os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

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Prólogo

A PORTA DA FRENTE COMEÇA A TREMER. SEMPRE FEZ ISSO TODA VEZ QUE O

PORTÃO de metal é fechado com força, acontece desde que eles mudaram para

o apartamento em Harlem três anos atrás.

Entre a entrada principal e os finos papéis de parede, eles sempre estão

cientes das idas e vindas de todos que moram no prédio. Colocam a televisão no

mudo para ouvir melhor, uma garota de quinze anos de idade e um velho

homem de cinquenta e sete, filha e padrasto que raramente olham um para o

outro, mas que colocaram as diferenças de lado para assistir à invasão

alienígena. O homem passou quase toda a tarde murmurando orações em

espanhol, enquanto a garota assistiu à cobertura das notícias em um silêncio

receoso. Tudo parece como um filme para ela, parece tão irreal que o medo

ainda não despertara nela. A garota se pergunta se o bonito homem loiro que

tentou lutar contra os monstros está morto. O homem se pergunta se a mãe da

garota, uma garçonete de um pequeno restaurante no centro, sobreviveu ao

ataque inicial.

O homem coloca a TV no mudo para que possam ouvir melhor o que

acontece do lado de fora. Um de seus vizinhos sobe correndo as escadas,

gritando durante todo o percurso.

— Eles estão no quarteirão! Estão no quarteirão!

O homem range os dentes em descrença.

— O garoto está perdendo. Aquelas bestas pálidas não vão se incomodar

com Harlem. Estamos seguros aqui — ele assegura à garota.

Ele aumenta o volume. A garota não tem muita certeza sobre o que ele

disse. Ela vai até a porta e espia o lado de fora. O corredor está escuro e vazio.

Assim como no quarteirão atrás do dela, onde a repórter parece literalmente

um farrapo. Ela está suja e com manchas no rosto, sujeira por todo o seu cabelo

loiro. Há sangue seco em sua boca em vez de batom. A própria repórter mal

parece entender tudo.

— Reiterando, o bombeamento inicial parece ter sido afunilado... — a

repórter diz tremendo. O homem escutando com atenção. — Os... os... os

mogadorianos tomaram as ruas em massa e parecem estar, ah, fazendo

prisioneiros, embora termos visto algumas ações mais violentas à... à... menor

provocação...

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A repórter soluça. Atrás dela, há centenas de alienígenas pálidos com

uniformes pretos marchando pelas ruas. Alguns deles vêm em direção à câmera,

olhando fixamente para a lente com seus olhos negros.

— Jesus Cristo — diz o homem.

— Novamente, reiterando, estamos sendo, ah, estamos sendo permitidos

a continuar a transmissão. Eles... eles... os invasores, eles parecem

nos querer aqui...

Lá embaixo, o portão chacoalha novamente. Há um guincho de metal

rasgando e um estrondo alto.

Alguém não tinha a chave.

Alguém precisou derrubar o portão completamente.

— São eles! — a garota exclama.

— Fique calada! — responde o homem. Ele abaixa o volume da TV mais

uma vez. — Quero dizer, fique em silêncio. Droga.

Eles ouvem passos pesados subindo as escadas. A garota se afasta da porta

quando ouve a porta de alguém sendo derrubada. Os vizinhos dos andares

debaixo começam a gritar.

— Se esconda — o homem diz à garota. — Vá logo.

O homem segura com firmeza um taco de baseball que retirou do armário

quando a primeira nave alienígena apareceu no céu. Ele se aproxima da porta

oscilante, posicionando-se em um dos lados dela, encostado na parede. Eles

podem ouvir barulhos vindos do corredor. Com um estalo alto, ouvem a porta

de seu vizinho ser arrancada das dobradiças, palavras duras em um inglês

arrastado sendo gritadas, e finalmente, um som parecido com um relâmpago

comprimido atingindo o chão.

Eles viram as armas dos alienígenas na televisão, viram abismados os raios

azuis de energia crepitante que atiravam.

Os passos diminuem, e então param em frente à porta que ainda oscila. Os

olhos do homem estão arregalados, suas mãos segurando firmemente o taco

de baseball. Ele percebe que a garota ainda não se moveu. Ela está congelada.

— Ande, idiota! — ele diz. — Vá agora!

Ele gesticula para a janela da sala de estar. A janela está aberta, a escada

de incêndio esperando do lado de fora.

A garota odeia quando o homem a chama de idiota. Mesmo assim, pela

primeira vez que se lembra, ela faz o que seu padrasto manda. Ela sobe na

janela e a pula como fez diversas outras vezes nesse mesmo apartamento. A

garota sabe que não deveria ir sozinha. Seu padrasto deveria fugir também. Ela

dá a volta na escada de incêndio para chamá-lo, e então de repente está

olhando para dentro do apartamento quando a porta da frente é arrancada.

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Os alienígenas são bem mais feios pessoalmente que na televisão.

Sua presença congela a garota onde está. Ela olha fixamente para a pele

pálida do primeiro que passa pela porta, depois para seus olhos negros que não

piscam, sem contar as tatuagens bizarras.

Há quatro deles no total, todos armados. É o primeiro que vê a garota na

escada de incêndio. Ele para no vão da porta, sua arma esquisita apontada para

ela.

— Renda-se ou morra — o alienígena diz.

Um segundo depois, o padrasto da garota acerta o alienígena no rosto

com seu taco. Foi um golpe forte – o homem ganhava a vida como mecânico,

seus antebraços musculosos com a força ganhada com as doze horas de

trabalho diárias. O taco empurrou o rosto do alienígena para dentro, e a criatura

imediatamente se transformou em cinzas.

Antes que o padrasto da garota pudesse erguer o taco mais uma vez, um

alien atira em seu peito. O homem é jogado para trás no fundo do apartamento,

sua camisa pegando fogo. Ele cai sobre a mesa de centro e rola, acabando de

cara com a janela, onde trava seu olhar com a garota.

— Corra! — o padrasto dela de alguma forma encontra forças para gritar.

— Corra, droga!

A garota começa a descer a escada de incêndio. Quando chega ao final,

escuta tiros vindos do seu apartamento. Ela tenta não pensar sobre o

significado daquilo. Uma das criaturas coloca sua cara pálida na janela e mira

sua arma na direção da garota. Ela se solta da escada, caindo no beco que se

encontrava abaixo bem na hora em que o ar ao seu redor crepita. Os pelos de

seus braços se arrepiam e a garota conclui que há eletricidade passando pelo

metal da escada de incêndio. Mas ela não se machucou. O alienígena errou.

A garota pula alguns sacos de lixo e corre para a boca do beco, espiando

pela beirada para observar a rua na qual cresceu. Há um hidrante jorrando

água, o que a lembra das festas de verão do quarteirão. Ela vê um caminhão do

correio caído, a parte traseira cheia de fumaça, como se fosse explodir a

qualquer instante.

Mais abaixo, estacionada no meio da rua, a garota vê a pequena nave dos

alienígenas, uma das muitas que ela e seu padrasto viram sair da nave maior

que ainda flutua sobre a ilha de Manhattan. Eles passam esse vídeo várias vezes

nas notícias, assim como o vídeo do garoto loiro.

John Smith. Esse é seu nome. Assim foi como a narradora do vídeo o

chamou.

Onde ele está agora?, a garota se pergunta. Provavelmente não salvando

as pessoas no Harlem, disso ela tem certeza.

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A garota sabe que ela tem que se salvar sozinha.

Ela está prestes a começar a correr quando avista outro grupo de

alienígenas saindo de um prédio do outro lado da rua. Eles têm uma dúzia de

humanos com eles, alguns rostos familiares da vizinhança, duas crianças que ela

reconhece. Eles forçam as pessoas a se ajoelhar na rua e apontam as armas para

elas. Um grande monstro alienígena anda ao lado da linha formada pelas

pessoas, clicando um pequeno objeto em sua mão, como um guarda do lado de

fora de uma casa noturna.

A garota não tem certeza se quer ver o que acontece depois. Ela ouve

metal guinchando atrás dela. Então, se vira e vê um dos alienígenas que estava

em seu apartamento descendo pela escada de incêndio.

Ela corre. A garota é rápida e conhece essas ruas. O metrô fica a apenas

alguns quarteirões de distância. Uma vez, em um desafio, a garota desceu na

plataforma e se aventurou pelos tuneis. Os ratos e a escuridão não a assustam

nem um pouco em comparação a esses alienígenas. É para lá que ela vai. Ela

pode se esconder lá, até mesmo seguir para o centro, para tentar encontrar sua

mãe. A garota não sabe como vai contar para sua mãe sobre seu padrasto. Ela

mesma ainda não acredita. Continua a esperar que tudo não passe de um

sonho.

A garota corre pelas ruas quando três alienígenas surgem em seu caminho.

Seu instinto a faz tentar voltar, mas seu tornozelo torce e ela perde o equilíbrio.

Ela cai, batendo com força na calçada. Um dos alienígenas solta um grunhido

baixo – e a garota percebe que ele está rindo dela.

— Renda-se ou morra — ele diz, e a garota sabe que isso não é uma

escolha.

Os alienígenas já têm suas armas erguidas e apontadas, os dedos quase

apertando os gatilhos. Renda-se e morra. Eles vão matá-la de qualquer jeito,

não importando o que ela faça. A garota tem certeza disso.

Ela levanta as mãos para se defender. É um reflexo. Ela sabe que não vai

ajudar em nada contra as armas.

Mas ajuda.

As armas dos alienígenas voam para cima, fugindo das mãos deles. Elas

voam vinte metros de distância para trás deles.

Eles olham para a garota, paralisados e incertos. Ela também não entende

o que acabou de acontecer.

Mas ela consegue sentir alguma coisa diferente dentro dela. Algo novo. É

como se ela pudesse controlar qualquer objeto no quarteirão. Tudo o que ela

precisa fazer é puxar e empurrar. A garota não tem certeza de como ela sabe

disso. Parece natural.

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Um dos alienígenas carrega outra arma e a garota move sua mão da direita

para a esquerda. Ele voa pela rua e cai sobre o para-brisa de um carro

estacionado. Os outros dois trocam olhares e começam a se afastar.

— Quem está rindo agora? — a garota pergunta, levantando-se.

— Garde — um deles responde num sussurro.

A garota não sabe o que isso significa. O jeito como ele falou parece ser

um xingamento. Isso faz a garota sorrir. Ela gosta de ver que essas coisas que

estão pela sua vizinhança estão com medo dela agora.

Ela pode lutar contra eles.

Ela vai matá-los.

A garota levanta as mãos para o alto e o resultado é um dos alienígenas

sendo erguido do chão. A garota abaixa suas mãos com a mesma rapidez que as

levantou, jogando o alienígena em cima do seu companheiro. Ela repete isso até

ambos se tornarem cinzas.

Quando isso acontece, a garota olha para suas mãos. Ela não sabe de onde

esse poder veio. Não sabe o que significa. Mas ela vai usá-lo.

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Capítulo um

NÓS PASSAMOS PELA ASA QUEBRADA DE UM AVIÃO DE COMBATE EXPLODIDO,

O pedaço de metal jogado no meio da rua de uma cidade como uma barbatana

de tubarão. Quanto tempo se passou desde que vimos os jatos fazendo

barulhos no céu, uma formação clara indo para o centro da cidade e na direção

de Anubis? Parece que foi há dias, mas deve ter sido apenas a algumas horas.

Algumas das pessoas que estão conosco – os sobreviventes – gritaram e

aplaudiram quando viram os jatos, como quando a maré começa a subir.

Eu sabia o que aconteceria. Fiquei em silêncio. Apenas alguns minutos

depois, pudemos ouvir as explosões enquanto a Anubis destruía esses jatos no

céu, estilhaçando as peças militares mais sofisticadas da Terra por toda a ilha de

Manhattan. Eles não mandaram mais nem um jato desde então.

Quantas mortes até agora? Centenas. Milhares. Talvez mais. E é tudo

minha culpa. Porque eu não pude matar Setrákus Ra quando tive a chance.

— À sua esquerda! – um homem grita de algum lugar atrás de mim.

Viro minha cabeça, carrego uma bola de fogo instantaneamente, e

incinero um mogadoriano enquanto ele virava a esquina. Eu, Sam e uma dúzia

de sobreviventes que fomos juntando pelo caminho – mal conseguimos dar

passos largos. Estamos na parte sul de Manhattan agora. Fugimos para cá.

Lutamos até chegarmos aqui. Quarteirão por quarteirão. Tentando aumentar a

distância entre nós e o centro da cidade, onde os mogadorianos estão em maior

quantidade, onde vimos pela última vez a Anubis.

Estou exausto.

Eu tropeço. Mal consigo sentir meus pés, eles estão cansados.

Acho que estou prestes a desmoronar. Um braço passa em torno do meu

ombro e me estabiliza.

— John? – Sam pergunta, preocupado. Ele está me segurando. Parece que

sua voz está vindo de dentro de um túnel. Tento respondê-lo, mas as palavras

não vêm. Sam vira a cabeça e fala com um dos sobreviventes. — Precisamos sair

das ruas por algum tempo. Ele precisa descansar.

A próxima coisa que me lembro é de estar encostado contra a parede do

hall de entrada de um prédio residencial. Devo der desmaiado por alguns

minutos. Eu tento me fortalecer, descansar. Preciso continuar lutando.

Mas não consigo – meu corpo se recusa a ser punido novamente.

Deixo meu corpo se deslizar contra a parede para que eu então me sente

no chão. O carpete está coberto de poeira e vidro quebrado que deve ter sido

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explodido de fora para dentro. Há mais ou menos vinte e cinco de nós aqui. Isso

foi tudo o que conseguimos salvar. Todos sujos e manchados de sangue, alguns

machucados, todos cansados.

Quantos ferimentos curei hoje? Foi fácil, no começo. Depois de um tempo,

então, pude sentir meu Legado de cura drenar minha própria energia. Devo ter

atingido meu limite.

Eu me lembro das pessoas não pelo nome, mas pelo estado em que as

encontrei ou pelo o que curei. Braço-quebrado e Preso-embaixo-do-carro

parecem preocupados, com medo.

Uma mulher, a Pulou-da-janela, coloca sua mão em meus ombros. Assinto

para ela dizendo que estou bem e ela parece aliviada. Bem na minha frente,

Sam conversa com um policial sem uniforme que parece ter uns cinquenta anos.

Ele tem sangue seco por toda parte em um lado do rosto de um corte no topo

da cabeça que curei. Esqueci o nome dele ou onde o encontramos. As vozes

deles parecem distantes, como se fossem o eco vindo de um túnel a

quilômetros de distância. Tenho que me focar para entender o que eles dizem,

e mesmo isso me toma um esforço colossal. Minha cabeça parece estar envolta

em algodão.

— Ouvi no rádio que temos um ponto de apoio na Ponte do Brooklyn — o

policial diz. — Polícia de Nova York, Guarda Nacional, exército... caramba, todo

mundo. Eles estão guardando a ponte. Evacuando os sobreviventes de lá. Fica a

apenas alguns bairros de distância, e eles dizem que os mogs estão

concentrados no norte da cidade. Nós podemos conseguir.

— Então vocês devem ir — Sam responde. — Partam agora que a costa

está limpa, antes que mais patrulhas apareçam.

— Vocês deveriam vir conosco, garotos.

— Não podemos — Sam responde. — Um dos nossos amigos ainda está lá

fora. Temos que encontrá-lo.

Nove. É quem precisamos encontrar. Da última vez que o vimos, ele estava

lutando com Cinco em frente às Nações Unidas. Através das Nações Unidas.

Temos que encontrá-lo antes de deixarmos Nova York. Temos que encontrá-lo e

salvar tantas pessoas quanto pudermos. Meus sentidos estão começando a

voltar, mas ainda estou demasiado exausto para me mover. Abro minha boca

para falar, mas tudo o que consigo é um gemido.

— Ele está no limite — diz o policial, e sei que ele fala de mim. — Vocês

dois já fizeram o suficiente. Venham conosco agora, enquanto podem.

— Ele vai ficar bem — Sam fala. A dúvida em sua voz me faz ranger os

dentes e focar. Eu preciso me esforçar, levantar e continuar lutando.

— Ele desmaiou.

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— Ele só precisa descansar por alguns minutos.

— Eu estou bem — murmuro, mas não acho que me ouviram.

— Você vai acabar sendo morto se ficar, garoto — o policial fala para Sam.

— Vocês não podem continuar com isso. Há muitos deles para vocês dois. Deixe

isso para o exército, ou...

Ele para. Nós sabemos que o exército já fez sua tentativa. Manhattan está

perdida.

— Sairemos daqui o mais rápido que pudermos — Sam responde.

— Você aí em baixo consegue me ouvir? — o policial está falando comigo

agora. Usando o mesmo tom na voz que Henri costumava usar. Eu me pergunto

se ele tem filhos em algum lugar. — Não há mais nada que você possa fazer.

Você nos trouxe até aqui, deixe-nos fazer o resto. Nós o carregaremos até a

ponte, se for preciso.

Todos os sobreviventes da sala assentem, murmurando em concordância.

Sam olha para mim, suas sobrancelhas erguidas em questionamento. Seu rosto

está sujo com poeira e cinzas. Ele parece exausto e fraco, como se mal

conseguisse se manter em pé. Uma arma mogadoriana está pendurada em sua

cintura, presa por um fio de eletricidade cortado, e é como se o corpo todo dele

pendesse naquela direção, o peso extra ameaçando derrubá-lo.

Eu me forço a levantar. Meus músculos estão cansados e quase inúteis.

Estou tentando mostrar para o policial e para os outros que ainda tenho forças

dentro de mim, mas posso dizer pelo modo que eles estão me olhando que

estão com pena, que não pareço muito promissor. Eu mal consigo impedir

minhas pernas de tremerem. Por um momento, parece que vou desmoronar no

chão. Mas então, alguma coisa acontece – sinto como se uma força tivesse me

levantado e começado a me carregar, suportando um pouco do meu peso,

endireitando minhas costas e esticando meus ombros. Eu não sei como estou

fazendo isso, onde estou encontrando forças, é quase sobrenatural.

Não, na verdade não é sobrenatural. É Sam. Telecinesia. Sam está se

concentrando, tentando fazer parecer que ainda há um pouco de força dentro

de mim.

— Vamos ficar — eu digo finalmente, minha voz rouca. — Há mais pessoas

para serem salvas.

O policial move a cabeça em questionamento. Atrás dele, uma garota que

lembro vagamente de tê-la salvo de cair de uma escada de incêndio começa a

chorar. Não tenho certeza do motivo. Sam continua completamente focado em

mim, com uma expressão de esforço no rosto, gotas de suor formando em sua

têmpora.

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— Mantenham-se em segurança — eu digo para os sobreviventes. —

Então, ajudem quem vocês puderem. Este é o planeta de vocês. Vamos salvá-lo

todos juntos.

O policial dá alguns passos até mim para apertar minha mão.

— Não esqueceremos de você, John Smith — ele fala. — Todos nós.

Devemos nossas vidas a você.

— Mande todos eles para o inferno — alguém diz.

E então todos os outros do grupo de sobreviventes estão se despedindo e

agradecendo. Aperto meus dentes no que espero ser um sorriso. A verdade é

que estou muito cansado para isso. O policial – o líder agora, os manterá em

segurança – garante que todos fiquem quietos e sejam rápidos, e então os

lidera para fora do hall do prédio residencial e os guia em direção à Ponte do

Brooklyn.

Assim que ficamos sozinhos, Sam me solta da força telecinética que usava

para me manter ereto e eu caio para trás, me encostando na parede

novamente, lutando para me manter de pé. Ele está sem fôlego e suando pelo

esforço que fez para me manter daquele jeito. Ele não é lorieno e não teve

treinamento adequado, mas de algum jeito desenvolveu um Legado e começou

a usá-lo da melhor maneira que conseguiu.

Considerando nossa situação, ele não teve escolha de aprender a usá-lo no

caminho para cá. Sam com Legados – se as coisas não estivessem tão caóticas e

desesperadoras, eu estaria mais animado. Não tenho certeza de como nem

porque isso aconteceu com ele, mas o mais novo poder de Sam é na verdade

uma das únicas coisas que ganhamos desde que chegamos à Nova York.

— Obrigado — eu digo, as palavras saem com mais facilidade agora.

— Sem problemas — ele responde. — Você é o símbolo da resistência da

Terra agora; não podemos deixá-lo caído por aí.

Tento me desencostar da parede, mas minhas pernas ainda não estão

prontas para suportar todo meu peso. Seria mais fácil se eu apenas me

arrastasse para a porta do apartamento.

— Olhe para mim. Não sou o símbolo de nada — resmungo.

— Pare — ele diz. — Você está exausto.

Sam coloca seu braço em volta de mim, me ajudando. Ele está se

arrastando também, então tento não jogar tanto peso em cima dele.

Estivemos no inferno nas últimas horas. A pele das minhas mãos está

formigando pelo tanto que tive que usar meu Lúmen, jogando bolas de fogo de

pelotão em pelotão de mogadorianos. Espero que não tenha danificado

nenhum nervo permanentemente ou coisa do tipo. O pensamento de acender

meu Lúmen agora quase faz com que meus joelhos cedam.

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— Resistência — eu digo amargamente. — Resistência é o que acontece

depois de você perder uma guerra, Sam.

— Você sabe o que eu quis dizer — ele responde. Posso dizer pelo tom de

sua voz trêmula que é um esforço para Sam parecer otimista depois de tudo o

que vimos hoje. Pelo menos ele está tentando. — A maioria dessas pessoas

sabia quem você era. Eles disseram que havia um vídeo seu ou coisa do tipo no

noticiário. E tudo o que aconteceu nas Nações Unidas – você basicamente

desmascarou Setrákus Ra na frente de uma audiência internacional. Todo

mundo sabe que você tem lutado contra os mogadorianos. Que você tentou

impedir isso.

— Então eles sabem que eu falhei.

A porta para o apartamento do primeiro andar está entreaberta. Eu a

empurro e depois Sam a fecha e a tranca atrás de nós. Tento encontrar o

interruptor de luz mais próximo, surpreso por ver que ainda há eletricidade

aqui. A eletricidade só está presente em alguns pontos da cidade. Acho que esse

bairro ainda não foi atingido com força. Apago as luzes rapidamente – na nossa

atual situação, não queremos atrair atenção de nenhuma patrulha mogadoriana

que possam estar nos arredores. Enquanto tropeço até o colchão mais próximo,

Sam fecha as cortinas do apartamento.

O apartamento é pequeno, um cômodo só. Há uma pequena cozinha

apertada separada da sala de estar por um balcão de granito, um

pequeno closet e um banheiro. Quem quer que viva aqui definitivamente

deixou tudo com pressa, há roupas espalhadas pelo chão, uma tigela de cereal

virada para baixo e uma moldura de foto quebrada perto da porta, parecendo

ter sido pisada. Na foto, um casal em seus vinte anos posa em uma praia

tropical, um pequeno macaco no ombro do rapaz.

Essas pessoas tinham uma vida normal. Mesmo que tenham conseguido

sair de Manhattan e estiverem em segurança, agora isso acabou. A Terra nunca

mais será a mesma.

Eu costumava imaginar um lugar calmo como esse para Sarah e eu, uma

vez que os mogadorianos forem derrotados. Não um apartamento apertado na

cidade de Nova York, mas algo simples e calmo.

Há uma explosão ao longe, os mogs destruindo alguma coisa ao norte da

cidade. Percebo quão ingênuos os sonhos de vidas pós-guerra são. Nada nunca

mais será normal depois disso.

Sarah. Espero que ela esteja bem. Era o rosto dela que eu chamava em

meus pensamentos nas horas mais difíceis da nossa batalha pelos bairros de

Manhattan. Continue lutando e você irá vê-la novamente, era o que repetia para

mim mesmo. Eu queria poder falar com ela. Eu preciso falar com ela. Não

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apenas com Sarah, mas com Seis também – preciso entrar em contato com os

outros, tentar descobrir o que Sarah conseguiu com Mark James e seu

misterioso contato, e para saber o que Seis, Marina e Adam fizeram no México.

Isso tem de ter alguma ligação com Sam ter de repente desenvolvido um

Legado. E se ele não for o único? Preciso saber o que aconteceu fora da cidade

de Nova York, mas meu telefone via satélite foi destruído quando caí no Lago

Oeste e o celular pré-pago está sem sinal de Internet. Até agora, somos apenas

eu e Sam. Sobrevivendo.

Na cozinha, Sam abre a geladeira. Ele para e olha para mim.

— É errado pegarmos a comida dessas pessoas? — ele pergunta.

— Tenho certeza de que eles não irão se importar — respondo.

Fecho meus olhos pelo o que parece ser um segundo, mas deve ter sido

mais, e quando os abro há um pedaço de pão perto do meu nariz.

Com uma mão esticada teatralmente como nas histórias em quadrinhos,

Sam faz um sanduíche de pasta de amendoim flutuar até mim, junto com um

prato de plástico e uma colher em frente ao meu rosto. Mesmo me sentindo

fraco, não posso evitar sorrir com seu esforço.

— Me desculpe, não foi minha intenção acertá-lo com o sanduíche — Sam

diz enquanto pego a comida do ar. — Ainda estou me acostumando com isso,

obviamente.

— Não se preocupe. É fácil puxar e empurrar com telecinesia. A precisão é

a parte mais difícil de se aprender.

— Sem brincadeiras — ele diz.

— Você está se saindo incrivelmente bem para quem desenvolveu

telecinese há apenas quatro horas, cara.

Sam se senta no colchão perto de mim com seu sanduíche.

— Ajuda se eu imaginar que tenho, tipo, mãos invisíveis. Isso faz sentido?

Penso como foi quando eu treinei minha própria telecinesia com Henri.

Parece que foi há tanto tempo.

— Eu costumava visualizar o que eu ia mover, e então desejava que

acontecesse — explico a Sam. — Começamos com coisas pequenas. Henri

costumava jogar bolas de baseball contra mim no quintal, e então eu praticava

tentando segurá-las com minha mente.

— Ah, bem, não acho que brincar de batedor seja uma opção para mim

neste momento — Sam observa. — Encontrarei outras maneiras de praticar.

Sam flutua seu sanduíche do colo. Ele inicialmente o aproxima da boca

para mordê-lo, mas erra a altura depois de alguns segundos de concentração.

— Nada mal — comento.

— É mais fácil quando não estou pensando sobre isso.

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— Como quando estávamos lutando pelas nossas vidas, por exemplo?

— Sim — Sam diz, movendo a cabeça assentindo. — Vamos falar sobre o

que aconteceu comigo, John? Ou por que aconteceu? Ou... Eu não sei. O que

isso significa?

— Os Gardes desenvolvem seus Legados na adolescência — eu digo,

dando de ombros. — Talvez você seja apenas um cara atrasado.

— Amigo, você esqueceu que não sou lorieno?

— Muito menos Adam, mas ele tem Legados — aponto.

— É, mas o pai violento dele o conectou com uma Garde morta e...

Ergo uma mão e interrompo Sam.

— Tudo o que quero dizer é que nada está definido. Acho que os Legados

não funcionam da forma que meu povo presumia — pauso por um momento

para pensar. — O que aconteceu com você tem algo a ver com o que Seis e os

outros fizeram no Santuário.

— Seis fez isso... — Sam começa.

— Eles foram lá para encontrar Lorien na Terra, e eu acho que

conseguiram. E então, talvez Lorien tenha te escolhido.

Sem nem perceber, já devorei meu sanduíche de pasta de amendoim. Meu

estômago ronca. Eu me sinto um pouco melhor, minha força começando a ser

restaurada.

— Bem, é uma honra — Sam fala, olhando para suas mãos e pensando

sobre tudo. Ou, mais provavelmente, pensando em Seis. — Uma honra

aterrorizante.

— Você se saiu bem lá fora. Eu não poderia ter salvado todas aquelas

pessoas sem você — eu digo, dando palmadinhas nas costas de Sam. — A

verdade é que não sei que inferno está acontecendo. Não sei como, nem

porquê você de repente desenvolveu um Legado. Estou apenas feliz por ter

acontecido. Estou feliz por ainda ter um fiapo de esperança na nossa situação

de morte e destruição.

Sam fica de pé, limpando os farelos das calças.

— É, esse sou eu, a grande esperança da humanidade, atualmente

morrendo por outro sanduíche. Quer mais um?

— Eu posso fazer — digo a Sam, mas quando me inclino para levantar, sou

imediatamente empurrado de volta para o colchão.

— Vai com calma — Sam fala, fingindo não estar cansado como eu estou.

— Eu cuido dos sanduíches.

— Ficaremos aqui por apenas mais alguns minutos — eu digo, sonolento.

— Então vamos procurar Nove.

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Eu fecho os olhos, ouvindo Sam fazendo os lanches na cozinha, tentando

sustentar a faca que espalha a pasta de amendoim com a força do pensamento.

Ao fundo, sempre ao fundo agora, posso ouvir o barulho de lutas em algum

lugar de Manhattan. Sam está certo – somos a resistência. Deveríamos estar lá

fora resistindo. Se eu puder descansar por apenas alguns minutos...

Não abro meus olhos até Sam balançar meus ombros.

Imediatamente, posso dizer que dormi. A luz no apartamento mudou, dá

para ver as luzes das ruas acesas, um brilho amarelado atravessando as cortinas.

Um prato com sanduíches me espera num sofá próximo a mim. Estou tentado a

ir lá e devorar todos. Parece que tudo dentro de mim está num nível animalesco

agora – sono, fome, raiva.

— Por quanto tempo eu apaguei? — pergunto a Sam, sentindo-me um

pouco melhor fisicamente mas também culpado por dormir enquanto há

pessoas morrendo por toda Nova York.

— Mais ou menos uma hora — ele diz. — Eu iria deixá-lo descansar, mas...

Como explicação, Sam gesticula para trás, na direção de uma pequena

televisão que está fixada em uma das paredes do quarto. O noticiário local na

verdade está sendo transmitindo ao vivo. Sam deixou a televisão no mudo e a

imagem ocasionalmente some e volta com a estática, mostrando a cidade de

Nova York em chamas. Imagens granuladas ilustram a

iminente Anubis atravessando o céu, suas armas laterais bombardeando os

terraços dos arranha-céus mais altos até não sobrar nada além de destroços e

poeira.

— Eu nem lembrei de verificar se ela estava funcionando até alguns

minutos atrás — ele explica. — Pensei que os mogs teriam destruídos os prédios

das emissoras, você sabe, por motivos de guerra.

Não esqueci o que Setrákus Ra me disse quando eu estava pendurado em

sua nave sobre o Lago Oeste. Ele quer que eu assista a Terra cair. Lembrando

agora daquela visão de Washington, D.C., que compartilhei com Ella, a cidade lá

parecia bem destruída, mas não completamente arrasada. E havia

sobreviventes para servi-lo. Acho que estou começando a entender.

— Não é um acidente — eu digo para Sam, pensando alto. — Ele deve

querer que os humanos sejam capazes de ver a destruição que ele está

causando. Não foi como em Lorien, onde sua frota apenas exterminou todo

mundo. Foi por isso que ele tentou montar aquele show nas Nações Unidas, é

por isso que ele criou aquela droga sombria da ProMog, para tentar dominar a

Terra pacificamente. Ele planeja viver aqui depois de tudo. E se não houver

ninguém para adorá-lo como os mogadorianos, pelo menos quer que os

humanos sobreviventes o temam.

Page 16: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

14

— Bom, a parte de todos o temerem está funcionando — Sam comenta.

Na tela, o noticiário mudou para uma cena ao vivo de uma âncora em sua

mesa. O prédio da emissora desse canal provavelmente foi danificado de

alguma forma durante a batalha, porque parece que eles mal conseguem se

manter no ar. Apenas metade das luzes do estúdio está acesa e a câmera está

desfocada, a imagem sem a resolução e tamanho que deveria ter. Ela fala

diretamente para a câmera durante alguns segundos, apresentando a próxima

imagem.

A âncora desaparece, substituída por um vídeo tremido feito por um

celular. No meio de um cruzamento importante, uma figura obscura roda como

um lançador de discos Olímpicos se aquecendo. Com exceção de que esse cara

não está segurando um disco. Com uma força sobre-humana ele está girando

outra pessoa pelo tornozelo. Depois de uma dúzia de giros, o cara solta o corpo,

arremessando-o em direção à janela frontal de um cinema nas proximidades. O

vídeo continua centrado no lançador, que erguendo os ombros, grita o que

parece ser um xingamento.

É Nove.

— Sam! Aumenta o volume!

Enquanto Sam tateia em busca do controle remoto, quem quer que tenha

filmado Nove corre para trás de um carro para se proteger. É desorientador,

mas o cameraman consegue continuar gravando com uma das mãos erguidas

por cima do carro. Um grupo de soldados mogadorianos apareceu no

cruzamento, atirando em Nove. Assisto enquanto ele dança estupidamente para

desviar dos tiros, usando telecinesia para arremessar um carro na direção deles.

— ... novamente, esse vídeo foi gravado na Union Square há alguns

momentos — a voz trêmula da âncora narra enquanto Sam aumenta o volume.

— Esse garoto superpoderoso, hum, é possivelmente um adolescente

alienígena que estava nas Nações Unidas junto com o outro jovem identificado

como John Smith. Nós o vemos aqui empenhado em um combate contra os

mogadorianos, fazendo coisas humanamente impossíveis...

— Eles sabem meu nome — falo, quase um sussurro.

— Olhe — Sam diz, tocando meu braço.

A câmera está mostrando novamente o cinema, quando uma forma

corpulenta lentamente se levanta da janela estilhaçada. Eu não tenho uma boa

visão dela, mas imediatamente sei quem Nove estava arremessando. Ele voa do

cinema para o céu, derruba alguns mogs que ainda estão no cruzamento, e

então mergulha violentamente na direção de Nove.

— Cinco — Sam diz.

Page 17: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

15

A câmera não consegue acompanhar Cinco e Nove enquanto eles se

chocam contra o gramado de um pequeno parque nas proximidades,

arrancando grandes pedaços de terra do chão.

— Eles estão se matando — eu digo. — Temos que ir até lá.

— Um segundo garoto extraterrestre está lutando com o primeiro, pelo

menos quando não estão lutando contra os invasores... — a âncora continua,

parecendo perplexa. — Nós não sabemos o motivo. Não temos muitas

respostas até agora, receio. Apenas... fique em segurança, Nova York.

Operações de evacuação estão acontecendo caso você tenha uma rota segura

para a Ponte do Brooklyn. Se você está próximo à batalha, mantenha-se dentro

de casa e...

Pego o controle remoto da mão de Sam e desligo a TV. Ele me observa

enquanto levanto, para garantir que estou bem. Meus músculos gritam em

protesto e fico tonto por alguns segundos, mas posso aguentar. Tenho que

aguentar. Nunca a expressão “lute como se não houvesse amanhã” fez tanto

sentido. Se eu for fazer isso da maneira certa – se vamos salvar a Terra de

Setrákus Ra e dos mogadorianos, então o primeiro passo é encontrar Nove e

sobreviver à Nova York.

— Ela disse Union Square — eu falo. — É pra lá que vamos.

Page 18: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

16

Capítulo dois

O MUNDO NÃO MUDOU. PELO MENOS, NÃO DE MANEIRA QUE EU TENHA

percebido.

O ar da floresta está úmido e pegajoso, uma mudança bem-vinda em

relação ao clima frio das profundezas subterrâneas do Santuário. Tenho que

proteger meus olhos assim que emergimos para o sol da tarde, um seguindo

atrás do outro através de uma passagem estreita em forma de arco que

apareceu no templo Maia.

— Eles não poderiam ter nos deixado vir por aqui? — resmungo,

estralando minhas costas e olhando para as centenas de degraus de calcário

aos quais subimos mais cedo.

Assim que chegamos ao topo de Calakmul, nossos pingentes ativaram

algum tipo de portal lórico que nos teleportou para dentro do Santuário

escondido sob uma estrutura centenária construída pelos humanos. Nós nos

encontramos em uma sala de outro mundo obviamente criada pelos Anciãos

em uma de suas visitas à Terra. Acho que o sigilo era uma prioridade maior

que fácil acesso.

De qualquer forma, a saída não foi uma escalada e não envolveu

teleportes desorientados – apenas uma escada em espiral empoeirada de uns

cem metros que nos deixou tontos e uma porta simples, que é claro, não

estava lá quando entramos pela primeira vez.

Adam sai do Santuário atrás de mim, seus olhos semicerrados.

— E agora? — ele pergunta.

— Eu não sei — respondo, olhando para o céu escuro. — Eu meio que

esperava que o Santuário respondesse essa pergunta.

— Eu... eu ainda estou incerto sobre o que vimos lá. Ou sobre o que

realizamos — Adam diz, hesitando. Ele tira alguns fios dos cabelos negros do

rosto enquanto me observa.

— Somos dois — respondo.

Verdade seja dita, nem tenho certeza sobre quanto tempo passamos

debaixo da terra. Você perde a noção do tempo quando está em uma

conversa profunda com um ser de outro mundo feito de energia lórica pura.

Nós juntamos a maior quantidade de peças das nossas heranças lóricas que

conseguimos poupar – basicamente, usamos tudo o que não era arma. Uma

vez dentro do Santuário, jogamos todas aquelas pedras desconhecidas e

Page 19: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

17

bugigangas dentro de um poço secreto que estava bem conectado com uma

fonte de energia dormente de loralite.

Acho que foi o suficiente para despertar a Entidade, a personificação da

própria Lorien. Nós conversamos.

É, isso aconteceu.

Mas a Entidade praticamente falou com enigmas e, no fim da nossa

conversa, a coisa virou uma supernova, sua energia inundando o Santuário e

vazando para o mundo. Assim como Adam, não tenho certeza do que

aconteceu.

Eu esperava emergir do Santuário e encontrar... alguma coisa. Talvez

colunas de energia lórica através dos céus, ou esses mesmos jatos

incinerando o mogadoriano mais próximo que não tenha o nome de Adam?

Talvez mais poder para os meus Legados, me colocando em um nível que eu

seria capaz de criar uma tempestade grande o suficiente para destruir todos

os nossos inimigos? Seria muita sorte.

Até onde sei, a frota mogadoriana ainda está entrando na Terra.

John, Sam, Nove e os outros podem estar correndo contra as linhas de

frente agora, e não tenho certeza se fizemos alguma coisa para ajudá-los.

Marina é a última a passar pela porta do templo. Ela se abraça, seus

olhos cheios de lágrimas, piscando contra a luz do sol.

Antes da fonte de energia explodir para o mundo, de alguma forma ela

conseguiu ressuscitá-lo, mesmo que tenha sido por alguns minutos.

Tempo suficiente para Marina se despedir. Mesmo agora, já começando

a suar por causa da umidade da selva, tenho calafrios quando penso no

retorno de Oito, inundado pela energia de loralite, sorrindo mais uma vez.

Foi o tipo daqueles momentos maravilhosos que evitei durante o passar

dos anos – isto é guerra, e as pessoas vão morrer. Amigos vão morrer.

Cheguei ao ponto de aceitar a dor. Então o choque é menor quando algo de

fato acontece.

Foi reconfortante rever Oito, melhor ainda foi nos despedir. Eu não

consigo imaginar pelo o que Marina está passando. Ela o amava e agora ele

se foi. Mais uma vez.

Marina para e olha de volta para o templo, quase como se quisesse

voltar.

Perto de mim, Adam pigarreia.

— Ela vai ficar bem? — ele me pergunta, com a voz baixa.

Marina se fechou comigo uma vez antes, na Flórida, depois de Cinco ter

nos traído. Depois de ele ter matado Oito. Mas não é a mesma coisa – ela não

está irradiando um frio constante e não parece prestes a estrangular o

Page 20: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

18

primeiro que se aproximar. Quando ela se volta para nós, sua expressão é

quase serena. Ela está se lembrando, gravando aquele momento com Oito na

memória e se preparando para o que está por vir.

Eu sorrio enquanto Marina pisca os olhos e passa a mão sobre o rosto.

— Eu posso te ouvir — ela responde Adam. — Estou bem.

— Ótimo — Adam responde, desviando o olhar timidamente. — Eu só

queria dizer, sobre o que aconteceu lá, uh, que eu...

Adam para, eu e Marina olhando para ele com expectativa. Sendo um

mog, ainda acho que ele se sente desconfortável em falar dessas coisas como

nós. Sei que ele ficou maravilhado com a energia lórica do Santuário, mas

também posso dizer que ele se sentiu deslocado, como se não valesse o

suficiente para estar na presença da Entidade.

Quando a pausa de Adam se prolonga, dou uma batidinha nas costas

dele.

— Vamos deixar essa conversa para a viagem, ok?

Adam parece aliviado enquanto andamos de volta para as naves, nosso

Skimmer pousado ao lado de outra dúzia de naves mogadorianas na pista de

pouso mais próxima. O acampamento mogadoriano em frente do templo

está exatamente do jeito que deixamos – uma bagunça. Os mogadorianos

que estavam tentando entrar no Santuário desmataram a área em círculo ao

redor do templo, chegando o mais perto que a energia do escudo do

Santuário permitira.

E só após atravessarmos a videira que cresceu sobre a terra chamuscada

exatamente em frente do templo do acampamento mogadoriano que

percebo que o campo de força se foi. A barreira mortal que protegeu o

Santuário por anos não existe mais.

— O campo de força deve ter sido desativado enquanto estávamos lá

dentro — eu digo.

— Talvez ele não precise mais ser protegido agora — Adam sugere.

— Ou talvez a Entidade tenha desviado seu poder para outro lugar —

Marina responde. Ela pausa por um momento, pensando. — Quando beijei

Oito... eu senti. Por um breve momento, eu fiz parte da energia da Entidade.

Ela estava se espalhando para todos os lugares da Terra. Para onde quer que

a energia lórica tenha ido, está espalhada. Talvez ela não possa ativar suas

defesas aqui.

Adam lança um olhar para mim, como se eu devesse ser capaz de

explicar o que Marina disse.

— O que você quer dizer com “se espalhando para todos os lugares da

Terra”? — pergunto.

Page 21: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

19

— Eu não sei como explicar de uma forma mais clara — Marina diz,

olhando para o templo, agora metade em sobra com a luz do sol poente. —

Foi como se eu fosse igual a Lorien. E estávamos em todos os lugares.

— Interessante — Adam responde, observando o templo e então

olhando para o chão abaixo de seus pés, com uma mistura de cuidado e

temor. — Para onde você acha que foi? Seus Legados estão...?

— Eu não sinto nada diferente — eu digo.

— Eu também não — Marina concorda. — Mas alguma coisa mudou.

Lorien está por aí agora. Na Terra.

Não é definitivamente o resultado que eu estava esperando, mas Marina

parece ter tanta certeza sobre isso. Eu não quero ser a chuva e estragar a

festa dela.

— Acho que veremos se alguma coisa mudou quando voltarmos para a

civilização. Talvez a Entidade esteja lá chutando alguns traseiros.

Marina olha para o templo.

— Deveríamos deixá-lo assim? Sem proteção?

— O que sobrou para ser protegido? — Adam pergunta.

— Ainda há um pouco da, uh, da entidade aqui — Marina responde. —

Mesmo agora, acho que o Santuário ainda é uma maneira de... eu não sei, ao

certo. Entrar em contato com Lorien?

— Não temos outra escolha. Os outros vão precisar de nós.

— Espere um segundo — Adam diz, olhando em volta. — Onde está

Areal?

Com tudo o que aconteceu dentro do Santuário, esqueci

completamente do Chimæra que deixamos do lado de fora para ficar de

guarda. Não há sinal do lobo em lugar algum.

— Poderia ele ter ido mata adentro atrás daquela mulher mog? —

Marina pergunta.

— Phiri Dun-Ra — Adam corrige, nomeando a nascida naturalmente que

sobreviveu ao nosso ataque. — Ele não iria atrás dela sozinho assim.

— Talvez a luz do Santuário o tenha assustado — sugiro.

Adam franze a testa, então põe as mãos em concha ao lado da boca.

— Areal! Venha, Areal!

Ele e Marina começam a procurar por qualquer sinal do Chimæra. Subo

no Skimmer para ter uma visão melhor dos arredores.

Daqui de cima, algo chama minha atenção. Uma silhueta cinza se

contorcendo debaixo de um tronco podre perto da entrada da floresta.

— O que é aquilo? — eu grito, apontando para lá.

Page 22: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

20

Adam corre em direção, com Marina logo atrás. Um momento depois,

Adam traz a pequena forma em minha direção, com uma expressão

preocupada.

— É o Areal — Adam diz. — Quer dizer, eu acho que é.

Adam segura um pássaro cinza em suas mãos. Está vivo, mas seu corpo

está duro e contorcido, como se tivesse sofrido um ataque de choque elétrico

e nunca se recuperado dos espasmos. Suas asas se sobressaem em ângulos

estranhos e seu bico está meio aberto, congelado. Embora isso não seja nada

parecido com o lobo poderoso que deixamos para trás há algum tempo, há

uma característica que imediatamente reconheço. É Areal, com certeza. Ele

parece mal, seus olhos negros de pássaro vasculham ao redor

freneticamente. Ele está vivo, sua mente está funcionando, mas seu corpo

não está respondendo.

— Que diabos aconteceu com ele? — pergunto.

— Eu não sei — Adam diz, e por um momento acho que vejo lágrimas

em seus olhos. Ele se acalma. — Ele parece... ele parece como os outros

Chimæra antes de eu resgatá-los da Ilha Plum. Eles foram usados em

experimentos.

— Está tudo bem Areal, está tudo bem — Marina sussurra.

Ela gentilmente amacia as penas da cabeça dele, tentando acalmá-lo. Ela

usa seu Legado para curar a maioria dos ferimentos que o cobrem, mas o

Legado não liberta Areal da paralisia.

— Não podemos fazer mais nada por ele aqui — eu digo. Eu me sinto

mal, mas precisamos continuar. — Se aquela mog fez isso com ele, ela já foi

há tempos. Vamos apenas voltar e nos encontrar com os outros. Talvez eles

tenham ideias sobre o que podemos fazer.

Adam traz Areal a bordo do Skimmer e o enrola num lençol. Ele tenta

deixar o Chimæra paralisado o mais confortável possível antes de se sentar

atrás dos controles da nave.

Quero entrar em contato com John, descobrir o que está acontecendo

fora da selva mexicana. Puxo o telefone de satélite do bolso e me sento

numa poltrona perto de Adam. Enquanto ele começa a reiniciar a nave, ligo

para John. O telefone toca sem parar. Depois de um minuto, Marina se inclina

para frente e olha para mim.

— Quão preocupados devemos ficar por ele não atender? — ela

pergunta.

— A quantidade normal de preocupação — respondo. Não posso evitar

olhar para meu tornozelo. Sem novas cicatrizes – como se fosse possível não

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21

sentirmos a dor dilacerante. — Pelo menos sabemos que eles ainda estão

vivos.

— Alguma coisa está errada — Adam diz.

— Não podemos saber — respondo rapidamente. — Não é porque ele

não atende o celular uma vez que significa que...

— Não. Eu quero dizer, com a nave.

Quando afasto o celular da orelha, posso ouvir o som estranho que o

motor do Skimmer está emitindo. As luzes do painel na minha frente piscam

erraticamente.

— Pensei que você soubesse como fazer essa coisa funcionar — eu

digo.

Adam franze as sobrancelhas, então bruscamente desliga os botões no

painel, desligando a nave. Abaixo de nós, o motor range e faz um barulho

estridente, como se algo estivesse muito errado.

— Eu sei como funcionar essa coisa, Seis — ele devolve. — Não é erro

meu.

— Desculpe — respondo, observando enquanto ele espera o motor

desligar por completo para religar a nave. O motor – tecnologia mogadoriana

que deveria funcionar em um silêncio mortal – mais uma vez range e faz

barulhos estranhos. — Talvez devêssemos tentar algo além de ligar e

desligar.

— Primeiro Areal, agora isso. Não faz sentido — Adam murmura. — Os

eletrônicos ainda funcionam. Bem, tudo com exceção do diagnóstico

automático, que é exatamente o que nos diria o que há de errado com o

motor.

Eu me levanto e aperto o botão que abre o painel. O domo de vidro se

parte sobre nós.

— Vamos dar uma olhada — eu falo.

Todos saímos do Skimmer. Adam pula para inspecionar a parte de baixo

da nave, mas fico na parte de cima do capô, perto do painel. Eu me pego

olhando para o Santuário, a construção de calcário antiga que agora nada

mais é do que uma sombra. Marina está perto de mim, observando

silenciosamente.

— Você acha que venceremos? — pergunto a ela, sem tempo de evitar a

pergunta. Não tenho nem certeza se quero uma resposta.

Marina não diz nada por algum tempo. Depois, ela põe sua cabeça em

meus ombros.

— Eu acho que estamos mais perto de vencer hoje do que estivemos

ontem.

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22

— Eu queria poder ter certeza de que ter vindo aqui valeu a pena — eu

digo, apertando o telefone-satélite, desejando que ele toque.

— Você precisa ter fé — Marina responde. — Estou lhe dizendo, Seis, a

Entidade fez alguma coisa...

Tento acreditar nas palavras de Marina, mas tudo em que consigo

pensar são os aspectos práticos. Eu me pergunto se a inundação de energia

lórica do Santuário foi o que acabou com nossa nave, em primeiro lugar.

Ou talvez tenha uma explicação mais simples.

— Ei, gente? — Adam chama debaixo da nave. — Acho que vocês

deveriam ver isso.

Desço para a parte de baixo do Skimmer, Marina logo atrás de mim. Nós

encontramos Adam encravado entre as escoras metálicas do trem de pouso,

um painel dobrado debaixo do ventre blindado da nave no chão a seus pés.

— Esse é o nosso problema? — pergunto.

— Isso já era — Adam explica, chutando a peça desalojada. — E olhem

para isso...

Adam gesticula para que eu me aproxime, então sigo até estar ao seu

lado, tento uma visão interna dos motores da nossa nave. O motor do

Skimmer poderia provavelmente caber dentro do capô de uma caminhonete,

porém é mais complicado do que qualquer coisa já construída na Terra. Ao

invés de pistões ou engrenagens, o motor é composto por uma série de

esferas sobrepostas. Elas giram com pouca frequência enquanto Adam as

empurras inutilmente contra a ponta dos cabos expostos que seguem mais

profundamente para baixo da nave.

— Veja, os sistemas elétricos estão intactos — Adam diz, sacudindo os

cabos. — É por isso que ainda temos um pouco de energia. Mas só isso não é

o suficiente para fazer com que a propulsão antigravidade funcione. Esses

rotores centrífugos aqui? — ele aponta para as esferas sobrepostas. — São

elas que nos tiram do chão. A coisa é, elas também estão intactas.

— Então você está me dizendo que o Skimmer deveria estar

funcionando? — pergunto, enquanto olho para os motores.

— Deveria — Adam confirma, mas então ele gesticula para um ponto

vazio entre os rotores e os fios. — Com exceção disso, está vendo?

— Eu não tenho ideia do que diabos estou olhando, cara — eu digo. —

Está quebrado?

— Há um conduíte faltando — ele explica. — É ele que transfere a

energia gerada pelos motores para o resto da nave.

— E você está me dizendo que ele não caiu da nave.

— Obviamente que não.

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23

Dou alguns passos para longe dos motores do Skimmer e observo os

arredores perto das árvores em busca de qualquer movimento. Nós já

matamos todos os mogs que estavam tentando entrar no Santuário.

Todos, com exceção de uma.

— Phiri Dun-Ra — eu digo, lembrando que ela ainda está por aí.

Estávamos tão focados em entrar no Santuário para nos incomodarmos

com ela antes, e agora...

— Ela nos sabotou — Adam concorda, chegando à mesma conclusão

que eu.

Phiri Dun-Ra fez uma encenação até que boa com Adam quando

chegamos, e estava preste a fritar o rosto dele no campo de força do

Santuário antes de atacarmos. Ele ainda parece bem assustado com isso.

— Ela tirou Areal do caminho e então veio até aqui. Deveríamos tê-la

matado.

— Ainda dá tempo — eu digo, franzindo a testa.

Não vejo nada nas árvores, mas isso não significa que Phiri Dun-Ra não

esteja lá nos observando.

— Não poderíamos substituir essa parte com uma de outro Skimmer? —

Marina pergunta, gesticulando para a dúzia de outras naves mogadorianas

espalhadas pelo local.

Adam grunhe e sai do Skimmer. Ele segue até a nave mais próxima, sua

mão esquerda segurando um canhão mogadoriano que ele pegou de um dos

soldados que matamos.

— Aposto que essas naves têm peças e painéis que são exatamente

como os nossos — Adam murmura. — Pelo menos espero que ela tenha

machucado as mãos.

Eu me lembro das mãos enfaixadas de Phiri Dun-Ra, queimadas por

terem entrado em contato com o campo de força do Santuário. Nós

deveríamos ter imaginado isso e não ter deixado ninguém vivo. Mesmo antes

de Adam chegar perto da nave, tenho um mal pressentimento.

Adam se abaixa embaixo da nave, examinando-a. Ele suspira e olha para

mim antes de gentilmente dar uma cotovelada no casco da nave sob ele. O

painel do motor cai como se nunca tivesse estado preso.

— Ela está brincando com a gente — ele diz, sua voz num tom baixo,

porém grave. — Poderia ter atirado em nós quando saímos do Santuário.

Porém, ela quer nos manter aqui.

— Ela sabe que não pode nos vencer sozinha — eu falo, levantando

meu tom de voz um pouquinho, pensando que talvez Phiri Dun-Ra possa

morder a isca e sair do esconderijo.

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24

— Ela removeu essas partes, certo? — Marina pergunta. — Não as

destruiu?

— Não, parece que ela apenas as pegou — Adam responde. —

Provavelmente não quer ser responsável por destruir um monte de naves

além de já ter perdido seu esquadrão. Contudo, nos manter aqui por tempo

suficiente até o reforço chegar para nos capturar e nos matar provavelmente

vai lhe dar um passe VIP até o seu Adorado Líder.

— Ninguém vai ser capturado nem morto — eu digo. — Com exceção

de Phiri Dun-Ra.

— Há outra maneira de fazer com que nossa nave decole? — Marina

pergunta a Adam. — Você poderia... eu não sei? Improvisar alguma coisa?

Adam coça sua nuca, olhando para as outras naves.

— Suponho que seja possível. Depende do que podemos conseguir

juntar. Eu posso tentar, mas não sou um mecânico.

— Isso é um começo — eu digo, olhando para o céu para ver quanto da

luz do dia ainda nos resta. Não muito. — Ou, podemos entrar naquela

floresta, caçar Phiri Dun-Ra e recuperar nossa peça.

Adam assente.

— Eu prefiro esse plano.

Olho para Marina.

— E você?

Eu nem tenho que perguntar. O suor em meu braço formiga – ela está

irradiando a aura gelada.

— Vamos caçar — Marina diz.

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Capítulo três

SOB CONDIÇÕES IDEAIS, A CAMINHADA ATÉ A UNION SQUARE DEVERIA

DEMORAR cerca de quarenta minutos. Fica a apenas dois quilômetros daqui.

Mas estas são de longe condições não-ideais. Sam e eu estamos voltando pelos

mesmos quarteirões os quais passamos à tarde lutando contra os mogs. Indo de

volta para o local onde a presença mogadoriana é mais forte.

Com sorte, Nove e Cinco ainda não terão se matado quando chegarmos lá.

Vamos precisar deles se quisermos ter um pouco de esperança em vencer essa

guerra.

De ambos.

Sam e eu seguimos pelas sombras. Alguns bairros ainda têm eletricidade,

então os postes das ruas estão acesos, brilhando como se fosse um fim de tarde

comum numa cidade grande, como se as ruas não estivessem cheias de carros

capotados e rachaduras no pavimento. Nós evitamos esses bairros, pois

sabemos que será mais fácil para os mogadorianos nos encontrarem.

Passamos por onde deveria ser Chinatown. Parece que um tornado atingiu

aqui. As calçadas estão intransitáveis em um dos lados, um bairro inteiro com

prédios que desmoronaram. Há centenas de peixes mortos no meio da rua.

Temos que abrir caminho cuidadosamente através dos obstáculos.

No meio do caminho, ainda havia pessoas perto destes bairros. O DPNY

estava tentando conseguir uma evacuação organizada, mas a maioria fugia

desesperadamente, apenas tentando ficar à frente dos esquadrões

mogadorianos que pareciam ter a mesma probabilidade de assassinar as

pessoas ou levá-las como prisioneiras. Todos estavam em pânico e em estado

de choque frente à sua terrível realidade. Sam e eu recolhemos os retardatários,

aqueles que não conseguiram fugir a tempo, ou aqueles grupos que foram

separados pelas patrulhas mogadorianas. Havia muito deles. Agora, depois de

dez quarteirões, não vimos mais nenhuma alma viva. Talvez a maioria das

pessoas na parte baixa de Manhattan tenha conseguido fugir para a Ponte do

Brooklyn – isso se os mogs não estiverem atacando lá nesse momento.

De qualquer forma, descobri de que as pessoas que conseguiram

sobreviver até o fim do dia são espertas o suficiente para passar a noite

escondidas.

Enquanto seguimos para o próximo quarteirão desolado, Sam e eu

contornamos cuidadosamente uma ambulância abandonada, onde escuto

sussurros vindos de um beco próximo. Coloco minha mão nos braços de Sam e,

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quando paramos de andar, o barulho cessa. Posso dizer que estávamos sendo

observados.

— O que foi? — Sam pergunta, com a voz num tom baixo.

— Há alguém lá.

Sam semicerra os olhos para a escuridão.

— Vamos continuar — ele diz depois de alguns segundos. — Eles não

querem nossa ajuda.

É difícil para mim deixar alguém para trás. Mas Sam tem razão – quem

quer que esteja lá, está perfeitamente bem escondido, e nós estaríamos

colocando-os em um perigo maior se os levássemos conosco.

Cinco minutos depois, nós viramos uma esquina e vemos nossa primeira

patrulha mogadoriana da noite.

Os mogs estão no lado oposto do quarteirão, então temos um espaço

seguro para observá-los. Há doze soldados, todos carregando canhões. Sobre

eles, um Skimmer está zumbindo, varrendo a rua com um holofote de luz preso

sob a nave. A patrulha se move metodicamente pelo quarteirão, um grupo de

quatro soldados periodicamente se separando dos outros para entrar nos

apartamentos escuros dos prédios.

Eu os observo nessa rotina por duas vezes, e em ambas suspiro aliviado

quando os soldados retornam sem prisioneiros. O que aconteceria se os mogs

encontrassem um humano em algum destes prédios e o arrastasse aos berros

pela rua? Eu não poderia deixar isso acontecer, certo? Eu teria que lutar. E o

que aconteceria depois que Sam e eu seguíssemos nosso caminho? Eles são

predadores. Se os deixarmos vivos, eventualmente encontrarão outra presa.

Enquanto considero isso, Sam me cutuca, apontando para um beco

próximo que irá nos ajudar a evitar os mogs.

— Vamos — ele fala quase sem fazer som. — Antes que eles cheguem

perto demais.

Fico enraizado no lugar, considerando nossa sorte. Há apenas doze deles,

mais a nave. Eu já lutei com grupos maiores antes e ganhei.

Porém, ainda estou cansado da tarde que passamos batalhando sem

intervalos, mas teríamos o elemento surpresa do nosso lado. Eu poderia

derrubar o Skimmer antes mesmo de eles perceberem que estão sob ataque, e

o resto cairia facilmente.

— Nós podemos contra eles.

— John, está maluco? — Sam pergunta, segurando meu ombro. — Não

podemos lutar contra cada mogadoriano que está em Nova York.

— Mas podemos lutar contra esses aqui — respondo. — Estou me

sentindo melhor agora, e se alguma coisa der errado, posso nos curar depois.

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— Presumindo que não iremos, você sabe, levar um tiro na cara e morrer.

De batalha em batalha, nos curar logo depois – por quanto tempo acha que

pode fazer isso?

— Eu não sei.

— Há muito deles. Temos que escolher nossas batalhas.

— Você está certo — admito de má vontade.

Nós seguimos em direção do beco, pulamos uma cerca de metal e

emergimos no quarteirão vizinho, deixando a patrulha mogadoriana com sua

caçada.

Logicamente, sei que Sam está certo. Eu não deveria gastar meu tempo

com uma dúzia de mogs enquanto há uma guerra maior para ser vencida.

Depois de um dia exaustivo, eu deveria estar conservando minhas forças. Sei

que tudo isso é verdade. Mesmo assim, não posso evitar me sentir um covarde

por evitar as batalhas.

Sam aponta para uma placa que marca a 1st Street com a Segunda

Avenida.

— Ruas numeradas. Estamos chegando mais perto.

— Eles estavam lutando perto da 14th Street, mas isso foi há pelo menos

uma hora. Pela forma que estava acontecendo, eles podem ter ido para

qualquer direção a partir de lá.

— Então vamos manter nossos ouvidos atentos para explosões e

xingamentos criativos — Sam sugere.

Nós andamos apenas alguns quarteirões antes de encontrarmos nossa

segunda patrulha de mogs da noite. Sam e eu nos escondemos atrás de um

caminhão de entregas, carrinhos abandonados com pães assados

recentemente. Movo minha cabeça em direção à frente do caminhão, para

observar. Mais uma vez, há doze soldados com um Skimmer ajudando-os.

Porém, esse grupo se comporta diferentemente do último. A nave está

flutuando, estabilizada, com seu holofote direcionado para uma janela

estilhaçada de um banco. Todos os mogs do lado de fora têm seus canhões

apontados para o prédio. Alguma coisa os assustou.

Reconto as cabeças pálidas que estão olhando para a luz do holofote.

Onze. Apenas onze onde definitivamente havia doze. Será que algum deles

virou cinzas sem que eu notasse?

— Vamos — Sam diz cautelosamente, provavelmente pensando que estou

querendo arrumar briga mais uma vez. — Deveríamos ir enquanto eles estão

distraídos.

— Espere um pouco. Algo está acontecendo aqui.

Page 30: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

28

Enquanto os outros dão cobertura, dois mogs seguem em direção ao

banco. Eles estão indo devagar, com as armas apontadas, procurando por

alguma coisa além da luz do Skimmer.

Quando alcançam o limiar do banco, ambos os mogs têm suas armas

arrancadas das mãos e jogadas para longe. O esquadrão inteiro pausa,

congelado, frisado por esse acontecimento.

É telecinesia. Alguém acabou de desarmar os mogs com um Legado.

Olho com surpresa para Sam.

— Nove ou Cinco — eu digo. — Eles estão encurralados.

Voltando para a realidade, o resto dos mogs abre fogo sobre a escuridão

do banco. Os dois soldados desarmados são erguidos do chão, mais uma vez por

telecinesia, e usados como escudo. Eles se desintegram em cinzas na enxurrada

de tiros do seu esquadrão. Então uma mesa sai voando de dentro do banco.

Dois mogs são atingidos pela mobília, e os outros correm para procurar abrigo.

Enquanto isso, o Skimmer é levado para mais perto da rua, suas armas sendo

ativadas, ansiosas para um tiro em direção ao interior do banco.

— Eu fico com a nave, você com os soldados — eu digo.

— Então vamos — Sam diz, assentindo. — Só espero que não seja o Cinco

encurralado lá.

Salto detrás da caminhonete e corro em direção à ação, acendendo meu

Lúmen enquanto sigo. As terminações nervosas de minhas mãos parecem estar

fritas. Posso realmente sentir o calor do meu próprio Lúmen, como se eu

estivesse passando minha mão sobre a chama de uma vela. A dor é suportável,

claramente um efeito colateral pelo esforço excessivo de hoje. Eu aguento

firme, rapidamente lançando uma bola de fogo no Skimmer. Meu primeiro

ataque explode o holofote, escurecendo a rua. A nave perde o controle assim

que descarrega sua arma no banco, com a explosão mais forte criando

rachaduras na parede de tijolos do prédio. Com a arma principal distraída,

espero ver Nove sair de dentro do banco e se juntar à luta.

Ninguém aparece. Talvez o Garde lá dentro esteja ferido.

Depois de um longo dia lutando entre si e contra os mogs, eles

provavelmente estão mais desgastados do que eu.

Ouço um chiado de eletricidade atrás de mim – Sam está usando sua arma

– e observo enquanto os dois mogs mais próximos são explodidos em cinzas.

Nos vendo chegar por trás, um dos mogs tenta se abaixar atrás de um carro

estacionado. Sam o arranca da proteção com sua nova telecinesia e acaba com

ele.

Um dos outros mogs grita uma explosão de palavras irritantes em

mogadoriano num comunicador. Provavelmente pedindo reforço pelo rádio.

Page 31: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

29

Entregando nossa localização – isso não é bom.

Subo no teto de um SUV estacionado convenientemente abaixo do

Skimmer. No meu caminho, arremesso uma bola de fogo no mogadoriano que

está com o comunicador. Ele é engolido pelas chamas e logo não é nada mais do

que um monte de cinzas envolto em engrenagens derretidas. Mesmo assim, o

dano está feito. Eles sabem que estamos aqui. Precisamos sair daqui depressa.

Salto do teto do SUV, criando uma enorme cavidade no metal com minha

força. Ao mesmo tempo, acerto o Skimmer com um soco telecinético. Não

tenho o poder para derrubar a nave, mas eu a acerto com força suficiente, de

modo que um dos lados da nave em forma de pires se inclina para baixo, na

minha direção. Subo direto em cima da coisa, dois pilotos mogadorianos me

encarando em estado de choque.

Há algumas semanas, teria sido bom ver dois mogs com medo. Eu até teria

dito alguma coisa engraçada, pegando emprestado algumas do livro de piadas

do Nove antes de matá-los. Mas agora – depois do terror que eles

desencadearam em Nova York – não perco o meu fôlego para isso.

Arranco a porta da cabine, soltando-a de suas dobradiças e arremessando-

a para a noite. Os mogs tentam se soltar dos cintos em seus assentos, tateando

por seus canhões. Antes que eles possam fazer qualquer coisa, libero um

exaustor, que solta um fogo branco muito quente. O Skimmer imediatamente

começa a ficar fora do controle.

Pulo da nave, caindo com força na calçada abaixo, minhas pernas cansadas

mal conseguindo me suportar. O Skimmer se choca contra uma loja do outro

lado da rua e explode, fumaça preta ascendendo para fora da janela quebrada

da loja.

Sam corre até mim, sua arma apontada para o chão. O resto da área está

limpa em relação aos mogs. Por enquanto.

— Derrubamos doze, e tipo, ainda falta uns cem mil — Sam fala

secamente.

— Um deles conseguiu se comunicar com os outros. Precisamos ir — digo

a Sam, mas enquanto falo, sinto a luz da outra nave acima de nós mais uma vez.

A adrenalina da batalha se foi, minha fadiga voltou. Eu tenho que me apoiar nos

ombros de Sam por um minuto, para que eu possa me orientar.

— Ninguém saiu do banco — Sam diz. — Não acho que seja Nove lá. A

menos que ele esteja ferido, está tudo muito quieto.

— Cinco — eu resmungo, me movendo cautelosamente em direção à

entrada explodida do banco. Eu não tenho certeza se posso aguentar uma briga

com ele agora. Minha única esperança é que Nove tenha feito um bom trabalho

com ele.

Page 32: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

30

— Lá — Sam diz, apontando para a entrada escura.

Alguém está se movimentando ali. Quem quer que seja, parece ter se

escondido atrás de um sofá durante a batalha toda.

— Ei, está tudo limpo aqui — eu falo em direção ao banco, rangendo meus

dentes enquanto ilumino o interior com meu Lúmen. — Nove? Cinco?

Não é alguém da Garde que cautelosamente dá um passo em direção ao

meu raio de luz. É uma garota. Ela provavelmente tem a nossa idade, é alguns

centímetros mais baixa que eu, com um corpo magro de velocista. Seu cabelo

está amarrado para trás em tranças. Suas roupas estão desgastadas devido à

batalha ou ao caos geral, mas além disso, ela parece ilesa. Pendurada atrás do

ombro esquerdo da garota há uma mochila que parece pesada. Ela olha de Sam

para mim com olhos castanhos arregalados, eventualmente focando na luz

brilhante da palma da minha mão.

— Você é ele — a garota diz, dando um passo à frente. — Você é o garoto

da TV.

Agora que a garota está perto o suficiente para vê-la, apago meu Lúmen.

Não quero iluminar nossa localização para os reforços mogadorianos que estão

a caminho.

— Eu sou John — digo a ela.

— John Smith. É, eu sei — a garota responde, assentindo exageradamente.

— Eu sou Daniela. Você realmente acabou com aqueles alienígenas infernais.

— Ahn, obrigado.

— Havia alguém lá dentro com você? — Sam interrompe, esticando seu

pescoço para olhá-la. — Um cara com raivoso problemático que tem hábito de

tirar a camisa? Um caolho bruto?

Daniela vira sua cabeça para Sam, franzindo as sobrancelhas.

— Não. O quê? Por quê?

— Pensamos ter visto alguém atacar aqueles mogs com telecinesia —

explico, olhando para Daniela mais uma vez, sentindo igualmente curiosidade e

cuidado. Já fomos enganados por aliados potenciais antes.

— Você quer dizer isso? — Daniela estica sua mão e um dos canhões que

antes pertenceu a um dos mogs mortos flutua até ela. Ela o segura e o apoia até

o ombro que não está apoiando a mochila. — Uh-huh. Isso é novo para mim.

— Eu não sou o único — Sam diz, olhando para mim com os olhos

arregalados.

Minha mente está trabalhando com as possibilidades tão rápido que fico

mudo. Posso não ter entendido o motivo, mas Sam desenvolver Legados fez

sentido para mim até certo ponto. Ele passou tanto tempo com nós da Garde,

fez tanto para nos ajudar – se qualquer humano fosse desenvolver Legados,

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31

teria de ser ele. As horas desde que a invasão começou foram tão loucas que

realmente não tive tempo para pensar mais sobre isso. Não precisei, na

verdade. Sam com Legados pareceu tão lógico.

Quando imaginei outros humanos ao lado de Sam desenvolvendo Legados,

eu estava pensando nas pessoas que conhecemos, pessoas que nos ajudaram.

Pensei em Sarah, na maior parte do tempo. Definitivamente não em uma garota

aleatória. Essa garota, porém, Daniela, ter desenvolvido um Legado significa

algo muito maior do que eu imaginei que havia acontecido.

Quem é ela? Por que ela desenvolveu Legados? Há quantos mais iguais a

ela por aí?

Enquanto isso, Daniela está olhando para nós com aquele olhar

novamente.

— Então, hum, posso perguntar por que você me escolheu?

— Te escolhi?

— É, para me tornar uma mutante — Daniela explica. — Eu não podia

fazer essa droga até hoje quando você e os caras pálidos...

— Mogadorianos — corrige Sam.

— Eu não podia mover as coisas com a mente até você e os modagorianos

aparecerem — Daniela termina. — O que há, cara? Nenhuma das outras

pessoas que vi por aí tinha poderes.

Sam pigarreia e levanta sua mão, mas Daniela o ignora. Ela está no meio

de uma encenação agora.

— Eu sou radioativa? O que mais posso fazer? Você tem essas luzes

brilhantes que acendem na sua mão. Eu vou ser capaz de fazer isso também?

Por que eu? Responda a última primeiro.

— Eu... — coço a minha nuca, oprimido. — Não tenho a menor ideia

porque aconteceu com você.

— Oh — Daniela franze a testa, olhando para o chão.

— John, não deveríamos ir?

Assinto quando Sam me lembra do pendente reforço mogadoriano. Já

estamos aqui parados e conversando por muito tempo.

Diante de mim – bem na minha frente, no caso – está... o que,

exatamente? Novos membros da Garde? Humanos. Não se parece com nada do

que já contemplei. Preciso me concentrar e raciocinar sobre o

novo status rapidamente, porque se houver mais humanos Gardes por aí, eles

vão precisar de ajuda. E com todos os Cêpans mortos...

Bom, assim resta nós. Os lorienos.

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32

Primeiramente, tenho que ter certeza de que Daniela vai ficar conosco.

Preciso de tempo para falar com ela, para tentar descobrir o que exatamente

desencadeou o seu Legado.

— Não é seguro aqui, você deveria vir conosco — eu digo a ela.

Daniela olha em volta, para a destruição que nos rodeia.

— Será seguro onde quer que você esteja indo?

— Não. Óbvio que não.

— O que John quer dizer é que esse bairro em particular vai estar cheio de

mogadorianos a qualquer minuto — Sam explica.

Ele começa a se afastar do banco, tentando ser um exemplo. Daniela não o

segue, então eu também não.

— Seu companheiro está nervoso — Daniela observa.

— Meu nome é Sam.

— Você é um cara nervoso, Sam — Daniela responde, com uma mão na

cintura. Ela começou a me olhar novamente, dos pés à cabeça. — Se mais

daqueles alienígenas aparecerem, por que você não simplesmente explode o

traseiro deles?

— Eu... — eu me vejo reciclando a lógica do escolha-sua-batalha que me

fez arrepiar todo quando Sam a usou comigo. — Há muito deles para

continuarmos lutando. Você pode não perceber e nem sentir agora porque

acabou de começar a usá-los, mas nosso Legados não têm uma fonte ilimitada.

Você pode abusar, ficar cansada, e então não seremos bons para ninguém.

— Conselho bom — Daniela diz. Ela continua enraizada no lugar. — Que

pena que você não pôde responder nenhuma das minhas perguntas.

— Olhe, eu não sei o motivo pelo qual você desenvolveu Legados, mas é

um acontecimento incrível. Uma coisa boa. Talvez seja seu destino. Você pode

nos ajudar a vencer esta guerra.

Daniela bufa.

— Sério cara? Eu não estou lutando em guerra alguma, John Smith de

Marte. Estou tentando sobreviver aqui fora. Isso é a América, mano. O Exército

vai cuidar do traseiro pálido desses alienígenas. Eles vão cuidar de tudo e

pronto.

Balanço minha cabeça em descrença. Realmente não há tempo para

explicar para Daniela tudo o que ela precisa saber sobre os mogadorianos –

sobre a tecnologia superior deles, suas infiltrações no governo da Terra, sua

fonte inesgotável de soldados nascidos artificialmente e monstros. Nunca tive

que explicar essas coisas para os outros membros da Garde. Nós sempre

soubemos disso, fomos criados entendendo nossa missão na Terra. Mas Daniela

e os outros novos membros da Garde que podem estar andando

Page 35: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

33

desorientadamente por aí... e se eles não estiverem prontos para lutar? Ou não

quiserem?

Uma explosão sacode o chão abaixo de nós. Ela emana de alguns

quarteirões de distância, mas ainda assim é poderosa o suficiente para disparar

o alarme dos carros e ranger meus dentes. Uma cortina fina de fumaça mais

escura que o céu noturno aparece em nosso campo de visão do norte. Parece

que um prédio acabou de desmoronar.

— Falando sério — Sam diz. — Alguma coisa está vindo em nossa direção.

Outra explosão, mais perto, confirma as suspeitas de Sam. Eu me viro

desesperadamente para Daniela.

— Podemos ajudar uns aos outros. Temos que fazer isso, ou não

sobreviveremos — eu digo, pensando não apenas em nós três, mas nos outros

humanos e lorienos. — Estamos procurando nosso amigo. Assim que o

encontrarmos, vamos sair de Manhattan. Ouvimos que o governo estabeleceu

uma zona segura perto da Ponte do Brooklyn. Seguiremos para lá e...

Daniela acaba com meu plano, parando na minha frente. Seu tom de voz

aumentou, e eu sinto sua telecinesia contra meu peito, como se fosse seu dedo

indicador.

— Meu padrasto foi torrado por uma daquelas escórias pálidas e agora

estou procurando pela minha mãe, garoto extraterrestre. Ela trabalhava aqui

perto. Você está dizendo que eu deveria largar tudo e me juntar ao seu exército

de duas pessoas, correr pela minha cidade que serviu de cenário e foi

explodida? Você está dizendo que o amigo que está procurando é mais

importante do que minha mãe?

Mais uma explosão. Só que ainda mais perto. Eu não tenho ideia do que

dizer para Daniela. Que sim, salvar a Terra é mais importante do que salvar a

mãe dela? É esse o meu discurso de recrutamento? Eu teria ouvido isso se

alguém me dissesse com relação a Henri ou Sarah?

— Ah meu Deus — Sam diz, desesperado. — Podemos pelo menos

concordar em correr na mesma direção?

E é então que o reforço mogadoriano chega. Não é apenas um esquadrão

de Skimmers ou soldados que vieram nos matar.

É Anubis.

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34

Capítulo quatro

A NAVE DE GUERRA MASSIVA, MAIOR QUE UM PORTA-AVIÕES, TORNA-SE

VISÍVEL NO céu noturno quando ainda está a mais ou menos cinco quarteirões

de distância. Ela se arrasta devagar através da fumaça árida que causou com

seus recentes bombardeamentos. Sam e eu conseguimos nos manter à frente

da Anubis mais cedo durante a tarde, lutando pelo caminho rumo ao sul

enquanto ela lentamente rondava o céu para o oeste. Mas agora, aqui está ela,

assombrando a avenida, na direção da Union Square.

Cerro meus punhos. Setrákus Ra e Ella estão a bordo da Anubis. Se eu

apenas conseguisse chegar lá, talvez pudesse lutar pelo caminho até chegar ao

líder mogadoriano. Talvez eu pudesse matá-lo desta vez.

Sam para do meu lado.

— No que quer que esteja pensando, é uma má ideia. Precisamos correr,

John.

Como se para pontuar a declaração de Sam, uma bola escaldante de

energia elétrica se forma no enorme canhão montado no casco da Anubis. É

como uma miniatura do sol se formando dentro do cano, e por um momento

ela ilumina os bairros com uma cor azul fantasmagórica. Então, com um som

como o de mil canhões mogadorianos sendo utilizados de uma vez, a energia

irrompe de dentro do canhão, cortando através da fachada de um prédio

comercial próximo, a estrutura de vinte andares quase desmoronando

imediatamente.

Uma onda de poeira cai sobre a rua em nossa direção. Tossindo, nós três

cobrimos os olhos para protegê-los. A poeira talvez nos dê cobertura, mas isso

não importa muito quando a nave de guerra tem um canhão que pode demolir

prédios inteiros de uma única vez.

A Anubis arrasta-se pesadamente, se aproximando, já se preparando para

mais um tiro. Não tenho certeza se Setrákus Ra está mirando em pontos de

calor dentro dos edifícios ou se está apenas destruindo as coisas

aleatoriamente, esperando nos atingir. Não importa. A Anubis é como uma

força da natureza e está vindo em nossa direção.

— Para o inferno com isso — ouço Daniela dizer, e então ela começa a se

afastar.

Sam a segue, então eu também, nós três recuando pelo mesmo caminho

que eu e Sam percorremos para chegar aqui. Teremos de encontrar outra

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35

maneira de rastrear o Nove. Se ele ainda estiver nessa área, espero que ele

consiga fugir desse bombardeamento.

— Você sabe onde está indo? — Sam grita para Daniela.

— O quê? Vocês estão me seguindo agora?

— Você conhece a cidade, não é?

Outro prédio explode atrás de nós. A poeira é mais fina desta vez, nos

asfixiando, e minhas costas está sendo bombardeada com pequenos pedaços de

gesso e cimento. As explosões estão muito próximas. Talvez não sejamos

capazes de escapar da próxima.

— Precisamos sair da rua! — eu grito.

— Por aqui! — Daniela grita, enganchando uma curva à esquerda que

momentaneamente nos leva para fora do dilúvio de detritos dos edifícios que

desmoronaram no fim da avenida.

Quando Daniela vira, algo cai pelo zíper quebrado de sua mochila. Por um

curto segundo, meus olhos rastreiam uma nota de cem dólares enquanto ela

flutua através do ar e é rapidamente engolida pela nuvem de poeira de detritos.

Estranho o que você percebe quando está correndo para salvar sua vida.

Espere aí. O que exatamente ela estava fazendo naquele banco quando os

mogs a encurralaram?

Não há tempo para perguntar. Outra explosão atinge a área, essa

definitivamente muito próxima e forte o suficiente para derrubar Sam. Eu o

ajudo a levantar e nós cambaleamos para frente, ambos cobertos de poeira

pegajosa e asfixiante provida dos prédios destruídos. Embora Daniela esteja

apenas a alguns metros à frente, ela é visível apenas como uma silhueta.

— Estou aqui! — ela grita para nós.

Tento iluminar o caminho com meu Lúmen, mas não tem um efeito muito

bom nos fragmentos dos prédios destruídos. Não tenho ideia de para onde

Daniela está nos levando, não até o chão desaparecer debaixo dos meus pés e

eu me ver caindo num buraco no chão.

— Uus! — Sam deixa escapar quando ele cai no chão de concreto perto de

mim.

Daniela está de pé a alguns metros à frente. Minhas mãos e joelhos estão

ralados devido a aterrisagem, mas além disso estou ileso. Olho por cima do

ombro, vendo uma escada escura que rapidamente é coberta com detritos

vindos de cima.

Estamos em uma estação de metrô.

— Um aviso teria caído bem — digo para Daniela.

— Você disse, “para fora das ruas” — ela responde. — Estamos fora das

ruas.

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36

— Você está bem? — pergunto a Sam, ajudando-o a se levantar.

Ele assente, recuperando o fôlego.

A estação de metrô começa a vibrar. As catracas de metal começam a

chacoalhar e mais poeira cai do teto. Mesmo as paredes sendo de concreto,

posso ouvir o rugido poderoso dos motores da nave de guerra. A Anubis deve

estar agora bem acima de nós. Uma luz elétrica azul chove dentro da estação

vindo de fora.

— Vão! — eu grito, empurrando Sam, Daniela já está pulando a catraca.

— Para dentro dos túneis!

O canhão descarrega com um som agudo. Mesmo protegido por camadas

de concreto, eu me arrepio com a eletricidade, meu corpo formigando até os

ossos. A estação treme e, sobre nós, um edifício deixa escapar um grunhido

agudo quando suas colunas de metal se entortam e desmoronam. Eu me viro e

corro, pulando as catracas depois de Sam e Daniela. Olho por sobre o ombro

enquanto o teto começa a ceder, primeiro selando a passagem da escadaria

pela qual acabamos de passar, e depois se espalhando em frente, para dentro

da estação. Ela não vai aguentar por muito tempo.

— Corram! — grito de novo, torcendo para ser ouvindo sobre os rangidos

da arquitetura.

No meio da escuridão do túnel da estação, nós arrancamos. Acendo meu

Lúmen para que possamos ver, minha luz reluzindo nas partes de metal em

ambos lados. Percebo um movimento do meu lado e demora alguns segundos

para perceber que há uma horda de ratos correndo ao nosso lado, também

fugindo do desmoronamento. Em algum lugar aqui embaixo, um cano deve ter

estourado, pois estou correndo com água nos tornozelos.

Com minha audição aguçada, ouço as pedras que nos envolvem grunhindo

e rasgando. O que quer que a Anubis tenha destruído na rua, causou maior

dano para a fundação da cidade. Olho rapidamente para o teto bem a tempo de

ver uma rachadura se espalhar através do concreto, rompendo rapidamente as

paredes cobertas de mofo. É como se estivéssemos tentando desviar dos danos

estruturais.

Não podemos ganhar essa corrida. O túnel irá desabar.

Estou prestes a gritar em aviso quando o túnel se rompe acima de Daniela.

Ela apenas tem tempo de olhar para cima e gritar enquanto um pedaço

desalojado de concreto desaba em sua direção.

Coloco toda a força em minha telecinesia e empurro o concreto para cima.

Eu o impeço de cair. Consegui segurar o pedaço de concreto poucos

centímetros acima da cabeça de Daniela. Faço tanto esforço para segurar o peso

massivo sob a cabeça dela que eu caio de joelhos. Sinto as veias em meu

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pescoço latejarem, suor fresco escorrendo em minhas costas. É como carregar

um tremendo peso quando você já está totalmente exausto. E enquanto isso,

novas pedaços estão se soltando rapidamente da parte quebrada do teto. É

física – o peso tem de ir para algum lugar. E esse lugar vai ser bem acima de nós.

Eu posso aguentar. Não por muito tempo.

Sinto o sangue na minha boca e percebo que estou mordendo meus lábios.

Mal consigo gritar para os outros por ajuda. Se eu mudar um pouco que seja o

foco da minha telecinesia, o peso será muito maior.

Por sorte, Sam percebe o que está acontecendo.

— Temos que segurar o teto! — ele grita para Daniela. — Temos que

ajudá-lo!

Sam para perto de mim e joga suas mãos para cima. Sinto a força de sua

telecinesia se juntar à minha e isso alivia um pouco da pressão. Agora sou capaz

de ficar em pé novamente.

Pelo canto do olho, vejo Daniela hesitar. A verdade é que, se ela correr

agora, comigo e com Sam suportando o túnel, ela provavelmente conseguirá

sair ilesa. Estaríamos ferrados, mas ela conseguiria se salvar.

Mas ela não corre. Ela para do meu outro lado e começa a ajudar. O

concreto no teto protesta e mais rachaduras aparecem nas paredes do túnel. É

um equilíbrio delicado – nossas telecinesias apenas forçam o peso da pedra de

concreto quebrado mudar-se para outro lugar. Não importa o que fizermos,

eventualmente, esse túnel vai desmoronar.

Peso suficiente foi tirado de cima de mim, então sou capaz de falar

novamente. Ignoro a sensação agoniante nos meus músculos, o peso caindo

sobre meus ombros. Sam e Daniela estão segurando, esperando por instruções.

— Andem... recuem — eu consigo grunhir. — Vamos recuar... lentamente.

De ombro a ombro, nos três marchamos lentamente para trás no túnel.

Nós mantemos a pressão telecinética diretamente acima de nós, gradualmente

a soltando das seções em que já passamos com segurança. Logo após, elas

tremem e desabam. Em certo momento, vejo dois carros caindo para dentro do

túnel, rapidamente engolidos pelos outros detritos. A rua acima de nós está se

partindo, porém nós três conseguimos segurá-la.

— Por quanto tempo? — Sam pergunta por entre os dentes.

— Não sei — eu respondo. — Continue.

— Merda — Daniela repete seguidamente, sua voz quase num sussurro.

Posso ver seus braços tremendo. Sam e ela são novatos, não estão

acostumados com telecinesia. Nunca suportei esse peso antes, e eu certamente

não chegaria nem perto de conseguir no meu primeiro dia com Legados. Posso

sentir a força deles se esvaindo, começando a se esgotar.

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38

Eles precisam apenas aguentar por mais alguns metros. Se eles não

conseguirem, estamos mortos.

— Nós vamos conseguir — eu murmuro. — Continuem!

Posso sentir a estação de metrô gradualmente afundar sob meus pés.

Quanto mais longe alcançamos, mais resistente o teto acima de nós fica. Passo a

passo, a contrapressão telecinética que precisamos exercer diminui, até

finalmente chegarmos a uma seção onde o teto está estável.

— Podem soltar — eu digo. — Tudo bem, já podem soltar.

Juntos, nós três soltamos o teto. Há uns dez metros de distância, o último

pedaço do teto que estávamos segurando desmorona no túnel, bloqueando o

caminho por onde viemos. Sobre nós, o túnel range e se estabiliza. Nós três

caímos na água suja do chão do túnel. Sinto literalmente que um peso foi

retirado de cima dos meus ombros. Ouço alguém vomitando próximo a mim e

vejo que é Daniela. Tento me levantar para ajudá-la, mas meu corpo não

coopera. Eu caio de cara na água.

Um segundo depois, as mãos de Sam estão embaixo dos meus braços, me

levantando. Seu rosto está pálido e tenso, como se ele não tivesse mais força.

— Ah cara, ele está morrendo? — Daniela pergunta para Sam.

— Não importa o tanto do teto que estávamos segurando, ele

provavelmente estava suportando quatro vezes mais — Sam responde. — Me

ajude com ele.

Daniela desliza para baixo do meu outro braço. Ela e Sam me levantam e

me arrastam túnel adentro.

— Ele acabou de salvar minha vida — Daniela diz, ainda sem fôlego.

— É, ele meio que faz isso — Sam vira o rosto, e sussurra no meu ouvido.

— John? Pode me ouvir? Você já pode apagar as luzes. Podemos seguir no

escuro por enquanto.

Só então que percebo que ainda estou iluminando o túnel com meu

Lúmen. Por causa da fumaça, ainda estou instintivamente mantendo as luzes

acesas. Tenho de me esforçar para conseguir apagar o Lúmen, para não lutar

contra minha própria exaustão, me permitir ser carregado.

Eu apago. Confio em Sam.

E então já não sinto mais as mãos de Sam e Daniela ao meu redor.

Não posso sentir meus pés sendo arrastados através da fina poça de água

nos túneis da estação de metrô. Todas as minhas dores e cansaço se foram até

eu estar flutuando calmamente através da escuridão.

A voz de uma garota interrompe meu descanso.

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39

— John...

Uma mão fria segura na minha. É delicada e pequena, frágil, mas aperta

com força suficiente para me trazer de volta aos sentidos.

— Abra os olhos, John.

Faço o que ela diz e me encontro deitado numa mesa de operações numa

sala austera, várias máquinas de aparência cirúrgicas arrumadas e espalhadas

ao meu redor. Próximo à minha cabeça há uma máquina que se parece muito

com um aspirador de pó – um tubo de sucção com um bisturi em forma de

dente de tubarão e sua extremidade anexada a um barril cheio de uma

substância preta viscosa. O líquido flutuando dentro da máquina me lembra

daquela coisa que eu limpei das veias do secretário de defesa. Só olhar para ela

faz minha pele formigar. É inerentemente antinatural e mogadoriano.

Isso não está certo. Onde estou? Fomos capturados enquanto eu estava

inconsciente?

Não consigo sentir meus braços nem minhas pernas. E ainda,

estranhamente, não estou em pânico. Por alguma razão, eu não me sinto em

nenhum estado de perigo real. Eu já tive esse tipo de experiência fora-do-corpo

antes.

Estou num sonho, percebo. Mas ele não é meu. Alguém está controlando

isto.

Com algum esforço, consigo virar minha cabeça para a esquerda.

Não há nada diferente nessa direção, com exceção de mais equipamentos

de aparência bizarra – uma mistura equipamentos médicos de metal inoxidável

e máquinas complexas, como aquelas que encontramos em Ashwood Estates.

Na parede mais distante, embora, há uma janela. Um observatório, na verdade.

Estamos no ar, o céu escuro do lado de fora, iluminado apenas pelo fogo na

cidade abaixo.

Estou abordo da Anubis, flutuando sobre a cidade de Nova York.

Prestando atenção em cada detalhe, viro minha cabeça para a direita. Um

grupo de mogadorianos vestidos com aventais de laboratório e usando luvas

esterilizadas se amontoam ao redor de uma mesa de metal exatamente como a

que estou. Há um pequeno corpo na mesa. Um dos mogs segura um tubo de

outro barril com aquele líquido, no processo de injetá-lo no esterno de uma

jovem garota, deitada na mesa.

Ella.

Ela não chora quando a lâmina da mangueira perfura seu peito. Estou

impossibilitado de fazer qualquer coisa enquanto a gosma preta mogadoriana é

lentamente injetada dentro dela.

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40

Eu quero gritar. Antes que eu possa, Ella vira sua cabeça e trava um olhar

comigo.

— John — ela diz, sua voz totalmente calma apesar da cirurgia macabra

que está sendo feita nela. — Levante. Não temos muito tempo.

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41

Capítulo cinco

— NÓS PODEMOS FAZER ISSO, MAS PRIMEIRO PRECISAMOS ENTENDER

COMO A Phiri Dun-Ra pensa — Adam sussurra.

— Você que é o expert na psicologia mogadoriana — respondo,

observando Adam enquanto ele usa um galho quebrado para desenhar um

quadrado na poeira do chão. — Esclareça-nos.

Nós três nos agachamos perto do Skimmer sem vida na faixa de terra

que os mogs usavam como pista de pouso. Está escuro agora, mas os mogs

tinham um monte de lanternas elétricas portáteis para realizar as rondas ao

redor do Santuário. Penso que a Phiri não teve a ideia de roubar as baterias,

então pelo menos nós temos luz. Também há alguns projetores de luz

posicionados no perímetro do templo, mas não os ligamos. Não precisamos

facilitar a espionagem sobre nós para ela.

A mata ao nosso redor parece maior agora que o sol se pôs, o ecoar do

canto dos pássaros foram trocados por som estridente de bilhões de

mosquitos. Bato no meu pescoço onde deles estava tentando me morder.

— Não há dúvida para mim que ela está lá fora, nos observando —

Adam diz. — Todos os soldados da classe dela foram treinados para vigiar.

— É, nós sabemos — eu digo, o olhando torto na escuridão. — Vocês

estiveram nos seguindo durante toda a nossa vida, lembra?

Adam continua, me ignorando.

— Ela provavelmente é capaz de ficar três dias sem dormir. E não vai

ficar no mesmo lugar, estará sempre em movimento. Não haverá um

acampamento ou nada assim para achar. Se nós formos atrás dela, ela vai

mudar de lugar, estando um passo a nossa frente. Ela tem bastante mata

para se esconder. Dito isso, o instinto dela será ficar por perto. Ela quer

manter o controle sobre nós.

Marina faz uma careta para Adam, observando-o desenhar alguns

rabiscos na poeira envolta do quadrado. Então percebo que ele está

desenhando o Santuário e a mata ao seu redor.

— Então nós temos que tirá-la de lá — Marina diz.

— Você sabe um bom jeito de fazer isso? — pergunto.

— Nós damos a ela uma coisa que nenhum mog consegue resistir.

Adam responde, e desenha um “M” na parte oeste da mata. Então, ele

olha para Marina:

— Um Garde vulnerável.

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42

Imediatamente, sinto o ar ao nosso redor ficar mais frio. Marina vai para

frente, chegando perto de Adam, olhando-o ameaçadoramente.

— Eu pareço vulnerável pra você, Adam?

— Com certeza não. Nós só queremos que você pareça assim.

— Uma armadilha — falo, tentando pensar. — Marina, relaxa.

Marina me dá um olhar bravo, mas sinto a sua aura de gelo desaparecer.

— Então — Adam continua. — Primeiro, nós nos separamos.

— Nos separar? — Marina repete. — Você está brincando?!

— Essa é sempre a pior ideia — concordo.

— Nós podemos ir lá e caçá-la. Seis pode ficar invisível. Ela não vai ter

chance.

— Isso poderia levar a noite toda — Adam responde. — Ou mais.

— E esse não é exatamente um bom plano nessa merda de mata —

recordo Marina, me lembrando da nossa jornada nos Everglades.

— Nós nos separamos porque é burrice — Adam explica. — Nós

fazemos parecer que estamos tentando encontrá-la, como se estivéssemos

tentando poupar tempo. Phiri verá isso como uma oportunidade...

Adam desenha três linhas saindo do templo, indo para mata.

— Seis, você vai para leste, eu vou para o sul, Marina, você vai para

oeste — Adam olha para mim. — Quando você contar duzentos passos na

mata, fique invisível. Ela não estará observando-a até esse ponto.

— O que te faz acreditar que ela não vai me atacar? — pergunto. — Eu

posso ser vulnerável.

Marina bufa. Adam balança a cabeça.

— Ela vai ir atrás daquela que possui o Legado de cura primeiro. Tenho

certeza disso.

— Por que seria isso que você faria? — Marina pergunta.

Adam encontra o seus olhos.

— Sim.

Marina e eu trocamos um olhar. Pelo menos Adam está sendo direto

sobre como ele nos caçaria. Estou feliz que ele esteja no nosso lado.

— Acho que isso faz sentido — Marina diz, examinando os desenhos na

terra. De repente ela olha para Adam. — Espera. Você está dizendo que os

mogs sabem que eu posso curar?

— Claro — ele responde. — Qualquer Legado que eles observam nos

arquivos se torna parte de um dossiê. E todos os mogs o estudam. É como a

segunda lição favorita deles depois do Grande Livro.

— Legal — eu digo.

Marina considera isso.

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43

— Eles não devem saber sobre a minha visão noturna. É uma coisa que

eles nunca viram.

Adam olha para ela, tirando os olhos do plano.

— Você tem visão noturna?

Marina assente.

— Se você está certo e Phiri me atacar mesmo, eu provavelmente virei

chegando.

— É — Adam concorda. — É, isso é um bônus.

— Então o que eu faço depois que ficar invisível? — pergunto.

— Você me acha, nós ficamos invisíveis, e então voltamos e seguimos

Marina. Para estarmos lá quando Phiri atacar.

— E se ela atacar antes de vocês chegarem?

Adam sorri.

— Acho que você tenta não matá-la até nós pegarmos os conduítes de

volta.

— Você acha que ela anda com eles por aí? — Marina pergunta.

— Com sorte, ela deve estar carregando — ele responde.

— E se ela não estiver?

— Eu... — Adam olha de Marina para mim, tentando interpretar a nossa

reação. — Há maneiras de fazer as pessoas falarem. Mesmo mogadorianos.

— Nós não torturamos — Marina enfatiza. Mesmo depois de tudo o que

ela já passou, mesmo depois de perder o Oito, ela ainda tem compaixão. Ela

olha para mim, pedindo por ajuda. — Certo, Seis?

— Nós descobriremos na hora — respondo, não quero tomar uma

decisão agora. — Primeiro, vamos pegar essa vadia.

Nós três fazemos um grande encenação para nos separarmos, cada um

carregando uma lanterna. Enquanto entro na mata densa, atravesso heras

grossas e galhos que parecem garras, focando minha audição o máximo que

consigo. Torço para que talvez eu tropece em Phiri, encurtando todo esse

plano que Adam armou, mas não tenho sorte. Eu só tenho sucesso em

ampliar sons incessantes da mata.

À minha esquerda, alguma coisa escura e com um grito denso avisa que

há movimento no seu território. Há tanto movimentos e barulhos aqui, Adam

estava certo, seria praticamente impossível de rastrear Phiri Dun-Ra.

Empurro um arbusto para o lado com muito mais força do que o

necessário. Ele volta e bate no meu ombro. Eu ranjo meus dentes e me

pergunto se eu poderia simplesmente invocar um furacão aqui nessa

estúpida floresta e pegar a Phiri Dun-Ra.

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44

Um mog. Nós estamos aqui atrás de uma estúpida mogadoriana. Isso

deve ser exatamente o que a Phiri queria, nos tirar do jogo quanto sabe-se lá

o que está acontecendo em Nova York. Uma invasão de auto-nível poderia

estar a caminho. Imagino John e Nove tentando lutar com hordas de

mogadorianos, Sam correndo para sobreviver, o mundo todo sendo engolido

por chamas.

É. Precisamos nos apressar.

Antes de nos separarmos indo para a floresta, acendemos as luzes ao

redor do perímetro do Santuário para que sejamos capazes de achar o

caminho de volta. Assim que estou longe o suficiente, onde mal posso ver as

luzes através das árvores, fico invisível. Só para o caso de Phiri Dun-Ra estar

me observando ao invés de Marina, uso a minha telecinesia para flutuar

minha lanterna à minha frente. Espero alguns minutos para ver se alguém

escondido nas sombras vai perseguir a minha lanterna fantasmagórica e,

quando ninguém aparece, penduro a lanterna em um galho e a deixo para

trás.

Estou bem com a minha invisibilidade, tendo desenvolvido um bom

sentido espacial depois de anos de prática. Ainda assim, não é fácil caminhar

sem luz. Pelo menos adquiri experiência na Flórida. Eu vou devagar, olhando

bem por onde piso, me esquivando por baixo dos arbustos. Em um ponto,

tenho o cuidado de passar por cima de uma cascavel, a cobra nem se mexe

enquanto eu passo.

Depois de um tempo, vejo a lanterna de Adam iluminando a mata. Ele

está se movendo devagar de propósito, me esperando. Ele não me escuta

chegar perto. Quando coloco a minha mão na dele, um segundo antes de

torná-lo invisível, eu o escuto prender a respiração e os seus ombros ficarem

tensos.

— Te assustei? — sussurro para ele.

Tiro a lanterna da sua outra mão e com a telecinesia, faço a mesma coisa

que fiz antes com a minha.

— Me surpreendeu, só isso — ele responde baixo. — Vamos.

Nós começamos a ir na direção de Marina. Eu não vou muito rápido no

começo, mas Adam tem um bom equilíbrio e parece estar indo bem. A sua

mão está surpreendente fria e seca ao contrário do ar úmido da floresta, ele

está estável com toda essa situação que não parece estranha para ele. Eu não

consigo conter uma pequena risada.

— O quê? — ele pergunta, sua voz é um sussurro na escuridão.

— É que nunca imaginei que chegaria um ponto em que eu estaria de

mãos dadas com um mogadoriano — respondo.

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45

— Nós somos aliados — Adam responde. — É pela missão.

— É, obrigada por esclarecer isso. Ainda assim, não é estranho para

você?

Adam para.

— Na verdade não.

Ele não diz mais nada. Eu lembro de uma coisa que ele disse enquanto

estávamos voando para o Santuário.

— Quem eu te lembro? — pergunto a ele enquanto subimos com

cuidado num tronco caído.

— O quê?

— No Skimmer, você disse que eu te lembrava alguém.

— Você quer falar disso agora? — ele sussurra de volta.

— Eu estou curiosa — respondo, mantendo um olho a procura do brilho

da lanterna de Marina. Nós ainda não o vimos.

Adam fica quieto por tempo suficiente que me faz pensar que prefere

não falar, como se o seu silêncio fosse uma repreensão por eu não focar na

missão. Estou prestes a dizer a ele que sou completamente capaz de rastrear

um mogadoriano enquanto conversamos, quando ele finalmente me

responde.

— Número Um — ele diz. — É dela que você me lembra.

— Um? A Garde de quem você pegou o Legado?

A sua mão fica tensa na minha, como se ele tivesse que se controlar para

não arrancar a sua mão da minha.

— Ela me deu o Legado dela — ele diz. — Eu não peguei nada.

— Então tá — repondo. — Desculpe. Má escolha de palavras. Eu não

sabia que você a tinha conhecido.

— Nós tivemos um... relacionamento complicado.

— Tipo, você estava liderando os mogs que a perseguiram ou algo

assim?

Ele suspira.

— Não. Depois que ela foi morta, a consciência da Um foi implantada

junto ao meu cérebro. Por um tempo, basicamente, nós dividimos um corpo.

Acho que é por isso que não estou preocupado em segurar a sua mão ou

qualquer outra coisa de adolescente que possa estar te deixando

desconfortável pelo últimos cinco minutos. Eu já fui muito, muito próximo a

um Garde antes.

Agora sou eu que caio em silêncio. Eu nunca conheci a Número Um. Ela

permanece um completo mistério para mim, mais como um conceito. A Um

sem sorte. A primeira a morrer. A primeira a ser morta. E mesmo assim, Adam

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46

tem todo um conhecimento dela. É estranho pensar que um mogadoriano já

se preocupou bem mais com a Número Um do que eu durante toda a minha

vida. Não só isso, parece que ele realmente se importa com ela. Nossa

conversa fica cada vez mais estranha.

— Lá está ela — ele sussurra, acabando com qualquer conversa

estranha quando vemos a lanterna de Marina.

— Bom — Adam diz, parecendo aliviado. — Agora nós a seguimos e

esperamos que Phiri Dun-Ra caia na arm...

Adam é interrompido por um tiro crepitante azul de um canhão,

exatamente na lanterna. Mesmo com o barulho da floresta, consigo escutar o

grito de Marina.

— Droga! Vai!

Solto a mão de Adam e corro através da mata usando a minha

telecinesia para desviar os galhos emaranhados e dos densos arbustos.

Tenho certeza de que levei alguns arranhões pelo caminho, mas isso não

importa. As criaturas fazem barulho ao meu redor com pânico enquanto

passo por seus territórios. Tenho uma boa vantagem sobre Adam, correndo

atrás de mim, pelo caminho que eu estou limpando.

Logo a frente, posso dizer que a lanterna de Marina caiu no chão pelo

jeito que ela lança raios de luz curvados nas árvores retorcidas. Correndo com

toda a minha capacidade, leva menos de um minuto para abrir meu caminho

pela mata. Eu entro na pequena clareira onde a lanterna de Marina está no

chão, no exato momento de ver Marina levando sua mão sobre a queimadura

de um tiro de canhão em seu outro braço. Ela me vê enquanto cura a sua

carne empolada.

— O plano funcionou — Marina diz casualmente.

— Você está machucada — respondo.

— Isso? Ela teve sorte.

Respiro aliviada, então olho para o lado de Marina, onde Phiri Dun-Ra

nos encara de joelhos. Há uma tira de sangue fresco escorrendo através de

suas tatuagens mogadorianas, com as tranças puxadas para trás –

provavelmente foi assim que Marina venceu a luta. Suas mãos e tornozelos

estão presos pelo o que noto serem algemas de gelo. Parece que Marina está

ficando muito boa com seu Legado.

Adam chega à clareira alguns segundos depois de mim. O olhar de Phiri

Dun-Ra fica com mais ódio quando ele aparece.

— Você a pegou — Adam diz, e Marina concorda, até sorrindo um

pouco. — Você está bem?

— Estou — Marina responde. — Agora o que faremos com ela?

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47

— Vocês deveriam me matar — Phiri aumenta a sua voz, cuspindo no

chão a sua frente. — A visão de ver um nascido naturalmente cooperando

com o lixo lorieno ofende os meus olhos, e não desejo mais viver.

— Oi para você também, Phiri — Adam responde, revirando os olhos. —

O que você fez com o meu Chimæra?

Os olhos da Phiri Dun-Ra clareiam.

— Um pequeno truque que aprendi na Ilha Plum com os cientistas e a

frequência de um canhão. O seu animal de estimação morreu? Não tive

tempo de checar o corpo dele.

— Ele sobreviveu. Que azar o seu.

— Nós não vamos te matar — começo a dizer, mas Phiri se joga no chão,

me interrompendo.

— Porque vocês são uns covardes — ela grunhe. — Você quer me

reabilitar como esse ai? Fazer de mim outro animal de estimação

mogadoriano? Isso não vai acontecer.

— Você não me deixou terminar — eu digo, me aproximando dela. —

Nós não vamos te matar ainda.

— Você a revistou? — Adam pergunta a Marina.

— Ela estava carregando só o canhão — Marina responde.

A única coisa que Phiri carrega agora é sua armadura mogadoriana. Mas

não há espaço sequer onde ela possa ter escondido peças de naves.

— Onde estão os conduítes? — pergunto a ela. — Nos devolva e eu farei

a sua morte ser rápida.

Marina me lança um olhar rápido, sua sobrancelha erguida. Eu não quis

responder à essas questões antes, o que nós fazemos com um mogadoriano

capturado e quão longe nós vamos para conseguir o que precisamos?

Tortura. O pensamento me dá ânsia de vômito, especialmente lembrando do

tempo em que eu era umas das pessoas a serem mantidas e torturadas. Sinto

como se estivesse cruzando uma linha, como se fosse algo que eles fariam. É

diferente do que matá-los em batalha, quando eles estão lutando de volta e

tentando nos matar também. Phiri Dun-Ra nos ajuda mais sendo nossa

prisioneira. Mas um mog prisioneiro não nos ajuda e nós precisamos sair da

merda dessa floresta. Eu sei que nós não deveríamos baixar ao nível deles,

mas a nossa situação é de desespero. Quão longe isso vai nos levar?, eu me

pergunto.

— Morra devagar, escória loriena — Phiri diz para mim.

Então, ela não vai fazer isso do jeito fácil.

Antes que eu decidisse o que fazer, Adam passa por mim e dá um tapa

no rosto da Phiri com a parte de trás da sua mão. Ela geme e cambaleia para o

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lado. Phiri está atordoada, percebo. Ela não esperava por isso. Talvez

estivesse contando com a ideia de que eu e Marina não tivéssemos estômago

para tortura. Adam, por outro lado...

— Você esqueceu de com quem está lidando, Phiri Dun-Ra — Adam diz

com os dentes cerrados. Ele se ajoelha na frente dela e a agarra pela gola da

camisa, levantando-a. — Você acha que só porque passei algum tempo com a

Garde que esqueci as nossas técnicas? Você sabe quem era o meu pai. Para o

maior desapontamento dele, as minhas maiores marcas eram sempre nas

áreas de pós-combate. Mas mesmo assim... o General arrumou jeitos de

mudar o meu treinamento. Interrogatórios. Anatomia. Imagine como o

treinamento que ele arrumou era rigoroso. E eu me lembro muito bem.

Adam passa uma de suas mãos pela cabeça de Phiri, enterrando o seu

dedão em um espaço atrás da sua orelha. Ela grita, as suas pernas falham.

Marina dá um passo na direção dos dois mogs, me lançando outro olhar.

Engulo com força e balanço a minha cabeça, fazendo-a parar.

Eu vou deixar o jogo seguir. Para onde ele for.

— Posso não compartilhar da sua ideologia, Phiri Dun-Ra — Adam diz,

aumentando a sua voz para ser ouvido mesmo por sobre os gritos. — Mas

compartilho da biologia. Eu sei onde estão os seus nervos, onde dói mais. E

passarei o resto da noite te cortando em pedacinhos até você implorar para

ser desintegrada.

Adam liberta Phiri da dor, deixando-a cair no chão sujo de novo. Ela está

ofegante, se esforçando para conseguir respirar fundo.

— Ou você pode nos contar onde escondeu os conduítes — Adam fala

calmamente. — Agora.

— Eu nunca vou...

Phiri é interrompida, vacilando quando Adam levanta. Ele de repente

perdeu interesse nela. Ele viu a mesma coisa que eu. O jeito como os olhos de

Phiri se moveram para um arbusto bem fechado na beirada da clareira.

Adam vai até lá, enquanto ela se remexe na sujeira tentando manter os

olhos nele. Em uma rápida inspeção, Adam enfia a sua mão dentro do arbusto

e puxa uma pequena mochila de tecido. Phiri deve ter escondido lá antes de

atacar Marina.

— Ahá! — ele diz, balançando a mochila. Dentro, peças de metal fazem

barulho. — Obrigada pela sua ajuda.

Marina e eu nos olhamos aliviadas, mesmo com Phiri usando da sua

última chance de sarcasmo.

— Isso não importa, traidor. Nada para você importa mais!

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Isso me faz prestar atenção. Dou um chute não muito gentil nas costas

de Phiri para fazê-la rolar e olhar para mim.

— O que isso significa? — pergunto a ela. — O que você está dizendo?

— A guerra já veio e já foi — Phiri responde, rindo de mim. — A Terra já

é nossa.

Meu estômago se revira, mas não deixo isso transparecer. Nós temos

que sair do México e ver por nós mesmos.

— As peças estão intactas? — pergunto aAdam.

— Ela está mentindo para você, Seis. É o que ela faz — ele afirma para

mim, talvez notando o tremor de nervoso na minha voz.

Ele pega a mochila e se agacha para abri-la.

— O que nós devemos fazer com ela? — Marina pergunta.

Ela foca em Phiri Dun-Ra por um segundo, reforçando o gelo das suas

algemas que começaram a derreter.

Estou pensando na resposta quando Adam geme, forçando o zíper que

parece estar preso em alguma coisa. Quando o zíper solta, alguma coisa

dentro da mochila dá um clique, como se começasse uma contagem.

— Cuidado! — Adam grita, quando atira a mochila para longe.

Tudo acontece muito rápido. Vejo o chão na frente da mochila de tecido

tremer e percebo que Adam está usando o seu Legado sísmico para tentar

nos proteger. Com um flash laranja de luz e força, a bomba dentro da mochila

detona bem na frente dele. Uma montanha de pó e folhas mortas voa através

da clareira. Eu sou jogada no chão. Posso sentir um dor na minha perna, um

pedaço de metal, provavelmente um pedaço da nave, cravado na minha

coxa.

Acima do barulho dos meus ouvidos, posso ouvir Phiri rindo

histericamente.

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Capítulo seis

UM GRANDE PESO CAI SOBRE MINHA PERNA, CRAVANDO OS ESTILHAÇOS

AINDA mais fundo em minha coxa. É Phiri Dun-Ra. Ela tem novos ferimentos

em seu rosto e braços, resultado de sua própria bomba improvisada. Seus

pulsos e tornozelos ainda estão presos nas algemas de gelo, mas isso não a

impede de se jogar em cima de mim. Ainda estou atordoada pela bomba,

então não reajo tão rápido quanto deveria. Phiri dá uma cabeçada em meu

peito e se contorce em cima do meu corpo.

— Agora vocês morrem, lixos lóricos — ela diz de uma forma maníaca,

ainda histérica por sua armadilha com a bomba ter funcionado.

Eu não estou certa de qual é plano dela, talvez me morder até a morte

ou me sufocar com o seu peso, mas não estou tão mal para deixar qualquer

uma dessas coisas acontecer. Com um rápido movimento de telecinesia,

arranco Phiri Dun-Ra de cima de mim. Ela cai na sujeira, rolando por cima de

alguns estilhaços da bomba. Ela tenta levantar, gritando de frustação quando

não consegue.

Ela fica quieta quando chuto a sua cara o mais forte que consigo.

Phiri bate no chão inconsciente.

— Fique comigo!

É a voz de Marina que me traz de volta ao mundo depois da raiva que

estava sentindo ou eu provavelmente mataria Phiri agora mesmo. Eu viro

para trás para vê-la inclinada sobre o corpo de Adam.

— Ele está...?

Cruzo a clareira, esquecendo que tenho um ferro de seis centímetros

cravado em minha coxa. Eu ignoro a dor. Adam está bem pior que eu.

Entro no pequeno buraco que Adam foi capaz de fazer antes de a

bomba explodir. Ele absorveu uma boa parte dos estilhaços, mas não tudo. A

bomba, mesmo assim, praticamente explodiu na frente dele, fazendo-o

sofrer a maior parte do impacto. Ele está de bruços agora, Marina se

inclinando sobre ele, e fico com pena dele. O peito dele está aberto, como se

alguém tivesse cavado um buraco lá. Ele deveria ter saído logo da frente em

fez de ficar como um escudo humano. Mog idiota, tentando ser um herói.

Mas de algum jeito, ele ainda está consciente. Ele não consegue falar,

todo o esforço concentrado em respirar. Os seus olhos estão arregalados e

assustados enquanto ele sangra muito, a respiração entrecortada. As suas

mãos, encharcadas de sangue, em punho.

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51

— Eu posso fazer isso, eu posso fazer isso... — Marina repete para si

mesma, não hesitando nem por um momento em colocar as suas mãos nos

ferimentos de Adam.

Olhando melhor, percebo como esta situação deve ser tristemente

familiar para ela. Como se fosse o Oito de novo.

A respiração dele fica cada vez pior, observo a pele dele se unir

enquanto Marina o toca. E então alguma coisa estranha acontece, há uma

crepitação e um chiado começa, como se começasse a pegar fogo, e parte do

peito de Adam começa a faiscar antes de se desintegrar como quando um

mogadoriano morre.

Marina leva um susto, tirando as suas mãos dele.

— Que droga foi essa? — pergunto.

— Eu não sei! — Marina grita. — Alguma coisa está lutando comigo,

Seis. Estou com medo de estar machucando-o.

No momento que a cura de Marina para, o ferimento ainda aberto de

Adam volta a sangrar. Ele está ficando pálido. Mais que o normal. A mão dele

raspa pelo chão e encontra a de Marina.

— Não... argh, não pare... — Adam tenta murmurar, e enquanto ele

tenta, consigo ver que há sangue preto dentro da sua boca. — Não importa o

que aconteça... não pare.

Recompondo-se, Marina coloca as suas mãos sobre os ferimentos de

Adam. Ela fecha os seus olhos e se concentra, uma gota de suor surge ao lado

de uma mancha de terra no seu rosto. Já vi Marina curar ferimentos muitas

vezes, mas não um ferimento que precisou de tanto esforço quanto este. O

corpo de Adam aos poucos começa a se curar, até uma nova parte do seu

corpo faiscar e se desintegrar, como se houvesse uma bomba dentro dele.

Quando isso acaba, porém, o resto cura normalmente.

Leva alguns minutos, mas Marina finalmente termina de “fechar” Adam.

Ela cai sentada no chão, respirando como se tivesse terminado uma

maratona, e as suas mãos tremem. Adam continua deitado, passando os seus

dedos pela pele do seu abdômen que há alguns minutos não estava lá.

Finalmente, ele levanta um pouco e se apoia no seu cotovelo e olha para

Marina.

— Obrigado — ele diz, olhando-a nos olhos, com o seu rosto em uma

mistura de assombro e gratidão.

— Não há de quê — Marina responde, tentando normalizar a sua

respiração.

— Hum, Marina... Você se importa? — mostro o pedaço de metal preso

na minha perna.

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52

Marina geme pelo esforço, mas concorda, se mexendo, ficando de

joelhos na minha frente.

— Você quer que eu arranque ou...?

Antes que ela possa terminar, arranco o estilhaço da minha coxa. Um

novo ponto de sangramento faz um filete de sangue escorrer pela minha

perna. A dor é forte, mas Marina logo esfria o local antes de usar seu Legado

de cura em mim. Comparando com o de Adam, isso não leva tempo algum.

Quando ela termina, Marina olha imediatamente para Adam.

— O que foi aquilo quando eu estava curando você? Por que foi tão

difícil?

— Eu... Eu não sei, exatamente. — Adam responde, olhando para longe.

— Você começou a se desintegrar um pouco — eu digo. — Como se

estivesse morrendo.

— Eu estava morrendo — Adam diz. — Mas isso não deveria acontecer

comigo. Só os soldados nascidos artificialmente que vocês já viram que se

transformam em cinzas, porque eles são feitos completamente da biologia

experimental de Setrákus Ra. Alguns nascidos naturalmente, como eu,

recebem modificações que podem causar a desintegração quando morrem.

Eu não recebi nada disso, acho. Pelo menos...

— Não que você saiba — termino o seu pensamento.

— Exatamente — ele responde, olhando para baixo como se de repente

não confiasse mais em seu próprio corpo. — Eu estive em coma por três

anos. É possível que o meu pai tenha feito algo a mim. Eu não sei o quê.

— O que quer que fosse, acho que o meu Legado tirou de você —

Marina diz.

— Assim espero — Adam responde.

Nós três caímos em silêncio. Com as emergências médicas acabadas, só

agora notamos como estamos ferrados. Caminho pelo chão chamuscado

onde a bomba da Phiri Dun-Ra explodiu, jogando pedaços esfarrapados da

mochila e pedaços disformes de metal. A mochila provavelmente estava

cheia de conduítes, mas não encontro nada que pareça levemente inteiro.

Nós estamos completamente presos aqui.

Quando me viro, vejo que Adam se levantou e está olhando para o

corpo inconsciente de Phiri.

— Nós deveríamos matá-la — ele diz friamente. — Não há nenhuma

razão para a deixarmos viva.

— Nós não fazemos isso — Marina responde, com a voz gentil. — Ela

não pode nos machucar enquanto está amarrada.

Adam abre a boca para responder, mas parece pensar duas vezes.

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53

Marina acabou de salvar sua vida, então acho que ele sente que deveria

escutá-la. Eu, na realidade concordo com os dois, Phiri Dun-Ra não é nada

além de problemas, e mantê-la presa só vai nos ferrar de novo. Mas matá-la

inconsciente parece errado.

— Nós vamos esperar ela acordar, pelo menos — eu digo de forma

diplomática. — Para então decidirmos o que fazer com ela.

Os outros concordam em silêncio, carrancudos. Nós voltamos ao

Santuário. Uso a telecinesia para flutuar o corpo inconsciente da Phiri com a

gente. Quando voltamos, Marina mantém a algema de gelo em Phiri até

chegarmos e prendermos com segurança a mogadoriana com cabos, e a

mantemos dentro de uma das naves quebradas. Nesse momento, tenho

certeza de que ela está se fingindo de morta. O melhor seria deixá-la. Marina

está certa, ela não pode nos machucar enquanto estiver presa, e se ela se

libertar, farei o desejo de Adam se tornar realidade.

Eu não sei mais o que fazer, então tento o telefone via satélite. Ainda

não tivemos resposta de John. Isso me faz pensar que Phiri Dun-Ra pode

estar falando a verdade sobre a guerra já ter começado. Não tenho nenhuma

nova cicatriz, significando que John e Nove ainda estão bem vivos, mas isso

não significa que as coisas não estão feias em Nova York.

— Adam, nós podemos entrar no sistema de comunicação de uma das

naves? — pergunto. — Eu quero saber o que está acontecendo.

— Com certeza — ele responde, feliz com a oportunidade de fazer

alguma coisa.

Nós três subimos abordo do nosso Skimmer, Adam sentado no banco

do piloto. Ele consegue ligar o sistema elétrico da nave, as luzes acendem e

alguma parte do Skimmer grunhe de esforço. Adam começa tentar captar

sinal, pegando nada além de estática.

— Eu só preciso achar a frequência certa — ele diz.

Eu concordo.

— Está bem. Não é como se eu tivesse algo mais para fazer.

Ao meu lado, Marina olha para o Santuário pela janela do Skimmer.

Já que deixamos as luzes do perímetro ligadas, o Santuário inteiro está

iluminado, o antigo calcário praticamente brilhando.

— Não perca as esperanças, Seis — Marina fala baixinho. — Nós vamos

dar um jeito.

Quando Adam liga o rádio de novo a estática dá lugar ao uma voz

mogadoriana brutal. O mog está falando roboticamente, de um jeito sem

sentido, como se tivesse lendo uma lista. Claro que não consigo entender

nada que ele está falando.

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54

Eu cutuco Adam.

— Você vai traduzir?

— Eu... — Adam encara o rádio como se estivesse possuído, como se

não soubesse o que dizer. Percebo que ele não quer me contar o que eles

estão dizendo.

— Muito ruim? — pergunto, mantendo minha voz nivelada. — Só me

conte quão ruim está.

Adam pigarreia e com a voz trêmula começa a traduzir.

— Moscou, resistência moderada. Cairo, sem resistência. Tóquio, sem

resistência. Londres, resistência moderada. Nova Déli, resistência moderada.

Washington D.C., sem resistência. Beijing, alta resistência, código de

protocolo ativado...

— O que é isso? — eu o interrompo, perdendo a paciência com o

grunhido. — O plano de ataque deles?

— São relatórios, Seis — Adam diz, levantando a voz. — As naves de

guerra estão mandando os seus relatórios de como invasão está

prosseguindo. Cada uma dessas cidades tem uma nave enorme de guerra

fazendo uma ocupação, e elas não são as únicas...

— Está acontecendo? — Marina pergunta. — Pensei que nós tínhamos

mais tempo.

— A frota está na Terra — Adam responde com o seu rosto branco.

— O que ele quis dizer com protocolo ativado? — pergunto. — Você

disse que era em Beijing.

— Protocolo de proteção é o jeito de Setrákus Ra de manter a Terra

colaborando para ocupação. Se eles estão em Beijing, isso significa que vão

destruir a cidade — Adam diz. — Usando isso como uma mensagem para as

outras cidades que possam causar problemas.

— Meu Deus... — Marina sussurra.

— Uma nave de guerra pode destruir uma cidade em horas — Adam

continua. — Se eles...

Ele para, porque algo que estão dizendo no rádio chama a sua atenção.

Ele engole em seco, aumentando o volume.

Eu balanço o seu ombro.

— O que é? O que você escutou?

— Nova York... — ele começa a falar, e belisca a ponta do seu nariz. —

Nova York, resistência com ajuda da Garde...

— É a gente! É o John!

Adam balança a cabeça, terminando a tradução.

— Resistência com ajuda da Garde superada. Invasão bem-sucedida.

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55

— O que isso significa? — Marina pergunta.

— Isso significa que eles venceram — Adam responde friamente. — Eles

conquistaram a cidade de Nova York.

Eles venceram. A frase reverbera na minha mente.

Eles estão conquistando a Terra e nós estamos presos aqui.

Já que não tenho um alvo melhor, soco o painel de controle onde um

zumbido alto começa. Faíscas saem do lixo que sobrou e Adam sai da cadeira

de piloto, assustado. Marina se levanta e tenta colocar os seus braços a

minha volta, mas eu a empurro.

— Seis! — ela grita atrás de mim quando pulo fora da cabine do piloto.

— Ainda não está acabado!

Paro em cima da nossa nave sentindo a raiva queimar dentro de mim,

mas sem tem nenhum lugar para canalizá-la. Olho para o Santuário, cheio de

luz. Esse lugar deveria ser a nossa salvação. Nossa viagem até aqui não

mudou nada, penso. Quase nos matou e agora nós estamos fora da guerra.

Quantas pessoas estão morrendo porque nós não estamos lá ajudando o

John a salvar Nova York?

Sinto um olhar nas minhas costas. Alguém está me observando. Eu me

viro, e o meu olhar vai da estrada para as outras naves. Phiri Dun-Ra está

acordada, amarada exatamente no lugar onde nós a deixamos.

Ela sorri para mim.

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56

Capítulo sete

QUANDO ELLA FALA, UM CHOQUE PASSA POR MIM. DE REPENTE, POSSO ME

MOVER novamente. Salto da mesa de operações e tento empurrar os médicos

mogadorianos em torno de Ella. Minhas mãos passam por eles, como se fossem

fantasmas. Eles estão congelados no espaço agora, imóveis, como se fossem a

reprodução de um vídeo em minha frente. Tenho que me lembrar de que tudo

isso está acontecendo em minha cabeça, ou na cabeça de Ella, ou talvez em

algum lugar entre elas. Em nossos sonhos.

— Não se preocupe com eles — Ella diz. Ela se senta, passando através da

máquina de fluidos atada a seu peito, e então pelos mogs enquanto ela pula da

mesa para o chão. — Eu não posso nem mesmo sentir o que estão fazendo

comigo.

— Ella... — eu nem sei por onde começar. Me desculpe por deixá-la ser

sequestrada em Chicago, desculpe por não tê-la salvo em Nova York...

Ela me abraça, seu pequeno rosto pressionando meu peito. Ao menos isso

parece real.

— Está tudo bem, John — ela fala. Sua voz é quase serena, como a de

alguém que aceitou seu destino. — Não é culpa sua.

Há a Ella que estou abraçando e uma congelada no tempo, ainda presa à

mesa de operações sob as máquinas mogadorianas cercada por inimigos. Não

posso deixar de olhar atrás da Ella em meus braços e notar os terríveis

resultados de seu aprisionamento pelos mogadorianos.

Ela parece pálida e drenada, uma faixa cinza corre por seus cabelos

acobreados. Há veias pretas visíveis sob a pele dela. Um calafrio me percorre e

me forço a desviar o olhar, apertando Ella um pouco mais.

O abraço acaba e Ella e olha para mim. Essa versão dela quase se parece

com a que me lembro – de olhos arregalados e inocentes – porém há cansaço

neles, e um tipo de sabedoria fatigada, e isso não estava ali da última vez que a

vi. Não consigo imaginar pelo o que ela vem passando.

— O que eles estão fazendo com você? — pergunto, minha voz sai calma.

— Setrákus Ra chama isso de seu presente — Ella diz, seus lábios se

curvam em desgosto. Ela olha sobre seu ombro, vendo a si mesma sendo uma

cobaia, e abraça seu corpo. — Não estou certa sobre de onde vem o material

que ele está colocando em mim. É a mesma porcaria genética que ele usa para

criar os guerreiros nascidos artificialmente. É o mesmo que costumava usar para

melhorar alguns humanos – você sabe sobre isso?

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57

Eu assinto, pensando no secretário de defesa Sanderson e a resistência

cancerosa que senti em seu corpo quando o curei.

— Ele está fazendo isso com você. Sua própria... — continuo hesitando em

dizer essa parte em voz alta. — Sua própria carne e sangue.

Ella concorda tristemente.

— Pela segunda vez.

Me lembro de como Ella parecia durante a batalha nas Nações Unidas.

— Ele fez isso com você antes da grande aparição pública — digo,

juntando as peças. — Drogou você, assim você não poderia arruinar o momento

dele.

— Aquilo foi uma punição por tentar escapar com Cinco. O presente... faz

com que seja difícil pra mim me focar, pelo menos quando estou acordada. Não

estou certa de como, mas ele usa isso para me controlar. Isso pode estar

relacionado com um dos Legados dele. Tentei descobrir tudo o que ele pode

fazer, John, tentei pará-lo, mas...

Os ombros de Ella caem. Coloco minha mão gentilmente na parte de trás

do pescoço dela.

— Você fez tudo o que pôde — digo a ela.

Ela bufa.

— Uh-huh.

Dou uma longa olhada na máquina a que Ella está presa, tentando

memorizar os detalhes. Talvez se conseguirmos nos contatar novamente com

Adam, ele possa dar uma luz sobre como exatamente funciona essa coisa.

— Ele não está controlando você agora — digo, gesticulando em direção à

câmara de operações mogadoriana congelada no tempo. — Você está fazendo

isso. Você continua lutando contra ele.

— Eu tenho sido capaz de esconder que sou uma telepata — Ella

responde, endireitando-se um pouco. — Sempre que ele me fere, eu me

escondo em minha mente. Eu pratico. Meus Legados estão ficando mais fortes.

Pude sentir vocês lá em baixo de dentro da Anubis. Sou capaz de puxar você

para meu, hã... meu sonho? O que quer que seja isso.

— Como em Chicago — penso a respeito, tentando entender isso. —

Porém, você precisou me tocar daquela vez.

— Não mais. Acho que estou ficando mais forte.

Dou um aperto no ombro de Ella. Este deveria ser um momento de

orgulho, ela se tornando quem ela realmente é, aprendendo a controlar um

Legado tão poderoso enquanto tão jovem. Mas nossa situação é muito

medonha para qualquer comemoração de verdade.

Olho através da área médica na direção da porta, então de volta para Ella.

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58

— Pode me mostrar as coisas por aqui? — pergunto. — Isso é ao menos

possível?

Ella me dirige um sorriso trêmulo.

— Você quer um tour?

— Poderia ser útil saber como a nave é. Para quando viermos aqui e

resgatarmos você.

Ella solta uma risada desconsolada, olhando para longe de mim.

Espero que isso não tenha sido ela desistindo da esperança. A

probabilidade pode parecer ruim agora, mas não vou deixá-la ser o animal de

estimação de Setrákus Ra para sempre. Vou encontrar uma maneira. Antes que

eu possa dizer isso, Ella assente.

— Eu posso te mostrar a nave. Estive por toda ela. Se eu tiver visto, estará

aqui — Ella diz dando um tapinha em sua têmpora.

Andamos para fora da estação médica e entramos num corredor.

Todas as paredes são de metal inoxidável de um vermelho brilhante, um

lugar frio e econômico. Ella me conduz através da Anubis, me mostrando o

deque de observação, a sala de controle, o quartel, todos esses lugares

completamente vazios. Tento associar cada detalhe na memória, assim posso

desenhar um mapa quando acordar.

— Onde estão todos os mogs? — pergunto a ela.

— A maioria deles está na cidade lá em baixo. A Anubis tem apenas uma

equipe fantasma agora.

— Bom saber.

Nos fundos da nave, paramos em frente a uma janela de vidro que mostra

o interior de outro de laboratório. Dentro, o chão é completamente tomado por

um tanque de um líquido preto e viscoso. Há duas passarelas se cruzando sobre

o tanque, cada uma equipada com uma variedade de painéis de controle,

equipamento de monitoramento, e como se já não fosse esquisito, canhões de

uso industrial montados.

Crescendo para fora do líquido numa forma alongada que lembra

vagamente um ovo, exceto por ser roxo escuro e com veias negras palpitantes.

Pressiono minha mão no vidro do laboratório e me viro para Ella.

— O que diabos é este lugar?

— Eu não sei — ela responde. — Ele não me deixa entrar aqui, mas...

Ella franze a testa e parece se esforçar um instante. Dentro do laboratório,

figuras se manifestam de repente. Meia dúzia de mogs usando máscaras de gás

estão nas passarelas, operando silenciosamente as máquinas. De pé entre eles

está o próprio Setrákus Ra. Vê-lo ali me faz avançar contra o vidro. Tenho que

Page 61: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

59

resistir à tentação de atacá-lo, me lembrando de que isso não é exatamente

real.

— Isso é... isso é uma memória? — pergunto a Ella.

— Algo que eu vi, sim — ela responde. — Eu acho... não sei. Isso pode ser

importante.

Enquanto assistimos, Setrákus Ra tira os colares lóricos roubados do

pescoço. Ele os segura em suas mãos grossas por um momento, considerando

as joias de Loralite azul. Ele possui vários deles – três dos Gardes que matou na

Terra e o resto provavelmente tirado de Gardes que ele capturou em um ponto

ou outro. Ele parece um tanto nostálgico por um momento enquanto observa

seus troféus.

Então, os joga dentro do tanque. Quatro pequenas bocas se abrem no ovo

e sugam para dentro os colares, sufocando seu brilho.

— O que foi isso? — pergunto a Ella, sentindo-me enjoado, mesmo em

sonho. — Quando isso aconteceu? O que ele está fazendo?

O olhar fixo de Setrákus Ra se volta de repente em nossa direção e ele

grita alguma coisa. Um segundo depois, ele e o resto dos mogs desaparecem no

ar rarefeito.

— Isso foi quando ele me pegou espiando — Ella explica, mordendo o

lábio. — Não sei o que ele estava fazendo, John. Me desculpe. Tudo é um

pouco... vago.

Continuamos andando. Eventualmente, Ella me leva até a área de

lançamento. O lugar é enorme com o teto alto, preenchido com filas e linhas de

Skimmers. É daqui que os esquadrões de mogs zarparam para aterrorizar Nova

York.

— Eles estão sempre chegando e saindo por aqui — Ella diz, acenando em

direção as grandes portas de metal no fim do hangar. — Talvez vocês sejam

capazes de entrar por ali, se elas estiverem abertas. Foi por onde Cinco e eu

tentamos escapar.

Faço uma nota sobre as portas do hangar. Temos apenas que pensar numa

maneira de fazer com que os mogs as abram. Seria muito fácil entrar a bordo se

tivéssemos alguém que pudesse voar.

— Sobre Cinco... — digo, hesitando, sem saber o quanto Ella ouviu. —

Você sabe o que ele fez?

Ella morde seus lábios, olhando para o chão.

— Ele assassinou Oito.

— Mas ele também tentou ajudar você a escapar — digo, sentindo-a

longe. — Ele está...?

— Você está tentando descobrir o quão mal ele é?

Page 62: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

60

— Estou procurando por ele neste momento. Estou tentando entender, se

quando encontrá-lo, devo matá-lo.

Ella faz uma careta e se afasta de mim, olhando um ponto do chão que

está afundado. Presumo que tenha sido quando ela e Cinco tentaram escapar.

— Ele está confuso — ela diz depois de um momento. — Eu não sei... não

sei o que ele irá fazer. Não confie nele, John. Mas não o mate.

Me lembro da última vez que Ella me trouxe para um desses sonhos, de

volta quando começou a manifestar seus Legados que estavam fora de controle.

Foi em Chicago. Naquela ocasião, ela não me trouxe para sua localização. Na

verdade, estivemos presos numa visão do futuro, assistindo Setrákus Ra tomar

posse em Washington num mundo em que mogadorianos venceram a guerra.

— Não sabemos o que ele faz, então? — pergunto, meus punhos se

fecham como reflexo. — Você me mostrou isso. Cinco retornando para Setrákus

Ra. Ele trabalha para o inimigo. Ele capturou Seis e Sam...

Me calo, não quero ir mais fundo nessa memória da qual testemunhei a

execução de meus amigos. Não quero lembrar da profecia que diz que estamos

condenados a perder. Ella balança a cabeça. Ela abre a boca, e de repente

percebo que há alguma coisa grande que ela não está me contando.

— Esse futuro não existe mais, John — ela diz depois de uma longa pausa.

— Minhas visões... não são como os pesadelos de Setrákus Ra que eu

costumava contar a vocês. E não são profecias. Não estamos presos a elas,

como Oito pensava. Eles são premonições. Possibilidades.

— Como sabe disso?

Ella pensa por um momento.

— Não tenho certeza. Como você sabe como criar bolas de fogo? Você

apenas faz. Isso é instintivo.

Dou um passo na direção dela.

— Então aquela visão de D.C., em que todos estão mortos e você estava...?

— Eu não posso vê-la mais. Alguma coisa no presente mudou o que vai

acontecer.

— Se isso é um Legado como o meu Lúmen... — meus olhos se arregalam

enquanto considero as possibilidades. — Você pode controlar as visões agora?

Pode olhar no futuro quando quiser?

Ella levanta as sobrancelhas, como se não estivesse certa sobre como me

descrever o que vê.

— Não posso controlar, exatamente. As visões... elas não são confiáveis.

Eu não sei se isso é culpa minha, porque ainda estou aprendendo ou se é

porque o futuro é instável. De qualquer forma, tenho gasto muito tempo

olhando nele...

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61

Agora sei porque Ella parece tão exausta mesmo em um sonho, porque ela

de repente está tão sábia mesmo com sua idade. Ela mencionou antes o quanto

tempo gastou se escondendo na segurança de sua mente. Me pergunto quanto

desse tempo foi gasto lutando com visões do futuro. Deve ter sido agonizante

examinar todas essas possibilidades.

— Pelo o que você esteve procurando? — pergunto a ela.

Ella hesita, evitando meus olhos.

— Eu queria... eu queria ver se tinha um futuro em que eu morro.

— Ella, não — digo, minha voz falha. Cinco me contou sobre o feitiço lórico

que Setrákus Ra usou em si mesmo e em Ella, um que os liga, então teremos

que matá-la para alcançá-lo. — Vamos pensar num meio de quebrar o feitiço.

Deve haver uma fraqueza.

Ella balança a cabeça, não acreditando em mim. Ou talvez ela já saiba que

estou errado.

— Não estou me colocando antes do mundo inteiro, John. Eu queria ver

um futuro em que Setrákus Ra está morto, não importa as consequências —

agora ela olha diretamente, com fogo em seus olhos. — Queria ver um futuro

em que alguém tenha estômago para fazer o que precisa ser feito.

Engulo em seco. Não tenho certeza se eu realmente quero saber os

detalhes das visões de Ella, mas não consigo parar de me perguntar.

— O que... o que você viu?

— Muitas coisas — Ella diz, se acalmando. Ela adquire um olhar distante

enquanto tenta explicar como o futuro é. — As visões começam como

possibilidades embaçadas. Existem milhões delas, eu acho. Algumas delas são

mais sólidas que outras – essas são as que consigo ver. As que parecem... não

sei. Prováveis? Mas mesmo assim não são garantidas. Você se lembra do futuro

que vimos em Chicago. Aquilo pareceu real, impossível de fugir, claro como o

dia. Isso se foi completamente agora. O futuro mudou muito. E continua

mudando.

Minha cabeça dói. Me sinto meio maluco ouvindo Ella. Precisamos de um

Cêpan, alguém que pudesse ajudá-la a controlar esses Legados mentais antes

que a deixem louca. Ao menos evitamos o futuro que testemunhei. Mas o

trocamos pelo quê?

— Ella, você viu sua morte?

Ela hesita, e um nó de medo se forma em meu estômago.

— Sim — ela responde.

Ela treme eu percebo que é por prender um soluço.

Me agacho na frente dela e coloco minhas mãos em seus ombros.

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62

— Não vai acontecer — insisto com a voz o mais firme que consigo. —

Vamos mudar o futuro.

— Mas nós vencemos, John.

Ella segura minhas mãos. Lágrimas escorrem livremente por suas

bochechas. Então percebo algo, o modo como ela olha para mim, o modo como

ela aperta minhas mãos. Ella não está sentindo pena por si. Ela está sentindo

pena por mim.

— Isso vai ferir muito você, John — ela diz, sua voz fraquejando. — Você

terá que ser forte.

— Sou eu? — não acredito. — Eu sou aquele que...?

Não consigo nem mesmo terminar a pergunta. Afasto minhas mãos de

Ella. Eu nunca a machucaria, nem mesmo se isso significasse terminar esta

guerra.

— Tem que haver outro jeito. Use seu Legado e encontre um futuro

melhor para nós.

Ella balança a cabeça.

— Você não entende...

Num piscar de olhos, Ella está mudada. Se parece com a garota presa na

mesa de cirurgia, uma gosma preta rasteja por baixo de sua pele. Ela se esforça

para se concentrar em mim. O hangar a nossa volta se torna enevoado e

começa a se esvair.

— Ella? O que está acontecendo?

— A Anubis está se movendo para fora do alcance — ela explica,

estreitando seus olhos, tentando fortalecer nossa conexão telepática. — Eu vou

perder você. Rápido! Há mais uma coisa que você tem que ver!

Ella agarra minha mão e então estamos correndo na direção da entrada do

hangar. Damos um passo na direção dele e...

Sujeira se esmaga debaixo dos meus pés. Raios de sol quentes batem em

minha nuca, o ar pesado e úmido. É desorientador ser teletransportado de

repente do ambiente estéril da Anubis para o calor da selva, o verde vívido por

todos os lados, pássaros tropicas gorjeando.

Estou de pé no que parece ser uma pista de pouso feita no meio da selva.

Latarias pretas e blindadas de vários Skimmers mogadorianos refletem o

brilhante sol da tarde.

Meus olhos são atraídos para a pirâmide de pedra a apenas alguns metros

da pista de aterrissagem, todos os equipamentos dos mogs parecem

posicionados a uma distância segura da estrutura antiga. Reconheço

instintivamente o templo, mesmo nunca tendo o visto antes. Talvez seja minha

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63

imaginação, mas é como se alguma coisa enterrada por séculos na arquitetura

maia estivesse me chamando. Me sinto seguro aqui.

— Este é o Santuário — digo, minha voz sai calma e reverente.

— É — Ella confirma, e percebo que ela também está admirando o templo.

— Seis, Marina e Adam... — pauso, percebendo que Ella nunca encontrou

nosso aliado mogadoriano. — Adam é...

— Eu sei quem ele é — Ella diz, seu tom não parece surpreso. — Nos

encontraremos em breve.

— Ok, bem, eles estavam bem aqui — continuo, olhando em volta à

procura de sinais de nossos amigos. — Eles provavelmente estão voltando

agora. Você vai me mostrar o que eles fizeram para dar Legados aos humanos?

— Isso não é o passado ou o presente, John. Estamos no futuro. Um que

posso ver bem, bem claramente.

Eu devia ter sabido, pois o sol está no céu. Me viro para encarar Ella,

sentindo que ela não me trouxe aqui para me dar boas notícias.

— Por que está me mostrando isso?

— Por causa daquilo.

Ella aponta para o céu a norte do Santuário. Ali, como uma nuvem de

tempestade atravessando o céu que outrora era azul e sem nuvens, está

a Anubis, flutuando lentamente em direção ao templo. Minhas pernas se

amolecem, reflexos para correr se escondem depois de sobreviver por pouco ao

bombardeio em Nova York. Me forço a ficar e assistir a aproximação da nave de

guerra.

— Quando? — pergunto a Ella. — Quando isso vai acontecer?

Antes que Ella possa responder, sua forma se contorce, se tornando

novamente pálida e com as veias negras. O cenário pisca, a selva de súbito se

transforma na sala de operações da Anubis e também o que parece ser o

interior de um vagão de metrô – todos os três lugares existindo

simultaneamente, como três fotografias transparentes uma sobreposta a outra.

Por um segundo, é impossível me focar em qualquer detalhe particular,

misturando tudo até o ponto que me sinto fora da realidade. Mas então Ella

solta um grito, de frustração ou dor, ou talvez ambos, e a floresta e o Santuário

solidificam novamente.

— Você está se distanciando — digo, assistindo círculos negros se

formarem ao redor de seus olhos. — Estamos muito longe um do outro.

— Não se preocupe comigo — ela responde apressadamente. — Não

importa. Aqui é para onde estamos indo agora, John. A Anubis está indo para o

Santuário neste exato momento.

— Então Setrákus Ra estará lá...

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— Ele chegará ao pôr do sol — Ella diz. — Ele parou em West Virginia para

reunir reforços depois de deixar tantos soldados para trás em Nova York, e

depois...

Ella acena na direção da Anubis. Está perto agora, a longa sombra da nave

de guerra caindo sobre às pedras do Santuário.

— O que ele quer?

— Ele quer o que está lá dentro! — Ella grita. E mesmo assim, mesmo com

a voz mais alta, ela começa a soar distante. — Acho que é o que ele sempre

quis! Eles abriram as portas do Santuário! Ele não está mais protegido!

— O que...?

Ela me corta, agarrando meu braço.

— John, ouça! Seis, e os outros, você tem que alertá-los! Diga a eles...

As mãos de Ella me atravessam. Eu vejo tudo novamente – o Santuário e

a Anubis, Ella se contorcendo na mesa de operações, o vagão do metrô

escurecido – e então todas as cores se misturam, nada sólido para me segurar.

Ella grita alguma coisa para mim, mas ela está muito longe. As palavras não me

alcançam.

Então, escuridão.

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Capítulo oito

ACORDO COM AS COSTAS DURAS ESTALANDO NO BANCO DE PLÁSTICO,

MINHAS pernas balançando na extremidade. Sei que estou de volta ao meu

corpo, não mais no mundo dos sonhos de Ella por causa das intensas dores que

passam por todos os meus músculos. Estou deitado de lado, encarando as

costas de bancos amarelos e laranjas do metrô. Eu nunca estive em um desses

vagões, mas vi filmes e programas de TV o bastante para reconhecê-los

imediatamente. Na parede acima de minha cabeça há um pôster dizendo: “SE

VOCÊ VIR ALGUMA COISA, DIGA ALGUMA COISA”.

Com um gemido, me apoio em um cotovelo. Sam está deitado a dois

bancos de mim com a cabeça apoiada na janela, roncando baixo. Do lado de

fora da janela, posso ver apenas a escuridão. Esse trem está parado em algum

lugar do subterrâneo, dentro de um túnel. Os passageiros devem ter

abandonado mais cedo durante o ataque. O vagão está morto, parado e sem

energia, os painéis que controlam as luzes completamente escuros.

E ainda assim, há luz vindo de algum lugar.

Me sento e olho ao redor, e imediatamente percebo celulares espalhados

pelo corredor do vagão. Com os aplicativos de iluminação ligados, os telefones

funcionam como velas carregadas por bateria. No banco à minha frente,

acordada e observando, Daniela está sentada.

Seus pés estão apoiados na bolsa que ela trouxe do banco, então presumo

que esteja cheia de dinheiro roubado.

— Você está vivo — ela diz, mantendo sua voz baixa para não acordar

Sam.

Faço o mesmo, ainda que com seu ronco ele poderia passar por outro

bombardeio da Anubis sem acordar.

— Por quanto tempo eu dormi? — pergunto.

— Já é de manhã de acordo com os celulares — Daniela responde. —

Umas seis horas, acho.

Já é de manhã. Balanço a cabeça. Uma noite inteira perdida. Não pudemos

encontrar Nove e Cinco, e quem sabe por qual parte de Nova York eles andaram

lutando até agora. Para tornar as coisas piores, eu sei para onde Setrákus Ra e

a Anubisestão indo – diretamente para a última localização conhecida do resto

da Garde. Por causa da perda de contato com Ella no último instante, não tenho

certeza do que fazer com a informação, mesmo se eu conseguisse contato com

Seis e os outros.

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66

Eles deveriam estar se preparando para voltar para o Santuário? Ou Ella

queria que eu os mantivesse o mais longe possível?

Preciso me mover, fazer algo produtivo. Mas meu corpo ainda não está

cem por cento e Sam está apagado.

— Ainda estamos no metrô? — pergunto a Daniela, já sabendo a resposta,

mas querendo ter controle sobre a situação antes de fazer qualquer decisão.

— Sim. Obviamente. Nós arrastamos você até aqui quando desmaiou.

— Quando desmaiei — repito com uma careta. — Desmaiei de cansaço.

— Não foi só você. De qualquer forma, estávamos todos exaustos depois

daquele túnel — Daniela continua, talvez sentindo meu aborrecimento. — Eu

caí no sono logo que chegamos aqui.

Daniela dá uma olhadela em Sam, um sorriso abatido em seu rosto.

— Seu amigo Sam ia ficar de guarda, mas acho que não deu muito certo.

Não foi um bom negócio. Não quando ninguém está procurando por nós aqui

em baixo.

— Ainda não, pelo menos — respondo, pensando nos mogadorianos na

superfície e desejando saber como a ocupação de Nova York está progredindo.

Um dos telefones pisca. Daniela se agacha sobre ele, apertando alguns

botões, mas a bateria acaba.

— Pessoas dormiram na frente da loja por essas coisas — ela diz,

segurando o celular descarregado para que eu o inspecione. — Mas tudo foi por

água abaixo, no final das contas... várias pessoas largam tudo e correm. O que

isso faz você pensar da humanidade, menino alienígena?

— Que elas têm melhores prioridades — respondo, dando novamente

uma olhada para a bolsa cheia de dinheiro.

— Pois é. Eu acho — Daniela diz, então arremessa o celular para a

extremidade oposta do vagão, onde ele bate no chão e quebra em vários

pedaços. Mesmo com o som do celular sendo despedaçado, Sam continua

dormindo. — Isso é surpreendentemente bom — Daniela me diz, sorrindo em

minha direção. — Você deveria tentar.

— Onde conseguiu todos esses telefones? — pergunto a Daniela,

observando-a de perto enquanto ela se senta.

Eu ainda não sei o que fazer com ela. Ela é uma humana com Legados, nós

nem ao menos temos uma palavra para descrevê-la. Mas ela parece pensar que

toda a situação é apenas uma grande piada. Não posso dizer se ela está

desequilibrada como Cinco ou se escondendo atrás de um massivo mecanismo

de defesa. Ela mencionou antes que os mogs mataram seu padrasto e que sua

mãe está desaparecida. Eu sei como é isso – perder pessoas, não saber o que

está havendo com quem amamos.

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67

Eu poderia dizer isso a ela, exceto que não acho que Daniela seja do tipo

que se abre facilmente. Gostaria que Seis estivesse aqui. Tenho a sensação de

que elas se dariam bem.

— Eu acordei primeiro — ela diz, gesticulando para o trem. — Passei por

todos os vagões. As pessoas largaram um monte de porcaria para trás.

— De volta ao banco, alguém por acaso retirou todo o dinheiro que ficou

para trás também? — pergunto, apontando com meu queixo para a bolsa.

— Oh, sim, isso — Daniela diz, olhando para o lado com se fingindo

culpada, mas sendo incapaz de manter o sorriso no rosto. — Estava me

perguntando se você tinha notado.

— Eu notei.

— A coisa é mais pesada do que você pensa — ela diz, cutucando a bolsa

com o tênis.

Esfrego a mão no rosto, tentando entender como eu deveria abordar isso.

Não é como se eu nunca tivesse roubado antes. Sempre fiz isso em caso de

necessidade, mas nunca fiz isso justo no meio de uma invasão em escala total.

— Estranho você ter tempo de roubar um banco enquanto deveria estar

procurando sua mãe.

— Primeiro de tudo, eu não roubei isso. Quero dizer, tecnicamente não.

Havia uns caras se escondendo dos mogs no banco. Eles estavam roubando.

Acabei dando cobertura lá. Eles explodiram, e então vocês apareceram. Pensei,

para que desperdiçar uma bela bolsa com esta?

Eu a censuro, balançando a cabeça. Não faço ideia se o que Daniela está

me contando é verdade. Não estou certo se sequer importa como ela conseguiu

o dinheiro. Estou mais preocupado em descobrir se esta nova Garde é alguém

que podemos confiar. Alguém que pode nos apoiar.

— Segundo — ela continua, inclinando-se em minha direção — minha mãe

iria ficar irritada se descobrisse que desperdicei uma oportunidade como essa.

Ela tenta manter sua voz calma, mas um tremor a abala quando ela

menciona a mãe. Talvez essa atitude seja apenas fachada, uma maneira de lidar

com o fato de seu mundo ter virado de cabeça para baixo nas últimas vinte

quatro horas. Eu entendo isso. Minha expressão deve parecer compreensiva,

penso, ou talvez ela apenas percebeu sua voz falhando, porque Daniela

aumenta a voz, mais efervescente do que antes. Me ocorre que da mesma

forma que estou tentando entendê-la, ela está tentando me entender.

— Terceiro, eu não assinei nada para ganhar esses superpoderes que você

nem sabe porque eu tenho. E tenho a maldita certeza de que não me alistei

para lutar na sua guerra alienígena. Nem minha família.

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68

— Você acha que tem uma folha de alistamento passando por aí? —

pergunto rispidamente, tentando e falhando em evitar que meu temperamento

se inflame. — Ninguém pediu por isso. Os lorienos, meu povo, nós não pedimos

para que os mogs destruíssem nosso planeta natal. Isso aconteceu de qualquer

forma.

Daniela levanta suas mãos defensivamente.

— Tudo bem, então você sabe como é isso. Tudo o que estou dizendo é

que você não deveria estar julgando como escolho usufruir da minha invasão

alienígena. Droga, é uma loucura.

— Eu era muito jovem para revidar quando atacaram Lorien — digo a ela.

— Mas você...

— Ah droga, lá vem. O discurso de recrutamento — Daniela começa a

fazer uma interpretação, sua voz se torna aguda de repente, suas palavras

anunciadas teatralmente. — Olhe pela sua janela — ela recita. — Os

mogadorianos estão aqui. A Garde vai combatê-los. Você vai lutar pela Terra?

Balanço minha cabeça, confuso.

— O que é isso?

— É do seu vídeo, cara. Toda aquela coisa de apoio à Garde. Eles passaram

isso nas notícias.

Balanço a cabeça.

— Eu nem sei sobre o que você está falando.

Daniela estuda meu rosto por um momento, e finalmente parece satisfeita

com minha perplexidade.

— Huh. Realmente não. Acho que você provavelmente não andou vendo

muita TV. Eu? Eu estava assistindo quando as primeiras naves começaram a

aparecer. É como se de repente estivéssemos vivenciando todos aqueles filmes

de invasões alienígenas. Foi bem legal até que, bem...

Daniela balança a mão, abrangendo não apenas nossa situação, de nos

esconder no subterrâneo, mas a destruição na cidade inteira quem ambos

presenciamos. Percebo que suas mãos tremem um pouco. Ela rapidamente

disfarça isso, dobrando seus braços com força sobre o peito.

— Sam e eu ajudamos um grupo de pessoas a sair de Manhattan ontem —

digo a ela. — Me perguntei como muitos deles sabiam meu nome, mas estava

caótico demais para descobrir. Isso estava nas notícias? Eles me mostraram

lutando nas Nações Unidas?

Daniela confirma.

— Eles mostraram um pouco disso. Exceto quando um cara parecendo o

George Clooney deformado se transformou em um monstro alienígena, aí as

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69

pessoas realmente começaram a surtar e todas as câmeras a tremer. Você

estava bombando nas notícias antes disso.

Inclino minha cabeça, sem entender nada.

— O que você quer dizer?

— Tinha aquilo, tipo, um vídeo no YouTube. Foi postado num estúpido site

de conspiração primeiro...

— Espere... por acaso era Eles Estão Entre Nós?

Daniela dá de ombros.

— Nerds Estão Entre Nós, eu não tenho certeza. Começava com uma

imagem da Terra que eles com certeza tiraram do Google e uma garota

narrando tipo: “Este é o nosso planeta, mas não estamos sozinhos na galáxia,

blá-blá-blá”. Ela estava tentando fazer parecer como todos aqueles

documentários profissionais sobre a natureza ou alguma coisa assim, mas posso

dizer que ela é da nossa idade. Por que você está fazendo essa cara estúpida?

Enquanto Daniela falava, não pude evitar que um sorriso idiota surgisse

em meu rosto.

Tentei manter minha expressão neutra enquanto me inclino para frente.

— O que mais aconteceu?

— Então, eles mostraram algumas fotos dos mogadorianos e disseram que

eles vieram para escravizar a humanidade. Esses alienígenas pálidos pareciam

com pessoas com maquiagem de monstros ou qualquer coisa do tipo. Ninguém

teria levado aquela porcaria a sério se, você sabe, não houvesse toneladas de

OVNIs ameaçando a cidade. E então ela começou a falar de você. Tinha um

vídeo de você pulando para fora de uma casa em chamas que não parecia

possível, e depois tinha cenas de você curando o rosto queimado de um agente

do FBI e... bem, estava meio trêmulo, mas os efeitos especiais foram muito bem

feitos se fosse falso.

— O que... o que ela fala sobre mim?

Daniela sorri, olhando pra mim.

— Ela disse que seu nome é John Smith. Que você é um Garde. Que você

foi enviado para nosso planeta para lutar contra esses alienígenas. E que agora

você precisa de nossa ajuda.

Isso era sobre o que Daniela estava falando antes. Sua péssima

interpretação deve se referir a Sarah. Encosto as costas no banco, pensando

sobre o vídeo que Sarah e Mark fizeram, a contribuição deles nos bastidores.

Mesmo que ela esteja zombando, o vídeo parece ter causado uma impressão

em Daniela. Ela o decorou. Droga, os sobreviventes que trouxemos pela rua

com certeza viram o vídeo. Eles confiaram em mim. Estavam prontos para ficar

e lutar. Mas era tarde demais para isso?

Page 72: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

70

Faço uma careta involuntariamente, pensando alto.

— Passei minha vida inteira me escondendo dos mogadorianos que

estavam nos caçando na Terra. Ficando mais forte. Treinando. A guerra estava

sendo lutada em segredo. Estávamos começando a reunir aliados, além de estar

conseguindo descobrir as coisas. Me pergunto, se tivéssemos ido a público

antes, quantas vidas teríamos salvo se Nova York estivesse pronta para um

ataque como este?

— Nah — Daniela diz, descartando essa ideia com um aceno de mão. —

Ninguém teria acreditado nesta porcaria há uma semana. Não sem a CNN

gritando sobre naves espaciais sobrevoando Nova York. Quero dizer, você

precisava de toda a luta na NU para que pudessem acreditar. Caso contrário, as

pessoas do noticiário estariam debatendo se isso era uma farsa, ou uma

publicidade para a divulgação de algum filme ou coisa do tipo. Eu vi uma mulher

na TV dizendo que você era um anjo. Bem engraçado.

Rio secamente, não estando muito com vontade.

— É. Hilário.

Percebo que Daniela está tentando me confortar à sua maneira. Nunca

vou saber o que teria acontecido se tivéssemos gastado os últimos meses

tentando tornar pública nossa guerra com os mogadorianos. Havia humanos de

cargos importantes envolvidos com o ProMog e isso faria com que qualquer

tentativa de expô-los se tornasse extremamente difícil, se não impossível. Eu sei

de tudo isso, logicamente. E ainda assim não posso deixar de sentir que a

colossal perda de vidas foi culpa minha. Eu devia ter feito mais.

— Quantos anos você tem mesmo? — Daniela pergunta.

— Dezesseis — digo a ela.

— Ah — Daniela assente, como se ela já soubesse disso. — Você é como a

garota que narrou no vídeo. Você tem toda essa sabedoria por trás da idade,

isso é verdade. E parece que já passou por muita coisa. Mas dando uma olhada

mais de perto... — ela se perde, estalando sua língua enquanto pensa. — Você

deveria estar terminando o ensino médio. Não salvando o mundo.

Não posso deixar o que aconteceu em Nova York me enterrar sob a culpa.

Eu tenho que ter certeza de que nada desse tipo vai acontecer novamente.

Preciso encontrar meus amigos e descobrir como matar Setrákus Ra, de uma

vez por todas.

Ergo meus ombros e sorrio para Daniela, dando de ombros com

indiferença.

— Alguém precisava fazê-lo.

Daniela devolve o sorriso por um segundo, então surpreende a si mesma e

desvia o olhar. Por um segundo, ali, pensei que ela talvez tivesse se voluntariado

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71

para se juntar a luta. Não posso obrigá-la a ficar conosco depois de sairmos do

metrô. Apenas tenho que acreditar que ela, e os outros humanos lá fora,

desenvolveram Legados por algum motivo.

— Precisamos nos mover — digo.

Balanço os ombros de Sam e ele bufa quando acorda. Seus olhos ficam

turvos por um momento, se ajustando lentamente a luz azulada do vagão de

metrô.

— Então aquilo não foi um pesadelo — ele suspira, levantando lentamente

e estalando as costas. Seu olhar vai em direção a Daniela. — Você resolveu

passar um tempo conosco, hã?

Daniela encolhe os ombros, como se a pergunta a tivesse envergonhado.

— Você mencionou ter tirado algumas pessoas de Nova York... — ela diz

para mim.

— Isso. O exército protegeu a Ponte do Brooklyn. Eles estavam evacuando

as pessoas por lá. Pelo menos, estavam até ontem à noite.

— Eu gostaria de ir lá — Daniela responde, se colocando de pé. Ela

endireita sua blusa coberta de poeira e sangue seco. — Talvez ver se minha mãe

chegou até lá.

— Tudo bem — digo. Não quero obrigá-la a se unir a nós. Se isso

acontecer, ela é quem deve fazer essa decisão. Isso não significa que não

devemos passar um tempo juntos por enquanto. — Nós devemos seguir nessa

direção também.

Sam esfrega os olhos, ainda umedecendo sua boca.

— Você acha que Nove e Cinco batalharam todo o caminho até o ponto de

evacuação?

— Duvido — respondo. — Mas Nove já é grandinho, pode se virar sozinho

por mais algum tempo. As prioridades mudaram. Eu realmente preciso entrar

em contato com Seis. Se ainda existir telefones funcionando, acho que estarão

no ponto de evacuação — viro-me para Daniela. — Pode nos mostrar o caminho

para fora daqui?

Daniela assente.

— Só tem um jeito de ir já que os caminhos para a superfície desabaram.

Seguimos os trilhos até algumas estações, e então devemos chegar próximo à

ponte.

— Espere. Como as prioridades mudaram enquanto eu estava dormindo?

— Sam pergunta.

Conto a Sam como Ella me alcançou telepaticamente de sua prisão

na Anubis, explicando que Setrákus Ra está indo para o Santuário. Daniela ouve,

seus olhos bem abertos e focados em mim, sua boca ligeiramente aberta.

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72

Quando termino de descrever minha jornada dos sonhos, sobre profecias e

locais lóricos ameaçados, ela balança a cabeça em total mistificação.

— Minha vida ficou tão estranha — ela diz, andando na direção da saída

do vagão.

— Ei — Sam a chama de volta. — Você se esqueceu da bolsa!

Daniela olha por cima dos ombros. Então, ela olha pra mim. Não sei se ela

quer permissão ou se está me desafiando a pará-la. Quando não falo nada, ela

se vira e levanta a bolsa pesada com um grunhido

— Use sua telecinesia — digo casualmente. — É bom para praticar.

Daniela olha para mim por um momento, depois concorda e sorri. Ela se

concentra e flutua a bolsa a sua frente.

— O que tem aí? — Sam pergunta.

— Meus fundos para faculdade — ela responde.

Sam olha para mim. Eu apenas dou de ombros.

Quando Daniela alcança o fim do vagão, ela levita a bolsa para o lado e

abre a porta de metal com um barulho estridente. Ela dá um passo para o

corredor que liga o próximo vagão. Sam e eu a seguimos alguns passos atrás.

— Uou, uou — Daniela diz, suas palavras não são direcionadas para nós.

Sua bolsa dispara de volta para o vagão que estávamos, Sam e eu pulamos

para fora do caminho. Daniela desliza a bolsa para debaixo do banco com

telecinesia, como se estivesse tentando escondê-la. Um segundo depois, ela

volta alguns passos pela porta, suas mãos levantadas em rendição.

Imediatamente meus músculos tensionam.

Pensei que estivéssemos salvos aqui em baixo nos túneis. Mas não

estamos sozinhos. Um cano de metralhadora com uma lanterna acoplada está

apontada a alguns centímetros do rosto de Daniela. Uma forma escura, coberta

de equipamentos e armadura, está entrando com cuidado em nosso vagão,

levando Daniela a recuar. Tarde demais, percebo feixes de lanterna no vagão

seguinte – cerca de dúzias deles, talvez mais. Um segundo feixe atinge meus

olhos, e um segundo homem está armado entrando em nosso vagão. Sem

pensar nisso, ativo meu Lúmen, fogo deslizando através de meus punhos.

— Espere — Sam avisa. — Não são mogs.

Ouço um clique de armas engatilhadas, provavelmente em resposta a

minha bola de fogo. O corredor do vagão é estreito, Daniela está no caminho e a

luz em meu rosto faz com que seja difícil enxergar.

Definitivamente não são condições ideais. Eu provavelmente seria capaz

de desarmá-los com minha telecinesia, mas não quero arriscar criar uma

explosão automática assim tão perto. Melhor esperar e ver o que vai acontecer.

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73

Deixo meu Lúmen se apagar, e no mesmo momento o soldado da frente

abaixa a luz da lanterna de sua arma para o chão. Ele está usando um capacete,

farda e óculos de visão noturna.

Apesar disso, posso te dizer que ele é apenas alguns anos mais velho que

eu.

— Você é ele — o soldado diz, com um leve temor em sua voz. — John

Smith.

Ainda não estou acostumado com essa coisa de ser reconhecido, então

levo um momento para responder.

— Isso mesmo.

O soldado pega o walkie-talkie em seu cinto e fala nele.

— Nós o pegamos — ele diz, sem tirar os olhos de mim.

Daniela vem em direção a Sam e a mim, olhando para nós e para os

soldados, dos quais estão entrando mais em nosso vagão, ventilando o lugar,

vasculhando tudo.

— Amigos seus?

— Não tenho certeza — respondo calmamente.

— Às vezes o governo gosta da gente, outras nem tanto — Sam explica.

— Ótimo — Daniela responde. — Por um segundo, achei que eles

estivessem aqui para me prender.

O walkie-talkie do soldado ganha vida, uma familiar voz de mulher ecoa

pelo vagão.

— Peça a eles com educação, mas os traga aqui — a mulher comanda.

O soldado pigarreia desconfortavelmente, olhando para nós.

— Por favor venha conosco — ele diz. — A Agente Walker gostaria de dar

uma palavrinha.

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Capítulo nove

OS SOLDADOS NOS PRESSIONARAM ATÉ OS TÚNEIS DO METRÔ PARA LONGE DA

estação mais próxima e, finalmente até a luz do dia. Eles estão constantemente

na nossa cola, um escudo humano, nos tratando como o Serviço Secreto trata o

presidente.

Eu me deixo ficar mais próximo deles, sabendo que posso facilmente

atravessá-los com um empurrão ao primeiro sinal de problemas. Nós não

encontramos nenhuma patrulha mogadoriana no caminho de volta aos seus

Humvees blindados, e rapidamente estamos ecoando pelas ruas preenchidas

com pedaços dos prédios, os destroços, o resultado do bombardeamento feito

pela Anubis ontem à noite.

Alcançamos a Ponte do Brooklyn rapidamente e sem incidentes.

No lado de Manhattan, o exército preparou uma barreira fortemente

armada. Soldados empacotando metralhadoras observam as ruas de trás de um

bloco de sacos de areia. Atrás deles, três linhas de tanques estão estacionadas,

seis do outro lado da ponte, suas torres armadas e apontadas para o céu.

Helicópteros carregados com mais misseis patrulham o céu e alguns botes bem

recheado estão preparados no rio.

Se os mogadorianos tentarem tomar o Brooklyn, eles definitivamente

encontrarão resistência.

— Vocês tiveram que lutar com muitos deles? — pergunto ao soldado que

está dirigindo nosso Humvee enquanto nós passamos pela barreira segura e

começamos a diminuir a velocidade devido ao engarrafamento na ponte.

— Nenhum. Senhor — ele responde. — Os hostis ficaram em Manhattan

até agora. Aquela grande nave voou bem acima de nós essa manhã e não nos

comprometeu. Você me diz, eles não querem nenhum pedaço de nossos

soldados.

— Senhor — Daniela repete, levantando uma sobrancelha para mim e

rindo.

— Eles estão preservando Manhattan — eu digo, inclinando para trás e

franzindo a testa, sem entender porque os mogs não atacaram.

— É como se Setrákus Ra estivesse mandando uma mensagem — Sam diz

calmamente. — “Olha o que eu posso fazer”.

— Se eles vierem até nós, nós estaremos preparados — o soldado diz, se

intrometendo.

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Olhando pela janela, descubro atiradores escondidos nas estruturas da

ponte, vigiando o lado Manhattan da ponte através de seus binóculos.

Troco um olhar de dúvida com Sam. Quero acreditar nessa demonstração

de força do exército, mas vi o tipo de destruição que os mogs são capazes de

fazer. O único motivo pelo qual o Brooklyn ainda está de pé é porque Setrákus

Ra permitiu.

O soldado estaciona nosso Humvee no meio de um quarteirão da cidade

que foi convertido em uma área de preparação para os militares. Existem

tendas nas proximidades, mais Humvees e muitos soldados com olhares

inquietantes e com armas. Também há uma longa fila de civis, muito deles sujos

e com lesões superficiais, agarrando seus bens escassos à medida que esperam

em uma fila de contagem. No início dela, alguns voluntários com pranchetas

anotam as informações das pessoas exaustas, antes de direcioná-las até os

ônibus das cidades comandadas.

Nossa escolta me nota observando o lento processo de refugiados.

— Os voluntários estão tentando manter o controle dos sem teto — o

soldado explica. — Então estamos evacuando para Long Island, Nova Jersey,

qualquer lugar. Levando-os para longe da luta até conseguirmos recuperar Nova

York.

O soldado mede Sam e Daniela de cima abaixo, então olha para mim de

novo. De repente me ocorre que esse cara está esperando que eu lhe dê

ordens.

— Você quer que evacuemos esses dois? — o soldado pergunta, referindo

se aos meus companheiros.

— Eles estão comigo — eu digo a ele, e ele acena com a cabeça, aceitando

sem questionar.

Daniela observa os voluntários checarem um casal idoso e ajudá-los a subir

no ônibus.

— Eles têm uma lista ou algo que eu possa checar? Eu estou... procurando

por alguém.

O soldado encolhe o ombro como se essa não fosse sua área de

conhecimento.

— Claro, você poderia perguntar.

Daniela vira para mim.

— Eu estou indo...

— Vá — respondo, acenando. — Espero que você a encontre.

Daniela sorri para Sam, então para mim, e começa a se afastar.

— Hum, sobre aquela coisa toda de salvar o mundo... — ela começa,

hesitando.

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— Quando você estiver preparada, venha e me procure — eu digo a ela.

— Você está assumindo que em algum momento eu irei estar preparada

— Daniela responde.

Ela ainda não mencionou sua mochila de dinheiro roubado, desde que ela

foi deixada para trás no metrô.

— Sim, eu estou.

Daniela demora mais um segundo, os olhos fixados nos meus.

Então, acena para si mesma, se vira e corre em direção aos voluntários.

Sam olha para mim como se eu fosse louco.

— Você está a deixando ir? Uma das únicas... — Sam olha de relance para

o soldado que ainda está pacientemente esperando próximo a nós, sem ter

certeza de quanto ele deveria dizer.

— Não posso forçá-la a se juntar a nós, Sam — eu respondo. — Mas o que

aconteceu a ela – o que aconteceu com você... tem que ter uma razão. Tenho fé

de que isso não vai ser para nada.

— A barraca da Agente Walker está nessa direção, senhor — o soldado diz,

acenando para eu e Sam seguirmos.

— Os celulares ainda estão funcionando? — pergunto a ele enquanto nós

atravessamos o congestionado acampamento. — Preciso fazer uma ligação. É

importante.

— Métodos tradicionais ainda não estão funcionando, senhor. Os inimigos

se atentaram a isso. No entanto, nós provavelmente temos alguma coisa que

você possa usar no centro de comunicação — o soldado diz, apontando para

uma tenda próxima com muita atividade. — Todavia, devo levá-los diretamente

à Agente Walker. Se você permitir.

— Se eu permitir?

— Nós fomos brevemente informados de seu histórico de... dificuldades

com as autoridades — o soldado diz, timidamente examinando a alça de seu

rifle. — Foi-nos dito para não entrar em combate ou forçar vocês a fazerem

qualquer coisa. Os parâmetros da missão são limitados a apenas gentilmente

cutucar.

Balanço minha cabeça, desacreditando. Não há muito tempo fui

considerado um inimigo dos Estados Unidos. Agora, estou sendo tratado como

um estrangeiro digno pelo exército.

— Tudo bem — eu digo, decidindo não tornar a vida difícil para nossa

escolta. — Aponte-me a direção da Agente Walker e então ajude meu amigo

Sam a colocar suas mãos em um telefone via satélite.

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77

Momentos depois, ando ao lado do píer de concreto observando o East

River e Manhattan. O ar está fresco e gelado, no entanto ainda está tingido com

um irritante cheiro de queimado que sopra de Manhattan.

Daqui, tenho uma visão clara da destruição que os mogadorianos

impuseram na cidade. Pilares de fumaça negra sobem no brilhante céu azul, o

fogo que ainda queima. Existem lacunas no horizonte da cidade, espaços onde

sei que edifícios deviam estar, simplesmente apagados pelas poderosas armas

de energia da Anubis. Ocasionalmente, posso fazer um rasante entrelaçando

entre os edifícios, os mogs patrulhando as ruas.

A Agente Walker está sozinha na grade, observando a cidade.

— Como você me encontrou? — pergunto como um modo de

cumprimento, enquanto me aproximo.

A Agente do FBI que uma vez tentou me prender agora sorri para mim.

— Alguns sobreviventes mencionaram tê-lo visto — Walker responde. —

Nós enviamos grupos para fora da área geral. Começamos a procurar onde a

principal nave de guerra estava despejando artilharia pesada.

— Boa ideia — respondo.

— Estou feliz por você estar vivo — ela diz bruscamente.

O cabelo ruivo e grisalho da Walker está puxado para trás em rabo de

cavalo. Ela parece exausta, olheiras pesadas abaixo de seus olhos. Em algum

momento, trocou seu habitual casaco e terninho por um colete Kevlar,

provavelmente emprestado do grande contingente do exército que está

garantindo a segurança desta área. Seu braço esquerdo está em uma tipoia, e

há uma bandagem feita às pressas em sua testa.

— Quer que eu a cure? — pergunto.

Em resposta, Walker dá uma olhada em volta. Nós dois estamos sozinhos

no momento, em um pequeno parque escondido embaixo da Ponte de

Brooklyn. Ou melhor, tão sozinhos quanto conseguimos ficar em um lugar que

basicamente se tornou um campo para refugiados do dia para a noite. O

gramado montanhoso atrás de nós está cheio de tendas improvisadas, onde

nova iorquinos feridos e assustados se apertam. Acho que essas são as pessoas

que recusaram serem evacuadas pela Cruz Vermelha, ou talvez estivessem

feridas demais para fazer esta viagem.

Há tendas espalhadas pelo arredor do bloco, e tenho certeza que há

pessoas agachadas nos chiques apartamentos construídos à beira do rio nas

proximidades. Intercalados através dos sobreviventes, mantendo a ordem e

cuidando dos feridos, estão os soldados, policiais e alguns médicos, apenas uma

pequena parte da força de milhares que vi reunidos perto da ponte. É

essencialmente um caos organizado.

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— Esses seus poderes, eles têm limites? — Walker pergunta, olhando

como uma mulher deixada na grama do parque que teve um braço severamente

queimado tratado por um médico apressado.

— Sim, eu os sobrecarreguei ontem — respondo, coçando a parte de trás

do meu pescoço. — Por que você pergunta?

— Porque por mais que eu aprecie a oferta, nós temos milhares de feridos

aqui, John, com mais chegando a cada hora. Você quer gastar todo o seu tempo

remendando as pessoas?

Encaro as filas das pessoas no parque, muitas delas descansando em nada

mais do que a grama. A maioria delas está me observando. Ainda não estou

confortável com isso, ser o rosto da Garde. Eu me viro de volta para a Walker.

— Eu poderia. Isso salvaria algumas vidas.

Walker balança sua cabeça me olha.

— Os mais feridos estão na tenda de classificação. Nós podemos dar uma

passada por lá depois, se você quiser fazer toda essa coisa de Mãe Teresa. Mas

você e eu sabemos que há maneiras melhores de gastar o seu tempo.

Eu não respondo, e não levo a questão adiante. Walker geme e caminha

ao longo dos canais, indo em direção a uma coleção de tendas do exército

levantadas nas proximidades de uma praça. Dou outra rápida olhada em volta

do parque. Atravessando a ponte, as coisas parecem bem seguras. No entanto,

de volta onde eu estava, está uma absoluta loucura. Pessoas feridas, soldados,

policiais militares – eu nem sei por onde começar.

— Então, você é a responsável aqui? — pergunto a Walker, tentando me

orientar.

Ela bufa.

— Você está brincando, certo? Há generais cinco estrelas na cena

planejando operações de contra-ataque. A CIA e a NSA estão aqui, coordenando

com pessoas de Washington, tentando dar sentido a todas as informações que

estão sendo recebidas de todo o mundo. Eles tiveram o presidente em

videoconferência mais cedo nesta tarde, por mais espirituoso que o Serviço

Secreto seja. Eu sou apenas uma Agente do FBI, não muito em comando.

— Ok, se este é o caso, por que eles me trouxeram até você, Walker? Por

que nós estamos conversando?

Walker para e vira para mim, com suas mãos nos quadris.

— Por causa de nossa história, nossa relação...

— É disso que você está chamando?

— Eu fui nomeada sua ligação, John. Seu ponto de contato. Qualquer coisa

que você nos contar sobre os mogadorianos, suas táticas, esta invasão – isso

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será dito através de mim. Da mesma forma, qualquer requisição que você

poderá fazer para as forças armadas dos Estados Unidos.

Deixo escapar uma risada aguda e sem graça. Eu me pergunto onde estão

os generais. Procuro pelas tendas próximas procurando por alguma que pareça

mais importante que as outras.

— Sem ofensa, Walker, mas eu não preciso de você como um meio

comunicação.

— Não é você quem decide — ela responde, resumindo sua caminhada

pelo píer. — Você tem que entender que as pessoas no comando, o presidente,

seus generais, o que sobrou de seu gabinete – eles não eram do ProMog.

Quando os mogs fizeram contato, nós quase tivemos um golpe bem-sucedido

em nossas mãos com as escórias do ProMog defendendo a rendição. Por sorte,

com o Sanderson fora da jogada...

— Espera aí. O que aconteceu com ele? — pergunto.

Eu perdi o sinal do secretário da defesa durante a batalha com Setrákus

Ra.

— Ele não resistiu — Walker responde tristemente. — Eu tinha pessoas

suficientes em Washington para se livrar da maioria das maçãs podres. Aquelas

que nós sabíamos, pelo menos.

— Então você está dizendo que a maioria dos ProMog se foram e que nós

fomos deixados com...

— Um governo fraturado que foi mantido totalmente nas sombras. Essa

invasão, a ideia de aliens de outro planeta nos atacando, é tudo novo para eles.

Eles aceitam que você está lutando do nosso lado. Mas você ainda é um

extraterreste.

— Eles não acreditam em mim — eu digo, incapaz de manter a amargura

da minha voz.

— A maioria deles nem mesmo acredita mais um no outro. E de qualquer

forma, você não deveria confiar neles — Walker responde empaticamente. —

Os membros ProMog conhecidos foram todos presos, mortos ou se

esconderam. Mas isso não significa que pegamos todos eles.

Eu dou uma olhada para Walker, revirando meus olhos.

— Então melhor para mim continuar com o diabo que eu conheço, não é?

Ela abre os braços, obviamente não esperando que realmente eu a abrace.

— Isso mesmo!

— Tudo bem, aqui está meu primeiro pedido: contato. A Anubis – a nave

de guerra que deixou Nova York essa manhã – está carregando Setrákus Ra e

está indo para o México.

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— Ah, bom — Walker interrompe. — Eles vão gostar disso. Uma ameaça a

menos para os céus do EUA.

— Eles precisam enviar jatos, lutadores, drones, o que quer que eles

tiverem — continuo. — A nave está indo em direção de um lugar de grande

poder, um lugar lórico. Eu não tenho certeza do que Setrákus Ra quer lá, mas sei

que será ruim se ele conseguir. Nós temos que levar a luta até ele.

A expressão da Walker fica mais sombria quanto mais eu falo. Já posso

dizer que não vou gostar do que ela tem a me dizer. Ela me leva para fora do

píer, atravessando algum emaranhado de grama e para em frente de uma tenda

de lona ligeiramente isolada das outras.

— Um ataque direto não vai acontecer — ela responde.

— Por que diabos não?

— Meu quartel General — ela diz, empurrando a abertura da aba de

entrada. — Vamos conversar lá dentro.

Dentro da tenda da Walker está uma cama não usada, uma mesa

bagunçada e um laptop. Há um mapa da cidade de Nova York com linhas

vermelhas cruzando nela – se eu tivesse que adivinhar, apostaria que as linhas

vermelhas representam o caminho que a Anubis fez durante o ataque de

ontem. Walker puxa um segundo mapa debaixo do mapa de Nova York, este do

mundo inteiro. Há alguns sinistros Xs pretos desenhados sobre várias das

principais cidades – Nova York, Washington, Los Angeles e lugares mais

distantes como Londres, Moscou e Beijing. Há mais de vinte cidades marcadas

neste mapa.

Walker bate seus dedos no papel.

— Essa é a situação, John — ela diz. — Cada marca é uma das naves de

guerra. Você sabe como derrubar uma dessas coisas?

Balanço minha cabeça.

— Ainda não, mas ainda não tentei.

— A força aérea tentou ontem, e não deu muito certo.

Eu franzo a testa.

— Eu os vi voando. Sei que não conseguiram.

— Eles tiveram algum sucesso contra as menores naves, mas elas nem se

comparam com a Anubis. A força aérea estava considerando outro ataque

quando os chineses tentaram.

— O que isso significa?

— Algumas horas depois do ataque em Nova York, eles ficaram com os

dedos no gatilho. Provavelmente estavam preocupados que seriam os próximos

a serem atacados. Eles lançaram tudo o que puderam com exceção de uma

bomba nuclear na nave que estava sobre Beijing.

Page 83: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

81

— E?

— Vítimas em dezenas de milhares — Walker responde. — A nave de

guerra ainda está no ar. Elas estão protegidas de alguma forma. Os cientistas

chineses dizem que é um tipo de campo eletromagnético. Se cansaram de

lançar jatos contra esse campo, então tentaram lançar paraquedas com uma

pequena força diretamente na nave de guerra. Aqueles caras não sobreviveram

ao contato com o campo.

Lembro-me do campo de força em volta da base mogadoriana de West

Virginia. O choque que recebi ao tocá-lo foi o suficiente para me nocautear e me

deixar doente por dias.

— Eu já atravessei o campo de força deles antes — eu digo a ela. —

Literalmente.

— Como você o derrubou?

— Nunca consegui.

Walker me dá um olhar inexpressivo.

— E aqui estava eu , tendo um pouco de esperança.

Olho de volta para o mapa e balanço minha cabeça. Todo os Xs pretos me

parecem uma batalha que não sei como vencer.

— Vinte e cinco cidades sob ataque. Você tem alguma notícia boa, Agente

Walker?

— É isso — ela diz. — Esta é a boa notícia.

Levanto uma sobrancelha para ela.

— Alguns lugares, como Londres e Moscou, enviaram tropas para lutar

contra os mogs. Mas não houve resposta como aqui ou em Beijing. Nenhum

bombardeio, nenhum monstro furioso. É como se os mogs estivessem pegando

leve com eles. E também há alguns lugares como Paris e Tóquio que não

levantaram nenhum dedo se quer. Essas cidades não estão atualmente sob

ataque. As naves de guerra e as naves de escolta estão controlando o espaço

aéreo, mas além disso, não há nenhum mog em terra firme. E então, esta

manhã, aquela nave de guerra voou bem em cima de nós, como se não

fôssemos nada. Isso fez algumas pessoas pensarem que talvez eles não

quisessem lutar. Talvez tudo isso seja um grande mal-entendido com os

extraterrestres, que nós não deveríamos tê-los atacados primeiro.

— Nós não atacamos — aponto.

— Eu sei disso, mas em volta do mundo, o que nós vimos...

— Setrákus Ra está enviando uma mensagem — eu digo. — Mesmo

sabendo que ele tem a vantagem, ele não quer uma batalha demorada. Ele quer

intimidar a humanidade à submissão. Ele quer que nós desistamos.

Page 84: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

82

Walker acena e anda até seu laptop. Ela coloca uma série de senhas, o que

não é uma tarefa fácil considerando que ela tecla com apenas uma mão, antes

de finalmente abrir um vídeo criptografado.

— Você está mais certo do que você imagina — Walker diz. — Não está

claro como ele conseguiu acesso, mas esse vídeo apareceu nos canais de

segurança da caixa particular do presidente. Outros líderes do mundo com que

nós conversamos reportaram ter recebido a mesma coisa.

Walker aperta o botão “reproduzir” e um vídeo de qualidade HD com a

imagem do rosto de Setrákus Ra aparece na tela. Meu sangue começa a gelar ao

ver sua pele pálida e vazios olhos pretos, a cicatriz roxa escura que rodeia seu

pescoço, seu sorriso convencido para a câmera.

É exatamente o mesmo sorriso que tinha um pouco antes de me

arremessar no East River. Setrákus Ra está sentado em uma cadeira ornamental

de comandante na Anubis – eu me lembro de tê-la visto quando Ella me

mostrou a nave. Sob seu ombro, a cidade de Nova York é visível através de uma

grande janela do chão ao teto. O sol está nascendo, a cidade ainda está em

chamas. Não há dúvidas em minha mente que ele escolheu essa cena de fundo

de propósito.

— Respeitáveis líderes da Terra — Setrákus Ra começa, essas palavras

educadas emitidas em um áspero estrondo. — Rogo para que essa mensagem

os encontre com uma cabeça aberta depois do infeliz evento em Nova York e

Beijing. Foi com grande relutância, e somente depois de uma tentativa de

assassinato pelos alienígenas terroristas, que usei uma fração da força

mogadoriana disponível contra suas pessoas.

— A propósito, vocês são os alienígenas terroristas — Walker comenta.

— É, percebi isso.

Setrákus Ra continua:

— Tirando essas circunstâncias lamentáveis, minha oferta para acolher a

humanidade e mostrar-lhe que o Progresso Mogadoriano vale a pena ainda está

de pé. Eu não sou nada se não souber perdoar. Enquanto minhas forças

continuarão a manter a cidade de Nova York e Beijing como um lembrete do

que acontece quando bestas imprudentes mordem a mão gentil que as guia, as

outras cidades onde minhas naves de guerra estão posicionadas não têm o que

temer. Assumindo, isto é, que meus generais recebam rendição incondicional

destes governos nas próximas quarenta e oito horas.

Minha cabeça se vira para Walker.

— Eles não estão realmente acreditando nessa porcaria, não é?

Ela aponta para a tela.

— Tem mais.

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83

— Adicionalmente — Setrákus Ra entoa — acredito que o governo dos

Estados Unidos esteja abrigando os terroristas lorienos conhecidos como Garde.

Continuar a ajudar essas almas retorcidas será considerado um ato de guerra.

Eles deverão ser entregues a mim no tempo de rendição, no interesse de evitar

o custoso e doloroso processo de retirá-los à força. E também é de meu

entendimento que alguns humanos tenham sofrido de uma mutação nas mãos

da Garde onde eles manifestarão alguns tipos de habilidades sobrenaturais.

Estes humanos devem ser entregues a mim para tratamento.

— O que ele quer dizer com mutações? — Walker me pergunta. — Mais

besteira?

Eu não respondo. Em vez disso, me afasto do laptop enquanto Setrákus Ra

ainda está falando, meu olhar deslocando na direção da Agente Walker.

— Vocês têm quarenta e oito horas para se render, ou eu não terei escolha

senão libertar sua humanidade de sua liderança estúpida e liberar suas cidades

pela força...

O vídeo para e Walker vira o rosto para mim. Quando o faz, eu já tinha

preparado uma pequena bola de fogo, pairando sobe a palma da minha mão.

— Oh, Jesus Cristo, John — ela grunhe, saindo de perto do calor.

— É esse o motivo de você me trazer aqui? — retruco, me afastando.

Estou meio que esperando um grupo de soldados entrar explodindo tudo

para tentar me conter, então mantenho um olho na saída da tenda enquanto

me movo em direção a ela.

— Meus amigos estão seguros?

— Você acha que mostrei isso para você como um prelúdio de uma

emboscada? Fique calmo. Você está seguro.

Encaro Walker por mais alguns segundos. Nesse ponto, não tenho muita

opção a não ser acreditar nela, especialmente considerando a alternativa de

lutar um exército para sair daqui. Se o governo quer me entregar para Setrákus

Ra como um gesto de boa vontade, isso provavelmente ainda não aconteceu.

Extingo minha bola de fogo e encaro Walker.

— Então, isso é verdade? — Walker pressiona. — O que Setrákus Ra disse

sobre os humanos manifestando habilidades sobrenaturais? Ele quis dizer que

os humanos estão obtendo Legados?

— Eu...

Não tenho certeza o quanto devo compartilhar com Walker. Ela me diz

que estou seguro, mas não tem muito tempo ela estava me caçando através do

país. Embora ela alegue que o ProMog foi levado para as escuras, ainda há

humanos por aí trabalhando contra nós. Droga, ela acabou de me dizer para não

acreditar no governo. E se tiver novos Gardes em todo o mundo, e se algum

Page 86: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

84

liquidado como o Secretário de Defesa Sanderson chegar até eles antes de nós?

E eu poderia revelar Sam e Daniela para Walker? Não posso dizer nada para ela.

Não até eu ter descoberto primeiro.

— Eu não sei do que diabos ele está falando, Walker — falo depois de um

momento. — Ele vai dizer qualquer coisa para conseguir o que ele quer.

Acho que ela pode dizer que estou escondendo algo dela.

— Eu sei que é difícil aceitar considerando nossa história, mas estou do

seu lado agora — Walker diz. — Por ora, assim como os Estados Unidos.

— Por ora? O que isso significa?

— Isso significa que ninguém vai se render para o alienígena maníaco que

acabou de explodir Nova York. Mas se ele começar a colocar fogo em mais

cidades e nós não tivermos descoberto uma maneira de contra-atacar? As

coisas podem mudar, John. Por isso que seu pedido por uma operação militar

no México não vai acontecer. Primeiro, é um propósito perdido contra as naves

de guerra. E segundo, de acordo com os fatos ocorridos, o mais sábio é não

ajudarmos você abertamente por ora.

— Eles estão protegendo suas apostas — eu digo, incapaz de manter um

sorriso no meu rosto. — No caso de eles decidirem em se render.

— Palavra do presidente que todas as opções estão abertas.

— Desistir não é uma opção. Eu já vi... — eu me contenho para não usar

referências das visões do futuro de Ella, profecias de Legados poderosos não vai

fazer muito peso para a superprática Walker. — Não vai acabar bem para a

humanidade.

— Sim, você e eu sabemos disso, John. Mas quando Setrákus Ra começar a

matar civis e tudo o que ele quiser em troca for você e os outros Gardes? Esse é

um plano de ação que o presidente vai ser forçado a considerar.

Dou as costas, abrindo a aba da tenda para olhar para fora, me

perguntando onde Sam está com o telefone via satélite. Eu também quero

esconder meu rosto de Walker, sentindo que um ataque de pânico está

chegando. Eu não sei o que fazer. Se o prazo de Setrákus Ra passar e ele

começar a bombardear outra cidade, devo simplesmente deixar acontecer? Eu

devo me entregar? Neste meio tempo, o que faço para impedir o ataque dele ao

Santuário? E sobre Nove e Cinco, que ainda estão desaparecidos? É muita coisa

para lidar.

— John?

Devagar, encaro Walker, garantindo que minha expressão esteja neutra.

Mesmo assim ela deve detectar algo, porque atravessa a tenda e para em minha

frente. Ela agarra meu ombro com seu braço bom, e estou tão surpreso por ter

deixado isso acontecer. Há medo nos olhos de Walker, misturado com um tipo

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de determinação suicida. Eu já vi aquele olhar antes usado pelos meus amigos,

pouco antes deles se jogarem em uma batalha contra o impossível.

— Você precisa me dizer como fazer isso — Walker fala para mim, sua voz

baixa e trêmula. — Me diga como vencer essa guerra em menos de quarenta e

oito horas.

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Capítulo dez

— COMO ESTÁ INDO?

Adam pula quando coloco minha mão em seu ombro e me inclino para

checar seu progresso. Ele está curvado sobre uma bancada onde os mogs

aprimoravam suas armas antes das tentativas infrutíferas de destruir o

campo de força do Santuário. Adam varreu toda a porcaria mogadoriana que

estava atravancando a bancada para o chão e as substituiu com uma

variedade de peças mecânicas. As peças variadas vieram dos Skimmers

desativados que estavam juntando poeira no campo de pouso, algumas das

entranhas dos motores, outras de trás do painel de

instrumentos touchscreen. Entre as partes da nave estão várias outras coisas,

de todos os tamanhos – a bateria de uma das lâmpadas de halogênio, um

canhão mogadoriano quebrado e a carcaça de um notebook.

Todas essas coisas foram dobradas, torcidas ou marteladas por Adam

enquanto ele tenta substituir os conduíte destruídos da nossa nave usando

partes diversas.

— Como parece que está indo? — ele responde, sombriamente

colocando no chão maçarico que estava prestes a ligar. — Eu não sou um

engenheiro, Seis. Isso é estritamente tentativa e erro. Até agora, cem por

cento de erro.

O sol está agora subindo sobre as copas das árvores da selva para

queimar a pista de pouso, nenhum adiamento do calor pegajoso lá fora.

Adam já tem toda sua camisa suada, sua pele pálida em sua nuca ficando

rosada. Tiro minha mão de seu ombro até ele suspirar e virar seu rosto para

mim. Seus olhos negros estão secos e um pouco selvagens, círculos cinzas se

formando ao redor deles.

— Você não dormiu — eu digo, tomando isso como um fato. Ele

trabalhou durante a noite toda, suas marteladas e xingamentos

interrompendo as espasmódicas horas de descanso que consegui enquanto

dormia enrolada na cabine do Skimmer. Os únicos intervalos que ele fez foi

para checar Areal, que ainda não se livrava do estado de paralisia. — Talvez

eu não saiba muito sobre a biologia mogadoriana, mas tenho certeza de que

vocês precisam dormir.

Adam tira um pouco de cabelo dos seus olhos, tentando focar em mim.

— Sim, Seis, nós dormimos. Quando é conveniente.

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87

— Você vai acabar ultrapassando seus limites e ficar exausto, e então

será bom em quê? — pergunto.

Adam franze a testa.

— Nas mesmas coisas que eu sou bom agora — ele diz, olhando para a

coleção de diversas partes em sua frente. — Eu entendo você, Seis. Estou

bem. Deixe-me continuar trabalhando.

Para falar a verdade, estou orgulhosa por Adam ser devoto em seu

serviço. Ao mesmo tempo que não quero vê-lo se machucando, nós

precisamos desesperadamente sair do México. Ainda não há uma palavra do

John. Temo estarmos perdendo a guerra.

— Pelo menos coma algo — eu digo a ele, agarrando uma banana verde

que acabei de pegar de uma bananeira próxima e empurrando nas mãos de

Adam.

Ele considera a banana por alguns momentos. Posso realmente ouvir o

estômago de Adam roncar enquanto ele começa a descascá-la. Comida não

foi uma coisa que pensamos em trazer – nós não sabíamos o que esperar

quando vínhamos para o Santuário, mas definitivamente não estávamos

planejando ficar por aqui. Não trouxemos os suprimentos necessários para

uma estadia longa.

— Sabe, Nove tinha uma daquelas pedras em sua Arca que, se você as

chupasse, elas lhe dariam todos os nutrientes de uma refeição — eu digo a

Adam, descascando uma banana. — Meio nojento, especialmente depois que

você começa a pensar sobre onde eles estiveram e quantas vezes Nove

provavelmente a usou. Mas agora, eu realmente queria que não tivéssemos

jogado aquilo dentro do poço do Santuário.

Adam sorri, olhando para o templo.

— Talvez você devesse voltar e pedir com jeitinho. Tenho certeza que

aquela coisa-energética não quer as pedras cuspidas por Nove.

— Talvez eu devesse pedir um novo motor, já que estarei lá.

— Não doeria — Adam responde, e engole o resto de sua banana com

pressa. — Eu vou tirar a gente daqui, Seis. Não se preocupe.

Coloco uma segunda banana na mesa e deixo Adam voltar ao trabalho.

Atravesso a pista de pouso em direção onde Marina está sentada com as

pernas cruzadas na grama, encarando o Santuário. Eu não tenho certeza se

ela está meditando ou rezando ou alguma coisa assim, mas ela estava

naquele lugar quando acordei esta manhã e ainda não se moveu desde que

saí caçando por comida na selva.

Eu gostaria de pensar que foi por acidente minha rota até Marina me

levar para a haste do Skimmer onde Phiri-Dun-Ra está amarrada, mas eu sei

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88

que não. Nós a amarramos no meio do campo e todos temos mantido os

olhos nela. Quero que a mogadoriana diga alguma coisa, para me dar um

motivo. Ela não desaponta.

— Ele vai falhar, você sabe.

— Você disse alguma coisa? — pergunto, parando e me virando devagar

para encará-la.

Eu ouvi Phiri Dun-Ra perfeitamente.

Nossa prisioneira mogadoriana sorri cruelmente para mim, seus dentes

tortos com sangue seco. Seu olho direito está inchado. Eu fiz isso nela ontem

à noite. Depois de ouvir sobre a invasão mogadoriana, cansei-me

rapidamente com sua incessante gargalhada. Então, eu a acertei. Não foi meu

momento mais orgulhoso, socando um mogadoriano amarrado, mas isso me

fez sentir bem. Na verdade, eu provavelmente teria feito mais se Marina não

tivesse me arrastado para longe dela.

Enquanto encaro Phiri Dun-Ra, seu olho bom se estreita em diversão.

Cerro os punhos de novo. Eu quero bater em algo. Tudo o que preciso é

de um motivo.

— Você me ouviu, garotinha — ela responde, balançando o queixo na

direção de Adam. Phiri Dun-Ra fala alto o suficiente que eu tenho certeza que

ele pode ouvir também. — Adamus Sutekh vai falhar, como ele sempre falha.

Você sabe, eu o conheço há muito mais tempo que você. Eu sei o eterno

desapontamento que ele foi para seu pai. Para o nosso povo. Não é à toa que

ele se tornou um traidor.

Olho por sobre os meus ombros para Adam. Ele está fingindo não ouvir

Phiri Dun-Ra, mas suas mãos pararam de trabalhar e seus ombros

enrijeceram.

— Você quer ser nocauteada de novo? — pergunto para Phiri Dun-Ra,

dando um passo em direção a ela.

Ela fica pensativa por um momento, então continua:

— No entanto, hmm... acabei de me lembrar de algo. Eu me lembro de

ouvir as proezas do jovem técnico Adamus. Ele era algo como um prodígio

em máquinas para um jovem nascido naturalmente. É estranho ele não ser

capaz de consertar uma dessas naves, especialmente com todos esses

equipamentos a seu dispor.

Eu olho novamente para Adam. Ele está virado agora, uma expressão

confusa em seu rosto, encarando Phiri Dun-Ra.

— Eu me pergunto se ele está enrolando de propósito — Phiri Dun-Ra

diz. — Talvez, agora que o Progresso Mogadoriano se provou inevitável, ele

pense que manter vocês aqui dará a ele algum favor com nosso Adorado

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89

Líder, para que então ele volte rastejando de volta para seu povo de

verdade... Ou talvez ele simplesmente seja covarde demais para encarar as

batalhas perdidas que estão por vir.

Adam passa por mim como um borrão. Ele agacha em frente à Phiri Dun-

Ra e puxa sua cabeça para trás. Ela tenta mordê-lo, mas Adam é mais rápido.

— A morte está chegando para você, Adamus Sutekh! Para todos vocês!

— ela dá um jeito de gritar, antes de Adam enfiar um pedaço de pano em sua

boca.

Depois, ele rasga um pedaço grande de fita e enrola em toda a cabeça

de Phiri Dun-Ra. Sua respiração agora vem em rajadas furiosas pelo seu nariz,

a mogadoriana olhando venenosamente para Adam. Sobre a grama em

frente ao Santuário, Marina tem resistido em assistir a cena, uma pequena

careta em seu rosto.

Adam fica em cima de Phiri Dun-Ra, seus dentes à mostra, linhas escuras

aparecendo em seu rosto. É um olhar assassino, um que vi no rosto de vários

mogadorianos, usualmente logo antes de tentarem me matar.

— Adam... — chamo, advertindo-o.

Adam se vira para me encarar, tentando se controlar. Ele respira fundo.

— Tudo o que ela disse é mentira, Seis — ele diz. — Tudo.

— Eu sei disso — respondo. — Nós devíamos tê-la amordaçado antes.

Adam grunhe e retorna para sua bancada, seus olhos desanimados

enquanto passa por mim. Phiri Dun-Ra definitivamente sabe como tirá-lo do

controle. Como tirar todos nós. Bom, exceto Marina. Eu sei que ela está

tentando criar uma barreira entre ela e o nosso grupo, mas isso não vai

funcionar. Quão estúpida ela pensa que sou? Eu sempre vou acreditar na

palavra de um mogadoriano que foi permitido atravessar o campo de força

do Santuário do que de um que tentou nos explodir com uma granada.

Com o fim da discussão, Marina senta na grama de frente para o

Santuário. Eu me junto a ela, observando as brilhantes aves coloridas voarem

enquanto brincam em volta do templo antigo.

— Você o teria parado, se ele tentasse matá-la? — Marina me pergunta

depois de um momento.

Eu encolho os ombros.

— Ela é uma mogadoriana — respondo. — Uma das piores que já

conheci. E isso quer dizer alguma coisa.

— No calor da batalha é uma coisa — Marina diz. — Mas quando ela

está amarrada... Ela não é como os guerreiros que nós tanto enfrentamos. Ela

é como Adam, uma nascido naturalmente. Quando usei minha cura nele,

evitando que ele desintegrasse, eu pude... Eu pude sentir a vida lá, não tão

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90

diferente do que a nossa. Temo no que nós podemos nos tornar com a

continuidade dessa guerra.

Talvez eu esteja cansada demais, e definitivamente estou além de

estressada com nossa situação atual, mas essa coisa moral de Marina está

começando a encher o saco. Quando respondo, tem mais ignorância na

minha voz do que eu gostaria.

— E então? Você é pacifista agora? Alguns dias atrás, você arrancou o

olho do Cinco com um ataque de gelo — eu a lembro. — Ele é muito mais

parecido conosco do que Phiri Dun-Ra é, e eles dois estão em apuros.

— Sim, eu fiz isso — Marina responde, passando suas mãos sobre as

pontas afiadas da grama. — Eu me arrependo disso. Ou, na verdade, eu me

arrependo do pouco arrependida que estou. Você entende o que quero dizer,

Seis? Nós temos que tomar cuidado para não nos tornarmos eles.

— Cinco mereceu — respondo, amolecendo um pouco minha voz.

— Talvez — Marina admite, e finalmente olha para mim. — Eu me

pergunto o que será de nós quando tudo isso acabar, Seis. Com o que nós

seremos parecidos?

— Se ainda tiver restado alguma coisa de nós — respondo. — Grande

“se” nesse momento.

Marina sorri tristemente. Ela muda seu olhar de volta para o Santuário.

— Eu fui dentro do templo mais cedo nessa manhã, antes do nascer do

sol — ela conta. — Voltei para o poço, de onde a energia Lórica veio.

Eu estudo Marina. Enquanto eu estava dormindo, ela estava descendo

aquelas escadas tortas de volta para a câmara subterrânea do Santuário.

O poço de pedra de onde a Entidade veio, os mapas brilhantes do

universo nas paredes. Eu gostaria que nós tivéssemos obtido mais respostas

daquele lugar.

— Achou algo útil?

Ela balança o ombro.

— Ainda está lá. A Entidade. Eu posso senti-la, se espalhando de dentro

do Santuário, no entanto, não sei por qual motivo. Ainda posso ver o brilho, lá

no fundo do poço. Mas...

— Você estava esperando por algum conselho?

Marina acena e sorri baixinho.

— Eu tinha esperança que ela poderia nos guiar. Dizer-nos o que fazer a

partir de agora.

Não estou surpresa que a Entidade esteja vivendo dentro do Santuário,

aparentemente a fonte de nosso poder, não colocou a cabeça para fora para

outra visita com Marina. Quando nós encontramos a entidade pela primeira

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vez, ele parecia quase incomodada conosco, feliz por ter sido acordada, com

certeza, mas sem nenhuma pressa em nos ajudar a ganhar essa guerra contra

os mogadorianos. Eu me lembro de algo que ela disse durante nossa

conversa, que ela concede seus dons sobre uma espécie, que não julga ou

toma lados, nem mesmo para sua própria defesa. Acho que nós já tivemos

toda ajuda da entidade que nós vamos ter. Guardo esse pensamento para

mim, não querendo desencorajar Marina ou abalar sua fé, a qual parece ser a

única coisa que a está mantendo sã. Mesmo se isso a guie a algumas

questões éticas mórbidas que eu francamente não me vejo pensando.

— Fiquei sentada aqui fora rezando por nossa situação — Marina

continua. — Suponho que seja idiota esperar por algum tipo de sinal. No

entanto, não sei o que mais fazer comigo mesma.

Antes que eu consiga responder, um zumbido estridente soa atrás de

nós. No início, penso que é só a última tentativa de Adam em criar um novo

tubo. O barulho está muito perto. Está vindo praticamente de cima de nós.

Marina está sorrindo para mim, com seus olhos arregalados e animados. Meu

coração começa a bater mais rápido enquanto percebo o que está

acontecendo. Talvez a oração de Marina realmente tenha funcionado.

— Seis? Você não vai atender?

As coisas têm sido irritantemente silenciosas por tanto tempo, que devo

ter esquecido como o toque de um telefone via satélite soa. Eu me levanto

em um pulo, arrancando o telefone do bolso da minha calça.

Marina permanece comigo, inclinando sua cabeça mais próximo para

poder ouvir, e Adam corre para se juntar a nós. Eu posso sentir Phiri Dun-Ra

nos observando, mas eu a ignoro.

— John?

Há uma explosão estática enquanto o telefone via satélite estabelece a

conexão, uma voz familiar saindo através dos gritos da interferência.

— Seis? É o Sam!

Um largo sorriso se forma no meu rosto. Posso sentir o alívio na voz de

Sam por eu ter atendido ao telefone.

— Sam! — minha própria voz trava um pouco. Espero que ele não tenha

percebido isso. Na verdade, eu não me importo. Marina agarra meu braço,

sorrindo mais largamente. — Você está bem? — pergunto para Sam, as

palavras saindo metade como questão e metade como exclamação.

— Eu estou bem! — ele grita.

— E John?

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92

— John também. Nós estamos em um acampamento militar no

Brooklyn. Eles nos emprestaram um par de telefones via satélite e John está

falando com Sarah no outro telefone.

Eu resmungo e não posso evitar revirar meus olhos um pouco.

— É claro que ele está.

— Onde vocês estão, gente? Está todo mundo bem? — Sam pergunta.

— As coisas ficaram loucas.

— Todo mundo está bem, mas...

Antes que eu consiga contar ao Sam sobre nossa situação, ele

interrompe.

— Alguma coisa aconteceu ai embaixo, Seis? Enquanto vocês estavam

no Santuário? Como, por um exemplo, vocês apertaram um botão para

Legados ou alguma coisa?

— Não tinha nenhum botão — eu digo, trocando um olhar com Marina.

— Nós conhecemos, eu não sei...

— O próprio Lorien — Marina diz.

— Nós conhecemos uma Entidade — explico a Sam. — Ela diz algumas

coisas enigmáticas, nos agradeceu por tê-la acordada e então, hum...

— Se espalhou pela Terra — Marina termina para mim.

— Ah, oi Marina — Sam diz distraidamente. — Escuta, acho que essa

Entidade de vocês pode ter, hum, se espalhado em mim.

— Que diabos isso significa, Sam?

— Eu desenvolvi Legados — Sam responde. Há uma forte mistura de

animação e orgulho em sua voz que é impossível eu não imaginar Sam

estufando um pouco o peito, parecendo como se ele tivesse feito algo de

bom depois de ter beijado pela primeira vez. — Bem, só telecinesia. Que é

sempre o primeiro, certo?

— Você desenvolveu um Legado?! — exclamo, olhando com os olhos

arregalados para os outros.

As mãos de Marina apertam meu braço, e ela se vira para ver o

Santuário. Nesse meio tempo, a expressão de Adam se torna pensativa

enquanto ele olha para suas próprias mãos, talvez se questionando o que

este desenvolvimento quer dizer sobre seus próprios Legados.

— E eu não sou o único — Sam continua. — Nós conhecemos outra

garota em Nova York que por acaso também desenvolveu Legados. Quem

sabe quantos novos Gardes há pelo mundo afora?

Balanço minha cabeça, tentando digerir toda essa informação. Eu me

percebo encarando o Santuário também, pensando sobre Entidade

escondida com ele.

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— Funcionou — eu digo em voz baixa. — Realmente funcionou.

Marina me encara, lágrimas em seus olhos.

— Nós estamos em casa, Seis — ela diz. — Nós trouxemos Lorien para

cá. Nós mudamos o mundo.

Tudo isso soa incrível, mas eu ainda não estou preparada para celebrar.

Nós ainda estamos presos no México. A guerra não acabou de repente.

— Aquela Entidade não te deu uma lista de novos Garde, deu? — Sam

pergunta. — Algum jeito de nós encontrá-los?

— Nenhuma lista — respondo. — Não posso dizer com certeza, mas

julgando pela minha conversa com a Entidade, tudo parece ser bastante por

acaso. O que está acontecendo ai? — pergunto ao Sam, desviando a conversa

para as batalhas que nós perdemos. — Nós ouvimos sobre o ataque em Nova

York...

— Está ruim, Seis — Sam diz, diminuindo sua voz. — Manhattan está,

tipo, pegando fogo. Nós não sabemos onde Nove está; ele ainda está lá em

algum lugar. Onde vocês estão? Nós realmente poderíamos usar sua ajuda.

Percebo que eu ainda não terminei de contar ao Sam sobre nossa

situação atual.

— Tinha mogs de guarda no Santuário — conto a ele. — Nós pegamos

todos, exceto um. Enquanto estávamos dentro do templo, ela destruiu todas

as naves. Estamos presos aqui. Você acha que vocês conseguiriam que um

novo amigo militar mandasse um jato? Talvez precisemos ser resgatados.

— Espere, vocês ainda estão no México? No Santuário?

Eu não gosto do medo na voz do Sam. Alguma coisa não está certa.

— O que está errado, Sam?

— Vocês precisam sair daí — Sam diz. — Setrákus Ra e sua nave gigante

estão indo direto na direção de vocês.

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94

Capítulo onze

ALGUNS MINUTOS DEPOIS DE A AGENTE WALKER ME DIZER QUE TENHO

QUARENTA E oito horas para vencer uma guerra, uma dupla de soldados

vestidos em uma armadura completa e um cidadão de meia idade estão

carregando um tablet chegam à sua barraca. Eles querem entregar algum tipo

de mensagem importante relacionada à gravação que o cidadão fez em seu

aparelho durante a manhã. Eu não estou prestando muita atenção – meus

ouvidos estão zunindo, coração batendo forte. Posso sentir que os recém-

chegados estão me olhando, como se eu fosse um híbrido de celebridade e um

unicórnio. Isso não ajuda no meu pressentimento de que as paredes da barraca

estão se fechando lentamente.

Acho que talvez eu possa estar sob um ataque de pânico.

A Agente Walker dá uma olhada em mim e levanta sua mão, impedindo

que os soldados falem qualquer coisa.

— Vamos dar uma volta, cavalheiros — ela diz. — Preciso de ar fresco.

Walker leva os três homens para fora de sua barraca e os segue, parando

na saída. Ela olha para mim, fazendo uma careta como se estivesse com dor. Sei

que ela provavelmente quer dizer alguma coisa confortante ou encorajadora, e

também sei que a Agente Walker simplesmente não faz esse tipo.

— Tire alguns minutos — ela diz gentilmente, e essa provavelmente é a

maior empatia que vi por parte dela.

— Eu estou bem — digo bruscamente, embora eu não me sinta bem.

Na maior parte. Estou enraizado no mesmo lugar e lutando para manter

minha respiração estável.

— Claro, eu sei disso — ela concorda. — Apenas... eu não sei, você passou

por momentos difíceis nas últimas vinte e quatro horas. Tome um ar fresco.

Estarei de volta dentro de alguns minutos.

Assim que ela sai, eu imediatamente desmorono na cadeira em frente ao

notebook. Eu não deveria estar descansando. Há muita coisa para ser feita.

Embora meu corpo não esteja cooperando. Essa sensação não é como a

exaustão pela qual eu estava passando ontem – é algo diferente.

Minhas mãos tremem, e posso ouvir meus batimentos cardíacos em meu

peito. Eles me lembram do barulho das explosões que ocorreram ontem – dos

gritos, dos mortos. Correndo pela minha vida, passando por corpos de pessoas

que não fui bom o suficiente para salvar. E ainda há mais para vir.

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95

A menos que eu possa fazer o impossível. Sinto como se eu fosse vomitar.

Preciso de algo para focar, alguma coisa para me tirar desse pavor, então ligo o

notebook de Walker. Eu sei o que estou esperando encontrar, o que preciso

ouvir. Junto com o vídeo que ela me mostrou da ameaça de Setrákus Ra, Walker

tem alguns outros arquivos abertos em seu computador. Eu não estou tão

surpreso pelo fato de encontrar o vídeo que eu quero lá, já aberto.

LUTE PELA TERRA – APOIE OS LORIENOS.

Aumento o volume e clico no botão “reproduzir”.

“Esse é o nosso planeta, porém não estamos sozinhos”.

Daniela estava certa: Sarah realmente parece tentar parecer mais velha e

mais profissional do que ela realmente é, como uma âncora ou uma jornalista.

Isso me faz sorrir, de qualquer forma. Fecho os olhos e escuto a voz dela. Eu não

preciso necessariamente compreender as palavras – embora seja

definitivamente bom ouvir a voz de sua namorada descrevendo você como um

herói para a raça humana.

Ouvir a voz de Sarah começa a tranquilizar meus nervos, mas também cria

um sentimento que estive muito preocupado em sentir durante os últimos dias.

Eu imagino nós, de volta a Paradise, inocentes, ficando juntos no meu quarto

enquanto Henri fazia compras...

Não tenho certeza de quantas vezes assisti o vídeo antes de Sam entrar na

barraca de Walker. Ele pigarreia para chamar minha atenção e segura um

celular via satélite em cada mão.

— Missão cumprida — ele diz. Ele inclina sua cabeça para ver a tela do

notebook. — O que você está assistindo?

— O... hum... o vídeo que a Sarah fez — respondo, me sentindo

envergonhado.

Claro, Sam não sabe que acabei de ver uma dúzia de vezes, que estou

ouvindo a voz da minha namorada para tentar sair desse estado emocional.

Levanto rapidamente e tento parecer tão firme quanto sou descrito no vídeo.

— É incrível? — Sam pergunta, se aproximando. Ele deixa um dos

telefones na mesa, perto de mim.

— É... — eu paro, não tendo certeza sobre o que dizer do vídeo. — É bem

sentimental, na verdade. Mas, agora, é uma das melhores coisas do mundo

também.

Sam assente e dá um tapinha no meu ombro, entendendo.

— Por que você não liga para ela?

— Sarah?

— É. Eu vou ligar para Seis e ver como está a Equipe do Santuário — ele

diz, parecendo ansioso. — Descobrir onde eles estão. Talvez eles nem tenham

Page 98: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

96

conseguido voltar para Ashwood Estates. Vou atualizá-los sobre o que está

acontecendo conosco e iremos combinar um local de encontro. Eu

provavelmente deveria ligar para meu pai também. Deixar ele saber que estou

vivo.

Percebo que Sam está olhando para mim da mesma maneira que Walker,

como se eu de repente estivesse frágil. Assinto e começo a andar, mas Sam põe

a mão em meu ombro.

— Sério, cara — ele diz. — Ligue para sua namorada. Ela deve estar

morrendo de preocupação.

Deixo Sam me colocar de volta na cadeira.

— Tudo bem. Mas se qualquer coisa aconteceu com Seis e os outros, ou se

você não conseguir falar com eles...

— Você será o primeiro a saber — Sam diz enquanto ele segue para a

saída. — Eu vou deixar você a sós antes da próxima crise.

Assim que Sam se foi, coloco minhas mãos sobre meus cabelos e as deixo

lá, apertando minha cabeça, como se estivesse literalmente tentando juntar as

coisas. Depois de um momento de recomposição, alcanço o celular que Sam me

trouxe e digito o número que memorizei.

Sarah atende no terceiro toque, sem fôlego e cheia de esperanças.

— John?

— Você não tem ideia do quanto eu precisava ouvir sua voz — eu

respondo, olhando para o notebook da Walker e finalmente fechando-o.

Aperto o telefone na minha orelha, fecho meus olhos e imagino Sarah

sentada ao meu lado.

— Eu estava tão preocupada, John. Eu vi – nós vimos o que aconteceu em

Nova York.

Mordo a parte interna da minha bochecha. A imagem de Sarah que estava

em minha mente é substituída por um dos prédios se desmoronando em razão

do bombeamento causado pela Anubis.

— Foi... eu não sei o que dizer sobre isso — eu digo. — Eu me sinto com

sorte por ter escapado.

Não menciono a culpa que estou sentido, ou como foi difícil para mim

continuar. Eu não quero que Sarah saiba isso. Eu quero ser o herói que ela

descreveu no vídeo.

Sarah não diz nada por alguns segundos, mas posso ouvi-la respirando,

instável e devagar, como se estivesse tentando impedir que as emoções

explodam. Quando ela finalmente fala, sua voz é baixa, num sussurro

desesperado, vindo de muito longe.

Page 99: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

97

— Foi horrível, John. Todas aquelas pobres pessoas. Eles estão morrendo,

o mundo está basicamente acabando, e tudo... tudo em que eu conseguia

pensar era no que poderia ter acontecido com você, o motivo pelo qual você

não entrava em contato. Eu não – eu não tenho um feitiço no meu tornozelo

para me manter atualizada. Eu não sabia se...

Percebo que Sarah está aliviada por ouvir minha voz daquele jeito, aquela

forma de quando você está a noites sem dormir por estar preocupado com

alguém. Eu me lembro de como me senti quando os mogadorianos a tinham

pego, como foi sentir que uma parte de mim estava faltando. Eu também me

lembro do quão simples as coisas eram até então – evitar os mogs, salvar Sarah,

quando não havia milhões de vidas pesando na balança. É louco pensar que eu

considerava aquilo como uma crise.

— Meu telefone foi destruído, por isso não entrei em contato antes. Nós

conseguimos chegar ao Brooklyn, onde o exército se estabilizou. Estou bem —

eu reasseguro ela, sabendo que de certa forma estou tentando me convencer

disso também.

— Eu me senti como um fantasma nesses últimos dias — Sarah sussurra.

— Mark e eu, nós passamos muito tempo na Internet, trabalhando em projetos

para ajudar, você sabe, conseguir seguidores. E nós finalmente conhecemos

GUARD em carne e osso, o que – meu Deus John, tenho tanta coisa para contar.

Mas primeiro preciso que você saiba que durante todo esse tempo, sinto como

se eu apenas estivesse agindo com emoções. Como se eu estivesse fora do meu

corpo. Porque tudo em que pude pensar era em você acabar explodido junto

com essas pessoas em Nova York.

Eu deveria perguntar a Sarah sobre a identidade do misterioso hacker com

quem ela e Mark estiveram trabalhando. Eu deveria saber os detalhes do que

ela e Mark estiveram fazendo. Eu sei que deveria. Com exceção desse

momento, onde tudo o que quero pensar é em como senti sua falta.

— Eu sei que parte do motivo pelo qual você foi se encontrar com Mark

era porque você não queria ser uma distração — eu digo, tentando parecer

mais sério do que desesperado. — Não ser capaz de falar com você, de vê-la, de

te tocar – isso talvez tenha sido a maior distração, no final das contas. Você tem

ajudado tanto, mas...

— Eu também sinto sua falta — Sarah responde, e posso dizer que quando

ela fala, ela tenta encontrar um motivo, ser sorte como foi quando eu a deixei

na rodoviária de Baltimore. — Nós fizemos a escolha certa, John. É melhor

assim.

— Foi uma escolha estúpida — respondo.

— John...

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98

— Eu não sei porque deixei você me convencer a isso — continuo. — Nós

nunca devíamos ter nos separado. Depois de tudo o que aconteceu em Nova

York, tudo o que tive que ver...

Eu fico sem fôlego por um momento enquanto me lembro das explosões,

da destruição, dos feridos e dos mortos. Percebo que estou tremendo

novamente, e definitivamente não é de cansaço. Sinto como se eu tivesse

atingido meu limite, como se tivesse mais brutalidade em meu cérebro do que

ele pode suportar. Tento focar em Sarah e em conseguir falar, tentando não

parecer desesperado.

— Eu preciso de você do meu lado, Sarah — consigo terminar. — Sinto que

estas são as últimas batalhas que teremos que enfrentar até o fim de nossas

vidas. Depois de Nova York, eu... eu vi o quão rapidamente a vida pode nos ser

tirada. Eu não quero que estejamos separados se algo acontecer, se esse for o

fim.

Sarah expira fundo. Quando ela fala, sua voz é firme.

— Esse não é o fim, John.

Percebo como eu devo ter parecido para ela. Fraco e com medo, não como

o super-herói alienígena que ela descreveu no vídeo. Estou envergonhado pela

forma como agi. Sozinho pela primeira vez desde Nova York, sem conflitos

constantes para me distrair, com as coisas finalmente calmas para que eu possa

pensar – o resultado sou eu desmoronando ao telefone com minha namorada.

Estivemos em más situações antes, lutamos algumas batalhas brutais e vimos

amigos morrerem. Mas, até agora, eu nunca me senti sem esperança.

Quando fico em silêncio por alguns minutos, Sarah continua, sua voz num

tom gentil.

— Eu não posso imaginar o que foi para você estar em Nova York

durante... aquilo. Eu não posso imaginar pelo o que você está passando...

— Foi minha culpa o que aconteceu — eu digo a ela em voz baixa, olhando

para saída da barraca caso alguém lá fora possa ouvir. — Eu poderia ter matado

Setrákus Ra nas Nações Unidas. Tive tempo para me preparar para essa invasão.

E eu falhei.

— Ah, John. Você não pode se culpar pelo que ocorreu em Nova York —

Sarah responde, com um tom de voz insistente. — Você não é responsável pelos

assassinatos brutais daquele alienígena psicopata, tá bom? Você estava

tentando impedi-lo.

— Mas não impedi.

— É, mas nenhuma outra pessoa o impediu também. Então ou todos nós

somos culpados, ou talvez a culpa seja do mogadoriano cruel e podemos deixar

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99

assim. Se culpar não vai trazer ninguém de volta, John. Mas você pode vingá-los.

Você pode impedir Setrákus Ra de repetir o que ele fez.

Eu rio amargamente.

— É isso. Eu não sei como impedi-lo.

— Encontraremos algum jeito — Sarah responde, e ela certamente quase

me convence. — Vamos fazer isso juntos. Todos nós.

Esfrego as mãos em meu rosto, tentando me estabilizar.

Sarah está me dizendo exatamente o que eu precisava ouvir. Como

sempre, eu sei que ela está certa, pelo menos logicamente. Mas isso não retira a

culpa que sinto em minhas entranhas, ou talvez faz o futuro parecer menos

sobrecarregado.

— Eles olham para mim como se eu fosse um herói — eu digo, zombando.

— Ando por este acampamento de soldados, de sobreviventes, e todos me

olham como se eu fosse algum tipo de super-homem. Eles não sabem...

— Acho que o vídeo realmente funcionou — Sarah diz, tentando melhorar

meu humor. — Eles olham para você dessa forma porque você é um herói, John.

Balanço minha cabeça.

— Eles não sabem que não tenho ideia do que estou fazendo. Eu não sei

como lutar numa batalha nessa escala. Nove está desaparecido. Ella foi raptada

e está basicamente sendo torturada, e não sei porque Seis e os outros estão

demorando tanto para voltar do Santuário, mas quando eles voltarem, talvez

teremos que regressar para lá de qualquer jeito, porque é para lá que Setrákus

Ra está indo. Enquanto isso, há vinte e cinco naves sobre vinte e cinco cidades

diferentes. Eu não sei como lidar com isso, Sarah.

— Bem — Sarah responde, sua voz calma, como se eu não tivesse acabado

de jogar uma pilha de problemas sobre ela. — É uma boa coisa você ter amigos.

Agora vamos tratar uma coisa de cada vez. Deixe-me lhe contar sobre GUARD.

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Capítulo doze

SARAH CONTA TUDO SOBRE O TEMPO QUE PASSOU COM MARK, E EU

REALMENTE não consigo acreditar no que ela me fala sobre GUARD. Depois de

todos esses anos, é incrível. Tento manter a calma em minha voz, esconder

essas notícias incríveis da Agente Walker e de seus amigos do governo, pelo

menos por enquanto. Depois que Sarah me atualizou, digo a ela tudo o que

aconteceu comigo, e sobre tudo o que estamos enfrentando. Ela não vacila. Ela

me diz que podemos fazer isso. Ela me diz que podemos vencer.

Ela me faz acreditar.

Quando finalmente saio da barraca da Agente Walker, não estou mais

tremendo. Desabafar com Sarah, ouvir sua voz, lembrar do motivo pelo qual

estou lutando – tudo isso foi o suficiente para me fazer levantar, seguir em

frente, pronto para voltar à batalha. Ainda não tenho todas as respostas, mas

agora não tenho mais medo de enfrentar as perguntas.

Do lado de fora da barraca, Sam ainda está no telefone. Ele anda de um

lado para o outro, gesticulando enfaticamente com sua mão livre.

— Seis, isso é loucura — ele insiste. Obviamente, Seis está viva e muito

bem. E é claro que Sam já está tentando fazê-la desistir de alguma loucura. —

Você não viu o tamanho dessa coisa. Ela destruiu todos os prédios da cidade

como se fossem feitos de papel.

Sam me vê, então arregala os olhos como se Seis estivesse dizendo algo

louco em resposta.

— John está aqui — Sam diz para o telefone. — Talvez ele consiga pôr

alguma razão em sua cabeça.

Sam me entrega o celular.

— Eles estão bem? — pergunto para Sam, aceitando o telefone.

— Estão. Eles libertaram o espírito de Lorien na Terra, o que

provavelmente é a resposta para o desenvolvimento do meu Legado, mas agora

estão presos no México, e Seis está falando da possibilidade de lutar contra

a Anubis quando ela aparecer no Santuário — Sam revela quase sem fôlego. Eu

o encaro, tentando absorver tudo o que ele me disse enquanto levo o telefone

até a orelha.

— John? Sam? — é a voz familiar de Seis, parecendo irritada. — Alguém

fale comigo.

— Ei, Seis — eu digo. — Bom ouvir sua voz.

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— Bom ouvir a sua também — ela responde, um pouco alto. — Quer que

eu o atualize com detalhes? Ou devemos ir direto ao ponto onde você tenta me

convencer a não lutar contra Setrákus Ra e sua nave de guerra?

Não consigo evitar sorrir quando a ouço explodindo. Depois de falar com

Sarah, e agora com Seis, as coisas não parecem tão pesadas como pareciam.

Nós definitivamente vamos lutar, e pelo menos não estou nessa sozinho.

— Eu quero que você me atualize — eu digo Seis. — Mas primeiro,

realmente preciso falar com Adam.

— Oh — Seis responde, parecendo surpresa. — Claro. Espere um segundo.

Sam me encara, como se eu definitivamente devesse ter dito primeiro a

Seis e os outros para fugirem do Santuário. Não tenho certeza se essa é a coisa

certa no momento. Nós sabemos que Setrákus Ra está indo para lá, mas ele não

sabe que sabemos disso. Isso nos dá uma vantagem rara. Ella me mostrou o

Santuário em sua visão. Ela me disse para avisar Seis e os outros. Talvez seja lá

que ocorrerá a batalha final contra Setrákus Ra. Se esse for o caso, pelo menos

ela será travada no meio do nada. Pessoas inocentes não estarão em perigo.

Adam atende o telefone, parecendo cansado.

— Como posso ajudar?

— Suas naves – digo, a nave dos mogs, elas são protegidas com um campo

de força. Me diga como destruí-los.

Adam bufa.

— Está brincando, certo?

— Eu preciso dar alguma coisa para o governo — respondo a Adam. —

Setrákus Ra estabeleceu um prazo para a rendição, e se eles não descobrirem

uma forma de derrotar a frota, o Exército não vai nos ajudar.

— John, aquelas naves foram projetadas antes da invasão de Lorien —

Adam explica. — Os escudos foram feitos para sustentar ataques de um planeta

repletos de Gardes. Não há arma na Terra menor que uma bomba nuclear que

poderia ao menos potencialmente quebrar o escudo, e tentar fazer isso em cima

de uma cidade populosa seria catastrófico — Adam para, e posso ouvir o

passos. Ele está andando na direção de alguma coisa. — Entretanto...

— O quê? Eu aceito qualquer coisa que puder me dar, Adam.

— Talvez força bruta não seja a resposta. Estou olhando para uma pista de

pouso cheia de Skimmeres — ele diz. — Me ocorreu que há mais ou menos cem

desses ligados a cada nave de guerra. Elas servem como escolta e transportam

esquadrões de tropas terrestres. Elas vêm e vão da nave de guerra o tempo

todo, o que teoricamente significa baixar o campo de força por um tempo.

Então, os Skimmeres foram equipados com um gerador de campo

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102

eletromagnético que os “escondem” do campo de força da nave de guerra,

permitindo que passem através dele ilesos.

Eu deveria ter pensado nisso. Agora que Adam falou, percebo que vi essa

tecnologia em prática na base da montanha em West Virginia. Quando Setrákus

Ra chegou pela primeira vez na Terra, sua nave atravessou o campo de força da

base como se ele não estivesse lá. Quando tentei caçá-lo, o campo de força

praticamente me fritou.

— Seria possível despojar essa tecnologia dos Skimmeres e transferi-la

para algo diferente? — pergunto a Adam. — Como, por exemplo, num jato do

Exército?

Adam considera.

— Possivelmente, sim. Porém mesmo que não tivesse mais que se

preocupar com o escudo, ainda ele estaria na mira dos canhões.

Eu me lembro do que Ella me mostrou durante o sonho que

compartilhamos – o observatório por onde ela e Cinco tentaram escapar. Talvez

possamos usar a tecnologia dos mogadorianos contra eles mesmos.

— Nós poderíamos, tipo, colocar dez pessoas dentro de um Skimmer

desses, certo? — pergunto, considerando um novo plano de ataque.

— Doze, mais dois pilotos — Adam responde rapidamente. — Você está

considerando um ataque menos óbvio.

— Estou. Se pudéssemos embarcar em uma das naves de guerra, quantas

pessoas você acha que precisaríamos para conquistá-la?

Agora há um pouco de animação na voz de Adam.

— Isso depende de quantas dessas pessoas têm Legados. Eu já mencionei,

John, que quando era pequeno eu sonhava pilotar essas naves de guerra?

Sorrio ao ouvir isso.

— Talvez você tenha acabado de ganhar essa chance, Adam. Obrigado

pelas informações. Você poderia colocar Seis de volta na linha?

Adam se despede e devolve o celular para Seis.

— Você acha que deveríamos tentar embarcar na Anubis? — Seis me

pergunta. — Sam estava até agora me encorajando para que eu e os outros

fugíssemos correndo para longe daquela coisa o mais rápido possível.

— Eu não tenho certeza do que devemos fazer ainda, mas quero conhecer

nossas opções — respondo. Olho para Sam e não evito franzir a testa. Ele não

vai gostar do que vou dizer agora. — Aguente firme, Seis, a ajuda está a

caminho.

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103

Pouco tempo depois, Sam e eu estamos andando pelo píer, procurando

pela Agente Walker. Onde quer que ela tenha ido com aqueles dois agentes e o

cidadão, está demorando mais do que esperávamos. Logo a frente há uma

grande presença militar no deque de concreto bem no meio do East

River. Quando chegamos, um pequeno grupo de soldados está trabalhando

duro puxando alguns caiaques vazios da água para que os navios militares

possam ter espaço para atracar. Este lugar não foi exatamente projetado para

batalhas.

Durante as últimas vinte e quatro horas, isto se transformou em uma área

de preparação, com um bando de destroieres flutuantes ameaçadoramente na

estreita hidrovia, apontando suas armas para os vestígios de fumaça do centro

de Manhattan.

— Como Malcolm está? — pergunto a Sam. Ele fez uma curta ligação para

seu pai depois de termos terminado a ligação com Seis.

— Mais aliviado por estarmos vivos. E muito animado sobre meu novo...

talento — Sam responde, olhando ao redor para ter certeza de que não há

ninguém ouvindo. — Ele e os agentes do FBI que Walker deixou para trás foram

escoltados pelo governo durante a evacuação de Washington. Acho que ele está

sendo tratado como VIP. Eles o tem no mesmo complexo no subsolo em que

está o presidente.

— Talvez ele pudesse falar bem de nós.

— Foi o que falei. Agora, ele me disse que eles acham que ele é algum

cientista louco especializado em alienígenas com um bando de bichos de

estimação.

— Os Chimærae.

— Meu pai acha que será melhor se eles se passarem por animais comuns

por enquanto. Sei que decidimos confiar no pequeno grupo rebelde da Agente

Walker, mas há mais gente além d eles em Washington. Alguns cientistas que

estão lá, bem, meu pai acha que eles podem estar um pouco curiosos sobre a

biologia alienígena.

Penso sobre como Adam resgatou os Chimærae dos experimentos

mogadorianos. Mesmo eu querendo acreditar que os agentes norte-americanos

são melhores que isso, não consigo.

— Isso é inteligente — respondo. — Mantê-los longe de serem dissecados

ou coisa do tipo até precisarmos deles. Nesse meio tempo, eles podem tomar

conta de seu pai.

— Sim... — Sam para. Eu posso dizer que ele preferiria estar falando de

outra coisa, principalmente porque está inquieto desde que desligamos o

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104

telefone com Seis. — John, eu ainda não consigo acreditar que você disse para

eles ficarem lá.

Estou planejando ligar para Seis novamente assim que descobrir o quanto

posso contar com Walker e o governo. Até lá, eles continuarão no Santuário.

Eles ainda têm algum tempo antes de Setrákus Ra chegar lá.

— Você realmente acha que Seis teria voltado se eu pedisse? — devolvo.

— Eu não quero colocá-los em perigo também, Sam, mas...

— John, qual é. A Anubis quase nos matou ontem! Éramos como formigas

contra aquela coisa. Nem isso. Qual a nossa chance?

— Ella me disse que Setrákus Ra quer o que está dentro do Santuário, o

que estou presumindo ser a Entidade Lórica que Seis nos contou. Não podemos

simplesmente deixá-lo lá sem nos manifestarmos. Não será nada bom ser

permitimos que ele consiga o que quer.

— Mas como iremos enfrentá-lo? Qual a vantagem de eles ficarem por lá?

— Sam pergunta, aumentando seu tom de voz. — Eles mal podem feri-lo. Não

sem...

— Estou ciente da nossa situação, Sam — retruco, perdendo a paciência.

— Nós vamos encontrar uma maneira de ir até lá para ajudá-los, ok? Ella me

mostrou – ela me mostrou o Santuário, ela me disse para alertar Seis e os outros

e ela também me disse que podemos vencer. Que ela encontrou uma maneira.

Tudo começa lá.

Oculto as partes em que Ella me disse que haverá sacrifícios, onde ela

deixou implícito que posso ser aquele que irá matá-la. Farei de tudo para que eu

possa mudar essa parte de sua profecia. Sei que Sam está me pressionando

porque está preocupado com os outros – com Seis, em particular. Eu também

estou preocupado com eles. Mas também confio em Seis para manter a cabeça

erguida e tomar suas próprias decisões.

Antes que Sam possa retrucar, avisto a Agente Walker em nossa frente e

começo a andar. Os agentes do FBI estão rodeados de alguns oficiais militares

de alto escalão. Tenho que abrir meu caminho entre a multidão de soldados

para me aproximar. Recebo alguns olhares descontentes no começo, como se

eu fosse um cidadão normal que acabou de sobreviver a um desastre natural.

Quando começam a perceber quem sou, um caminho se abre rapidamente. Eu

não estou mais surpreso por esse tratamento, e tento não me sentir

desconfortável com isso. Um dos soldados até presta continência para mim,

embora seu companheiro o cutuque com seu cotovelo e revire os olhos.

Walker me vê chegando e sai do amontado de militares. Noto que eles

perceberam minha presença, mas parece que Walker estava certa sobre os

oficiais de alto escalão quererem evitar contato direto com os perigosos

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rebeldes de Lorien. Eles se movem e se reagrupam mais à frente no píer, muitos

dos soldados indo com eles. Assim que estão lá, começam a apontar para o East

River e trocar palavras. Alguma coisa sobre a água está definitivamente os

alertando. Começo a amplificar minha audição para tentar ouvir se estão

falando algo importante, mas Walker já está tagarelando na minha frente.

— Bom, você está aqui. Eu já estava voltando para buscar você — Walker

diz.

Ela está segurando o tablet que pertence ao cidadão que chegou à sua

barraca mais cedo, embora o cara não está em nenhum lugar visível agora.

Walker deve ter recrutado seu tablet e o mandado de volta para casa.

— Eu sei qual é a fraqueza dos escudos das naves de guerra. Sei como

podemos derrotá-los — digo a Walker, indo direto ao assunto.

Suas sobrancelhas se erguem.

— Droga, John. Isso foi rápido. Isso é definitivamente algo que os caras do

exército vão estar interessados em ouvir.

— Ótimo — olho para os oficiais que estão amontoados do outro lado do

píer. — Preciso chegar ao México, Walker. Estou falando dentro de umas duas

horas. Haverá uma batalha lá que não posso perder. Preciso de qualquer apoio

que eles puderem me conceder.

— Há algum tipo de “caso contrário” que você irá jogar pra cima de mim?

— Walker pergunta, sua expressão mudando. — Farei o que puder, mas eu já

lhe disse sobre a hierarquia militar. Isso vem direto do comandante geral.

— É, bem, sabe as peças que eles necessitam para vencer os campos de

força. Elas estão paradas em uma pista de pouso no México. Então é melhor

que se virem e me deem uma droga de jato para me levar até lá.

Walker levanta sua mão, me dizendo que já entendeu.

— Tudo bem, tudo bem. Eu farei meu melhor. Mas temos outra droga de

assunto para lidar antes de viajarmos para a sua zona lórica segura ou qualquer

inferno que seja isso.

— Whoa — Sam diz. Ele está perto da borda olhando para a água. — Eles

têm um submarino lá em baixo.

— Têm — Walker responde. — Antes de você ir para qualquer lugar, John,

preciso que dê uma olhada nisso.

Ela se aproxima de mim e clica no botão “reproduzir” do tablet, iniciando

um vídeo. É uma gravação trêmula desta manhã, onde a Anubis deixa

Manhattan e desliza sobre a Ponte do Brooklyn. A câmera está oscilante e o

áudio está distorcido com gritos e soldados gritando ordens um para o outro.

Eventualmente, a nave de guerra sinistra se perde na vista.

— O que eu deveria estar procurando, Walker?

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106

— Foi isso o que eu disse. Também não encontrei nada da primeira vez —

Walker responde, reproduzindo novamente a gravação. — Aparentemente, os

milhares de oficiais altamente treinados não perceberam o acontecido em

tempo real também. Observe o rio agora.

Sam se inclina perto de nós, observando o vídeo.

— Alguma coisa caiu da nave — ele diz terminantemente, apontando para

tela.

Ele está certo. Um pequeno objeto redondo do tamanho da nave pérola de

Setrákus Ra cai da barriga da nave de guerra. Ela atinge o East River com um

grande respingo e imediatamente afunda, longe de vista.

— Já havia visto algo assim antes? — Walker pergunta.

Balanço a cabeça.

— Eu nunca tinha visto nenhuma nave desse tipo até a Anubis atacar Nova

York.

Walker suspira.

— Então ainda estamos no escuro.

— Eles estão mandando esse submarino lá para baixo para procurar o que

quer que seja aquilo? — Sam pergunta.

Walker assente.

— O rio tem apenas cem metros de profundidade, mas eles não querem

arriscar mandar mergulhadores para o caso de ser uma armadilha ou algum tipo

de arma.

— O que mais possivelmente poderia ser? — pergunto a Walker,

colocando minhas mãos na minha cintura e me virando em direção ao rio.

Adicionando este misterioso objeto à longa lista de coisas com que tenho que

me preocupar.

— Os oficiais de alto escalão estão com esperanças de que tenha sido um

acidente, que algo caiu da nave de guerra e possivelmente poderíamos estudar

ou usar contra os mogadorianos, ter um melhor entendimento sobre contra

quem estamos lutando.

— Setrákus Ra não faz nada por acidente.

— Então você está me dizendo que não deveríamos mandar ninguém lá?

— Walker pergunta, com uma das sobrancelhas erguidas. — Você não está

curioso, John?

Antes que eu possa responder, ouço um guincho de pneus no fim do píer.

Um dos jipes do exército se aproxima em alta velocidade e o freio teve que ser

acionado com força quando chega perto dos soldados amontoados ao redor. A

motorista retira seu capacete, revelando um cabelo negro suado. Ela abre a

porta traseira e o outro soltado dá a volta no carro para ajudá-la a retirar um

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107

terceiro soldado do carro. Ele parece ferido, embora eu não consiga dizer a

gravidade dessa distância. Outros militares se aproximam, para tentar ajudar os

outros.

— Onde eles estão? — a mulher grita. — Onde estão os alienígenas? Cadê

aquela vadia do FBI?

Um nó se forma em minha garganta. Setrákus Ra colocou uma caçadora

atrás de mim e o resto da Garde. Talvez esses soldados tenham decidido que

chegou a hora de me levar. De qualquer maneira, dou um passo à frente. Eu não

vou me esconder. Os soldados agrupados no fim do píer estão apontando na

minha direção, de qualquer forma. Não há para onde ir.

Olho sobre meu ombro e vejo os oficiais de alto escalão, os coronéis e

generais e qualquer outra droga de posto que eles tenham, todos se virando

para ver o desenrolar da cena. Eles não parecem tão interessados em intervir

caso isso se torne perigoso.

Ou talvez, eu esteja sendo paranoico. Talvez percebendo que fiquei tenso,

Walker põe a mão em meu braço.

— Deixe-me cuidar disso — ela diz.

— Nem sabemos do que se trata — respondo, dando um passo à frente

para encontrar os soldados.

— Ele está todo ferrado — Sam diz, olhando o soldado agora sendo

carregado pelo motorista e sua parceira com um olhar assustado. A parte da

frente do uniforme está encharcada de sangue. Ele está meramente consciente

e tem de ser carregado pelos outros. O soldado que o está segurando não

parece machucado, mas ainda assim parece estar demasiado cansado. Em

estado de choque. Apenas a motorista parece estar bem, e ela está olhando

furiosamente para a Agente Walker.

— O que aconteceu, soldado? — Walker pergunta enquanto o trio para a

alguns passos de nós. Posso ver que o sobrenome bordado na camisa da

motorista é Schaffer.

— Estávamos fazendo o que você mandou. Procurando por ele e seus

amigos — Schaffer responde, gesticulando com seu queixo em minha direção.

Então havia outras unidades na cidade além daquelas que nos retirou da

estação do metrô. — Pensamos ter encontrado um sobrevivente, mas fomos

atacados.

— Os mogadorianos fizeram isso? — pergunto, dando um passo em

direção ao soldado ferido. A frente de sua camisa está rasgada, assim como o

colete a prova de balas que ele usa por baixo. Isso aconteceu quando ele estava

tentando me encontrar. — Segure-o firme. Deixe-me curá-lo.

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108

Com Schaffer e o outro soldado segurando o seu parceiro ferido, começo

cuidadosamente a desabotoar sua camisa e retirar seu colete à prova de balas.

Enquanto isso, Schaffer olha para mim.

— Você não está entendendo — Schaffer bufa. — Encontramos um garoto,

parecia que era feito de metal. Pensei que ele fosse uma das suas aberrações

Gardes, então falamos para ele que iriamos trazê-lo até você. Ele veio para cima

de nós com uma espada. Ele voou para cima de nós. Se moveu mais rápido do

que qualquer coisa deveria se mover. Nos desarmou, e fez aquilo com o

Roosevelt.

Engulo seco. Apenas agora percebo que o soldado não foi apenas ferido

com a espada. Há uma mensagem cravada nele.

— Onde ele está? — pergunto, com um tom de voz frio.

— Ele nos mandou para cá para avisá-lo — Schaffer responde. — Ele disse

que vai estar na Estátua da Liberdade ao pôr-do-sol. Quer que você se encontre

com ele.

— Havia mais alguém com ele? — Sam pergunta.

— Um garoto grande, de cabelos negros. Inconsciente — Schaffer

responde. Ela se vira para mim. — Ele falou para dizer a você o que vai

acontecer se você não ir. Eu não sei que droga isso deveria significar – para você

encontrá-lo ao pôr-do-sol ou ele vai te dar uma nova cicatriz.

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Capítulo treze

ESTAMOS NO LIMITE DO GRAMADO EM FRENTE AO SANTUÁRIO, LADO A

LADO, DE costas para o templo. Juntos, olhamos para o horizonte, para o

norte. É dessa direção que a nave do Setrákus Ra virá.

Nós temos até o anoitecer.

Nós três somos a última linha de defesa.

O dia ficou ainda mais quente. Pelo menos posso fingir que o suor

escorrendo pelas minhas costa é do calor.

Aponto na direção da linha das ávores.

— Os mogs nos fizeram um favor cortando a mata — digo enquanto me

esforço para calcular a distância. — Nós veremos a nave chegando a pelo

menos a cinco quilômetros de distância.

— Eles também vão nos ver — Adam responde, com uma voz sombria.

— Eu não sei, Seis. Isso parece loucura.

Eu estava esperando Adam dizer algo assim. Soube pelo olhar dele

quando eu estava no telefone com John e Sam que ele não está com a gente

na luta com Setrákus Ra e a sua nave de guerra.

— Setrákus Ra não pode entrar no Santuário — Marina diz, antes que

eu possa responder. — Esse é um local lórico. Um lugar sagrado. Ele não

pode contaminá-lo. O que quer que ele queira, nós devemos detê-lo.

Olho de relance de Marina para Adam, e encolho os ombros para o

mogadoriano.

— Você a ouviu.

Adam nega com a cabeça, frustrado.

— Olhe, entendo que este local é especial para vocês, mas não vale a

pena trocar nossas vidas por ele.

— Eu discordo — Marina responde, grossamente. Ela com certeza já se

decidiu. De jeito nenhum ela vai deixar o Santuário agora, não depois do que

aconteceu aqui.

— Nós fizemos o que tínhamos que fazer aqui — Adam argumenta. —

Alguns humanos têm Legados agora. Não há nada que Setrákus Ra possa

fazer para mudar isso. Ele está atrasado.

— Nós não temos certeza — respondo, olhando de relance para o

Santuário por cima do meu ombro. — Se ele entrar lá, ele poderia... Eu não

sei. Reverter o que fizemos, talvez. Ou alguma coisa para machucar a

Entidade.

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110

Adam bufa.

— Ele controlou o planeta natal de vocês por pelo menos uma década, e

nunca foi capaz de tirar os Legados de vocês. Não permanentemente.

— Porque Lorien estava aqui! — Marina enfatiza. — Ela estava se

escondendo aqui e agora ele a achou. Nós não podemos deixá-lo tocar na

Entidade. As consequências podem ser catastróficas.

Adam balança as suas mãos.

— Vocês não estão escutando a razão!

Olho para o estacionamento desordenado de naves e Skimmers

desativados. Claro que os meus olhos acham o caminho para Phiri Dun-Ra.

Ainda amordaçada e amarrada à roda de suporte, ela está se esforçando para

sentar direito, provavelmente tentando escutar a nossa conversa. Posso dizer

pelo rosto dela, pelas dobras na volta da fita adesiva que ela está sorrindo

para mim. Eu me lembro do que ela disse hoje cedo, quando tentava me

convencer de que Adam estava trabalhando secretamente para nós capturar.

— Você não acha que podemos ganhar, então está com medo de lutar

— digo abruptamente, me arrependendo das palavras segundos depois que

elas saem da minha boca.

Adam me olha espantado, então segue o meu olhar até Phiri. Ele deve

ter feito a conexão do meu argumento com o discurso dela mais cedo. Ele

nega com a cabeça desgostoso, e dá uns passos para longe de mim.

Marina me cutuca, e cochicha.

— Seis...

— Desculpe, Adam — falo rapidamente. — Sério. Isso foi golpe baixo.

— Não, você está certa, Seis — Adam responde secamente, dando de

ombros. — Eu sou um covarde porque não quero morrer hoje. Sou um

covarde porque, quando era menino, assisti pelo deque de uma das naves de

guerra o seu planeta ser dilacerado. Sou um covarde porque acho que nós

deveríamos achar um jeito melhor. Um jeito mais esperto de vencer isso.

— Certo, Adam — falo, sentindo um aperto no meu peito pela menção

da destruição de Lorien. — Nós te ouvimos.

— Eu posso não ser esperta — Marina diz. — Mas isso é o certo.

Adam fala com um tom ácido:

— No caso, qual de nós vai fazer?

— Fazer o quê? — pergunto.

— Matar Ella — ele responde. — Nós todos ouvimos o que o John disse.

Setrákus Ra fez o seu próprio tipo de feitiço lórico. Vocês não podem feri-lo

sem machucar Ella. Eu nem conheci a garota e já posso afirmar que eu não

vou matá-la. Então me contem, qual de você duas vai matar a sua amiga?

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111

— Ninguém — eu digo, sem olhar em seus olhos. — Nós vamos

descobrir um jeito de parar Setrákus Ra sem machucá-la.

Adam olha para o sol, como se tivesse tentando descobrir quanto

tempo ainda temos.

— Ótimo. Fantástico. Nossos recursos são naves quebradas e qualquer

merda que nós conseguirmos achar na mata. Me conte como vamos parar

Setrákus Ra nessa situação, Seis.

— John disse que os reforços estão vindo, o Exército...

— Ele disse que iria tentar — Adam praticamente grita comigo. — Olhe,

eu confio em John, mas ele está a milhares de quilômetros daqui. A ajuda está

a milhares de quilômetros. Aqui? Só tem a gente. Só nós estamos aqui.

— A ajuda está bem atrás de nós — Marina diz. Sua voz ainda está

calma, mas há certa tensão nela. O que Adam vem dizendo a irritou. — O

Santuário vai nos dar um meio de lutar.

Adam leva alguns segundos antes de revirar os olhos.

— Um milagre. É isso que vocês duas estão esperando? Um milagre!

Entendi que você acordou aquela coisa, e sei que ela deixou você falar... com

o seu amigo pela última vez. Mas isso é tudo o que ela vai fazer, está bem? Ela

não vai mais nos ajudar. Não acredita em mim? Talvez você pudesse

perguntar para alguns lorienos o quanto a Entidade os ajudou durante a

invasão mogadoriana. Se eles não estivessem todos mortos.

O ar ao redor de mim fica gelado. Primeiro, é muito bom no calor dessa

floresta arrogante, até eu perceber que é Marina fumegando de raiva do seu

próprio jeito. Ela dá um passo na direção de Adam, com os punhos cerrados,

toda a aura-serena-do-Santuário abandonada.

— Não fale sobre o que você não sabe, seu monstro! — ela grita,

apontando seu dedo para ele.

Uma estalactite de gelo se forma na ponta do seu dedo e cai na terra em

frente aos pés de Adam. Imediatamente começa a derreter. Adam dá um

passo para trás em surpresa, encarando Marina.

— Já chega! — exclamo, parando no meio dos dois. — Isso não está

levando a gente a lugar algum.

Da área de pouso, Phiri Dun-Ra faz uma série de barulhos abafados.

Percebo que ela está rindo de nós. Eu a ignoro, me viro e levo Marina pelos

ombros para longe. A pele dele está gelada quando a toco.

— Mesmo eu amando o ar-condicionado agora, você precisa sair daqui

por um minuto — eu digo.

Marina me dá um olhar de descrença, como se não conseguisse

acreditar que estou do lado de Adam, contra ela. Balanço a minha cabeça

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112

levemente e levanto as sobrancelhas, dizendo que não é por isso. Ela suspira,

passa a mão pelos cabelos e caminha em direção ao Santuário.

Eu me viro para observar Adam. Primeiro, ele não me olha de volta. Está

ocupado demais fitando a estalactite que Marina criou contra ele, se

transformar em água.

— Sorte sua que ela não arrancou seu olho fora — eu brinco.

— Eu sei — ele responde, finalmente olhando para mim. — Seis, olhe,

desculpa. Eu não deveria ter trazido Lorien à tona. Aquele não era... não era o

meu ponto.

— Pode apostar seu traseiro que não — eu digo, dando um passo na sua

direção. — Está tudo bem, você está pirando um pouco. Vou relevar isso.

Mas, é, não fale sobre as nossas famílias mortas e sobre o nosso planeta

massacrado, ok? Porque sério, eu quis te dar um soco na cara.

Adam concorda.

— Entendido.

— Eu ainda não tenho certeza do que fazer — continuo, abaixando

ainda mais a minha voz e chegando mais perto. — Me permita deixar isso

bem claro pra você, Adam. Não tenho intenção nenhuma de morrer hoje.

Você acha que não sei das nossas desvantagens? Cara, eu não preciso de uma

explicação. Mas você não consertou magicamente um daqueles Skimmers

enquanto eu não estava olhando, não é?

Ele faz careta para mim.

— Você sabe que não, Seis.

— Então nós estamos presos aqui até os reforços chegarem. E se nós

estamos presos aqui, nós vamos lutar. Você entendeu?

— Nós poderíamos fugir — Adam sugere, apontando para a mata. —

Não precisamos de um Skimmer para escapar.

— Olhando por esse lado, a mata nunca vai deixar de ser uma opção —

admito a ele. — Se a Anubis chegar aqui, e as coisas derem errado, nós

fugimos.

— Nós vamos? — Adam pergunta, desviando seu olhar de mim para

Marina. — Todos nós?

Viro a minha cabeça para sutilmente olhar Marina. Pelas suas costas, dá

para ver que ela ainda está respirando fundo, se acalmando. Ela está

encarando o Santuário de novo, como vem fazendo o dia todo. Marina

desenvolveu quase como uma devoção religiosa pelo antigo templo. Eu

entendo o porquê, a nossa experiência com a Entidade foi bem forte, talvez

ainda mais para uma garota que foi criada no meio de um monte de freiras.

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113

Sem mencionar que o garoto que ela amava foi enterrado aqui. O

Santuário se tornou um símbolo religioso e um túmulo para ela.

— Eu vou arrastá-la daqui se for preciso — respondo para Adam,

falando sério.

Adam parece satisfeito com a resposta. O olhar frenético que ele tinha

quando estava nos repreendendo se foi, substituído pelo de mogadoriano

calculista. Nunca pensei que ficaria feliz de ver isso no rosto de alguém.

— Posso começar retirando os módulos de ocultação do campo de

força para John e tentar arrumar o Skimmer, mas nenhuma dessas coisas vai

nos ajudar a defender esse lugar ou a sobreviver a um ataque da Anubis —

ele me olha, com as sobrancelhas erguidas. — Então, qual o nosso plano para

não morrer?

Ótima pergunta.

Olho em volta. O aspecto de tudo isso ainda é algo que estou pensando.

Como nós podemos impedir Setrákus Ra de fazer seja lá o que ele quer com o

Santuário? Como podemos atingi-lo sem ferir Ella? De novo, meu olhar volta à

Phiri Dun-Ra. Ela não está mais rindo de nós, ao invés disso, está nos

observando como um falcão. Penso em suas mãos, ainda amarradas à roda

atrás dela, e do jeito que está machucada, no seu estado sujo e coberta de

queimaduras sofridas pelo campo de força do Santuário. Os mogs passaram

anos aqui, tentando forçar sua entrada no Santuário em favor do seu

Adorado Líder. O ruim é que não vimos nenhum fusível ou painel de controle

dentro do templo para ligar o campo de força novamente.

— Pelo menos nós sabemos aonde ele está indo — falo em voz alta,

ainda pensando. — Se Setrákus Ra quer entrar no Santuário, ele tem que

descer da sua nave fodástica. Isso nos dá uma chance.

— Uma chance para fazer o quê? — Adam pergunta.

— Não podemos machucar Setrákus Ra sem ferir Ella, o que significa

que não podemos realmente impedi-lo de entrar no Santuário. Mas se ele

quer Ella e o Santuário, bem, talvez nós possamos tirar algum proveito disso.

Adam logo se liga.

— Você está pensando...?

— Você mesmo mencionou que sempre quis pilotar uma dessas naves

de guerra. O que quer que Setrákus Ra queira do Santuário, ele não vai

conseguir levá-lo a lugar nenhum — aponto, sentido um plano tomar forma.

— Porque nós vamos resgatar a Ella e roubar sua nave.

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114

A nossa preparação começa praticamente em silêncio, uma tensão ainda

no ar entre Marina e Adam. Começamos indo ao equipamento que os

mogadorianos deixaram para trás. Há engradados empilhados em uma das

tendas maiores, um arsenal variado de armas e ferramentas que os mogs

trouxeram aqui só para ser quebrado pelo campo de força do Santuário. Há

uma artilharia enorme de canhões, mas o resto parece ter sido feito aqui na

Terra. Há pilhas de armas com estampas do Exército dos Estados Unidos,

equipamentos de mineração da Austrália e o que Adam me conta ser EMPs

experimentais da China. Adam já havia repassado todas essas coisas mais

cedo, enquanto procurava por peças espalhadas para consertar o Skimmer,

então ele sabe como está organizado.

— Nós queremos explosivos — eu digo a ele. — O que eles tinham?

Cuidadosamente, Adam move algumas coisas antes de abrir uma caixa

com substâncias que lembram argila.

— Explosivos plásticos — ele diz. — C-4, eu acho.

— Você sabe como funcionam essas coisas?

— Um pouco — Adam responde, e começa e colocar os objetos ao lado

gentilmente. Ao lado do C-4, há também alguns fios e cilindros que presumo

serem detonadores. Depois de uma rápida procura, Adam sorri e segura um

pequeno bloco de papel. — Há instruções.

— Perfeito — Marina murmura.

— Quantas bombas ao total? — pergunto.

Adam faz uma conta rápida.

— Doze. Mas eu posso dividi-las, torná-las menores se você quiser.

Quanto menor a bomba, menor a explosão. Mas nós só temos doze

detonadores, então as menores precisariam ser ligadas uma na outra.

Antes de responder Adam, coloco a minha cabeça do lado de fora da

tenda e faço uma conta rápida dos Skimmers estacionados na pista de pouso.

Dezesseis delas, incluindo o que Adam vem trabalhando e o que a Phiri Dun-

Ra está amarrada.

— Nós estaríamos bem com doze — digo a Adam. — Não se exploda,

ok?

— Farei o meu melhor.

— Ótimo. Vem, Marina.

Pego um saco de pano vazio da tenda de suprimentos dos mogs antes

de ir ao estacionamentos das naves. Marina me segue de perto.

— O que você pretende explodir exatamente, Seis? — ela pergunta.

— Espere aí — falo, me aproximando do Skimmer onde Phiri Dun- Ra

está retida.

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115

Ela observa minha aproximação, os olhos cheios de raiva, sem sorrir

através da fita adesiva. Acho que ela sabe o que vai acontecer. Ela luta um

pouco contra as amarras, mas sem conseguir me impedir de colocar o saco de

pano em sua cabeça.

— Cansada de olhar para ela? - Marina pergunta.

— Sim, isso. E não quero que ela veja o que vamos aprontar — levo

Marina longe da prisioneira, para outros Skimmeres. — Nós vamos explodir

essas naves. Acho que Setrákus Ra não virá sozinho, ele vai trazer mais mogs

com ele. Nós não precisamos estar no campo de batalha para mantê-los

longe do Santuário, mas podemos com certeza explodi-los quando eles

chegarem perto.

Graças a Phiri Dun-Ra, nenhum dos Skimmers está em condições de se

mover sozinhos. Um por um, Marina e eu usamos nossa telecinesia para

empurrar as naves para as posições certas. Com nós duas trabalhando juntas,

o peso não é tão grande, até as rodas começarem a funcionar. Nós

colocamos os Skimmers a trinta metros um do outro em um semicírculo na

frente da entrada do Santuário. As naves acabam praticamente seguindo a

linha do antigo campo de força.

Agora que nós movemos os Skimmeres, há um grande espaço para

pouso.

— Vamos torcer para que Setrákus Ra estacione a sua nave idiota no

lugar mais óbvio possível — eu digo, apontando com o meu dedo através do

ar para a área de pouso na entrada do Santuário. — Há apenas uma maneira

de entrar no Santuário, então eles terão que passar pelas naves, que é onde

nós vamos esconder as bombas.

— Que vai eliminar pelo menos a primeira leva de mogs — Marina

adiciona.

— Sim, e com sorte nós vamos pegá-los de suprresa e confundi-los,

procurando por um ataque, então Adam e eu vamos por trás deles e

entraremos na Anubis.

Marina faz careta para mim.

— Espera. Onde estou em tudo isso?

Antes que eu possa responder, Adam surge da barraca de armamento

dos mogadorianos com uma mochila de pano cheia de explosivos. Ele dá uma

olhada no que fizemos até agora e assente com a cabeça, aprovando.

Então, caminha até nós, coloca a mochila no chão e entrega um grande

controle remoto.

— Olhe isso -— Adam diz. — Acho que os mogs estavam tentando usar

uma sequência de explosivos para tentar tirar o campo de força, talvez

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116

pensando que várias explosões em lugares diferentes poderiam acabar com

ele.

Ele me entrega o controle remoto. É uma linha com vinte interruptores,

cada um com uma luz verde e vermelha correspondendo. Vinte lâmpadas

vermelhas estão ligadas. Adam se aproxima de mim, explicando como o

aparelho funciona.

— Todos os detonadores têm controles automáticos — ele mostra,

puxando um interruptor para a esquerda. A pequena luz acima do interruptor

muda de vermelho para verde. — Acabei de armar uma bomba.

Olho de relance para a mochila de pano nos meus pés, cheia de

explosivos, e então olho de volta para o controle. Há um pequeno pino de

metal que você precisa contornar para fazê-lo chegar ao seu terceiro nível,

provavelmente para evitar que o dedo de alguém escorregue. Ainda assim,

estou um pouco nervosa sobre essa demonstração.

— Hã, entendido...

— Segurança primeiro — Adam coloca o pino de volta na posição

original, a luz vermelha voltando a acender. — Se você tivesse colocado o

botão todo para cima, os detonadores pegariam o sinal e a bomba detonaria.

Concordo com a cabeça, então entrego o controle para Marina.

— Você entendeu tudo?

— Sim, mas... — ela enruga a testa ao receber o controle.

— Você perguntou onde estaria em tudo isso — eu digo. — Você vai se

esconder na mata, controlando a defesa do Santuário.

Marina pensa por um momento, sorrindo um pouco.

— Isso será um prazer.

Adam segue em direção às naves, colocando uma caixa pequena em

cada Skimmer. Os mogadorianos podem notá-las, claro, mas não antes que

seja tarde demais.

Enquanto isso, Marina e eu manobramos os últimas dois Skimmers,

depois dos que já estão prontos para explodir. Estes nós posicionamos do

outro lado do Santuário, os dois na borda da mata.

— Nós podemos criar uma linha de fogo cruzado aqui — digo, abrindo a

cabine do piloto de um dos Skimmers. — Se sua telecinesia for forte o

sufuciente para controlar...

— Terá que ser — Marina responde.

Adam vem até nós e liga o sistema de armas de um dos Skimmers e

explica para Marina quais botões ela teria que pressionar para disparar os

canhões. Marina passa um bom tempo estudando os controles,

memorizando-os, guardando a imagem deles em sua mente. Então, caminha

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devagar para longe de nós e dos Skimmeres, entrando na floresta, indo longe

o suficiente das explosões, mas perto suficiente para ter uma visão clara da

batalha. Será desse esconderijo que ela vai defender o Santuário.

Marina se concentra. Ela lança uma mão ao ar na direção do Skimmer.

— Ugh — ela diz depois de um momento, enrugando o seu nariz. — Eu

não sei, Seis. É muito difícil usar a minha telecinesia em algo que não posso

ver.

Nós tentamos uma técnica diferente. Adam e eu andamos pela borda da

floresta, colocando canhões mogadorianos em arbustos e árvores. Nós os

camuflamos com galhos e folhas, o suficiente para que os mogs não notem,

mas não muito escondidos para que Marina consiga vê-los. Do seu

esconderijo, ela testa cada um deles, apertando o gatilho com telecinesia, e

atirando na clareira na frente do Santuário.

— Bom — eu digo. — Você nem precisa acertar ninguém, Marina. Só

precisa fazê-los pensar que o ataque está vindo de todos os lados.

Agora que terminamos, há dois Skimmers no caminho: o que nós

usamos para vir para cá, que Adam vem tentando consertar, e aquele que

Phiri Dun-Ra está amarrada. Estou satisfeita com o nosso resultado até aqui.

Eu me sinto bem de estar fazendo alguma coisa, pelo menos.

— Isso é bom, Seis — Marina diz, com os braços cruzados, olhando para

as naves dos mogs paradas como guardas na porta do Santuário. — Perfeito

se Setrákus Ra mandar os seus soldados. Mas o que faremos se ele estiver na

linha de frente? Machucá-lo significa machucar Ella. Nós não podemos ariscar.

— Você está certa — respondo. — Nós teremos que encontrar uma

maneira de pelo menos atrasá-lo.

Começo a ir na direção ao Santuário e finjo que não noto quando Adam

passa por trás de mim, tocando gentilmente o cotovelo de Marina. Com a

minha audição aprimorada, é praticamente impossível não escutar nada.

— Me desculpe por antes — Adam diz baixinho. — Eu estava

transtornado.

— Está tudo bem — Marina responde com gentileza. — Eu não deveria

ter te chamado de monstro. Mas saiu. Eu não pensei aquilo.

Adam da uma risada, se precavendo.

— Não, você sabe, eu venho me perguntando por muitos anos se... se

essa não é uma boa palavra para nós.

Marina faz um barulho, como se fosse dizer algo a mais, mas Adam a

interrompe.

— Está certo, desculpe de novo, por tudo. Eu sei o que é perder alguém

que você gosta. Eu não deveria... Não vou ser tão estúpido sobre querer

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deixar esse lugar de novo. Entendi porque ele é tão importante. O que

significa.

— Obrigada, Adam.

Eu me viro, fingindo que não escutei a conversa inteira deles. Nós

estamos em frente ao que costumava ser a porta escondida do Santuário. É

uma porta estreita de pedra que leva a uma escada por um caminho longo à

uma câmara abaixo do templo.

— Então — falo, com as mãos nos quadris. — Como nós atrasamos o

mogadoriano mais poderoso do universo sem machucá-lo, enquanto ao

mesmo tempo, nós roubamos a sua nave embaixo do seu nariz?

Adam levanta a sua mão.

— Tenho uma pergunta.

Eu posso vê-lo pensando.

— Manda.

— Todo esse plano é baseado em uma chance: Setrákus sair pela porta

da nave, Setrákus mandando tropas de soldados, Marina distraindo-os com

algumas bombas e armas fantasmas — abro a minha boca para responder,

com medo de ele pirar de novo, mas Adam continua falando. — É a nossa

melhor opção. Eu concordo com você. Mas, supondo que funcione, supondo

que nós consigamos roubar a Anubis enquanto Setrákus Ra fica aqui

embaixo. E então o quê? O que nós faremos a seguir? Ainda não poderemos

matá-lo.

— Mas ele não vai poder nos matar também — respondo. Mesmo

sabendo que não é a estratégia brilhante que Adam estava esperando,

honestamente não pensei tão à frente. Estou mais focada na nossa

sobrevivência.

— Talvez nós possamos negociar — Marina sugere. — Ella ou o

Santuário...

— Tirando a parte que ele fervorosamente iria querer o oposto, ele não

tem honra — Adam diz. — Não vai haver nenhuma negociação.

— Isso é um beco sem saída — eu digo. — E é melhor que perder, certo?

Adam considera as minhas palavras, cavando um buraco com o seu

calcanhar.

— Está certo — Adam concorda. — Então eu sugiro que cavemos um

buraco.

— Um buraco?

— Uma cova — Adam continua. — Na frente da porta. Uma bem

grande. Então, nós cobrimos e deixamos Setrákus Ra cair dentro.

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Empurro o meu dedo do pé no chão. Graças à sombra do Santuário e as

plantas crescendo perto, a terra está fofa e úmida, não como na pista de

pouso de terra batida e bem dura. Com todos os nossos Legados, o estoque

de armas dos mogs, um monte de C-4, e nós estamos falando de cavar um

buraco.

— Bem, ele é exatamente o tipo de idiota que não olha por onde anda,

especialmente se estiver ostentando a vontade de entrar no Santuário.

— Essa é a ideia — Adam responde.

— E quando ele estiver lá embaixo, eu cubro o topo com gelo do meu

esconderijo — Marina diz, entrando na ideia. — Isso pelo menos poderia

atrasá-lo.

— É, pelo menos seria hilário vê-lo cair em um buraco — acrescento,

otimista.

— Terá que ser um buraco enorme — Adam diz, coçando o queixo,

pensativo. — Ele pode mudar de tamanho.

— O bom é que temos Legados para ajudar a cavar — respondo. —

Mesmo que nos dê apenas alguns minutos, pode ser o suficiente para que

possamos entrar a bordo da Anubis.

— Mais uma coisa, e você pode não gostar da ideia — Adam fala para

Marina, antes de gesticular para a porta do Santuário. — Mas talvez nós

poderíamos derrubá-la. Seria mais um obstáculo no caminho de Setrákus Ra.

É uma boa ideia, mas olho para Marina antes de dizer alguma coisa. Ela

pensa sobre isso por um momento e então dá de ombros.

— São só pedras — ela diz. — O importante é proteger o que está

dentro.

— Devo pegar mais C-4? — Adam pergunta.

— Acho que dou conta — respondo, já chamando o meu Legado e

fazendo uma pequena tempestade. O ar fica pesado enquanto junto algumas

nuvens escuras acima da nossa cabeça, um pequeno tamborilar de chuva

caindo delas. Com um movimento descendente da minha mão, quatro raios

de luz cortam para baixo em um ângulo que a Mãe Natureza não poderia

esperar duplicar. O arco em volta porta do Santuário explode em calcário

decrépito, desmoronando, fechando a passagem com a explosão.

Dou um passo à frente e dou uma olhada no meu trabalho. A porta de

entrada está agora cheia de rochas, com algumas paredes do interior que

com certeza caíram também. Isso não manterá nenhum exército de mogs

longe para sempre, e Setrákus Ra com certeza será capaz de tirar as pedras

do caminho com a sua telecinise. Ainda assim, é melhor do que nada.

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120

Enquanto isso, com um olhar pensativo no rosto, Marina mede a

distância dos arredores da entrada do Santuário com passos, contando-os.

Quando ela acaba de andar um quadrado quase perfeito na frente da

entrada, Marina olha para mim.

— Mais ou menos nove metros de cada lado, né? — ela me pergunta. —

Para a cova.

— Acho que vai ser o suficiente.

— Deixe-me tentar uma coisa — Marina diz, e então começa a se

concentrar.

Ela caminha no lugar onde vai ser o buraco, com as mãos para o alto.

Uma parede de gelo começa a se formar, embora a beirada não faça contato

com o chão.

— Me ajude a segurá-lo no lugar, por favor? — Marina pede, me

olhando por cima do ombro.

Não estou muito certa no que isso vai dar, mas ajudo. Usando a minha

telecinesia, seguro o gelo crescente de Marina. Noto que o gelo começa a

ficar mais grosso em cima e estreito em baixo, letalmente afiado nas bordas,

quase como uma guilhotina. Ela anda exatamente nos mesmos lugares que

andou segundos atrás, desta vez regenerando o gelo enquanto percorre.

Depois de alguns minutos, Marina criou um cubo de gelo oco, que mede

grosseiramente nove por nove metros. O gelo flutua acima do chão,

pingando água, e Marina continua usando o seu Legado para impedi-lo de

derreter.

— O que acontece agora? — Adam pergunta, observando tudo.

— Nós o erguemos — Marina diz, se referindo a nós duas. — E então o

empurramos para baixo com toda a força que conseguirmos reunir. Pronta,

Seis?

Faço como ela instruiu, usando a minha telecinesia para levitar a

escultura de gelo de Marina, a mais ou menos seis metros do chão.

— Pronta? — ela pergunta, me olhando. — Agora!

Juntas, nós jogamos o gelo no chão. Há um baque quando as beiradas

afiadas entram no chão, seguido pelo som de vidro quebrando e com o gelo

logo se espalhando. Apesar de tudo, o gelo não entrou muito no chão além

de mais ou menos um metro. Marina parece feliz com o resultado.

— Ok, ok! Espere um segundo.

Ela corre ao redor da caixa de gelo. Há quatro paredes incorporadas ao

chão, e ela começa a reforçar o gelo, espessando-o e deixando-o mais forte

quando o toca. Quando as rachaduras no gelo são seladas e os pedaços

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121

quebrados preenchidos, Marina se ajoelha em um dos cantos e coloca as suas

mãos sobre o gelo, o mais próximo do chão quanto consegue.

— Ok, eu não tenho certeza se essa parte vai realmente funcionar — ela

diz. — Lá vai.

Marina fecha os seus olhos e se concentra. Adam e eu trocamos um

olhar, ambos bem confusos. Ainda assim, ficamos quietos pelo que o parece

ser mais que cinco minutos, assistindo Marina usar o seu Legado.

Quero colocar a minha testa no gelo, mas acho que isso pode estragar o

que quer que seja que ela esteja fazendo.

— Acho que consegui — Marina diz finalmente, levantando e alongando

o pescoço. — Seis, vamos levantar o gelo de novo.

— Agora você o quer fora do chão? — pergunto.

Marina concorda animada.

— Rápido! Antes que derreta demais.

Então, nós nos concentramos no cubo de novo. Ele parece mais pesado

que antes, e enquanto nós o erguemos, eu percebo porque. Marina uniu o

gelo embaixo do chão, conectando as quatro paredes em um cubo.

Quando nós o levantamos, ele vem com um som de rasgo e trituração,

com restos da raízes da grama junto. O cubo de gelo flutua com a nossa

telecinesia e, dentro, há mais de um metro de terra presa.

— Gentilmente agora — Marina diz, enquanto nós transportamos o

gelo e a terra para fora do caminho. — Eu reforcei bastante o gelo, mas ainda

pode quebrar.

— Brilhante — Adam diz, sorrindo para o monte flutuante. — Nós não

teremos que cobrir o topo com, tipo, grandes galhos e ramos. Depois que

escavarmos, poderemos colocar o cubo de volta no topo. Vai parecer normal

quando Setrákus Ra passar por ele, mas você deve ser capaz de derrubá-lo

com a sua telecinesia de longe.

Marina concorda.

— Era nisso que eu estava pensando.

Baixamos o gelo com cuidado no chão com um baque suave. Sem

Marina constantemente o aumentando com o seu Legado, o gelo começa a

derreter. As bordas da nossa cova ficam um pouco enlameadas, mas seca

rapidamente, considerando o calor.

Adam vai um pouco à frente e se ajoelha em frente à cova no chão.

— Minha vez — ele diz.

Ele coloca as suas mãos na terra e um segundo depois já posso sentir as

vibrações fluindo dele. As ondas sísmicas são focadas principalmente a sua

frente, mas seu controle não é muito preciso. Por um momento, fico um

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122

pouco enjoada graças às ondas do solo embaixo dos meus pés, mas logo me

recomponho. O chão na frente de Adam começa a se soltar e as camadas do

solo começam a se quebrar em pedaços consideráveis.

Adam olha por cima do ombro para mim.

— Como está?

Uso a minha telecinesia para levantar uma quantidade considerável de

terra e pedras para cima da cova, e em seguida, os jogo na selva. Será mais

fácil cavar agora que Adam está quebrando as camadas de terra, mas ainda

vai ser um saco. Aceno com a cabeça para ele.

— É um bom começo — eu digo a ele.

Ele se levanta.

— Eu vou procurar por... uma pá.

Adam mal pode terminar o seu pensamento, quando de repente seus

olhos se prendem no céu atrás de nós. Eu me viro, ouvindo um som

mecânico.

Não. Não pode ser. É cedo demais. Nós não estamos prontos.

— Seis? — Marina pergunta. — O que é aquilo?

É uma nave. Prata e elegante, sem os ângulos estranhos e armas como

nas outras naves mogadorianas. Não é nada parecido com qualquer coisa que

eu já tenha visto, mas também é estranhamente familiar.

A nave está vindo rápido, e bem na nossa direção.

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123

Capítulo quatorze

— BATEDORES? — MARINA PERGUNTA. POSSO SENTIR SEU LEGADO

VOLTANDO À tona, para se precisarmos lutar.

— Não é uma nave mogadoriana — Adam diz, dando um passo ao meu

lado.

— Não — concorda, já percebendo. Coloco a minha mão no braço de

Marina. — Está tudo bem. Você não... você não reconhece?

— Eu... — Marina para enquanto examina melhor a nave que se

aproxima. Ela voa por cima das árvores e gira sem esforço no ar, diminuindo a

sua velocidade logo acima da nova área de pouso dos mogs.

Embora esteja um pouco amassada e arranhada, até com um pouco de

ferrugem nas bordas, a nave ainda reluz, seus painéis blindados, feitos com

materiais que não são encontrados nesse mundo. A nave paira no ar por um

momento, o sol brilhando, refletindo nas janelas coloridas da cabine do

piloto, e em seguida, pousa suavemente.

— É uma das nossas — eu digo. — Como a nave que nos trouxe para cá.

Para a Terra, eu quero dizer.

— Como isso é possível? — Adam devolve, perguntando.

— Esses são os nossos reforços? — Marina pergunta, sem tirar os olhos

da nave. — O John comentou alguma coisa?

— Ele disse que estava enviando a Sarah, Mark e mais alguma coisa... —

respondo um pouco atordoada. — Alguma coisa que nós tínhamos que ver

para crer.

Quem poderia estar pilotando uma nave loriena? De onde ela veio? Dou

um passo para frente.

A rampa de metal da parte de trás da nave começa a descer e eu fico

tensa. Uma memória nebulosa que vem à tona, de uma rampa como aquela

na minha infância, com Katarina ao meu lado, explosões e gritos ao fundo.

Aqui estamos nós de novo, no meio da segunda invasão mogadoriana, e mais

uma vez há uma nave lórica na minha frente. Só que dessa vez, eu não sei se

deveria estar correndo na sua direção ou para longe. Mesmo que John já

tenha me dito que a ajuda estava chegando, não consigo afastar a sensação

de que isso pode ser uma armadilha. A paranoia vem me acompanhando até

aqui, não há razões para ignorá-la agora.

— Preparem-se para qualquer coisa — digo aos outros. — Nós não

sabemos o que vai sair de lá.

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124

E então um beagle muito familiar desce a rampa correndo.

Bernie Kosar, com a língua para fora da boca, pula em mim primeiro,

com as suas patas dianteiras apoiadas nas minhas pernas. A sua cauda é um

borrão quando ele cumprimenta Marina, logo em seguida. E depois ainda

salta em Adam. Ouço um som estranho, mas logo noto que é o riso de um

mogadoriano.

Quando olho de volta para nave, Sarah Hart está parada no topo da

rampa, com os seus braços abertos em saudação e com um sorriso.

— Oi, pessoal — Sarah diz casualmente. — Olhem o que nós

encontramos.

Marina solta uma gargalhada de surpresa e logo sai correndo,

encontrando a Sarah na ponta da rampa, já a envolvendo em um abraço.

Já faz um tempo desde que vi Sarah, ela já tinha ido para a sua missão

secreta de se encontrar com o ex-namorado quando eu e Marina voltamos da

Flórida. Ela está com o cabelo para trás, preso em um rabo de cavalo

apertado, mas o seu sorriso é brilhante mesmo com algumas marcas sob os

olhos, e percebo que estão avermelhados quando chego mais perto. Há

também alguns arranhões e contusões que nem o seu sorriso consegue

esconder. Sim, ela está feliz em nos ver, mas também está cansada,

estressada e um pouco abatida. Independente disso, ela parece melhor do

que nós, sujos depois de alguns dias na selva, queimados do sol e exaustos.

— Você está aqui — eu digo a Sarah, abraçando-a também. Na verdade

estou um pouco distraída. Ainda não consigo tirar os olhos da nave.

— É bom ver você, Seis — Sarah responde, me abraçando apesar do

suor e do pó. — John disse que vocês poderiam precisar de alguma ajuda e

uma maneira de sair daqui. Então, nós trouxemos os dois.

Quem é exatamente esse “nós” se torna aparente um segundo depois.

O Mark James que sai da nave atrás da Sarah é muito diferente daquele

cara que lutou um pouco ao meu lado em Paradise. Ele aposentou toda

aquela coisa de cabelo-com-gel de jogador. O cabelo escuro dele está mais

comprido e desgrenhado. Acho que ele perdeu um pouco de peso, seus

músculos estão maiores do que me lembro. Ele tem um olhar cansado no

rosto e está com os olhos bem fechados, o que sugere que ele não está

acostumado com tanto sol.

— Whoa, merda — Mark diz, parando na metade da rampa. — Tem um

deles atrás de você.

— Esse é Adam — apresenta Sarah. — Pensei que eu tivesse te contado

sobre ele.

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125

— É, acho que contou — Mark diz, fazendo sombra nos olhos enquanto

encara Adam. — É apenas assustador ver um deles, você sabe, andando

normal por aí. Desculpe, mano — acrescenta Mark, acenando para Adam.

— Está tudo bem — Adam responde diplomaticamente. Ela aponta por

cima do seu ombro para onde a Phiri Dun-Ra está encapuzada e presa no

Skimmer. — Eu não sou o único mog aqui, como você pode ver. Mas eu sou o

mais amigável.

— Notável — Mark responde.

Sarah começa a fazer as apresentações necessárias. Eu a interrompo

antes que possa realmente começar.

— Desculpa, mas onde vocês conseguiram essa nave? — pergunto,

passando por ela e subindo na rampa.

— Sim, sobre isso... — Sarah responde, apontando para frente, como se

eu devesse continuar explorando — ... você provavelmente vai querer falar

com ela.

— Quem?

Sarah me dá um olhar de que eu deveria simplesmente parar de fazer

perguntas e ir, então eu faço isso. Troco um olhar com Marina, que levanta as

sobrancelhas também. Só alguns passos para dentro, e tenho o maior déjà vu.

Estamos na área dos passageiros. É um espaço aberto, completamente

desprovido de qualquer mobília. As paredes emitem uma luz suave indicando

que a nave ainda está ligada. Tenho uma vaga memória de estar alinhada ao

lado de outro Garde, e os nossos Cêpans nos empurrando para os exercícios

de aeróbica e algum treinamento de artes marciais.

Vou caminhando até a parede mais próxima e passo os meus dedos pela

superfície. O material de plástico responde, brilhando mais por onde os meus

dedos passaram. As paredes são como uma grande tela touchscreen.

Puxo um comando da minha memória, rapidamente desenhando um

símbolo lórico na parede. O símbolo pisca uma vez para mostrar que foi

aceito, e em seguida, um barulho e então uma porta se abre e duas dúzias de

camas surgem. Marina dá um passo para trás quando a porta se abre

exatamente onde ela estava.

— Seis, essa é...?

— É a nossa nave — digo. — A mesma que nos trouxe para Terra.

— Eu sempre achei que ela tinha sido destruída ou... — Marina para e

sacode a sua cabeça com espanto.

Ela passa os seus dedos na parede oposta, colocando outro comando. A

parede inteira se transforma em uma tela gigante de alta-definição com a

imagem de um beagle feliz perseguindo uma bola de tênis.

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126

— “Em português, cachorro” — diz uma voz gravada com um sotaque

lórico bem perceptivo. — “Cachorro. O cachorro corre. En español, perro. El

perro corre...”

Curso de idiomas da Terra. Quantas vezes nós tivemos que ficar

sentados assistindo esse vídeo enquanto voávamos para o nosso novo

planeta? Eu tinha esquecido isso, mas todo o tédio da minha infância volta de

uma vez só. Todo um ano claustrofóbico passado aqui, assistindo um

cachorro correr em um campo verde.

— Ahh, desliga — eu peço para Marina.

— Você não quer ver o que o cão faz a seguir? — ela pergunta com um

sorriso. Ela passa a sua mão pela parede e o programa para.

Vou até uma das camas e me agacho ao lado dela. Os lençóis cheiram a

mofo e estão um pouco sujos. Eles provavelmente ficaram guardados por

mais de uma década. Empurro os cobertores e o colchão para o lado,

inspecionando a armação.

— Ah, olhe isso — eu digo.

Marina se inclina sobre o meu ombro. Lá, esculpida na armação de metal

da cama, por uma garota entediada, está o número seis.

— Vândala! — Marina sorri.

O zumbido mecânico diminui até o silêncio e as

paredes touchscreen piscam e desligam. Alguém acabou de desligar a nave.

— Do jeito que você deixou, né?

Marina e eu nos viramos na direção da voz e acabamos por encontrar

uma mulher que lentamente emerge da cabine do piloto. Minha primeira

observação é de que ela é linda de tirar o fôlego. A sua pele tem um tom

escuro de marrom, suas maçãs do rosto altas e pronunciadas, cabelo escuro e

curto. Ainda que ela esteja vestida com um macacão de mecânico com

manchas de graxa, a mulher parece pertencer a uma capa de revista de

moda. Eu rapidamente percebo que ela não é puramente impressionante

apenas na aparência. É uma qualidade indiferente que a maioria das pessoas

da Terra não seria capaz de perceber, mas eu percebo imediatamente.

Essa mulher é loriena.

Ela parece quase nervosa por ver eu e Marina. Deve ser por isso que

levou tanto tempo para desligar a nave. Mesmo agora, ela continua na porta

da cabine, tão incerta sobre nós quanto estamos com ela. Há um nervosismo

nela, como se a qualquer momento ela fosse voltar para cabine do piloto e

trancar a porta. Posso dizer que ela está tentando pensar em algo para dizer.

— Vocês devem ser Seis e Sete — ela diz depois de um momento, ao

não conseguirmos nada além de olhares atônicos.

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127

— Você... você pode me chamar de Marina.

— Pode deixar, Marina — a mulher diz com um sorriso gentil.

— Quem é você? — pergunto, finalmente encontrando minha voz.

— Meu nome é Lexa — a mulher responde. — Estive ajudando o seu

amigo Mark através do apelido GUARD.

— Você é uma das nossas Cêpans?

Lexa finalmente sai da porta e se senta em uma das camas. Marina e eu

sentamos na sua frente.

— Não, eu não sou uma Cêpan. O meu irmão era um Garde, mas ele não

passou do treinamento da Academia de Defesa de Lorien. Eu estava

matriculada lá também, como uma estudante de engenharia, quando ele...

quando ele morreu. Depois disso, eu meio que, hã, me distanciei da Garde. O

quanto você conseguisse em Lorien. Eu não me encaixava exatamente nas

regras. Eu trabalhava muito com computadores, às vezes fora da legalidade.

Eu não era ninguém especial, basicamente.

— Mas você acabou aqui — Marina diz, com a sua cabeça inclinada.

— Sim, eu fui contratada para reformar uma nave antiga para um

museu...

Esse detalhe dá um clique na minha mente.

— Você veio na segunda nave para Terra — eu digo.

— Sim. Eu vim para cá com Crayton e a minha amiga Zophie. Vocês

provavelmente já sabem disso, mas nós não fazíamos parte do plano dos

Anciãos. Conseguimos escapar de Lorien graças a Crayton, bem, porque ele

trabalhava para o pai de Ella, e porque nós tínhamos acesso a essa nave

antiga. O pai da Ella, ele sabia o que estava por vir. Então me contratou para

consertar a nave. Eu nem sabia realmente como pilotar. Tive que aprender,

bem... durante o voo.

Sorrio para o humor negro de Lexa, mas a minha mente está correndo.

Há mais de nós. Talvez os lorienos não estejam mesmo extintos. Eu deveria

estar animada com isso, mas em vez disso fico desconfiada. Eu

provavelmente só estou sendo paranoica depois do que aconteceu com o

Cinco. Ainda assim, penso em Crayton e em como ele criou a Ella enquanto

secretamente procurava o resto da Garde.

Ele nunca mencionou que veio com mais duas lorienas. Meus olhos se

estreitam.

— Crayton nunca nos contou sobre vocês — eu digo, tentando não

parecer tanto uma acusação.

Crayton escondeu muitas coisas de nós, afinal. Como a verdadeira

origem da Ella, que só descobrimos depois que ele morreu.

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128

— Eu acho que não — responde Lexa, franzindo a testa. — A sua única

preocupação era em manter a Ella viva. Nós concordamos em não manter

contato um com o outro. Era mais seguro para todos se mantivéssemos

distância. Vocês sabem como são os mogs. Eles não podem torturar por

informação se você na verdade não sabe de nada.

— E a sua amiga? Zophie? Onde ela está?

Lexa balança a cabeça.

— Ela não conseguiu. Seu irmão era o piloto desta nave. Da nave de

vocês. Zophie veio procurar por ele, e na verdade pensou que o tivesse

encontrado pela internet, mas...

Marina fica pálida.

— Mogs.

Lexa concorda tristemente.

— Depois disso, eu estava sozinha.

— Você não estava sozinha, afinal. Nós estávamos lá fora. Muitos de nós

– droga, todos nós perdemos os nossos Cêpans. Alguns cedo demais. Nós

poderíamos precisar de uma orientação. Por que você esperou tanto tempo?

Por que não tentou nos encontrar?

— Você sabe porque, Seis. Pelas mesmas razões que o seu Cêpan não

tentou achar os outros. Era muito perigoso tentar fazer contato. Tudo na

Internet poderia significar exposição. Eu fiz o que pude de longe. Canalizei

dinheiro e informações de grupos que estavam trabalhando para expor os

mogadorianos. Comecei um website chamado “Alienígenas Anônimos” para

espalhar as informações e tentar expor o que eles estavam fazendo com o

ProMog. Foi assim que eu encontrei o Mark.

Penso como deve ter sido para ela, uma estranha em um planeta

estranho, sem ninguém para confiar. Na verdade, não preciso imaginar pelo

que ela passou. Eu viviisso. Eu sabia do perigo e nunca parei de procurar os

outros. Não consigo disfarçar a amargura na minha voz.

— Perigoso para nós ou para você?

— Para todos nós, Seis — Lexa responde. Noto que as minhas palavras

a atingiram. — Eu sei que isso não é nem uma fração da responsabilidade que

os Anciãos colocaram em vocês nove, mas... Eu não pedi por isso também.

Consegui um trabalho em um museu e a próxima coisa que sei é que estou

voando em uma nave velha para um planeta em um sistema solar

completamente diferente com os últimos da Garde vivos como carga. Eu

perdi meu irmão, a minha melhor amiga, a minha vida toda.

Ela respira fundo. Marina e eu ficamos em silêncio.

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129

— Eu disse a mim mesma que estava ajudando o suficiente de longe.

Então, fiz o que pude à distância. Apaguei todas as informações que eu

encontrei de vocês online. Tentei deixar vocês invisíveis, não só para o

mundo, mas para mim. Talvez fosse covardia. Ou vergonha. Eu não sei. Eu

sabia lá no fundo que deveria estar fazendo mais. Eu sempre tive a intenção

de recuperar a nave, e então contatar vocês, uma vez que tivessem idade

suficiente e uma vez que eu...

— Você está aqui agora — Marina diz gentilmente. — Isso é o que

importa.

— Eu não podia mais ficar escondida. Eu já tinha fugido de um planeta

durante uma invasão. Decidi que era hora de parar de fugir.

Isso me atinge como um tapa. De algum jeito, depois de passar anos nos

escondendo dos mogadorianos, todos nós decidimos que já era hora de parar

de fugir. Eu só espero que não seja tarde demais.

— Estaria tudo bem se eu lhe desse um abraço agora? — Marina pede

para Lexa.

A pilota é pega de surpresa, mas concorda. Marina a envolve em um

grande abraço, enterrando o rosto no ombro da mulher. Lexa me vê

observando e me dá um sorriso quase envergonhado antes de fechar os

olhos e se deixar ser abraçada. Ela suspira, e talvez eu esteja imaginando isso,

mas parece que um peso invisível saiu dos seus ombros.

Eu não me junto a elas. Abraço em grupo não é bem para mim.

— Obrigada por vir — eu digo depois de um momento. — Bem-vinda ao

Santuário.

Com isso eu levo as duas para fora da nave. Dou uma última olhada na

área dos passageiros da nave antes de enterrar o resto das memórias da fuga

de Lorien. Eu não sou mais uma criança. Essa invasão vai ser diferente.

Lá fora, Adam e Mark parecem estar no meio de uma discussão. Sarah

fica a alguns passos de distância deles, mais perto da nave, obviamente

esperando por nós. Ela levanta as suas sobrancelhas em questionamento

quando me vê e eu suspiro em resposta.

— Loucura quem você trouxe para o México — eu digo tentando

ignorar o choque e a mistura de sentimentos de encontrar a Lexa.

Juntas, nós caminhamos até o Mark e Adam. Mark já com suor

marcando sua camiseta, e parece que ele está tendo um problema em

entender alguma coisa.

— Um buraco — ele diz, sem rodeios. — Vocês vão matar o Setrákus Ra

com um buraco no chão.

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Adam suspira, apontando para as seções de artilharia escondidas na

mata.

— Você está realmente preso na parte do plano do buraco. Nós temos

armas escondidas, bombas...

— Mas para o Setrákus Ra vocês têm um buraco.

— Percebo que é baixa-tecnologia, mas as nossas opções são realmente

limitadas — Adam responde. — E nós não estamos tentando matá-lo. Essa

não é nem uma possibilidade, considerando que qualquer coisa que fizermos

será revertido na Ella. Nós só queremos atrasá-lo e comprar algum tempo

para nós.

— Tempo para quê? — Mark pergunta.

Adam olha de relance para mim.

— Para resgatar a Ella, roubar a Anubis de Setrákus Ra embaixo do seu

nariz ou os dois.

— Por que nós simplesmente não vamos embora? — Mark pergunta, já

querendo voltar para a nave lórica recém-chegada. — Entendi que todas

essas armadilhas podem ser uma boa ideia quando vocês estavam, bem,

presos aqui. Mas agora nós podemos ir.

— Essa não é uma opção — Marina responde. — O Santuário deve ser

defendido a todo custo.

— A todo custo? — Mark repete, olhando de novo para nave, e então de

novo para o templo. — Que diabos têm de tão especial sobre esse lugar?

Percebo que a Lexa está estranhamente quieta durante a discussão.

Os seus olhos estão presos no Santuário, seu rosto pálido, com um olhar

parecido com o de Marina, quando ela fica com aquele jeito, com os traços

em reverência. Lexa deve ter percebido que estava sendo observada, porque

balança a sua cabeça abruptamente e encontra o meu olhar.

— Esse lugar... — ela procura pelas palavras corretas. — Há alguma

coisa especial nele.

— É um local lórico — Marina responde. — O lugar de Lorien agora, na

verdade. A fonte dos nossos Legados está lá dentro.

— Nós acabamos de selar a entrada, senão lhes daríamos um tour —

acrescento. — Nós poderíamos até apresentar a vocês a criatura que vive lá

dentro. Bem legal, para uma Entidade feita de pura energia lórica.

Lexa me lança um rápido sorriso antes de responder.

— Eu posso sentir... o que quer que seja lá dentro. Posso senti-la nos

meus ossos. Entendo o motivo de quererem proteger este lugar.

— Obrigada — Marina responde.

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— Dito isso... — e agora Lexa olha na minha direção. — Tenha em

mente que a minha nave, nossa nave, está pronta. Se vocês precisarem. Já

derrubou uma das naves deles antes.

Aceno sutilmente e troco um rápido olhar com Adam. Marina pode não

querer admitir que nós precisamos de uma, mas nós tínhamos uma estratégia

de fuga da qualquer maneira, e essa é muito melhor do que correr na selva.

— Cara, o que quer que esteja lá dentro, é como se estivesse no

comando dos Legados? — Mark pergunta, olhando para o Santuário com as

mãos no quadril.

— Nós achamos que sim — confirmo.

— Então foi isso que decidiu que o nerd do Sam Goode deveria

desenvolver super poderes e que eu... — então ele para, fazendo careta. —

... merda. Eu deveria ter sido mais legal no colégio.

Tento não rir. John deve ter contado a Sarah e Mark sobre os humanos

desenvolvendo Legados graças à nossa brincadeira no Santuário. Eu não sei

como a Entidade decide quem deve desenvolver Legados, mas realmente não

espero que seja caras como o Mark, mesmo que ele esteja arriscando a sua

bunda por nós pelos últimos meses.

Sarah por outro lado...

— E você? — eu digo, olhando para ela.

Sarah encolhe os ombros e olha para suas mãos, como se esperasse que

raios de luz surgissem delas a qualquer momento.

— Nada ainda — ela diz, franzindo a testa. — Ainda sou só uma humana

normal.

Sarah tenta agir normal, mas posso ver que isso está a incomodando.

Depois de tudo o que ela já fez por nós, pelo John em particular, me parece

um enorme descuido por parte da Entidade não dar Legados a ela,

escolhendo outros humanos para desenvolvê-los.

— Pelo o que John nos contou, Sam descobriu que ele tinha Legados

quando um píken estava quase caindo em cima deles — aponto. — Talvez

você só não esteve em uma situação onde eles pudessem se desenvolver.

— Sim — Marina concorda, entrando na conversa. — Falando por

experiência, os Legados têm o hábito de só se manifestarem quando você

precisar deles.

— Oh, ótimo — Mark diz. — Então, se nós ficarmos por aí encarando a

morte, talvez haja uma chance de pelo menos morrermos com superpoderes.

— Sim. Talvez — eu o respondo.

— Ou talvez a Entidade não tenha escolhido ninguém — Adam diz. —

Talvez seja aleatório.

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132

— Diz o mogadoriano com Legados — comenta Mark.

— Seja como for, está bom — Sarah diz, claramente tentando mudar de

assunto. — Eu não estou contando que isso aconteça. Então, tanto faz. Mas

isso não significa que eu não posso ajudar de outras formas. Acabei de falar

com o John antes de pousarmos.

— Ele está a caminho? — pergunto. — Ele deveria estar trazendo as

grandes armas com ele.

— Eu não sei se isso vai acontecer — Sarah responde, com uma

carranca que só pode significar uma má notícia. — O governo não está

exatamente cooperando. Tipo, eles querem lutar, mas não querem perder.

— Que merda significa isso?

— Que eles estão sendo uns bunda-moles — Mark explica.

— Eles não querem se jogar em uma luta contra o Setrákus Ra a menos

que saibam que vão vencer. Então, eles vão nos apoiar, mas não vão lutar

contra ele. Ainda não, de qualquer maneira.

— Patético — eu digo.

Sarah olha para Adam.

— John ainda quer que você consiga aquelas peças dos Skimmers.

— Assim ele pode dar essa tecnologia para o exército que não vai nos

ajudar? — Adam pergunta, com uma sobrancelha levantada.

— Basicamente.

— Eu já cuidei disso. Tirei delas antes de colocar os explosivos nas naves

— Adam responde, olhando para mim. — Vamos ou não entregá-las?

Podemos decidimos depois.

— Por que diabos nós vamos entregar se eles não vão nos ajudar a

lutar? — pergunto a Sarah.

Todo esse acordo parece terrivelmente com o que a Agente Walker nos

descreveu lá em Ashwood Estates. ProMog. Mesmo agora, com as grandes

cidades praticamente como crateras fumegantes, o governo ainda está

jogando e tentando ser legal com os alienígenas recém-chegados.

— Por diplomacia? — Sarah responde, dando de ombros como se a

situação estivesse fora do seu controle. A qual obviamente está. Como

normalmente, nós estamos sozinhos. — John acha que eles podem nos

ajudar uma vez que vejam um modo de vencer os mogs.

— Quando ele vai chegar aqui? — Marina pergunta.

O rosto de Sarah fica triste.

— Mais más notícias. Cinco está mantendo Nove refém em Nova York.

Ouço estalos de gelo nos punhos de Marina.

— O quê?

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133

— Sim, não é bom — Sarah responde. — John e Sam estão tentando

achá-lo e impedi-lo antes de... bem, o que quer que seja que aquele psicopata

está planejando.

— Eu deveria tê-lo matado — murmura Marina.

Lanço um olhar rápido para ela. Ela tem sido tão pacifista desde que

estivemos no Santuário, tão parecida com a antiga Marina, toda da não-

violência e serena. À primeira menção do Cinco, e a sua “escuridão” vem à

tona.

Sarah continua, sem ter escutado Marina.

— Uma vez que eles tenham resolvido isso, John estará a caminho,

mas...

Olho para a linha de árvores da selva. O sol já está começando a baixar.

— Ele não vai chegar a tempo — completo, sentindo um nó em meu

estômago. — Vai ser só a gente.

— Ele vai tentar — Sarah insiste, e tenho certeza de que ela está

esperando o seu namorado aparecer no horizonte como se fosse um herói,

ele e Sam apoiados pelas forças armadas dos Estados Unidos. Eu não me

iludo com isso.

— Nós precisamos voltar ao trabalho — aponto. — Tudo precisa estar

pronto.

— Ou nós poderíamos ir embora — Mark diz, levantando as mãos.

Quando ele recebe um olhar feio de Marina, ele recua.

— Está certo, está certo. Mostre-me onde tenho que cavar.

Nós começamos a trabalhar.

Primeiramente, Adam coloca o corpo retorcido de Areal na nave de

Lexa. A Chimæra parece um pouco melhor agora, como se a tensão estivesse

saindo dos seus músculos, mas ele ainda não consegue mudar de forma e não

está nem perto pronto para um combate. Ele vai ter que ficar observando

tudo de longe.

Lexa quer ver os dispositivos que nós retiramos dos Skimmers, então

Adam e eu mostramos a ela onde os empilhamos na tenda da munição. Cada

um é uma sólida caixa de mais ou menos o tamanho de um laptop.

— Eles estavam atrás dos controles de pilotagem dos Skimmers —

Adam explica, manuseando a abertura de um dos dispositivos, cheia de

cabos. — Tentei mantê-los o mais intacto possível.

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134

Nós os colocamos em uma mochila de pano e levamos para a nave da

Lexa, prontos para serem entregues para os nossos generosos amigos no

governo, que, em troca, nos darão um bando de nada.

Isso, é claro, presumindo que consigamos sair do México vivos.

— Vai funcionar? — pergunto a ela.

— Eu acho que sim — Lexa responde. Ela tira o recobrimento de um

cabo e, em seguida, conecta o fio exposto na porta de alimentação do

dispositivo de camuflagem. — Acho que não vamos ter certeza até

tentarmos passar pelo campo de força deles.

Ir contra uma nave de guerra em uma nave lórica remodelada que pode

ou não passar pelo campo de força impenetrável que há a sua volta. Essa é

com certeza uma situação que eu não esperava.

— Se não funcionar...

— Nós poderíamos explodir — ela diz, antes que eu possa terminar. —

Não vamos apressar isso, ok?

Enquanto Adam e Lexa continuam arrumando o dispositivo no sistema

da nave lórica, o resto de nós vai trabalhar na cova em à frente entrada do

Santuário. Adam conseguiu algumas pás que estavam enterradas nos

equipamentos dos mogadorianos, aparentemente eles desistiram de tentar

cavar a sua entrada para o Santuário há muito tempo. Mark parece um pouco

feliz demais em tirar a camisa e começa a jogar pás de terra sobre o seu

ombro. Bernie Kosar se junta à ele alegremente, e o Chimæra se transforma

em uma toupeira imensa. Com os seus três dedos-garras, Bernie Kosar faz

chover sujeira para fora da cova. Parece que ele está tendo uma explosão de

energia. Mark, por outro lado, não fica muito tempo entusiasmado.

O calor da selva logo toma controle.

— Isso é uma merda! — eu o escuto reclamar várias vezes para Sarah,

enxugando o suor da sua testa.

— Espere até os mogs aparecerem e começarem a atirar na gente —

Sarah responde. — Você vai desejar ter mais trabalho manual.

Logo em seguida chegamos a uma camada de terra que é dura demais

para que consigamos cavar com a pá. É muito mais fácil quando Adam vem e

faz uma explosão sísmica para acabar com essas rochas, e então Marina e eu

usamos a nossa telecinesia para tirar as grandes rochas da cova e esconder a

terra e as pedras na selva.

Eventualmente, nós temos um buraco cavado. Agora que terminamos,

Marina e eu usamos cuidadosamente a nossa telecinesia para levantar o

nosso cubo depois de remover as sujeiras, e colocamos de volta no lugar. Ele

está suspenso sobre a nossa cova, muito precariamente, mas parece muito

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135

natural para quem não sabe a diferença. Tenho certeza de que ele vai ceder

fácil quando Setrákus Ra cair dentro do buraco de nove metros, para que ele

não seja capaz de pular para fora. Com sorte, dentre essa e as outras

armadilhas, nós conseguiremos distraí-lo para conseguir entrar a bordo

da Anubis.

De volta à forma de beagle, Bernie Kosar fareja a borda escondida da

cova, abanando o rabo. Ele parece aprovar.

— E agora? — Mark pergunta, tirando o pó das mãos. — Nós vamos

colocar alguns arcos de disparo automático escondidos ou algo assim?

— Não vi nenhum tipo de arco espalhado por aí — Adam responde,

coçando o queixo. — Mas nós podíamos fazer algumas lanças com os galhos

das árvores. Como você está em talhar?

Ou Adam realmente não percebeu que Mark estava sendo sarcástico ou

ele realmente gosta de fazer armadilhas.

— É, vamos deixar assim mesmo — Mark responde, se afastando.

Sarah e companhia, na verdade, tiveram a grande ideia de trazer alguns

suprimentos. Todo mundo faz uma pausa, passando garrafas de água e

comida. Todos nós fazemos um bom trabalho fingindo que não estamos

assustados pelo inferno que está por vir.

Eu paro um pouco longe do resto do nosso grupo, comendo o meu

sanduíche e pensando na nave lórica parada na pista de pouso. Alguma coisa

está me incomodando, mas não consigo descobrir o quê. É como se tivesse

uma voz baixinha gritando um aviso no fundo da minha mente e eu não

conseguisse entender o que está dizendo. Vendo-me encarar a nave, Lexa se

aproxima.

— Você acha que vai funcionar? — ela me pergunta, inclinando a sua

cabeça para as nossas armadilhas.

— Você está me perguntando se nós vamos vencer essa batalha de hoje

graças a um grande buraco e algumas armas escondidas na mata? — balanço

a minha cabeça solenemente. — De jeito nenhum. Mas talvez nós

consigamos estragar os planos do Setrákus Ra de alguma forma.

— Sei que isso provavelmente não significa muito vindo de mim — Lexa

começa hesitante, claramente desconfortável. — Mas você é uma ótima

líder, Seis. Você está mantendo todos juntos. A sua Cêpan ficaria orgulhosa.

Diabos, todos de Lorien ficariam orgulhosos da luta em que vocês estão se

metendo.

Posso ver que a Lexa não se refere só por hoje, ela se refere a todo o

tempo na Terra, sobrevivendo contra os mogadorianos. Eu a observo pelo

canto do olho. Reconheço uma qualidade semelhante nela. Ela é uma

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136

sobrevivente. Eu me pergunto se é nela que vou me transformar se essa

guerra durar muito tempo; uma pessoa que evita se ligar aos outros, porque

já sofreu muito. Talvez eu já seja assim.

— Sim — respondo sem jeito. — Obrigada.

Lexa parece satisfeita com essa breve troca. Ela provavelmente me

entende assim como eu a entendo, e não quero um momento meloso. Com

uma das mãos, ela aponta para selva, a oeste.

— Quando estávamos pousando, vi uma pequena clareira perto daqui.

Colocarei a nave lá, longe do Santuário. Vou deixá-la sob o dossel de árvores

para que eles não sejam capazes de ver.

— Bem pensado — concordo. — Não quero que Setrákus Ra saiba que

estamos aqui.

— Sim. Há uma boa chance de que ele pense que vocês fugiram.

— Elemento surpresa é praticamente a única coisa boa que temos.

— Às vezes é tudo o que é preciso — Lexa responde, e então me deixa,

caminhando em direção a nave.

Nossa nave, ela falou.

Eu a observo ir. Ainda há uma vozinha gritando na minha cabeça, mais

alta agora, mas ainda não consigo entender. Eu não sei o que está tentando

me dizer.

— Seis? Você ouviu isso?

É Marina, caminhando na minha direção com uma mão pressionada na

sua têmpora como se alguma coisa estivesse lhe dando uma enxaqueca.

— Ouvi o quê? — pergunto a ela.

— É como... é como uma voz — ela diz. — Oh, Deus, talvez eu esteja

ficando louca.

E é quando percebo que o que está me incomodando não é a voz da

minha consciência ou um alerta mental se descontrolando.

É literalmente uma voz em minha mente. Uma que não me pertence e está

desesperadamente tentando ser ouvida.

— Você não está louca. Eu ouvi também.

Foco no zumbido estridente e, ao mesmo momento, a voz se torna

perfeitamente clara, mas ainda distante, como se viesse através de um túnel.

Seis! Marina! Seis! Marina! Vocês podem me ouvir?

Marina e eu nos encaramos. Essa voz telepática pertence à Ella. John

mencionou que os seus Legados ficaram mais aprimorados, mas sua telepatia

deve estar seriamente forte para que ela seja capaz de transmitir a essa

distância para mim e Marina. A cada segundo que passa, sua voz fica mais

clara na minha cabeça.

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137

Isso só pode significar que ela está chegando mais perto.

— Ella! — digo em voz alta, não acostumada a utilizar a comunicação

telepática. — Onde você está? O que está acont...?

Ela me interrompe telepaticamente com um grito. “O que vocês estão

fazendo aí? Eu avisei o John! Ele deveria ter avisado vocês”.

— Ele nos avisou — Marina diz. — Nós estamos aqui para tentar ajudar

você. E para proteger o Santuário.

NÃO! Não, não, não, não! — Ella soa um pouco perturbada e

definitivamente em pânico. Ele deveria ter avisado vocês.

— Nos avisar sobre o quê? — pergunto.

Avisar para fugir!, Ella grita. Vocês precisam correr! CORRAM OU VÃO

MORRER!

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138

Capítulo quinze

MARINA E EU NOS FITAMOS, AMBAS CONGELADAS.

Essa é a parte ruim sobre profecias de morte entregues por chat de

grupos telepáticos. Não fica claro a quem ela se destina. Ella está falando

sobre mim? Marina? Nós duas? Todos aqui?

Droga, não acredito que o futuro está escrito numa pedra. Não acredito

em destino. Não vamos fugir agora. Não sem antes tentar executar nosso

plano. Depois de um momento de incerteza, vejo uma chama de

determinação nos olhos de Marina.

— Não vou fugir — ela diz.

— Nem eu — respondo, já lamentando esses últimos segundos que

gastamos paradas. — Vai! Coloque os outros em posição!

Marina corre na direção de Sarah e dos outros. Disparo na direção

oposta, atravessando a pista de pouso tentando chegar à Lexa. Ela ouve

minha aproximação e se vira no topo da rampa, com uma sobrancelha

levantada para mim.

— Ele está adiantado — digo a ela.

— Merda.

— Voe baixo, assim eles não poderão vê-la. Eu não tenho certeza do

quão perto eles estão.

PERTO!, Ella grita em meu cérebro. Recuo com a altura da voz.

— Você sabe que tenho algumas armas nessa coisa, certo? — Lexa

pergunta, apontando seu dedão para a nave. — Eu posso ajudar a acabar

com eles.

— Não. Esse é nosso único plano de fuga. Não podemos arriscar que a

nave seja danificada.

— Você que sabe, Seis — Lexa responde. — Vou esconder essa coisa e

voltar para cá.

— Não — eu digo, balançando minha cabeça. — Não volte. Não

podemos arriscar perder nosso piloto também. Estacione e esconda a nave, e

então espere. Se as coisas estiverem ruins aqui, quero que esteja pronta para

nos tirar daqui. Talvez precisemos correr.

— Tudo certo — Lexa diz, se mantendo fria. Ela ruma para a selva ao sul,

onde as pedras quebradas das construções antigas ainda estão visíveis. —

Estarei a um quilômetro e meio, Seis. Em linha reta daqui. Mark tem um rádio

conectado ao painel se precisar entrar em contato.

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139

— Entendido.

— Boa sorte — Lexa responde. O que ela realmente quis dizer

foi: sobreviva.

Lexa coloca a nave no ar e voa baixo o bastante para as copas das

árvores encostem na nave. Assim que ela está fora de visão, olho para o

horizonte – ainda sem sinal da Anubis – e então corro na direção da floresta

do lado oriental do Santuário. É onde os outros estão reunidos, um bom lugar

para se esconder – há uma abundância de densa folhagem e um tronco

tombado que podemos usar para nos proteger. Dali, podemos ver a frente do

templo e a porta lateral. É o lugar perfeito para ativar nossas armadilhas.

Podemos ver também a Anubis chegando quando for a hora, o que deve

estar perto agora.

— Ella? — parece estrando dizer seu nome em voz alta, mas não

consigo digerir toda essa coisa de conversa-dentro-da-minha-cabeça. Gostaria

de saber se Marina ainda está ligada à conversa telepática. — Que diabos?

Você disse a John ao nascer do Sol!

Setrákus Ra não parou para reunir reforços. Ele está muito... animado para

chegar aqui.

Bem, essas são boas notícias, pelo menos. Setrákus Ra não reabasteceu

suas tropas depois de deixar Nova York. Isso significa que não teremos que

lidar com tantos. Mesmo assim, estou mais do que um pouco assustada com

a primeira notícia de Ella.

— O que você quis dizer antes? Quem vai morrer?

Eu... eu não sei. Foi uma visão. Não muito clara. Mas eu vi sangue. Muito

sangue. E eu não valho a pena, Seis! Vocês podem sair agora, escapar e...

Percebo que Ella está escondendo alguma coisa, não está sendo

totalmente honesta sobre o que sabe. John me disse que os Legados dela

foram amplificados, mas essa clarividência dela não é à prova das falhas.

Não pretendo mudar nosso plano baseado na visão do futuro que ainda

podemos ser capazes de mudar.

— Vamos ficar — digo firmemente, esperando que ela possa detectar a

determinação em minha mente. — Vamos tirar você dessa nave. Está me

ouvindo?

Sim.

— Poderíamos usar sua ajuda. Quão perto você está? O que você está

vendo?

Cinco minutos, Seis. Estamos a cinco minutos.

Cinco minutos. Porcaria.

— O que ele está mandando contra nós?

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140

Ele está indo pessoalmente. Cem guerreiros prontos. E eu estarei lá

também. Não poderei ajudar você, Seis. Não posso... meu corpo não funciona

mais.

Cem. Isso é muito. Podemos lidar com eles. Pelo menos se

conseguirmos acertar muitos deles quando explodirmos os Skimmers.

— Deve ter alguma coisa que possamos fazer, Ella. Apenas me diga

como ajudar você.

Você não pode, a voz dela retorna, triste e resignada. Não se preocupe

comigo. Faça o que precisa ser feito.

Adam se junta a mim e corre na direção do limite da floresta onde os

outros já estão escondidos. Em vez de ir imediatamente para nosso

esconderijo, ele faz um desvio para o Skimmer que usamos para voar até aqui

e pega a espada mogadoriana que pertenceu ao seu pai. A espada parece

pesada presa às costas de Adam, mas ele acompanha meu ritmo.

— Quase esqueci disso — ele diz, quando me pega olhando para a

espada.

— Não existe uma expressão popular sobre trazer uma faca à um

tiroteio? — pergunto.

Ele dá de ombros.

— Você nunca sabe quando uma coisa grande e afiada pode ser útil.

Nós deslizamos até o lugar onde nosso grupo está abrigado, atrás de

uma árvore caída. Adam se vira e observa o céu, sua boca apertada em uma

linha fina, os braços cruzados. Mark está segurando o detonador para as

bombas que Adam lhe mostrou como usar mais cedo. Com Mark atuando

como nosso especialista em demolições, Marina está livre para focar em

atirar a telecinesia nos canhões que escondemos na floresta. Sarah está de pé

perto deles, com um canhão numa mão, a outra pressionada na têmpora,

pálida e com a testa franzida.

— Eu não aceito isso — Marina diz quando deslizo perto dela. Percebo

que ela está tendo uma conversa com Ella também.

— Aceitar o quê? — Mark pergunta, confuso.

Sarah o silencia com um “shh”. Dando outra olhada nela, percebo que

Sarah também está conectada ao canal telepático de Ella. Ela sabe que a

morte pode estar chegando.

— Nós vamos roubar a nave dele bem debaixo dele. Vamos resgatar

você — digo essas coisas alto, com ferro em minha voz, sabendo que Ella

pode me ouvir.

Me desculpem. Isso não vai acontecer, Ella diz telepaticamente.

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141

Posso dizer pelo modo que os olhos de Marina se enchem de lágrimas

que ela pode ouvir também. Sarah cobre a boca e engole em seco, olhando

pra mim interrogativamente.

— Merda — digo.

— Não se atreva a desistir da esperança — Marina praticamente grita

para o espaço vazio à sua frente.

— Ella? está me ouvindo?

Ella não responde. Ainda posso senti-la lá, quase como cócegas ao fundo

de minha mente. Sei que ela está ouvindo. Só não está nos respondendo

mais.

— Não me importo com o que ela diz ou quantos mogs teremos que

lutar contra — falo para Marina agora. — Se fizermos alguma coisa hoje, será

tirar Ella de perto de Setrákus Ra. Nos apossar dela e levá-la de volta a nave

de Lexa.

— Concordo — Marina diz.

— Talvez isso funcione — Sarah completa, parece que o espanto deixou

seu rosto, e no lugar surge uma expressão pensativa. Como Marina e eu, ela

não está recuando diante da ameaça de morte. — Quero dizer, não tinha

alguma coisa com o velho feitiço lórico de vocês que se quebrava quando

vocês se juntassem?

— Isso — respondo. E daí?

— Então, talvez a versão bagunçada de Setrákus Ra funcione de forma

contrária — Sarah explica. — Talvez seja por isso que ele leva Ella para onde

quer que ele vá. Ele tem que mantê-la perto para que isso funcione.

— Faz sentido para mim — Mark fala, dando de ombros. — Não que eu

seja, tipo, um especialista nessa porcaria.

Definitivamente isso é uma possibilidade que vale a pena ser testada,

especialmente desde que planejamos o resgate de Ella de qualquer forma.

Viro-me para Adam. O plano era nós dois ficarmos invisíveis e entrar

na Anubis enquanto os outros criavam uma distração.

— O que você acha? Ir para a nave de guerra ou Ella?

— Vocês que decidem — ele responde.

— Você talvez tenha que estar debaixo do nariz dele para chegar até

Ella — Sarah aponta.

— O que quer dizer que ele pode retirar temporariamente sua

invisibilidade — Marina continua.

— Droga — digo, minha mente trabalhando. — Tudo bem. Talvez

possamos separá-los quando ativarmos nossas armadilhas. Se vermos uma

oportunidade, vamos para Ella. Caso contrário, mantemos o plano de tomar

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142

a Anubis — aponto para o sul. — Há algumas antigas construções de pedra

naquela direção. Se forem para o sul a partir de lá, é onde Lexa escondeu

nossa nave. Se as coisas ficarem ruins aqui, se os mogs descobrirem suas

posições, quero que vocês três vão para lá.

— E deixar vocês para trás? — Marina pergunta.

— Estaremos invisíveis, pelo menos — respondo, olhando dela para

Sarah. — Apenas fiquem vivos. Isso é o importante agora.

Sarah concorda sombriamente e Marina se afasta, olhando na direção

do Santuário. Mesmo depois do aviso de Ella, duvido que ela tenha qualquer

intenção de recuar.

Antes que eu possa dizer mais qualquer coisa, Adam segura meu abraço

e aponta na direção da pista de pouso.

— Droga! Seis, esquecemos da nossa amiga.

Olho para onde Adam aponta e vejo Phiri Dun-Ra contorcendo-se

selvagemente contra a corrente. Na correria de ficar em posição, me esqueci

completamente de nossa prisioneira mogadoriana. Mesmo com ela

encapuzada, Phiri Dun-Ra deve ter ouvido a comoção e sabe que estamos

distraídos. Ela vai enlouquecer em seu estado de aprisionamento, fazendo

qualquer coisa para se soltar. Nós a amarramos a um suporte de pneus de

forma bem firme, então não acho que ela vá se libertar. Mesmo assim,

provavelmente não é uma boa ideia deixá-la ali quando a Anubis aparecer.

— Setrákus Ra vai perceber alguma coisa se vê-la — Adam diz, lendo

minha mente.

Mark levanta seu canhão e olha na mira, o cano da arma apontado na

direção de Phiri Dun-Ra.

— Querem que eu dê um jeito nela? Acho que consigo fazer o disparo.

Marina coloca a mão no canhão e faz com que ele o abaixe.

— Se quiséssemos executá-la, Mark, não acha que já não teríamos feito

isso?

Adam me lança um olhar, como se talvez não fosse uma má ideia

finalmente dar a Phiri Dun-Ra nossa misericórdia. Ele tem desejado matá-la o

dia todo. E posso entender o porquê.

— Deveria tê-la prendido no poço — Sarah diz com pesar.

— Temos que deixá-la fora de vista — concordo.

Alcanço-a com minha telecinesia e libero Phiri Dun-Ra de sua prisão.

Isso me leva alguns segundos – com Marina atirando com os canhões

escondidos, tal tarefa não é fácil a essa distância. Phiri Dun-Ra deve pensar

que ela está fazendo isso sozinha. Ela tira o capuz e a mordaça, em seguida

fica de pé, tropeçando, surpresa pelas cordas terem se rompido. A nascida

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143

naturalmente esfrega os pulsos por um momento, olhando ao redor, e então

corre para a floresta do lado oposto ao nosso. Ela está indo na direção de

onde escondemos alguns canhões dos mogs.

— Seis? — Marina pergunta, com um tom de aviso em sua voz. — Você

sabe o que está fazendo?

Eu sei. Antes que Phiri Dun-Ra possa ir muito longe, uso as cordas que a

prendiam e com minha telecinesia e prendo em seus pés. Ela cai feio com o

rosto no chão. Então eu a arrasto em nossa direção, poeira e sujeira se

elevam no ar quando ela arranha o chão, tentando escapar. Seus gritos de

frustração são altos o bastante para assustar alguns pássaros nas árvores

mais próximas.

— Precisamos silenciá-la — Adam fala.

— Marina, puxe-a — respondo.

Enquanto Marina assume meu lugar com sua telecinesia, foco nas

nuvens vagando no céu do anoitecer. Eu não quero criar uma tempestade

propriamente dita – não com a Anubis e Setrákus Ra tão perto. Felizmente,

não precisei de uma. Há uma nuvem escura com carga o bastante para gerar

um pequeno raio. Mando este arco em Phiri Dun-Ra, acertando-a em cheio.

Acho que há uma chance disso matá-la, mas não tenho muito tempo para me

preocupar com isso. A mogadoriana espasma quando a eletricidade passa por

ela, então para de resistir à telecinesia de Marina. Ela não desintegra, então

acho que ainda está viva.

Quando Marina arrasta Phiri Dun-Ra para a linha das árvores, Adam a

agarra por baixo dos braços e a puxa o resto do caminho. Ele a empurra para

de trás do tronco que estamos nos escondendo e começa a prender

novamente seus pulsos e tornozelos.

— Então, vocês fazem prisioneiros agora? — Mark pergunta.

— Ela pode vir a ser útil — respondo, dando de ombros.

— Não podemos continuar arrastando-a por aí — Adam diz assim que

termina de apertar os nós.

— Vamos deixá-la aqui. Ela mencionou amar selvas, certo? — digo, com

um sorriso no rosto.

Temos coisas maiores para nos preocupar do que o destino de Phiri Dun-

Ra.

— Não vamos azarar nossa chance de sobrevivência por fazer muitos

planos - Mark diz.

Antes que qualquer um possa responder, a selva ao nosso redor se

torna estranhamente calma. Estava tão acostumada com o incessante som

dos pássaros que é absolutamente chocante quando ele some. Até mesmo o

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144

som dos insetos se reduz até desaparecer. Através da clareira que os mogs

fizeram ao redor do Santuário, ao norte, uma revoada inteira de pássaros voa

das árvores e se dispersa.

A Anubis está aqui.

Estendo minhas mãos e braços.

— Segurem — digo a todos. — Vou nos manter invisíveis até estarmos

prontos para atacar.

Marina segura uma de minhas mãos e Sarah a outra. Mark, com o

detonador pronto, segura meu ombro. Adam é o último. Ele me dá um aceno

de cabeça, provavelmente se lembrando de quando eu disse a ele como é

estranho foi ficar de mãos dadas com um mogadoriano. Até que tudo isso

acabe, nós dois estaremos ligados. Aceno de volta, por cima do ombro, e ele

se aperta ao lado de Marina, suas mãos em meu braço. Apenas Bernie Kosar

não se aproxima de mim. Em vez disso, nosso Chimæra se transforma num

tucano e voa para uma árvore próxima.

É um pouco engraçado, nós cinco amontoados dessa forma. É quase

como se estivéssemos posando para uma foto.

Deixo-nos invisíveis no exato momento em que a Anubis plana em nosso

campo de visão. A nave de guerra é ainda maior do que imaginei. Toda ela é

feita de placas de metal cinzento sobrepostas que chegam parecer uma

báscula. Tem o formato daquele inseto egípcio – escaravelho – exceto pelas

toneladas de armas, o maciço canhão que se projeta de frente da nave

particularmente na direção dos meus olhos.

— Deus — Sarah sussurra.

— Puta merda — Mark diz, um pouco alto.

Sua mão aperta meu ombro.

Enquanto a Anubis se arrasta pesadamente para cada vez mais perto, a

clareira inteira e o Santuário são tragados por sua sombra.

— Com calma agora — digo, tentando não surtar. — Fiquem quietos e

por perto. Eles não podem nos ver.

A nave enorme para, e então fica pairando sobre o acampamento dos

mogs. Mesmo considerando a larga faixa de floresta que os mogs

desmataram, a nave de guerra ainda é tão grande que não há espaço para ela

aterrissar.

Adam deve ter percebido que a Anubis pairando sobre o campo de

batalha meio que ferrou com nossos planos.

— Teremos que encontrar um jeito de subir até lá.

— Se ele aterrissar alguma tropa, nós podemos acabar com eles e voar

com um dos Skimmers deles até lá em cima — respondo. É exatamente a

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145

tática que John e os militares ausentes dos EUA querem usar contra as naves

de guerra dos mogs, então quem melhor do que nós para sermos as cobaias?

— O que ele está fazendo? — Sarah pergunta. — Pelo que eles estão

esperando?

Ella parou de transmitir telepaticamente para nós há alguns minutos, e

agora me pergunto se é apenas minha imaginação que eu possa sentir sua

presença ao fundo de minha mente. Se ela ainda está lá, se ela pode me

ouvir, poderíamos definitivamente usar sua ajuda.

— Ella? — pergunto, me sentindo estúpida dizendo seu nome alto dessa

forma. — Pode me ouvir? O que está acontecendo aí em cima?

Não obtenho resposta.

— Marina? Sarah? Ela está...?

— Nada, Seis — Sarah responde, uma voz sem corpo falando sobre

outra.

— Acho que ela se foi — Marina continua.

Mas então acontece. Um sussurro ao fundo de minha mente. A voz de

Ella, desamparada e sem esperança.

Vocês deveriam ter fugido.

No ar sobre nós, um zumbido começa a emanar da Anubis. É notável

porque ao contrário, a nave é incrivelmente silenciosa. Começa devagar, mas

aumenta rapidamente. Logo depois, meus dentes estão vibrando devido ao

ruído. Eu observo o casco inferior da nave, esperando ver soldados de

Setrákus Ra descendo em Skimmers, mas o céu está claro.

— Que diabos é aquilo? — pergunto, com esperança de que Adam vá

me responder.

— Está... está se energizando — Adam explica.

Sua voz está trêmula e eu sinto sua mão afrouxar em meu braço, como

se estivesse atordoado e se esqueceu de que precisa segurar em mim para se

manter invisível.

— Energizando o quê? — pergunto.

— A arma principal — ele responde. — O canhão.

Posso vê-lo. O buraco negro do cano do canhão começa a brilhar

quando a energia começa a se acumular ali. O zumbido se torna mais alto

conforme o canhão é preenchido de pura energia, como os pequenos

canhões mogadorianos se carregando. Em segundos, o Santuário e a floresta

ao redor dele estão banhados por uma luz azulada. Sinto vontade de cobrir

meus olhos, mas Marina e Sarah estão segurando minhas mãos com força.

— Isso é mau — Mark diz. — Muito mau.

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146

— Adam? — Grito para que ele me ouça devido ao som de

carregamento da arma. — Quão poderosa é aquela coisa?

Como um grupo, todos nós recuamos. Eu mal consigo saber onde cada

um está para manter a invisibilidade.

— Precisamos nos mover — Adam responde, o temor sumiu de sua voz,

substituído pelo terror. — Precisamos recuar!

Todos recuam, deixando apenas Phiri Dun-Ra escondida atrás do tronco

caído. Marina resiste ao meu puxão. Ela não está se movendo.

— Marina! — grito. — Vamos!

— Falamos que não iríamos fugir! — ela grita de volta.

— Mas...!

O zumbido atinge uma intensidade enorme e a energia absorvida na

nave é descarregada com um som ensurdecedor. Um sólido arco de

eletricidade do tamanho de dez mil raios cortando o ar desce na direção do

Santuário, acertando-o, as pedras antigas brilhando em um vermelho quente.

O tiro do canhão atravessa o templo do topo à base, como se não fosse nada.

Eu tenho apenas um momento para perceber o Santuário, ainda de pé, mas

partido ao meio. Posso ver luz através da parede que antes era sólida.

Um segundo depois, a energia condensada do canhão se expande para

fora em uma onda de luz ofuscante.

O Santuário explode.

— NÃO! — Marina grita.

Nós estragamos tudo. Setrákus Ra não veio até aqui para entrar o

Santuário. Ele veio para destruí-lo.

Não tenho tempo para pensar no que isso significa ou no que acontece

depois. Adam me puxa para trás e vamos cambaleando para a selva, no

momento em que o templo começa a ruir ao nosso redor. Perco o punho de

Marina e ela se torna visível novamente. A mão de Mark solta meus ombros e

ele reaparece também. Apenas Sarah e Adam ainda se seguram em mim.

Marina, na verdade, corre para frente como se fosse capaz de lutar

contra a nave.

— Pare! — grito. — Marina! Pare!

Mark reage rapidamente, seus reflexos de jogador ressurgindo

naturalmente. Ele se joga contra ela, envolve seus braços ao redor da cintura

de Marina e a derruba.

— Saia de cima de mim! — Marina grita para Mark.

Ela o empurra para longe, impressões digitais congeladas se formam em

seu peito.

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147

Então, mais alguma coisa explode. Um dos Skimmers que armamos com

C-4. Deve ter sido atingido diretamente por uma parte do Santuário e

disparado a bomba. Estilhaços voam ao nosso redor, pedaços de metal

retorcido chiam quando rasgam as folhas das árvores.

Mark perde a respiração e tropeça. Há um pedaço irregular de vidro do

painel do Skimmer sobressaindo de seu peito.

— Mark! — Sarah grita, se soltando de mim e correndo na direção dele.

Marina vê o ferimento de Mark e suspira. Ela se volta para o Santuário e

cai de joelhos ao lado dele, arrancando o pedaço de vidro e imediatamente

começando a curá-lo.

Ramos de árvores se quebram acima da minha cabeça e eu olho para

cima a tempo de ver um pedaço do tamanho de um taco de baseball de

calcário cair em minha direção. Em reflexo, uso minha telecinesia para pegá-lo

e jogá-lo para o lado.

Não consigo parar o próximo.

Me acerta no topo da cabeça. Antes de eu perceber o que aconteceu,

alguma coisa pegajosa e quente cobre um lado do meu rosto. Adam me

segura em seus braços enquanto caio de joelhos. Estamos ambos visíveis

agora. Devo ter perdido minha concentração. Tento por força em minhas

pernas, para focar na minha invisibilidade, mas não consigo fazer nenhuma

das duas coisas. Minha cabeça gira e eu sinto gosto de sangue.

— Me ajuda! — Adam grita para Marina. — Seis está ferida!

Tento me manter consciente, mas é difícil. O mundo está ficando escuro,

como se tudo o que tivéssemos lutado se acabasse em chamas.

Ella nos avisou de que poderia haver morte. Me sentindo quase

desconectada do meu corpo, eu me pergunto se é a hora.

Enquanto perco a consciência, ouço a voz de Ella em minha cabeça.

Me desculpem, ela diz.

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148

Capítulo dezesseis

EU NÃO TENHO TEMPO PARA ESSA PORCARIA.

Cinco quer me encontrar ao pôr-do-sol na Estátua da Liberdade. Isso soa

como um plano de um supervilão. Ele está mantendo Nove como refém e

planeja matá-lo se eu não aparecer. Não sei o que ele quer de mim. Nas Nações

Unidas me pareceu que ele estava tentando nos ajudar, apesar de seu jeito

psicótico. Ao menos, ele evitou que eu machucasse Ella involuntariamente.

Claro, ele possivelmente não sabe que estou contra o tempo aqui, que cada

minuto desperdiçado em seus joguinhos é um minuto não gasto ajudando

Sarah, Seis e os outros. Se ele soubesse, se importaria?

Mandei Sarah e Mark para o México com a recém-descoberta loriena,

hacker e piloto, que mal posso esperar para conhecer. Eu os mandei para lá

porque eles são literalmente a única ajuda que pude arranjar para Seis e o resto

da Garde, que estão à espera da luta principal.

Pelo menos eles podem escapar agora. Eles não estão encurralados.

Seis e Sarah são espertas o bastante para evitar perdas e sair de lá. Isso é o

que continuo dizendo a mim mesmo.

Faço um rápido cálculo mental. Mesmo que a Agente Walker pudesse, de

alguma forma, convencer os militares a me emprestar seus caças mais rápidos,

eu ainda não seria capaz de chegar ao México antes de Setrákus Ra. Não mais.

Isso não quer dizer que não vou tentar.

— Pode pelo menos me conseguir um barco? — pergunto a Walker.

Tendo deixado o caos das docas para trás, estamos novamente na tenda

da agente do FBI.

— Para levá-lo à Estátua da Liberdade? — Walker assente com a cabeça.

— Sim, posso conseguir isso.

— Mas tem que ser agora — respondo. — Preciso para agora.

— Cinco disse ao pôr-do-sol. Isso é quase daqui uma hora — Sam

acrescenta sombriamente. Sei que ele está fazendo os mesmos cálculos que eu.

Ele sabe que não chegaremos a tempo ao Santuário. Não a menos que

deixemos Nove à mercê do destino que Cinco tem reservado para ele, e

nenhum de nós deseja seguir por esse caminho.

— Não vou esperar. Não estamos no tempo de Cinco. Ele provavelmente

está agora preparando uma armadilha ou coisa parecida. Seja o que ele quer.

Vamos mais cedo. Se ele não estiver lá, então esperaremos pelo bastardo.

— Boa ideia — Sam concorda. — Vamos fazer isso.

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149

— Consiga o barco — digo a Walker, e caminho para fora da barraca.

Daqui, no Brooklyn Bridge Park, podemos ver a Ilha da Liberdade. O

contorno esverdeado da famosa estátua é visível contra o céu enevoado. Não

levará muito tempo para chegarmos lá. Dessa distância, não posso discernir

nenhum detalhe. Não posso dizer se Cinco está lá ou se preparou alguma

armadilha para nós. Isso não importa, na verdade. O que encontrarmos, vamos

enfrentar de cabeça erguida.

Sam me segue para fora.

— O que vamos fazer? — ele me pergunta. — Quero dizer, com Cinco.

— O que precisarmos — respondo.

Ele fica em silêncio e cruza seus braços, também olhando para a estátua

sobre a água.

— Você sabe, eu sempre quis ver a Estátua da Liberdade — é tudo o que

ele consegue pensar em dizer.

Dentro da barraca, posso ouvir Walker gritando em seu walkie-talkie.

Eventualmente, ela nos consegue uma lancha da guarda-costeira. O barco

não tem artilharia como aqueles da marinha que avistei no porto, mas nos

levará rápido à Ilha da Liberdade. Walker também chama agentes de sua

confiança, integrando a equipe com três caras que conheço da força tarefa anti-

ProMog que nos ajudou a ir atrás do secretário de defesa. Acho que eles foram

os únicos que sobreviveram à batalha com Setrákus Ra nas Nações Unidas. Um

deles é o homem que curei durante o primeiro conflito em Midtown, aquele de

quem Sarah postou o vídeo na Internet. Ele quase parece envergonhado quando

aperta minha mão.

— Agente Murray — ele se apresenta. — Nunca tive a chance de

agradecer. Pelo outro dia.

— Não se preocupe com isso — digo a ele, então me viro para a Agente

Walker. — Não precisamos de apoio. Apenas do barco.

— Me desculpe, John. Não posso deixar vocês dois ir lá sozinhos. Vocês

são de interesse do governo agora.

Bufo.

— Oh, somos?

— São.

Não vou perder tempo discutindo sobre isso. Eles podem ir se quiserem.

Vou na direção das docas, Sam ao meu lado, e Walker e seus agentes se

espalham ao nosso redor como guarda-costas. Como sempre, recebo olhares

dos soldados no caminho. Alguns deles parecem querer ajudar, mas tenho

certeza de que estão sob ordens para não se envolverem conosco. A Agente

Walker e o que restou do seu grupo de agentes anti-ProMog é toda a ajuda que

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150

o governo está disposto a nos conceder nesse momento. Ao menos eles

melhoraram suas armas, tendo os agentes tendo trocado suas pistolas habituais

por pesados rifles de assalto.

— Hey! John Smith de Marte! Espere!

Me viro a tempo de ver Daniela espremer seu corpo dessa jeitado por um

grupo de soldados e correm em nossa direção. Os agentes que nos rodeiam

erguem imediatamente seus rifles e, vendo isso, Daniela derrapa até parar a

alguns metros, com as mãos para cima. Ela olha os agentes do FBI com um

sorriso arrogante no rosto.

— Está tudo bem, acalmem-se — digo a Walker e seu grupo, apontando

para Daniela. — Ela é uma de nós.

Walker levanta uma sobrancelha.

— Você quer dizer...?

— Uma Garde humana — falo, mantendo minha voz baixa. — Uma das

pessoas que Setrákus Ra quer junto dele.

Walker avalia Daniela.

— Ótimo — ela diz secamente.

Daniela apenas amplia seu sorriso.

— Vocês rapazes estão indo em uma aventura ou algo assim? Posso ir?

Franzo um pouco a testa pela forma que ela está levando tudo isso, e troco

um olhar com Sam.

— Você encontrou sua mãe? — Sam pergunta a ela, e o sorriso de Daniela

falha por um instante.

— Ela não está aqui, e nunca deu entrada na Cruz Vermelha — Daniela

responde, dando de ombros como se não fosse nada. Mesmo que ela esteja

tentando manter o tom normal, sua voz está trêmula e posso dizer que ela

espera o pior. — Provavelmente saiu da cidade de outro jeito. Tenho certeza de

que ela está bem.

— Sim, com certeza — Sam responde, forçando um sorriso.

— Estamos a caminho de confrontar um Garde traidor — digo a ela

abruptamente.

Walker me lança um olhar, mas não tenho motivos para mentir. Todas as

cartas na mesa.

— Whoa. Existem traidores, tipo, da sua espécie?

Penso sobre Cinco e como ele se virou contra nós e penso em Setrákus Ra

e as incontáveis coisas horríveis que ele fez. Ele costumava ser um Garde

também, talvez algo maior que isso, se pudermos acreditar na carta de Crayton

para Ella. Então, olho para Daniela e considero ela e os outros humanos com

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151

Legados que ainda não encontramos. Eles irão lutar pelo bem? Ou alguns deles

irão se voltar para Setrákus Ra como Cinco fez?

— Somos pessoas, como quaisquer outras — falo.

— Exceto pelos poderes incríveis — Sam acrescenta.

— Como qualquer um — continuo — podemos nos tornar maus sem a

devida orientação.

Daniela está novamente com um sorriso travesso no rosto. É quase

irritante, mas estou começando a perceber que é apenas um mecanismo de

defesa. Quando ela se sente desconfortável, tenta com todas as forças devolver

o favor.

— Beleza. Entendi. Você vai ser meu guia, John Smith? Meu sensei?

— Nós os chamamos de Cêpans, na verdade. Nossos treinadores. Mas eles

se foram. Agora, aprendemos as coisas por nós mesmos.

Agente Walker pigarreia. Acho que ela quer que eu me livre de Daniela,

mas não estou recusando ajuda. De jeito nenhum.

— Pode vir conosco — continua. — Mas você deve saber de uma coisa: o

cara que estamos atrás é extremamente perigoso.

— Desequilibrado — Sam acrescenta.

— Ele já matou um de nós — continuo — e não acho que ele vá hesitar em

fazer isso novamente. Quando acabarmos com ele, nossa amiga Agente Walker

aqui vai nos conseguir um avião de alguma maneira, e descobriremos um jeito

de matar o mogadoriano no controle antes que a invasão dele prossiga.

— Você está tentando me assustar? — Daniela pergunta com suas mãos

nos quadris.

— Só quero que saiba no que está se metendo — respondo. — Durante o

caminho, posso tentar te ajudar com sua telecinesia. Talvez descobrir o que

mais você pode fazer. Mas você tem que dar seu melhor...

Daniela olha por cima de seu ombro. Percebo que, mais do que qualquer

coisa, ela quer sair daqui. Ela quer se manter ocupada e evitar confrontar a real

possibilidade de ter perdido toda a sua família durante o ataque a Nova York.

— Estou dentro. Vamos salvar o mundo e essa droga toda.

Sam sorri e não posso fazer nada a não ser dar um pequeno sorriso

também, especialmente quando percebo a Agente Walker revirando os olhos.

Com Daniela incorporada ao nosso pequeno grupo de agentes secretos,

continuamos seguindo para o píer.

— Ei — Sam diz para Daniela, mantendo o tom de voz baixo. — Só para

você saber, os mogs estavam mantendo prisioneiros em Nova York. Eles não

estavam, tipo, matando tudo que se movesse.

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152

— É, eu sei, os vi fazendo isso na minha vizinhança — Daniela responde. —

E daí?

— E daí que só porque ela não está aqui, não quer dizer que sua mãe...

você sabe...

— Sei. Obrigada — Daniela fala rispidamente, mas acho que ela realmente

quis dizer isso.

A lancha da guarda-costeira está pronta e esperando por nós, um capitão

fumante vestido em um uniforme amarrotado preparado para nos levar aonde

quer que precisemos ir. Deixo Walker falando com ele, e alguns minutos depois

estamos saltando sobre as ondas. Do outro lado da água, posso ver as luzes

brilhantes de New Jersey, helicópteros surgindo e desaparecendo do nosso

campo de visão.

Parece que os militares criaram um perímetro ali também, realmente

querem ter certeza que os mogadorianos fiquem contidos em Manhattan. Olho

na direção da cidade e encontro o lugar assustadoramente calmo. Ainda há

mogs lá, tenho certeza, patrulhando as ruas e talvez criando uma fortaleza.

Espero que muitos dos moradores tenham conseguido atravessar a ponte e, se

não, espero que Sam tenha razão sobre os mogs estarem mantendo-os

prisioneiros ao invés de os matarem. Isso significa que eles ainda podem ser

salvos.

Quando a Ilha da Liberdade fica maior a nossa frente, Daniela me cutuca

nas costelas.

— Vamos encontrar esse cara na Estátua da Liberdade? — ela pergunta.

— Aham.

— Cara, isso é uma porcaria para turistas.

Rapidamente atracamos as docas da Ilha da Liberdade. Meia dúzia de

barcos estão flutuando ali, vazios, um deles com marcas de queimaduras em

uma das laterais. Todo o lugar está deserto; ninguém visitando a Estátua da

Liberdade durante a invasão. É quase pacífico aqui.

Enquanto saímos do barco, tento dar uma boa olhada no terreno. Me

forço a pensar como Cinco, me perguntando onde seria o melhor lugar para

uma emboscada.

Tenho que inclinar a cabeça para cima para ver a estátua. Nos

aproximamos dela pelo lado em que ela segura o livro. A tocha banhada de ouro

brilha no que resta da luz do dia. A grande senhora verde está sentada no topo

de um enorme pedestal de granito, que por sua vez fica sobre uma base de

pedra ainda maior que toma quase metade da ilha.

Para a direita, há um pequeno parque que parece intacto. Ele não estará

escondido no parque – não é assim que Cinco trabalha.

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153

O capitão do barco fica para trás, mas o resto de nós caminha pela doca na

direção da estátua. Penso na primeira vez que encontrei Cinco, como ele usou

um monumento de um monstro assustador no bosque para se revelar. Acho

que o cara tem alguma coisa com marcos históricos. Ou talvez aquela estátua

suja de madeira fosse uma pista, sobre o monstro escondido dentro de Cinco.

Se este é o caso, me pergunto o que a escolha da Estátua da Liberdade significa.

Provavelmente nada, penso, me lembrando que Cinco é um completo maluco.

Ao meu lado, Daniela abafa uma risada.

— Sabe, na verdade eu nunca estive aqui, mesmo vivendo nesta cidade

minha vida inteira.

— Né, é como uma viagem de campo — Sam comenta. — Uma viagem de

campo em que no final um maluco feito de aço sólido tenta te esfaquear até a

morte.

— Ninguém vai ser esfaqueado até a morte — digo.

Quando entramos na praça que se estende ao redor da base da estátua,

mantenho meu olhar centrado no pedestal superior. Decidi que é o lugar em

que Cinco provavelmente estará. Ele pode voar, então seria fácil para ele

alcançar aquela área, e isso permitiria que ele ficasse de olho em nossa

chegada. Apesar disso, não vejo nenhum movimento lá em cima. Talvez ele não

esteja aqui ainda. Ou talvez esteja se escondendo dentro da estátua. Ergo ainda

mais meu pescoço, tentando vislumbrar algo dentro da coroa da estátua, mas é

impossível. Teremos que ir lá dentro para ter certeza de que está vazia.

— Olha — Sam fala, baixando a voz. — Bem ali.

Viro minha cabeça para esquerda, na direção do gramado perfeitamente

esculpido que se estende a partir da fundação da estátua.

Há um movimento. Uma forma brilhante se ergue lentamente da grama e

dá passos vacilantes em nossa direção. Eu estava olhando para o lugar errado.

— Vocês estão adiantados — Cinco diz. — Excelente.

Dizer que Cinco parece acabado seria um elogio. Suas roupas parecem ter

passado por um triturador – estão rasgadas, manchadas de sangue e cobertas

de sujeira e cinzas. Sua pele é um aço prateado, fazendo-me pensar que ele está

pronto para lutar, mesmo que pareça que ele mal possa se manter em pé. Seus

traços parecem inchados e fora de lugar apesar de seu revestimento metálico,

seu nariz está torto, e há entalhes visíveis na lateral de sua cabeça raspada. Ele

está curvado, um braço balançando inutilmente ao se lado. Em seu outro braço

há uma braçadeira com sua lâmina retrátil. A luz do entardecer reflete em sua

pele.

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154

Imediatamente, Walker e seu time flanqueiam Cinco. Eles têm suas armas

apontadas para ele. Daniela vai para o lado oposto, ficando um passo atrás de

mim.

— Uh, vocês deveriam ter descrito o cara traidor melhor — ela diz.

Cinco dá uma olhada nos agentes de Walker e zomba. Mesmo que ele

pareça desgastado, ter um conjunto de armas apontadas para ele parece

reacender seu temperamento intenso. Seu único olho se ajusta abrindo mais e

ele se endireita.

— Não me faça rir com essa porcaria — Cinco diz para Walker, então se

vira na direção do Agente Murray enquanto o homem aponta sua arma. — Sou

à prova de balas, otário. Vamos, eu te desafio.

Há algo estranho na voz de Cinco. Soa metálica e estridente, quase como

se ele estivesse tendo problemas para respirar.

Os agentes são inteligentes o bastante para não ficarem tão perto. Sei o

quão rápido Cinco é. Se ele quisesse ir até um deles, seria capaz de chegar lá em

um ou dois segundos com seu voo. Caminho sobre a grama, esperando atrair a

atenção para mim antes que ele faça qualquer coisa maluca. Sam fica logo ao

meu lado, Daniela alguns passos atrás.

É quando percebo uma forma grumosa perto de Cinco. É uma daquelas

lonas azuis de construção envolvendo o que é obviamente um corpo, tudo isso

bem apertado por correntes de aço de construção.

Tem que ser o Nove.

— Entregue-o — digo para Cinco, sem perder tempo.

Cinco olha para baixo, para o corpo, quase como se tivesse esquecido que

ele estava ali.

— Claro, John — Cinco responde.

Cinco se curva e segura as correntes. Ele ergue o corpo de Nove com uma

careta. Ele está machucado e cansado, e posso dizer que este show o está

drenando mais do imaginou. Com um grunhido animal, Cinco lança o corpo

através dos metros que nos separam. Seguro Nove no ar com minha telecinesia

e o desço gentilmente para o chão. Imediatamente, arranco as correntes e

desenrolo a lona.

Nove está deitado inconsciente na grama a minha frente. Suas roupas

estão nas mesmas péssimas condições que as de Cinco, seus machucados

igualmente grotescos. Há queimaduras de tiros em seus braços e peito, uma de

suas mãos está quebrada como se alguma coisa a tivesse esmagado, e há um

corte feio em sua cabeça. Esta é a última coisa que me preocupa. Sangue

empapa o cabelo negro de Nove – muito mesmo – e seus olhos não se abrem

quando bato gentilmente em suas bochechas.

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155

Sam coloca a mão em meu ombro.

— Ele está...?

— Oh, ele está bem — Cinco grunhe, respondendo à pergunta que Sam me

fez. — Tive que bater com força nele para nocauteá-lo. Você provavelmente vai

querer trabalhar com isso primeiro, doutor.

Coloco minhas mãos na lateral da cabeça de Nove, mas paro antes de

começar a curá-lo. Isso vai requerer minha concentração, o que significa que

não poderei ficar de olho em Cinco. Olho para ele.

— Você vai tentar alguma coisa estúpida?

Cinco levanta as mãos para cima, as palmas abertas, mesmo que um dos

braços não se erga tanto quanto o outro. Então, ele cai para trás sentado.

— Não se preocupe, John. Não vou machucar nenhum dos seus

amiguinhos. Ao mesmo tempo, seu olho passa por minha equipe, observando

cada um deles. O olhar de Cinco se demora em Daniela. — Você não é policial.

Qual é a sua?

— Não fale comigo, esquisito — ela devolve.

— Não perca seu tempo respondendo — Sam diz calmamente.

Cinco bufa e balança a cabeça, mais admirado que nunca. Ele arranca um

punhado de grama a sua frente, rasga e o joga fora com um suspiro.

— Vamos logo com isso, John. Eu não tenho o dia todo.

Ainda estou desconfiado de que seja um tipo de armadilha, mas não posso

adiar a cura de Nove por muito tempo. Pressiono minha mão na lateral da

cabeça dele e deixo minha energia de cura fluir para ele.

Primeiro o corte em sua cabeça se fecha. Esse é apenas o dano superficial.

Intuitivamente, posso sentir mais profundamente, traumas mais sérios afetando

Nove. Seu crânio está fraturado e seu cérebro está inchado.

Foco meu Legado ali, porém estou cauteloso para não usar mais energia

do que preciso. O cérebro é uma coisa delicada e não quero piorar a situação de

Nove. Ele talvez continue a ter uma concussão quando eu terminar, mas pelo

menos o dano mais sério será revertido.

Leva alguns minutos de concentração em Nove. Estou vagamente

consciente do silêncio e da tensão ao meu redor. Quando termino, tiro minhas

mãos de sua cabeça. As outras lesões podem esperar até que não estejamos na

presença de um lunático.

— Nove? Nove, acorde — chamo, chacoalhando-o.

Depois de um momento, os olhos de Nove se abrem. Seu corpo tensiona e

seus olhos dardejam no entorno descontroladamente. É como se ele estivesse

esperando ser atacado novamente. Quando reconhece Sam e a mim, ele se

acalma e sua expressão se torna sonhadora. Ele segura meu braço.

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156

— Johnny! Eu peguei o filho da puta. Acertei-o em cheio — ele murmura.

— Pegou quem? — pergunto, e não obtenho resposta.

A cabeça de Nove já está pendendo para longe de mim. Curei suas lesões,

mas não posso evitar sua exaustão depois de lutar pelas últimas vinte quatro

horas sem parar. Ele está inconsciente. Nós provavelmente teremos que

carregá-lo. Levanto meu olhar de Nove para ver Cinco ainda sentado na grama,

nos assistindo. Vendo que Nove está fora de perigo, Cinco começa devagar uma

salva de palmas sarcástica.

— Bravo, John. Sempre o herói — ele diz. — E quanto a mim?

— E quanto a você? — repito com os dentes cerrados.

— Não, na verdade, eu gostaria de uma resposta quanto a essa questão

também — Walker diz, sua arma ainda apontada para Cinco. — Ele atacou

nossos soldados e ajudou os mogadorianos. É basicamente um criminoso de

guerra. Você quer apenas deixá-lo aqui?

— Vocês têm um tipo de prisão espacial supersecreta para caras metálicos

do mal? — Daniela sussurra para mim.

— Para o inferno com ele — Sam diz. Ele é o único que entendeu que

temos coisas mais importantes para lidar. Ele acena com desdém para Cinco e

se inclina para Nove tentando ajudá-lo. — Vamos lá, John. Temos que dar o fora

daqui.

Estou indo ajudar Sam quando Cinco fala novamente.

— É isso? — ele pergunta, soando quase carrancudo. — Vocês vão apenas

me deixar ir?

Eu me endireito e o encaro.

— O que diabos você quer, Cinco? Você sabe quanto tempo nós já

desperdiçamos com seu teatro estúpido? — gesticulo na direção de Manhattan,

plumas de fumaça ainda subindo para o ar ali. — Você não é nossa prioridade

agora, cara. Percebeu que estamos em guerra, né? Você não esteve tão longe

para perder seus velhos amigos mogs matando milhares de pessoas, esteve?

Cinco olha na direção da cidade, contemplando a destruição ali. Seu lábio

inferior se projeta pra fora.

— Eles não eram meus amigos — ele fala calmamente.

— É, não mesmo — respondo. — É uma pena que você só tenha percebido

isso agora. Eles te usaram, Cinco, e agora eles não te querem mais. E nem nós.

Você tem sorte de eu não ter vindo terminar o que o Nove começou.

Meu temperamento incendeia quando me lembro de todas as bobagens

que Cinco fez no pouco tempo que o conheço. Como consequência de minhas

palavras, dou um passo na direção dele. Sam coloca uma mão em meu ombro.

— Não — ele diz. — Apenas vamos embora.

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Concordo, sabendo que Sam está certo. Ainda tenho algumas jogadas para

atirar. Preciso livrá-las do meu peito.

— Acho que você pode ficar sozinho agora — digo a Cinco. — Isso é tipo o

que você sempre quis, não é? Então, vá, corra de volta para a sua ilha tropical e

se esconda, ou qualquer coisa que queira fazer. Apenas saia do nosso caminho e

pare de desperdiçar nosso tempo.

Cinco olha para baixo, para a grama a sua frente.

— Você não tinha que vir — ele diz com amargura.

Isso na verdade me faz rir. A insanidade pura desse cara.

— Você nos fez vir aqui. Disse que mataria Nove se não viéssemos.

A testa de Cinco faz um clique metálico quando ele bate nela tentando se

lembrar de algo.

— Não foi o que eu disse para esses perdedores do exército quando eles

me acharam. Eu disse a eles que você ganharia uma nova cicatriz.

— Por que você ainda está falando com ele? — Sam pergunta, sua voz se

elevando um pouco desnorteada. Ele se inclina em direção ao corpo de Nove,

passa o braço dele sobre seu ombro e grunhe enquanto tenta levantá-lo.

O olho de Cinco captura os meus. Ele está focado em mim, ignorando

totalmente os outros. Sei que ele está me atraindo para alguma coisa, só não sei

o que é. Sam está certo sobre não gastarmos tempo aqui, mas não posso evitar.

— Do que você está falando? — pergunto a ele de má vontade, sabendo

que é exatamente o que ele quer.

Em resposta, Cinco tira a camisa.

Essa simples ação parece tomar muito esforço, como se fosse difícil para

Cinco levantar os braços. A camisa rasga ao prender em alguma coisa quando a

puxa pela cabeça e ele uiva. Depois de alguns minutos olhando para seu peito,

banhado em metal como o resto dele, percebo que há algo errado.

Cinco tem uma peça de metal saindo de seu esterno. Parece com um poste

de uma placa de trânsito. Ele se vira de lado fracamente, e então posso ver a

outra extremidade irregular atravessando suas costas. Cada extremidade

termina com apenas alguns centímetros, ambas torcidas e deformadas como se

Cinco as tivesse encurtado com suas mãos. Está atravessando-o totalmente,

pelo que vejo, deve ter atingido um dos pulmões de Cinco e parte de sua

espinha. O poste de metal pode até mesmo estar passando por seu coração.

— Eu já estava na minha forma de metal quando ele me atravessou com

isso. E mesmo assim, não o parou — Cinco explica, sibilando suas palavras um

pouco. Ele olha para Nove com algo perto de admiração. — Meus instintos me

tomaram. Usei minha Externa de uma forma que nunca tinha usado antes, fiz o

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158

metal se tornar parte de mim. Posso sentir o frio dele dentro de mim, Quatro. É

esquisito.

Cinco parece quase casual sobre isso. Tento me aproximar um passo na

direção dele e ele sorri.

— Estou cansado e não posso manter minha Externa para sempre — Cinco

diz. — Então eu quis que isso estivesse em suas mãos. Você é o cara bom, John.

O racional. E você sempre esteve logo na minha frente na ordem, me mantendo

vivo todos esses anos, me conhecendo ou não. Então o que vai ser?

Dou mais um passo cauteloso na direção dele.

— Cinco...

— Viver ou morrer? — Cinco pergunta, e então, sem aviso, ele desliga sua

Externa, voltando ao estado normal.

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Capítulo dezessete

CINCO SE ENGASGA QUANDO RESPIRA. UMA BOLHA DE SANGUE É CUSPIDA

POR SUA boca. Sua pele, não mais envolta pela camada de ferro, se torna pálida

rapidamente. Seu olho remanescente se arregala, e nesse momento, antes que

eu veja seu olho revirar para trás, vejo medo ali. Talvez Cinco tenha pensado

que queria isso. Mas agora, encarando a morte cara a cara, ele está assustado.

Cinco cai de costas na grama, lutando para manter a respiração em

dolorosos suspiros. Dez segundos. Empalado por uma placa de trânsito, essa é a

quantidade de tempo que eu diria que Cinco tem de vida.

Ele nos traiu. Ele disse aos mogs onde poderiam nos encontrar, fez a

cobertura de Nove ser explodida. Por causa de Cinco, Setrákus Ra foi capaz de

raptar Ella, e o pai de Sam quase foi morto. Ele assassinou Oito. Com aquela

lâmina em forma de agulha que mesmo agora rasga pedaços do chão enquanto

Cinco tem espasmos na grama. Cinco executou um de seu próprio povo. Ele

merece isso.

Mas eu não sou como ele. Não posso apenas observá-lo morrer.

— Maldito seja você, Cinco — eu digo, rangendo os dentes enquanto corro

em frente e deslizo até ele. Pressiono minhas duas mãos sob o peito dele e uso

meu Legado de cura, colocando energia suficiente nele para pelo menos

estancar alguns dos sangramentos internos, ganhando tempo para curar os

ferimentos mais graves.

Cinco volta um pouco a si, seu olho bom encontra o meu, e acho que

peguei o canto da boca dele revirado em um pequeno sorriso. Então, ele

desmaia novamente de dor e choque.

Preciso tirar essa estaca para fora dele. Obviamente não li um monte de

artigos médicos, mas tenho certeza de que se eu remover a placa, piorarei a

situação de Cinco por dentro. No entanto, devo estar curá-lo ao mesmo tempo

que o poste de metal é removido, esperando minimizaro dano. Eu arrasto o

corpo mole de Cinco e o sento, apoiando-o em mim. Então aceno para Sam.

— Eu preciso que você use sua telecinesia para retirar o metal dele — digo

a Sam rapidamente. — Desse jeito posso me concentrar na cura.

— Eu... — Sam hesita. Ele olha para Cinco, mortalmente ferido, e engole

seco. — Melhor não, John.

— O que você quer dizer com isso?

— Quero dizer que não acho que você deva salvá-lo — Sam responde, sua

voz mais firme agora. Ele olha sob seus ombros, onde está o corpo inconsciente

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160

de Nove. — Nove, hã... acho que Nove estava certo da maneira como ele lidou

com isso.

Minha mão está na nunca de Cinco. Posso sentir sua pulsação ficando mais

lenta. Eu o estabilizo, mas não vai durar muito. Ele está enfraquecendo. Não

tenho certeza se vai funcionar se eu tentar usar minha telecinesia ao mesmo

tempo em que uso meu Legado de cura.

— Ele está morrendo, Sam.

— Eu sei.

— Isso já foi longe demais — eu digo. — Nós não vamos matar uns aos

outros, não mais. Ajude-me a salvá-lo Sam.

— Não — Sam responde balançando sua cabeça. — Ele é muito... olha, eu

não vou impedi-lo. Sei que eu não conseguiria mesmo se tentasse. Mas também

não vou ajuda-lo. Eu não vou ajudar a ele.

— Que merda! Eu ajudo — Daniela diz, empurrando Sam e se ajoelhando

no chão próximo a mim.

Encaro Sam por mais um segundo. Entendo o motivo de ele se recusar a

ajudar, realmente entendo. Tenho certeza que Nove não estaria vibrando com

meu auxilio se ele estivesse consciente. Mas mesmo assim, estou desapontado.

Volto minha atenção para Daniela. Ela está encarando o estado de Cinco,

como se fosse a coisa mais louca que já viu. Ela estica uma das mãos na direção

onde o metal desapareceu no peito de Cinco, mas não consegue se convencer

de tocá-lo.

— Por quê? — pergunto para ela. — Você não conhece Cinco e o que ele

fez. Por que você...?

Daniela me corta com um encolher de ombros.

— Porque você pediu. Vamos fazer isso ou não?

— Vamos sim — concordo, ajeitando minhas mãos nos dois lados da ferida

de Cinco. — Empurre. Gentilmente. Vou curá-lo enquanto isso.

Daniela estreita os olhos para o pedaço de metal, suas mãos pairando a

alguns centímetros do peito de Cinco. Eu me pergunto se ela tem controle sobre

isso. Se ela exercer muita força telecinética, poderia acabar arrancando o poste

de metal para fora de Cinco e eu não sei se conseguiria curar suas entranhas

machucadas rápido o suficiente.

Nós temos que ir devagar e constantemente, ou arriscamos que Cinco

sangre até a morte.

Devagar, Daniela começa a empurrar o metal. A respiração de Cinco

acelera quando ela faz o processo, e ele começa a se torcer, no entanto seus

olhos permanecem fechados. Ela mantém o foco e tem um controle melhor do

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161

que imaginei. Pressiono minhas mãos no peito de Cinco, uma de cada lado do

ferimento, e deixo minha energia de cura fluir dentro dele.

— Que nojo, que nojo, que nojo — Daniela murmura enquanto respira.

Continuo enviando minha energia para dentro de Cinco, sentindo suas

lesões sendo emendadas, mas também sentindo meu Legado sendo contrariado

pelo metal ainda dentro de seu corpo. Isso até eu ouvir um baque molhado no

chão e perceber que Daniela conseguiu empurrar o poste para fora dele. Assim

que isso acontece, eu amplifico meu poder, curando seu pulmão e sua coluna.

Quando acabo, Cinco respira mais facilmente. Ele ainda está inconsciente,

e pela primeira vez que posso me lembrar, ele parece quase sereno.

Graças a mim ele vai sobreviver. Agora que o momento passou, eu não

tenho certeza de como me sinto sobre isso.

— Droga cara — Daniela diz. — Nós devíamos ser cirurgiões ou algo assim.

— Espero que a gente não se arrependa disso — Sam diz em voz baixa.

— A gente não vai se arrepender — eu digo, olhando para Sam. — Eu fiz

isso. Ele é minha responsabilidade agora.

Com isso em mente, e considerando que ele ainda está desmaiado,

rapidamente retiro a braçadeira com a lâmina do antebraço de Cinco e a lanço

na grama aos pés de Sam. Ele pega e cuidadosamente examina o mecanismo, e

então aperta o botão para retrair a lâmina. Ele enfia a arma no bolso de trás de

seu jeans.

Eu me lembro que mesmo sem sua lâmina, Cinco não está totalmente

desarmado. Abro suas duas mãos procurando pela bola de borracha e pela

esfera de metal que ele carrega para acionar seu Externa. Ele não as está

segurando, então começo a revistá-lo. Quando elas não aparecem em seus

bolsos, sei que só há um lugar onde elas possam estar.

Encolhendo-me, retiro a gaze amarela que cobre o olho ruim de Cinco.

Encravadas na cavidade vazia estão a esfera brilhante e sua parceira de

borracha. Não parece confortável ter essas duas coisas dentro da sua cabeça.

Essa é a vida que eu salvei – um cara que vê perder um olho como uma

oportunidade para mais um armazenamento eficiente. Uso minha telecinesia

para colher as duas esferas da cavidade do olho de Cinco e colocá-las na grama.

Ele geme, mas não acorda.

— Isso é desagradável — Daniela diz.

— Não brinca — respondo. Olho para a Agente Walker. Ela tem observado

toda a cena em silêncio. Sei que ela provavelmente está do lado do Sam e pensa

que eu deveria ter deixado Cinco morrer. É por isso que sei que fiz a coisa certa.

— Me traga alguma coisa para eu amarrá-lo — peço para Walker.

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162

Tendo acabado de me ver retirar os tesouros da cavidade do olho de

Cinco, demora um momento para Walker reagir à minha solicitação. Ela leva a

mão para trás dela, destrava suas algemas e as joga para mim. Eu as pego e

imediatamente lanço-as de volta.

— Você sabe que é uma ideia terrível, certo? Ele se transforma em

qualquer coisa que toque, Walker. Consiga-me uma corda ou algo assim.

— Eu sou uma agente do FBI, John. Não carrego cordas por aí.

— Verifique o barco — eu digo, balançando minha cabeça.

Irritada por eu estar dando ordens a ela em frente dos outros agentes,

Walker manda o Agente Murray checar se há alguma corda na lancha da

guarda-costeira.

— Você é sensível, Johnny.

Eu me viro para ver Nove recuperando a consciência. Ele está se

levantando, com seu antebraço apoiado em seus joelhos, a cabeça curvada um

pouco como se ainda a estivesse incomodando. Ele olha de mim para Cinco e de

volta, balançando sua cabeça.

— Você sabe o quão difícil foi enfiar esse poste nele? — Nove suspira.

Eu caminho e me agacho na frente dele.

— Você está bravo?

Nove dá de ombros, parecendo estranhamente zen.

— Tanto faz, cara. Eu mato ele de novo depois.

— Eu realmente preferiria que você não fizesse isso.

Nove revira seus olhos.

— Claro, claro. Tudo bem, cara. Entendi que você é contra a pena de

morte e toda essa bosta. Pelo menos ele implorou para você salvar a vida dele?

Eu teria gostado de ver isso.

— Ele não implorou — eu digo a Nove.

— Na verdade, acho que ele queria morrer.

— Doente — Nove responde.

— Eu não quis dar a ele o que ele queria.

— Uh-huh. Sei que normalmente nós perdemos quando os caras maus

consegue o que querem, John. Mas, mano, acho que essa tinha sido uma vitória.

— Eu discordo.

Nove revira seus olhos, então olha em direção de Cinco.

— Nós nunca poderemos confiar nele. Você sabe disso, certo?

— Eu sei.

— E se chegar a esse ponto, não vou hesitar em fazer de novo. Você não

vai conseguir me impedir.

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163

— Você ainda vai estar com uma concussão — observo com um sorriso,

desviando o mau-humor. Gesticulo para seu peito e seus braços, ainda cobertos

de arranhões e queimaduras, e sua mão quebrada. — Você quer que eu termine

de curar isso?

Nove assente.

— A menos que você só trabalhe com assassinos agora — ele responde.

Enquanto curo Nove, Daniela se aproxima e se apresenta. Ela recebe

aquele sorriso usual do grande idiota. Nós o atualizamos rapidamente com tudo

que aconteceu enquanto ele estava brigando do outro lado da cidade com

Cinco. Quando termino, Nove se vira para olhar para a água à para a cidade em

chamas e além dela.

— Nós devíamos ter feito mais — ele diz em voz baixa, balançando seus

braços e suas pernas, esticando seus músculos. — Nós devíamos ter pego ele

quando tivemos a chance.

— Eu sei —respondo. — Isso é tudo em que tenho pensado.

— Nós teremos mais chances — Nove diz, e então bate suas mãos e se vira

para a Agente Walker. — Então, você vai nos levar para o México ou o que,

senhora?

Walker levanta uma sobrancelha para Nove. Então, Agente Murray

retorna, com os braços cheios de cordas grossas que deve ter pego no barco. Ele

passa a corda para as minhas mãos e eu amarro o ainda inconsciente Cinco,

prendendo seus pulsos e seus tornozelos o mais forte possível. Vislumbro suas

cicatrizes. Tão parecida com as minhas, nos identificando como parte do mesmo

povo extinto. Como Cinco chegou a este ponto? E o que aconteceu depois?

— O que nós vamos fazer com ele? — Sam pergunta, lendo minha mente.

— Prisão — respondo. Apenas percebendo que é isso que eu quero no

momento que eu digo. — Só porque salvei a vida dele, não significa que não

haverá justiça. Nós precisamos de uma sala almofadada para ele, onde ele não

possa tocar nada remotamente duro.

— Isso pode ser arranjado — Walker diz.

Ela faz essa oferta rapidamente. Isso me faz pensar se ela e o governo já

prepararam lugares como esse para nós, prisões capazes de nos segurar, nos

impedindo de usar nossos Legados. Talvez isso fosse algo em que o ProMog

estivesse trabalhando.

— Arranje isso depois de descobrir como nos levar até o México — digo

para ela. — Nós não vamos mais esperar, Walker.

— O que isso significa?

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164

— Isso significa que se o presidente ou os generais ou quem diabos estiver

no comando lá não nos colocar em um jato nos próximos dez minutos, nós

vamos simplesmente pegar um.

Walker bufa para isso.

— Vocês não sabem pilotar um jato.

— Aposto que alguém vai se voluntariar quando eu começar a esmurrar

caras — Nove diz, dando um passo à frente para cobrir minha jogada.

Agente Murray retira o rádio de seu cinto e oferece para Walker.

— Apenas faça a ligação, Karen — ele suspira.

Walker dá um olhar gelado para Murray e pega seu próprio telefone via

satélite e caminha alguns passos para longe de nós. Apesar de nossa história,

estou convencido de que Walker realmente quer nos ajudar. É o resto do

governo que não está convencido que de nós somos uma boa aposta para

vencer esta guerra. Ela está fazendo tudo o que pode com relação a isso. Porém,

nossa janela para ser de alguma ajuda para Seis, Sarah e os outros está ficando

cada vez mais fechada. Não posso mais ficar aqui esperando que essas pessoas

nos ajudem com a nossa luta.

Nós vamos salvá-los, eles queiram ou não. Isso é tudo.

— Vocês não vão realmente atacar o exército agora, vão? — Daniela

pergunta, mantendo sua voz baixa para que os agentes não possam ouvir.

— Droga, eu mal consigo me levantar — Nove responde em voz baixa.

— Ainda assim, nós precisamos chegar lá — Sam diz, e eu sei que ele está

pensando em Seis tanto quanto estou pensando em Sarah. — Se ela não nos

ajudar, o que nós vamos fazer?

Nove olha para mim.

— Você realmente vai continuar com isso, não vai?

— Sim. Se eles não nos ajudarem, nós os obrigaremos.

Daniela assobia pelos dentes.

— Isso é intenso, cara.

Olho para Walker. Ela está mantendo sua voz baixa, mas está fazendo

vários gestos empáticos com as mãos.

— Ela sabe o que está em jogo. Walker vai proceder com isso.

Enquanto digo isso, pego meu telefone via satélite. Eu deveria ligar para

Sarah e Seis, ver onde elas estão e garantir que elas não vão tentar lidar com

Setrákus Ra sozinhas.

Antes que eu aperte o botão de discar, há um som estranho e alto vindo

da água. Nós todos viramos em direção bem a tempo de ver um grande cilindro

voar para fora do rio. O cilindro voa alto no ar, jatos de água sendo atirados

enquanto gira em direção das docas próximas. A coisa é grande – grande o

Page 167: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

165

suficiente que, quando aterrissa, com um rangido de metal amassando, tijolos

explodem com o impacto. Vejo o capitão de nossa lancha mergulhando na água

para evitar os destroços voando.

Este é o submarino que nós vimos no porto mais cedo.

— O quê... como isso é possível? — Sam exclama.

Alguma coisa jogou o submarino para fora da água.

Nós corremos em direção às docas para buscar por sobreviventes, no

entanto, não parece nada bom. A metade de trás do submarino está amassada

como uma lata de alumínio esmagada e há trincheiras irregulares arranhadas no

lado dos painéis. Nós podemos ver através das paredes enquanto nos

aproximamos – ele definitivamente está inundado. Fios soltos dos sistemas

elétricos fritos cospem faíscas quando nos aproximamos.

— Cuidado — eu digo. — Não se aproximem muito.

— O que diabos poderia ter feito isso? — Nove pergunta, suas mãos

abraçadas em seus joelhos enquanto ele respira.

Como que em resposta, o capitão do nosso barco grita. Em um minuto ele

está de pé na água, esperando que lhe digamos que está tudo limpo, e no

próximo há uma sombra negra crescendo abaixo dele. Ele é sugado sob as

ondas com um grito agudo e engolido inteiramente pela besta que sobe

lentamente das profundezas do rio Hudson.

Nós todos damos um passo para trás, um depois outro. Dois dos agentes

correm na direção oposta, horrorizados pelo tamanho da criatura diante de nós.

A água flui para fora da pele do monstro, que é translúcida a ponto de

podermos ver o sangue preto sendo bombeado entre suas veias fortemente

marcadas. Ele não tem pelos, não tem pescoço e é corcunda. Presas curvadas se

projetam a partir de sua mandíbula inferior e torna impossível para a coisa

fechar completamente a boca. Um fluxo constante de baba amarelada é

derramado. Brânquias do tamanho de hélices de helicóptero têm espasmos

enquanto o monstro tem o seu primeiro sopro de ar. Ele está de quatro, as

patas traseiras inclinadas, as dianteiras mais parecendo braços grossos de

gorila, e é quase tão alto quanto a Estátua da Liberdade.

A atitude de garota durona deixa Daniela rapidamente. Ela grita e Nove

tem que tapar sua boca com a suas mãos. Eu não a culpo. O monstro é terrível,

e lutei com muitas criaturas dos mogadorianas antes.

— Droga — Sam sussurra. — É uma droga de tarrasque.

Minha cabeça se vira para Sam, desacreditando.

— Você já viu um desses antes?

— Não, eu... eu... — ele gagueja. — É um monstro de um jogo.

— Nerd — Nove murmura.

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166

Daniela tira as mãos de Nove de sua boca, recompondo-se o suficiente

para me encarar.

— Você não me disse que eles tinham uma... uma droga de mogassauro!!

Deve ter sido isso que Setrákus Ra jogou na água quando a Anubis foi

embora nessa manhã. Um último presente para a dizimada cidade de Nova

York. Um lembrete para a presença militar de quem realmente está no

comando. Acendo meu Lúmen em minhas mãos. Terei que gerar muito fogo se

quiser fazer alguma marca nessa besta.

— Eu sei que você consegue ver essa coisa! — Walker grita em seu

telefone, provavelmente estourando o tímpano daquele que estava tendo uma

conversa silenciosa com ela minutos atrás. — Suporte aéreo! Tragam-me a

porcaria de um suporte aéreo!

O mogassauro inclina sua cara plana em direção do céu. As membranas

viscosas que considero serem narinas começam a se contorcer. Então ele abre

seus olhos, cada um branco e leitoso, dispostos em um padrão de diamante na

testa ampla da besta. É difícil distinguir a esta distância, mas eu poderia jurar

que vi um vislumbre de azul cobalto dentro deles. No centro de cada olho, onde

a pupila estaria, posso definitivamente ver uma onda de energia azulada

queimando na criatura.

A cor, a energia. Isso me lembra dos pingentes. Poderia isso ser resultado

do que Setrákus Ra fazia quando eu o avistei dentro da Anubis? Mas o que isso

significa? Além de ser tão grande quanto um prédio, o que esse monstro pode

fazer que os outros que enfrentamos não? Os pingentes roubados estão dando

mais energia para ele de alguma forma? Ou estão fazendo algo totalmente

diferente?

Ainda de pé ao largo da costa, o mogassauro balança sua cabeça e olha

diretamente para nós.

— Merda — Nove diz, dando um passo para trás. — Ele está vindo na

nossa direção?

— Agora! — Walker grita no telefone, recuando também. — É uma

porcaria de um gigante!

— Acho que ele pode nos sentir — eu digo. — Penso que Setrákus Ra

deixou isto aqui para nos caçar.

— Tudo bem — Daniela responde. — Eu tenho que ir.

Como em resposta, o mogassauro solta um rugido em nossa direção,

pulverizando névoa do rio com seu hálito de peixe podre em cima de nós.

Então, ele levanta um dos braços dianteiros para fora da lama do rio e o

deixa cair nas docas. Vigas de madeira explodem em estilhaços e as passarelas

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167

de concreto se afundam, dois dos barcos são empurrados debaixo d'água como

brinquedos.

Está vindo para cá.

Lanço uma bola de fogo no mogassauro. Rapidamente, percebo que é

pequena demais para fazer qualquer dano. A bola de fogo chia e deixa uma

marca de queimadura na pele do monstro, mas ele nem percebe.

— Corram! — eu grito. — Espalhem-se! Usem a estátua como cobertura.

Nove, Daniela, Walker e Murray, todos correm de volta na direção da

grama e da estátua. Mas Sam fica parado no lugar, mesmo quando o

mogassauro dá outro passo estrondoso em nossa direção.

— Sam! Vamos lá! — eu grito, agarrando-o pelo braço.

— John? Você sente isso?

Fico olhando para Sam. Seus olhos estão diferentes, preenchidos com uma

crepitante energia. Eles parecem quase como duas TVs fora de sintonia, exceto

que a luz dos olhos de Sam é brilhantemente azul.

— Sam? Que diab...?

Antes que eu consiga terminar minha pergunta, Sam tem espasmos e

desmaia. Dou um jeito de pegá-lo, e tento arrastá-lo para trás.

Daniela e Nove veem isso acontecer e param no meio do caminho.

— Johnny, o que há de errado com ele? — Nove grita.

— Pegue-o e corra! — Daniela adiciona.

Bum! Outra explosão atrás de nós. O mogassauro tirou todos seus

membros para fora da água, praticamente esmagando a doca inteira abaixo

dele. O submarino está preso como um espinho na palma da sua pata da frente,

e a besta é temporariamente distraída, se balançando para soltá-lo. Eu não sei o

há de errado com Sam, mas não acho que o animal gigantesco atrás de nós seja

a causa. Sua aflição é algo totalmente diferente.

— Ele desmaiou! — grito para nove. — Ele...

Sou cortado quando Daniela e Nove começam a ter espasmos, seus olhos

se enchendo com a mesma luz azul. Eles caem no chão ao mesmo tempo, em

colapso, um em cima do outro.

— Não!

Então acontece comigo.

Um tentáculo de uma vívida luz azul sobe do chão na minha frente.

Por alguma razão, não estou com medo. É quase como se eu reconhecesse

esta estranha formação de energia. Posso sentir que ela corre por dentro da

terra, e também posso sentir que, se a Agente Walker ou o mogassauro ou

alguém sem Legados olhar para onde estou olhando agora, eles não veriam

nada, além do espaço vazio. Isto é só para mim.

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168

Essa é minha conexão. Minha conexão com Lorien.

Mais rápido do que meus olhos podem acompanhar, o tentáculo de luz se

atrela à minha testa. Agora, tenho certeza que meus olhos estão mostrando

energia elétrica azul como os outros fizeram antes de desmaiar.

Sinto isso acontecer. Eu estou deixando meu corpo.

Eu reconheço essa sensação. É exatamente igual quando Ella me coloca

em suas visões.

— Ella? — chamo, no entanto tenho certeza de que essas palavras não

saíram de minha boca. Tenho certeza de que meu corpo ainda está nas docas,

não tão longe do maior monstro que já vi em toda minha vida.

Oi John, Ella responde dentro de minha cabeça. Quando ela responde,

posso ouvi-la dizer outras palavras também, como se ela estivesse mantendo

cem conversas ao mesmo tempo.

Eu não penso em perguntar como isso aconteceu. Era para Ella estar a

milhares de quilômetros de distância com Setrákus Ra ou, esperançosamente,

no processo de ser resgatada por Seis. Ela não é assim tão poderosa. Seus

poderes não funcionam desta maneira. Mas eu não penso em nada disso. Estou

mais focado em meu corpo físico, sem mencionar Nove, Sam e Daniela.

Qualquer coisa que Ella esteja fazendo conosco, ela não poderia ter escolhido

um momento pior.

— O que diabos está acontecendo? Você vai acabar nos matando!

A qualquer momento, espero escutar a trituração dos meus ossos quando

o mogassauro pisar em mim. Isso não acontece. Em vez disso, formas começam

a se formar na frente dos meus olhos obscuros, formas indistintas, como um

projetor de filme que está fora de foco.

Não se preocupe, diz Ella, e novamente há aquele eco de outras vozes. Só

vai levar um segundo.

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Capítulo dezoito

HÁ QUANTO TEMPO ESTOU NOCAUTEADA? NÃO PODE FAZER MAIS DE DOIS

minutos até eu ser acordada por alfinetadas geladas ao longo da lateral do

meu rosto. É Marina, usando seu Legado de cura em mim.

Minha cabeça está em seu colo. Recebo uma estranha sensação em meu

cabelo quando o couro cabeludo de lá cresce novamente, o corte que ganhei

graças à pedra rapidamente sendo curado.

Marina tem a outra mão sobre minha boca, e acho que é para o caso de

eu acordar gritando. Arregalo meus olhos para ela para mostrar-lhe que estou

de volta e ela retira sua mão. Seu rosto está coberto com poeira chamuscada

vindas do templo recém-explodido. Há lágrimas escorrendo através das

bochechas de Marina.

— Ele o destruiu, Seis — ela sussurra. — Ele destruiu tudo.

Eu me sento para avaliar nossa situação. Ainda estamos na extremidade

da floresta, escondidos atrás do tronco caído da árvore, agora com um monte

de pedaços desalojados de calcário. Há lacunas entre as árvores acima de

nós, feitas pelos pedaços destruídos de pedra do Santuário. Por sorte,

ninguém mais parece estar ferido, ou Marina já terminou de curá-los.

Marina fica perto de mim enquanto eu me arrasto para frente em

direção aos outros. Mark e Adam estão de bruços, lado a lado, exatamente à

direita do cachorro caído. Eles estão com seus canhões apontados e usam um

bloco de calcário para cobertura. Percebo que há manchas de sangue seco na

camisa de Mark e me lembro que ele retirou um pedaço de estilhaço do seu

peito logo antes de eu ser nocauteada.

Toco seu braço.

— Você está bem?

Ele lança um olhar de agradecimento à Marina.

— Estou bem. Embora eu realmente não queira criar o hábito de fazer

aquilo. E você?

— Idem.

Sarah está à direita de BK, espiando por trás dele. Phiri Dun-Ra foi

arrastada para perto dela. Ela não foi atingida por nenhum dos destroços que

caíram em nossa área, o que realmente parece injusto. A mogadoriana ainda

está inconsciente ou, mais provavelmente, se fingindo de morta. Tenho

certeza de conferir suas amarras antes de deslizar para perto de Sarah. Ela

me olha – imóvel, com um olhar furtivo. Me lembra muito a expressão de

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170

coragem de John, para falar a verdade. Aquela onde ele está se borrando,

mas quer continuar a lutar de qualquer jeito.

— O que nós vamos fazer, Seis? — Sarah pergunta.

— Ficar à distância de um braço de mim para o caso de precisarmos ficar

invisíveis novamente — eu digo, não apenas para Sarah, mas para todos. —

Ainda temos um plano.

Mark bufa com isso, e suas mãos tremem um pouco sobre o cano da

arma. O detonador dos nossos explosivos jaz no chão próximo a ele.

— Não há mais Santuário para protegermos — Marina diz

desoladamente.

— Nós ainda podemos pegar a Anubis — respondo. — E ainda temos

que resgatar Ella.

— Cara, eu não vejo droga nenhuma daqui de trás — Mark adiciona.

Eu me torno invisível para poder espiar por trás da nossa cobertura sem

correr o risco de ser vista. Tenho uma visão melhor do campo do que Mark e

Adam podem ver lá atrás. A poeira levantada pelo ataque da Anubis ainda

está se estabilizando na clareira, entre isso e o pôr-do-sol, a área inteira está

embaçada num tom dourado.

Três pequenas nuvens de fumaça escura ondulam pelo ar – vindas dos

Skimmers-bombas que foram explodidos quando a Anubis descarregou sua

fúria. Entretanto, embora alguns deles estejam virados de ponta cabeça e

outros arremessados para longe, ainda vejo vários de nossos Skimmers

prontos para serem explodidos.

Então talvez sejamos capazes de salvar uma de nossas armadilhas

contra os mogadorianos. Mas o buraco em que nos empenhamos tanto para

cavar já era. Ou, mais exatamente, se transformou em um buraco maior

ainda.

O terreno onde o Santuário se ergueu por séculos é agora uma cratera

fumegante. Tem mais ou menos sessenta metros de profundidade, com

pedaços insistentes de pedra ainda enraizados no chão, e apenas agora os

pequenos incêndios causados pelo tiro do canhão da Anubis estão

desaparecendo na terra chamuscada. Aquele campo de força estava

posicionado tão precisamente que algo como isso nunca iria acontecer. Nós

conseguimos entrar no Santuário e esse é o resultado.

Destruição total.

A menos que...

Ainda invisível, subo no tronco quebrado para que eu possa ver a

cratera de um ângulo melhor. Sarah hesita pelo barulho que faço e aponta

seu canhão em minha direção.

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171

— Relaxa, sou eu — sussurro rapidamente. — Estou tentando ter uma

visão melhor de alguma coisa.

— O que você vê? — Marina pergunta.

Vejo um brilho azul-dourado emanar bem do centro da cratera. Vejo a

superfície das pedras do poço onde nós jogamos nossas heranças, o lugar de

onde a Entidade surgiu.

Desço do tronco e me torno visível novamente. Quero que Marina veja a

esperança no meu rosto, porque ela é bem real.

— O poço ainda está lá — eu digo a ela. — Ele não o explodiu, ou quem

sabe não conseguiu. A Entidade está bem.

— Sério? — Marina responde, passando suas mãos pelo rosto.

— Sério. Ainda temos um deus extraterrestre para proteger.

— Essa coisa deveria estar nos protegendo — Mark resmunga.

— E se, por acaso, ele não estivesse tentando explodi-lo? — Sarah

pergunta. — Se o objetivo dele, afinal, fosse tipo, capturar a Entidade? E se

ele tivesse que tirar o templo do caminho para isso?

— Merda — eu digo, porque essa teoria faz muito sentido.

— Eles estão descendo — Adam sibila.

A Anubis lentamente se move para baixo. Mesmo com o templo

destruído, a nave de guerra massiva ainda é grande demais para pousar na

clareira. Mesmo assim, a nave de guerra flutua até ficar bem acima do centro

da cratera.

Engrenagens rangem quando duas extensas portas de metal se

estendem para fora, com portas duplas se abrindo nos topos. De lá, vários

mogadorianos começam a sair da nave. Eles parecem ser os soldados comuns

nascidos artificialmente, todos vestidos em uma armadura preta e

carregando armas.

Os mogs deixam a nave com uma velocidade eficiente e começam a

assegurar a área. Estamos em desvantagem numérica de pelo menos dez

para um, e não vai demorar muito até que eles descubram nossa posição ou

encontrem as bombas que anexamos aos Skimmers.

—Temos que atacar agora! — sussurro para os outros. Eu me movo e

alcanço Adam. — Vamos ficar invisíveis e cercá-los. Vocês detonam as

bombas para distraí-los. Marina, ainda há alguma arma que montamos em

posição?

Marina estreita os olhos em concentração, então assente.

— Algumas. Eu vou fazê-las funcionar.

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172

Mark deixa de lado seu canhão e pega o detonador, armando os

explosivos. Três quartos das luzes não acendem, indicando que nós

perdemos essas bombas durante o ataque da Anubis.

— Armadas — Mark diz.

— Lembrem-se, se a coisa ficar feia, corram para a nave de Lexa — eu os

recordo.

Adam, saindo de trás do tronco quebrado, estala seus dedos para

chamar nossa atenção.

— Lá — ele diz, sombriamente. — Lá estão os dois.

Setrákus Ra entra no campo de visão, no topo da rampa. Ele está tão

intimidante quanto eu me lembro – quase quatro metros de altura, pálido,

com aquela cicatriz roxa e grossa no pescoço que é visível mesmo a esta

distância. Está vestido em algum tipo de armadura mogadoriana

extravagante, feita com a mesma liga obsidiana de seus soldados, com

exceção de dois acessórios pontudos que ele anexou à armadura na parte

dos ombros, que prendem uma longa capa de couro que se arrasta pelo chão

enquanto ele caminha. Cada parte dele parece fazer jus ao vilão intergaláctico

que é, e ele parece estar saboreando isso.

Ele está de mãos dadas com Ella, seus pequenos dedos entrelaçados

gentilmente pelos dedos blindados dele. Marina suspira quando a vê.

Eu não tenho certeza se a reconheceria se ela não estivesse gritando em

minha cabeça há apenas alguns minutos. Ela parece menor e mais magra,

como se a vida tivesse sido sugada para fora dela. Não, isso não está nada

certo. Percebo que ela não parece necessariamente doente.

Ela parece mogadoriana.

Os olhos de Ella estão vazios e sua cabeça pende, fazendo com que seu

queixo encoste em seu peito. Ela não parece nem mesmo ciente do que está

acontecendo ao seu redor. Seus movimentos são robóticos e atordoados. Ela

segue Setrákus Ra através da rampa com total submissão.

Os mogs que estão vasculhando a área param de fazer o que estão

fazendo para observar seu ditador e sua herdeira descerem da Anubis, todos

eles fazendo uma saudação com a mão no peito.

Setrákus Ra para na metade do caminho. Ele olha para a mata ao redor,

procurando por nós.

— Eu sei que vocês estão aí! — Setrákus Ra grita, sua voz se espalhando

através da mata. — Estou orgulhoso! Quero que vocês vejam o que vai

acontecer agora! — Setrákus Ra berra sobre o ombro, em direção à Anubis.

— Abaixem-no!

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173

Em resposta a seu comando, um alçapão se abre na parte de baixo da

nave de guerra. Lentamente, uma larga peça telescópica sai da Anubis. É

como um cano com escoras de apoio e andaimes construídos em torno dele.

As laterais do tubo estão cobertas com circuitos complicados e medidores.

Há mais do que apenas tecnologia mogadoriana no dispositivo de Setrákus

Ra, que desce lentamente.

Gravado nas laterais metálicas entre todos os componentes eletrônicos,

há gravuras estranhas que me fazem lembrar dos símbolos marcados em

nossos tornozelos. Porém, não posso ter cem por cento de certeza sobre

isso, mas parece que essas gravuras foram feitas em loralite. O que quer que

este dispositivo seja, parece ser mais um híbrido lórico-mogadoriano como

Setrákus Ra.

— Eu não gosto da aparência daquilo — murmuro.

— Nem eu — Sarah responde.

— Nós deveríamos explodi-la — Mark sugere.

— Qualquer que seja a intenção dele com aquele aparelho, nós não

podemos permitir — Marina concorda.

— Tudo bem. Então vamos destruir o brinquedo dele, resgatar Ella e

então ou pegar a Anubis ou voltar para Lexa — eu digo.

— Você faz com que pareça tão fácil — Adam observa.

Mesmo não podendo nos ver, Setrákus Ra ainda está fazendo seu

discurso retórico.

— Por séculos, trabalhei para atrelar o poder de Lorien, para utilizá-lo de

maneiras mais eficientes do que da intenção da natureza. Agora, finalmente...

Blá, blá, blá. Rapidamente, meço a distância entre Ella e o Skimmer-

bomba ativado mais próximo. Bem longe. Não acho que ela estará dentro do

raio da explosão. Enquanto Setrákus Ra continua, olho para os outros.

— Eu já ouvi o suficiente. E quanto a vocês?

Todos assentem. Eles estão prontos.

— Fiquem abaixados — falo, relembrando de como Mark foi atingido

facilmente há alguns minutos.

Todos se protegem. É agora.

— Ative — eu digo para Mark.

Com os dedos voando sobre o controle, Mark aperta os botões

detonadores.

Como presumido, alguns dos Skimmers que ligamos aos explosivos

foram desconectados quando a Anubis bombardeou o Santuário. E também,

outros haviam sido explodidos com o impacto. Então não tivemos a explosão

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174

gigante que teríamos se todos os nossos Skimmers-bombas tivessem sido

explodidos ao mesmo tempo, como planejado ordinariamente.

Mas ainda assim é loucamente eficiente.

Os mogs estão ocupados demais prestando atenção respeitosamente

ao último discurso pomposo estúpido de Setrákus Ra para perceber o que

está acontecendo. Cinco Skimmers espalhados ao redor da cratera explodem

em nuvens brancas de fogo. Posso sentir o calor daqui e tenho que proteger

meus olhos. Pelo menos trinta mogs são desintegrados imediatamente, seus

corpos completamente engolidos pelas chamas. Mais deles morrem quando

as partes dos Skimmers começam a voar para todas as direções. Observo um

soldado ser cortado ao meio quando uma parte do para-brisa de uma das

naves o atravessa verticalmente e outro sendo esmagado por uma coluna em

chamas.

A melhor parte é o pânico. Os mogs não sabem o que os atingiu, então

começam a atirar em direção às naves explodidas, incertos de onde a

verdadeira ameaça está se escondendo. Pelo menos mais alguns morrem

com tiros vindos dos outros soldados. E então Marina e eu usamos nossa

telecinesia para ativar alguns dos canhões que escondemos na selva,

confundindo os mogs ainda mais.

Uma roda retorcida atinge a rampa bem à frente de Setrákus Ra e Ella.

Talvez tenha sido uma atitude um pouco imprudente explodir aquelas

naves – acho que Setrákus Ra teve que parar aquela roda com sua telecinesia

para que ela não os acertasse. Porém, é bom saber que ele não quer vê-la

machucada tanto quanto nós.

Eu sorrio. Setrákus Ra realmente parece surpreso com o nosso contra-

ataque.

Seu discurso arruinado, o líder mogadoriano rapidamente anda até o fim

da rampa, arrastando Ella com ele.

— Encontrem-nos! — ele grita enquanto começa a descer pelas bordas

inclinadas da cratera, em direção ao poço. — Matem-nos!

— Vamos agora! — grito, não muito alto para não entregar nossa

posição graças aos sons explosivos vindos dos Skimmers recém-explodidos,

mas o suficiente para que todos os meus aliados ouçam.

Agora é a hora de agir ou morrer.

Agarro a mão de Adam e nos tornamos invisíveis. Eu lidero, nos levando

fazendo um arco largo ao redor dos mogs que eventualmente nos levará para

perto da cratera e do aparelho de Setrákus Ra. Marina continua com a

distração, usando as armas escondidas em diferentes localidades para

manter os mogs confusos. Memorizei os locais onde escondemos as armas,

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175

então sou capaz de evitar o tiro cruzado. Pelo menos, consigo evitar por mais

ou menos vinte metros. Então, o azar me atinge. Um dos mogs, de costas

para as explosões dos Skimmers, tropeça em nossa direção, atirando

descontroladamente. Mergulho para desviar dos tiros, e Adam também.

Mas fazemos isso em direções opostas.

Simplesmente assim, Adam aparece novamente no mundo visível.

— Merda — ele diz, pegando seu próprio canhão e atingindo o mog

mais próximo.

— Ali! — grita um dos outros soldados.

Suficiente para o estilo-guerrilha.

Vendo Adam em perigo, Bernie Kosar é o primeiro a se atirar na batalha.

Em um segundo ele é um tucano, voando inocentemente em direção ao

grupo mais próximo de mogs, e em um piscar de olhos ele se transforma em

um leão enorme, cortando e abrindo caminho em meio aos inimigos.

Muito dos mogadorianos ainda estão confusos com a explosão e não

perceberam Adam ainda, então Bernie Kosar acaba facilmente com eles.

Ele está mais rápido e mais feroz do que da última vez que o vi lutar,

com mais raiva, talvez, e me lembro de que ele quase morreu em Chicago.

Sempre que um dos mogs consegue tê-lo na mira, BK se transforma em um

animal menor – como um inseto ou um pássaro – fazendo-se ser um alvo

impossível. Então, quando ele está em uma posição favorável para matar,

Bernie Kosar se transforma de volta na sua forma de predador. As transições

são perfeitas, é quase lindo.

Nosso Chimæra de estimação ficou realmente muito bom em matar

mogadorianos. E nós também.

Um par de mogs à esquerda consegue se reunir o suficiente para atingir

Adam. Eles são rapidamente desintegrados por um tiro vindo de nosso

grupo. Esses devem ser Sarah e Mark, e eles não param de atirar mesmo

depois desses dois primeiros virarem cinzas. Há muitos soldados na terra

deserta do que costumava ser nossa pista de pouso. Tudo agora é um espaço

vazio e sem cobertura. Vejo Sarah matar rapidamente dois soldados com

sucesso.

Marina sai correndo da floresta em direção a Adam, e então eles se

juntam à briga. Alguns dos mogs estão tentando se recompor e se reagrupar,

mas outros os veem chegando. Eles se agrupam e miram.

Rapidamente o ar se enche com sons de tiros vindos de todas as

direções. A média é de mais ou menos vinte pra um.

Nada mau.

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176

Adam lidera, saltando para frente com grandes passos, cada pisada no

chão emanando ondas sísmicas que ondulam sob os pés dos mogadorianos.

Quando o chão treme, fica quase impossível para os mogs manterem uma

mira certa. Alguns deles acabam se trombando com outros, tiros

ziguezagueando em todas as direções. Uma onda sísmica em particular

resulta em um barulho alto quando o chão se divide em dois, com meia dúzia

de mogs caindo dentro da nova cratera.

Acho que conseguimos nosso buraco, afinal de contas.

Marina está mais devagar, porém igualmente mortal. Ela segue em

direção dos mogadorianos com ambas mãos abertas para os lados em forma

de concha. Esferas afiadas de gelo se formam em sua mão, e quando eles

crescem até o tamanho de uma bola de baseball, Marina os lança com sua

telecinesia em direção aos mogs. Gritando e perdendo o equilíbrio graças à

uma das ondas sísmicas de Adam, um dos mogs segue na direção de Marina

com um punhal.

Ela mal olha para ele enquanto levanta suas mãos em um gesto de pare,

congelando-o no rapidamente. Ela abre caminho entre os mogs, cortando-os

com gelo, seguindo na direção da cratera e de Setrákus Ra.

Do outro lado do campo de batalha, Setrákus Ra conseguiu chegar no

fundo da cratera e no poço lórico. Ella está de pé ao lado, indiferente e

parecendo um zumbi, sua cabeça pendendo de um lado para o outro. Ela

observa enquanto Setrákus Ra manuseia o instrumento sinistro que está

atracado à Anubis. Ele posiciona o cilindro para que fique a apenas alguns

metros acima do poço.

Então, Setrákus dá alguns passos para trás e levanta suas mãos como

um maestro, manuseando telepaticamente os botões complicados e

mostradores embutidos nos lados do tubo. Com um zumbido, consigo ouvir

daqui que a coisa está começando a ganhar vida. Isso não pode ser bom.

— Nós temos que impedi-lo! — Marina grita.

Eu sei que suas palavras são intencionadas para mim, mas não

respondo. Ainda invisível, não quero entregar minha posição. Eu queria poder

usar meu Legado do clima e lançar um raio em Setrákus Ra.

A Anubis está encobrindo muito o céu. Ao invés disso, eu pego um

canhão mogadoriano abandonado.

Ultimamente, passei bastante tempo movendo grupos de pessoas

invisíveis através de selvas que quase me esqueci de como é libertador estar

sozinha e invisível. Livre e mortal. Deslizo facilmente pelos mogadorianos. É

quase como uma dança, com exceção de que eles não sabem que somos

parceiros.

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177

Enquanto sigo, levanto meu canhão invisível e puxo o gatilho, atirando

de perto, apenas nas cabeças. Tudo isso enquanto me aproximo da cratera e

de Setrákus Ra. A única coisa que me expõe é o brilho de luz que o canhão

faz, e isso geralmente é rapidamente ocultado pelas explosões de cinzas

mogadorianas.

Matei mais de dez mogs em alguns segundos. Paro por um momento e

olho para trás, para ter certeza de que Sarah e Mark estão seguros na

floresta. Com certeza, eles ainda estão atirando. Bernie Kosar também se

mantém assim, impedindo que qualquer mog se aproxime dos humanos.

Percebo que BK deve estar sob ordens estritas do John para manter Sarah

em segurança. Isso é bom.

Os mogs já estão começando a se dissipar. Alguns, de fato, estão

retornando para a Anubis, enquanto outros formaram um grupo ao redor da

cratera para proteger o Adorado Líder deles.

Setrákus Ra não parece estar tão preocupado com isso. Ele está

completamente focado enquanto opera aquela máquina.

Enquanto luto pelo meu caminho até a cratera, o tubo começa a emitir

um chiado. Posso sentir a atmosfera ao nosso redor mudar – pedras

aleatórias começam a levitar do chão, e sinto rapidamente a força da

gravidade me puxando na direção da cratera. Completamente ligado, o

aparelho de Setrákus Ra está começando a sugar tudo nos arredores.

Vejo Ella, ainda parada indiferente na cratera, telepaticamente em

silêncio, seu cabelo sendo puxado na direção do cilindro. O próprio poço

começa a tremer, seus tijolos sendo levitados e içados em direção da

máquina de sucção antes de serem repelidos por um campo de força que

provavelmente é similar ao que protege a Anubis. O aparelho de Setrákus Ra

não está interessado nos detritos do chão; ele está os filtrando, criando um

mini tornado de sujeira e pedra.

E então acontece. Com um grito ululante como centenas de chaleiras de

chá explodindo, a luz azul cobalto da energia lórica explode do chão e é

sugada pelo cilindro. Toda a área é iluminada pelo brilho azul que até faz com

que alguns dos mogs olhem com dúvida ao redor. Não é natural a forma com

que a energia ondula ao sair do chão, primeiramente de forma selvagem e

incontrolável, mas rapidamente é pega e canalizada pelo o que percebo ser

um oleoduto, que transfere a energia lórica para dentro da Anubis. Achei o

brilho da Entidade confortante e sereno lá no Santuário, mas agora – o ar

estala com a eletricidade, as luzes irritam meus olhos e o barulho...

É como se a própria energia estivesse gritando. Ela está sofrendo.

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178

— Sim! Sim! — Setrákus Ra grita de alegria, como um cientista louco,

suas mãos erguidas em direção do seu aparelho de sucção.

Marina enlouquece. Ela perde a noção do cuidado quando se joga na

direção da cratera. Duas estalactites grossas e afiadas se manifestam sobre

suas mãos como duas espadas, e ela as usa para empalar três mogadorianos

que estavam em seu caminho, dançando entre aqueles que estavam

protegendo a cratera. Então, ela desliza para dentro do buraco, na direção de

Setrákus Ra e Ella. Ela vai querer matá-lo sozinha.

Eu fiz isso uma vez – não deu muito certo.

Corro para alcançá-la. Há outros mogs ao redor da borda da cratera ao

lado daqueles que Marina acabou de desintegrar e todos eles a tem como

alvo. Ela está distraída, se tornando um alvo fácil. Mas para mim, ainda

invisível, são os mogs que se tornaram alvos fáceis.

Corro atrás deles em um arco ao redor da borda da cratera,

desintegrando cada um deles o mais rápido que posso. Antes que eu possa

matá-lo, um deles consegue desviar do tiro que acaba acertando uma das

pernas de Marina. Acho que ela nem percebeu.

De fato, Marina nem percebe Setrákus Ra. Ou não se importa. Ela ataca

o oleoduto diretamente, bombardeando-o com bolas pontiagudas de gelo.

Enquanto essas são engolidas pelo minitornado de detritos ou refletidas pelo

campo de força da máquina, Marina segue em frente. Ela vai acabar

quebrando a coisa com as próprias mãos se for preciso.

Setrákus Ra a agarra pelo pescoço. Ele se move mais rápido do que

qualquer criatura do tamanho dele tem direito. Enquanto corro para dentro

da cratera, ainda invisível, Setrákus Ra levanta Marina pelo pescoço, fazendo

com que seus pés fiquem fora do chão. Ela tenta chutá-lo, mas ele a mantém

numa distância segura.

— Olá, garotinha — Setrákus Ra diz, seu tom de voz feliz e vitorioso. —

Veio assistir ao espetáculo?

Marina cerra os punhos. Ela obviamente não pode respirar. Eu não sei se

vou conseguir chegar a tempo.

Detrás dele, uma onda de rochas e sujeira acerta Setrákus Ra nas

panturrilhas. Ele está surpreso e acaba soltando Marina enquanto cai para

frente e instintivamente se apoia com as mãos. Marina consegue rolar para

longe enquanto as pernas de Setrákus Ra são enterradas por uma rocha. Ella

balança para frente, como se suas próprias pernas tivessem sido atingidas,

mas ela não chora e sua expressão vazia não muda.

Foi Adam quem fez o salvamento, derrapando pelo caminho em direção

à cratera do lado oposto ao meu. Há marcas de tiros em seus ombros e um

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179

longo corte na lateral do seu rosto onde algum mog o cortou com um punhal,

mas ele ainda parece pronto para lutar.

Acabo chegando no fundo da cratera próximo à Ella. É quando acontece

– pop – bem assim, e estou visível novamente, não por minha escolha.

Setrákus Ra deve estar usando sua habilidade de cancelar Legados

temporariamente. Marina está de joelhos a alguns metros dele, segurando

sua garganta e tossindo. Enquanto isso, o líder mogadoriano está tendo um

péssimo momento enquanto tenta se desalojar da pedra.

Pelo menos Adam conseguiu enterrá-lo até os joelhos antes de nossos

Legados serem anulados.

Aproveito a oportunidade para agarrar Ella pelos ombros. Bem de perto,

ela está mais distante do que eu esperava. Suas bochechas estão ocas, seu

rosto magro, e há teias de veias escuras correndo por baixo de sua pele. Seu

olhar é distante e ela não reage quando eu a chacoalho. O brilho da energia

lórica – ainda sendo sugada pelo oleoduto – está refletida em seus olhos. Ela

está olhando fixamente para lá.

— Ella! Vamos! Vamos tirar você daqui!

Não há reação visível, mas sua voz finalmente retorna à minha cabeça.

Seis. É lindo, não é?

Ela está perdida. Droga – terei que arrastá-la daqui como havíamos

planejado.

— Seis! — Marina grita, sua voz rouca. — Temos que desligar aquela

coisa!

Eu olho para a máquina, e então para a Anubis. Não há o que dizer sobre

o que Setrákus Ra fará com a energia lórica que ele está capturando, mas

obviamente não pode ser nada bom. Eu me pergunto se ele será capaz de

cancelar nossos legados permanentemente se sugar energia o suficiente da

Entidade.

— Você sabe como pará-la? — pergunto para Ella, novamente

recebendo nada de seu rosto inexpressivo.

Essa resposta demora um momento. Sim.

— Como?! Nos diga como!

Ela não responde.

Com um bufo de indignação, Setrákus Ra puxa uma das pernas para fora

da prisão de pedra. Assim que ele o faz, Adam o alcança. Privado de seu

legado assim como nós, o jovem mogadoriano agarra a espada de seu pai. A

espada é grande demais para ele e suas mãos tremem quando ele a segura.

Mesmo assim, ele põe a ponta da espada no pescoço de Setrákus Ra.

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180

— Pare — Adam comanda. — Seu tempo acabou, velhote. Desligue sua

máquina ou eu vou matá-lo.

A expressão de Setrákus Ra não muda, mesmo tendo uma espada

apontada contra aquela cicatriz roxa dele. Ele ri.

— Adamus Sutekh — ele exclama. — Eu estava esperando uma chance

para nos conhecermos.

— Feche a matraca — Adam alerta. — Faça o que mandei.

— Desligar a máquina? — Setrákus Ra sorri. Ele consegue ficar em pé.

Adam tem que se esticar para manter a espada pressionada contra o pescoço

dele. — Mas é a minha maior realização. Eu alcancei a própria Lorien e agora

ela está sob meu comando. Não mais teremos que acolher a arbitrariedade

do destino. Nós podemos forjar nossos próprios Legados. Você, dentre todas

as pessoas, deveria apreciar isso.

— Pare de tagarelar.

— Você não deveria me ameaçar, garotinho. Deveria estar me

agradecendo — Setrákus Ra continua, limpando a poeira de suas pernas. —

Esse Legado que você usou com tanta precisão foi-lhe dado graças aos

resultados da minha pesquisa, entende? A máquina que o Dr. Anu plugou em

você foi alimentada com loralite pura, o que havia sobrado daquelas que eu

minei de Lorien há tanto tempo. Com o corpo de uma Garde que carregava a

faísca necessária de Lorien, bem... a transferência se tornou possível. Você é

o resultado glorioso da minha pesquisa, Adamus Sutekh. Do meu controle

sobre Lorien. E hoje, você pode me ajudar a pavimentar um caminho para

outros iguais a você.

— Não — Adam diz, sua voz quase inaudível sobre o rugir da energia

sendo sugada para dentro da Anubis.

— Não o quê? — Setrákus Ra pergunta. — O que você achou, garoto?

Que seus Legados vieram de outro lugar? Que essa mente oca da natureza

havia lhe escolhido? Foi ciência, Adamus. Ciência, eu e seu pai. Nós o

escolhemos.

— Meu pai está morto! — Adam grita, pressionando com mais força a

espada contra o pescoço de Setrákus Ra.

Perto de mim, Ella tosse. Uma bolha de sangue surge em sua garganta.

— Adam, tenha cuidado! — eu grito, dando um passo na direção dele.

Marina está de pé também, olhando incerta do oleoduto para os dois

mogadorianos. Eles nos ignoram.

— Hmm — Setrákus Ra responde. — Eu não havia ouvido...

— Eu o matei — Adam continua, gritando. — Com essa espada! Da

mesma forma que vou matar você!

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181

Por um momento, Setrákus Ra parece ter sido genuinamente pego de

surpresa. Então, ele levanta uma das mãos e arranca a espada da mão de

Adam.

— Você sabe o que vai acontecer se tentar — Setrákus Ra diz, e em

demonstração, aperta com força a espada. Eu viro e vejo o corpo de Ella se

inclinar de dor enquanto um longo corte se abre através de sua palma,

sangue respingando na terra. Ela dá alguns passos para frente, em direção ao

poço, se segurando.

— Eu não me importo. Durante toda minha vida, fui treinado para matá-

los — Adam diz dentre os dentes.

— E você nunca pôde fazê-lo, não é? — Setrákus retruca, rindo do blefe

de Adam. — Eu li os relatórios de seu pai, garoto. Conheço tudo sobre você.

Ainda segurando a espada em uma as mãos, Setrákus Ra se aproxima de

Adam, ficando mais alto que o jovem mogadoriano. O corpo todo de Adam

treme, mas não sei se de medo ou raiva. Eu me aproximo deles, embora não

saiba o que fazer. Atrás de mim, ouço Ella arrastando os pés. Em seu estado

de transe, ela tropeçou até o poço lórico e o pilar de energia.

— Ella! — eu sussurro. — Fique parada!

— Eu nunca quis matar para você porque nunca acreditei nas suas

paranoias! — Adam resmunga. — Mas se fazer isso significa acabar com você

— os olhos de Adam seguem em direção à Ella. Então percebo – seu olhar

está confirmando. Ele não está blefando, não mais. — Eu posso viver com

isso — ele diz, friamente. — Posso viver com isso se você morrer também.

Tudo acontece muito rápido. Adam empurra a lâmina contra a mão de

Setrákus Ra, a borda não causando danos na palma, e a ponta apontada para

o pescoço. Setrákus Ra parece surpreso, mas ele reage rápido – ele é rápido,

mais do que Adam esperava. Setrákus Ra se abaixa para a esquerda, a lâmina

deslizando em seu pescoço, porém sem fazer dano algum. Pelo menos não

nele.

Viro minha cabeça para ver um corte se formar na lateral do pescoço de

Ella. Sangue começa a escorrer pelos seus ombros, mas ela não expressa

reação. De fato, ela nem parece ter percebido. Ela está totalmente focada na

energia corrente, seus pequenos pés na ponta dos dedos.

Antes que Adam possa estabilizar a espada para dar outro golpe,

Setrákus Ra esmurra seu punho no rosto dele. Ele está vestindo luvas de

metal e posso ouvir os ossos do rosto de Adam quebrarem com o impacto.

Ele derruba a espada e cambaleia para trás. Setrákus está prestes a atingi-lo

novamente quando Marina entra na briga e o tira do caminho.

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182

Quando ambos estão no chão, tenho a chance de dar um passo à frente

e me por entre eles e Setrákus Ra. Enquanto me aproximo, Setrákus pega a

espada de Adam, girando-a em um arco lento ao seu lado.

Ele sorri para mim.

— Olá, Seis — ele diz, e corta o ar à sua frente com a espada. — Está

pronta para que isso tudo acabe?

Eu não respondo. Conversar apenas dá vantagem à ele, deixando-o

entrar em nosso psicológico. Ao invés disso, grito sobre meu ombro para

Marina.

— Recue! — eu digo. — Vá longe o suficiente para poder curá-lo.

Pelo canto do olho, posso ver Marina arrastando Adam. Ele está

inconsciente, e não tenho nem certeza se Marina quer curá-lo depois do que

ele acabou de dizer. Ela definitivamente não quer me deixar para trás, ou

recuar enquanto a máquina de Setrákus Ra ainda está sugando a energia.

— Vá! Eu cuido disso! — insisto, olhando para Setrákus Ra, me

movimentando. Eu apenas tenho que atrasá-lo, ficar viva até... até o quê? Até

quando vamos continuar com isso?

Ella estava certa. Ficar aqui significa morte.

O sorriso de Setrákus Ra não desaparece. Ele sabe que estamos

encurralados. Ele investe contra mim, atacando com a espada. Dou um pulo

para trás e sinto a ponta da espada passar bem em frente ao meu abdômen.

O chão pedregoso abaixo de mim treme e eu quase perco o equilíbrio.

Atrás de mim, Marina conseguiu arrastar Adam até onde a cratera

começa a subir. Ela para lá e começa a gritar.

— Ella! Que diabos...?

Ambos, Setrákus Ra e eu, nos viramos em direção ao poço, onde Ella

subiu na borda. Ela está a apenas alguns centímetros da onda de energia

lórica. Seu cabelo voa em todas as direções, quase como uma auréola. Faíscas

elétricas aparecem ao redor dela, e o sangue escuro de suas veias se torna

uma sombra roxa na luz azul vivida. A pele de seu rosto e de suas mãos

começam a ondular como se ela estivesse em um túnel de vento, e pequenos

detritos a atingem. Ela ignora tudo isso.

Imediatamente, Setrákus Ra se esquece de mim. Ele dá um largo passo

em direção à Ella.

— Desça daí! — ele grita. — O que você...?

Ella se vira em nossa direção, seus olhos em Setrákus Ra. Eles não estão

mais dispersos. Por um breve momento, posso ver a velha Ella ali. A garotinha

tímida que conheci na Espanha e que se tornou uma lutadora corajosa. Sua

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183

voz é baixa, porém de alguma forma amplificada pela energia que flui atrás

dela.

— Você não vai vencer, avô — ela diz. — Adeus.

E então Ella cai para trás dentro da energia lórica.

Setrákus Ra grita e corre para frente, mas ele está atrasado. Há quase

um flash de luz que nos cega. O corpo de Ella, basicamente uma silhueta do

meu ponto de vista, flutua no meio do ar, pega entre o poço lórico e a

máquina de Setrákus Ra. Por um momento, seu corpo se contorce,

arqueando dolorosamente. Então, uma nova onda energia surge do poço, o

que é demais para a máquina de Setrákus Ra suportar. Os circuitos nas

laterais explodem em chuvas de faíscas e a loralite derrete em um mar de

explosões brancas e quentes. Enquanto isso, o corpo de Ella parece

desintegrar – ainda posso vê-lo lá, pego pela energia, mas também posso ver

através dele, como se cada partícula do corpo dela tivesse se separado.

Um momento depois, o corpo de Ella é cuspido para fora da energia.

Ela é jogada como uma boneca de pano para a lateral da cratera. Então,

o brilho da energia lórica se dissipa e se retrai para baixo da terra, enquanto o

oleoduto de Setrákus Ra emana um craque metálico e desmorona, com

pedaços retorcidos de metal enterrando o poço lórico.

Setrákus Ra encara sua máquina destruída em descrença. É a primeira

vez que vejo o velho bastardo totalmente perdido.

Marina se move imediatamente. Ela deixa o corpo de Adam para trás e

mergulha em direção à Ella. Seus Legados ainda não estão funcionando,

então quando Marina pressiona suas mãos contra o corpo de Ella, sei que

nada vai acontecer. É tarde demais, de qualquer forma.

Eu não preciso ver as lágrimas escorrendo através do rosto da Marina

para compreender. Ella está morta.

Setrákus Ra encara o corpo da neta, uma expressão desolada em seu

rosto. Enquanto ele faz isso, pego a maior rocha que consigo encontrar.

E então a jogo, atingindo a parte de trás da cabeça de Setrákus Ra.

Um corte se abre. Ele sangra. O feitiço mogadoriano foi quebrado.

Meu ataque o traz de volta à realidade. Ele ruge, se vira para me encarar

e levanta sua enorme espada sobre sua cabeça.

Ele está prestes a descê-la em minha direção quando seus olhos –

normalmente cavidades pretas e vazias – se enchem com o brilho azul da

energia lórica. A espada cai de suas mãos e Setrákus Ra, o líder dos

mogadorianos, assassino do meu povo, destruidor de mundos – desmaia aos

meus pés.

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184

Estou paralisada. Eu me viro para procurar por Marina, mas encontro-a

desmaiada também. Que diabos está acontecendo?

Ella. O brilho da energia Lórica emana dela. Está sendo cuspido de seus

olhos, boca, orelhas – de todos os lados, da mesma forma quando a Entidade

reanimou o corpo de Oito.

A partir de um de seus dedos, um raio de energia Lórica é lançado em

minha direção. Me acerta bem no meio da testa. Eu caio de joelhos, me

sentindo inconsciente. Eu olho para Ella... ou que quer que ela seja agora.

Há outras explosões de energia saindo de seu corpo, como se fossem

estrelas cadentes, saindo da cratera e indo... para onde? Eu não sei. Eu não sei

o que está acontecendo com ela, com a Entidade ou com ambas.

Só sei que é minha chance.

— Não agora! — eu grito, lutando contra o sono gentil que a energia

lórica está tentando me forçar a aceitar. — Ella! Lorien! Parem! — eu digo. —

Eu... eu posso matá-lo!

Mas então eu desmaio. Sou arrastada para o mesmo sono artificial para

o qual foram Setrákus Ra e Marina.

O que eu vejo a seguir, o que todos nós vemos, é onde tudo começou.

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185

Capítulo dezenove

ENTÃO ASSIM É ESTAR MORTA.

Flutuo sobre meu corpo e mal me reconheço. Meu avô – ele

começou a me transformar em um monstro, assim como ele. A garota

quebrada lá embaixo está tão pálida e sem vida, que mal consigo

acreditar que sou eu. Ou que eraeu. Marina põe suas mãos sobre meu

corpo, tentando me trazer de voltar, mesmo sabendo que seus Legados

foram desativados. É triste vê-la distraída assim.

Eu não quero voltar para aquele corpo. É um alívio estar fora dele.

Não há mais a dor, e pela primeira vez em dias eu posso realmente

pensar.

Na verdade, é meio estranho que eu possa pensar considerando

que agora eu estou, você sabe... morta. Acho que a vida após a morte é

assim.

Abaixo de mim, os outros – Marina, Seis e Setrákus Ra – todos se

movem em câmera lenta. Posso ver muita coisa. Cada partícula do

templo destruído que ainda flutua no ar é visível para mim. As gotas de

suor na nuca do meu avô também são visíveis para mim. A energia lórica

pulsante está dentro de todos eles, até mesmo de Setrákus Ra, e isso

também é visível para mim.

Como eu posso ver tudo isso?

Eu apenas queria quebrar o domínio que Setrákus Ra tinha sobre

mim, destruir seu feitiço mogadoriano nojento para que ele não pudesse

mais me manter como refém. Eu queria ajudar meus amigos.

Alguma coisa me disse que a melhor forma de fazer isso era me

jogar dentro daquele redemoinho de energia. Eu sabia que iria morrer e

estava quase bem com isso. Estou feliz de não ser apenas escuridão e

vermes. Qualquer que seja o próximo estágio, espero que não seja ver

as pessoas que amo lutarem até a morte em câmera lenta.

Ella.

A voz vem de todos os lugares ao meu redor. Não apenas uma, mas

várias vozes. Milhares delas. Ainda assim, desse coro eu consigo

reconhecer algumas. Crayton. Adelina. Oito. Eles estão me chamando.

Você tem trabalho para fazer.

Eu caio em direção ao chão e meu corpo. Por um momento, estou

cheia de pânico. Eu voltarei para dentro do meu velho corpo mais uma

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186

vez, para ser a marionete do meu avô? Mas então, de repente, um

sentimento de calma cai sobre mim, como se eu tivesse sido enrolada

em uma toalha aquecida. Nada pode me machucar, não agora.

Eu deveria me chocar contra o chão. Ao invés disso, continuo

caindo. Eu passo através dos detritos e das pedras, e logo estou

submersa em total escuridão. Não parece mais que estou caindo. Sinto

como se estivesse flutuando no espaço – sem gravidade, sem peso,

apenas uma levitação pacifica sem fim. Perco a noção de qual direção é

para cima, qual é para baixo, ou qual leva até meus amigos, meu corpo.

Mas isso não parece importante agora. Eu deveria estar enlouquecendo.

Mas de algum jeito, sei que estou segura.

Lentamente, a luz começa a brilhar ao meu redor. Milhares de

pontos azuis brilhantes flutuam ao meu redor, como a poeira flutua

através dos raios de sol. É como a energia lórica na qual mergulhei.

As partículas se expandem e se contraem, me lembrando de

pulmões. Algumas vezes elas se misturam em formas vagas, então

rapidamente se rompem.

De alguma forma, tenho a sensação de que estou sendo observada.

Há uma rede de energia abaixo de mim e eu não sinto mais como

se estivesse flutuando ou caindo. É mais como se eu estivesse sendo

segurada, envolta por duas mãos gigantes. Eu me sinto relaxada e

confortável, como se pudesse descansar aqui para sempre. É tão

diferente dos últimos dias infernais pelos quais passei, onde exercer o

mínimo da minha vontade me causava dores pelo corpo todo. Parte de

mim quer desligar minha mente e deixar o que quer que seja que esteja

acontecendo e me esticar aqui. Mas outra parte de mim sabe que meus

amigos ainda estão lutando no mundo horrível em que vivem. Eu tenho

que tentar ajudar.

— Olá? — eu chamo, testando minha fala.

Ouço minha voz, embora não pareça que eu tenha uma boca,

pulmões ou sequer um corpo. É como a sensação de quando estou

tendo uma conversa telepática, como se de alguma forma alguns dos

meus pensamentos estejam mais altos do que os outros e esses são os

que eu projeto para as outras pessoas.

Olá, Ella, uma voz responde. As bolhas de energia flutuando na

minha frente pulsam em sincronia com a voz. Estranhamente, eu me

sinto completamente confortável por ter uma conversa com um bando de

bolhas flutuantes de néon.

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187

— Estou morta? — pergunto. — Isso é tipo, o paraíso ou coisa

assim?

Sinto cócegas agradáveis onde minha pele deveria estar. Acho que

é assim que se sente quando essa coisa ri.

Não, isto aqui não é o céu, criança. E sua morte é apenas uma

condição temporária. Quando a hora chegar, vou restaurá-la para sua

forma física.

— Oh — eu pauso. — E se eu não quiser voltar?

Você vai querer.

“Não tenha tanta certeza, camarada”, eu penso, mas não digo.

— Então... onde estamos? O que é isso?

Você abandonou seu corpo e usou seus dons telepáticos para se

abrigar em minha mente. Você misturou sua consciência com a minha.

Ao menos sabia que era capaz de fazer isso, criança?

— Hm... não.

Eu não achei que saberia. Foi uma coisa perigosa de se fazer,

jovem Ella. Minha mente é vasta e se estende através de todos os

lugares e por todo o tempo desde que eu existo. Estou bloqueando você

desse conhecimento, para que não a sobrecarregue.

Acho que é por isso que eu me sinto tão aconchegada nessa total

escuridão, sem corpo e envolta pela energia lórica. Porque a Entidade

Lórica está tomando conta de mim.

— Obrigado por isso — respondo.

De nada.

Me ocorre que eu provavelmente deveria estar perguntando

algumas coisas importantes. Não é todo dia que você acaba dividindo

sua mente com uma energia como essa.

— O que exatamente é você, afinal de contas?

Eu sou eu. Eu sou a fonte.

— Uh-huh. Mas como eu deveria chamá-la?

Há uma pequena pausa antes da voz me responder. Os pontos de

energia nunca param de esvoaçar na minha frente.

Eu tenho sido chamada de muitas coisas. Uma vez, eu fui Lorien.

Agora, sou a Terra. Seus amigos me chamaram de Entidade.

Então era isso que estava escondido dentro do Santuário, era o que

Setrákus Ra queria. Marina e os outros devem ter conversado com ela

antes do seu esconderijo ter explodido pelos ares. Embora, a Entidade...

isso soe tão formal, alienígena e frio. Não é esse o sentimento que estou

sentindo agora.

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188

— Eu vou chamá-la de Legado — decido.

Como desejar, criança.

Legado parece tão calma. Foi apenas há alguns minutos que

a Anubisestava sugando-a do chão através daquela engenhoca

mecânica gigante.

— Meu avô machucou você quando ele a puxou da Terra? —

pergunto.

Ele não pode me machucar, mas pode apenas me modificar. Uma

vez modificada, eu não serei mais eu, e então a experiência da dor não

irá pertencer à mim.

— Ok — respondo, sem entender nada. — Você está, tipo, presa

abordo da Anubis agora?

Apenas uma pequena parte de mim, criança. Eu existo em vários

lugares. Seu avô tentou me capturar antes, mas eu sou maior do que ele

pensa. Venha. Vou lhe mostrar.

Antes que eu possa perguntar, “ir aonde?” – uma onda da energia

lórica me varre para longe. Não estou mais flutuando na escuridão

pacifica. Ao invés disso, estou dentro da própria Terra. É como uma

daquelas imagens onde você pode ver as diferentes camadas da crosta

terrestre – as placas tectônicas, os ossos dos dinossauros, lava derretida

quente perto do núcleo do planeta. Eu posso visualizar tudo isso. Sinto-

me minúscula em comparação a tudo.

Correndo através de cada camada da Terra, ligada ao próprio

núcleo, há agora veias brilhantes de loralite. A energia é fraca em alguns

pontos, forte em outros, mas não há lugar no planeta que não esteja

perto do seu gentil brilho.

— Nossa — eu digo. — Você realmente se fez sentir em casa.

Sim, Legado responde. Isso não é tudo.

Nós subimos. Mais uma vez, o campo de batalha aprece abaixo de

mim. Meus amigos e Setrákus Ra ainda estão se movendo como se

estivessem presos em melaço. Seis está no processo de levantar uma

rocha, com a esperança de acertar meu avô com ela.

No peito de Seis, bem perto de seu coração, há uma brasa da

energia lórica. Marina e Adam também a possuem. Até Setrákus Ra tem

uma fagulha de Lorien dentro dele, embora a dele pareça estar

parcialmente envolta de algum tipo de substância preta. Ele se

corrompeu de formas que não consigo entender.

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189

O pensamento faz com que eu olhe em direção à Anubis. Há,

situada na barriga da nave, um latejante fulgor de loralite. Não é nada

comparado ao que acabei de ver no subsolo, mas ainda assim...

— O que ele vai fazer com aquilo? — pergunto a Legado. — Quero

dizer, com você?

Eu vou lhe mostrar. Primeiro, você precisa juntar os outros. Decidi

que todos eles devem ver o motivo de sua luta...

— Que outros?

Todos eles. Eu a ajudarei.

Sem avisar, minha mente começa a se esticar. É como se eu

estivesse usando minha telepatia, tateando por mentes familiares, com

exceção de que meu poder foi aumentado. Na verdade não parece tão

bom, como se meu cérebro estivesse sendo puxado em todas as

direções por um magnetismo muito forte.

— O que... o que você está fazendo?

Estou aumentando suas habilidades, criança. Pode ser um pouco

desconfortável no começo. Peço desculpas.

— O que devo fazer?

Junte todos aqueles que eu marquei.

Pode ser loucura, mas na verdade eu sei o que isso significa.

Quando uso minha telepatia, posso realmente sentir todas as

pessoas que foram tocadas por Legado na Terra. Eu miro em direção ao

núcleo azul pulsante em Marina, pego-o com minha mão telepática e a

puxo. É como quando eu era capaz de levar John para dentro das

minhas visões, com exceção de que agora é muito mais fácil. Vou na

direção de Adam também, trazendo-os para o aconchego da consciência

de Legado. Então, eu hesito.

— E ele? — eu pergunto, olhando para meu avô.

Até ele. Devem ser todos.

Me sentindo um pouco enjoada por ter que entrar em contato

telepaticamente com aquele cérebro retorcido e seu coração lórico

estragado, puxo Setrákus Ra para cá. Tento absorver Seis agora, mas

sua consciência luta contra a minha. Distantemente, estou ciente de seu

corpo físico gritando alguma coisa.

— O que ela está dizendo? — pergunto a Legado.

Ela não compreende ainda que eu não interfiro, Legado fala. Todos

vão ver, ou ninguém verá. Nenhuma vantagem será admitida.

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190

Eu não sei o que Legado quer dizer e não tenho tempo para pensar

nisso porque logo que a consciência de Seis abre caminho para a minha,

nós estamos nos espalhando mais além.

O mundo inteiro se abre diante de mim. Centenas de pequenos

pontos de loralite são mostrados nos continentes. Esses são os novos

Gardes, os humanos que recentemente desenvolveram poderes. Legado

os quer também. Eu os alcanço com minha mente, capturando-os um por

um.

Um garoto em Londres que encara uma nave de guerra

mogadoriana com suas mãos se abrindo e fechando enquanto ele tenta

decidir o que fazer. O asfalto da rua se quebra e se rompe a cada

movimento, pego pela telecinesia descontrolada do garoto.

Uma garota no Japão que há apenas alguns dias estava confinada à

uma cadeira de rodas. Agora, ela se encontra andando através do

pequeno apartamento de seus pais numa velocidade que não achava ser

possível.

Um garoto numa vila remota da Nigéria, onde eles não foram

atingidos de verdade pela invasão ainda. Seus pais estão chorando

enquanto ele flutua sobre eles, emanando um brilho angélico.

Capturo todos com minha mente. Onde quer que Legado esteja nos

levando, eles estão vindo.

Alguns deles estão assustados. Ok, muitos deles estão assustados.

Seus Legados foram uma coisa, mas agora isso – uma repentina

experiência telepática? Eu entendo que isso é um pouco demais. Eu falo

com eles. Os conforto. Sinto que minha mente está forte o suficiente para

que eu consiga manter múltiplas conversas de uma vez enquanto ainda

estou recolhendo as pessoas com meu voo telepático.

Eu lhes asseguro que ficarão bem. Que isso é como um sonho.

Eu não digo a eles que não tenho ideia do que estou fazendo.

Então chego à Nova York. Pego Sam primeiro, mais porque estou

tão animada por ele ter sido contemplado com Legados, e só quero lhe

dar um abraço. O Cinco ferrado, o Nove maravilhoso em que também

quero muito dar um abraço, uma garota nova – todos eles são acolhidos

pelo meu abraço telepático. E então pego John. Tive mais experiências

usando minha telepatia nele do que em qualquer outro; deveria ser fácil.

Mas como Seis, ele luta contra mim. John quer lutar. Ou, bem, ele não

quer ser pisoteado. Eu não posso dizer que o culpo.

— Aquilo irá nocauteá-lo? — eu pergunto. — Ele vai, tipo, ser

devorado?

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191

Não. Tudo isso vai passar num piscar de olhos.

— Não se preocupe, John — eu digo triunfantemente. — Só vai

levar um segundo.

Puxo a consciência de John também. Pronto. Toda a Garde da

Terra. Todos os seus batimentos lóricos pulsando, puxados para minha

vasta consciência.

— Então, agora o que acontece? — pergunto a Legado.

Observe.

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Capítulo vinte

ESTOU EM OUTRO LUGAR. UM LUGAR QUE É AO MESMO TEMPO

ESTRANHO E familiar para mim. Flutuo pelo ar, capaz de ver toda a

cena que acontece ao meu redor, mas incapaz de agir. Posso sentir as

centenas de mentes que estão juntas comigo.

Isso é o que Legado quer nos mostrar.

É uma noite quente de verão. Duas luas brancas vívidas pairam no

céu escuro sem nuvens, uma no norte e uma no sul. Isso significa que é

um momento especial para meu povo. Duas semanas do ano as luas

estão desse jeito, e durante essas duas semanas os lorienos

celebrariam. É onde estamos. Lorien.

Eu sei disso porque Legado sabe disso. O que não sei é quão

distante voltamos no tempo.

Estamos numa praia, a areia tingida de laranja oscilando pela luz de

uma dúzia de fogueiras. Há pessoas por toda parte, comendo e sorrindo,

bebendo e dançando. Uma banda toca música como nada que eu tenha

ouvido na Terra antes. Meu olhar paira em uma jovem garota com uma

juba ruiva encaracolado enquanto ela dança no ritmo da música, suas

mãos acima da cabeça, sem se importar com o mundo ao redor. Seu

vestido reflete a luz e se distorce, pego ocasionalmente pela brisa quente

do oceano.

Na praia, um pouco distante da festa, dois garotos adolescentes

estão sentados na areia, num intervalo da festa. Um é alto para sua

idade, com escuros cabelos curtos e traços fortes. O outro, menor porém

mais bonito do que o primeiro, tem cabelo loiro sujo e desgrenhado e um

queixo quadrado. O loiro está vestido com uma camisa branca folgada

para fora das calças e casual. Seu amigo está vestido mais formalmente,

com uma camisa vermelha escura, passada e perfeita, as mangas

meticulosamente enroladas para cima.

Ambos, mas o maior em particular, parecem superinteressados na

garota que está dançando.

— Você deveria ir lá — o loiro diz, cutucando seu amigo. — Ela

gosta de você. Todo mundo sabe.

O garoto de cabelos escuros franze a testa, passando uma mão

sobre a areia.

— E daí? Por que eu faria isso?

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193

— Uh, porque você a está olhando dançar? Posso pensar em vários

motivos, cara.

— Ela não é Garde. Ela não é como nós. Não seríamos capazes...

— o garoto de cabelos escuros balança a cabeça, melancolicamente. —

Nossos mundos são muito diferentes.

— Ela não parece se importar por não ser Garde — o garoto loiro

retruca. — Ela está se divertindo de qualquer forma. Você é o único que

está impedindo isso.

— Por que nós temos Legados enquanto ela não tem? Não parece

justo, que alguns devam ficar presos sendo tão... normais — o garoto de

cabelos escuros se vira para seu amigo, com um olhar sério em seu

rosto. — Você já pensou sobre isso?

Em resposta, o garoto loiro abre a palma de sua mão. Nela, uma

pequena bola de fogo ganha vida e rapidamente toma a forma de uma

garota dançando.

— Não — ele responde, sorrindo.

O garoto de cabelos escuros se concentra por um momento e então

a pequena dançarina de fogo explode, deixando de existir. O garoto loiro

ergue as sobrancelhas.

— Pare — ele reclama. — Você sabe que eu odeio quando você faz

isso.

O garoto de cabelos escuros sorri se desculpando com seu amigo e

traz de volta os Legados dele.

— Legado estúpido — ele diz, balançando a cabeça. — Qual a

vantagem de algo que funciona apenas contra outros Gardes?

O garoto loiro gesticula em direção da dançarina.

— Vê? Você é perfeito para Celwe. Ela não tem nenhum Legado, e

você tem o mais ridículo deles.

O outro ri e dá um soco levemente no ombro de seu amigo.

— Você sempre diz as coisas certas.

— Isso é verdade — o loiro responde, sorrindo. — Você poderia

aprender muito comigo.

Eu não tenho olhos da forma tradicional aqui, mas a visão parecer

piscar. Em um segundo, os garotos sentados na praia aparecem na

forma dos homens que irão se tornar. O garoto loiro é lindo, atlético, com

olhos bonitos – e eu não estou prestando nem um pouco de atenção

nele. Ao invés disso, minha atenção se volta à bruta forma que está

sentada ao lado dele, mortalmente pálida, com uma cicatriz nojenta em

torno do pescoço.

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194

Setrákus Ra.

Essa cena deve ter acontecido centenas de anos atrás. Talvez

milhares. É antes de Setrákus Ra ter se juntado aos mogadorianos,

antes dele se tornar um monstro.

Um segundo depois, e eles são jovens novamente. O garoto loiro dá

um tapinha nas costas do jovem Setrákus Ra enquanto eles continuam a

observar a garota que dança. Estou chocada com a normalidade de sua

aparência, um garoto jovem sentado numa praia, olhando

melancolicamente para a garota que ele gosta.

Onde tudo isso deu errado?

A visão desmancha, juntando-se sem problemas à outra.

Meu avô e seu amigo estão em um grande salão abobado, um

mapa de Lorien estampado em loralite brilhante através do teto. Eles não

são mais garotos, estão mais para jovens adultos. Quanto anos mais

tarde estamos? Podem ser décadas, pela forma que contamos os anos

em Lorien. Se fossem humanos, acho que eles estariam com mais ou

menos vinte anos, mas quem sabe como isso se traduziria para a idade

lórica. Eles estão parados em frente a uma enorme mesa redonda que

cresce diretamente do chão, como se fosse feita a partir de uma árvore

que ninguém se importou em cortar. Cravada no centro da mesa há o

símbolo lórico para “unidade”.

Eu sei disso porque Legado sabe.

Ao redor da mesa há dez poltronas, todas elas ocupadas com sérios

olhares lóricos, com exceção de duas, que estão vazias.

Cadeiras como as de um grande teatro cercam a mesa redonda por

toda a circunferência. Está lotado hoje, todas as fileiras em sua

capacidade máxima, Gardes apertados de cotovelo a cotovelo. Isso,

percebo, é a câmara dos Anciãos. É onde os Anciãos se juntam na

presença da Garde para tomar grandes decisões. A cena toda me lembra

das reuniões do senado que vi na Terra, com exceção da loralite

brilhante. Atualmente, todos os olhares estão sobre o Ancião magro com

longos cabelos brancos e olhos gentis. Apesar dos cabelos brancos, ele

não parece mais velho que meu avô. Mas o seu jeito projeta uma aura de

superioridade.

Ele é Loridas. É um Aeternus, como eu, o que significa que ele pode

parecer muito mais jovem do que realmente é. Todo mundo ouve

respeitavelmente quando ele começa a falar.

— Estamos reunidos aqui hoje em honra aos nossos caídos —

Loridas diz, sua voz se espalhando pela câmara inteira. — Nossa última

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195

tentativa de melhorar nossa relação diplomática com os mogadorianos foi

rejeitada. Violentamente. Parece que os mogadorianos apenas aceitaram

nossa delegação em seu planeta para que pudessem assassiná-los.

Durante a batalha, nossos Gardes foram capazes de paralisar suas

capacidades interestelares, o que irá mantê-los confinados em seu

planeta por algum tempo. Nós ainda acreditamos que há aqueles dentre

os mogadorianos que valorizam a paz sobre a guerra, mas a sociedade

deles deve chegar a essa conclusão sozinha. Nós, Anciãos, vimos que

futuros envolvimentos com Mogadore serão prejudiciais para ambas

espécies. Portanto, todo e qualquer contato com Mogadore está proibido

até nova ordem.

Loridas pausa por um momento. Ele olha para as duas cadeiras

vazias ao redor da mesa e uma expressão muda as linhas de seu rosto.

De repente ele parece muito, muito mais velho.

— Nós perdemos muitos irmãos e irmãs durante esta última batalha,

incluindo dois Anciãos — Loridas continua. — Seus nomes, que há muito

tempo foram escolhidos para se tornarem Anciãos, eram Zaniff e

Banshevus. Eles serviram este conselho com lealdade por muitas

décadas, pastoreando nosso povo através dos tempos de guerra e dos

tempos de paz. Vamos refletir sobre eles nos próximos dias. Entretanto,

as cadeiras de Setrákus Ra e do nosso líder, Pittacus Lore, não devem

permanecer vazias. Nós seguimos em frente, como os lorienos sempre

fazem, e sabemos que não sofremos apenas perdas em Mogadore.

Também fizemos heróis. Deem um passo à frente, vocês dois.

Quando Loridas comanda, meu avô e seu amigo dão um passo à

frente, em direção à mesa. O garoto loiro se permite um sorriso e

assente para todas as pessoas amontoadas na câmara. Por outro lado,

meu avô, alto e magro como será centenas de anos depois, parece

dificilmente estar ciente do que está acontecendo. Ele parece assustado.

— As ações rápidas de vocês, com seus Legados fortes e

poderosos salvaram muitas vidas em Mogadore — Loridas diz. — Nós,

os Anciãos, temos visto há tempo o potencial de vocês e sabemos bem

as grandes coisas que realizaram para com o nosso povo. Portanto, é

nesse dia que nós oferecemos esses dois lugares vazios e damos boas-

vindas a vocês como Anciãos Lóricos, para servirem e protegerem

Lorien, seu povo e a paz. Vocês aceitam esses postos sagrados e juram

colocar as necessidades de seu povo acima de quaisquer outras?

O homem loiro assente com a cabeça, conhecendo sua parte na

cerimônia.

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196

— Eu aceito — ele fala.

Meu avô, perdido em seus pensamentos, não diz nada. Depois de

um momento de um estranho silêncio, seu amigo o cutuca.

— Sim — Setrákus Ra diz, assentindo também. — Eu aceito.

Anos depois, o homem loiro corre pelo corredor de uma casa

modesta. Cacos de vidro se desmancham em baixo de seus pés. O lugar

está uma bagunça. Mesas estão viradas, fotos emolduradas foram

derrubados das paredes, vasos de vidros estilhaçados em milhões de

pedaços.

— Celwe? — ele grita. — Você está bem?

— Aqui — uma voz trêmula de mulher responde.

Ele corre através da porta dupla de bambu para dentro de um quarto

iluminado, a linda praia de antes agora visível pelas janelas abertas.

Esse quarto está tão bagunçado quanto o resto da casa. A cama está

virada de cabeça para baixo, as prateleiras de livros derrubas e seu

conteúdo espalhado, e até mesmo as tábuas de madeira do chão estão

desiguais. É como se alguém tivesse tido um ataque de raiva telecinético

aqui.

Olhando pela janela está a mulher de cabelos ruivos encaracolados

que há muitos anos atrás dançava pela noite na praia. Celwe.

Abraçando a si mesma, ela não se vira quando o homem entra no

quarto.

— Eu o conheci bem ali fora — Celwe diz, gesticulando para a praia.

— Ele era tão tímido. Sempre no seu próprio mundo. Ainda fico surpresa,

algumas vezes, por ele ter tido coragem de se casar comigo.

— O que aconteceu aqui? — ele pergunta enquanto se aproxima

devagar.

— Nós tivemos uma discussão, Pittacus.

— Você e Setrákus?

Celwe bufa e se vira para encará-lo. O amigo de infância do meu

avô, o homem que deve ter se tornado o próximo Pittacus Lore. Seus

olhos estão vermelhos por ter chorado, porém ela parece ilesa.

— Ah, não o chame assim. Esse título não trouxe nada além de

problemas.

— É quem ele é agora — Pittacus responde seriamente. — É uma

grande honra.

Ela semicerra os olhos.

— Foi difícil o suficiente estar casada com um Garde. Nós

costumávamos conversar sobre ter filhos, sabe. Agora, depois dessa

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197

viagem à Mogadore, depois de ele ter se tornado um Ancião... eu mal o

vejo. Quando consigo, tudo o que ele fala envolve aquele projeto, aquela

obsessão dele.

Pittacus inclina a cabeça.

— Que projeto?

Celwe engole seco, talvez percebendo que falou demais. Ela se

afasta da janela e vai em direção à cama. Começa a empurrar o estrado

de madeira para longe do colchão para que ela possa desvirar a cama,

mas invés disso pensar melhor, olhando para Pittacus.

— Me ajuda, por favor?

Pittacus usa sua telecinesia para desvirar a cama, arrumando o

colchão ao mesmo tempo. Seu olhar nunca se desviou de Celwe.

— Tão fácil para você — ela murmura enquanto se senta na cama

recém-arrumada.

Pittacus se senta próximo à ela.

— No que Setrákus está trabalhando?

Ela respira fundo.

— É uma escavação. Nas montanhas. Eu não deveria... eu não sei

exatamente como explicar. O que ele faz lá... ele diz que faz por mim,

Pittacus. Como um presente — Celwe diminui o tom de voz. Há lágrimas

em seus olhos. — Mas eu não quero.

— Eu não entendi — Pittacus responde.

— Você deveria ver por si mesmo — ela diz. — Não conte... não

conte a ele que eu te disse.

— Você está com medo dele? — Pittacus pergunta, sua voz baixa.

— Ele te machucou?

— Ele não me machucou. Eu só estou assustada pelo o que ele

pode se tornar.

Celwe alcança as mãos de Pittacus e as aperta.

— Apenas faça com que ele venha para casa, Pittacus. Por favor.

Faça-o ver a razão e traga meu marido de volta para mim.

— Eu trarei.

Pittacus segue pelo céu, voando através das nuvens. Ele mergulha

na direção de uma cadeia de montanhas e, em seguida, dispara para

baixo em um abismo profundo, como uma versão maior do Grand

Canyon. Enquanto ele desce, paredes em cor de arenito salpicadas de

loralite estão por todo lado, e então Pittacus nota um conjunto maquinário

complexo e um gerador maciço abaixo dele. Alguém tem cavado

profundamente, como se o abismo já não fosse profundo o suficiente.

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198

O olhar de Pittacus muda, como o meu, para a peça do topo da

máquina no centro do perímetro da escavação. Vigas retorcidas de aço

aumentadas com circuitos piscantes e símbolos de loralite – se parece

com uma versão maior e menos refinada do canalizador que Setrákus Ra

desembarcou da Anubis.

Então é isso que Legado quis dizer quando disse que Setrákus Ra

já tinha tentado coletá-lo antes. Aqui é o início de tudo, séculos atrás.

O início do mergulho do meu avô na loucura.

Quando Pittacus pousa, um jovem lorieno em um avental de

laboratório vai até ele para cumprimentá-lo. Sua pele é estranhamente

pálida para um lorieno e ele se move de uma maneira análoga a um

robô, como se seus membros não estivessem mais em sincronia com

seu cérebro. Pittacus parece se surpreender pela aparência do jovem,

mas isso não tira seu foco.

— Onde está Setrákus? — ele pergunta.

— Ele está no Libertador — o jovem lorieno responde, apontando

para o canalizador. — Ele está esperando sua visita, Ancião Lore?

— Isso não importa — Pittacus responde, e marcha até o então

chamado Libertador. O lorieno pálido sai de seu caminho, porém Pittacus

hesita. Ele se volta para o jovem. — O que ele tem feito aqui? O que ele

fez com você?

— Eu... — o jovem hesita, como se não pudesse falar. Mas então,

ele ergue as mãos, se concentra e levita um punhado de rochas com sua

telecinesia. Parece um tremendo esforço para ele.

Pittacus inclina a cabeça, surpreso.

— Você é Garde? Por que eu não o conheço?

— Aí é que está — o garoto responde. — Eu não sou Garde. Não

sou ninguém.

Durante sua fraca demonstração telecinética, veias escuras

começam a pulsar na testa do jovem lorieno. Pittacus nota isso e se

aproxima para tocar o rosto do jovem. O jovem recua.

— É... é um trabalho em progresso — o garoto pálido diz. — Eu não

tive minha dose hoje.

— Dose — Pittacus sussurra sob sua respiração, mas então anda

propositadamente em direção à máquina Libertador.

Ele passa por vários outros assistentes pelo caminho, todos

igualmente com a pele pálida e assustadora. Posso sentir a raiva

crescendo dentro dele, ou talvez seja minha própria raiva, ou talvez seja

ambas.

Page 201: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

199

Estamos testemunhando algo legitimamente corrupto.

O Libertador está ligado. Ele emite o mesmo som agudo de

moagem que o canalizador que Setrákus Ra desembarcou da Anubis. Há

protuberâncias de loralite despejadas ao redor do perímetro de

escavação, como se os assistentes tivessem arrancado essas rochas da

terra para chegarem ao que está abaixo dela. Energia lórica é puxada do

chão e transferida para dentro de containers de vidro em forma de pílulas

enormes. Uma vez nos containers, a energia é processada – é atingida

por ondas de alta frequência e misturadas com explosões de gases

químicos em temperatura abaixo de zero, até que se solidifique de

alguma forma. Então, ela é agitada por um rolete envolto com pontas

afiadas antes de passar por uma série de filtros.

O resultado é a gosma preta com que Setrákus Ra é capaz de

encher um tubo de ensaio. Ele está no meio desse procedimento quando

Pittacus vai até ele.

— Setrákus!

Meu avô olha e sorri. Ele está orgulhoso. Há veias escuras correndo

debaixo de sua pele, também, e seu cabelo preto começou a cair.

Surpreendentemente, ele está animado por ver Pittacus e deixa de lado

seu trabalho torcido para cumprimentá-lo.

— Velho amigo — Setrákus Ra diz, se aproximando com os braços

abertos. — Quanto tempo? Se perdi outra reunião do conselho dos

Anciãos, diga a Loridas que sinto muito, mas...

Como forma de cumprimento, Pittacus agarra a gola da camisa de

Setrákus Ra e o empurra, pressionando-o contra uma das vigas de aço

do Libertador. Embora ele seja menor que Setrákus, consegue pegar o

homem grande de surpresa.

— O que é isso, Setrákus? O que você fez?

— O que você quer dizer? Me solte, Pittacus.

Pittacus põe as mãos em suas têmporas. Eu realmente desejaria

que ele não colocasse. Ele respira fundo, solta Setrákus e dá um passo

para trás.

— Você está minando Lorien — Pittacus diz, claramente tentando

juntar as peças em sua cabeça olhando para o perímetro de escavação.

— Você... o que você fez com essas pessoas?

— Com os voluntários? Eu os ajudei.

Pittacus balança a cabeça.

— Isso é errado, Setrákus. Isso parece... parece que você

contaminou nosso mundo.

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200

Setrákus ri.

— Ah, não seja dramático. Isso o assusta apenas porque você não

compreende.

— Me explique, então! — Pittacus grita, e uma pequena chama

irrompe nos cantos de seus olhos.

— Por onde começar... — Setrákus diz, passando a mão em sua

cabeça. — Nós estávamos juntos em Mogadore. Você viu o ódio que os

mogs têm por nós. A selvageria. Qual benefício poderia algum dia prover

daquele lugar?

— Levará tempo — Pittacus fala. — Um dia, os mogadorianos vão

escolher a paz. Loridas acredita nisso, então eu também.

— Mas e se eles não escolherem? Eles não estão colocando em

risco apenas o nosso modo de vida, mas sim toda a galáxia. Por que

devemos contê-los e esperar uma melhora em sua mentalidade quando

podemos simplesmente acelerar sua evolução? E se os mogadorianos

que escolhermos, aqueles que virmos como aliados pacíficos – e se

pudéssemos dar Legados à eles? Transformá-los em Gardes? Líderes

dentre o povo deles, capazes de extinguir a guerra e a periculosidade?

Nós poderíamos mudar o destino de uma espécie inteira, Pittacus.

— Não somos deuses — Pittacus responde.

— Quem disse?

Um momento de silêncio se passa. Pittacus dá um passo para trás

de seu velho amigo.

— É tudo em que eu pensava desde que retornamos de Mogadore

— Setrákus continua. — Não apenas os mogadorianos. Nós

também. Todos nós. Os lorienos. Por que existem os Gardes e os

Cêpans? Nós temos paz, sim, mas a que preço? Um sistema de

linhagem onde nossos líderes decidem dentre os quais foram ou não

sortudos o suficiente para ter nascido com Legados? Nós, Anciãos,

sentamos ao redor de uma mesa que se lê “unidade” – mas como somos

iguais?

— É como Lorien deseja...

Setrákus ri amargamente.

— Natureza, destino, sorte. Somos mais do que esses conceitos

imaturos, Pittacus. Nós controlamos Lorien, não ao contrário. Você, eu,

todos – nós poderíamos escolher nosso próprio destino, nossos próprios

Legados. Minha esposa, ela poderia...

— Celwe ficaria indignada com isso e você sabe — Pittacus diz. —

Ela está preocupada com você.

Page 203: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

201

— Você... você falou com ela?

— Sim. E vi a bagunça que você fez em sua casa.

As sobrancelhas de Setrákus Ra se erguem, boquiaberto, quase

como se ele tivesse sido atingido por um tapa. Eu meio que espero que

ele comece a gritar com Pittacus no tom arrogante que com frequência

usava comigo enquanto eu estava abordo da Anubis.

Posso ver a arrogância que conheço bem em sua expressão, mas

também algo a mais. Ele não foi longe o suficiente ainda.

Competindo com os delírios de grandeza de meu avô, há uma

pequena dose de vergonha.

— Eu... eu perdi o controle — Setrákus Ra fala após um momento.

— Você perdeu um monte de coisas e perderá mais se não parar

com isso — Pittacus responde. — Talvez nosso mundo não seja perfeito.

Talvez possamos fazer mais, Setrákus. Mas isso... isso não é a resposta.

Você não está ajudando ninguém. Está deixando-os doentes e torturando

a mãe natureza do nosso mundo.

Setrákus mexe a cabeça.

— Não. Não estou... isso é progresso, Pittacus. Algumas vezes, o

progresso precisa ser doloroso.

A expressão de Pittacus se torna dura. Ele se vira em direção ao

Libertador e observa o fluxo constante de energia lórica sendo sugada de

graça do núcleo do planeta. Ele toma sua decisão rapidamente. Fogo

toma conta de suas mãos e braços.

— Vá para casa e para Celwe, Setrákus. Tente esquecer essa

loucura. Eu vou... limpar o que você fez aqui.

Por um momento, Setrákus parece considerar. Torço por ele, de

verdade. Eu gostaria que ele percebesse que Pittacus está certo, desse

as costas para sua máquina e voltasse para a minha avó.

Mas eu já sei como tudo isso irá acabar.

A expressão de meu avô se torna obscura e as chamas intensas

crescentes de Pittacus são de repente extintas.

— Eu não posso permitir que faça isso — ele diz.

A Câmara dos Anciãos está vazia agora, exceto por Pittacus e

Loridas. O Garde mais jovem se afunda em sua cadeira alta, com o rosto

machucado e os dedos entrelaçados. O Garde mais velho fica do outro

lado da mesa, inclinando-se sobre um objeto brilhante, trabalhando no

que quer que seja com suas mãos nodosas.

— Eu não concordo com a decisão deles — Pittacus fala.

Page 204: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

202

— Nossa decisão — Loridas o corrige, gentilmente. — Você teve um

voto. Todos os outros nove também.

— Execução foi longe demais. Ele não merece isso.

— Ele era seu amigo — Loridas responde. — Mas não é mais

aquele homem. Seus experimentos poderiam ter corrompido todas as

nossas formas de vida. Eles pervertiam tudo o que é puro em Lorien.

Não pode ser permitido a continuar. Ele deve ser removido inteiramente.

Apagado de nossa história. Até mesmo o seu assento de Ancião não

deve ser preenchido, ele também o danificou. Sua malignidade não pode

ser autorizada a formar raízes e se espalhar.

— Eu ouvi tudo isso quando fomos convocados, Loridas.

— Se o entedia, então por que ainda está aqui?

Pittacus expira profundamente. Ele olha para suas mãos.

— Nós crescemos juntos. Você nos nomeou Anciãos juntos. Nós...

— sua voz está trêmula e ele para e se acalma. — Eu quero ser aquele

que fará.

Loridas prende o olhar com Pittacus. Satisfeito que o jovem homem

está sério, ele assente.

— Pensei que gostaria.

Loridas usa seu Aeternus, suas expressões lentamente mudando

até que ele pareça bem mais jovem. Pittacus o observa com uma

sobrancelha levantada.

— Ele tirou seus Legado na última vez que o viu — Loridas diz. —

Conseguiu fazê-lo recuar.

— Não vai acontecer novamente — Pittacus responde, sua voz

aumentando.

— Mostre-me.

Pittacus foca em Loridas. Um momento depois, a pele no rosto de

Loridas se torna flácida e enrugada, seus fios de cabelo retrocedem

drasticamente e seu corpo definha dentro de seu traje cerimonial. Ele

parece muito mais velho do que antes e rapidamente percebo que esta é

sua verdadeira aparência. De alguma forma, Pittacus acabou de retirar o

Legado dele.

— Ótimo — Loridas diz, sua voz ríspida. — Agora devolva ao velho

homem sua dignidade.

Com um aceno de mão, Pittacus restaura os Legados de Loridas. O

Ancião muda de forma novamente, ainda velho, porém não tão

desconsertadamente.

— Quantos Legados você dominou com seu Ximic, Ancião Lore?

Page 205: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

203

Pittacus coça sua nuca, parecendo modesto.

— Com o Dreynen, setenta e quatro. Nunca me incomodei em

aprendê-lo antes. Jamais pensei que iria usá-lo.

Dreynen, esse é meu Legado, um dos poucos que compartilho com

meu avô, o que nos permite retirar temporariamente os Legados alheios

com o toque ou carregando projéteis.

— Impressionante — Loridas responde, voltando sua atenção para

os objetos espalhados na mesa a sua frente. — Ximic é o nosso Legado

mais raro, Pittacus. A habilidade de copiar e dominar qualquer Legado

que observar. Não é um dom que se usa levianamente.

— Meu Cêpan costumava me dar lições sobre isso — Pittacus

responde. — Entendi a responsabilidade que vem com o poder. Tento

viver minha vida com isso em mente.

— Sim, e nós tivemos sorte que esse Legado tenha escolhido você

e não outra pessoa. Imagine, Pittacus, se seu amigo Setrákus

encontrasse uma maneira de duplicar esse Legado. Torná-lo dele. Ou

dá-lo para quem ele escolher.

Pittacus range os dentes.

— Eu não vou permitir que isso aconteça.

Loridas segura o objeto que esteve trabalhando. Parece uma corda,

com exceção de que o material trançado não se parece com nada que já

vi na Terra. É grosso e forte, com mais ou menos seis metros de

comprimento, com uma ponta enrolada em um laço complexo. A parte do

laço da corda foi moldada e endurecida, com uma ponta afiada. Loridas

demonstra apertando laço, e quando o faz, a borda letal faz o som do

movimento de uma espada.

Pittacus observa.

— Um pouco antigo, não acha?

— Já faz séculos e você é jovem, mas é assim que punimos a

traição. Algumas vezes, os meios antigos são os melhores. É feito a

partir da árvore Voron, uma planta quase tão rara quanto você. Os

ferimentos causados pela Voron não podem ser curados por Legados —

Loridas gesticula para Pittacus. — Venha. Deixe-me pegar seu Dreynen

emprestado.

Pittacus dá a volta na mesa e põe suas mãos nos ombros de

Loridas. Eu não consigo ver o que acontece, mas posso perceber –

Legado pode perceber – que Pittacus usa um Legado de transferência

igual ao de Nove, permitindo com que Loridas use seu Dreynen. Loridas

Page 206: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

204

se concentra no laço. Ele começa a emitir um fulgor carmesim fraco,

exatamente como quando eu carrego um objeto com meu Legado.

— Você terá isso carregado com Dreynen agora, para o caso de ele

retirar seus Legados antes que você possa retirar os dele — Loridas

explica, balançando cautelosamente a ponta afiada do laço. — Encoste

isso nele e...

— Eu sei como funciona — Pittacus interrompe.

— Será rápido, Pittacus.

Pittacus pega a corda de Loridas, tomando cuidado para não tocar

no laço carregado. Ele aperta a corda com firmeza, sua expressão

determinada.

— Eu sei o que devo fazer, Loridas.

E nós – aqueles que estão assistindo do futuro – sabemos que ele

ferrou com tudo.

Setrákus rasteja através do chão do cânion, com manchas de

sujeira e cinzas, seu rosto e cabeça cobertos de pequenos cortes. Ao

fundo, um grupo de Gardes comanda o lançamento de todos os tipos de

elementos diferentes no Libertador. A máquina cospe nuvens enormes

de fumaça preta quando começa a desmoronar. Os corpos de seus

assistentes estão amontoados no chão. Entretanto, eles não foram

mortos pela Garde. Não, alguma coisa sinistra e escura vaza pelos poros

deles até na morte.

— Não fui eu quem enlouqueci... — Setrákus diz, cuspindo sangue

na terra enquanto se arrasta para longe do seu perímetro de escavação.

Ele não olha para trás quando sua máquina explode, embora uma

expressão parecida com dor física se espalhe através de seu rosto. — O

resto de vocês, todos vocês – vocês que estão errados. Vocês não

compreendem o progresso.

Pittacus segue logo atrás de Setrákus. O laço balança em suas

mãos. Seu queixo forte está estabilizado e determinado, mas seus olhos

estão brilhantes.

— Por favor, Setrákus. Pare de falar.

Setrákus sabe que ele não pode escapar, então para de rastejar.

Ele rola e fica de costas para o chão, e olha para cima, na direção

de Pittacus.

— Como eu posso estar errado, Pittacus? — Setrákus pergunta,

sem fôlego. — A própria Lorien me deu o poder de dominar outros

Gardes, de retirar temporariamente os Legados deles. Esse é a forma do

planeta dizer que me quer no controle.

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205

Pittacus balança a cabeça e para em frente a seu amigo.

— Ouça a si mesmo. Primeiro você rebaixa a forma com que Lorien

distribui aleatoriamente os Legados, e agora prega que seus Legados

são o destino. Eu não sei qual pensamento acho mais perturbador.

— Nós poderíamos reinar juntos, Pittacus — Setrákus implora. —

Por favor. Você é como um irmão para mim!

Pittacus engole em seco. Com sua telecinesia, ele laça a corda ao

redor do pescoço de Setrákus. Ele se abaixa em direção ao seu amigo

Ancião, sua mão sobre espesso nó da corda que vai apertar o laço.

— Você foi longe demais — Pittacus diz. — Sinto muito, Setrákus.

Mas o que você fez...

Pittacus começa a apertar o laço. Ele deveria fazer isso

rapidamente, mas não pode acelerar, não ainda. A parte afiada encosta

no pescoço de Setrákus. Meu avô engasga em dor, porém ainda não

reagiu. De repente há um olhar de sabedoria nele, de renúncia. Setrákus

se inclina para trás. A ponta afiada perfura ainda mais sua pele. Ele olha

para o céu.

— Haverá duas luas hoje à noite — ele diz. — Elas dançarão na

praia como costumávamos fazer, Pittacus.

Sangue escurece o chão abaixo de meu avô. Ele começa a chorar,

então fecha os olhos para esconder as lágrimas.

Pittacus não consegue continuar. Ele retira o laço do pescoço de

Setrákus, o joga para o lado e se levanta. Entretanto, ele não olha nos

olhos de Setrákus. Ao invés disso, segue na direção do Libertador e da

área de pesquisa de Setrákus, observando o lugar inteiro enquanto ele é

queimado. Ele acredita com seu coração que isso significa o fim.

Ele ainda vê seu velho amigo ali, jazendo no chão. Não conhece o

monstro no qual ele irá se tornar.

O Libertador é extenso. Ninguém nota quando Pittacus usa sua

telecinesia para arrastar um dos corpos dos assistentes mortos de

Setrákus em direção à eles. Enquanto Setrákus observa, com os olhos

arregalados, Pittacus usa seu Lúmen para queimar o corpo até que ele

fique chamuscado e irreconhecível. Quando termina, Pittacus desvia o

olhar.

— Você está morto — Pittacus diz. — Saia daqui. Nunca retorne.

Talvez algum dia, você encontre uma forma de restaurar o dano que

causou, aqui e dentro de você. Até esse dia chegar... adeus, Setrákus.

Pittacus leva o corpo queimado com ele e deixa Setrákus lá no

chão. Ele fica perfeitamente parado, deixando o sangue escorrer do

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206

ferimento circular causado pela ponta afiada da corda em seu pescoço

pálido. Eventualmente, ele limpa as lágrimas dos olhos.

Então, Setrákus sorri.

Nós nos demoramos no cânion enquanto os anos passam. As

cinzas da batalha foram sopradas para longe, as marcas do fogo

desaparecendo com a luz do sol. Os restos da máquina de Setrákus Ra

erodiram, engolidas pela poeira vermelha e pelo vento que sopra através

das montanhas.

Todo ano, quando há duas luas no céu, Pittacus Lore retorna para

cá. Olha para os destroços do Libertador e considera o que fez.

O que ele quase fez. Ou o que não fez.

Quantos anos se passaram assim? É difícil dizer. Pittacus nunca

envelhece graças a seu Aeternus.

E então, um dia, enquanto Pittacus estava parado no mesmo lugar

onde deveria ter matado meu avô, uma nave horrível em forma de inseto

corta o pôr-do-sol no céu e voa em sua direção. Parece com uma versão

mais antiga dos Skimmers mogadorianos que vi tantas vezes. Enquanto

a nave pousa em sua frente, Pittacus acende chamas em uma das mãos,

enquanto a outra está envolta em uma bola de gelo afiada.

A porta da nave se abre e Celwe aparece. Ao contrário de Pittacus,

ela envelheceu. Seu antigo cabelo encaracolado agora está grisalho, seu

rosto enrugado.

Pittacus arregala os olhos quando a vê.

— Olá, Pittacus — ela diz, colocando para trás os fios de cabelo. —

Você não envelheceu um dia.

— Celwe — Pittacus respira, sem palavras. Ele a pega em seus

braços, ela retribui o abraço que dura por um longo momento.

Eventualmente, Pittacus fala. — Eu nunca pensei que a veria de novo.

Quando Setrákus Ra... quando ele... eu não esperava que você fosse

para o exílio com ele, Celwe.

— Eu fui criada da forma antiga – nós, lorienos, amamos para

sempre — Celwe responde, sem frieza.

Pittacus levanta ceticamente uma sobrancelha, porém não diz nada.

Ao invés disso, ele olha para trás de Celwe, em direção ao modelo

obsoleto de Skimmer.

— Essa nave. Ela é...?

— Mogadoriana — Celwe completa simplesmente.

— É lá que ele tem se escondido durante todos esses anos? Onde

vocês tem vivido?

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207

Celwe assente.

— Que lugar melhor do que um onde os Gardes estão proibidos de

ir?

Pittacus balança a cabeça.

— Ele deveria voltar. Já faz décadas. Os Anciãos o apagaram da

história, seu nome foi esquecido por todos, com exceção de nós. Eu

realmente acredito que depois de todos esses anos, os crimes dele

podem ser perdoados.

— Mas os crimes dele nunca pararam, Pittacus.

E então ele nota. As veias negras no pescoço de Celwe. Pittacus dá

um passo para trás, sua expressão enrijecendo.

— Por que você retornou agora, Celwe?

Em resposta, Celwe se volta para o Skimmer.

— Venha até aqui — ela chama e, um momento depois, uma tímida

garota, com não mais de três anos, desce pela entrada da nave. Ela tem

os cabelos encaracolados de Celwe e as feições de Setrákus Ra, e então

de repente eu me lembro da carta de Crayton. Setrákus Ra pode me

chamar de neta, mas na verdade eu sou sua bisneta. Não há como negar

agora – não apenas porque Legado sabe, mas porque eu me reconheço

nela – essa criança que vai crescer e dar à luz a Raylan, meu pai.

— Essa é Parrwyn — Celwe diz. — Minha filha.

Pittacus encara a criança.

— Ela é linda, Celwe. Mas... — ele olha para o rosto velho em sua

frente. — Me desculpe, mas como isso é possível?

— Sei que estou velha para ser mãe — Celwe responde, com um

olhar distante. — A fertilidade é a especialidade de Setrákus Ra agora.

Fertilidade e genética, para ajudar a elevar os mogadorianos. Eles o

chamam de Adorado Líder — ela ri disso, balançando a cabeça. —

Mesmo assim, ele não queria ver sua filha crescer no meio deles. Então

aqui estamos.

Parrwyn dá um passo apreensivo, escondendo-se atrás das pernas

de sua mãe. Pittacus Lore se agacha, gesticula suas mãos sobre as

pedras sem vida do Canyon e faz com que uma única flor azul floresça

do arenito. Ele a pega e entrega para Parrwyn. A garota sorri.

— Eu cuidarei da sua proteção aqui — Pittacus diz para Celwe, sem

olhar para ela, mas para a filha. — Você pode viver uma vida normal.

Mantê-la salvo. Não conte a ela sobre... sobre ele.

Celwe assente.

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208

— Ele vai voltar um dia, Pittacus. Você sabe disso, certo? Com

exceção de que não será como você imagina. Ele não virá procurando

perdão.

Pittacus toca sua garganta, passando uma mão no local onde a

cicatriz de Setrákus Ra está.

— Eu estarei pronto para ele — Pittacus diz.

Ele não estava.

A visão acaba e a escuridão retorna. Há explosões da energia lórica

ao meu redor. Mais uma vez, estou flutuando no espaço aconchegante

que é o Legado.

— O que agora? — pergunto. — Por que você nos mostrou isso?

Para que vocês soubessem, a voz responde gentilmente. E

sabendo, agora conhecerão.

— Quem nós conheceremos?

Todos.

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209

Capítulo vinte e um

ACORDO EM UMA BIBLIOTECA, COM O ROSTO EM UM CARPETE MACIO,

CERCADO DE todos os lados por cadeiras confortáveis.

“Acordar” provavelmente não é o termo certo, na verdade. Tudo tem uma

imprecisão nas bordas, inclusive meu próprio corpo. Posso dizer que ainda

estou no estado de sonho que Ella criou, com exceção de que não estou mais no

modo telespectador. Eu posso me mover e interagir com a sala, mesmo

sabendo que não sei que diabos eu deveria fazer agora.

Eu me levanto e olho em volta. A iluminação aqui é branda e as paredes

estão cobertas com estantes e livros de couro, todos os títulos nas lombadas

escritos em lórico. Normalmente esse seria o tipo de lugar que eu não me

importaria de explorar, exceto que de volta ao mundo real há um mogassauro

vindo na minha direção e na dos meus amigos.

Ella me assegurou de que ficaríamos bem. Porém isso não significa que

estou contente em me sentar em uma biblioteca astral esperando para ver o

que acontece em seguida.

— Cara, alguém dá um lencinho umedecido para aquele frutinha do

Pittacus Lore.

Eu me viro e encontro Nove parado no meio da sala onde não havia nada

além de um espaço vazio minutos atrás. Ele assente para mim.

— Do que você está falando?

— Você viu aquilo também, né? A história da vida de Setrákus Ra?

Eu assinto.

— Aham, eu vi também.

Nove me olha como se eu fosse um idiota.

— O cara deveria ter matado Setrákus Ra quando teve a chance ao invés

de ficar todo sentimental na situação. Qual é.

— Não sei — eu respondo, em voz baia. — Não é fácil ter a vida de alguém

em suas mãos. Ele não tinha como saber o que aconteceria.

Nove bufa.

— Que seja. Eu estava gritando para ele matar aquele pateta, mas ele não

ouvia. Obrigado por nada, Pittacus.

Para falar a verdade, não estou preparado para processar a visão,

especialmente com os comentários de Nove. Eu queria poder reproduzir

novamente para ter tempo de examinar minuciosamente meu planeta natal da

forma que era séculos atrás. Mais do que nunca, eu queria poder ver mais

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210

daquele Legado Ximic. Nós ouvimos sobre histórias do quão poderoso Pittacus

Lore era, sobre como ele tinha todos os Legados. Acho que foi assim que ele

conseguiu. Vendo-o usar o Ximic, me fez pensar sobre quando desenvolvi meu

Legado de cura. Aconteceu durante uma situação desesperadora: apenas

quando eu tentava salvar a vida de Sarah o Legado se manifestou. E se não fosse

um Legado de cura que se manifestou, afinal de contas? E se fosse meu Ximic se

manifestando quando eu realmente precisei e apenas não fui capaz de

descobrir como usá-lo para nada mais além de cura desde então?

Balanço minha cabeça. É bobeira esperar algo assim. Eu não posso querer

melhorar meus Legados da mesma forma que Nove não pode desejar mudar o

passado. Temos que vencer esta guerra com o que nos foi dado.

— O que foi feito está feito — digo para Nove, franzindo a testa. — O que

importa é que paramos Setrákus Ra. Essa era a nossa missão.

— Aham. Eu também gostaria de evitar ser engolido por aquele

monstrengo gigante lá em Nova York — Nove observa, olhando em volta.

Ele não parece estar enlouquecendo por causa do estado de sonho. Ele

segue o fluxo.

— Ugh, livros. Você acha que algum desses livros fala sobre como matar

aquele Godzilla?

Olho em volta também, mas não para os livros. Estou procurando por uma

saída. Esta sala não parece ter qualquer tipo de porta. Estamos presos aqui. Ella,

a Entidade Lórica, quem quer esteja no comando disso – eles não terminaram

conosco ainda.

— Acho que estamos em algum tipo de sala de espera psíquica — falo para

Nove. — Não tenho certeza de para quê.

— Legal — Nove responde, se jogando em uma das cadeiras. — Talvez eles

vão nos mostrar outro filme.

— O que você acha que aconteceu com Sam e Daniela? Eu os vi

desmaiando ao mesmo tempo que nós.

— Não faço a menor ideia — Nove diz.

— Você deveria pensar que nós acabaríamos no mesmo lugar.

— Por quê? — Nove pergunta. — Você acha que há lógica em qualquer

operação alucinatória compartilhada telepaticamente?

— Não — admito. — Acho que não.

— Então, você acha que Ella está fazendo tudo isso, certo? Estou captando

uma total vibe Ella.

— Sim — confirmo, assentindo em consentimento.

Nove está certo. Eu não tenho certeza de como estamos na projeção

psíquica de Ella, eu apenas sei. É intuição.

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211

Nove assobia.

— Droga, cara. A garota teve um melhoramento monstro. Eu meio que

sinto que estamos ficando frouxos. Quero poder copiar alguns Legados como

seu irmão Pittacus. Ou pelo menos arrumar aquela corda com a ponta afiada.

Suspiro e balanço a cabeça, um pouco envergonhado por ouvir Nove dizer

em voz alta o que eu estava pensando. Eu mudo de assunto.

— Precisamos encontrar uma maneira de sair daqui.

Nove me olha com uma expressão engraçada, então eu me viro e sigo em

direção a uma das estantes de livros. Começo a puxar os livros das prateleiras,

pensando que talvez eu abra algum tipo de passagem secreta. Nada acontece e

Nove ri de mim.

— Não deveríamos estar sentados por aí — eu digo, olhando para ele.

— Cara, o que mais podemos fazer? Você sabe o tanto que tentei matar o

jovem Setrákus Ra enquanto estávamos assistindo aquela projeção? Muitas

vezes — Nove soca uma de suas mãos na palma da outra, e então se arrepia. —

Mas, sabe, eu não tinha nem braços e nem pernas. Não podemos fazer nada

agora. Então vamos apenas relaxar. Estive lutando por dias e mesmo nessa

cadeira, tipo, que é um fragmento da minha imaginação, eu me sinto

confortável para caramba.

Desisto de puxar os livros da parede e volto para o centro da sala.

Ignorando Nove, inclino minha cabeça e grito para o teto.

— Ella? Você pode me ouvir?

— Você parece estupidamente idiota agora — Nove comenta.

— Eu não sei porque você ainda está sentado aí — eu digo, encarando-o.

— Agora não é hora para relaxar.

— Agora é a hora perfeita para relaxar — Nove responde, olhando para

um relógio de pulso imaginário. — Vamos voltar para quase sermos mortos

assim que Ella nos mostrar a droga da profecia maluca que ela teve.

— Eu concordo com Nove.

Eu me viro para a voz e encontro Cinco parado de pé a alguns metros de

distância, recentemente manifestado em nossa pequena sala. Ele morde seus

lábios e se dá de ombros para mim, como se ele não estivesse feliz em nos ver

também. Mesmo nesse mundo dos sonhos, Cinco ainda está caolho. Pelo menos

o local está coberto com um tapa-olho normal ao invés daquela gaze suja que

ele ostenta no mundo real.

— Que diabos você está fazendo aq...?

Há um grito de guerra gutural atrás de mim e então Nove passa por mim

num borrão. Ele ergue os ombros e segue com as mãos esticadas na direção do

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212

pescoço de Cinco. Por alguma razão, Cinco não esperava ser atacado à primeira

vista e mal tem tempo de se proteger antes que Nove o alcance.

Exceto que, desta vez, Nove não o acerta. Ele passa através de Cinco e

acaba com sua cara no meio de uma pilha de livros que retirei das prateleiras.

— Filho da mãe! — Nove grunhe.

— Huh — Cinco diz, olhando para seu peito, que com certeza parece sólido

o suficiente para ser atingido.

— Não pode haver violência por aqui.

Todos voltamos nossos olhares para perto da parede dos fundos, onde um

vão de porta acabou de se manifestar. No meio dele há um homem de meia

idade com um corpo modulado, seu cabelo castanho ficando branco nas pontas.

Ele parece exatamente da mesma forma que eu me lembro.

— Henri?! — exclamo.

Ao mesmo tempo, Nove grita:

— Sandor?! Que diabos?

Cinco não diz nada. Ele simplesmente olha para o homem no vão da porta,

seus lábios curvados em um sorriso sarcástico.

Nove e eu trocamos um olhar rápido. Leva apenas alguns segundos para

perceber que estamos vendo pessoas diferentes. Se realmente é Ella quem está

controlando essa terra dos sonhos, ela deve ter puxado alguém de nosso

subconsciente com o qual nos sentimos confortáveis. Exceto que, na realidade,

não parece ter funcionado com Cinco. Ele mantém os punhos cerrados, como se

fosse se atirar para frente a qualquer momento. E não posso evitar sorrir ao ver

Henri, mesmo sabendo que esse momento é passageiro.

— Você é... você é real? — pergunto, me sentindo idiota por fazer essa

pergunta.

— Eu sou tão real quanto uma memória, John — Henri responde.

Quando ele fala, vejo um pequeno brilho dentro de sua boca, a mesma

energia que Setrákus Ra estava minando de Lorien. É similar à descrição que

Seis fez do seu breve encontro em grupo com a reencarnação de Oito. Eu não

acho mais que seja apenas Ella controlando essa projeção telepática. Ela está

tendo ajuda de alguma coisa superpoderosa.

— Me desculpe por ter explodido a cobertura — Nove diz. Ele pausa

esperando uma resposta, e então diz: — Sim, tudo foi totalmente culpa do

Cinco, você tem razão.

Olho primeiro para Nove, e depois para cinco, que ainda não disse nada,

porém parece estar ouvindo intensamente, e finalmente me volto para Henri.

Nós não podemos ver ou ouvir o visitante do outro, apenas o nosso.

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213

— O que você...? — estou prestes a perguntar a Henri o que ele faz aqui,

mas penso melhor. Ele estar aqui faz tanto sentido quanto qualquer outra coisa.

Há perguntas muito mais importantes que precisam ser respondidas. — O

que estamos fazendo aqui?

— Vocês estão aqui para encontrar os outros — Henri responde, e então

se vira e anda em direção ao vão da porta que não estava lá segundos atrás. Ele

gesticula para seguirmos.

— Que outros?

— Todos eles — Henri diz, e então sorri para mim da mesma forma

frustrante que ele costumava fazer. — Lembre-se, John. Você terá apenas uma

chance para passar uma boa primeira impressão. É melhor aproveitá-la.

Eu não sei do que ele está falando, mas o sigo de mesmo assim. Ele é meu

Cêpan, afinal. Mesmo manifestado nesse estado de sonho maluco, ele ainda

parece real. Eu confio nele. Nove segue para a porta também, seguindo a versão

de Sandor que não posso ver, conversando sobre o Chicago Bulls. Cinco

invejosamente segue a alguns passos atrás, ainda em silêncio.

Quando chego perto dele, Henri coloca as mãos em meus ombros. Ele

abaixa sua voz, mesmo sabendo que os outros não podem ouvi-lo, como se ele

estivesse me contando um segredo.

— Comece com aqueles que você sentiu, John. Eles serão mais fáceis.

Lembre-se de como era. Visualize.

Eu encaro Henri, incerto da maluquice que ele está falando. Em resposta

ao meu olhar, ele sorri daquela maneira novamente. Me dando dicas, me

fazendo pensar sozinho nos detalhes. À moda Henri. Sei que isso me faz mais

forte e mais inteligente durante a caminhada, mas mesmo assim me irrita.

— Eu não entendi o que você quis me dizer — falo.

Henri dá palmadinhas nos meus ombros, e então começa a descer para

o hall.

— Você entenderá.

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214

Capítulo vinte e dois

ESTOU ME SENTINDO UM POUCO TONTA, EM GRANDE PARTE PELO FATO

DE QUE estou sendo guiada por um longo corredor por Katarina, minha

falecida Cêpan. Marina e Adam estão alguns passos atrás de mim. Não

tivemos muito para conversar quando “acordamos” em uma biblioteca

extravagante. Todos estavam espantados pelo o que acabamos de ver ou

pelo choque da terrível batalha da qual fomos transportados. De toda

maneira, não demorou muito até que Katarina viesse nos chamar.

Exceto que acredito que os outros não estão vendo Katarina.

Marina se dirigiu à pessoa nos guiando como Adelina e Adam está

propositalmente falando baixo, então não posso ouvir o que está dizendo.

Ambos estão tendo seus próprios diálogos. É como se estivéssemos juntos;

mas cada um em uma sintonia diferente.

A expressão de Adam é de culpa desde que acordamos aqui. Mas agora

ele se posicionou um pouco a frete de Marina, ficando mais próximo da

pessoa que vejo como Katarina. Marina e eu trocamos um olhar, ambas

querendo escutar o que eles estão conversando. Nos aproximamos de Adam.

— Eu fiz a coisa certa? — ele pergunta a quem quer que seja que a

Entidade-Ella se mostra para ele.

Não ouço a resposta que ele recebe. O que quer que a Entidade diz a

ele, tudo o que Adam faz é sacudir sua cabeça.

— Isso não muda o que eu tentei fazer, Um.

Ah! Eu sei o que ele está perguntando. Adam tentou matar Ella logo

antes... ok, antes de ela basicamente se matar. Eu também tenho minha

parcela de culpa, já que eu definitivamente não tentei impedi-lo. Eu estava

disposta deixar todo episódio de lado, como algo que aconteceu no calor da

batalha. Aparentemente, Adam não consegue fazer isso.

Nem Marina. Ele agarra o cotovelo de Adam, virando-o para poder

confrontá-lo. Se tratando de Marina, sei que essa raiva vem se acumulando já

por um tempo.

— O que você estava pensando?! — ela pergunta.

Quase acreditei que Marina começaria a irradiar sua aura de gelo. Mas

imagino que isso não aconteça aqui neste lugar, dentro da mente de Ella.

Mesmo assim, seu olhar mortal conseguiu o efeito desejado.

— Eu sei... — Adam responde com a cabeça baixa. — Eu perdi o

controle.

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215

— Você poderia ter matado Ella! — Marina rebate. — Você a teria

matado!

— Mas ele não matou... — eu digo, tentando manter a paz.

Ambos me ignoram.

— Eu não espero que você entenda — Adam fala, sua voz suave. — Eu

nunca, nunca realmente encontrei Setrákus Ra antes. Mas passei toda a

minha vida à sua sombra, sob seu polegar, um prisioneiro de suas palavras.

Quando tive a chance de matá-lo, de me libertar... Eu simplesmente não pude

evitar.

— Você acha que nós não queremos matá-lo? — Marina pergunta,

incrédula. — Ele tem nos caçado durante toda nossa vida. Mas nós sabíamos

que Ella teria morrido primeiro, então nós... nós nos controlamos.

— Eu sei — Adam responde, nem mesmo tentando se defender. — E

naquele mesmo momento me tornei o que sempre odiei. Eu terei que viver

com isso, Marina. Sinto muito, aconteceu.

Marina passa a mão pelo cabelo, não sabendo como responder a isso.

— Eu apenas... eu simplesmente não posso acreditar que ela se foi —

Marina fala depois de um momento. Eu não posso acreditar que ela se matou.

— Eu não acho que Ella se foi — digo a Marina, passando as mãos nas

paredes azuis no profundo de mármore do corredor que nos rodeia. — Acho

que ela tem algo a ver com a nossa situação atual, sabia? Eu vi muitos

relâmpagos lóricos saírem do corpo de Ella antes desmaiarmos.

Marina sorri apertado, olhando para mim agora, em vez de para Adam.

— Espero que você tenha razão, Seis.

— O encanto foi quebrado. Eu o testei antes de virmos para cá — falo,

lembrando com muita satisfação como me senti ao rachar a cabeça de

Setrákus Ra com uma pedra.

Marina aperta a ponte do nariz. É muito para se absorver, passar do

combate com Setrákus Ra a vê-lo como um lorieno normal e depois a isso.

— Ele...? Ele poderia estar matando gente agora?

— Não, ele sofreu o mesmo efeito do que quer que Ella tenha feito com

a gente, também. Mesmo assim, devemos criar um plano, porque tenho o

pressentimento de que uma vez que esta pequena viagem ao passado acabe,

estaremos de volta naquela bagunça.

Adam franze a testa, parecendo envergonhado.

— Eu estou mal. Acho que ele quebrou toda a minha cara.

— Eu vou te curar — Marina fala secamente. — Eu estava prestes a

fazê-lo de qualquer maneira.

— Bom, bom. E então vocês podem me ajudar a matar Setrákus Ra.

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216

Adam e Marina olham para mim.

— O quê? — pergunto. — Vocês acham que teremos uma chance

melhor? As tropas dele fugiram e ele está machucado, são três contra um...

— Não temos nossos Legados — aponta Marina. — Ele os drenou. Eu

terei que arrastar Adam para fora da cratera apenas para curá-lo.

Adam balança a cabeça, me estudando. Posso dizer que ele não tem

certeza se estou sendo louca ou se ele pensa que é um bom plano. De

qualquer maneira, noto a admiração em seu olhar.

— Não será três contra um de imediato, Seis. Será um contra um.

— Eu não me importo. Eu não vou desperdiçar essa chance — lhes digo.

Olho ao redor, desejando que eu pudesse descobrir um jeito de sair daqui. —

Assim que isto finalmente acabar, eu vou matá-lo.

Marina esquece sua raiva com Adam tempo suficiente para eles

trocarem um olhar rápido. Acho que posso soar um pouco louca. Durante

essa discussão, nós paramos de andar pelo corredor. Katarina, ou quem ou o

que quer que seja que tomou sua forma, percebe nosso atraso e para,

pigarreando com impaciência.

— Nós não temos muito tempo — ela diz no mesmo tom severo que

costumava usar quando eu realmente a incomodava. — Vamos lá.

Nós começamos a andar novamente. Marina chega perto de mim, se

encosta em meu ombro.

— Vamos apenas ter cuidado, tudo bem, Seis? — ela fala baixinho. — O

Santuário... talvez Ella... já perdemos muito hoje.

Eu assinto com a cabeça, sem responder. Marina foi quem quis ficar e

proteger o Santuário de Setrákus Ra em primeiro lugar. Mas agora que temos

uma chance real para matá-lo, ela está ficando com pé atrás.

Eventualmente, o corredor se abre para uma sala abobadada com uma

grande mesa circular que cresce diretamente para fora do chão. Katarina fica

de lado para nos deixar entrar e quando me viro para olhar para ela, ela

desapareceu.

A sala é uma réplica exata da Câmara dos Anciãos da visão que todos

nós compartilhamos. A única diferença é o mapa brilhante desenhado no

teto. Em vez de Lorien, ele retrata a Terra. Existem pontos brilhantes no

mapa em lugares como Nevada, Stonehenge e Índia – as localizações das

pedras de loralite. O local está vazio, mas um dos nove lugares ao redor da

mesa já está preenchido.

Lexa parece muito desconfortável sentada em uma das cadeiras de

espaldar alto. Ela tamborila os dedos sobre a mesa, obviamente, sem saber o

que deveria estar fazendo. Ela parece aliviada quando entramos no cômodo.

Page 219: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

217

— Não acho que eu deveria estar aqui — diz Lexa, levantando-se para

nos cumprimentar

— Eu sinto o mesmo — Adam responde, olhando para o e enorme

símbolo lórico no centro da mesa.

— Eu não sou uma Garde. Nunca sequer vi uma dessas reuniões até essa

coisa de visão. Vocês viram também, certo?

Todos acenamos com a cabeça.

— Se você está aqui, é por uma razão — diz Marina.

Lexa olha para mim.

— Eu ouvi as explosões da selva. Como o combate está indo?

Adam toca o rosto, onde Setrákus Ra o acertou, em seguida, vai em

direção a um dos lugares vazios. Tento descobrir a melhor maneira de dizer

Lexa sobre a nossa situação atual.

— Estamos sobrevivendo — respondo. — Nós empurramos os mogs de

volta e acho que nós temos uma chance real de matar Setrákus Ra. Se

sairmos daqui.

Lexa acena com a cabeça em aprovação.

— Claro que sim. Mesmo assim, estou mantendo os motores ligados.

Em caso de necessidade de fuga.

— Podemos muito bem precisar — Marina diz, me lançando um olhar.

— Você foi a que queria ficar e lutar em primeiro lugar, Marina. Agora

nós temos que terminar isso.

— Mas você não entende, Seis? O conhecimento é o que precisávamos.

Nós sabemos o que Setrákus Ra quer e sabemos como pará-lo. O encanto foi

quebrado. Ella destruiu seu aparelho para que ele não possa sugar mais da

Entidade. Apenas estar aqui — Marina gesticula, mostrando a sala. — Isto é

uma vitória. Adam está ferido, Ella está... não sabemos, e estou convencida

de que Sarah, Mark e Bernie Kosar não serão capazes de nos dar cobertura

para sempre. Talvez nos retirar seja o mais sábio a fazer. Ella nos disse que

deveríamos correr. Correr ou...

— Oh, agora você concorda com ela — devolvo, balançando a cabeça.

— Olha, eu não sei o que você aprendeu com essa visão, mas se aprendi uma

coisa, é que Pittacus Lore deveria tido a coragem de matar Setrákus Ra

quando ele teve a chance.

— Boom. Está vendo, Johnny? Seis concorda comigo!

John e Nove entram na sala a partir de uma passagem lateral. Apesar de

tudo, não posso deixar de sorrir quando os vejo. O sorriso vacila

rapidamente, porém, quando Cinco marcha atrás deles. Marina fica tensa

imediatamente e dá um passo em direção a ele, mas John coloca-se entre

Page 220: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

218

eles, arregalando os olhos como se dissesse “agora não é o momento para

isso”. Coloco a mão no braço de Marina para mantê-la calma. Para seu

crédito, Cinco parece perceber que ele é uma presença muito indesejável. Ele

permanece na lateral da sala, evitando o contato visual.

John e Nove correm para nós e todos nos abraçamos. Rapidamente os

apresentamos a Lexa, de quem John já tinha ouvido falar através de Sarah.

— Então, vocês estão no meio de um combate com Setrákus Ra e nós

estamos prestes a ser engolidos por um mogassauro gigante — Nove

comenta, cruzando os braços. — Timing perfeito para essa merda, hein?

— Como está Sarah? — John me pergunta.

— Ela está bem — digo-lhe, deixando de fora a parte em que eu

realmente não a vi nos últimos minutos. Não há nenhuma razão para

preocupá-lo. Sua namorada pode cuidar de si mesma. — Ela se tornou uma

excelente atiradora.

John sorri e parece aliviado.

— E Sam? — pergunto.

John balança a cabeça.

— Eu não sei. Ele tem Legados e eu o vi desmaiar antes de mim. Ele

definitivamente foi puxado para o chat telepático de Ella. Eu não tenho

certeza de onde ele acabou, no entanto.

— Ele estará aqui em um segundo.

Todos nós reconhecemos a voz. Ella aparece do nada, sentada na

mesma cadeira que Loridas ocupou na visão. Seus olhos estão transbordando

com energia lórica. Suas mãos descansam sobre a mesa e em sua frente

faíscas de energia se propagam por toda parte. O cabelo dela flutua para fora

de sua cabeça, como se ela estivesse cercada por eletricidade estática. Todos

nós olhamos para ela, em um silêncio e espanto.

— Ella...? — Marina é a primeira a falar. Ela dá um passo em direção a

Ella. — Você está bem?

Ella dá um leve sorriso, mesmo sem nunca olhar em nossa direção. Seus

olhos mantêm o foco sobre o espaço vazio à sua frente. Seu comportamento

me faz lembrar da Entidade. É como se elas compartilhassem o mesmo

corpo.

— Eu estou bem — Ella responde. Há uma qualidade musical a sua voz,

como se ela não fosse a única pessoa falando, há trechos de outras conversas

também. — No entanto, não posso manter isso por muito mais tempo.

Temos que começar. Não se assustem com o que vai acontecer a seguir.

— Se assustar com o quê? — John pergunta.

Page 221: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

219

Em resposta, Setrákus Ra aparece na cadeira ao lado de Ella, vestindo a

mesma armadura ornamentada de quando atacou o Santuário. Todos nós

recuamos. O líder mogadoriano parece não nos notar, no entanto. Ele não

pode, por conta de sua cabeça que estar coberta por um capuz preto.

Correntes incandescentes feitas de loralite azul estão enrolados em torno de

seu peito e ombros, mantendo-o preso à cadeira, apesar se seus esforços

para se libertar.

— Que diabos? — Nove pergunta, dando um passo em direção à

Setrákus Ra.

— Por que ele está aqui? — pergunto à Ella.

— Eu tive que trazer todos que foram tocados por Legado — Ella

responde. — Era tudo ou nada.

— Legado...? Você quer dizer...?

— A Entidade — ela responde. — Eu lhe dei um nome. Ela não parece se

importar.

Marina ri. Isso me faz sorrir também. Parece que a velha Ella está lá.

— E esse tal Legado vai sair e se apresentar? — Nove pergunta. — Eu

quero dizer oi e pedir novos poderes.

— Ela está aqui, Nove — Ella responde, e acho que vejo um canto de sua

boca ser curvar em um sorriso. — Está em mim. Nesta sala. Em tudo que nos

rodeia.

— Oh, ok — Nove responde.

— Ele pode nos ouvir? — John pergunta, olhando para Setrákus Ra.

— Não, mas ele sabe que algo está acontecendo — diz Ella. — Ele está

lutando contra mim. Tentando se libertar. Não sei quanto tempo posso

segurá-lo. É melhor fazer o que estamos aqui para fazer.

— Para que estamos aqui? — pergunto.

— Todo mundo, sente-se — Ella fala.

Olho em volta para ver se alguém acha que isso é uma loucura como eu.

John e Marina imediatamente puxam para cadeiras e se sentam, com Lexa e

Adam rapidamente se juntando a eles. Nove chama minha atenção, dá

piscadinha, um sorriso metido e dá de ombros como que dizendo “dane-se”.

Ele se senta ao lado de John e eu me espremo entre Marina e Ella. Isso deixa

apenas um assento, o próximo a Setrákus Ra. Ninguém estava ansioso para

se sentar lá.

A contragosto, Cinco caminha da borda da sala e senta-se ao lado de seu

antigo mestre. Parece que ele preferiria estar em qualquer outro lugar agora

e evita fazer contato visual com qualquer um de nós.

— Perfeito — Nove zomba.

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220

Enquanto todo mundo se senta, eu me inclino e sussurro para Ella. Não

posso manter minha mente fora do confronto iminente com Setrákus Ra.

— Ella, você disse para correr ou morrer — começo, realmente não sei

como abordar e esclarecer uma profecia minha amiga cheia de energia e

talvez morta. — Isso é... essas ainda são nossas únicas opções? Se eu lutar

Setrákus Ra qualquer um de nós pode morrer...?

Veias se destacam na testa de Ella.

— Seis, eu não posso. Eu não posso te dizer o que fazer. É tudo... é tudo

muito incerto.

— E agora? — John pergunta a Ella, interrompendo nossa conversa.

Ela demora um momento para responder. Há tensão em seu rosto. Ela

está muito concentrada em alguma coisa.

— Agora, eu vou trazer os outros.

— Que outros? — John pergunta.

Em resposta, há um de ruído súbito à nossa volta. De repente, parece

que estamos no meio de uma festa lotada. Isso porque a galeria circundante

a mesa dos Anciãos agora está completamente cheia de pessoas. Eles são

todos da nossa idade, alguns talvez mais jovens e, à primeira vista, parecem

vir de todo o mundo.

Muitos deles conversam animadamente entre si, alguns se apresentam,

outros discutem a visão que acabamos de ver, analisam os detalhes da

história Setrákus e Pittacus. Outros sentam sozinhos, parecendo nervosos ou

com medo. Um menino bronzeado com cabelo escuro e um colar de contas

não para de chorar em suas mãos, mesmo sendo consolado por um par de

meninas loiras que parecem pertencer a um comercial de chocolate quente.

A forma como eles estão agindo, é como se tivessem sentados aqui o

tempo todo e nós é que fomos transportados para o palco neste instante.

Acho que, pela sua perspectiva, isso é exatamente o que aconteceu.

Sam se senta na primeira fila, e uma menina com olhar ranzinza com

uma confusão de tranças está sentada ao lado dele. Ele olha diretamente

para mim, sorri e sussurra um cumprimento.

Em seguida, a comoção realmente começa.

— Olhem! — grita uma menina japonesa, e levo um segundo para

perceber que ela está apontando para nós.

Um murmúrio percorre a multidão quando todos nos notam sentados

ao redor da mesa. No início, todos falam ao mesmo tempo, nos metralhando

com perguntas que não posso nem distinguir.

Lentamente, a sala fica quieta.

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221

Um silêncio respeitoso eventualmente cai. Estes são os Gardes

humanos. Eu só posso imaginar quão totalmente insana essa coisa toda pode

parecer para eles.

Então, percebo que eles estão esperando por nós para explicar a

situação.

Olho em volta nossa mesa. Ella ainda está completamente distante e

apática. Ao lado dela, Setrákus Ra se debate e luta. Adam e Cinco parecem

prestes a se esconder debaixo da mesa. Mesmo Marina está corando e

parecendo desconfortável. Ao contrário dos outros, Nove sorri e acena para

o maior número de pessoas da multidão que pode.

— E aí? — ele chama.

Algumas pessoas na plateia riem silenciosamente.

Obviamente, um de nós precisa dizer algo mais inteligente do que isso.

John se levanta, sua cadeira raspando alto contra o chão de mármore.

— É o cara do YouTube — ouço alguém sussurrar, e do outro lado da

sala, alguém diz: — É o John Smith.

John olha para todos os diferentes rostos, tentando não aparecer

encabulado. Vejo Sam piscar para ele com um polegar para cima. John respira

profundamente, então hesita. Ele se vira para Ella.

— Todos falam inglês?

— Eu estou traduzindo — Ella responde simplesmente, com os olhos

brilhando intensamente.

Eu não sei quando ela aprendeu a fazer isso. Não vou perguntar e,

aparentemente, nem John.

— Oi — John fala, erguendo a mão. Algumas pessoas na multidão

murmuram saudações de volta. — John Smith é o meu nome. Nós somos o

que sobrou de Lorien.

John caminha ao redor da mesa. Ele acaba ao lado de Setrákus Ra.

— Acho que vocês provavelmente viram também, certo? Bem, essa

história termina com Setrákus Ra aqui voltando para o nosso planeta, Lorien,

e massacrando todos seus habitantes. Todos, exceto nós.

Ele permite a informação seja absorvida antes de continuar.

— Se não tem certeza do que isso tem a ver com você, bem, talvez

tenha notado todas as naves espaciais nos jornais? Setrákus Ra está aqui. Ele

vai fazer com a Terra o que fez com Lorien. A menos que possamos detê-lo.

John tenta fazer contato visual com o maior número de pessoas na

plateia possível. Ele está realmente fazendo essa coisa toda de líder muito

bem.

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222

— Eu não quero dizer nós, como hã, apenas meus amigos aqui sentados

ao redor da mesa — John continua. — Quero dizer nós, todos nesta sala.

Isso faz com os jovens na plateia comecem a murmurar. O garoto

havaiano que estava chorando pelo menos parou de soluçar tempo suficiente

para ouvir, mas agora eu vejo seus olhos à procura de uma saída.

— Eu sei que isso parece loucura. Também não parece justo — John

continua. — Há alguns dias, vocês estavam levando uma vida normal. Agora,

sem aviso, existem alienígenas em seu planeta e vocês podem mover objetos

com suas mentes. Certo? Quero dizer... há alguém aqui que não possui

telecinesia ainda?

Algumas mãos se levantam, incluindo o menino chorão.

— Oh, uau — diz John. — Então, vocês devem estar muito confusos.

Experimentem quando vocês saírem daqui. Apenas, hã... visualizem algo em

sua casa se movendo através do ar. Realmente se concentrem nisso. Vai

funcionar, eu prometo. Você vai surpreender-se e provavelmente assustar

seus pais — John pensa por um momento. — Alguém já desenvolveu

quaisquer outros poderes, além de telecinesia? Nós os chamamos de

Legados. Alguém mais...?

Um indivíduo em uma das filas do meio se levanta. Ele é robusto de

cabelos castanhos e me faz lembrar de um bicho de pelúcia. Quando ele fala,

tem um leve sotaque alemão.

— Meu nome é Bertrand — diz ele, nervosamente olhando ao redor. —

A minha família e eu, somos apicultores. Ontem, eu notei, hum, as abelhas...

elas falaram comigo. Pensei que eu estava ficando louco, mas o enxame vai

para onde eu digo para ir, então...

— Que nerd — Nove sussurra para mim. — Apicultor.

John bate palmas.

— Isso é incrível, Bertrand. Isto é, foi muito rápido em desenvolver um

Legado. Prometo o resto de vocês vai recebê-los também, e não serão todos

que vão poder falar com insetos. Nós podemos treiná-los e ensinar como usá-

los. Temos pessoas que sabem, pessoas com experiência... — então, John

olha em volta da mesa. Acho todos vamos nos tornar Cêpans agora. — De

qualquer maneira, há uma razão para vocês receberem esses Legados,

especialmente agora. No caso de vocês não terem percebido ainda... é

porque vocês supostamente devem nos ajudar a defender a Terra.

Isso realmente fez a multidão falar. Algumas pessoas realmente

aplaudem como se tivessem prontos para lutar, mas principalmente

murmuraram duvidosos, conversando entre si.

— John... — Ella chama, cerrando os dentes. — Rápido, por favor.

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223

Olho para Setrákus Ra. Suas tentativas de fuga estão cada vez mais

brutais.

John levanta ambas as mãos pedindo silêncio.

— Eu não vou mentir e dizer que o que estou dizendo para vocês

fazerem não é perigoso. Definitivamente é. Estou pedindo que deixem suas

vidas para trás, deixem suas famílias e se juntem a nós em uma luta que

começou em uma galáxia inteiramente diferente.

Algo sobre a forma como John diz que tudo isso me faz pensar que ele

praticou antes. Percebo que ele olha para a menina sentada ao lado de Sam.

Ela sorri de volta.

— Eu, obviamente, não posso obrigá-los a se juntar a nós. Em poucos

minutos, vocês vão acordar desse pequeno encontro para onde vocês

estavam antes. Aonde é seguro, espero. E talvez aqueles de nós que lutarem,

talvez os exércitos do mundo, todos nós... talvez isso seja suficiente. Talvez

possamos combater os mogadorianos e salvar a Terra. Mas se falharmos,

mesmo se você ficar à margem para esta batalha... eles virão atrás de você.

Então, estou pedindo a todos vocês, mesmo que não me conheçam, mesmo

que nós tenhamos abalado suas vidas. Ajude-nos a salvar o mundo.

— Claro que sim — Nove diz, batendo palmas para John. — Vocês

ouviram, novatos. Deixem de ser covardes e se juntem à essa maldita guerra.

O silêncio respeitoso que tinha sido mantido durante o discurso de John

se quebra quando Nove abre a boca, como se de repente estivéssemos em

uma conferência de imprensa. Há perguntas gritadas de todas as direções.

— Isso é um mogadoriano na mesa?

— Voltem para a sua galáxia, aberrações!

— Como posso sair quebrando coisas com minha telecinesia?

— Eu quero ir para casa!

— Como podemos pará-los?

— O que há com o seu tapa-olho, mano?

— Aquele cara assustador pode nos ver?

— Por que eles querem nos matar?

E, em seguida, elevando-se acima da cacofonia, um rapaz magro com

um corte Mohawk no estilo de algum punk aposentado levanta-se de sua

cadeira e pisa com força. Acho que a robustez de suas botas de combate foi

trazida para este mundo de sonhos, porque o som é alto o suficiente fazer

todos se calarem.

— Vocês todos estão na América, certo, companheiro? — o punk,

pergunta a John, falando com um sotaque português forte. — Digamos que

eu queira me juntar à luta e dar uma surra nestes babacas. Como vou chegar

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224

até você? Caso não tenham notado, não há voos transatlânticos devido a

essas malditas naves espaciais de guerra.

John esfrega a parte de trás do seu pescoço, incerto.

— Eu...

As mãos de Ella estão tensas sobre a mesa.

— Eu posso responder a isso — ela fala, sua voz melodiosa e,

definitivamente não Ella. É Legado falando através dela.

Acima de nós, pontos de luz no mapa do mundo começa a brilhar. Todo

mundo vira a sua atenção para o teto. Lembro-me dos mais brilhantes como

os locais das pedras loralite que usamos para nós teleportar, mas há mais

luzes, tomando forma em todo o globo.

— Estes são os locais que contém pedras loralite — Ella explica. — Os

mais brilhantes existem neste planeta há muito tempo. Os outros só agora

estão começando a crescer como meu vínculo com a Terra. Logo, eles virão à

tona.

Marina interrompe.

— Nós precisamos... — ela hesita. — Precisávamos de um Legado de

teletransporte para usar aquelas pedras antes.

— Não mais. Não agora que eu acordei — Legado entoa via Ella. — A

loralite está em sintonia com os seus Legados. Quando vocês estiverem

perto, sentirão a sua força. Tudo o que vocês precisam fazer é tocar uma

delas e imaginar a localização de outra pedra. A loralite fará o resto.

— Aquilo é Stonehenge? — um britânico pergunta, focando os olhos no

mapa. — Tudo bem então. Isso é possível fazer.

— Uh, acho que uma delas fica na Somália — diz alguém.

— Haverá mais mudanças em seu ambiente — Ella continua, mas para

de repente, sacudindo violentamente. Suas mãos estão apertando a mesa e

realmente derretendo a madeira, faíscas silvando dela. Quando ela fala

novamente, é com sua própria voz, não com a de Legado.

— Ele está se soltando! — Ella grita.

As correntes incandescentes segurando Setrákus Ra à sua cadeira se

partem. Os elos quebrados voam para o outro lado da mesa que passem

através de nós sem causar danos. Ella deve ter perdido seu poder telepático

sobre Setrákus Ra. Ele não está mais isolado do resto de nós. Em um

movimento fluido, o ex-líder Ancião e atual dos mogadorianos se levanta, sua

cadeira tomba atrás dele, e lança fora seu capuz. Pessoas na galeria começam

gritar e a se levantar de suas poltronas, mesmo que não tenham para onde

fugir.

Page 227: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

225

Primeiro, Setrákus Ra põe a mão no ombro de Ella. A luz em seus olhos

aumenta, mas ela não se move. Mantendo seu foco. Sem obter uma reação

de sua neta, ele se vira para olhar para o Garde mais próximo. No caso, Cinco.

Setrákus Ra sorri.

— Olá garoto. Gostaria de ser o primeiro a ajoelhar perante mim?

Cinco recua em terror, afastando-se da mesa. Os Gardes estão se

levantando agora. Eu estou pronta para atacar, mas, ao meu lado, Nove não

parece muito preocupado.

— Ele não pode fazer nada aqui — Nove diz me diz. — Descobri isso

quando tentei chutar o traseiro do Cinco.

Setrákus Ra muda o foco de seu olhar para os Gardes humanos na

plateia. Eu sei o que ele está fazendo.

Ele está memorizando rostos.

— Ele pode fazer alguma coisa — eu digo. — Não deixe que ele os veja,

Ella! Tire-nos daqui!

— Eu não sei o que disseram a vocês! — Setrákus Ra fala para a plateia.

— Eu lhes asseguro, é tolice. Se vocês viram o que vi, então sabem como o

lorieno tentou me assassinar pelo crime de curiosidade. Venham! Jurem

fidelidade ao seu Adorado Líder e eu lhes mostrarei como realmente

aproveitar seus poderes.

Ninguém na multidão corre para jurar fidelidade ao mogadoriano

psicótico, mas muitos deles parecem justificadamente aterrorizados.

— Estou liberando vocês — diz Ella. — Vai acontecer rapidamente.

Estejam prontos.

E, em seguida, a luz em seus olhos escurece. Ela cai. Espero que não seja

a última vez que eu possa falar com ela.

— Seis... — é John. Ele está em pé ao meu lado. — Nós estaremos em

contato em breve. Traga todos de volta em segurança.

Então ele e Nove somem de repente da existência.

O mapa no teto começa a sumir. A sala começa a ficar escura. A visão

está terminando.

Muitos dos novos Gardes já desapareceram, retornando ao mundo real.

Sam e que a menina ao lado dele já se foram. Restam alguns do lado

esquerdo da galeria ainda, e Setrákus Ra foca neles.

— Eu vi os seus rostos! — Setrákus Ra grita para os seres humanos,

ignorando totalmente o resto de nós. — Eu vou caçá-los! Vou matar vocês! Eu

irei...

Bem, não vou deixar isso continuar.

Page 228: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

226

Eu pulo em cima da mesa, e fico frente a frente com Setrákus Ra. Ele

para seu discurso, seus olhos negros e vazios olhando diretamente nos meus.

Eu salto de pé.

— Ei, filho da puta — eu digo. — Quando nós acordamos, eu vou te

matar.

— Veremos — Setrákus Ra responde.

Sinto que começa a acontecer. Meu corpo aqui torna-se transparente.

Os detalhes do salão se tornam nebulosos. Posso sentir o cheiro da fumaça

dos incêndios ao redor do Santuário, posso sentir a poeira na minha pele. Eu

preciso me mover rapidamente. Estou forçando meus músculos a

funcionarem assim possível.

— Vamos! — Grito. — VAMOS LÁ!

É hora de acabar com isso.

Page 229: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

227

Capítulo vinte e três

ACONTECE RÁPIDO. DA MESMA FORMA QUE O MUNDO DOS SONHOS

PARECIA real, não fez jus ao peso físico de realmente ter um corpo.

Jogada sem rodeios para o lugar aonde eu pertenço, todas as sensações

me atingem outra vez. O calor do fogo, a poeira asfixiante, meus músculos

doloridos. Meus joelhos se enfraquecem com todo o impacto. Fiquei

inconsciente por um tempo, e como resultado, meu corpo ficou mole. Não

consigo impedir que eu acabe caindo no chão.

Caio bem em cima de Setrákus Ra enquanto ele cambaleia, também.

O grande bastardo está tão desorientado quanto eu. Ouço um barulho

aos meus pés e percebo que Setrákus Ra perdeu a espada do pai do Adam.

Com um giro, empurro-o para longe com toda a força que consigo

encontrar. Lanço minhas mãos sobre as placas metálicas sobrepostas de sua

armadura.

Vamos lá, Seis. Vamos!

Encontro meu equilíbrio novamente antes de Setrákus Ra. Isso me dá

apenas um ou dois segundos de vantagem, mas é tudo o que eu preciso. Dou

uma cambalhota para frente, agarro a espada de Adam e a giro em direção à

cabeça de Setrákus Ra no momento em que fico em equilibrada sobre meus

pés.

No último segundo, Setrákus Ra levanta seu antebraço. A espada se

choca contra sua armadura com um grunhido metálico. Sangue escuro

espirra para fora quando puxo a lâmina de volta. Espero pelo menos ter

rasgado seu braço, mas a armadura é forte demais e eu apenas fiz um corte.

Mesmo assim, os olhos de Setrákus Ra se arregalam – acho que ele sabe o

quão perto cheguei. Ainda assim, ele força um sorriso, reequilibrando-se, e

olha fixamente para mim.

— Muito devagar, garota — ele grunhe. — Agora vamos ver se

consegue fazer de fato o que prometeu.

Ranjo meus dentes em resposta e avanço com toda a minha força de

vontade. Setrákus Ra desvia facilmente a espada para o lado com um de seus

punhos, desta vez, conseguindo evitar a ponta da lâmina, e então me dá um

chute no estômago. Imediatamente perco o fôlego e caio de joelhos, depois

desmorono no chão. Rolo imediatamente para o lado para desviar de sua

pisada, que provavelmente teria enterrado minha cabeça na terra.

Page 230: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

228

A espada me acerta por baixo enquanto rolo, cortando minha coxa. Eu

nunca treinei realmente com espadas antes, nunca havia visto a utilidade.

Definitivamente eu desejaria ter visto agora. Sem meus Legados, é a única

arma que tenho contra Setrákus Ra. Ele definitivamente é mais forte que eu,

e também mais rápido. Eu estou começando a achar que deveria ter ouvido

Marina.

Falando em Marina, enquanto volto a ficar de pé a alguns metros de

Setrákus Ra, olho ao redor para localizá-la. E lá está ela – arrastando o corpo

inconsciente de Adam para a lateral da cratera. Enquanto observo, tiros são

disparados no chão ao redor dela e ela é obrigada a se esconder atrás de uma

pilha de pedras de calcário bem no topo da cratera.

Da direção dos tiros, parece que os mogs conseguiram se reagrupar ao

redor da entrada da Anubis. A nave de guerra massiva ainda paira sobre nós, a

parte de baixo de metal se transformou agora em nosso céu.

Eu recuo enquanto Setrákus Ra vem em minha direção, desviando de

vários socos massivos de seus punhos e da armadura. Quando desvio de seus

golpes, ele usa sua telecinesia para lançar pequenos pedaços de detritos em

mim. Eu os desvio com minha espada, minhas mãos suando no cabo.

— Onde está sua coragem agora, criança? — ele pergunta. — Por que

está fugindo?

Vou deixar ele pensar que estou recuando. Quero dizer,

eu estou recuando. Mas não significa que seja tudo o que estou fazendo. Meu

real objetivo é levar Setrákus Ra para mais longe possível do lado da cratera

onde está Marina. Uma vez que ela fique fora do raio do Legado de Setrákus

Ra e consiga curar Adam com sucesso, talvez possamos virar a luta.

Enquanto desvio de mais uma pedra, vejo Marina colocar a cabeça de

Adam no colo e pressionar suas mãos no rosto dele. Seus Legados devem

estar funcionando! Agora eu só preciso manter a brincadeira de gato-e-rato

até...

Uuuf.

Meu calcanhar se choca contra alguma coisa e eu caio para trás. Minha

aterrisagem é amortecida por alguma coisa macia e me leva alguns segundos

para perceber que tropecei no corpo de Ella. Ela está pálida, completamente

imóvel, e há uma trilha daquela gosma escura coagulada saindo de suas

narinas. Ela ainda parece bem morta. Eu não tenho tempo para checar seu

pulso. Setrákus Ra está parado bem na minha frente.

Ele, na verdade, para. O corpo de Ella prendeu sua a atenção. Eu não sou

boa em ler as expressões daquele rosto enrugado e olhos pretos, mas se eu

tivesse que adivinhar o que Setrákus Ra está sentido, seria algum tipo de

Page 231: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

229

mistura louca de remorso e desapontamento. Ele se preocupava com sua

neta da maneira mais grosseira possível, querendo transformá-la em um

monstro assim como ele. Eu quero que isso o devore por dentro para ele

saber o quanto falhou.

— Ela odiava tudo sobre você — eu digo, e então levanto a espada e

aponto para a virilha de Setrákus Ra.

Setrákus tenta desviar. A lâmina se arrasta sobre a armadura que ele

está vestindo, mas então eu tenho sorte. A ponta da espada segue pela

lateral, descendo através da armadura, e encontra uma abertura perto da

parte de cima da coxa, se encravando lá. Setrákus Ra ruge em dor enquanto

eu o talho, aquele sangue escuro e viscoso espirrando de sua perna.

— Sua vadiazinha! — ele grita.

Em resposta, pego um punhado de terra e lanço contra os olhos dele.

Enquanto isso, já estou de pé, me adiantando novamente, procurando

por mais aberturas em sua armadura. Essas partes estão sempre perto de

suas juntas para permitir sua flexibilidade – seus cotovelos, joelhos, e claro,

sua cabeça e seu pescoço cicatrizado. É aonde eu tenho que acertar.

— Isso já foi longe demais! — ele grita, e não acho que ele se refere

apenas a esta luta de agora.

Nos caçar durante anos frustrou o velhote, e agora estamos tentando

arruinar seu plano de invasão meticulosamente calculado. Ele está perdendo

a paciência. Eu posso usar isso. Fazer com que ele lute estupidamente.

Setrákus Ra ruge. No espaço de alguns segundos, ele se transforma de

um mamute de três metros de altura para um gigante de cinco que me deixa

completamente em desvantagem. A coisa é que, sua armadura cresce

proporcionalmente à ele, e isso faz com que aquelas aberturas nas juntas

pareçam alvos maiores.

Agora, a única coisa que tenho que evitar é ser pisada até a morte.

Nada demais.

Eu não posso mais correr dele. Ele pode cobrir muito espaço desse

tamanho. Eu me viro para encará-lo, enquanto ele se prepara para dar um

golpe. Meu plano é conseguir desviar, talvez correr sob suas pernas e cortar a

parte de trás de seus joelhos.

Os punhos de Setrákus Ra são do tamanho de blocos de concreto. E eles

caem na minha direção. Eu não tenho certeza se vou conseguir desviar.

Eu não preciso. No último segundo, Setrákus Ra recua a mão e a leva em

direção ao seu rosto, rugindo de dor. Um leão com uma cabeça de águia, com

garras afiadas e asas com penas maravilhosas acaba de levantar voo e atingi-

lo. Um hipogrifo. Um hipogrifo acabou de se juntar à mim.

Page 232: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

230

Bernie Kosar. Deus abençoe BK.

Setrákus Ra se vira para encarar o Chimæra, que de fato é quase alguém

do mesmo tamanho que ele. Bernie ruge e atinge Setrákus Ra com suas

garras. Mesmo sendo forte, Setrákus também é. Ele pega as garras de BK

com uma das mãos, e então o empurra para frente, contundindo-o.

Bernie Kosar grita, obviamente de dor. Com um uivo feroz, parecido

com o de uma fera como BK, senão mais, Setrákus Ra tenta atingir o pescoço

do Chimæra.

Eu não deixo isso acontecer. Com toda minha força, apunhalo a espada

na parte de trás dos joelhos de Setrákus Ra. Ela o corta facilmente, e ele ruge

de dor, perde a força contra BK e tropeça para frente. A espada é arrancada

de minhas mãos. Ele chuta para trás, e embora eu tente desviar, sua bota

gigante me atinge. Posso sentir costelas se quebrando como resultado.

— Pegue-o, BK! — grito enquanto caio com força no chão.

Bernie Kosar está prestes a descer as garras sobre ele quando um

suspiro agudo chama nossa atenção.

Ella se senta. Ela respira fundo novamente, como se tal ato fosse

dolorido. Seus olhos estão quase como antes, com exceção de que ainda há

vestígios da energia lórica nos cantos. Aquela gosma preta continua saindo

de suas narinas e ela acaba cuspindo um pouco também.

Setrákus Ra arranca a espada da parte de trás de seu joelho como se

fosse um espinho. A espada parece comicamente pequena em sua mão

gigante. Ele a arremessa em direção à Bernie, redirecionando com sua

telecinesia. BK consegue desviar da espada no último segundo, mas a espada

ainda assim consegue fazer um corte nele. Ele está ferido e sua poderosa

forma de hipogrifo começa a se reverter para sua forma normal.

Bernie Kosar balança sua cabeça para frente e para trás, rugindo,

lutando para manter sua forma e continuar na luta.

— Minha neta! — Setrákus Ra berra, sua voz parecendo um trovão

graças à sua forma gigante. Ele segue em direção à Ella. Ele realmente parece

aliviado. — Estou indo até você.

Em resposta, Ella vomita mais da gosma preta. Ela está sem condição de

agir. Entretanto, o que quer que seja a porcaria que Setrákus Ra injetou nela,

com certeza parece que seu corpo está rejeitando-a agora.

Eu não posso deixá-lo tomar posse dela novamente.

— Bernie Kosar! — eu grito. — Tire-a daqui!

O Chimæra ferido me olha com seus olhos de águia, mas não hesita. Ele

chega até Ella bem antes de Setrákus Ra, gentilmente a pega com suas garras

e então voa em direção à floresta.

Page 233: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

231

— Não! — Setrákus Ra grita. — Ela é minha!

Setrákus Ra não para. Ele lança sua telecinesia contra Bernie Kosar,

conseguindo diminuir a velocidade do Chimæra. Setrákus quase a captura

quando uma estalactite do tamanho de um martelo voa para baixo da borda

da cratera, atingindo a lateral do rosto de Setrákus Ra e arrancando um

pedaço da sua orelha.

Marina. Ela está de pé na bora da cratera, já desenvolvendo outro

projétil de estalactite para lançar contra Setrákus Ra. Ao seu lado, Adam se

levanta. Ele pisa no chão com força e uma onda de energia sísmica desce pela

cratera, trazendo consigo pedaços de detritos e partes das naves explodidas.

Se eu já não estivesse no chão, a onda sísmica teria me derrubado. Setrákus

Ra, que já tem as pernas machucadas, cai com força no chão. Talvez seja

apenas minha imaginação, mas acho que ele grita quando ele atinge o chão.

Nós acabamos com a concentração dele o suficiente que ele está lutando

para manter todos os seus Legados. Tento usar minha telecinesia para lançar

alguns detritos contra ele, mas eu ainda estou perto demais.

Tiros de canhões saem da Anubis tendo como alvos Marina e Adam, mas

é respondida por tiros de Mark e Sarah enquanto ambos correm pela borda

da cratera. Entre os tiros deles e as rochas partidas do Santuário, nós, na

verdade, inadvertidamente conseguimos tirar toda a atenção de Setrákus Ra

e a pouca força que lhe restava.

Com um vislumbre, vejo que Mark está sangrando graças a um corte em

sua testa e Sarah tem marcas bem feias de tiros em uma das mãos. Fora isso,

eles parecem bem.

Eles parecem melhor, de fato, do que Setrákus Ra. Ele está com o rosto

machucado, faltando um pedaço da orelha, e com as pernas feridas. Ele luta

para ficar de joelhos.

Nós o pegamos. Nós realmente o pegamos.

Marina lança outra estalactite em direção à Setrákus Ra. Ele levanta um

dos punhos e a estilhaça no ar.

— Eu não vou morrer nas mãos de crianças — ele murmura.

Mas sabe de uma coisa? Ele não soa com tanta certeza.

Demasiado machucada e tonta, eu me forço a ficar de pé novamente

para correr na direção oposta do lado da cratera onde Marina e Adam estão.

Se nós ficarmos separados, então não há como Setrákus Ra conseguir manter

todos dentro do raio do seu Legado de cancelamento.

Nós podemos bombardeá-lo à distância.

Mark e Sarah me veem se aproximando, embora eles ainda estejam

trocando tiros com os mogs. Eles pararam de correr pela borda da cratera a

Page 234: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

232

mais ou menos metade da distância entre minha posição e da Marina e Adam.

Vejo que eles trocam algumas palavras, e então Sarah se vira na minha

direção e Mark segue para os outros.

— Você parece precisar de uma mãozinha! — Sarah fala, dando alguns

passos para dentro da cratera para me ajudar a subir o resto.

— Obrigada. Você está bem?

— Aguentando — ela responde.

Posso dizer que ela está tentando não olhar para os ferimentos em suas

mãos.

Tenho uma visão muito melhor da nossa situação daqui de cima. A

quantidade de mogs que ainda está mantendo posição em frente à Anubis é

supreendentemente pequena. Os outros devem ter matado muitos deles

enquanto eu lutava com Setrákus Ra. Mesmo enquanto observo, Mark

transforma um deles em cinzas com um tiro certeiro. Há apenas alguns

sobrando.

Setrákus Ra não tem mais reforços.

Mesmo assim, ele não vai ceder facilmente. O lorde mogadoriano, ainda

em seu tamanho gigante, segue pela cratera em direção à posição de Marina

e Adam. Com suas pernas feridas, ele tem que usar as mãos para conseguir

subir. Espertos, os outros não o deixam se aproximar. Adam continua

mandando ondas sísmicas consecutivas que fazem com que Setrákus Ra

cambaleie para trás. Enquanto isso, Marina se alterna entre congelar o chão

abaixo dele e lançar pedaços de estalactites.

Setrákus Ra consegue absorver a maioria deles com sua armadura, mas

não é o suficiente. Ele não está mais falando bobeiras. Invés disso, o líder

mogadoriano parece estar desesperado.

— Você me dá cobertura? —peço à Sarah.

— Claro que sim.

Eu assinto e grito através da cratera para Marina e Adam.

— Agora! Joguem tudo o que tiverem contra ele!

Percebo o chão tremer enquanto Adam continua a criar terremotos e

Marina dobra a quantidade de estalactites que está lançando. Sarah e Mark

continuam a atirar nos mogs que estão perto da Anubis, matando alguns e

mantendo outros à distância. Eu levanto, me concentrando no clima acima, e

começo a conjurar a maior tempestade que consigo criar. A atmosfera ao

nosso redor fica pesada e úmida enquanto puxo as nuvens para baixo,

mesmo com elas estando acima da Anubis. Logo, logo, a nave estará envolta

de um nevoeiro espesso.

— Uou! — ouço Sarah dizer.

Page 235: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

233

Não é todo dia que você vê nuvens de tempestades se juntando tão

perto do chão.

Antes que eu possa continuar, ouço um som metálico estridente.

Setrákus Ra desistiu de tentar subir até a borda da cratera para alcançar

Marina e Adam. Ele estava superconfiante e sedento por sangue antes.

Agora, ele está sendo esperto. Com sua telecinesia, ele rasga o que sobrou de

sua máquina. A peça massiva flutua no ar por um segundo antes de ele lançá-

la contra os outros.

— Cuidado! — Mark berra.

Ele e Adam se jogam para um lado, Marina para o outro. O duto se

esbarra contra o chão entre eles. Nenhum deles é atingido, mas sem nenhum

deles atingindo-o com Legados, Setrákus Ra consegue começar a escalar a

cratera, seus passos enormes diminuindo a distância com mais rapidez.

É minha vez de mantê-lo aqui embaixo.

Viro minhas mãos no ar, conduzindo o clima. Aumento a velocidade, do

vento, que leva consigo detritos e rochas. Meu rosto é atingido por pequenas

pedras e meus olhos são inundados por areia. Eu continuo.

Estou criando um tornado, bem acima de Setrákus Ra.

— Morra, seu filho da...!

Minhas costas explodem em dor. Um tiro, bem no meio delas. Caio para

frente, com minhas mãos apoiadas nos joelhos, quase caindo para dentro da

cratera. Minha concentração é tirada de mim, o vento imediatamente

começando a se dissipar.

— Seis! — Sarah geme.

Ela me segura pela cintura e juntas nós rolamos para trás de uma pilha

de pedras, quase sendo atingidas por mais tiros.

Os tiros não vieram da Anubis, entretanto. Vieram da floresta.

— Proteger o Adorado Líder! — berra Phiri Dun-Ra enquanto ela entra

no campo de visão, atirando. Ela lidera um pequeno contingente de soldados

mogadorianos. Eles devem ter se escondido dentro da floresta, encontrado e

libertado a nascida naturalmente e seguiram para nossa direção. Vendo

reforços, os mogs perto da Anubis se reagrupam. De repente, somos pegas

no meio de um tiroteio. Sarah tenta atirar de volta, mas a tempestade de tiros

é muito intensa. Ela se abaixa próxima à mim.

— Seis, o que faremos?

Espio bem a tempo de ver Setrákus Ra alcançar o topo da cratera.

Ele está com a espada de Adam novamente, usando-a como uma

bengala. Marina está bem à sua frente.

— Marina! Saia daí! — eu grito.

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234

Ela não pode me ouvir. Eu vejo a próxima cena em minha mente.

Marina joga suas mãos para frente, esperando que pedaços de

estalactites voam em direção à Setrákus Ra. Nada acontece. Seus Legados

foram cancelados temporariamente. Setrákus Ra levanta suas mãos no ar, e

embora ela lute, Marina é levantada do chão. Ele a tem com sua telecinesia.

— Ah Deus — Sarah diz. — Ah não.

Setrákus Ra a joga no chão com força. A levanta. A joga no chão com

força mais uma vez. Eu observo enquanto o corpo de Marina é usado como

marionete. Cada vez, ele a levanta a mais ou menos dez metros de altura, e

então a choca contra o chão com muita força. De novo e de novo.

É Mark quem a salva. Ele desvia do maquinário estraçalhado e atira

contra Setrákus Ra, atingindo-o na lateral do rosto, aumentando o buraco

onde, antigamente, a orelha costumava estar. O mogadoriano berra de dor, e

então devolve o tiro lançando o corpo de Marina em direção à Mark.

Eles colidam e ambos caem com força no chão. Mark ainda está se

movendo, entretanto. Ele envolve Marina em seus braços e tenta levantá-la.

Mesmo a essa distância, ela parece quebrada.

Não senti nenhuma nova cicatriz se formar em meu tornozelo. Não

ainda. Ela está viva.

Adam corre em direção à Mark e, juntos, eles levantam o corpo de

Marina. Desviando dos tiros, eles conseguem recuar para dentro da floresta.

Phiri Dun-Ra e os outros mogs alcançaram Setrákus Ra. Eles o cercam

por todos os lados, embora ele esteja recusando a ajuda, violentamente

esmagando o crânio de um mogadoriano que foi ousado demais ao tocá-lo.

Eles o escoltam pela rampa. Ele quase está dentro da Anubis.

— Droga, não — eu sussurro, me forçando a ficar de pé a pesar da dor

dilacerante nas minhas costas.

— Seis! — Sarah me agarra. — Pare! Acabou!

Eu não aceito isso. Estávamos tão perto. Droga. Ele não pode fugir dessa

maneira.

Eu ainda posso matá-lo. Ainda podemos ganhar.

Eu me levanto e jogo minhas mãos para cima, fazendo com que o ar

ganhe velocidade novamente. Pedaços do Santuário, metais retorcidos dos

Skimmers explodidos, pedaços pontudos de vidro – tudo isso está

aglomerado, girando dentro de um funil mortal. Phiri e seus mogs atiram em

mim. Sinto um tiro atingir minha coxa, outro, o ombro. Mas isso não me para.

— Isso é suicídio! — Sarah grita para mim. Ela está do meu lado,

devolvendo os tiros.

— Afaste-se! — eu digo. — Corra para a floresta.

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235

— Eu não vou te abandonar! — ela responde, mais uma vez tentando

me agarrar. Eu a empurro.

Setrákus Ra chega no topo da rampa. Eu grito e empurro em direção a

ele toda a minha força, combinando meu Legado climático com uma

explosão selvagem telecinética, jogando tudo que foi aglomerado pela minha

ventania em Setrákus Ra.

Dois dos mogs sobreviventes se tornam cinzas imediatamente,

esmagados pelo meu bombardeio de detritos. Phiri Dun-Ra recua,

protegendo o rosto. Mas, na porta de entrada para a Anubis, Setrákus Ra

continua parado. Ele se vira para mim, pedras e estilhaços sendo refletidos

por sua armadura, e empurra de volta. Sua própria explosão telecinética

contra a minha.

Objetos voam em todas as direções. Pelo canto do meu olho, vejo o

canhão de Sarah ser arrancado de suas mãos. O para brisa de um Skimmer

desalojado corta o chão ao meu lado como uma lâmina de guilhotina. Sou

atingida – de novo e de novo – por coisas que eu não posso nem identificar.

Ainda assim, continuo parada, meus pés afundando na terra. Eu continuo

empurrando.

Então acontece.

Um poste de metal com um símbolo de loralite cravado nele, um pedaço

da máquina destroçada de Setrákus Ra, voa através doar. O fim é nítido.

Serrilhado.

Acerta diretamente o peito de Setrákus Ra. Eu o observo tombar,

tropeçar para trás com o impacto. Eu posso ouvir Phiri Dun-Ra gritar.

A força de sua telecinesia desaparece. Eu o sinto enfraquecer.

Eu consegui.

Lágrimas escorrem pelo meu rosto.

Eu consegui.

Phiri Dun-Ra e os outros arrastam Setrákus Ra para dentro da Anubis.

A porta se abaixa com força atrás deles. A rampa se retrai.

Eu caio de joelhos. Ele está morto. Ele tem que estar morto. Tem que ter

valido a pena.

Sarah envolve seus braços em mim.

— Levante, Seis — ela diz, sua voz está tensa. Ela tosse, perde o fôlego.

Ela está ferida. Ambas estamos. — Temos que ir!

Coloco minha mão na cabeça de Sarah e nos torno invisíveis. Assim, não

preciso ver o sangue.

Muito sangue. Sangue demais.

Espero que tenha valido a pena.

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236

Capítulo vinte e quatro

FIZ UM MONTE DE PROMESSAS NA CÂMARA DOS ANCIÃOS.

Eu disse àqueles novos Gardes que eu os lideraria, que nós iriamos ajudá-

los a treinar, que juntos poderíamos salvar o mundo deles. Foi bem incrível, vê-

los todos lá. Mesmo com alguns deles assustados, outros confusos, e até alguns

que pareciam enfurecidos por terem sido arrastados para isso. Mas os outros...

eles pareciam preparados. Nervosos, sim, mas preparados e querendo levantar

e se juntar à luta.

Agora, para manter aquelas promessas, preciso apenas sobreviver à um

mogassauro seriamente enlouquecido.

No segundo após eu estar de volta ao meu corpo, sinto o bafo quente da

besta enquanto ela ruge. E está bem atrás de nós. Eu ainda tenho um braço ao

redor de Sam de quando o segurei depois que nós brevemente desmaiamos. Ele

está consciente de novo, então nos esbarramos um no outro mas conseguimos

correr.

— Belo discurso — Sam grita para mim. — Nós vamos morrer agora?

— Nem fodendo — respondo.

A reunião dos Gardes não é a única coisa que mexeu comigo no sonho de

Ella do espaço. Eu ainda estou me acostumando a ver Pittacus Lore em ação.

Ximic, foi disso que Loridas chamou o Legado imitador de Pittacus. E então teve

meu rápido encontro com Henri. Visualize, ele disse. Visualize e se lembre.

A Agente Walker para de gritar no seu celular via satélite para nos encarar.

Ela parece tão confusa em nos ver em pé como deve ter ficado quando nós

desmaiamos alguns segundos atrás.

— Que diabos está acontecendo? — ela grita.

— Não se preocupe com isso! Consiga cobertura para o seu pessoal! — eu

grito, balançando meus braços.

— Como nós devemos lutar contra essa coisa? — Sam pergunta, olhando

sobre seus ombros.

— Eu não sei — respondo sombriamente.

— Nós batemos muito nele — Nove berra de volta.

Walker e a maioria dos agentes usam a Estátua da Liberdade como

cobertura. Eu não estou certo de quão bem isto fará, considerando que o

mogassauro é quase tão grande quanto a estátua. Um dos agentes, não lembro

o seu nome, entra em absoluto pânico enquanto o monstro se inclina. Ele se

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237

move como um gorila, colocando o peso nos seus punhos, as garras dos seus

pés levantam pedaços de cimento enquanto caminha.

Para nossa sorte, o monstro recém-nascido ainda está se acostumando a

andar.

Entretanto isto não salva o agente caído. Tento puxá-lo com a minha

telecinesia, mas não fui suficientemente rápido. O mogassauro traz um dos seus

punhos pra baixo e esmaga o coitado. Acho que o monstro nem sentiu. Seus

olhos, cada um deles pontilhado com o que acredito ser um colar lórico

roubado, estão focados em nós.

É apenas uma questão de tempo até que ele nos pegue.

De repente eu me pego pensando na primeira noite que conheci Seis, em

Paradise. Foi também a primeira noite em que matei um píken, entretanto ele

não era nem de longe tão grande quanto esse monstro. Seis usou a sua

invisibilidade para nos tirar de muitos problemas naquela noite. Eu me lembro

do jeito que ela segurou minha mão. Lembro do efeito estonteante de ver

através do meu próprio corpo.

Lembre. Visualize.

— John? — Sam grita enquanto corremos. — JOHN?

— Que foi? — grito de volta, virando a cabeça.

— Você... — ele está me olhando e quase tropeça nos próprios pés. —

Você acabou de desaparecer.

Eu não desapareci, percebo. Eu me tornei invisível.

— Puta merda, eu consigo...

— Consegue o quê? — Nove pergunta.

Eu não respondo. Minha mente corre. Eu acabei de usar o Legado de

invisibilidade de Seis, mesmo que brevemente. E só num pensamento, como

lembrar um nome que você tinha esquecido. Eu poderia nos tornar invisíveis.

Nós podíamos escapar. Mas isso significaria abandonar Walker e seus amigos.

Todo esse poder, bem na ponta dos meus dedos, mas sempre fora de

alcance. E agora? O que posso fazer com isso? Eu preciso de tempo para

praticar, para descobrir como funciona, para treinar. Qual Legado posso trazer

nos próximos minutos que irá nos ajudar a derrotar esse monstro?

A Agente Walker e seu grupo descarregam as armas no monstro. As balas

são engolidas pela dura pele da coisa, não mais efetivas que minha bola de fogo

anteriormente. Nada além de um grupo de moscas para o mogassauro. Ele

ignora os agentes completamente, está vindo para nós.

— Vamos lá! — eu grito. — Tragam-no ele para a grama!

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238

Nós teremos mais espaço para lutar lá, considerando quão desajeitado o

monstro aparenta, é provavelmente melhor continuarmos nos movendo.

Esperançosamente, consigo pensar em algo enquanto ele nos persegue.

— Ah cara, eu não me sinto em forma — Daniela diz. Normalmente uma

graciosa e rápida corredora, Daniela tropeça nos próprios pés e cai no gramado

enquanto corremos. Eu a seguro pelo braço e a arrasto comigo. — Algo

aconteceu comigo naquela merda de visão. Minha cabeça está explodindo.

Pedaços de cimento voam do último passo do mogassauro e acertam

meus ombros.

— Eu vou tentar algo, Johnny! — Nove diz, e se separa do resto de nós.

— Faça a sua coisa — eu digo, confiando que Nove não vai acabar morto.

Nove corre para a ponta da praça, onde há uma coluna de binóculos de

metal presos ao chão, aquelas coisas para turistas admirarem a vista de

Manhattan. Ele arranca dois do chão, segurando um em cada mão como tacos.

Então os carrega em direção ao monstro. Sua supervelocidade entra em ação e

ele é um borrão atravessando a praça.

Eu poderia usar isso. Tento focar no Nove, imagino como os músculos dele

trabalham, como ele cria velocidade com seu Legado. Mas nada acontece.

A criatura gigantesca, na verdade, parece confusa quando Nove corre em

sua direção. A coisa hesita, tentando decidir se parte para cima de Nove ou

continua perseguindo o resto de nós. Então, talvez raciocinando em seu

pequeno cérebro para ficar parado, o mogassauro solta um grito de “estou

indo” na direção de Nove. Levanta uma das suas patas gigantes, preparando

para esmagar Nove assim que ele estiver perto o suficiente.

— Ele sabe o que está fazendo? — Sam pergunta.

— Ele alguma vez soube? — falo de volta.

Nós atingimos o final do campo atrás da estátua da Liberdade.

Naquele ponto, Daniela tropeça e cai de joelhos, incapaz de seguir adiante.

— Ah cara, minha cabeça vai explodir — ela reclama.

Ela se agacha e massageia os olhos com os punhos.

— O que há de errado com ela? - Sam me pergunta.

— Eu não sei!

Nossos olhos se encontram e nós dois percebemos ao mesmo tempo.

Juntos, Sam e eu viramos em direção de Daniela.

— Ela está desenvolvendo um novo Legado! — Sam diz.

Eu me abaixo perto dela.

— O que quer que esteja acontecendo com você, Daniela, deixe

acontecer! Solte tudo e... — eu sou interrompido assim que o mogassauro ataca

Nove.

Page 241: Os legados de lorien 06 o destino da número dez pittacus lore

239

O impacto é gigante. A besta deixa um buraco de dois metros no formato

de uma mão no concreto da praça. Primeiro penso que de maneira nenhuma

Nove pode ter sobrevivido a isso. Mas então eu o vejo usando seu Legado

antigravidade para correr pelo antebraço do mogassauro.

O monstro ruge enraivecido e ataca Nove com sua outra mão. Nove corre

pela parte de dentro do antebraço da criatura no momento certo, escapando do

impacto. Ele é rápido e está preso ao mogassauro, se movendo cava vez mais

acima do braço como um inseto irritante. Não tenho certeza sobre o que ele vai

fazer quando chegar até a cabeça do monstro. Se eu tivesse que apostar, diria

que Nove também não sabe.

— John! — alguém grita atrás de mim. — John! Me solte!

Eu me viro para ver Cinco lutando através da grama de joelhos. Nós o

deixamos lá todo amarrado com as cordas que pegamos do barco da guarda

costeira. Ele não tem a sua espada ou sua bolinha para transformar a pele em

metal, então Cinco no momento é inofensivo como ele sempre vai ser.

— Ah, de jeito nenhum — Sam diz, olhando para Cinco.

— Eu sei o que é aquela coisa — Cinco fala, olhando para nós. Ele se senta

de joelhos, suas mãos atadas a sua frente e me olha. — Eu sei como matá-la. Eu

posso te ajudar.

— Me conte.

— Setrákus Ra chama isto de Caçador — Cinco fala rapidamente. — Ele

estava criando isto enquanto eu ainda estava abordo da nave Anubis. Ele tem

pingentes lóricos nos olhos e pode usá-los para sentir a localização de qualquer

Garde. Não há fuga, nós temos que matá-lo.

Enquanto Cinco fala, Nove alcança a ponta do ombro do Caçador. A besta

desiste de tentar esmagá-lo. Agora ele gira a cabeça e tenta engolir Nove

inteiro. Nove responde batendo com a ponta quebrada de uma das barras de

ferro na boca do monstro. A criatura gira a cabeça e grita.

Perto de mim, Daniela resmunga. Sam ajoelha perto dela e acaricia suas

costas.

— Vamos lá, faça o que John disse — Sam tenta, mas a única resposta de

Daniela é um resmungo. Ele olha para mim. — Nós precisamos descobrir algo!

Se algum de vocês tem um novo superpoder foda, agora é hora de usá-los!

— Ele precisa ir para os olhos, John — Cinco insiste, ignorando tudo menos

a mim. — Me solte. Eu posso te ajudar.

— Por que diabos devo confiar em você? — pergunto.

A expressão de Cinco é sombria. Eu o vejo forçando suas amarras,

testando-as. Ele me olha e posso ver que ele está fazendo um esforço imenso

para controlar a sua raiva.

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240

— Porque eu poderia me libertar disso se eu realmente quisesse — Cinco

me responde. — Mas eu não vou. Você salvou a minha vida, John, e não

importa o que você pense, não sou como ele.

Eu sei exatamente de quem Cinco está falando. Setrákus Ra e Pittacus

Lore. Misericórdia seguida de traição.

— Eu quero ajudar — Cinco grita. — Me deixe ajudar.

— Que se dane-se — Sam diz, tomando a decisão por mim. Ele pega a

lâmina de punho de Cinco, a estende e destrói as amarras dele. — Todos a

bordo.

Olho novamente para o monstro. Nove bate com o resto da sua barra de

ferro na lateral do pescoço do monstro diversas vezes. Posso ver um pouco de

sangue preto espirrar, mas ele definitivamente não está fazendo muito dano ao

monstro. Então o mogassauro o ataca novamente. Desta vez ele acerta Nove e

ele é forçado a recuar para as costas do monstro.

Acima dos gritos do Caçador, escuto o som familiar do motor de

helicópteros. Um par de rápidos Black Hawks acaba de sair da ponte do

Brooklyn e está a caminho. Então a agente Walker não é totalmente inútil no

fim das contas.

— Você pode me devolver? — Cinco pede a Sam, esticando a mão para a

sua arma.

— Não — eu digo, me colocando entre eles. — Você disse que podia

ajudar. Vá ajudar.

Cinco suspira.

— Certo. Vou fazer do jeito difícil — ele flutua um pouco acima do chão e

me olha. — Vamos lá John. Me incendeie.

— O quê?

— Me incendeie! — ele grita.

Eu não preciso de motivos para machucar Cinco. Acendo meu Lúmen e

lanço uma pequena bola de fogo nele. Ele a deixa acertá-lo e imediatamente

sua pele está coberta em chamas.

— Obrigado — ele diz, e sai voando na direção do Caçador, nosso próprio

míssil em chamas.

Eu me agacho próximo a Daniela e pressiono minhas mãos contra a cabeça

dela. Deixo meu Legado de cura fluir, esperando que isto a ajude com a dor.

Não é realmente meu Legado de cura, sabe? É Ximic, e a cura é o único Legado

que eu sou realmente bom em copiar.

Não ajuda Daniela, mas algo acontece quando a energia flui entre nós. De

repente, percebo exatamente o que está acontecendo dentro dela. Eu posso

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241

sentir também. Uma pressão atrás dos olhos. Um peso grande que parece estar

tentando atravessar minha face.

— Está me destruindo! — Daniela grita.

— Agh, eu sei! Eu também sinto! — respondo, segurando os lados da

minha cabeça como se meu crânio pudesse se quebrar ao meio.

Enquanto isso, Cinco, que é pura velocidade e calor, voa direto para dentro

de um dos olhos do Caçador. Há um som doentio e o monstro grita mais alto do

que nunca. Um momento depois, um buraco explode na nuca do monstro e

Cinco sai por ele. Ele segura algo, que deve ser um dos pingentes lóricos.

— Puta merda — Sam diz. — Isso foi nojento, mas funcionou.

O Caçador acabou de receber um homem bala através do seu cérebro.

Aposto que ele sente algo bem parecido com o que eu e Daniela sentimos

agora. Ele não cai morto como eu esperava. Ao contrário, ele está apenas mais

nervoso. Ele se joga na direção de Cinco, que desvia rapidamente. Ainda

agarrado à besta, mas agora tendo a noção de como realmente machucá-la,

Nove começa a subir em direção aos olhos restante.

E então os Black Hawks chegam. Eles bombardeiam o Caçador com mísseis

que apenas irritam o monstro. Embora eu aprecie a ajuda, as armas deles não

vão machucar esta coisa. Há uma boa chance de que aqueles pilotos acabem

apenas sendo mortos ou acertem Cinco e Nove por acidente.

O Caçador destrói tudo ao redor, esmagando o resto da praça e quase

derruba um dos helicópteros com as costas da mão. Isso faz com que seja

extremamente difícil para que Cinco consiga atacar novamente os olhos da

criatura. Quando o Caçador inclina a cabeça e ruge, o bafo é suficientemente

poderoso para tirar Nove do rosto do monstro.

Ele voa para longe do Caçador e despenca centenas de metros para o

chão. Tento segurá-lo com a minha telecinesia, mas estou muito longe e minha

cabeça está doendo tanto que não consigo me concentrar.

Cinco desce rapidamente, o fogo extinto. Ao invés de atacar novamente,

Cinco pega Nove no ar pelo pulso. Ele o coloca gentilmente no chão. Em

resposta a isso, Nove o soca bem no meio do rosto. Porque é isso o que ele faz.

Os pilotos dos helicópteros estão indo para um novo ataque. Cinco e Nove

estão bem na cola do Caçador. O ataque vai começar em um segundo.

— Se vocês vão fazer algo, agora é a hora! — Sam grita.

Eu não sei o que fazer. Consigo sentir o Legado que eu copiei de Daniela

crescendo dentro de mim, mas não tenho ideia do que ele faz ou como usá-lo.

Eu estou falhando aqui. Tudo o que consegui foi uma dor de cabeça gigantesca.

Tem que haver mais que isso.

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242

Com um choro angustiado, Daniela levanta rapidamente. Ela empurra nós

dois ao mesmo tempo e grita:

— Eu tenho que deixar sair!

Daniela abre os olhos e solta um raio de energia prata que atinge o

Caçador. No começo, ela está completamente fora de controle, mas o raio de

energia que parece dolorosamente grande e que pode destruir a cabeça dela

atinge o corpo todo do monstro. Mas depois de alguns segundos, Daniela

assume o controle. O raio fica mais fino e mais preciso. O resultado é melhor do

que eu poderia ter imaginado.

O Caçador dá um grito confuso, olha para baixo e vê o seu corpo

gigantesco se transformando em uma estátua de pedra. Assim que vejo Daniela

fazendo, percebo que consigo fazer também. Eu me foco no peso atrás dos

meus olhos, como uma pedra começando a descer uma colina, e a empurro.

Minha visão fica cinza enquanto o raio sai pelos meus olhos. É difícil no começo,

tenho que controlar meus olhos, então não é fácil ser preciso, mas pego o jeito

rapidamente. Daniela também. Logo nos estamos pintando faixas cinzas no

corpo todo do monstro confuso.

O Caçador tenta correr em frente para pegar Nove e Cinco, mas suas

pernas não estão mais funcionando. Elas são pedaços sólidos de rocha.

Está acabado alguns segundos depois. Parado ao lado da estátua da

Liberdade existe uma tumba cinza dá mais formidável criação mogadoriana que

já vi, e vai estar aqui para sempre, congelada em uma máscara de confusão e

raiva. Cinco e Nove encaram a coisa, confusos o bastante para não brigarem um

com o outro. Os helicópteros circulam ao redor da criatura, obviamente vendo

que a besta não é mais uma ameaça.

— Minha nossa — Daniela responde, e se inclina em mim para se apoiar.

— Aquilo não foi nem um pouco gostoso de fazer.

Eu massageio meu rosto.

— Não brinca!

— Aquilo foi incrível! — Sam grita. — Você é como uma Medusa.

— Esse não vai ser meu nome de super-herói — Daniela responde

nervosa. — Ugh.

— E você é como... como... — Sam está muito excitado para conseguir

falar.

— Como Pittacus — termino por ele.

— Puta merda, sim! Isso é grande. Você percebe o quão importante isso é?

— É imenso.

— Você está, tipo, roubando os holofotes do meu novo Legado — Daniela

resmunga.

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243

Balanço minha cabeça e gargalho, na verdade me sentindo aliviado pela

primeira vez em dias. Nove anda até o monumento do monstro, com as mãos

nos quadris, e bate na pedra. Enquanto ele faz isso, Cinco volta para o resto de

nós. Noto que ele pendurou o pingente lórico que arrancou do monstro ao

redor do seu pescoço. Fico imaginando se este é o seu pingente original que ele

entregou ou foi tomado por Setrákus Ra, ou se pertence a um dos Gardes

mortos. Eu não pressiono o assunto agora. Ele estende as mãos.

— Bem, eu tentei — ele diz. — Você pode me amarrar de novo se quiser.

Troco um rápido olhar com Sam. Sei que Cinco acabou de nos ajudar, sei

que ele disse que poderia ter quebrado aquelas amarras se precisasse, mas me

sinto mais confortável com ele amarrado. Ele é um descontrolado e um

assassino. Eu não sei se algum dia serei capaz de confiar nele.

Enquanto pego as cordas que Sam cortou há alguns minutos atrás, a

Agente Walker e seu time sobrevivente andam em nossa direção. Ela está em

seu telefone via satélite no meio de uma animada discussão.

Enquanto ela não está prestando atenção, agente Murray sorri para nós e

ergue os dois polegares em um sinal de agradecimento.

Os helicópteros pousam a uma distância em um dos pequenos espaços

que não foram demolidos pelo Caçador. Acho que eles vieram para nos levar de

volta ao acampamento militar. Tenho que descobrir o que aconteceu com os

outros Gardes. Eu não tenho nenhuma cicatriz nova na perna, o que significa

que a batalha foi ganha, ou que ainda está acontecendo. Preciso chegar até

eles, até Setrákus Ra, e colocar esse novo Legado em uso.

Bem, pelo menos o que aprendi a usar dele.

— Sim, senhor — Agente Walker diz ao telefone, então o segura longe do

rosto, piscando em choque como se ela não conseguisse acreditar no que está

acontecendo. Ela parece mais surpresa pela conversa do que pela estátua

gigante de monstro que eu e Daniela acabamos de fazer. Ela segura a boca do

telefone e o estende pra mim. — John, hum... o presidente quer falar com você

— ela assente com a cabeça. — Ele aparentemente... hã ... mudou sua opinião

sobre total suporte aos lorienos. Ele quer você em Washington imediatamente

para discutir a estratégia.

Deixo as cordas com Nove. Ele está todo feliz por ser ele quem irá amarrar

Cinco.

— Me salvar de cair não nos deixa quites — eu o ouço murmurar para

Cinco.

— Não, não deixa — Cinco responde.

Eu os ignoro por agora. Estou prestes a falar com o Presidente. Eu balanço

a cabeça, encarando Walker.

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— Isto é algum tipo de pegadinha, não é?

— Não — Walker diz, balançando o telefone pra mim. — Ele é de verdade.

Soa incrivelmente louco, aparentemente, mas sua filha mais velha acabou de

experimentar algum tipo de... visão? Onde você deu um discurso?

Sam não consegue segurar a risada.

— Não pode ser.

Walker olha para nós.

— Eu perdi alguma coisa?

— Não — eu digo, sorrindo e pegando o telefone. — Eu te explico depois.

Antes que Walker possa me entregar o telefone, meu próprio telefone

começa a vibrar no meu bolso. Somente duas pessoas no mundo tem aquele

número – Sarah e Seis. A luta com Setrákus Ra deve ter acabado se elas estão

me ligando. Caramba, talvez elas até tenham matado aquele velho puto.

— Desculpa — eu digo a Walker, pegando meu próprio telefone. Ela me

olha como se eu fosse louco. — Diga para o Presidente esperar, eu tenho que

atender esta.

Atendo o telefone e imediatamente meu bom humor evapora. Ouço

barulhos, explosões a distância e muitos gritos. Acho que é Mark e ele parece

completamente louco, gritando para alguém acordar. Minha barriga dá um nó.

E então Sarah começa a falar.

— John... — sua voz parece trêmula, fraca. — Escute, eu não tenho muito

tempo...

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Capítulo vinte e cinco

— SEGUREM FIRME! — LEXA GRITA PARA TRÁS DO ASSENTO DO PILOTO, E

A NAVE balança violentamente para o lado. Tiros de canhões passam através

do ar do lado de fora, quase nos atingindo. Ela faz outra manobra evasiva e

nos joga com força para à direita.

A Anubis está nos caçando, descarregando a energia de seu canhão toda

vez que ela tem qualquer coisa na mira. Ainda assim, tenho fé que Lexa vai

nos tirar dessa, vivos. Nossa nave é menor, mais rápida, e ela é uma excelente

piloto.

— O que está havendo aí atrás, Seis? — ela grita, suor escorrendo pelo

seu rosto enquanto ela nos leva para baixo, mais adentro da floresta, usando

as árvores como cobertura. — Seis? Fale comigo, Seis!

Do outro lado do corredor, Ella está sentada com as costas apoiada na

parede, seus joelhos dobrados, encostando-os no peito. Ela se abraça e oscila

para frente e para trás, chorando. Seu rosto está manchado com aquele lixo

oleoso, mas pelo menos ele parou de fluir para fora dela. Ainda há o crepitar

ocasional da energia lórica ao redor de sua cabeça.

— Eu o avisei — ela sussurra para si mesma, de novo e de novo. — Eu

avisei todos vocês que isso iria acontecer.

Marina jaz num sobretudo nos fundos da nave, inconsciente e muito

mal, seu corpo amarrado no chão para não ser arremessado durante mais

uma manobra evasiva. Eu não quero nem pensar em quantos dos seus ossos

estão quebrados, ou se ela vai acordar outra vez.

Isso não impede Mark, desesperado e choroso, de chacoalhá-la

violentamente pelos ombros.

— Acorde! — ele grita na frente dela. — Maldita seja você que tem o

Legado da cura! Você tem que acordar e curá-la!

Adam se joga sobre ele. O mogadoriano empurra Mark com força contra

a parede e pressiona seu antebraço direito contra o pescoço dele. Mark luta

em resposta, então Adam continua pressionando até ele parar.

— Pare! Você pode matá-la, chacoalhando-a desse jeito! — Adam rosna.

— Eu preciso — Mark implora.

Adam chacoalha a cabeça dele com força.

— Não há nada que você possa fazer — ele diz, tentando não parecer

tão frio.

Mark pressiona sua testa contra a do Adam e grita:

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— Nós nunca deveríamos ter vindo aqui!

Todo o caos não parece incomodar Sarah. Ela olha para mim e ri, em

paz. Ela está mais pálida que nunca. Um segundo atrás, eu lhe entreguei meu

telefone via satélite para que ela pudesse ligar para John.

— John... escute, eu não tenho muito tempo — ela diz, sua voz baixa e

fraca.

Minhas mãos estão cobertas com sangue de Sarah. Estou fazendo o

meu melhor para parar o sangramento, mas o ferimento é muito grande. Eu

mal sei exatamente o que a acertou, havia tantos objetos voando através do

ar. Alguma coisa grande e pontuda. A atingiu bem na lateral, acima do quadril

e saiu pelo outro lado. Acertou grande parte de sua cintura. Eu fui atingida

por alguns tiros durante aquela luta contra Setrákus Ra, mas eu vou

conseguir.

Sem Marina, Sarah não tem chance.

Ela me arrastou para longe da pista de pouso onde eu ainda estava

paralisada. Eu não sei como ela o fez, sangrando tanto. Adrenalina? Sua força

se esvaiu quando chegamos na floresta. Eu tive que carregá-la pelo resto do

caminho até a nave de Lexa.

O chão está coberto com o sangue dela. Assim como minhas roupas.

Está por espalhado por ambas as minhas mãos. Isso aconteceu por

minha culpa. Porque ela não me deixaria enfrentar Setrákus Ra sozinha.

Garota estúpida. Ela provavelmente salvou minha vida.

— Por favor, John, não fale, apenas escute... — Sarah diz. — Você

precisa saber, que desde o primeiro momento que eu o vi em Paradise High,

eu sabia que iriamos nos apaixonar. E eu nunca me arrependi nem um

segundo sequer. Nem mesmo agora. Eu te amo com todo meu coração, John.

E sempre amarei. Tudo... tudo valeu a pena.

A nave se inclina com força para a esquerda. Mesmo se eu matasse

Setrákus Ra lá, não impediria de sermos caçados pela Anubis. Como vou

explicar isso para John? Como vou viver com isso?

Deveria ter sido eu.

— Eu queria... eu queria poder ter visto você mais uma única vez —

Sarah diz baixinho, lágrimas caindo de seus olhos. — Talvez eu ainda vá vê-lo.

Estarei esperando por você, John, onde quer que seja. Talvez seja... seja

como Lorien. Ou Paradise.

Bernie Kosar jaz perto de Sarah. Ele choraminga e lambe o rosto dela.

Isso a faz sorrir um pouco.

— BK está aqui — ela diz para John, parecendo cada vez mais distante.

— Ele disse oi.

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Sarah suspira. Tosse. Sangue escorre pelas laterais de sua boca, vindo de

dentro dela. Eu a vejo tentando lutar. Ela está se esforçando para ficar.

— Me prometa, John... me prometa que você vai continuar lutando. Me

prometa que vai ganhar. Não desista por nada, meu amor. Por favor, apenas

se lembre, eu te amo John. Eu sempre...

Sarah para de falar. Sua boca se move por mais alguns segundos, mas

nenhum som sai, e então ela para. Eu mantenho uma das mãos contra seu

estômago e continuo com a outra atrás de seu pescoço, mesmo já sabendo.

Ela se foi.