurro nas mãos de Mark. - Disca 911. – eu berro acima do som alto das vozes e da música, que ainda sai de algum lugar como a trilha sonora de um pandemônio começando. O chão está ficando quente. A fumaça começa a sair em ondas de baixo de nós. Só então as pessoas levam a sério. Começo a empurrá-los para a porta. Eu disparo passando por Mark enquanto ele começa a discar e vou correndo pela casa. Subo a escada, três degraus de uma vez, e chuto as portas para abrir. Um casal está se pegando na cama. Eu grito para os dois saírem. Sarah não está em lugar nenhum. Eu corro de volta para o primeiro andar e passo pela porta para a noite escura e fria. As pessoas estão em volta, assistindo. Alguns deles eu posso dizer que estão excitados com a possibilidade da casa pegando fogo. Alguns estão rindo. Posso sentir que estou começando a entrar

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em pânico. Onde está Sarah? Sam está atrás do amontoado de gente, que deve ser no total umas cem pessoas. Corro até ele. - Viu Sarah? – eu pergunto. - Não. – ele diz. Olho de volta para a casa. Ainda há gente saindo. A janela do porão brilha em vermelho, chamas lambendo através das vidraças. Uma delas está aberta. Fumaça negra está saindo dela e indo bem alto no céu. Eu corto caminho através das pessoas. Nessa hora uma explosão sacode a casa. Todas as janelas do porão quebram. Algumas das pessoas se animam. As chamas alcançaram o primeiro andar, elas estão se movendo rápido. Mark James está frente da multidão, incapaz de afastar os olhos da cena. Seu rosto iluminado pelo brilho laranja. Há lágrimas nos olhos dele, um olhar de desespero, o mesmo olhar que eu vi nos olhos dos Loric no dia da invasão. Que coisa bizarra deve ser assistir tudo o que você conhece ser destruído. O fogo se espalhando com hostilidade, com indiferença. Tudo o que Mark pode fazer é assistir. Chamas estão começando a subir pelas janelas do primeiro andar. Nós podemos sentir o calor nos nossos rostos de onde estamos. - Onde está Sarah? – pergunto a ele. Ele não me escura. Começo a sacudi-lo pelos ombros. Ele vira e olha para mim com um jeito vago que sugere que ele ainda não acredita no que os próprios olhos estão dizendo. - Onde está Sarah? – eu pergunto outra vez. - Eu não sei. – ele diz. Eu começo a cortar caminho entre as pessoas procurando por ela, ficando mais e mais nervoso. Todo mundo está assistindo o incêndio. O revestimento de vinil começou a borbulhar e derreter. Todas as cortinas das janelas já queimaram. A porta da frente está aberta, fumaça saindo pela parte de cima, como uma cascata ao contrário. Nós podemos ver todo o caminho até a cozinha, que está um inferno. No lado esquerdo da casa o fogo alcançou o segundo andar. E é aí que todos nós ouvimos. Um longo e terrível grito. E cachorros latindo. Meu coração despenca. Cada pessoa se esforça para ouvir enquanto espera com tudo que nós não tenhamos ouvido o que todos nós sabemos que ouvimos. E então outra vez. Inconfundível. Vem em uma torrente e dessa vez não para. Choque se espalha entre as pessoas, fazendo-as prender o ar com a boca aberta em horror. - Ah, não. – Emily diz. – Não, Deus, por favor, não. Capítulo 26

NINGUÉM FALA. TODOS ESTÃO COM OS OLHOS ARREGALADOS, fitando o segundo andar em choque. Sarah e os cachorros devem estar em algum lugar na parte de trás. Fecho os olhos e abaixo a cabeça. Tudo o que eu posso sentir é o cheiro da fumaça. ―Só lembre o que está em risco‖, Henri avisou. Eu sei muito bem o que está em risco, mas ainda assim a voz dele ecoa. A minha vida e, agora, a vida de Sarah. Há outro grito. Aterrorizado. Acentuado. Sinto os olhos de Sam em mim. Ele viu em primeira mão minha resistência ao fogo. Mas ele também sabe que estou sendo perseguido. Olho em volta. Mark está ajoelhado, balançando o corpo para frente e pra trás. Ele quer que pare. Ele quer que os cachorros parem de latir. Mas eles não param, e ele reage a cada latido como se estivesse recebendo uma facada na barriga. - Sam. – eu digo de forma que só ele possa ouvir. – Eu vou entrar. – ele fecha os olhos, respira fundo, me fita.

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- Vá buscá-la. – ele diz. Entrego a ele meu celular e digo para que ele ligue para Henri se por alguma razão eu não sair. Ele assente. Começo a me mover para a parte de trás da multidão, saindo e entrando da massa de corpos. Ninguém presta atenção em mim. Quando eu finalmente chego na parte de trás corro com urgência através do quintal e depois para a parte de trás da casa para poder entrar sem ser visto. A cozinha está completamente submersa em chamas. Apenas olho por um breve momento. Posso ouvir Sarah e os cachorros. Eles parecem estar perto agora. Eu respiro fundo, e com o ar outras coisas vêm. Raiva. Determinação. Esperança e medo. As deixo entrar. Sinto todas elas. E então eu vou em frente, disparando o quintal e irrompendo dentro da casa. Eu sou engolido pelo inferno imediatamente, ouvindo nada além do crepitar e do zumbido das chamas. Minhas roupas pegam fogo. Não há fim para o fogo. Vou para frente da casa e metade dos degraus já desapareceram queimados. A parte deixada está pegando fogo, parecendo frágil, mas não há tempo para testar. Eu disparo para cima, mas eles desmoronam com o meu peso quando chega na metade do caminho. Eu caio com eles, o fogo subindo como se alguém tivesse atiçado as chamas. Algo fura minhas costas. Eu cerro meus dentes, ainda prendendo a respiração. Levanto do entulho e escuto Sarah gritar. Ela está gritando, apavorada, e ela vai morrer, vai morrer de um modo terrível e miserável se eu não chegar até lá. O tempo é curto. Tenho que pular para o segundo andar. Eu pulo e seguro na ponta do chão e me puxo para cima. O fogo se espalhou pelo outro lado da casa. Ela e os cachorros estão em algum lugar à minha direita. Eu avanço pelo corredor, procurando nos quartos. As fotos penduradas queimaram nas molduras, nada mais do que silhuetas escurecidas derretidas na parede. Meu pé cai através do chão e minha respiração prende em surpresa, eu acabo respirando. Nada além de fumaça e chamas entram. Eu começo a tossir. Cubro a mão com meu braço, mas isso ajuda muito pouco. Fumaça e fogo já estão queimando os meus pulmões. Me ajoelho, tossindo, arfando. Então a fúria surge através de mim e eu levanto novamente. Sigo em frente, encurvado, cerrando meus dentes, determinado. Eu os encontro no último quarto à direita. Sarah está gritando, "SOCORRO!". Os cachorros estão ganindo e chorando. A porta está fechada e eu a abro com um chute, ela sai voando para fora das dobradiças. Todos os três estão apertados com força um contra o outro o máximo que eles conseguem no canto. Sarah me vê e grita o meu nome, já começando a levantar. Eu gesticulo para que ela fique onde está, e dou um passo para dentro do quarto, uma viga de suporte gigante cai pegando fogo entre nós. Levanto a mão e mando a viga para o alto, ela cai sobre o que ainda resta do telhado. Sarah parece confusa com o que acabou de ver. Eu corro na direção dela, cobrindo seis metros em um, passando direto através das chamas sem que elas me afetem. Os cachorros estão nos pés dela. Eu coloco o bulldog nos braços dela e pego o retrievier. Com a outra mão a ajudo a levantar. - Você veio. – ela diz. - Ninguém, e nada, vai te machucar enquanto eu estiver vivo. – eu digo em resposta. Outra viga gigante cai e leva parte do chão, aterrissando na cozinha abaixo de nós. Nós temos que sair pelos fundos da casa para ninguém nos ver, ou ver o que eu acho que vou precisar fazer. Seguro Sarah firme ao meu lado e o

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cachorro contra o meu peito. Nós damos dois passos, depois pulamos sobre o abismo de chamas que viga que caiu quebrou. Quando começamos a andar pelo corredor, uma explosão gigante lá embaixo acaba com a maior parte dele. O corredor se foi; O que isso costumava ser agora é uma parede e uma janela, que estão sendo rapidamente consumidas pelas chamas. Nossa única chance é através da janela. Sarah está gritando de novo, agarrando meu braço, e eu posso sentir as unhas do cachorro enterradas no meu peito. Levanto a minha mão na direção da janela, fito, e foco – e ela explode da moldura, deixando a abertura que nós precisamos. Olho para Sarah, puxando ela para segurá-la bem ao meu lado. - Segure firme. – eu digo. Dou três passos e mergulho pra frente. As chamas nos engolem inteiros, mas nós voamos pelo ar como uma bala, indo direto em direção à abertura. Me preocupo, acho que não vamos conseguir. Nós mal passamos por ela e eu sinto as pontas dos pedaços da moldura arranharem os meus braços e o alto das minhas pernas. Seguro Sarah e os cachorros o melhor que posso, e giro meu corpo de modo que eu caia de costas e todos eles em cima de mim. Nós atingimos o chão com um baque. Dozer sai rolando. Abby uiva. Escuto Sarah perder o ar. Nós estamos a cerca de nove metros atrás da casa. Sinto um corte no topo da minha cabeça causado pelo vidro quebrado da janela. Dozer é o primeiro a se levantar. Ele parece estar bem. Abby vai muito mais devagar. Ela manca na pata da frente, mas não acho que seja nada sério. Fico deitado de costas e seguro Sarah. Ela começa a chorar. Posso sentir o cabelo queimado. Sangue escorre pelo lado meu rosto e acumula na minha orelha. Sento na grama para pegar ar. Sarah nos meus braços. Os fundos dos meus tênis derreteram. Minha camisa queimou completamente, e eu tenho a maior parte do meu jeans. Pequenos cortes nos comprimentos dos dois braços. Mas eu não estou queimado. Dozer vem e lambe a minha mão. Faço carinho nele. - Você é um bom garoto. – eu digo entre os soluços de Sarah. – Vai lá. Pegue a sua irmã e vá para frente. Há sirenes a certa distância, devem chegar aqui dentro de um ou dois minutos. A floresta está a cerca de cem metros da parte de trás da casa. Os dois cachorros sentam olhando para mim. Eu aceno para a frente da casa, eles levantam como se tivessem entendido e começam a andar na direção de lá. Sarah ainda nos meus braços. Faço ela virar de modo que fique aninhada, levanto e vou para floresta, carregando-a enquanto ela chora no meu ombro. Logo que eu entro entre as árvores escuto todo a multidão explodir em exclamações animadas. Dozer e Abby devem ter sido vistos. A floresta é densa. A lua cheia ainda brilha, mas há pouca luz vindo dela. Acendo as mãos para que possamos ver. Eu começo a tremer. Pânico começa a crescer dentro de mim. Como vou explicar isso a Henri? Eu estou vestindo agora o que parece com farrapos queimados. Minha cabeça está sangrando. Assim como as minhas costas, junto com vários cortes nos braços e pernas. Meus pulmões parecem como estr pegando fogo a cada vez que respiro. E Sarah está nos meus braços. Agora ela deve saber o que eu posso fazer, do que eu sou capaz, pelo menos uma parte disso. Eu vou ter que explicar tudo para ela. Vou ter que dizer a Henri que ela sabe. Eu já tenho muitos pontos negativos contra mim. Ele vai dizer que alguém vai abrir a boca alguma hora. Ele vai insistir para gente ir embora. Não há volta. Coloco Sarah no chão. Ela parou de chorar. Ela olha para mim, confusa,

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amedrontada, perplexa. Eu sei que preciso arranjar alguma roupa e voltar parte a festa para que as pessoas não suspeitem. Preciso levar Sarah de volta para as pessoas não pensarem que ela morreu. - Está bem para andar? – eu pergunto. - Acho que sim. - Me segue. - Onde nós vamos? - Eu preciso arranjar alguma roupa. Com sorte, um dos jogadores de futebol tem roupas pra trocar depois de praticar. - O que acabou de acontecer, John? O que está acontecendo? - Você estava em um incêndio, e eu te tirei de lá. - O que você fez não é possível. - É para mim. - O que isso significa? Olho para ela. Eu esperava nunca ter que dizer o que estou prestes a contar. Mesmo que eu soubesse que a realidade não é assim, eu esperava poder continuar escondido em Paraíso. Henri sempre disse para não ficar tão próximo a ninguém. Porque se você fizer, em algum ponto eles vão notar que você é diferente, e isso vai exigir explicação. E isso significa que nós temos que ir embora. Meu coração está batendo rápido, minhas mãos estão tremendo, mas não porque estou com frio. Se eu tiver qualquer esperança de ficar, ou escapar do o que eu fiz essa noite, eu tenho que contar a ela. - Eu não sou quem você pensa. – eu digo. - Quem você é? - Eu sou o Número Quatro. - E o que isso significa? - Sarah, isso vai parecer idiota e louco, mas o que estou prestes a dizer é verdade. Você tem que acreditar em mim. Ela coloca a mão no meu rosto. –Se você diz que é a verdade, então eu vou acreditar em você. - E é. - Então me diz. - Eu sou um alienígena. Eu sou a quarta de nove crianças mandadas para a Terra depois do nosso planeta ser destruído. Eu tenho poderes, poderes diferentes de qualquer humano, poderes que me permitem fazer as coisas como as que eu fiz na casa. E há outros alienígenas aqui na Terra que estão me caçando, os que atacaram o meu planeta, e se eles me encontrarem vão me matar. Eu espero ela me bater, ou rir de mim, ou gritar, ou virar e ir embora. Ela para e olha para mim. Olha direto nos meus olhos. - Você está me dizendo a verdade. – ela diz. - Sim, eu estou. – Eu olho nos olhos dela, levando-a a acreditar em mim. Ela me fita de um modo penetrante por um longo tempo, e então assente. - Obrigada por salvar a minha vida. Eu não me importo com o que você é ou de onde você veio. Pra mim você é John, o garoto que eu amo. - Quê? - Eu te amo, John, e você salvou a minha vida, isso é tudo o que importa. - Eu te amo também. E eu sempre vou te amar. Eu passo meus braços em volta dela e a beijo. Depois de um minuto ou mais, ela se afasta.

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- Vamos logo encontrar algumas roupas e voltar para as pessoas saberem que estamos bem. Sarah encontra uma muda de roupa no quarto carro que nós procuramos. Elas são parecidas o suficiente com o que eu estou vestindo - jeans e uma camisa de botões - que ninguém vai perceber que é diferente. Quando chegamos à casa nós ficamos o mais longe possível enquanto ainda dava para ver. A casa desabou sobre si e agora não é nada mais do que uma pilha deformada de brasa enegrecida enchBaúda de água. Traços de fumaça subindo aqui e ali, algo que fica sinistro no céu da noite. Há três carros de bombeiro. Contei seis carros de polícia. Nove luzes de sirene, mas nenhum som sai delas. Quase ninguém foi embora, se é que alguém foi. Todos foram empurrados para trás, a casa contornada com fita amarela. Os oficiais de polícia estão questionando algumas pessoas. Cinco bombeiros estão no centro, procurando entre os destroços. Então eu escuto "Ele estão ali!" berrado atrás de mim. Cada par de olhos na multidão vira na minha direção. Leva cinco segundos inteiros até eu perceber que sou eu a pessoa a quem eles estão se referindo. Quatro oficiais de policias caminham na minha direção. Atrás deles há um homem segurando um bloco de notas e um gravador de fita. Enquanto nós procurávamos as roupas, Sarah e eu concordamos em uma história. Eu dei a volta na casa e a encontrei na parte de trás, onde ela estava vendo o incêndio. Ela havia pulado da janela do segundo andar com os cachorros, que saíram correndo. Nós ficamos olhando afastados da multidão, mas agora decidimos voltar e nos juntar. Eu expliquei a ela que não podemos dizer a ninguém sobre o que aconteceu, nem a Sam ou a Henri, que se alguém descobrir a verdade eu vou ter que ir embora imediatamente. Nós concordamos que eu poderia responder as perguntas e que ela concordaria com o que fosse que eu disse. - Você é John Smith? – um dos policiais me pergunta. Ele é de altura mediana, fica com os ombros curvados. Ele não está acima do peso, mas está longe de estar em forma, com uma leve barriga e, no geral, uma aparência branda. - Sim, por quê? - Duas pessoas disseram que viram você correr para dentro da casa e depois sair voando por trás como um Super-Homem, com os cachorros e a garota nos seus braços. - Sério? – pergunto em descrença. Sarah se mantém junto a mim. - É isso que eles disseram. Eu finjo uma risada. – A casa estava pegando fogo. Parece que eu estive em uma casa pegando fogo? Ele junta as sobrancelhas e coloca a mão no quadril. – Então você está me dizendo que não entrou lá? - Eu fui lá atrás para tentar encontrar Sarah. – eu digo. – Ela tinha saído com os cachorros. Nós ficamos lá vendo o incêndio e depois viemos para cá. O oficial olha para Sarah. – Isso é verdade? - É. - Bem, então quem correu pra dentro da casa então? – o repórter próximo a ele se intromete. É a primeira vez que está falando. Ele me observa com olhos sagazes e críticos. Eu já posso dizer que ele não acredita na minha história. - Como eu saberia? – eu digo. He acena com a cabeça e escreve algo no bloco de notas. Não consigo ler o que está escrito.

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- Então você está me dizendo que essas duas testemunhas estão mentindo? – o repórter pergunta. - Baines. – o oficial diz, balançando a cabeça para ele. Eu concordo. – Eu não entrei na casa, nem salvei ela e os cachorros. Eles estavam do lado de fora. - Quem estava dizendo alguma coisa sobre salvar ela e os cachorros? - Baines pergunta. Dou de ombros. – Eu pensei que você estivesse insinuando isso. - Eu não insinuei nada. Sam vem andando segurando meu celular. Eu tento encarar ele para dizer que não é uma boa hora, mas ele não entende e me entrega o celular de qualquer forma. - Obrigado. – eu digo. - Eu estou feliz que você está bem. – ele diz. O oficial olha para ele, Sam logo se afasta de fininho. Baines observa tudo com os olhos semicerrados. Ele está mastigando chiclete, tentando encaixar as informações. Ele assente para si mesmo. - Então você entregou o celular para o seu amigo antes de você sair para dar uma volta? – ele pergunta. - Entreguei a ele meu celular durante a festa. Estava desconfortável no meu bolso. - Aposto que estava. – Baines diz. – Então onde você foi? - Tudo bem, Baines, já chega de perguntas. – o oficial diz. - Posso ir embora? – pergunta a ele. Ele acena com a cabeça. Eu me afasto com o celular na mão, discando o número de Henri com Sarah ao meu lado. - Alô. – Henri atende. - Estou pronto, pode vir. – eu digo. – Houve um incêndio terrível aqui. - Quê? - Não pode simplesmente vir nos buscar? - Sim. Já vou chegar. - Então como você explica o corte no topo da sua cabeça? – Baines pergunta atrás de mim. Ele esteve me seguindo, ouvindo minha ligação para Henri. - Eu cortei em um galho no meio das árvores. - Quão conveniente. – ele diz, e novamente escreve algo no bloco de notas. – Você sabe que eu posso dizer quando estão mentindo para mim, certo? Eu o ignoro, continuo andando de mãos dadas com Sarah. Nós vamos até Sam. - Eu vou descobrir a verdade, Sr. Smith. Como eu sempre faço. – Baines grita atrás de mim. - Henri está a caminho. – eu digo a Sam e Sarah. - O que foi isso? – Sam pergunta. - Vai saber. Alguém acha que me viu entrando na casa, provavelmente alguém que bebeu demais. – eu digo mais para Baines do que para Sam. Ficamos no final da rua até Henri chegar. Quando ele chega, sai da caminhonete e olha para a casa em brasas de longe. - Ah, meu Deus. Me diz que você não fez parte disso. – ele diz. - Não fiz. – eu digo. Nós entramos na caminhonete. Ele vai embora ainda olhando para os destroços cheios de fumaça. - Vocês cheiram a fumaça. – Henri diz.

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Nenhum de nós responde, fazendo o caminho em silêncio. Sarah senta no meu colo. Nós deixamos Sam primeiro, depois Henri sai da rua e segue o caminho na direção da casa de Sarah. - Não quero ter que te deixar essa noite. – Sarah diz para mim. - Não quero ir embora também. Quando chegamos na casa dela saio com junto e nós caminhamos até a porta. Ela não me solta quando a abraço de despedida. - Vai me ligar quando chegar em casa? - Claro. - Eu te amo. Eu sorrio. – Eu te amo também. Ela entra. Volto para a caminhonete, onde Henri está esperando. Eu tenho que descobrir um modo dele não descobrir a verdade sobre essa noite, de evitar que a gente vá embora de Paraíso. Henri sai e dirige para casa. - Então o que aconteceu com a sua jaqueta? – ele pergunta. - Estava no armário de Mark. - O que aconteceu com a sua cabeça? - Bati tentando sair quando o fogo começou. Ele me olha cheio de dúvidas. –Você é quem está chegando a fumaça. Dou de ombros. – Tinha muita lá. - Então o que começou o fogo? - Bêbados, eu suponho. Henri assente e vira para nossa rua. - Bem, – ele começa. – isso vai ser interessante nos jornais na segunda. – ele vira e olha para mim, estudando a minha reação. Continuo em silêncio. Sim, eu penso, certamente vai ser. Capítulo 27 NÃO CONSIGO DORMIR. EU FICO DEITADO NA CAMA OLHANDO através da escuridão para o teto. Ligo para Sarah e nós conversamos até às três; eu desligo e continuo deitado, com os olhos bem abertos. Às quatros eu me arrasto para fora da cama e saio do quarto. Henri está sentado na mesa da cozinha beber café. Ele olha para mim, há olheiras abaixo de seus olhos, está com os cabelos desgrenhados. - Está fazendo o que? – pergunto. - Não consigo dormir também. – ele diz. – Estou procurando notícias. - Achou algo? - Sim, mas eu não tenho certeza do que isso significa para nós ainda. Os homens que faziam a Eles Estão Entre Nós, aqueles homens que nós conhecemos, foram torturados e assassinados. Sento na frente dele. – Quê? - A polícia os encontrou depois de alguns vizinhos ligarem dizendo que ouviram gritos na casa. - Eles não sabiam onde a gente mora. - Não, eles não sabiam. Felizmente. Mas isso significa que os Mogadorians estão ousando mais. E que eles estão perto. Se a gente ver ou ouvir qualquer coisa fora do comum, nós vamos ter que ir embora imediatamente, sem perguntas a serem feitas, sem discussão. - Tudo bem. - Como está a sua cabeça?

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- Dolorida. – eu digo. Tive que levar sete pontos para fechar o corte. Henri mesmo que fez. Eu estou vestindo uma blusa de moletom larga. Tenho certeza de que os cortes das minhas costas precisam de pontos também, mas isso ia fazer com que eu tire minha camisa, e como vou explicar os outros cortes e arranhões para Henri? Ele vai saber com certeza o que aconteceu. Meus pulmões ainda estão queimando. Se mudou alguma coisa, foi só para pior. - Então, o fogo começou no porão? - Aham. - E você estava na sala de estar? - Aham. - Como você sabe que começou no porão? - Porque todos os caras saíram correndo de lá. - E você sabia que todo mundo estava fora da casa na hora que você saiu? - Aham. - Como? Sei que ele está tentando fazer com que eu me contradiga, que ele não acredita na minha história. Estou certo de que ele não acredita que eu tenha ficado meramente lá fora assistindo como todos os outros. - Eu não entrei. – eu digo. É doloroso fazer isso, mas olho fundo nos olhos dele e minto. - Eu acredito em você. – ele diz. Acordei perto de meio dia. Pássaros estão piando lá fora e a luz do sol entra pela janela. Suspiro aliviado. O fato de eu ter sido permitido a dormir até tão tarde significa que não há notícias que me incriminem. Se houvesse, Henri teria me tirado da cama e me dito para arrumar a mala. Viro para ficar de costas e é quando a dor atinge. Sinto no peito como se alguém estivesse empurrando, me apertando. Não consigo respirar fundo. Quando eu tento há uma dor aguda. Isso me deixa com medo. Bernie Kosar está enrolado como uma bola roncando ao meu lado. Brinco com ele, perturbando-o para acordá-lo. Ele geme reclamando primeiro, depois responde à provocação. Esse é o início do nosso dia. Eu despertando o cachorro que não para de roncar ao meu lado. Ele balançando o rabo com a língua pendurada faz com que eu me sinta melhor imediatamente. Nem me importo com a dor no peito. Nem me importo com o que o dia pode trazer. Não encontro a caminhonete de Henri. Na mesa está um bilhete onde está escrito: ―Fui comprar umas coisas. Volto às uma‖. Vou para fora. Estou com dor de cabeça e meus braços estão vermelhos e manchados, os cortes estão um pouco altos, como se eu tivesse sido arranhado por um gato. Não me importo com os cortes, ou com a dor de cabeça, ou com a queimação no meu peito. O que me importa é que eu ainda estou aqui, em Ohio, que amanhã eu vou estar de volta à mesma escola que eu tenho ido por três meses, e que eu vou ver Sarah hoje à noite. Henri volta para casa uma da tarde. Em seu rosto há um olhar de cansaço que me diz que ele não dormiu. Depois de guardar as compras, ele vai para o quarto e fecha a porta. Bernie Kosar e eu saímos para caminhar na floresta. Eu tento correr, o que eu consigo fazer por um tempo, mas depois de mais ou menos um quilômetro a dor que eu sinto é tão grande que eu tenho que parar. Nós andamos pelo que deve ter sido oito quilômetros. Nesse ponto, as árvores terminam e encontramos outra estrada rural, parecida com a nossa. Eu viro e volto pelo caminho. Henri ainda está dentro do quarto com a porta fechada

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quando chegamos. Eu sento na varanda. Fico nervoso toda vez que um carro passa. Não consigo deixar de pensar que um deles vai parar, mas nenhum deles realmente para. A confiança que eu senti quando acordei é lentamente dissolvida com o passar do dia. A Gazeta de Paraíso não sai aos domingos. Amanhã vai ter alguma história? Acho que eu esperava alguém ligar, ou o mesmo repórter aparecer aqui, ou algum oficial para fazer mais perguntas. Eu não sei por que eu estou tão preocupado sobre um repórterzinho qualquer, mas ele foi tão persistente - muito persistente. E eu sei que ele não acredita na minha história. Mas ninguém veio até a nossa casa. Ninguém ligou. Eu esperava algo, e quando algo não surgiu, o medo de que eu seja descoberto começou a crescer. "Eu vou descobrir a verdade, Sr. Smith. Eu sempre descubro", Baines disse. Eu considerei correr até a cidade, tentar encontrá-lo para dissuadi-lo de nada parecido com a verdade, mas eu sei que isso só encorajaria suspeitas. Tudo o que eu posso fazer é prender a respiração e esperar o melhor. Eu não estava naquela casa. Eu não tenho nada para esconder. Sarah vem até aqui de noite. Nós vamos para o meu quarto e eu a seguro em meus braços, deitado na cama. Ela está com a cabeça contra o meu peito e uma perna sobre mim. Ela faz perguntas sobre quem eu sou, sobre o meu passado, sobre Lorien, sobre os Mogadorians. Eu ainda estou impressionado por quão rápido e fácil Sarah acreditou em tudo, de como ela aceitou isso. Eu respondi tudo com a verdade, o que me dá uma sensação boa depois de todas as mentiras que eu disse nos últimos dias. Mas quando começamos a falar sobre os Mogadorias, eu fico com medo. Estou preocupado que eles possam nos encontrar. Que o que eu fiz possa nos expor. Eu faria tudo outra vez, porque se eu não fizesse Sarah estaria morta, mas eu estou com medo. E tenho igualmente medo do que Henri possa fazer se descobrir. Apesar de não ser biologicamente, por todo o resto ele é o meu pai. Eu o amo e ele me ama, eu não quero desapontá-lo. E enquanto nós estamos deitados aqui, meu medo começa a alcançar novos níveis. Eu não aguento não saber o que o próximo dia vai trazer - a incerteza está correndo. O quarto está escuro. Uma vela tremeluzente está no peitoral da janela a alguma distância. Respiro fundo, quer disse, tão fundo quanto eu aguento. - Você está bem? – Sarah pergunta. Passo os meus braços em volta dela. – Estou com saudades de você. – eu digo. - Está com saudades de mim? Mas eu estou bem aqui. - Essa é a pior maneira de sentir saudade de alguém. Quando ela está bem da sua frente e você ainda sente sua falta. - Você está falando coisas sem sentido. – ela segura e puxa meu rosto para perto o dela, então me beija, seus lábios suaves nos meus. Não quero que ela pare. Não quero que jamais ela pare de me beijar. Enquanto ela estiver me beijando tudo estará bem. Tudo estará certo. Eu ficaria nesse quarto para sempre se eu pudesse. O mundo pode passar bem sem mim, sem nós. Desde que a gente possa ficar aqui, um nos braços do outro. - Amanhã. – eu digo. Ela olha pra mim. – Amanhã o que? Balanço minha cabeça. – Eu não sei realmente. – Eu digo. – Acho que eu só estou com medo.

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Ela olha confusa para mim. – Medo de que? - Eu não sei. – digo. – Só estou com medo. Quando chego com Henri em casa depois de levar Sarah eu volto para a minha cama e deito no mesmo lugar onde ela esteve. Eu ainda posso sentir o cheiro dela na cama. Eu não vou dormir essa noite. Eu não vou nem tentar. Fico andando pelo quarto. Quando Henri vai para cama eu saio, sento na mesa da cozinha e escrevo sob a luz de velas. Escrevo sobre Lorien, sobre a Florida, sobre as coisas que vi quando nosso treinamento começou - a guerra, os animais, as imagens da infância. Eu espero que aconteça algum efeito catártico, mas não acontece. Só me faz ficar pior. Quando a minha mão começa a doer eu saio de casa e paro na varanda. O ar frio diminui a dor de respirar. A lua está quase cheia, apenas um dos lados sutilmente cortado. Falta duas horas para amanhecer, com isso um novo dia cem, e as notícias da semana. O jornal chega às seis, às vezes seis e meia. Eu já vou estar na escola quando chegar e, se eu estiver em uma das notícias, me recuso a ir embora sem ver Sarah, sem me despedir de Sam. Eu entro na casa, troco de roupa, arrumo a mochila. Volto nas pontas dos pés e fecho a porta com cuidado. Dou três passos na varanda quando escuto algo arranhar a porta. Eu viro e abro, Bernie Kosar sai trotando. Tudo bem, eu penso, nós podemos ir juntos. Nós caminhamos, parando várias vezes, ficamos no mesmo lugar e ouvindo o silêncio. A noite está escura, mas depois de um tempo uma cor pálida começa a surgir no céu ao leste enquanto entramos no terreno da escola. Não há carros no estacionamento e todas as luzes estão desligadas lá dentro. Bem na frente da escola, em frente ao mural do pirata, está uma grande pedra que foi pintada por antigos estudantes. Sento nela. Bernie Kosar deita na grama próximo a mim. Faz meia hora que estou lá quando o primeiro veículo chega, uma van, eu penso que é Hobbs, o zelador, chegando mais cedo para colocar a escola em ordem, mas estou errado. A van para na frente da escola e o motorista sai do carro caminhando preguiçosamente. Ele está carregando um monte de jornais amarrados com um fio. Nós acenamos um para o outro, ele deixe o monte na porta da escola e depois vai embora. Continuo na pedra. Olho desdenhosamente para os jornais. Estou mentalmente xingando eles, os desafiando a entregar as más notícias que eu tanto tenho medo. - Eu não estava dentro daquela casa no sábado. – eu digo em voz alta, e logo em seguinte me sinto idiota. Então olho em volta, suspiro e pulo da pedra. - Bem. – eu digo para Bernie Kosar. – É agora, seja bom ou ruim. Ele abre os olhos brevemente, depois os fecha e volta a cochilar no chão frio. Eu desamarro o fio e levanto o jornal de cima. A história foi feita de primeira página. Bem em frente há uma foto dos restos da casa tirada na manhã seguinte ao amanhecer. Há uma sensação gótica de mau presságio. Cinzas escurecidas estão em frente às árvores nus e grama coberta de geada. Eu leio o título: CASA DOS JAMES EM: QUEIMANDO TUDO

Prendo a respiração, uma sensação deprimente se concentra no meu estômago como se notícias terríveis estivessem prestes a me encontrar. Eu vou passando rápido pelo artigo. Eu não leio, apenas procuro pelo meu nome. Chego ao final. Pisco os olhos e balanço a cabeça para me concentrar melhor. Um sorriso cauteloso se forma. Então eu consegui me salvar dessa também. - Não acredito. – eu digo. – Bernie Kosar, meu nome não está aqui!

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Ele não me dá atenção. Eu corro pela grama e pulo de volta na pedra. - Meu nome não está aqui! – eu grito de novo, dessa vez o mais alto que eu posso. Eu sento e leio a história. O título é uma brincadeira com Queimando Tudo, que aparentemente é um filme sobre drogas. A polícia acredita que o início do incêndio foi um baseado de maconha que alguém fumava no porão. Como essa informação foi descoberta, eu não tenho ideia, especialmente porque está errado. O artigo em si é calunioso e maldoso, quase um ataque à família de James. Eu não gostei do repórter. É evidente que ele não gosta dos James. Vai saber por que... Fico na pedra e leio o artigo três vezes antes da primeira pessoa chegar para destrancar as portas. Eu não consigo parar de sorrir. Eu vou ficar em Ohio, em Paraíso. O nome da cidade não parece mais tão bobo pra mim. Através do meu excitamento eu sinto como se tivesse deixando algo passar, que eu esqueci o componente chave. Mas eu estou tão feliz que não me importa. O que poderia acontecer agora? Meu nome não está no artigo. Eu não corri para dentro daquela casa. A prova está bem aqui, nas minhas mãos. Ninguém pode dizer o contrário. - Por que você está tão feliz? – Sam pergunta na aula de astronomia. Eu ainda não parei de sorrir. - Você leu o jornal essa manhã? Ele assente. - Sam, eu não estava lá! Eu não vou ter que ir embora. - Por que eles te colocariam no jornal? – ele pergunta. Eu fico atônito. Eu abro minha boca para argumentar com ele, mas nessa hora Sarah entra na sala. Ela vem passeando entre as cadeiras. - Ei, gata. – eu digo. Ela baixa e beija o meu rosto, algo que não importa o quanto aconteça, acho que não se tornará comum. - Alguém está com bom humor hoje. – ela diz. - Estou feliz em te ver. – eu digo. – Nervosa com o teste de direção? - Talvez um pouco. Não consigo mais esperar pra isso acabar. Ela senta ao meu lado. Esse é o meu dia, eu penso. Aqui é onde eu quero estar e aqui é onde eu estou. Sarah de um lado, Sam do outro. Vou paras aulas como faço em todos os outros dias. Sento com Sam no almoço. Não conversamos sobre o incêndio. Devemos ser os únicos dois em toda a escola que não estão falando sobre isso. A mesma história, toda hora. Eu não ouvi meu nome ser dito uma vez. Como eu esperava, Mark não está na escola. Foi espalhado o rumor de que ele e muitos outros estão suspensos por causa da teoria que o jornal divulgou. Eu não sei se é verdade ou não. Eu não sei se me importo. Na hora que Sarah e eu entramos na cozinha para o oitavo período que é administração doméstica, a certeza de que estou seguro só cresceu e se firmou. Uma certeza tão forte que eu começo a ficar confiante de que algo está errado, de que deixei passar alguma coisa. A dúvida tem se infiltrado durante o dia, mas eu rapidamente a empurro para longe. Nós fazemos pudim de tapioca. Um dia fácil. Na metade na aula, a porta da cozinha abre. É o monitor do corredor. Olho para ele e sei imediatamente o que isso significa. O presságio de más notícias. A mensagem da morte. Ele caminha direto para mim e me entrega um pedaço de papel.

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- Sr. Harris quer ver você. – ele diz. - Agora? Ele assente. Olho para Sarah e dou de ombros. Não quero que ela veja o meu medo. Sorrio para ela e caminho para a porta. Antes de sair eu paro e viro para olhá-la outra vez. Ela está inclinada sobre a mesa misturando os nossos ingredientes, vestindo o mesmo avental verde que eu ajudei colocar no primeiro dia, o dia que nós fizemos panquecas e comemos no mesmo prato. O cabelo dela está preso em um rabo de cavalos e alguns fios soltos balançam em frente ao seu rosto. Ela os empurra para trás da orelha e, ao fazer, me vê parado na porta, ainda observando-a. Eu continuo olhando, tentando guardar cada detalhe desse momento, a maneira que ela segura a colher de madeira na mão, a cor de marfim em sua pele com as luzes que vêm da janela atrás dela, a delicadeza em seus olhos. A blusa que veste está sem um botão no colarinho. Me pergunto se ela sabe disso. O monitor diz algo atrás de mim. Eu dou tchau para Sarah, fecho a porta e sigo pelo corredor. Durante todo o caminho tento me convencer de que é apenas uma formalidade, algum documento que esquecemos de assinar, alguma pergunta sobre a transcrição. Mas eu sei que não é só uma formalidade. Sr. Harris está sentado em sua escrivaninha quando eu entro no escritório. Ele sorri de um modo que me aterroriza, o mesmo sorriso cheio de orgulho que ele tinha no dia em que buscou Mark na classe para a entrevista. - Sente-se. – ele diz. Eu sento. – Então, é verdade? – ele pergunta. Ele olha para a tela de seu computador, depois olha de volta para mim. - O que é verdade? Em sua escrivaninha há um envelope com meu nome escrito à mão em tinta preta. Ele me vê olhando para isso. - Ah, sim. Isso chegou de fax para você por volta de meia hora atrás. Ele pega o envelope e me entrega. Eu pego. - O que é? – pergunto. - Não tenho ideia. Minha secretária selou no envelope logo que chegou. Várias coisas acontecem ao mesmo tempo. Eu abri o envelope e peguei o conteúdo. Duas folhas de papel. A primeira é uma página de capa com meu nome e ―CONFIDENCIAL‖ escrito em grandes letras pretas. Passo para trás da segunda folha. Uma única sentença escrita, toda em letras maiúsculas. Sem nome. Apenas quatro letras pretas sobre o fundo branco do papel de fax. - Então, Sr. Smith, é verdade? Você entrou naquela casa para salvar Sarah Hart e aqueles cachorros? – Sr. Harris pergunta. Sangue se precipita para o meu rosto. Levanto os olhos. Ele vira o monitor do computador na minha direção para que eu leia na tela. É um blog afiliado à Gazeta de Paraíso. Eu não preciso ver o nome do autor para saber quem escreveu isso. O título do artigo é mais do que o suficiente. O INCÊNDIO NA CASA DE JAMES: O QUE NÃO FOI CONTADO. O ar fica preso na minha garganta. Meu coração acelera. O mundo para, ou pelo menos é o que parece. Me sinto morto por dentro. Olho para baixo para a folha de papel que estou segurando. Papel branco, macio entre as pontas dos meus dedos. Está escrito: VOCÊ É O NÚMERO 4?

Ambas as folhas caem da minha mão, deslizando para longe e flutuando para o chão, onde elas ficam imóveis. Eu não entendo, eu penso. Como isso pode ter

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acontecido? - Então é verdade? – Sr. Harris pergunta. Meu queixo cai, fico de boca aberta. Sr. Harris está sorrindo, orgulhoso, feliz. Mas não é ele que eu vejo. É o que está atrás dele, depois da janela de seu escritório. Uma mancha vermelha se aproximando, se movendo mais rápido do que o normal, do que é seguro. O som agudo dos pneus quando ele vira para o estacionamento. A picape espalhando cascalho quando faz a segunda curva. Henri curvado sobre o voltando como algum maníaco maluco. Ele chuta o freio com tanta força que todo o seu corpo sacode e a camionete para com um guincho. Fecho meus olhos. Coloco a cabeça nas minhas mãos. Através da janela escuto a porta da caminhonete abrir. Escuto fechar. Henri vai estar nesse escritório dentro de um minuto. Capítulo 28

- VOCÊ ESTÁ BEM, SR. SMITH? – O DIRETOR pergunta. Olho para ele. Ele tenta seu melhor olhar de preocupação, um olhar que dura só um segundo antes do enorme sorriso voltar ao seu rosto. - Não, Sr. Harris. – eu digo. – Eu não estou bem. Eu pego as folhas no chão. Leio novamente. De onde isso veio? Eles estão meramente ferrando com a gente agora? Não há número de telefone ou endereço, não há nome. Nada além de quatro palavras e uma interrogação. Olho para fora, através da janela. A caminhonete de Henri está estacionada, fumaça subindo do escapamento. Saiu de casa e chegou o mais rápido que ele pôde. Olho de volta para tela do computador. O artigo foi postado às 11:59 a.m., quase duas horas atrás. Me impressiono que levou esse tempo todo para Henri chegar. Uma sensação de vertigem começa. Sinto meu corpo balançar. - Você precisa de enfermeira? – Sr. Harris pergunta. A enfermeira, eu penso. Não, eu não preciso da enfermeira. A enfermaria fica perto da cozinha de administração doméstica. O que eu preciso, Sr. Harris, é voltar, quinze minutos atrás, antes do monitor chegar. Sarah deve estar com o pudim no forno agora. Me pergunto se já está pronto. Ela está olhando para porta, me esperando retornar? O débil eco de uma porta da escolar batendo ao fechar chega ao escritório principal. Quinze segundos até Henri chegar. Então vou pra caminhonete. Depois para casa. E depois onde? Para Maine? Missouri? Canadá? Uma escola diferente, um novo começo, um novo nome. Eu não durmo há quase trinta horas e só agora eu sinto a exaustão. Mas algo a mais surge, e em uma fração de segundo entre instinto e ação, a realidade de que eu estou indo embora para sempre sem a chance de dizer adeus é repentinamente demais para aguentar. Meus olhos se estreitam, meu rosto se retorce em agonia, e - sem pensar, sem realmente saber o que estou fazendo - eu me arremesso por cima da escrivaninha de Sr. Harris e atravesso o vidro da janela, que se estilhaça em milhões de pequenos pedaços atrás de mim. Um grito de choque segue. Meu pé aterrissa na grama do lado de fora. Viro para direita e corro através do pátio da escola, as salas de aula passando em um borrão à minha direita, através do estacionamento e para dentro da floresta que fica além do campo de baseball. Há cortes na minha testa e no meu cotovelo esquerdo do vidro. Meus pulmões estão queimando. Que se dane a dor. Continuo correndo, a

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folha de papel ainda na minha mão direita. Empurro para dentro do meu bolso. Por que os Mogadorians mandariam um fax? Por que eles ainda não apareceram? Essa é vantagem principal deles, chegar inesperadamente, sem aviso. O benefício da surpresa. Viro bruscamente antes de uma árvore, costurando na densidade da floresta até ela terminar e um campo começar. Vacas mastigando o pasto com seus olhos vazios enquanto eu passo direto. Chego antes de Henri na casa. Não vejo Bernie Kosar. Eu disparo pela porta e paro congelado. O ar preso na garganta. Na mesa da cozinha, na frente do laptop de Henri, está sentado um deles. Eles chegaram antes de mim, conseguiram fazer isso de forma que eu esteja sozinho, sem Henri. A pessoa vira e eu aperto minhas mãos em punhos pronto para lutar. Mas é Mark James. - O que você está fazendo aqui? – eu pergunto. - Eu estou tentando entender o que está acontecendo. – ele diz, uma expressão de terror evidente em seus olhos. – O que diabos você é? - Do que você está falando? - Olhe. – ele diz, apontando para tela do computador. Eu vou até ele, mas não olho para a tela, em vez disso meus olhos focam na folha de papel branca que está perto do computador. É uma réplica exata da folha no meu bolso exceto pelo papel que está impresso, que é mais fino do que o de fax. Então eu noto algo a mais. Na parte de baixo da de Henri, em uma letra bem pequena, está o número de um telefone. Claro... Sério que eles esperem que a gente ligue? "Claro, sou eu, Número Quatro. Estou aqui te esperando. Nós estivemos fugindo por dez anos, mas por favor, venha nos matar agora; nós não vamos nem tentar lutar." Não faz sentido. - Isso é seu? – eu pergunto. - Não. – ele diz. – Mas foi entregue aqui, por UPS, na mesma hora que eu cheguei aqui. Seu pai leu isso enquanto eu mostrei o vídeo a ele, e depois saiu correndo da casa. - Que vídeo? – eu pergunto. - Vê. – ele diz. Olho para o computador e vejo que ele colocou no YouTube. Ele clica no botão de play. É um vídeo granulado, de baixa qualidade como se tivesse sido feito no celular de alguém. Eu reconheço a casa imediatamente, a frente da qual está em chamas. A câmera está tremendo, mas mesmo assim dá para ouvir os cachorros latirem e as expressões de receio na multidão. Uma pessoa começa a se afastar de todo mundo, para o lado da casa, e finalmente para a parte de trás. A câmera dá zoom na janela de trás de onde o latido está vindo. O latido para e eu fecho os olhos porque eu sei o que está por vir. Cerca de vinte segundos se passam, até o momento que eu voo através da janela com Sarah em um braço e o cachorro na outra, Mark clica no botão de pausa do vídeo. A câmera está com zoom, nossos rostos são inconfundíveis. - Quem é você? – Mark pergunta. Eu ignoro a pergunta dele, em vez disso faço a minha própria. – Quem filmou isso? - Não tenho ideia. – ele responde. O cascalho faz barulho sob os pneus da caminhonete na frente da casa enquanto Henri chega. Eu me ajeito e meu primeiro instinto é correr, sair da casa e voltar para a escola, onde eu sei que Sarah vai ficar até mais tarde para

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revelar as fotos – até o teste de direção às quatro e meia. O rosto dela é tão óbvio quanto o meu no vídeo, o que a coloca em tanto perigo quanto eu. Mas algo me faz não fugir, e em vez disso e vou para o outro lado da mesa e espero. A porta da caminhonete fecha. Henri entra na casa cinco segundos depois, Bernie Kosar correndo na frente dele. - Você mentiu para mim. – ele diz na entrada, o rosto sério, os músculos na mandíbula estendidos. - Eu minto pra todo mundo. – eu digo. – Aprendi isso com você. - Nós não mentimos um para o outro! – ele grita. Nossos olhares continuam fixos. - O que está acontecendo? – Mark pergunta. - Eu não vou embora sem encontrar Sarah. – eu digo. – Ela está em perigo, Henri! Ele balança a cabeça. – Agora não é hora para sentimentalismo, John. Você não viu isso? – ele diz, e atravessa a sala e levanta a folha de papel e começa a sacudir na minha frente. – De onde você acha que isso veio? - O que está acontecendo? - Mark praticamente grita. Eu ignoro a folha e Mark, e mantenho meus olhos nos de Henri. – Sim, eu vi isso, e é por isso que eu tenho que voltar pra escola. Eles vão vê-la e ir atrás dela. Henri começa a vir na minha direção. Depois do segundo eu levanto a mão e faço ele parar onde está, três ou mais metros longe de mim. Ele tenta continuar a andar, mas faço com que ele fique preso no lugar. - Nós temos que sair daqui, John. – ele diz, com um tom doloroso na voz, quase implorando. Enquanto mantenho-o na distância, começo a andar em direção ao meu quarto. Ele para de tentar andar. Ele não diz nada, fica lá me olhando com dor nos olhos, uma expressão que me faz sentir pior do que eu já senti. Eu tenho que evitar olhar. Quando chego na porta do meu quarto nossos olhos se encontram novamente. Ele apenas fica me fitando, olhando como se fosse chorar. - Sinto muito. – eu digo, dando espaço o suficiente para ter vantagem quando sair, viro e corro pelo quarto. Pego na gaveta uma faca que eu usava para descamar peixe quando eu morava na Florida, pulo pela janela e corro para dentro da floresta. Em seguida escuto apenas os latidos de Bernie Kosar, nada mais. Corro por um quilômetro e meio e paro na grande clareira que eu e Sarah fizemos anjos de neve. Nossa clareira, ela disse. Na clareira em que nós poderíamos fazer nossos piqueniques de verão. Surge uma dor em meu peito de pensar que não vou estar aqui no verão, uma dor tão grande que eu tenho que me curvar e cerrar os dentes. Meu celular, junto com tudo que eu levei pra escola, está no meu armário. Eu vou tirá-la de perigo, depois volto para Henri e nós vamos embora. Eu viro e corro em direção à escola, corro o mais rápido que meus pulmões me permitem. Alcanço a escola logo que os ônibus estão saindo do estacionamento. Eu os assisto da borda da floresta. Na frente da escola está Hobbs medindo uma grande folha de compensado para cobrir a janela que eu quebrei. Acalmo a respiração, faço o máximo para limpar minha mente. Assisto os carros irem saindo aos poucos até apenas alguns serem deixados. Hobbs cobre o buraco e depois desaparece dentro da escola. Me pergunto se ele foi avisado sobre mim, se ele foi instruído a ligar para a polícia se me ver. Olho

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meu relógio. Apesar de ser apenas 3:30, o anoitecer parece ter vindo mais rápido do que o normal, um anoitecer impregnado de uma escuridão densa, pesada, que vai desgastando. As luzes do estacionamento acenderam, mas mesmo elas parecem entorpecidas e reduzidas. Deixo a floresta e ando através do campo de baseball até chegar ao estacionamento. Há dez ou mais carros por ali. A porta da escola já está trancada. Seguro-a, fechando meus olhos e focando até a tranca fazer um clique. Entro e não vejo ninguém. Apenas a metade das luzes do corredor está acesa. O ar está quieto e parado. Em algum lugar o polidor de chão está funcionando. Viro e entro na intercessão, a porta para a sala escura de fotografia fica a vista. Sarah. Ela estava indo revelar algumas fotos hoje antes da prova. Passo pelo meu armário e abro. Meu celular não está lá; o armário está completamente vazio. Alguém, com sorte Henri, pegou. No caminho até a sala escura não vejo uma única pessoa. Onde estão os atletas, os membros da banda, os professores que muitas vezes ficam até tarde para corrigir provas ou fazer seja lá o que eles fazem? Um mau pressentimento rasteja para dentro dos meus ossos, e eu estou aterrorizado de que algo terrível já tenha acontecido com Sarah. Pressiono a orelha contra a porta da sala escura para ouvir, mas não escuto nada a não ser o zumbido do polidor de chão vindo de algum lugar distante longe no corredor. Respiro fundo e tento abrir a porta. Está trancada. Pressiono minha orelha contra ela outra vez e bato gentilmente. Não há resposta, mas eu escuto um leve farfalhar do outro lado. Respiro fundo, fico rígido para o que eu posso encontrar dentro, e destranco a porta. A sala é de um preto escuro. Acendo as minhas luzes e viro as mãos para um lado, depois para o outro. Não vejo nada e estou quase pensando que a sala está vazia quando vejo no canto um leve movimento. Eu me abaixo para olha e, embaixo do balcão, tentando passar despercebida, está Sarah. Diminuo minhas luzes para que ela veja que sou eu. Das sombras, ela olha e sorri, e deixa o ar sair em alivío. - Eles estão aqui, não estão? - Se eles não estão, vão estar em breve. Eu ajudo Sarah a levantar do chão, ela passa os braços em volta de mim e me aperta tão forte que eu não acho que ela jamais queira soltar. - Eu vim aqui direto depois do oitavo período, e logo que as aulas terminaram, todos esses barulhos estranhos começaram a vir dos corredores. Tudo ficou realmente escuro, eu me tranquei aqui e fiquei embaixo do balcão, com tanto medo que mal conseguia me mexer. Eu apenas sabia que algo estava errado, principalmente depois que eu ouvi algo sobre você pular a janela e nem atender o celular. - Isso foi inteligente, mas agora nós temos que sair daqui, e rápido. Nós saímos da sala, mãos dadas. As luzes do corredor piscam, toda a escola afunda na escuridão, mesmo que ainda falte uma hora ou mais para escurecer. Depois de cerca de dez segundos, elas acendem novamente. - O que está acontecendo? – Sarah sussurra. - Eu não sei. Nós avançamos pelo corredor o mais silenciosamente possível, a ponto de qualquer barulho que nós fazermos parecer anestesiado, abafado. O caminho mais rápido é pela porta dos fundo que dá no estacionamento dos professores, e nós seguimos nessa direção, o som do polidor de chão crescendo. Pelo jeito nós estamos indo na direção de Hobbs. Será que ele vai me apagar com um

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cabo de vassoura e ligar para a polícia? Acho que a esse ponto não importa. Quando alcançamos o fim do corredor as luzes se apagam novamente. Nós paramos e esperamos elas voltarem, mas elas não voltam. O polidor de chão continua, um contínuo zumbido. Não posso vê-lo, mas está apenas a seis ou mais metros de distância na escuridão impenetrável. Acho estranho a máquina continuar funcionando, que Hobbs continue polindo no escuro. Acendo as minhas mãos, Sarah solta a minha mão e fica atrás de mim com as mãos na minha cintura. Encontro a tomada na parede primeiro, depois o fio e então a máquina. Ela está parada no mesmo lugar, batendo contra parede, sem ninguém manipula-la, funcionando sozinha. Pânico toma conta de mim, com o medo vindo logo atrás. Sarah e eu temos que sair da escola. Tiro o fio da tomada e o polidor para, o suave zumbido do silêncio tomando o lugar. Apago as minhas mãos. Em algum lugar bem longe no corredor uma porta é aberta devagar fazendo um rangido. Eu abaixo, minhas costas contra a parede, Sarah segurando firme o meu braço. Nós dois estamos muito assustados para dizer algo. O instinto me fez tirar o fio e parar o polidor, agora eu tenho a urgência de ligar novamente, mas eu sei que isso vai nos entregar se eles estiverem aqui. Fecho os meus olhos e me esforço para ouvir. O rangido da porta para. Um vento suave parece surgir de lugar nenhum. Com certeza não há uma janela aberta. Talvez o vento esteja entrando pela janela que eu quebrei. Então a porta é fechada e o vidro quebra e se estilhaça no chão. Sarah grita. Algo passa por nós, mas eu não vejo o que é e eu não me importo em descobrir. Pego Sarah pela mão e corro pelo corredor. Empurro a porta com o ombro e corro para dentro do estacionamento. O queixo de Sarah cai e nós dois paramos congelados. O ar fica preso na minha garganta e um arrepio corre pela minha espinha. As luzes ainda estão acesas, mas estão turvas e parecendo fantasmagóricas na escuridão pesada. Sob a luz mais próxima nós dois vemos o sobretudo oscilando com a brisa, o chapéu inclina sobre os olhos. A coisa levanta a cabeça e sorri para mim. Sarah segura minha mão com mais força. Nós dois damos um passo para trás e tropeçamos na pressa para ir embora. Continuamos o resto do caminho do mesmo jeito que caranguejos. - Pode vir. – eu grito quando levanto rapidamente. Sarah levanta. Eu tento o trinco, mas a porta é automaticamente trancada atrás de nós. - Merda! – eu grito. Vejo outro pelo canto dos meus olhos, no primeiro momento parado. Depois ele dá um passo na minha direção. Há outro atrás desse. Os Mogadorians. Todos esses anos e eles estão finalmente aqui. Eu tento focar, mas as minhas mãos estão tremendo demais para abrir a porta. Eu sinto que eles estão ficando mais perto, se aproximando. Sarah se aperta contra mim e eu posso senti-la tremendo. Eu não consigo focar para destrancar a porta. O que aconteceu com ―conseguir fazer as coisas sob pressão‖, todos esses dias de treino nos fundos de casa? Eu não quero morrer, eu penso. Eu não quero morrer. - John. – Sarah diz, e na voz dela há tanto a medo que faz meus olhos se arregalarem, logo se tornando determinação. A tranca faz um clique. A porta abre. Sarah e eu nos empurramos para dentro e batemos a porta para fechar. Há um baque do outro lado como se um deles tivesse chutado. Nós corremos pelo corredor. Barulhos nos seguindo. Eu não

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sei se alguns dos Mogadorians estão na escola. Outra janela quebra ao lado e Sarah grita em surpresa. - Nós temos que ser quietos. – eu digo. Nós tentamos abrir as portas de salas de aula, mas todas elas estão trancadas. Eu não acho que há tempo o suficiente para abrir uma delas. Em algum lugar vem o barulho de uma porta fechando, não sei dizer se foi na nossa frente ou atrás. Alguns barulhos vem de trás de nós, se aproximando, enchendo nossos ouvidos. Sarah pega minha mão e nós corremos rápido, minha mente trabalhando rápido para lembrar do mapa do prédio para que não precise acender minhas mãos, para que possamos nos manter despercebidos. Finalmente uma das portas abre e nós corremos para dentro. É a sala de história, fica à esquerda da escola com vista para uma pequena colina e, por causa da queda de seis metros, há barras na janela. A escuridão se aperta com força contra o vidro de modo que nenhuma luz entra. Fecho a porta com cuidado e espero que não tenham nos visto. Acendo as mãos e faço uma varredura na sala, apagando rapidamente. Nós estamos sozinhos e nos escondemos embaixo da mesa do professor. Eu tento prender minha respiração. Suor escorre pelo meu rosto e pinga sobre os meus olhos. Certamente eles não são os únicos lá fora. Será que eles trouxeram as bestas com eles, ou as pequenas doninhas que os escritores em Athens tinham tanto medo? Eu queria que Henri estivesse aqui comigo, ou até Bernie Kosar. A porta abre lentamente. Prendo o ar, ouvindo, Sarah se inclina para mim e passamos os braços um em volta do outro. A porta fecha novamente com um clique silencioso. Nenhum som de passo em seguida. Eles meramente abriram a porta e colocaram a cabeça para dentro e viram se tinham alguma coisa? Eles seguiram em frente sem nem parar pra ver melhor? Eles me encontraram depois de todo esse tempo; certo que eles não são tão bobos. - O que nós vamos fazer? – Sarah sussurra depois de trinta segundos. - Eu não sei. – sussurro de volta. O silêncio toma conta da sala. O que for que abriu a porta deve ter ido embora, ou está lá fora no corredor esperando. Apesar disso, sei que quanto mais ficarmos aqui, mais deles vão chegar. Nós precisamos sair. Nós vamos ter que arriscar. Respiro fundo. - Nós temos que ir embora. – eu sussurro. – Não estamos seguros aqui. - Mas eles estão lá fora. - Eu sei, e eles não vão embora. Henri está em casa, e está em tanto perigo quanto nós. - Mas como nós vamos sair? Eu não tenho ideia, não sei o que dizer. Há apenas um modo de sair e esse é o caminho de onde viemos. Os braços de Sarah continuam em volta de mim. - Vai ser fácil nos encontrar aqui, Sarah. Eles vão nos encontrar, e quando fizerem, todos eles vão estar juntos. Desse modo pelo menos nós temos o elemento surpresa. Se nós conseguirmos sair da escola, acho que posso ligar um carro. Se eu não conseguir, nós vamos ter que dar um jeito de lutar. Ela assente. Respiro fundo e saio de baixo da mesa. Pego a mão de Sarah e ela levanta comigo. Juntos nós damos um passo, da forma mais silenciosa possível. Depois outro. Leva um minuto inteiro para gente cruzar a sala e nada nos encontra na escuridão. Um leve brilho vem das minhas mãos, emitindo quase que luz nenhuma, apenas o suficiente para evitar esbarrar em uma mesa. Eu

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olho para a porta. Eu vou abrir e Sarah vai pular nas minhas coisas, depois eu vou correr o máximo que eu puder, com as luzes acesas, avançando pelo corredor, até chegar fora da escola e ir para o estacionamento ou, se não der certo, para a floresta. Eu conheço a floresta e o caminho até chegar em casa. Há mais deles, mas Sarah e eu vamos ter a vantagem de estar lutando em campo conhecido. Ao nos aproximarmos da porta, eu posso sentir meu coração batendo tão rápido que chego a ter medo dos Mogadorians ouvirem. Fecho os olhos e bem devagar vou tentando encontrar a maçaneta. Sarah fica mais nervosa, apertando minha mão o máximo que consegue. Quando minha mão está a um centímetro, tão perto da maçaneta que eu posso sentir o frio dela, nós dois somos agarrados pelas costas e jogados no chão. Eu tento gritar, mas uma mão cobre a minha boca. Medo toma conta de mim. Eu posso sentir Sarah se debatendo abaixo do que nos segura e eu faço o mesmo, mas o aperto é muito forte. Eu nunca imaginei isso, que os Mogadorians poderiam ser tão fortes quanto eu. Eu subestimei muito eles. Não há esperança agora. Eu falhei. Eu falhei com Sarah e Henri, eu sinto muito. Henri, eu espero que você lute melhor do que eu. A respiração de Sarah está pesada e eu tento me soltar com toda a minha força, mas não consigo. - Shhh, pare de se mexer. – a voz sussurra no meu ouvido. Uma voz de garota. – Eles estão lá fora esperando. Vocês dois tem que fica em silêncio. É uma garota, tão forte quanto eu, talvez até mais. Eu não entendo. Ela nos solta e eu viro para encará-la. Nos fitamos. Olhos castanhos claros, maçãs do rosto altas, longos cabelos escuros amarrados em um rabo de cavalo, uma boca longa e um nariz forte, pele cor de oliva. - Quem é você? – eu pergunto. Ela olha para porta, ainda em silêncio. Algum aliado, eu penso. Alguém além dos Mogadorians que sabe que nós existimos. Alguém está aqui, para ajudar. - Eu sou a Número Seis. – ela diz. – Eu tentei chegar aqui antes deles. Capítulo 29

- COMO VOCÊ SABIA QUE ERA EU? – PERGUNTO. Ela olha para a porta. – Eu estou tentando te encontrar desde que mataram o Três. Mas eu vou explicar isso tudo depois. Primeiro, nós temos que sair daqui. - Como você entrou sem eles te verem? - Posso ficar invisível. Eu sorrio. O mesmo Legado do meu avô. Invisibilidade. A habilidade de fazer o que toca invisível também, como ele fez com a casa no segundo dia de trabalho de Henri. - Qual é a distância até a sua casa? – ela pergunta. - Cinco quilômetro. Eu sinto quando ela assente através da escuridão. - Você tem um Cêpan? –ela pergunta. - Claro que sim. Você não tem? Ela troca para o outro pé o apoio e pausa antes de falar, como se estivesse pegando a força de uma entidade invisível. – Eu tinha. – ela diz. – Ela morreu faz três anos. Tenho estado por conta própria desde então. - Sinto muito. – eu digo. - É uma guerra, pessoas vão morrer. Agora nós temos que sair daqui ou nós também vamos. Se eles estão por aqui, então já sabem onde você mora, o que

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significa que já estão lá, portanto, não há mais motivos para se esconder depois que sairmos daqui. Esses são apenas sentinelas. Os soldados ainda estão a caminho. Eles têm espadas. As bestas não devem chegar muito depois. O tempo é curto. No melhor dos casos temo um dia. No pior, ele já estão aqui. A primeira coisa que eu penso: eles já sabem onde eu moro. Eu entro em pânico. Henri está em casa com Bernie Kosar e os soldados e bestas podem já estar lá. A segunda coisa que eu penso: a Cêpan dela, está morta há três anos. Seis tem estado sozinho esse tempo todo, sozinha em um planeta estranho desde quando, treze anos? Quatorze? - Ele está em casa. – eu digo. - Quem? - Henri, meu Cêpan. - Tenho certeza de que ele está bem. Eles não vão tocar nele enquanto você estiver livre. É você que eles querem, e eles vão usá-lo para tentar atrair você. – Seis diz, depois levanta a cabeça e vira em direção às janelas com grade. Nós viramos e olhamos também. Fazendo a curva em direção à escola, bem fraco de modo que não dá para ver nada mais, há faróis que avançam devagar, passam pela saída, depois viram na entrada e rapidamente desaparecem. Seis me olha novamente. - Todas as portas estão bloqueadas. De que outro modo podemos sair? Penso sobre a questão, chegando a conclusão de que uma das janelas sem grades em uma outra sala de aula é a nossa melhor chance. - Nós podemos sair pelo ginásio. – Sarah diz. – Há uma passagem embaixo do palco que leva aos fundos da escola. - Sério? –eu pergunto. Ela assente, e eu sinto orgulho. - Cada um de vocês pegue uma mão. – Seis diz. Eu pego a direita, Sarah a esquerda. – Façam o máximo de silêncio possível. Enquanto vocês estiverem segurando a minha mão, vocês vão estar invisíveis. Ele não vão poder nos ver, mas vão nos ouvir. Uma vez lá fora, corremos com tudo. Nós nunca vamos conseguir escapar, não se eles conseguirem nos encontrar. O único modo de escapar é matando, até o último deles, antes dos outros chegarem. - Certo. –eu digo. - Você sabe o que isso significa? –Seis diz. Eu balanço a cabeça. Eu não tenho certeza do que ela está me perguntando. - Não há como escapar deles agora. –ela diz. –Isso significa que você vai ter que lutar. Me preparo para responder, mas o arrastar de pés que eu ouvi mais cedo para do lado de fora da porta. Silêncio. Então a maçaneta se move. Número Seis respira fundo e solta a minha mão. - Nem pense em fugir. – ela diz. – A guerra começa agora. Ela se adianta e jogas as mãos para a frente, a porta explode do batente e voa pelo corredor se quebrando. Madeira despedaçada. Vidro estilhaçado. - Acenda as suas mãos! – ela berra. Ilumino as mãos. Um Mogadorian está no meio dos destroços da porta quebrada. A coisa sorri, sangue descendo pelo canto da boca, onde a porta o atingiu. Olhos negros, a pele pálida como se nunca tivesse sido tocada pelo sol. Um ser das cavernas que renasceu da morte. Isso joga algo que eu não vejo e escuto Seis gemer perto de mim. Eu olho nos olhos da coisa e a dor vai

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se infiltrando dentro de mim, eu fico preso onde estou, incapaz de me mover. A escuridão penetra. A tristeza. Meu corpo fica rígido. Uma neblina de imagens do dia da invasão flutua na minha mente: as mulheres e crianças mortas, meus avós; lágrimas, gritos, sangue, pilhas de corpos queimados. Seis quebra o feitiço levantando o Mogadorian no ar e arremessando isso contra a parede. A coisa ainda tenta levantar e Seis o pega novamente, dessa vez jogando com o máximo de força que pode entre uma parede e a outra. O sentinela cai no chão deformado e machucado, seu peito sobe uma vez e fica imóvel. Um ou dois segundos se passam. O corpo inteiro da coisa desmorona em uma pilha de cinzas, acompanho pelo som parecido ao de um saco de areia deixado vazar no chão. - Que droga é essa? - eu pergunto, tentando entender como é possível um corpo se desintegrar completamente como acabou de acontecer. - Não olhe nos olhos dele! – Seis grita, ignorando minha confusão. Eu penso no escritor de Eles Estão Entre Nós. Agora entendo o que ele passou quando fitou aqueles olhos. Eu me pergunto se ele saudou a morte quando ela finalmente apareceu, saudou só para se livrar das imagens que se repetiam continuamente em sua cabeça. Só posso imaginar o quanto intensa elas se tornariam se Seis não tivesse quebrado o feitiço. Dois outros sentinelas vêm do final do corredor na nossa direção. Um véu de escuridão os cerca, como se eles consumissem tudo o que está em volta e transformassem em negro. Seis se mantém em pé na minha frente, firme, de queixo erguido. Dois outros sentinelas vêm na nossa direção do final do corredor. Uma mortalha de escuridão os cerca, como se eles consumissem tudo em volta e transformasse em preto. Seis se mantém em pé na minha frente, firme, queixo erguido. Ela é menor do que eu cinco centímetros, mas sua força de presença faz com que pareça cinco centímetros maior. Ambos os Mogadorians param onde um corredor encontra o outro, seus dentes aparecendo em um sorriso de escárnio. Meu corpo fica tenso, os músculos queimando com a exaustão. Eles respiram fundo de um modo áspero, é isso o que ouvimos do lado de fora da porta, a respiração dessas coisas, não o andar. Continuamos ali, uns fitando os outros. E então um barulho diferente enche o corredor, os dois Mogadorians viram atentos a isso. Uma porta começa a balançar como se alguém estivesse fazendo força para abri-la. Do nada vem o som do tiro de uma arma, que é seguido pelo barulho da porta da escola sendo escancarada. Os dois parecem surpresos e, quando viram para fugir, mais dois tiros são disparados e os sentinelas evaporam. Nós ouvimos o som de dois pares de sapato de aproximando e o clique das unhas de cachorro. Seis se prepara ao meu lado, tensa, pronta para o que estiver vindo nos encontrar. Henri! Foi o farol da caminhonete dele que nós vimos entrar na escola. Ele está segurando uma arma de dois canos que eu nunca vi antes. Bernie Kosar ao seu lado, mas logo vem correndo até mim. Eu me abaixo e o pego do chão. Ele sai lambendo o meu rosto e eu estou tão animado em vê-los que esqueço de dizer a Seis quem é o homem com a shotgun. - Ele é Henri. – eu digo. –Meu Cêpan. Henri vem andando, cauteloso, olhando para as portas das salas enquanto passa e, atrás dele, carregando o Baú Loric dos braços, está Mark. Eu não tenho ideia de por que Henri trouxe ele junto. Há uma expressão de loucura nos olhos de Henri, uma de exaustão, repleta de medo e preocupação. Eu

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esperava o pior depois do jeito que eu saí da casa, alguma espécie de repreensão, quem sabe um tapa na cara, mas em vez disso ele passa a shotgun para a mão esquerda e me abraça o mais forte que consegue. Eu abraço de volta. - Sinto muito, Henri. Eu não sabia que isso poderia acontecer. - Eu sei que não. Só estou feliz de te ver bem. – ele diz. – Vem, nós temos que sair daqui. A merda da escola inteira está cercada. Sarah nos leva para a sala mais segura que ela pôde pensar, que é a cozinha de administração doméstica no fim do corredor. Nós trancamos a porta. Seis coloca três geladeiras na frente para que nada consiga entrar enquanto Henri corre para a janela e abaixa a cortina. Sarah vai direto para o balcão que nós normalmente usamos, abre as gavetas e pega a maior faca de açougueiro que encontra. Mark a observa e quando percebe o que ela está fazendo, coloca o Baú no chão e pega uma faca para si. Depois ele vasculha pelas outra gavetas e tira um martelo para amaciar carne e enfia no cós da calça. - Vocês estão bem? –Henri pergunta. - Estamos. –eu digo. - Tirando a adaga no meu braço, sim, eu estou bem. –Seis diz. Eu acendo minhas mãos com uma luz baixa, meio opaca, e olho o braço dela. Ela não está brincando. Onde o bíceps encontra o ombro está uma pequena adaga. Foi por isso que eu ouvi ela gemer antes de matar o sentinela. Aquela coisa jogou uma faca nela. Henri pega a adaga e tira. Ela deixa escapar um gemido. - Felizmente é só uma adaga. – ela diz, olhando para mim. –Os soldados vão ter espadas que têm brilhos com diferentes poderes. Eu me preparo para perguntar que tipos de poderes, mas Henri interrompe. - Pegue isso. –ele diz, e estica a shotgun para Mark pegar. Ele recebe com a mão livre sem protesta, olhando assustado para tudo a sua volta. Eu me pergunto quanto disso tudo Henri a ele. Na verdade, para começar eu me pergunto por que Henri o trouxe junto. Olho para Seis. Henri pressiona um pedaço de pano ao braço dela e ela segura no lugar. Ele vai até o Baú e pega, colocando-o na mesa mais perto. - Aqui, John. – ele diz. Sem ter uma explicação eu ajudo a destrancar. Ele empurra a tampa, coloca a mão dentro e pega uma pedra lisa tão escura quanto a aura que cerca os Mogadorians. Seis parece saber para que a pedra serve. Ela tira a blusa. Por baixo ela está vestindo um traje de borracha preto e cinza bem parecido com o traje azul e prata que eu vi meu pai vestindo nos flashbacks. Ela respira fundo e oferece o braço a Henri. Ele pressiona a pedra contra o corte e Seis cerra os dentes com muita força, gemendo e se contorcendo de dor. O suor escorre por sua testa, seu rosto está em um vermelho brilhando com o esforço que faz, os tendões se sobressaindo no pescoço. Henri continua com a pedra por aproximadamente um minuto inteiro. Depois ele afasta e Seis se curva, respirando fundo para se recompor. Olho o braço dela. Fora a pequena parte de sangue que ainda brilha, o corte está completamente curado, sem cicatrizes, nada além do pequeno rasgo no traje. - O que é isso? –eu pergunto, indicando a pedra. - É a pedra da cura. –Henri diz. - Coisa assim realmente existe? - Em Lorien existia, mas a dor de cura é o dobro da dor original, e a pedra só

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funciona quando a ferida foi causada com a intenção de fazer mal ou matar. que a dor original causada por qualquer coisa que acontece, e a pedra só funciona quando o machucado foi feita com a intenção de fazer mal ou matar. E a pedra da cura tem que ser usada imediatamente. - Intenção? –pergunto. – Então, a pedra não funcionaria se eu tropeçasse e cortasse minha cabeça por acidente? - Não. – Henri diz. – Esse é exatamente o ponto dos Legados. Defesa e pureza. - Funcionaria no Mark ou na Sarah? - Não tenho ideia. – Henri diz. – E espero que a gente não tenha que descobrir. Seis pega mais ar. Ela fica ereta, sentindo o braço. O vermelho sem seu rosto começa a sumir. Atrás dela, Bernie Kosar está correndo de um lado para o outro, da porta bloqueada para a janela, que é muito alta para que ele possa ver lá fora, mas ele fica em pé nas patas de trás e tenta de qualquer forma, rosnando para seja lá o que ele sente estar lá fora. Talvez nada, eu penso. Uma vez ou outra ele morde o ar. - Você pegou meu celular hoje quando esteve na escola? – pergunto para Henri. - Não. – ele diz. – Eu não peguei nada. - Não estava lá quando eu voltei. - Bem, não funcionaria aqui de qualquer forma. Eles fizeram algo com a nossa casa e a escola. Está sem energia, e nenhum sinal consegue passar por seja lá qual for o tipo de escudo que eles fizeram. Todos os relógios pararam. Até o ar parece morto. - Nós não temos muito tempo. – Seis interrompe. Henri assente. Um pequeno sorriso surge enquanto ele olha para ela, uma expressão de orgulho, talvez até alívio. - Eu lembro de você. – ele diz. - Também lembro de você. Henri estende a mão e Seis aperta. – É muito bom ver você outra vez. -É muito bom. – eu o corrijo, mas ele me ignora. - Eu tenho estado procurando vocês há um tempo. – Seis diz. - Onde está Katarina? – Henri pergunta. Seis balança a cabeça. Aflição atravessa sua expressão. - Ela não conseguiu. Ela morrer três anos atrás. Estou procurando os outros desde então, inclusive vocês. - Sinto muito. – Henri diz. Seis assente. Ela olha através da sala para Bernie Kosar, que acabou de começar a rosnar pela base da janela. Henri pega a shotgun do chão e caminha até ficar a dois metros da janela. - John, apague as suas mãos. – ele diz. Eu obedeço. – Agora, quando eu disser, levante a veneziana. Vou até o lado da janela e enrolo a corda duas vezes em volta da minha mão. Eu aceno para Henri, e acima de seu ombro vejo que Sarah colocou as mãos contra as orelhas em antecipação ao tiro. Ele recarrega a shotgun e aponta. - Hora de dar o troco. – ele diz, e depois: – Agora! Puxo a corda e a veneziana sobe. Henri atira. O som é ensurdecedor, continua ecoando nos meus ouvidos por vários segundos depois. Ele recarrega a shotgun, retorna a mirar. Viro meu corpo para olhar lá fora. Dois sentinelas estão caídos na grama, imóveis. Um deles foi reduzido a cinzas com o mesmo

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som fantasmagórico que o do corredor. Henri atira no outro uma segunda vez e acontece o mesmo. Sombras parecerem começar a se juntar em volta deles. - Seis, coloque a geladeira. – Henri diz para ela. Mark e Sarah observam espantados enquanto a geladeira flutua pelo ar até ficar posicionada nada frente da janela para impedir que os Mogadorians entrem ou vejam dentro da sala. - Melhor do que nada. – Henri diz. Ele vira para Seis. – Quando tempo nós temos? - Muito pouco. – ela diz. – Eles têm um posto a três horas daqui, fica dentro de uma montanha em Virginia Ocidental. Henri abre a arma, coloca dois novos cartuchos, depois fecha. - Quantas balas você pode colocar de uma vez? – pergunto. - Dez. – ele diz. Sarah e Mark sussurram um para o outro. Vou até eles. - Vocês estão bem? – pergunto. Sarah assente, Mark dá de ombros, nenhum dos dois sabe realmente bem o que dizer com o terror da situação. Beijo a bochecha de Sarah e seguro a mão dela. - Não se preocupe. – eu digo. – Nós vamos sair daqui. Viro para Seis e Henri. – Por que eles só estão lá fora esperando? – pergunto. – Por que eles não quebram uma janela e entram? Eles sabem que estão em maior número. - Eles só querem nos manter aqui dentro. – Seis diz. – Nós estamos exatamente onde eles querem, confinados em um lugar. Agora eles estão esperando os outros chegarem, os soldados com as armas, aqueles que são treinados para matar. Eles estão desesperados agora porque sabem que nós desenvolvemos nossos Legados. Eles não podem se permitir ferrar com tudo e arriscar nos deixar ficar mais forte. Eles agora sabem que alguns de nós podem se defender. - Nós temos que sair daqui então. – Sarah diz quase implorando, sua voz suave e tremida. Seis assente tranquilizando-a. E então eu lembro de algo que tinha esquecido com toda a agitação. - Espere, você estar aqui, nós estarmos juntos, isso quebra o feitiço. Todos os outros estão expostos ao jogo agora. – eu digo. – Eles podem nos matar. Eu posso ver pela expressão de terror no rosto de Henri que isso não tinha passado pela sua cabeça também. Seis assente. – Eu tinha que arriscar. – ela diz. Eu não posso continuar fugindo, e eu estou cansada de esperar. Nós todos estamos nos desenvolvendo, todos nós estamos prontos para responder à luta. Não vamos esquecer o que eles fizeram a nós naquele dia, porque eu não vou esquecer o que eles fizeram com Katarina. Todos que nós conhecemos estão mortos, nossas famílias, nossos amigos. Eu acho que eles planejam fazer na Terra a mesma coisa que fizeram em Lorien, e eles estão quase prontos. Sentar e não fazer nada é permitir que aconteça a mesma destruição, a mesma morte, a mesma aniquilação. Por que se esconder e deixar isso acontecer? Se esse planeta morrer, nós morremos junto. Bernie Kosar ainda está latindo para a janela. Eu quase quero deixá-lo sair, ver o que ele pode fazer. A boca dele está espumando e seus dentes estão exposto, o pelo em suas costas está arrepiado. O cachorro está pronto, eu

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penso. A questão é: nós estamos? - Bem, você está aqui agora. – Henri diz. – Vamos esperar que os outros estejam seguros; vamos esperar que eles possam se defender sozinhos. Vocês dois vão saber imediatamente se eles não conseguirem. E para nós, a guerra está na nossa porta. Nós não pedimos isso, mas agora que chegou a hora não temos outro opção a não ser enfrentar, de cabeça erguida e com toda a força. – ele diz. Ele levanta a cabeça e olha para nós, o branco de seus olhos brilhando através da sala escura. - Eu concordo com você, Seis. – ele diz. – A hora chegou. Capítulo 30 O VENTO CORRE PELA SALA DE ADMINISTRAÇÃO DOMÉSTICA vindo da janela aberta, a geladeira no caminho pouco faz para prevenir que o ar gelado entre. A escola já está fria por causa da falta de eletricidade. Seis agora veste apenas o traje de borracha, que é quase todo preto a não ser pela faixa cinza que corta diagonalmente a frente. Ela está no meio do nosso grupo, ereta, transmitindo tanta confiança que eu gostaria de ter um traje Loric para mim. Ela abre a boca para falar, mas é interrompida por um grande estrondo lá fora. Todos nós corremos para as janelas, mas não conseguimos ver o que está acontecendo. O estrondo é seguido por consecutivas batidas que causam tanto barulho quanto, os sons de algo sendo rasgado, algo rangendo, algo sendo destruindo. - O que está acontecendo? –pergunto. - Suas mãos. – Henri diz acima dos barulhos de destruição. Eu as acendo e passo a luz pelo pátio lá fora. Ela ilumina um pouco, mas três metros depois é engolida pela escuridão. Henri dá um passo para trás e inclina a cabeça, ouvindo os sons com extrema concentração, e então ele assente decidido. - Eles estão destruindo todos os carros lá fora, inclusive minha caminhonete. – ele diz. –Se nós sobrevivermos e escaparmos da escola, vamos ter que ir andando. O terro corta os rostos de Sarah e Mark. - Não podemos perder mais tempo. –Seis diz. – Com um plano ou sem um plano, nós temos que ir antes das bestas e dos soldados chegarem. Ela disse que nós podemos sair pelo ginásio. –Seis diz, e indica Sarah. –É a nossa única esperança. - O nome dela é Sarah. –eu digo. Sento em uma cadeira que está perto, nervoso pela urgência na voz de Seis. Ela parece ser a pessoa estável, aquela que continuou calma sob o terror do qual nós sobrevivemos até agora. Bernie Kosar voltar para porta, arranhando as geladeiras que estão bloqueando o caminho, agitado e ganindo em impaciência. Como as minhas mãos estão acesas, Seis pode olhá-lo direito pela primeira vez. Ela fita Bernie Kosar, depois estreita os olhos e inclina a cabeça alguns centímetros para frente. Ele avança e abaixa para fazer carinho nele. Eu viro e olho para ela. Estranho ela estar sorrindo. - Que foi? – pergunto. Ela olha para mim. – Você não sabe? - Sabe o que? O sorriso dela aumenta. Ela olha novamente para Bernie Kosar, que corre para longe dela e volta para a janela, arranhando, agitado, deixa escapar um outro latido em frustração. A escola está cercada, a morte está próxima, é quase

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certa, e Seis está sorrindo. Isso me irrita. - Seu cachorro. – ela diz. – Você realmente não sabe? - Não. – Henri diz. Olho para ele. Ele balança a cabeça para Seis. - Que droga! O que é? – pergunto. – O que está acontecendo? Seis olha para mim, depois para Henri. Ela deixa escapar uma meia risada e abre a boca para falar. Mas antes que consiga pronunciar qualquer palavra algo atrai sua visão e ela corre de volta para a janela. Nós seguimos e, como antes, o mesmo leve brilho de faróis fazendo a curva na entrada da escola para dentro do estacionamento. Outro carro, talvez um orientador ou professor. Fecho os olhos e respiro fundo. - Isso não significa nada. – eu digo. - Apague as suas mãos. – Henri diz para mim. Apago e fecho minhas mãos apertando. Algo sobre o carro lá fora me deixa furioso comigo mesmo. Que se dane a exaustão, que se dane essas tremedeiras que estão presentes desde que eu pulei a janela do diretor. Não vou aguentar ficar confinado dentro dessa sala por mais tempo, sabendo que os Mogadorians estão lá fora, esperando, tramando a nossa morte. O carro lá fora pode ser os primeiros soldados chegando. Mas quando esses pensamentos surgem na minha cabeça, as luzes recuam rapidamente do estacionamento e acelera para ir embora com pressa pela mesma estrada que veio. - Nós temos que sair dessa droga de escola. – Henri diz. Henri senta em uma cadeira a três metros da porta apontando a shotgun para ela. Ele está respirando devagar, apesar de estar rígido e eu conseguir ver os músculos de seu maxilar flexionados. Nenhum de nós diz uma palavra. Seis ficou invisível e saiu para explorar. Nós estamos apenas esperando, e finalmente ouvimos. Três leves batidas na porta. O toque que combinamos com Seis para saber que é ela e não um sentinela tentando entrar. Henri abaixa a arma e ela entra, eu coloco uma das geladeiras novamente bloqueando a porta. Ela ficou lá fora por uns dez minutos inteiros. - Você está certo. – ela diz para Henri. – Eles estão destruindo cada carro no estacionamento, e conseguiram de alguma forma mover as ferragens para bloquear cada porta que pode ser aberta. E Sarah está certa; eles deixaram passar a passagem do palco. Eu contei sete sentinelas do lado de fora e cinco andando pelos corredores. Havia um do lado de fora dessa porta, mas foi retirado. Eles parecem estar ficando inquietos. Acho que isso significa que os outros já deveriam estar aqui, o que significa que eles não estão muito longe. Henri levanta, pega o Baú e acena para mim. Eu ajudo a abrir. Ele procura, depois pega algumas pedrinhas pequenas e redondas e guarda no bolso. Eu não tenho ideia do que são. Ele fecha e tranca o Baú, coloca dentro de um dos fornos e fecha a porta. Eu coloco uma geladeira na frente do forno para evitar que seja aberto. Não há realmente outra opção. O Baú é pesado, seria impossível lutar carregando isso, e nós precisamos de cada mão disponível para sair dessa situação. - Odeio ter que deixar isso para trás. – Henri diz, balançando a cabeça. Seis assente como se também lamentasse. Algo na ideia de deixar os Mogadorians pegarem o Baú aterroriza os dois. - Ela vai ficar bem aqui. – digo. Henri levanta a shotgun e bombeia ela uma vez, olha para Sarah e Mark. - Essa não é uma luta de vocês. – ele diz a eles. – Eu não sei o que esperar lá

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fora, mas se as coisas ficarem ruins vocês vão voltar para a escola e ficar escondidos. Eles não estão atrás de vocês, e eu não acho que eles vão se importar em vir procurar se já nos tiverem. Sarah e Mark parecem chorados e com medo, os dois segurando suas facas com tanta força que ficam com as dobras dos dedos brancas. Mark alinhou em seu cinto tudo que encontrou de útil nas gavetas da cozinha - mais facas, amaciador de carne, ralador de queijo, tesouras. - Nós vamos sair dessa sala, e quando chegarmos ao final do corredor, o ginásio está depois de uma porta dupla a seis ou mais metros à direita. – digo a Henri. - A abertura fica no meio do placo. – Seis diz. – Está coberta por um tapete azul. Não há sentinelas no ginásio, mas isso também não significa que eles não vão estar lá quando chegarmos. - Então nós apenas vamos sair e tentar correr mais que eles? – Sarah pergunta. A voz cheia de pânico. Ela está com a respiração pesada. - É a nossa única opção. – Henri diz. Eu pego a mão dela. Ela está tremendo muito. - Vai ficar tudo bem. – digo. - Como você sabe? – ela diz mais como se estivesse pedindo do que perguntando. - Eu não sei. – digo. Seis tira a geladeira da frente. Bernie Kosar imediatamente começa a arranhar a porta, tentando sair, rosando. - Não posso fazer todos vocês ficarem invisíveis. – Seis diz. – Se eu desaparecer, ainda vou estar por perto. Seis segura a maçaneta e Sarah respira fundo, com dificuldade, apertando minha mão o máximo que consegue. Posso ver a faca tremendo em sua mão direita. - Fique perto de mim. – digo. - Não vou sair do seu lado. A porta abre e Seis avança pelo corredor, Henri bem atrás. Eu vou seguindo e Bernie Kosar corre na frente de todos nós, uma bola de fúria disparando para longe. Henri aponta a shotgun para um lado, depois para o outro. O corredor está vazio. Bernie Kosar já alcançou a interseção. Ele desaparece. Seis vai atrás e fica invisível, o resto de nós corre em direção ao ginásio, Henri na frente. Faço Mark e Sarah ficarem na minha frente. Nenhum de nós consegue enxergar realmente alguma coisa, só ouvimos os passos uns dos outros. Acendo a minha mão para ajudar a guiar, e esse é o meu primeiro erro. A porta de uma sala de aula à minha direita é aberta. Tudo acontece em uma fração de segundo e, antes que eu tenha a chance de reagir, algo pesado me atinge no ombro. Minhas mãos apagam. Eu voo direto contra o vidro de uma janela de demonstração. Corto a minha cabeça e o sangue escorre pelo meu rosto quase que imediatamente. Sarah grita. Seja lá o que tenha me atingido me acerta outra vez, uma baque oco contra as minhas costelas que me deixa sem ar. - Ilumine! – Henri grita. Eu acendo as mãos. Um sentinela está sobre mim, segurando um pedaço de madeira de dois metros de comprimento que provavelmente encontrou na sala de artes industriais. Ele levanta no ar para me atingir outra vez, mas Henri, em pé a seis metros, dispara shotgun primeiro. A cabeça do sentinela desparece, evaporando em pedaços. O resto de seu

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corpo vira cinzas antes mesmo de tocar no chão. Henri abaixa a arma. – Merda. – diz, vendo o sangue. Ele dá um passo na minha direção e do canto dos meus olhos vejo outro sentinela, na mesma porta, uma marreta erguida para acertar. Vai caindo ameaçadoramente para frente e, com telecinese, eu jogo a coisa que está mais perto de mim sem nem saber o que é. Um objeto de um dourado brilhante que atravessa o ar com violência. Atinge o sentinela com tanta força que o crânio dele quebra com o impacto, e depois ele cai no chão e fica imóvel. Henri, Mark e Sarah correm para mim. O sentinela ainda está vivo, Henri pega a faca de Sarah e espera o peito dele, reduzindo-o a uma pilha de cinzas. Ele devolve a faca a Sarah. Ela segurada afastado entre o polegar e o indicador como se estivesse segurando a cueca de alguém. Mark abaixa e pega o objeto que eu joguei, agora em três pedaços separados. - É o meu troféu que eu ganhei. – ele diz, e não aguenta e começa a rir sozinho. – Eu recebi mês passado. Eu levanto. Foi o vidro do mostruário do troféu que quebrei. - Você está bem? – Henri pergunta, olhando o corte. - Aham, está tudo bem. Vamos continuar. Nós disparamos pelo corredor e entramos no ginásio, corremos através da quadra e pulamos no palco. Ilumino minhas mãos para ver o tapete que se afasta como que por vontade própria. Depois a tampa se levanta. Só então Seis se faz visível novamente. - O que aconteceu lá? – ela pergunta. - Acabamos nos encrencado. – Henri diz, descendo a escada primeiro para ter certeza de que a área está limpa. Depois Sarah e Mark descem. - Onde está o cachorro? – eu pergunto. Seis balança a cabeça. - Vai. – eu digo. Ela vai primeiro, ficando apenas eu no palco. Eu assobio o mais alto que posso, sabendo muito bem que estou dando minha posição ao fazer isso. Espero. - Vem, John. – Henri me chama lá de baixo. Eu engatinho para dentro da abertura, meu pé na escada, mas da cintura para cima ainda no palco, observando. - Vem logo! – eu digo para mim mesmo. – Cadê você? – nessa fração de segundo quando eu não tenho mais opções a não ser decidir, bem antes de descer, Bernie Kosar se materializa no lado mais distante do ginásio e vem correndo na minha direção, orelhas em pé. Eu sorrio. - Vem logo! – Henri grita dessa vez. - Espere um pouco! – grito de volta. Bernie Kosar pula no palco e depois para os meus braços. - Aqui. – eu berro, e entrego o cachorro para Seis. Desço, fecho e tranco a abertura, depois faço minhas mãos iluminarem com a maior intensidade possível. As paredes e o chão são feitos de concreto, fedendo a mofo. Nós temos que andar meio encurvados para evitar bater com a cabeça no teto. Seis vai na frente. O túnel tem cerca de trinta metros de comprimento e eu não tenho ideia para que propósito isso possa ter servido. Nós chegamos ao final; um pequeno lance de degraus leva a uma dessas portas de porão que abrem para cima. Seis espera até todo mundo estar junto. - Isso abre pra onde? – pergunto.

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- Atrás do estacionamento dos professores. – Sarah diz. – Não muito longe do campo de futebol. Seis pressiona o ouvido pela pequena abertura entre as portas fechadas. Nada além do vento. Todos estão com os rostos cobertos de suor, poeira e medo. Seis olha para Henri e assente. Apago as mãos. - Tudo bem. – ela diz e fica invisível. Ela levanta a porta só o suficiente para ficar com a cabeça para fora e olhar em volta. O resto de nós observa prendendo a respiração, esperando, ouvindo, todos nós movidos pelos nervos. Ela vira para um lado, depois o outro. Satisfeita de que ninguém nos notou, ela empurra para que a porta fique totalmente aberta e nós saímos um por um. Tudo está escuro e silencioso, sem vento, as árvores da floresta à nossa direita imóveis. Olho em volta, posso ver a silhueta bem definida dos carros retorcidos e empilhados na porta da frente da escola. Não há estrelas ou lua. Não há nem céu, quase como se estivéssemos sob uma bolha de escuridão, alguma espécie de domo onde as sombras vivem. Bernie Kosar começa a rosnar, baixo no começo, de forma que no começo eu penso que é apenas ansiedade; mas o rosnado cresce para algo feroz, mais ameaçador, e eu sei que ele sente alguma coisa por ali. Todos nós viramos para ver para o que ele está rosnando, mas nada se move. Dou um passo a frente para colocar Sarah atrás de mim. Eu penso em acender minhas mãos, mas sei que isso vai dizer nossa posição mais do que o próprio rosnado do cachorro. De repente, Bernie Kosar para. Ele corre por trinta metros antes de pular no ar e enterrar profundamente os dentes em um dos sentinelas que não tínhamos visto, que se materializa de lugar nenhum como se um feitiço de invisibilidade tivesse sido quebrado. Em um instante, nós podemos ver todos eles, nos cercando, não menos do que vinte deles, começando a se aproximar. - É uma armadilha! – Henri berra, ele atira duas vezes e derruba dois sentinelas imediatamente. - Voltem para o túnel! – eu grito para Mark e Sarah. Um dos sentinelas avança na minha direção. Eu faço com que ele flutue e arremesso com o máximo de força que eu consigo contra uma árvore de carvalho a vinte metros. A coisa atinge o chão com um baque, levanta rapidamente e arremessa uma adaga na minha direção. Eu faço ela desviar e arremesso o sentinela com mais força ainda. Dessa vez, ele explode em cinzas na base da árvore. Henri dispara mais vezes, os tiros ecoando pelo ar. Duas mãos me seguram por trás. Eu quase as empurro sem perceber que é Sarah. Não consigo ver Seis em nenhum lugar. Bernie Kosar levou um Mogadorian ao chão, agora está com os dentes profundamente enterrados no pescoço da coisa, chamas do inferno estão nos olhos do cachorro. - Entra na escola! – eu berro. Ela não vai embora. Uma trovoada quebra o silêncio e uma tempestade começa a se preparar, nuvens negras agora se formam acima de nós e brilhos de raios e trovões rasgam o céu da noite, trovoadas barulhentas que fazem Sarah pular a cada rugido. Seis reapareceu, está a dez metros de mim, os olhos vidrados no céu e seu rosto retorcido em concentração enquanto seus dois braços estão erguidos. Ela é quem está criando a tempestade, controlando o clima. Raios começam a cair, partindo os sentinelas em seus lugares, criando pequenas explosões formadoras de nuvens de fumaças que são levadas pelo vento com indiferença através do pátio. Henri está no canto, colocando mais

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balas na shotgun. O sentinela que Bernie Kosar está mordendo finalmente sucumbe à morte e explode em uma pilha de cinzas que cobre a cara do cachorro. Ele espirra uma vez, sacode as cinzas do pelo e então corre para enfrentar o sentinela mais próximo até os dois desaparecerem na densa floresta a quinze metros. Eu sinto esse receio quase que insuportável de que essa é a última vez que estou vendo ele. - Você tem que entrar na escola. – digo para Sarah. – Você tem que ir agora e se esconder. Mark! – eu berro. Eu olho pra cima e não encontro. Vasculho em volta. Vejo ele correndo na direção de Henri, que ainda está carregando a arma. De cara não entendo por que, e então eu vejo o que está acontecendo: um Mogadorian sentinela se esgueirou para trás de Henri sem que ele visse. - Henri. – eu grito para chamar sua atenção. Levanto a mão para fazer parar o sentinela que já está com a faca erguida no alto em meio ao movimento, mas Mark cuida da coisa primeiro. Um pequeno confronto ocorre em seguida. Henri fecha a shotgun com um estalo, Mark chuta a faca do sentinela para longe. Henri atira e a coisa explode. Henri diz algo a Mark.Eu berro chamando Mark outra vez e ele vem correndo, respirando pesadamente. - Você tem que levar Sarah para dentro da escola. - Eu posso ajudar aqui. – ele diz. - Essa luta não é sua. Você tem que se esconder! Entre na escola e se esconda com Sarah! - Tudo bem. – ele diz. - Vocês têm que ficar escondidos, não importa o que aconteça! – eu berro acima da tempestade. – Eles não vão atrás de vocês. Sou eu que eles querem. Me prometa, Mark! Me prometa que você vai ficar escondido com Sarah! Mark assente rapidamente. – Eu prometo! Sarah está chorando e não há tempo para confortá-la. Outra trovoada, outro tiro. Ela me beija nos lábios uma vez, suas mãos segurando o meu rosto com força e eu sei que ela ficaria para sempre assim se pudesse. Mark puxa ela para longe, começando a guia-la. - Eu te amo. – ela diz, e olha para mim do mesmo modo que eu olhei para ela mais cedo, antes de sair da aula de administração doméstica, como se fosse a última vez, querendo guardar esse momento para que a imagem dure a vida inteira. - Eu te amo também. – digo em resposta quando os dois alcançam os degraus do túnel e assim que as palavras saem dos meus lábios, Henri geme em dor. Eu viro. Um dos sentinelas enfiou uma faca no abdômen dele. Terror toma conta de mim. O sentinela puxa a faca do corpo de Henri, a lâmina brilhando com o sangue dele. Move a mão para acerta Henru pela segunda vez. Meu braço se estica e eu tiro a faca no último segundo de modo que apenas o corta de raspão. Ele geme com a dor, mas logo se ajeita, pressiona o cano da shotgun no queixo do sentinela e atira. A coisa cai, se cabeça. A chuva começa, pesada e fria. Na mesma hora eu fico ensopado até os ossos. Sangue escorre pelo abdômen de Henri. Ele está apontando a shotgun para a escuridão, mas todos os sentinelas se moveram para as sombras, para longe de nós, de forma que Henri não consegue ter uma boa mira. Eles não estão mais interessados em atacar, sabendo que nós dois conseguimos fazer eles recuarem e um terço foi ferido. Seis ainda está concentrada no céu. A tempestade cresceu; o vento está começando a uivar. Ela parece estar tendo trabalho para controlar. Uma tempestade de inverno, caindo em janeiro. Tão

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rápido quanto tudo começou, tudo para – os trovões, os raios, a chuva. O vento some e um ronco surge ao longe, se aproximando. Seis abaixa os braços, todos nós tentando ouvir melhor. Até os Mogadorians ouviram. O ronco cresce, inconfundível, vindo na nossa direção, alguma espécie de ronco profundo e mecânico. Os sentinelas saem das sombras e começam a rir. A despeito da gente ter matado no mínimo dez deles, há muito mais do que antes. De longe uma nuvem de fumaça cresce sobre as árvores como se uma máquina a vapor estivesse fazendo a curva. Os sentinelas acenam um para o outro, sorrindo de seu modo cruel, e reformam o circulo em volta de nós em uma aparente tentativa de fazer a gente voltar para a escola. E é óbvio que essa é a nossa única chance. Seis se aproxima. - O que é isso? – pergunto. Henri manca, a shotgun pendendo frouxamente ao seu lado. Ele está respirando pesadamente, há um corte em seu rosto abaixo do olho direito, uma poça de sangue em suéter cinza da ferida feita pela faca. - É o resto deles, não é? – Henri pergunta a Seis. Seis olha para ele, parecendo chocada, o cabelo dela molhado e grudando nos lados de seu rosto. - As bestas. – ela diz. – E os soldados. Eles estão aqui. Henri recarrega a shotgun e respira fundo. – E então a guerra de verdade começa. – ele diz. – Não sei sobre vocês dois, mas se é isso, então é isso. Eu, para começar... – ele diz, e as palavras se perdem. – Bem, só se eu estiver maluco vou ser vencido sem uma luta. Seis assente. – Nosso povo lutou até o fim. E assim eu farei. – ela diz. A fumaça ainda sobe a um quilômetro. Carga viva, eu penso. É assim que eles os transportam, através de grandes carretas de carga. Seis e eu seguimos Henri de volta descendo os degraus. Eu grito por Bernie Kosar, mas ele não está em nenhum lugar que eu possa ver. - Não podemos esperar por ele de novo. – Henri diz. – Não há tempo. Olho em volta uma última vez, e bato a porta acima de mim. Corremos de volta através do túnel, para cima do palco, através do ginásio. Não vemos um único sentinela, nem vemos Mark e Sarah, e eu estou aliviado por isso. Eu espero que eles estejam bem escondidos, eu espero que Mark mantenha sua promessa e que eles fiquem desse jeito. Quando voltamos para a sala de adm doméstica tiro a geladeira do caminho e pego o Baú. Henri e eu a abrimos. Seis pega a pedra da cura e pressiona contra o abdômen de Henri. Ele está em silêncio, os olhos fechados, prendendo o ar. O rosto dele fica vermelho com o esforço, mas nem um único som escapa. Um minuto disso e Seis tira a pedra. O corte está curado. Henri deixa o ar sair, a testa coberta em suor. Então é a minha vez. Ela pressiona contra o corte na minha cabeça e uma dor bem maior do que qualquer coisa que eu já tenha sentido antes toma conta de mim. Solto gemidos e berros, cada músculo do meu corpo flexionado. Eu não consigo respirar até terminar, e quando finalmente acaba, me curvo e pego ar por um minuto inteiro. Lá fora o ronco mecânico parou. A carreta está escondida de vista. Enquanto Henri fecha o Baú e coloca de volta no mesmo forno que antes, eu olho pela janela esperando conseguir ver Bernie Kosar. Não consigo. Outros faróis passam pela escola. Como antes, eu não posso dizer ser é um carro ou uma caminhonete, mais uma vez passa pela entrada devagar e rapidamente vai embora. Henri ajeita a camisa, pega a shotgun. Enquanto nos movemos na

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direção da porta, um som nos faz parar de repente. Um rugido vem do lado de fora, alto, animalesco, um rugido sinistro diferente de qualquer que eu já tenha ouvido antes, seguido pelo som metálico dos cliques de um portão sendo destrancado, depois abaixado e aberto. Uma pancada alta de repente nos faz voltar à atenção. Respiro fundo outra vez. Henri balança a cabeça e suspira no que é quase gesto de desesperança, um gesto feito quando a luta está perdida. - Há sempre esperança, Henri. – digo. Ele vira para mim. – Nem todos os poderes apareceram. Não temos todas as informações. Não. Não desista ainda da esperança. Ele assente e o minúsculo traço de um sorriso se forma. Ele vira e olha Seis, um novo legado que eu não acho que nenhum de nós pode imaginar. Quem pode dizer que não há mais esperança? E então ele continua de onde eu parei, citando exatamente as mesmas palavras que ele me disse quando era eu o desencorajado, no dia que eu perguntei como nós poderíamos vencer essa luta estando sozinhos e em menor número, longe de casa – contra os Mogadorians, que parecem ter grande prazer na guerra e na morte. - É a última coisa que você deve perder. – Henri diz. – Quando você perde a esperança, perde tudo. E quando você pensa que tudo está perdido, quando tudo é terrível e desolador, há sempre a esperança. - Exatamente. – digo. Capítulo 31 OUTRO RUGIDO CORTA O AR DA NOITE, ultrapassando as paredes da escola, um rugido que faz meu sangue congelar. O chão começa a tremer com os passos da besta que agora deve estar livre. Eu balanço a cabeça. Eu vi em primeira mão o tamanho delas durantes os flashbacks da guerra em Lorien. - Pelo bem dos seus amigos e o nosso. – Seis diz. – É melhor a gente sair logo daqui, enquanto ainda há tempo. Eles vão destruir o prédio inteiro tentando nos encontrar. Nós acenamos um para o outro. - Nossa única chance é chegar na floresta. – Henri diz. – Seja lá o que essa coisa for, nós poderemos escapar se ficarmos invisíveis. Seis assente. – É só segurar a minha mão. Não precisamos de nenhum outro incentivo, Henri e eu tomamos nossos lugares de cada lado dela e seguramos sua mão. - Sem fazer barulho. – Henri diz. O corredor está escuro e silencioso. Nós caminhamos de um modo quieto, mas com urgência, tentando ir o mais rápido que pudermos com pouco barulho. Outro rugido e, enquanto esse ainda enche nossos ouvidos, um outro começa. Paramos. Não é uma besta, são duas. Nós continuamos o caminho e entramos no ginásio. Nenhum sinal de sentinelas. Quando chegamos no meio da quadra, Henri para de andar. Viro para ele, mas não posso vê-lo. - Por que nós paramos? – sussurro. - Shh. – ele diz. – Escute. Faço esforço para ouvir, mas não escuto nada além do contínuo zumbido do sangue enchendo os meus ouvidos. - As bestas pararam de se mover. – Henri diz. - E daí? - Shh. – ele diz. – Há algo a mais lá fora. E então eu escuto também,

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- Shh. - ele diz. - Há algo a mais lá fora. E então eu escuto também, sons baixos de um latido agudo como se viesse de animais pequenos. Os sons estão abafados, apesar de estarem obviamente ficando altos. - O que é isso? – pergunto. Algo começa a empurra a abertura do palco, a abertura por onde planejávamos sair. - Acenda as suas mãos. – Henri diz. Solto Seis e as acendo, apontando na direção da abertura. Henri mira a shotgun. A abertura estremece como se algo estivesse tentando derrubá-la, mas sem força para conseguir. As doninhas, eu penso, as pequenas criaturas gordas que os caras de Athens tinham tanto medo. Uma delas atinge a abertura com tanta força que a portinhola quebra e voa quicando pelo chão. Até demais para pensar que elas não têm força. Duas das coisas logo vêm correndo e, uma vez que nos veem, disparam na nossa direção tão rápido que é difícil distingui-los. Henri fica parado observando a arma apontada, um sorriso divertido em seus lábios. Seus caminhos se separam e os dois pulam a seis metros de nós, um em Henri e o outro em mim. Henri dispara uma vez e a doninha explode cobrindo-o de sangue e tripas; quando eu vou partir o meu com telecinese ele é agarrado no ar pela mão invisível de Seis e jogado no chão como uma bola de futebol, matando-o instantaneamente. Henri recarrega a shotgun. – Bem, não foi tão difícil. – ele diz e antes que eu possa responder a parede inteira ao longo do palco é esmagada pelo punho da besta. Ela afasta o punho para trás e soca outra vez, transformando o palco em pedacinhos e expondo o céu da noite. O impacto empurra eu e Henri para trás. - Corre! – Henri berra, e imediatamente começa a descarregar cada bala da shotgun na besta. Ela não fazem efeito. A besta se encurva para frente e ruge tão alto que até a minha roupa treme. Uma mão me segura, me fazendo ficar invisível. A besta avança, indo direto para Henri, e eu fico preso no lugar com o terror do que pode acontecer. - Não! – eu digo. – Henri, ajude Henri! – eu contorço meu braço, fazendo Seis me soltar e a empurrar para longe. Fico visível; ela continua escondida. E besta continua a avança feroz para Henri, que continua firme e observa ela se aproximar. Sem munição. Sem opções. – Ajude ele! – grito outra vez. – Ajude ele, Seis! - Vá para floresta! – ela berra em resposta. Tudo o que eu consigo fazer é assistir. A besta deve ter nove metros de altura, talvez treze, a mais do que ele. Ela ruge, pura fúria em seus olhos. Essa coisa levanta o punho musculoso e grande bem alto, tão alto que quebra o telhado do ginásio da escola. E então abaixa, descendo com tanta rapidez que parece um borrão, como as pás de um ventilador girando. Eu deixo escapar um grito de terror, sabendo que Henri vai ser esmagado. Eu não consigo afastar os olhos, Henri parecendo tão pequeno com a shotgun pendendo em sua mão. Quando o punho da besta está a uma fração de segundo dele, Henri desaparece. O punho quebra o chão do ginásio, a madeira partindo, o impacto me fazendo voar uns dez metros. A besta vira para mim, bloqueando a visão do lugar onde Henri esteve. - Henri! – eu berro. A besta rugiu tão alto que seria impossível ouvir qualquer resposta. Ela dá um passo na minha direção. A floresta, Seis disse. Vá para a floresta. Levanto e corro o mais rápido que posso para a parte de trás do

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ginásio, que a besta destruiu. Viro para ver se a besta está me seguindo. Não está. Talvez Seis tenha feito algo para atrair sua atenção. Tudo o que eu sei é que estou por conta própria, sozinho. Eu pulo sobre o monte de escombros e corro para longe da escola, indo o mais rápido que posso até a floresta. As sombras tomam conta de tudo à minha volta, como um fantasma repugnante. Eu sei que posso correr mais do que eles. A besta ruge outra vez e eu escuto uma parede desabar. Eu alcanço as árvores e as sombras parecem sumir. Paro de andar e escuto. As árvores balançam com uma leve brisa. Há vento aqui! Consegui escapar de seja lá o que for aquilo que os Mogadorians criaram. Algo quente começa a se acumular no cós da minha calça. O corte que eu consegui na casa de Mark James reabriu nas minhas costas. É difícil de ver os contornos da escola de onde eu estou. O ginásio inteiro se foi, agora é uma pilha de tijolos. A sombra da besta se ergue sobre os destroços do refeitório. Por que não correu atrás de mim? E onde está a segunda besta que nós ouvimos? O punho da coisa despenca outra vez, mais uma sala demolida. Mark e Sarah estão lá em algum lugar. Eu que disse a eles para voltar e só agora percebo o quanto fui idiota. Eu não imaginei que a besta destruiria a escola se soubesse que eu não estava lá. Eu tenho que fazer algo para afastá-la. Respiro fundo juntando a força, ao dar o meu primeiro passo algo atinge com a força a minha cabeça por trás. Eu caio de cara no musgo. Toco onde fui atingido e minha mão se enche de sangue, gotas escorrendo pelos meus dedos. Viro e não vejo nada de cara, e então a coisa sai das sombras e sorri. Um soldado. Então é assim que eles são. Mais altos do que os sentinelas - dois metros, dois metros e meia de altura - seus músculos salientes abaixo da capa esfarrapada. Veias grandes e sobressalentes pelo comprimento de seus braços. Botas pretas. Nada cobre a cabeça e o cabelo cai sobre os ombros. A mesma pele pálida, de cera, dos sentinelas. Um sorriso de autoconfiança, de determinação. Em uma das mãos está uma espada. Longa e com certo brilho, feita de um tipo de metal que eu nunca vi na Terra ou nas minhas visões de Lorien, ela parece estar pulsando, como se de algum modo estivesse viva. Começo a engatinhar para longe, o sangue escorrendo pelo meu pescoço. A besta na escola ruge outra vez, eu alcanço um dos galhos mais baixos de uma árvore próxima e levanto. O soldado está a três metros de mim. Eu aperto as duas mãos fechadas. Um soldado. É assim que eles são. Mais altos do que os sentinelas - dois, dois e pouco, metros - seus músculos sobressalentes abaixo da capa esfarrapada. Veias grandes e destacadas ao longo de seus braços. Botas pretas. Não usa nada cobrindo a cabeça e o cabelo cai sobre os ombros. A mesma pele pálida como cera dos sentinelas. Ele sorri com autoconfiança, com determinação. Em uma das mãos segura uma espada. Longa e com um brilho, feita de algum tipo de metal que eu nunca vi na Terra ou nas minhas visões de Lorien, ela parece estar pulsando, como se de algum modo estivesse viva. O movimento faz um movimento qualquer com a espada e algo sai da ponta dela, algo que parece uma pequena adaga. Eu observo a adaga atravessar o ar fazendo um arco, deixando um leve traço de fumaça para trás como um avião. A luz cria um feitiço do qual eu não consigo afastar os olhos. Um relâmpago brilhoso envolve tudo, o mundo se diminui a um profundo vácuo. Sem parede. Sem som. Sem chão ou teto. Só depois, bem devagar, as

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formas das coisas começam a retornar, as árvores parecem imagens do passado que sussurram sobre um mundo em uma realidade alternativa onde apenas sombras existem. Eu me estico para tocar na árvore mais próxima, o único tom de cinza em um mundo branco. Minha mão passa direto e por um momento há uma leve tremor na árvore como se ela fosse um líquido. Respiro fundo. Quando deixo o ar sair a dor retorna no corte atrás da minha cabeça e nos machucados nos meus braços e corpo do incêndio na casa de Mark. O som de água gotejando vem de algum lugar. Lentamente, o soldado vai ganhando forma, a sete ou dez metros de mim. Ela está gigante. Paramos por um momento, nos observando. Sua espada brilha com mais força nesse novo mundo. Seus olhos se estreitam e novamente fecho as mãos em punhos. Já levantei objetos mais pesados do que ele; eu parti árvore e destruí coisas. Eu com certeza estou à altura dele. Coloco tudo o que eu sinto no centro do meu ser, tudo o que eu sou, tudo o que eu vou ser, até sentir que estou prestes a explodir. - Ahhhh! - eu berro, e eu jogo minhas mãos para frente. Toda essa força deixa o meu corpo, disparando em fúria até o soldado. Ao mesmo tempo ele move a espada no ar como se estivesse golpeando uma mosca. O meu ataque é desviado para as árvores, que balançam por um breve momento como os ramos em um campo de trigo com o leve vento, ficando paradas a seguir. A coisa ri de mim, uma risada profunda, gutural, com a intenção de me ridicularizar. Seus olhos vermelhos começam a girar em espiral como se estivessem cheios de lava. Ele levanta a mão eu me preparado para o desconhecido. De repente, sem que eu saiba como aconteceu, meu pescoço está em sua mão, o espaço que nos separava desapareceu em um piscar de olhos. Ele me levanta, só com uma mão, respirando com a boca aberta de modo que eu posso sentir o cheiro azedo de seu hálito, o cheiro de deterioração. Eu começo a golpeá-lo, tento tirar seus dedos do meu pescoço, mas eles são duros como ferro. E então a coisa me arremessa. Eu caio de costas a doze metros dali. Levanto e ele ataca, tentando acertar minha cabeça com a espada, eu abaixo e o empurro com a maior força que posso. Ele tropeça para trás, mas continua em pé. Tento levantá-lo com telecinese, mas nada acontece. Nesse mundo alternativo mesmo poderes estão reduzidos, quase sem efeito. Os Mogadorians têm vantagem aqui. Ele sorri por causa da meu fracasso e levanta a espada com ambas as mãos. A espada ganha vida, se transformando do prata reluzente para o azul gelo. Chamas azuis lambem a lâmina. Uma espada que brilha de várias formas, como Seis disse. Ele move a espada na minha direção e outra adaga sai voando da ponta, direto para mim. Isso eu posso fazer, penso. Todas as horas no quintal com Henri me preparando para isso. Sempre facas, mais ou menos o mesmo que adagas. Henri sabia que eles as usariam? Certamente, apesar de eu nunca ter visto nos meus flashbacks. Mas eu também nunca vi essas criaturas. Eles eram diferentes em Lorien, não tinham uma aparência tão sinistra. No dia da invasão eles pareciam doentios e famintos. É culpa da Terra a melhora deles, foram os recursos daqui que os tornaram fortes e saudáveis? A adaga literalmente grita enquanto voa com fúria na minha direção. Ela cresce é consumida por chamas. Bem quando eu vou desviá-la, ela explode em uma bola de fogo e as chamas pulam em mim. Eu fico envolvido nisso, consumido por uma perfeita esfera de fogo. Poderia ter queimado qualquer outro, mas não

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eu, pelo contrário, de algum modo minha força retornou. Eu posso respirar. Sem saber o que estava fazendo, o soldado me deixou mais forte. Agora é a minha vez de sorrir por seu fracasso. - Isso é tudo o que você tem? – berro. Fúria toma conta da expressão dele. Provocantemente ele estica o braço sobre o ombro e retorna com uma arma que parece uma arma que parece um canhão que começa a tomar a forma de seu corpo, se enrolando em volta de seu antebraço. O braço e arma viram um só. Pego a faca no meu bolso de trás, a faca que eu peguei em casa antes de voltar para a escola. Ela é pequena, quase ineficaz, mas é melhor do que nada. Eu abro a lâmina e ataco. A esfera de fogo me acompanha. O soldado ajeita o corpo e abaixa a espada com força. Eu a desvio com o meu canivete, mas o peso da espada parte a lâmina em dois. Largo o que restou e movo meu corpo o mais rápido que posso. Meu punho acerta o abdômen do soldado. Ele se dobra, mas se ergue novamente e golpeia com a espada. Me abaixo no último segundo. Isso queima a pontas do meu cabelo. Logo depois vem o canhão. Não tenho tempo para reagir. Sou atingido no ombro e com um gemido caio para trás. O soldado se ajeita e aponta o canhão para o céu. Primeiro eu fico confuso. O cinza das árvore está sendo sugado para dentro da arma. Então eu entendo. A arma. Ela precisa ser alimentada para poder funcionar, precisa roubar a essência da Terra para que possa ser utilizada. O cinza nas árvores não eram sombras; o cinza é a vida das árvores no nível mais elementar. E agora essas vidas estão sendo roubados, consumidas pelos Mogadorians. Uma raça de alienígenas que desgastou o próprio planeta na busca do progresso, agora fazendo a mesma coisa aqui. Esse é o motivo para atacarem Lorien. O mesmo motivo pelo qual vão atacar a Terra. Uma por uma as árvores caem e se esfarelam em pilhas de cinzas. A arma vai ficando mais e mais brilhosa, um brilho tão forte que machuca os olhos. Não há tempo para perder. Eu ataco. A coisa continua com a arma apontada para o céu e golpeia com a espada. Eu abaixo e avanço. Ele fica rígido e se contorce em agonia. O fogo em volta de mim queimando-o. Mas eu baixei a guarda. Ele golpeia a lâmina sem força, não é o suficiente para me cortar, mas não há nada que eu possa fazer para impedir o movimento. Sou atingido e meu corpo é arremessado quinze metros para trás como se eu tivesse sido atingido por um raio. Fico caído, incapaz de controlar os tremores da eletrocussão. Levanto a cabeça. Trinta pilhas de cinzas das árvores sugadas nos cercam. Quando vezes isso permitirá que ele atire? Um leve vento surge e as cinzas começam a voar pelo espaço vazio entre nós. A lua retorna. O mundo para o qual essa coisa me trouxe está começando a desaparecer. Ele sabe disso. Levanto o corpo do chão. A alguns centímetros, ainda brilhando, está uma das adagas que ele atirou em mim. Pego. A coisa abaixa o canhão e mira. O branco que nos cerca está começando a desaparecer, as cores retornando. O canhão dispara, um flash de luz forte com versões horríveis de todos os que eu conheço - Henri, Sam, Bernie Kosar, Sarah – todos eles mortos nessa realidade alternativa e está tão claro que só consigo ver eles, que estão tentando me levar com eles, avançando para mim com violência em uma bola de energia que vai crescendo ao se aproximar. Eu tento desviar o tiro, mas é muito forte. O branco alcança a extremidade da esfera de foco que me cerca, e quando os dois se tocam uma explosão ocorre e a força me arremessa para trás. Eu caio com um baque. Vejo como estou.

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Não me machuquei. A esfera de fogo despareceu. De algum modo ela absorveu o tiro, me salvou do que certamente seria a morte. Com certeza é assim que o canhão funciona, a morte de uma coisa pela morte de outra. O poder para controlar a mente, manipulação através do medo, apenas possíveis através da destruição dos elementos do mundo. Os sentinelas aprenderam um pouco disso com suas mentes. Os soldados possuem armas que produzem um efeito muito maior. Eu levanto, a lâmina da faca ainda brilhando na minha mão. O soldado empurra alguma espécie de alavanca na lateral do canhão para recarregar. Corro na direção dele. Quando estou perto o suficiente, eu miro no coração dele e arremesso a faca com o máximo de força possível. Ele dá o segundo tiro. O torpedo laranja disparando furiosamente pelo ar, a certeza da morte se aproximando. Eles cruzam no ar sem se tocarem. Bem quando eu espero o segundo tiro me atingir, a chegada da morte de uma vez, outra coisa acontece. Minha faca chega primeiro. O mundo desaparece. As sombras se dissipam e o frio e a escuridão retornam como se nunca tivessem ido embora. A transição me deixa tonto. Dou uma passo para trás e caio. Meus olhos se ajustam à pouca luz. Eu os fixo na figura escura do soldado parando sobre mim. O tiro do canhão não viajou conosco. A faca sim, a lâmina enterrada profundamente em seu coração, o punho de uma laranja pulsante sob a luz da lua. O soldado cambaleia, e a faca é enterrada mais fundo até desaparecer. Ele rosna. Um sangue preto não para de sair da ferida aberta. Os olhos da coisa ficam vazios, depois giram para trás. Ele cai no chão, imóvel, e enão explode em uma nuvem de cinzas que cobre meus tênis. Um soldado. Eu matei o meu primeiro. E que não seja o último. Por algum motivo estar em uma realidade alternativa me enfraqueceu. Apoio a mão em uma árvore próxima para me equilibrar e pego ar, só que a árvore não está mais. Olho em volta. Todas as árvores que nos cercavam desmoronaram em pilhas de cinzas assim como na outra realidade, assim como os Mogadorians fazem quando morrem. Escuro a besta rugir e olho para ver o quanto da escola ainda resta. Mas em vez da escola há algo mais, a oito metros, posicionado com uma espada em uma mão e um canhão parecido na outra. O canhão está apontado direto para o meu coração, um canhão que já foi carregado, brilhando com o poder. Outro soldado. Eu não acho que tenho a força para lutar com esse como fiz com o outro. Não há nada que eu possa jogar, e o espaço entre nós é muito grande para atacar antes que ele atire. E então o braço dele se move e o som de um tiro soa pelo ar. Meu corpo instintivamente se esquiva, esperando o canhão me partir ao meio. Mas eu estou inteiro, sem qualquer machucado. Olho confuso, e lá, na testa do soldado, um buraco de sete centímetros jorrando o sangue nojento da coisa. Depois ele cai e se desintegra. - Isso é pelo meu pai. – escuto atrás de mim. – Viro. Sam, segurando uma pistola prata na mão direta. Sorrio para ele. Ele abaixa a arma. – Eles passaram por mim no centro da cidade. – ele diz. – Eu soube que eram eles de cara quando vi o trailer. Eu tento respirar, olhando com terror para Sam. Bem agora, durante o tiro do primeiro soldado, ele era um corpo em decomposição saído si inferno para me levar embora. E agora ele acabou de me salvar. - Você está bem? – ele pergunta.

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Eu aceno. – De onde você veio? - Eu segui eles na caminhonete do meu pai depois que eles passaram pela minha casa. Eu cheguei aqui quinze minutos atrás e dei de cara com os que já estavam aqui. Então eu fui embora e estacionei em um campo a mais de um quilômetro daqui e vim andando pela floresta. O segundo farol que nós vimos pela janela da escola era da caminhonete de Sam. Abro a minha boca para responder, mas um trovão faz o céu tremer. Outra tempestade começa a se forma, e saber que Seis ainda está viva me enche de alívio. Um raio corta o céu e nuvens começam a vir de todas as direções, sendo espremidas em uma gigante massa. E uma escuridão maior ainda cai, seguida por uma chuva tão pesada que eu tenho que me esforçar para ver Sam a dois metros de mim. A escola é encoberta. Mas então um grande raio cai e tudo fica claro por uma fração de segundo, e eu vejo que a besta foi atingida. Logo depois se escuta um agonizante rugido. - Eu tenho que chegar na escola! – berro. – Mark e Sarah estão em algum lugar lá dentro. - Se você vai, eu vou também. – ele berra em resposta acima do barulho da tempestade. Não damos nem mais do que cinco passos antes do vento começar a uivar, nos empurrando para trás, a chuva torrencial batendo em nossos rostos como agulhas. Estamos ensopados, tremendo e gelados. Mas se estou tremendo é porque estou vivo. Sam se abaixa sobre os joelhos e deitado de barriga para baixo tentando evitar que voe para trás. Faço o mesmo. Apertando os olhos viro para o céu, as nuvens - pesadas, escuras, ameaçadoras – girando em pequenos círculos concêntricos e, no meio, o centro que estou me forçando para enxergar, um rosto começa a se formar. É um rosto antigo, envelhecido, com barba e uma aparência tranquila como se estivesse dormindo. Um rosto que parece mais velho do que a própria Terra. As nuvens começam a abaixar, indo lentamente até a superfície e consumindo tudo, fazendo escurecer, uma escuridão tão profunda e impenetrável que é difícil imaginar que em algum lugar, qualquer lugar, o sol exista. Outro rugido, um rugido de fúria e condenação. Tento levantar, mas rapidamente sou jogado para trás, o vento está muito forte. O rosto. Está ganhando vida. Está acordando. Os olhos abrindo, a expressão se transformando em uma careta. Isso é uma criação de Seis? O rosto se transforma a fúria em si, a expressão de vingança. Descendo rápido. Tudo parece está pendendo em uma balança. Então o rosto abre a boca, lábios famintos dobrados para mostrar os dentes e seus olhos em uma expressão que só pode ser descrita como maldade. Completa e total ira. O rosto toca o chão e uma explosão supersônica balança o chão, uma explosão que atinge a escola, iluminando tudo em tons de vermelho, laranja e amarelo. Eu sou jogado para trás. Árvores quebram ao meio. O chão treme. Eu caio com um baque, galhos e musgo caindo sobre mim. Meu ouvido fica zumbindo de um modo que nunca aconteceu antes. Um barulho tão alto que deve ter sido ouvido a cinquenta quilômetros daqui. E então a chuva para, o silêncio recai sobre tudo. Fico deitado sobre o musgo, ouvindo as batidas do meu coração. O céu fica limpo, revelando a nuvem. Nem uma única rajada de vento. Olho em volta, mas não vejo Sam. Grito por ele, mas não recebo resposta. Fico nervoso querendo ouvir algo, qualquer coisa, outro rugido, o tiro da arma de Henri, mas não há

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nada. Levanto do chão da floresta, tirando da roupa o musgo e os ramos da melhor forma possível. Eu saio da floresta uma segunda vez. As estrelas reapareceram, um milhão brilhando bem alto no céu da noite. Acabou? Nós vencemos? Ou isso é apenas uma trégua? A escola, eu penso. Tenho que chegar na escola. Dou um passo, é quando eu escuto. Outro rugido, vindo de dentro da floresta atrás de mim. O som retorna. Três sons de tiro seguidos, ecoando pela noite de modo que eu não tenho ideia de qual direção está vindo. Espero com tudo dentro de mim que seja da arma de Henri. Ele ainda está vivo, ele ainda está lutando. O chão começa a tremer. A besta está correndo, direto até mim, sem errar agora, árvores sendo derrubadas e arrancadas até as raízes atrás de mim. Não parecem fazer efeito na velocidade da besta. Será que essa é ainda maior do que as outras? Não quero descobrir. Corro para a escola, mas então percebo que esse é o pior lugar para ir. Sarah e Mark ainda estão lá, ainda estão escondidos. Ou pelo menos eu espero que estejam. Tudo volta ao modo que era antes da tempestade, as sombras chegando perto, nos seguindo. Sentinelas. Soldados. Eu desvio para a direita e corro pelo caminho perto das árvores que leva ao campo de futebol, a besta já bem próxima de mim. Eu realmente tenho esperanças de correr mais rápido do que ela? Se eu conseguir chegar nas árvores depois do campo, talvez eu possa. Eu conheço essa floresta, as árvores que vão até a nossa casa. Dentro delas eu vou ter a vantagem de conhecer o lugar. Olho em volta e vejo as silhuetas dos Mogadorians no pátio da escola. Há muitos deles. Estamos em muita desvantagem. Nós realmente acreditamos que podemos vencer? Uma adaga voa passando por mim, um flash em vermelho que não atinge meu rosto por centímetros. Ela acerta um tronco atrás de mim e a árvore pega fogo. Outro rugido. A besta está se aproximando. Qual de nós tem a maior capacidade para sobreviver? Eu entro no estádio, disparando pela linha de cinquenta metros e passando pelo lado do time visitante. Outra faca passa por mim zunindo, uma azul dessa vez. A floresta está perto, e quando eu finalmente entro nela um sorriso se forma no meu rosto. Eu consegui guiar a besta para longe dos outros. Se todos os outros estão seguros, então me trabalho está feito. Mal a sensação de triunfo explode dentro de mim, a terceira adaga acerta. Eu deixo escapar um gemido, caio de cara no musgo. Posso sentir a adaga entre os meus ossos. Uma dor tão forte que me deixa paralisado. Eu tento alcança-la para tirar, mas está muito no alto. E parece que está se movendo, afundando mais, a dor se espalhando como se eu tivesse sido envenenado. No meu estômago, em agonia. Também não consigo tirar com telecinese, todos os meus poderes estão falhando. Eu começo a me arrastar para frente. Um dos soldados – ou talvez um sentinela; não sei dizer qual – coloca o pé nas minhas costas, segura e puxa a faca. Eu deixo escapar um gemido. A faca se foi, mas a dor continua. A coisa tira o pé de mim, mas ainda posso sentir sua presença, e eu viro para ficar de costas e vê-lo. Outro soldado, em pé e sorrindo com ódio. A mesma expressão do anterior, o mesmo tipo de espada. Ele gira nos dedos a adaga que estava nas minhas costas. Foi isso que eu senti, a lâmina girando enquanto estava encravada na minha carne. Eu levanto a mão na direção do soldado para move-lo, mas é em vão. Não consigo me focar, está tudo embaçado. O soldado ergue a espada no

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ar. A lâmina sente a morte, começa a brilhar com o céu da noite como fundo. Já era, penso. Não há nada que eu possa fazer. Fito os olhos dele. Dez anos fugindo e é fácil assim que termina, silenciosamente. Mas atrás dele surge algo mais. Algo mais ameaçador do que um milhão de soldados com um milhão de espadas. Dentes tão grandes quando os soldados reluzindo em branco em uma boca muito pequena para caberem. A besta e seus olhos malignos pairando sobre nós. O ar fica preso na minha garganta em um influxo agudo e meus olhos se arregalam com o terror. Essa coisa vai acabar com nós dois, penso. O soldado está distraído. Ele se estica e faz uma careta para mim, começando a abaixar a espada para me partir em dois. Mas ele é muito lento e a besta chega primeiro, sua mandíbula o segura como uma armadilha para ursos. Não para de morder até que seus dentes se encontrem, o corpo do soldado partido ao meio bem abaixo da cintura, não deixo nada a não ser duas pernas ainda em pé. A besta mastiga e engole. As pernas do soldado caem inexpressivamente no chão, uma para cada lado, e rapidamente se desintegram. Leva cada pingo da minha força para que eu me estique e pegue a adaga que caiu ao meu pé. Enfio no cós da minha calça e começo a engatinhar para longe. Sinto a besta se erguendo sobre mim, sinto sua respiração na minha nuca. O cheio de morte e carne podre. Entro em uma pequena clareira. Espero que a ira da fúria a qualquer segundo, espero seus dentes e suas garras me fazerem em pedaços. Vou me arrastando até não poder mais e apoio minhas costas contra uma árvore de carvalho. A besta está em pé no meio da clareira, a nove metros de mim. Olho para essa coisa direito pela primeira vez. Ela é gigante, o negro da escuridão e o frio da noite. Mais alta e maior do que a besta da escola, doze metros, em pé sobre as pernas de trás. Ela é grande, uma pele cinza esticada sobre os músculos. Sem pescoço, a cabeça inclinada de modo que a parte de baixo da mandíbula fica mais para fora do que a de cima. Um par de caninos pontudos em direção ao céu, outro em direção ao chão, pingando sangue a baba. Braços longos e grossos pendurados a trinta ou sessenta centímetros do chão mesmo que a besta ereta pareça estar levemente inclinada para frente. Olhos amarelos. Discos redondos de cada lado de sua cabeça que pulsando junto com a batida de seu coração, o único sinal que essa coisa tem qualquer espécie de coração ou coisa assim. Ela se inclina para frente e bate com a mão esquerda no chão. Uma mão com dedos curtos e grossos de onde saem garras como a de aves de rapina, garras feitas para rasgar tudo o que toque. A coisa me fareja, e ruge. Um rugido de estourar os ouvidos que teria me feito voar para trás se eu não estivesse contra uma árvore. A boca dela abre, mostrando uns cinquenta dentes, um mais afiado do que o outro. Com a outra mão estia o braço para o lado partindo ao meio cada árvore que atinge, dez, quinze ou mais. Não há mais fuga. Não há mais luta. O sangue do ferimento da adaga escorre pelas minhas costas; minhas mãos e pernas estão tremendo. A adaga ainda está enfiada no cós do meu jeans, mas para que pegá-la? Que esperança há em uma lâmina de dez centímetros contra uma besta de doze metros? Seria o mesmo que uma farpa. Só vai deixa-la mais irritada. Minha única esperança é sangrar até a morte antes que eu seja morto e mastigado. Fecho os olhos e aceito a morte. Minhas mãos estão apagadas. Não quero ver o que está para acontecer. Escuto um movimento atrás de mim. Abro os olhos.

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Um dos Mogadorians deve estar se aproximando para ver de perto, penso primeiro, mas sei imediatamente que estou errado. Há algo familiar no modo de andar galopando, reconheço o som de sua respiração. E então ele entra na clareira. Bernie Kosar. Sorrio, mas rapidamente o sorriso desaparecer. Se eu vou ser assassinado, não há motivo para ele morrer também. Não, Bernie Kosar.Você não pode ficar aqui. Você tem que ir embora e precisa correr como o vento, ir o mais longe que puder. Finja que acabou nossa corrida até a escola das manhãs acabou e que é hora de voltar para casa. Ele olha para mim enquanto caminha. Eu estou aqui, parece estar dizendo. Eu estou aqui e eu vou ficar com você. Não. – digo em voz alta. Ele para tempo o bastante para dar à minha mão uma lambida tranquilizadora. Ele me olha com seus olhos castanhos grandes. Foge, John, escuto na minha mente. Engatinhe, se você tiver que engatinhar, mas fuja agora. O sangue que perdi está me fazendo delirar. Para que Bernie está se comunicando comigo. Será que Bernie Kosar está mesmo aqui ou eu também estou imaginando isso? Ele para na minha frente como se estivesse me protegendo. Começa a rosnar, baixo no começo, mas depois cresce se transformando em um rosnado tão feroz quanto o rugido da própria besta. Ela fita Bernie Kosar. Olhando para baixo. O pelo de Bernie Kosar está arrepiado nas costas, suas orelhas marrons erguidas. Sua lealdade e sua coragem quase me fazem chorar. Ele é centenas de vezes menor do que a besta mesmo se ficassem em pé, pronto para lutar. Um rápido movimento da besta e está tudo terminado. Estendo minha mão para Bernie Kosar. Queria poder levantar, pegá-lo e fugir. Seus rosnado é tão feroz que todo seu corpo sacode, vários tremores fluindo por seu corpo. E então algo acontece. Bernie Kosar começa crescer. Capítulo 32 DEPOIS DE TODO ESSE TEMPO, SÓ AGORA EU ENTENDO. Nas corridas de manhã quando eu corria muito rápido para ele conseguir acompanhar. Ele podia desaparecer dentro da floresta, reaparecer segundos depois na minha frente. Seis tentou me contar. Seis olhou uma vez para ele e soube imediatamente. Nessas corridas Bernie Kosar foi para a floresta se transformar, virar um pássaro. De modo que ele corria para fora toda manhã, nariz no chão, patrulhando o quintal. Protegendo a mim, e a Henri. Procurando por sinais dos Mogadorians. A lagartixa na Florida. A lagartixa que costumava me observar da parede enquanto eu comia café da manhã. Há quanto tempo ele está conosco? Um Chimæra, como aqueles que eu assisti serem colocados dentro do foguete - eles chegaram a Terra então? Bernie Kosar continua a crescer. Ele me diz para correr. Posso me comunicar com ele. Não, isso não é tudo. Eu posso me comunicar com todos os animais. Outro Legado. Começou com o veado na Florida no dia que fomos embora. O arrepio que correu pela minha espinha como se passasse algo para mim, algum sentimento. Atribui isso a tristeza de ir embora, mas estava errado. Os cachorros de Mark James. As vacas que eu passo nas minhas corridas da manhã. A mesma coisa. Me sinto um idiota por descobrir só agora. Algo tão

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óbvio, bem na minha cara. Outro dos provérbios de Henri: Aquelas coisas que são mais óbvias são aquelas que mais facilmente nós não reparamos. Mas Henri sabia. É por isso que ele disse não para Seis quando ela tentou me dizer. Bernie Kosar parou de crescer; o pelo caiu, substituído por escamas. Ele parece um dragão, mas sem asas. Seu corpo está grosso com os músculos. Dentes pontudos e garras, chifres que se curvam como os de carneiro. Mais grosso do que a besta, mas bem menor. Parecendo tão ameaçador quanto. Dois gigantes nos lados opostos da clareira, rugindo uma para o outro. Corre, ele me diz. Eu tento dizer a ele que eu não posso. Eu não sei se ele pode me entender. Você pode, ele diz. Você deve. A besta se move. Um movimento como que para martelar, começando nas nuvens e despencando com brutalidade. Bernie Kosar usa os chifres para bloquear e ataca antes que a besta possa repetir o golpe. Uma colisão colossal bem no meio da clareira. Bernie Kosar sobe, enterra os dentes na lateral da besta. A besta o empurra pra trás. Os dois se movem tão rápido que desafia toda a lógica. Cortes cheios de sangue já pelo corpo de cada um. Eu assisto com as costas contra a árvore. Eu tento ajudar. Mas minha telecinese ainda está lesada. Sangue ainda escorre pelas minhas costas. Meus membros estão pesados, como se meu sangue tivesse virado chumbo. Posso me sentir desvanecendo. A besta ainda está em pé nas duas pernas enquanto Bernie Kosar tem que lutar sobre as quatro. A besta ataca. Bernie Kosar abaixa a cabeça e eles chocam-se um no outro, quebrando as árvores ao meu lado direito. De algum jeito a besta terminou por cima. Ela enterra os dentes profundamente no pescoço de Bernie Kosar. Depois sacode, tentando arrancar o pescoço. Bernie Kosar se contorce sob a mordida da besta, mas não consegue se libertar. Ele corta a pele da besta com as garras, mas ela não solta. Então uma mão encosta em mim por trás, pega meu braço. Eu tento empurrála, mas sou incapaz de fazer até isso. Os olhos de Bernie Kosar estão fechados com força. Ele está rígido abaixo da mandíbula da besta, o pescoço contraído, incapaz de respirar. - Não! – eu berro. - Vem! – a voz berra atrás de mim. – Nós temos que sair daqui. - O cachorro. – eu digo, sem compreender de quem é a voz. – O cachorro! Bernie Kosar está sendo mordido e sufocado, prestes a morrer, e não há a porra nenhuma que eu possa fazer. Eu não estou muito atrás. Eu sacrificaria a minha própria vida por ele. Eu grito. Bernie Kosar vira a cabeça e olha para mim, seu rosto contorcido com força em dor, agonia e a chega da morte que ele deve sentir. - Nós temos que ir! – a voz atrás de mim berra, a mão me levantando do chão da floresta. Os olhos de Bernie Kosar continuam fixos nos meus. Vai, ele diz para mim. Sai daqui, agora, enquanto você pode. Não há muito tempo. De alguma forma eu fico em pé. Tonto, o mundo vira um nevoeiro em volta de mim. Apenas os olhos de Bernie Kosar continuam claros. Olhos que gritam "Socorro!" mesmo que seus pensamentos digam o contrário. - Nós temos que ir! – a voz berra outra vez. Não viro o meu rosto, mas sei de quem é a voz. Mark James, não mais escondido na escola, tentando me salvar desse confronto. Ele estar aqui deve significar que Sarah está bem, e por um breve momento me permito ficar aliviado, mas então o alívio desaparece tão

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rápido quanto surgiu. Nesse exato momento apenas uma coisa importa. Bernie Kosar, de lado, olhando para mim com olhos embaçados. Ele me salvou. É a minha vez de salvá-lo. Mark passa a mão dele através do meu peito, começando a me puxar para trás, para fora da clareira, para longe da luta. Eu me solto. Os olhos de Bernie Kosar começam a se fechar lentamente. Ele está desmaiando, eu penso. Não vou assistir você morrer, digo a ele. Eu vou ter que assistir muitas coisas nesse mundo, mas eu vou ser destruído se ver você morrer. Não há resposta. A mordida da besta fica mais forte. A coisa pode sentir que a morte está próxima. Dou um passo vacilante e tiro a adaga do cós do meu jeans. Fecho os dedos com força em volta do punho e ela ganha vida, começando a brilhar. Nunca vou ser capaz de acertar a besta arremessando a adaga, e todos os meus Legados desapareceram. Uma decisão fácil. Sem opção a não ser ir em frente. Respiro fundo e com dificuldade. Balanço meu corpo pra trás, todo o meu corpo rígido por causa da dor da exaustão, não há nem um centímetro em mim que não exista algum tipo de dor. - Não! – Mark berra atrás de mim. Arremesso meu corpo adiante e corro até a besta. Os olhos da besta estão fechados, a mandíbula presa com força em volta do pescoço de Bernie Kosar de forma que a luz da lua brilha nas poças de sangue em volta. Está a nove metros. Depois seis. Os olhos da besta se abrem de repente no exato momento que eu pulo. Olhos amarelos que se retorcem em fúria no segundo que eles focam em mim, deslizando através do ar na direção deles, adaga que seguro nas duas mãos erguida sobre a minha cabeça como em algum sonho heroico do qual eu nunca iria querer acordar. A besta larga o pescoço de Bernie Kosar e se move para morder, mas certamente sabe que percebeu tarde demais. A lâmina da adaga brilha em antecipação, e eu enterro profundamente nos olhos da besta. Um líquido que parece uma gosma imediatamente sai. A besta solta um berro aterrorizado tão alto que é difícil acreditar que os mortos vão continuar dormindo. Eu caio pra trás sobre as minhas costas. Levanto a cabeça e vejo a besta cambalear sobre mim. Ela tenta em vão tirar a adaga do olho, mas a mão é muito grande e a adaga muito pequena. As armas dos Mogadorians funcionam de modos que eu acho que nunca vou entender, por causa dessas transições sobrenaturais entre as realidades. A adaga não é diferente, o negro da noite entra no olho da besta como a canalização de um vórtice obscura, um tornado da morte. E besta cai em silêncio quando a última nuvem negra entra em seu crânio, e a adaga é sugada para dentro junto. Os braços da besta caem frouxamente ao seu lado. As mãos começam a tremer. Um tremor violento que repercutem por toda parte de seu corpo massivo. Quando as convulsões acabam a besta se encurva pra frente e depois cai no chão com as costas contra a parede. Sentada, mas ainda se ergue dez metros acima de mim. Tudo silencioso, pendendo em antecipação ao que está por vir. Uma arma dispara uma vez, tão perto de mim que meus ouvidos continuando ecoando por segundos depois. A besta pega bastante ar e segura como se estivesse meditando, e de repente sua cabeça explode, fazendo chover pedaços de cérebro, carne e crânio sobre tudo, todos os quais rapidamente viram cinzas e pó. A floresta recai em silêncio. Viro a cabeça e olho para Bernie Kosar, que ainda continua caído imóvel de lado, os olhos fechados. Não posso dizer se ele está

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vivo ou não. Enquanto olho para ele, ele começa a mudar outra vez, retrocedendo para seu tamanho normal, enquanto continua inconsciente. Eu escuto o som de folhas sendo amassadas e galhos quebrando próximo de mim. Levou toda a força que eu tenho só para levanta a minha cabeça um centímetro do chão. Abro os olhos e espio no nevoeiro da noite, esperando ver Mark James. Mas não é ele que está sobre mim. O ar fica preso no meu pescoço. Uma silhueta gigante, indistinta com a luz da lua pairando bem acima dela. Depois ele dá um passo a frente, entrando na frente da lua, e meus olhos se arregalam em antecipação e temor. Capítulo 33

A IMAGEM GANHA FOCO, ATRAVÉS da exaustão, dor e medo, um sorriso vem ao meu rosto, junto com uma sensação de alívio. Henri. Ele joga a shotgun nos arbustos e abaixa sobre um joelho perto de mim. Seu rosto está ensanguentado, sua camisa e jeans em farrapos, cortes pelo comprimento de seus dois braços e em seu pescoço, e, além disso, eu vejo que seus olhos estão espantados pelo que ele vê nos meus. - Acabou? – pergunto. - Shhh. – ele diz. – Me diz, você foi acertado por alguma das adagas dele? - Nas costas. – digo. Ele fecha os olhos e balança a cabeça. Depois procura no bolso e tira uma das pequenas pedrinhas redondas que eu o observei pegar no Baú Lorien antes de sairmos da sala de adm. doméstica. Suas mãos estão tremendo. - Abra a boca. – ele diz. Ele coloca uma das pedras. – Mantenha embaixo da língua. Não engula. – ele coloca as mãos embaixo dos meus braços e me levanta. Fico em pé e ele continua com um braço em volta de mim enquanto retomo o equilíbrio. Ele me vira para ver o corte nas minhas costas. Meu rosto está quente. Uma espécie de rejuvenescimento floresce dentro de mim vindo da pedra. Meus membros ainda doem com a exaustão, mas força voltou o suficiente de modo que eu sou capaz de me movimentar. - O que é isso? - Sal Loric. Isso vai retardar e paralisar os efeitos da adaga. – ele diz. – Você vai sentir uma explosão de energia, mas não vai durar muito e nós temos que voltar para escola o mais rápido que conseguirmos. A pedra está fria na minha boca, não tem nem um pouco gosto de sal – na verdade, não tem gosto de nada. Eu olho pra baixo e vejo como estou, e então varro com minhas mãos o resíduo de cinzas deixado pela besta que morreu. - Está todo mundo bem? – pergunto. - Seis foi seriamente ferida. – ele diz. – Sam está carregando ela para a caminhonete enquanto nós conversamos; depois vai dirigir até a escola para nos pegar. É por isso que nós temos que voltar. - Você viu Sarah? - Não. - Mark James estava bem aqui. – eu digo, e olho para ele. – Pensei que fosse você. - Não o vi. Olho de Henri para o cachorro. – Bernie Kosar. – digo. Ele ainda está encolhendo, as escamadas desaparecendo - pelo cor de caramelo, preto e marrom tomando o lugar - retornando a forma de quando o conheci: orelhas caídas, pernas curtas, corpo longo. Um beagle de nariz úmido e frio sempre

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pronto para corrida. – Ele acabou de salvar minha vida. Você sabia, não sabia? - Claro que eu sabia. - Por que não me contou? - Porque ele tomava conta de você quando eu não podia. - Mas como ele está aqui? - Ele estava na nave conosco. Eu lembro do que eu pensei ser um animal de pelúcia que costumava brincar comigo. Então na verdade era Bernie Kosar com que eu brincava, apesar de lá seu nome ser Hadley. Nós caminhamos até o cachorro juntos. Eu abaixo e passo a mão no pelo de Bernie Kosar. - Temos que nos apressar. – Henri diz novamente. Bernie Kosar não está se movendo. A floresta está viva, cheia de sombras que só podem significar uma coisa, mas eu não me importo. Coloco a cabeça na barriga do cachorro. Escuto bem de leve as batidas do coração dele. Algum vislumbre da vida que ainda foi deixada. Ele está coberto de profundos cortes e arranhões, parece que sangue sai de todo lugar. Sua perna da frente está torta em um ângulo que não é natural, quebrada. Mas ele ainda está vivo. Levanto ele com o máximo de cuidado, aninhando-o como um uma criança em meus braços. Henri me ajuda a levantar, depois coloca a mão no bolso, pega outra pedra e coloca na própria boca. Isso me faz questionar se ele está falando sobre si quando disse que havia pouco tempo. Nós dois estamos instáveis. E meu olhar é atraído para a coxa de Henri. Uma ferida brilhando em azul marinho através do sangue acumulado em volta. Ele também foi atingido por uma adaga. Me pergunto se a pedra de sal é o único motivo para ele ainda estar em pé, como é para mim. - E sua shotgun? – pergunto. - Estou sem munição. Nós saímos da clareira, o tempo está passando. Bernie Kosar não se move em meus braços, mas eu posso sentir que a vida ainda não o deixou. Não ainda. Nós saímos da floresta, deixando para trás de nós os galhos que nos cobriam, os arbustos que cheiram a umidade e as folhas amareladas. - Você acha que pode correr? – Henri pergunta. - Não. – digo. – Mas vou correr de qualquer forma. Ouvimos uma grande comoção a nossa frente, uma série de rosnados seguidos pelo tinido de correntes. E então nós ouvimos um rugido, não tão sinistro como os outros, mas alto o suficiente para significar só uma coisa: outra besta. - Só pode ser brincadeira. – Henri diz. Galhos se quebram atrás de nós, vindo da floresta, mas ela está muito densa para ver. Uso minha mão para iluminar e faço uma varredura nas árvores. Deve haver sete ou oito soldados parados na entrada da floresta, quando a luz os atinge pegam suas espadas, que ficam vivas, brilhando em suas várias cores no segundo que eles fazem. - Não! – Henri grita. – Não use seus Legados; vai te enfraquecer. Mas é tarde demais. Apago a luz. Vertigem e fraqueza retornam, depois a dor. Prendo o ar e espero os soldados virem nos atacar. Mas eles não vêm. Nenhum som vem em seguida a não ser a óbvia movimentação acontecendo bem na nossa frente. Então escuto um berro atrás de nós. Viro para olhar. As espadas brilhando começam a se aventurar adiante, por volta de doze metros

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de distância. Os soldados riem com confiança. Nove deles armados e cheios de forças contra três de nós quebrados, surrados e armados com nada mais do que o próprio valor. A besta de um lado, os soldados do outro. Essa é a escolha que nós temos que enfrentar agora. Henri parece não ter medo. Ele tira mais duas pedras do bolso e me entrega uma. - As últimas duas. – ele diz, sua voz tremida como se exigisse grande esforço só para falar. Jogo a nova pedra dentro da minha boca e coloco embaixo da língua mesmo que um pequeno pedaço da primeira ainda esteja lá. Força nova corre através de mim. - O que você acha? – ele me pergunta. Nós estamos cercados. Henri, Bernie Kosar e eu somos os únicos três que restam. Seis foi seriamente feriada e levada embora por Sam. Mark esteve bem aqui, mas agora não faço ideia de onde pode estar. O que deixa Sarah, quem eu rezo para estar enfiada em segurança dentro da escola a um décimo de quilômetro na nossa frente. Respiro fundo e aceito o inevitável. - Não acho que importe, Henri. – digo, e olho para ele – Mas a escola está na nossa frente, e é onde Sam vai estar em breve. O que ele faz em seguida me pega fora de guarda: ele sorri. Ele estende a mão e aperta o meu ombro. Seus olhos estão cansados e vermelhos, mas neles eu vejo alivio, uma sensação serenidade como se tudo estivesse prestes a terminar. - Nós fizemos tudo o que pudemos. E o que está feito está feito. Mas eu estou extremamente orgulhoso de você. – ele diz. – Você foi incrível hoje. Eu sempre soube que você seria. Não havia dúvida na minha mente. Abaixo a cabeça. Não quero que ele me veja chorando. Aperto o cachorro. Pela primeira fez desde que o peguei ele mostra um leve sinal de vida, levantando a cabeça só o suficiente para poder lamber o lado do meu rosto. Ele passa uma palavra para mim, uma palavra apenas, como se isso fosse tudo o que a sua força permitisse. Coragem, ele diz. Levanto a cabeça. Henri dá um passo a frente e me abraça. Fecho os olhos e enterro minha cabeça em seu pescoço. Ele ainda está tremente, seu corpo frágil e fraco abaixo do meu aperto. Tenho certeza de que o meu não é mais forte. Então é isso, eu penso. Erguendo as cabeças nós caminhando através do campo para seja lá o que nos espera. Ao menos há dignidade nisso. - Você foi realmente incrível. – ele diz. Abro os olhos. Acima de seus ombros eu vejo que os soldados estão perto, seis metros de distância agora. Eles pararam de andar. Um deles está segurando uma adaga que pulsa em prata e cinza. O soldado joga para o alto, pega, e arremessa nas costas de Henri. Eu levanto minha mão e desvio para longe de modo que não o atinge por uns trinta centímetros. Minha força me deixa quase que imediatamente mesmo que a pedra esteja apenas meio dissolvida. Henri pega meu braço livre, passa sobre seu ombro e coloca seu braço direito em volta da minha cintura. Nós cambaleamos em frente. A besta fica a vista, pairando bem na nossa frente no centro do campo de futebol. Os Mogadorians nos seguem atrás. Quem sabe eles estejam curiosos em ver a besta em ação, em ver a besta matar. Cada passo que eu dou exigisse mais esforço do que o anterior. Meu coração bate forte no meu peito. A morte está próxima e disso eu

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estou aterrorizado. Mas Henri está aqui. E Bernie Kosar também. Estou feliz em não ter que encarar isso sozinho. Muitos soldados estão do outro lado da besta. Mesmo se nós pudéssemos passar dela, nós teríamos depois que andar direto para os soldados, que já estão empunhando as espadas. Não temos escolha. Alcançamos o campo e eu espero a besta atacar a qualquer momento. Mas nada acontece. Quando estamos dentro de cinco metros dela nós paramos. Nós ficamos inclinados um contra o outro como suporte. A besta é da metade do tamanho da outra, mas ainda é grande o bastante para nos matar sem grande esforço. Pele pálida, quase translucida esticada sobre protuberantes costelas e suas articulações são como nós. Várias cicatrizes rosadas pelo seu corpo e braços. Olhos brancos, cegos. Ela troca de apoio do peso e abaixa, depois chega a cabeça mais perto da grama para cheirar o que seus olhos falham em ver. Ela pode sentir que estamos na sua frente. Ela deixa escapar um gemido baixo. Não sinto nem um pouco da fúria e malícia que as outras bestas irradiavam, nenhum desejo de sangue e morte. Há medo, tristeza. Eu me abro para isso. Vejo imagens de tortura e fome. Eu vejo a besta presa por toda sua vida aqui na Terra, uma caverna úmida onde pouca luz chega. Tremendo durante a noite para se manter aquecida, sempre fria e úmida. Vejo o modo como os Mogadorians colocam as bestas umas contra as outras, as forçam a brigar para treinar, para endurece-las e fazê-las cruel. Henri me solta. Não consigo segurar mais Bernie Kosar. Gentilmente o coloco na grama aos meus pés. Não sinto ele se mexer a uns minutos e não saberia dizer se ainda está vivo. Dou um passo a frente e abaixo sobre os joelhos. Os soldados berram em volta de nós. Não entendo a linguagem deles, mas posso dizer por seus tons que eles estão impacientes. Um move sua espada e uma adaga por pouco não me acerta, passa em um flash de branco que balança e rasga a frente da minha camisa. Fico de joelhos e olho para a besta pairando sobre mim. Atiram com alguma arma, mas passa acima de nossas cabeças. Um tiro de aviso, dado para fazer a besta atacar. A besta treme. Uma segunda adaga é arremessada através do ar e atinge a besta abaixo do cotovelo em seu braço esquerdo. Ela levanta a cabeça e ruge em dor. Eu sinto muito, eu tento dizer a ela. Eu sinto muito pela vida que você foi forçada a viver. Você foi injustiçada. Nenhuma criatura viva merece esse tipo de tratamento. Você foi forçada a enfrentar o inferno, arrancada de seu planeta para lutar uma luta que não é a sua. Espancada, torturada e deixada passando fome. A culpa por toda a dor e agonia que você viveu está com eles. Você e eu dividimos um laço em comum. Ambos injustiçados por esses monstros. Tento com tudo passar minhas próprias imagens, as coisas que vi e senti. A besta não afasta os olhos. Meus pensamentos, de certo morto, estão alcançando ela. Mostro Lorien, o vasto oceano, as densas floresta e as colinas verdes fervilhando vida e vitalidade. Animais bebendo das águas azuis geladas. Uma pessoa orgulhosa contente em passar o dia em harmonia. Mostro a ela o inferno que vem depois, o assassinato de homens, mulheres e crianças. Os Mogadorians. Assassinos a sangue frio. Destruindo até o próprio planeta. Onde isso acaba? Mostro a ela Sarah, mostro cada emoção que eu já senti por ela. Felicidade e êxtase, é assim que eu me sinto com ela. E essa é a dor que eu sinto em ter que deixá-la, tudo por causa deles. Me ajude, digo. Me ajude a acabar com essa morte e destruição. Vamos lutar juntos. Tenho tão pouco deixado, mas se você se erguer comigo, eu vou me erguer com você.

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A besta levanta a cabeça para o céu e ruge. Um rugido ao mesmo tempo longo e profundo. Os Mogadorians podem sentir o que está acontecendo e já viram o bastante. Abrem fogo. Eu olho pra cima e um dos canhões está apontado direto para mim. A coisa atira e a morte vem na minha direção, mas a besta abaixa a cabeça a tempo e absorve o tiro no lugar. O rosto dela se contorce em dor, seus olhos se fecham com bastante força, mas quase que imediatamente se abrem. Dessa vez eu vejo fúria. Caio de cara da grama. Eu sou arranhado por algo, mas eu não vejo o que é. Henri geme em dor atrás de mim e é lançado a dez metros, seu corpo cai no musgo, o rosto para cima, fumaça saindo. Não tenho ideia do que o atingiu. Algo grande e mortal. Pânico e medo me atingem. Henri não, penso. Por favor, Henri não. A besta balança o braço como que varrendo o caminho e leva junto vários dos soldados e para muitas das armas. Outro rugido. Olho pra cima e vejo que os olhos da besta ficaram vermelhos, em chamas com fúria. Retribuição. Revolta. Ela olha para mim uma vez e rapidamente corre para seguir seus captores. Armas atiram, mas muitas delas são rapidamente silenciadas. Mate todos eles, penso. Lute com nobreza e honra e você poderá matar todos eles. Levanto a cabeça. Bernie Kosar está imóvel na grama. Henri, dez metros longe, está imóvel também. Apoio uma mão na grama e me empurro para frente, através do campo, centímetro por centímetro, me arrastando para Henri. Quando chego lá seus olhos estão abertos levemente; cada vez que puxa o ar é uma luta. Trilhas de sangue escorrem de sua boca e nariz. Pego ele entre os meus braços e coloco no meu colo. Seu corpo está frágil e fraco e eu posso sentir que ele está morrendo. Seus olhos abrem tremendo. Ele olha para mim e levanta a mão, pressionando contra o meu rosto. No segundo ele me toca começo a chorar. - Eu estou aqui. – digo. Ele tenta sorrir. - Sinto muito, Henri. – digo. – Eu sinto muito. Nós deveríamos ter isso embora que você quis. - Shh. – ele diz. – Não é culpa sua. - Sinto muito. – digo entre soluços. - Você foi incrível. – ele diz em um sussurro. – Você foi realmente incrível. Eu sempre soube que você seria. - Nós temos que levar você para a escola. – digo. – Sam pode estar lá. - Me escute, John. Tudo, – ele começa. – Tudo que você precisa saber, está no Baú. A carta. - Não acabou. Nós ainda vamos conseguir. Posso sentir que ele está começando a me deixar. Está trêmulo. Seus olhos relutantemente reabrem. Uma linha de sangue desce de sua boca. - Vir aqui, para Paraíso, não foi por acaso. – eu não sei o que ela quer dizer. – Leia a carta. - Henri. – digo. Levanto a mão e limpo o sangue de seu queixo. Ele olha nos meus olhos. - Você é o Legado de Lorien, John. Você e os outros. A única esperança que o planeta deixou. Os segredos, – ele diz, e é pego por um acesso de tosse. Mais sangue. Seus olhos se fecham novamente. – O Baú, John. Abraço ele com mais força puxando para mim, apertando. Seu corpo está ficando mais mole. Respirando tão pouco que nem respirar direito é.

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- Nós vamos voltar, Henri. Eu e você. Eu prometo. – digo, e fecho meus olhos. - Seja forte. – ele diz, e é pego outra vez por tosse frágeis, apesar disso ele continua tentando falar. – Essa guerra...Pode ser vencida...Encontre os outros...Seis...O poder de... – ele diz, e perde o rumo. Tento levantar com ele em meus braços, mas eu não tenho força, chega ser difícil até respirar. Escuto a besta rugir ao longe. Canhões ainda estão sendo disparados, os sons e luzes acima do estádio tão claras, mas a cada minuto que passa menos e menos deles estão sendo disparados até que não há nenhum. Abaixo Henri nos meus braços. Coloco a mão no lado de seu rosto e ele abre os olhos, olhando para mim pelo que eu sei que será a última vez. Ele respira de um modo fraco e eu sei que essa vai ser a última vez, ele vai lentamente fechando os olhos. - Eu não teria trocado nem um segundo disso, querido. Nem por todos de Lorien. Nem pela droga do mundo inteiro. – ele diz, e quando a última palavra deixa sua boca eu sei que ele se foi. Aperto ele em meus braços, tremendo e chorando em um braço desesperado e sem esperanças. A mão dele cai sem vida sobre a grama. Pego a cabeça dele com as minhas mãos e seguro perto do meu peito, balançando-o para trás e para frente enquanto choro como se nunca tivesse chorado antes. O pingente no meu pescoço brilha em azul, fica mais pesado por uma fração de segundo, e então volta ao normal. Sento na grama e seguro Henri enquanto o último canhão é silenciado. A dor e o frio da noite deixam o meu corpo e sinto que estou começando a perder os sentidos. A lua e a estrela continuam brilhando acima de nós. Escuto uma gargalhada carregada pelo vento. Meus ouvidos são atraídos por isso. Viro a cabeça. Através da tonteira e da visão embaçada vejo um sentinela a cinco metros de mim. Sobretudo longo, aba do chapéu sobre os olhos. Ele deixa cair o sobretudo e tira o chapéu para revelar sua cabeça careca e pálida. Ele coloca a mão na parte de trás do sinto e pega uma faca bowie, a lâmina da qual não é maior do que trinta centímetro. Fecho os olhos. Não me importo mais. A respiração áspera do sentinela começa a se aproximar de mim, três metros, depois dois. E então os passos param. O sentinela geme em dor e começa a fazer um barulho com a boca, como que gargarejando. Abro os olhos, o sentinela está tão perto que eu posso sentir seu cheiro. A faca bowie cai de sua mão, e em seu peito, onde eu imagino que o coração deva estar, está aponta de uma faca de açougueiro. A faca é retirada. O sentinela cai sobre os joelhos, depois para o lado, e explode em uma nuvem de cinzas. Atrás dele, segurando a faca em sua mão direita trêmula, com lágrimas nos olhos, está Sarah. Ela larga a faca e corre para mim, passando os braços em volta de mim que estou com os braços em volta de Henri. Seguro Henri enquanto minha própria cabeça cai e o mundo se resume a nada. As consequências da guerra, a escola destruída, as árvores caídas e os montes de cinzas em pilhas na grama do campo de futebol e eu ainda seguro Henri. E Sara me segura. Capítulo 34

VÁRIAS IMAGENS COMEÇAM A PASSAR, CADA UMA TRAZENDO A PRÓPRIA tristeza ou a própria felicidade. Às vezes os dois. Na piores, a escuridão é cerca e impenetrável e, nas melhores, é uma alegria tão brilhante que chega a machucar os olhos, elas vem e vão de algum projetor fora de vista, perpetuamente trocadas por uma mão invisível. Uma, depois outra. O clique fantasmagórico do obturador. Agora para. Congela nesse quadro.

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Aproxima e mantem perto para que você seja amaldiçoado pelo que está vendo. Henri sempre disse: o preço da memória é a memória de dor que ela traz. Um dia quente de verão, a grama fria e o sol bem alto no céu sem nuvens. Um vento vem da água, carregando o frescor do mar. Um homem caminha para a casa, pasta na mão. Um homem jovem, cabelo castanho cortado curto, barba recém-feita, vestido causalmente. Dá para perceber o nervosismo pela forma como ele troca a pasta de uma mão para a outra e pela pequena linha de suor brilhando em sua testa. Ele bate na porta. Meu avô responde e abre a porta para que o homem entre, depois que ele passa fecha. Eu volto a brincar no quintal. Hadley está mudando de forma, voando, depois se esquivando, e então atacando. Lutando um com o outro e rindo até doer. O dia vai passando do modo como o tempo passa diante da inocência e inconsequência da infância. Cinquenta minutos passam. Talvez menos. Nessa idade um dia pode durar para sempre. A porta abre e fecha. Eu olho pra cima. Meu avô está em pé ao lado do homem que eu vi se aproximar, os dois olhando para mim. - Há alguém que eu gostaria que você conhecesse. – ele diz. Eu levanto da grama e esfrego uma mão na outra para tirar a sujeira. - Esse é Brandon. – meu avô diz. – Ele é o seu Cêpan. Você sabe o que isso significa? Eu balanço a cabeça. Brandon. Esse era o nome dele. Todos esses anos e só agora a lembrança disso retorna. - Isso significa que ele vai passar muito tempo com você daqui pra frente. Vocês dois, isso significa que vocês estão conectados. Vocês estão amarrados um ao outro. Você entende? Eu concordo com um aceno, ando até o homem e ofereço minha mão a ele como eu já havia visto ser feito muitas vezes por homens grandes. O homem sorri e abaixada sobre um dos joelhos. Ele pega minha pequena mão em sua direita e fecha os dedos em volta. - Prazer em conhecê-lo, senhor. – eu digo. Olhos gentis e brilhantes, cheios de vida, olham para os meus como se oferecessem uma promessa, um laço, apesar de eu ainda ser muito novo para entender o que essa promessa ou laço realmente significam. Ele concorda com um aceno e coloca a mão esquerda por cima da direita, minha pequena mão perdida em algum lugar no meio. Ele acena para mim, ainda sorrindo. - Minha querida criança, – ele começa – o prazer é todo meu. Eu desperto com um pulo. Estou deitado de costas, meu coração batendo rápido, respirando pesadamente como se eu tivesse acabado de correr. Meus olhos continuaram fechados, mas eu posso dizer que o sol acabou de nascer por causa das longas sombras e do frescor do ar no quarto. A dor volta, meus membros ainda pesados. Com essa dor vem outra, uma dor muito maior do que qualquer dor física que poderia me afligido: a memória das últimas horas. Eu respiro fundo e exalo. Uma única lágrima escorrega pelo lado do meu rosto. Eu mantenho meus olhos fechados. Qualquer esperança irracional de que se eu não encontrar o dia então o dia não vai me encontrar, que as coisas na noite vão ser anuladas. Meu corpo treme, o choro quieto se transformando em um maior. Eu balanço a cabeça e me deixo chorar. Eu sei que Henri está morro e que toda a esperança do mundo não vai mudar isso. Eu sinto um movimento ao meu lado. Fico tenso, tentando ficar imóvel para não

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ser percebido. Uma mão se estende e toca o lado do meu rosto. Um toque delicado e com amor. Meus olhos se abrem, se ajustando à luz do amanhecer até o teto de um quarto estranho entrar em foco. Não faço idéia de onde estou, nem de como eu poderia ter chegado aqui. Sarah está sentada perto de mim. Ela traz a mão para o lado do meu rosto e traça minha sobrancelha com seu polegar. Depois abaixa e me beija, um beijo gentil e demorado que eu desejo guardar e salvar para sempre. Ela se afasta, eu respiro fundo e dou um beijo na testa dela. - Onde nós estamos? – pergunto. - Em um hotel a cinquenta quilômetros de Paraíso. - Como eu cheguei aqui? - Sam dirigiu até aqui. - Quero dizer, da escola. O que aconteceu? Eu lembro que você estava comigo na última noite, mas eu não lembro nada de depois. – eu digo. – Está parecendo até um sonho. - Eu esperei no campo com você até Mark chegar e ele te carregou para a caminhonete de Sam. Eu não podia mais ficar escondida. Continuando na escola sem saber o que estava acontece lá fora estava me matando. E eu sentia como se pudesse ajudar de alguma forma. - Você certamente ajudou. – eu digo. – Você salvou a minha vida. - Eu matei um alienígena. – ela diz, como se ainda não tivesse aceitado muito bem a ideia. Ela passa os braços em volta de mim, uma mão atrás da minha cabeça. Eu tento sentar. Faço até a metade por mim e depois Sarah me ajuda no resto do caminho, puxando as minhas costas, mas sendo cuidadosa para não tocar no machucado deixado pela faca. Levanto meu pé até a ponta da cama e procura pelas cicatrizes em volta do meu tornozelo, contando com as pontas dos meus dedos. Ainda apenas três, e dessa forma eu sei que Seis sobreviveu. Eu já tinha aceitado o destino de ter que passar o resto dos meus dias sozinho, um viajante perambulando sem lugar para ir. Mas eu não vou ficar sozinho. Seis ainda está aqui, ainda está comigo, meu laço com um mundo do passado. - A Seis está bem? - Sim. – ela diz. – Ela foi ferida pelas adagas e levou alguns tiros, mas parece estar indo bem agora. Eu não sei se ela teria sobrevivido se Sam não tivesse carregado ela para caminhonete. - Onde ela está? - No quarto ao lado, com Sam e Mark. Eu levanto. Meus músculos e ligamentos doem em protesto, tudo rígido e inflamado. Eu estou vestindo uma camisa limpa, e shorts comum. O cheiro de sabão ainda está fresco na minha pele. Os cortes estão limpos e com curativos, alguns deles com pontos. - Você fez tudo isso? – pergunto. - A maior parte. Os pontos foram difíceis. Nós só tínhamos aqueles que Henri colocou na sua cabeça como exemplo. Sam ajudou com eles. Eu olho para Sarah sentada na cama, suas pernas dobradas embaixo. Algo a mais atrai meus olhos, uma pequena massa que foi colocada embaixo do cobertor no pé da minha cama. Fico tenso, e imediatamente volta a imagem das doninhas correndo pelo ginásio. Sarah percebe o que eu estou olhando e sorri. Ela abaixa no pé da cama com os joelhos e mãos no chão. - Há alguém aqui que quer dizer oi. – ela diz, depois pega a ponta do cobertor e

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gentilmente afasta para revelar Bernie Kosar, dormindo. Um talo de metal junto a sua pata da frente, e seu corpo está coberto de corte e arranhões que, como as minhas, estão limpos e começando a sarar. Seus olhos abrem de vagar e se ajustam, olhos corados com vermelho, cheios de exaustão. Ele continua com a cabeça abaixada, mas seu rabo abana de repente, batendo suavemente contra a cama. - Bernie. – eu digo, e abaixo de joelhos. Eu coloco minha mão com cuidado na cabeça dele. Eu não consigo parar se sorrir e lágrimas de alegria surgem. O pequeno corpo dele está curvado em uma bola, a cabeça descansando sobre as patas da frente, seus olhos me fitando, com cicatrizes e machucados da batalha, mas ainda aqui para contar história. - Bernie Kosar, você conseguiu. Eu devo minha vida a você. – eu digo e beijo a topo da cabeça dele. Sarah passa a mão pelo comprimento das costas dele. - Eu carreguei ele para a caminhonete enquanto Mark carregava você. - Mark, me sinto mal por ter duvidado dele. – eu digo. Ela levanta uma das orelhas de Bernie Kosar. Ele vira, cheira a mão dela e depois lambe. – Então é verdade o que Mark disse, que Bernie Kosar cresceu nove metros de altura e matou uma besta duas vezes o tamanho dele? Eu sorrio. – Uma besta de três vezes o tamanho dele. Bernie Kosar olhar para mim. Mentiroso, ele diz. Eu olho para baixo e rio para ele. Depois levanto outra vez e olho para Sarah. - Tudo isso – eu começo – Tudo isso aconteceu tão rápido. Como é que você está lidando? Ela assente. – Lidando com o que? Com o fato de que eu me apaixonei por um alienígena, o que eu descobri só há uns três dias, e aí fui parar no meio de uma guerra? É, acho que estou lidando bem. Eu sorrio para ela. – Você é um anjo. - Nah. – ela diz. – Eu só sou uma garota totalmente apaixonada. Ela levanta da cama e passa os braços em volta de mim, nós ficamos ali no meio do quarto, apenas abraçando um o outro. - Você realmente tem que ir embora, não tem? Eu concordo com um aceno. Ela respira fundo e deixa o ar escapar com dificuldade, se segurando para não chorar. Mais lágrimas nas últimas vinte e quatro horas do que eu testemunhei em toda a minha vida. - Eu não sei onde você tem que ir ou o que você tem que fazer, mas eu vou te esperar, John. Cada parte do meu coração pertence a você, tendo você pedido por isso ou não. Eu puxo Sarah para mim. – E o meu pertence a você. – digo. Eu atravesso o quarto. Em cima da escrivaninha está o Baú de Lorien, três malas feitas, o computador de Henri e todo o dinheiro da última vez que ele retirou. Sarah deve ter recuperado o Baú da sala de adm doméstica. Eu coloco minha mão sobre ele. Todos os segredos, Henri disse. Todos eles contidos dentro disso. Na hora certa eu vou abrir e descobri-los, mas certamente não é agora. E o que ele queria dizer sobre Paraíso, que vir aqui não foi ao acaso? - Você fez as minhas balas? – pergunto a Sarah, que está em pé atrás de mim. - Sim, e é provavelmente a coisa mais difícil que eu tive que fazer. Levanto a minha mala da mesa. Embaixo está um envelope de papel parto, onde me nome está escrito.

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- O que é isso? – pergunto. - Eu não sei. Eu encontrei no quarto de Henri. Nós fomos lá depois de sair da escola e tentamos pegar tudo o que dava. Depois viemos pra cá. Abro o envelope e tiro todo o conteúdo. Todos os documentos que Henri criou para mim: certidões de nascimentos, de seguridade social, visas e por aí vai. Eu conto entre eles. Dezessete identidades diferentes, dezessete idades diferentes. Logo na primeira folha há um post-it na letra de Henri. Está escrito, ―Só por precaução‖. E, no final, depois das últimas folhas há outro envelope selado, através do qual Henri escreveu meu nome. Uma carta, a que ele disse pouco antes de morrer. Meu coração não está forte o bastante para ler isso agora. Eu olho através da janela do quarto do hotel. Uma neve fina cai das nuvens baixas acima, todas cinzas. O chão está muito quente para que qualquer floco se mantenha. O carro de Sarah e a caminhonete azul do pai de Sam estão estacionados lado a lado no estacionamento. Enquanto eu continuo olhando lá para baixo alguém bate na porta. Sarah abre e Sam e Mark entram no quarto, Seis vem mancando entre eles. Sam me abraça, diz que sente muito. - Obrigado. – eu digo. - Como você se sente? – Seis pergunta. Ela não está mais vestindo o traje, agora veste o jeans que estava usando quando nos encontramos pela primeira vez, e uma casaco de moletom do Henri. Eu dou de ombros. – Eu estou bem. Todo dolorido e machucado. Meu corpo parece pesado. - O peso é por causa da adaga. Mas uma hora acaba passando. - Você foi muito ferida? – eu pergunto. Ela levanta a camisa e me mostra um corte na lateral, então uma diferente nas costas. No total, ela foi esfaqueada três vezes na última noite, e sem mencionar os vários cortes pelo resto do corpo, ou o tiro que a deixou com um profundo corte em sua coxa direita, agora coberto firme com gaze e fita, é por isso que ela está mancando. Ela me diz que quando nós voltamos já era muito tarde para ser curado pela pedra. Me surpreendo de ela ainda estar viva. Sam e Mark estão vestindo as mesmas roupas do dia anterior, ambas imundas e cobertas com musgo, sujeira e um punhado de sangue misturado. Os dois estão com os olhos pesados como se não tivessem dormido. Os dois com olhos pesados como se não tivesse dormido. Mark estava parado atrás de Sam, meio desconfortável mudando de posição. - Sam, eu sempre soube que você era uma máquina de destruição. – eu digo. Ele ri com incerteza. – Você está bem? - Aham, estou bem. – eu digo. – E você? - Indo bem. Eu olho por cima de seu ombro para Mark. - Sarah me disse que você me carregou para fora do campo ontem. Mark deu de ombros. – Eu fiquei feliz em ajudar. - Você salvou a minha vida, Mark. Ele fita os olhos. – Eu acho que cada um de nós salvou alguém em ponto ontem à noite. Meu Deus, Seis me salvou em três ocasiões diferentes. E você salvou meus dois cachorros no sábado. Acho que estamos quites. De alguma forma eu consigo sorrir. – É justo. – eu digo. – Eu só estou feliz em descobrir que você não é o idiota que eu pensei que era. Ele sorri com o canto dos lábios. – Digamos que se eu soubesse que você era

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um alienígena e poderia ter chutado a minha bunda só por querer, eu teria sido um pouco mais legal com você naquele primeiro dia. Seis atravessa o quarto e olha para minha mala em cima da mesa. - Nós realmente temos que ir embora. – ela diz, e então olha para mim com preocupação implícita, sua expressão suavizando. – Só há uma coisa que nós ainda não fizemos. Nós não sabíamos o que você ia querer. Eu concordo com um aceno. Eu não preciso perguntar para saber o que ele está falando. Eu olho para Sarah. Vai acontecer muito antes do que eu imaginei. Meu estomago revira. Sinto como se fosse vomitar. Sarah se aproxima e segura a minha mão. - Onde ele está? O chão está úmido com a neve derretida. Seguro a mão de Sarah e nós atravessamos a floresta em silêncio, um quilômetro e meio de distância do hotel. Sam e Mark andam na frente, seguindo as pegadas de musgo que eles criaram algumas horas antes. Lá na frente eu vejo uma pequena clareira, no centro da qual o corpo de Henri foi deitado em uma placa de madeira. Ele está enrolado no cobertor cinza tirado de sua cama. Eu ando até ele. Sarah segue e coloca a mão no meu ombro. Os outros param atrás de mim. Eu afasto o cobertor para vê-lo. Os olhos dele estão fechados, seu rosto cinza pálido e seus lábios azuis de frio. Eu beijo a testa dele. - O que você quer fazer, John? – Seis pergunta. – Nós podemos enterrá-lo se quiser. Nós também podemos cremá-lo. - Como nós iríamos cremar? - Eu posso criar fogo. - Eu pensei que você só pudesse controlar o clima. - Não o clima. Os elementos. Olho para cima e vejo seu rosto suave, preocupação clara em seus traços, mas também stress por causa da necessidade de ir embora antes que os reforços cheguem. Não respondo. Eu afasto o olhar e aperto Henri uma última vez, meu rosto próximo ao dele, e me perco na tristeza. - Eu sinto muito, Henri. – sussurro em seu ouvido. Fecho meus olhos. – Eu te amo. Eu não teria perdido um segundo disso também. Não por qualquer coisa. – sussurro. – Eu ainda vou te levar de volta. De alguma forma vou te levar de volta para Lorien. Nós sempre brincamos sobre isso, mas você foi o meu pai, o melhor pai que eu poderia ter pedido. Eu nunca vou esquecer você, nem por um minuto enquanto eu viver. Eu te amo, Henri. Eu sempre amei. Eu solto ele, coloco o cobertor de volta sobre o rosto dele, e o deito gentilmente sobre a placa de madeira. Eu levanto e abraço Sarah. Ela me segura até eu parar de chorar. Eu afasto a lágrima com as costas na minha mão e aceno para Seis. Sem me ajuda a limpar os gravetos e folhas e então nós deitamos o corpo de Henri no chão para não diluir suas cinzas com qualquer outra coisa, Sam pega a ponta do cobertor e Seis faz o fogo começar dali. Nós assistimos queimar, nenhum de nós com os olhos secos. Até Mark chora. Ninguém diz uma palavra. Quando as chamas acabam eu colho as cinzas para dentro de uma lata de café que Mark foi inteligente o bastante para trazer do hotel. Eu vou consegui algo melhor na hora que nós pararmos. Quando nós voltamos eu coloco a lata no painel da caminhonete do pai de Sam. Eu me sinto confortável em saber que Henri ainda vai viajar conosco, que ele vai olhar a estrada enquanto nós deixamos outras cidades como nós dois fizemos tantas vezes

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antes. Nós carregamos nossos pertences para a parte de trás da caminhonete. Junto com as coisas de Seis e as minhas, Sam carregou duas malas dele mesmo. Primeiro eu fiquei confuso, mas então percebi que entre ele e Seis algum acordo fora feito e Sam viria com a gente. E eu estou feliz por isso. Sarah e eu andamos de volta para o quarto do hotel. No segundo que a porta fecha ela pega a minha mão e me vira para ela. - Meu coração está se partindo. – ela começa. – Eu quero ser forte por você agora, mas a idéia de você ter que ir embora está me matando por dentro. Eu beijo a cabeça dela. - Meu coração já está partido. – eu digo. – No segundo que tudo se ajeitar vou escrever. E eu vou fazer o meu melhor para te ligar quando souber que é seguro. Seis coloca a cabeça para dentro do quarto. - Nós realmente temos que ir. – ela diz. Eu aceno com a cabeça. Ela fecha a porta. Sarah levanta seu rosto para o meu e nós nos beijamos no quarto do hotel. A ideia de os Mogadorians retornarem antes de nós irmos embora e assim colocá-la em perigo outra vez, é a única fonte de força que eu consigo encontrar. Fora isso eu poderia ter um colapso. Fora isso eu poderia ficar para sempre. Bernie Kosar ainda está deitado esperando no pé da cama. Ele balança o rabo enquanto cuidadosamente eu o pego nos braços e o carrego para o estacionamento. Seis liga a caminhonete e deixa no ponto morto. Eu viro e olho para o hotel e fico triste por não ser a casa, e que eu sei que nunca vou vê-la de novo. A tábua de madeira descascando, as janelas quebradas, telhas pretas e tortas por causa da exposição ao sol excessivo e à chuva. Parece um Paraíso, uma vez eu disse a Henri. Mas isso não vai ser mais verdade. Paraíso perdido. Eu viro e aceno para Seis. Ela sobe na caminhonete, fecha a porta e espera. Sam e Mark apertam as mãos, mas eu não escuto o que um diz ao outro. Sam sobe na caminhonete e espera com Seis. Eu aperto a mão de Mark. - Eu devo a você mais do que eu jamais poderei pagar. – eu digo a Mark. - Você não me deve nada. – Mark diz. - Não é verdade. – digo. – Um dia. Eu afasto o olhar. Eu posso sentir que estou prestes a desmoronar por causa da tristeza de ter que ir embora. Minha decisão é mantida por um pavio esfarrapado pronto para partir. Eu aceno. – Eu vou ver você outra vez algum dia. - Fique seguro lá fora. Eu pego Sarah entre os meus braços, aperto ela com força, querendo nunca ir embora. - Eu vou voltar pra você. – eu digo. – Eu prometo a você, mesmo que seja a última coisa que eu faça. O rosto dela está enterrado no meu pescoço. Ela assente. - Vou contar os minutos até você voltar. – ela diz. Um último beijo. Coloco ela de volta no chão e abro a porta da caminhonete. Meus olhos presos aos dela. Ela cobre a boca e o nariz com as mãos pressionadas juntas, nenhum de nós livre para afastar os olhos. Eu fecho a porta. Seis coloca a caminhonete na ré e sai do estacionamento, para, passa a marcha. Mark e Sarah andam até o fim do estacionamento para nos assistir no

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caminho, lágrimas correndo por ambos o lados do rosto de Sarah. Eu viro no meu assento e assisto da janela traseira. Eu levanto minha mão para acenar e Mark acena de volta, mas Sarah apenas assiste. Eu olho para ela pelo máximo que eu posso, ficando pequena, uma mancha indistinta sumindo na distancia. A caminhonete vai mais devagar e vira, os dois desaparecem de vista. Eu viro para frente e assisto os campos passarem, eu fecho os olhos e imagino o rosto de Sarah e sorrio. Nós ainda vamos ficar juntos, eu digo a ela. E até esse dia você estará no meu coração e em cada pensamento. Bernie Kosar levanta a cabeça e descansa no meu colo, eu coloco a mão sobre suas costas. A caminhonete continua estrada abaixo, dirigindo para o sul. Nós quatro, juntos, em direção à próxima cidade. Seja lá qual for. Sobre o Autor: PITTACUS LORE é o ancião principal de Lorien. Ele tem estado na Terra pelos últimos vinte anos, se preparando para a guerra que decidirá o futuro do nosso planeta. Seu paradeiro é desconhecido. Tradução: Baixa e Confia

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