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PEREGRINAÇÃO SANTA 1 Lendo orações a Santa Dymphna, para proteção contra VDCA Peregrinação: jornada a lugares santos ou de devoção. Fonte: Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, 1º edição

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PEREGRINAÇÃO SANTA

1

Lendo orações a Santa Dymphna, para proteção

contra VDCA

Peregrinação: jornada a lugares santos ou de devoção. Fonte: Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, 1º edição

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será mais um Ponto de Encontro...

você aprenderá ORAÇÕES INTERESSANTES de proteção contra VDCA

A Q U I

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PARTICIPE!

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O Cenário

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Após várias consultas aos mapas

da região, você conseguiu chegar a TILBURG (Holanda),

pequena cidade localizada no território de

BRABANT, por onde Van Gogh tanto

peregrinou em sua meninice.

Fonte: Mapa dos Países Baixos (Holanda e Bélgica), Google Mapas, acessado a 28/02/2012

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Imagine-se um(a) Peregrino(a) também. Busque orientar-se como na figura e olhando para o céu procure identificar a constelação que os índios chamam de HOMEM VELHO e que está de cabeça para baixo. Ela vai ser seu guia porque é uma constelação que, segundo a lenda, tem sua origem no incesto, enquanto relação sexual proibida pela lei ou pelos costumes

Segundo o mito, “a tradição diz que um índio velho se casou com uma jovem que, após trai-lo com seu irmão, decidiu cortar sua perna e depois mata-lo. Os Deuses teriam ficado com pena e transformado o ancião em estrelas”. (Folha de S.Paulo, 19/02/2012, C15)

E é bom lembrar: você está para iniciar a Peregrinação de Santa Dymphna cuja vida vai resumida a seguir.

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(Folha de S.Paulo, 19/02/2012, C15)

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VIDA DE SANTA DYMPHNA Santa muito popular na Europa é conhecida pela sua lendária historia, na qual era uma linda filha de um chefe Céltico pagão. Convertida ao cristianismo, ela fugiu de casa após a morte de sua mãe para escapar aos torpes assédios de seu pai, que tentou até mesmo violenta-la. Fugiu para a Bélgica em companhia do seu confessor São Gerebernus, um velho padre amigo da família e dois companheiros ajudantes. Eles fundaram um oratório perto de Amsterdã e passaram a viver como eremitas. O pai de Dymphna, entretanto mandou caça-los e acabou encontrando-os e ele matou Gerebernus e os dois companheiros. Ele ordenou que ela retornasse com ele, mas ela se recusou e acabou sendo torturada e finalmente num acesso de fúria ele a degolou. As relíquias dos quatro mártires foram descobertas anos mais tarde em Gheel, perto de Amsterdã, no século 13 e milagres foram relatados entre os doentes de insanidade, possessão e epilepsia. Por isto um asilo foi construído no exato local do achado, e ainda está por lá e continua a tratar dos mentalmente doentes e milagres ainda são reportados como creditados a intercessão de Santa Dymphna. Ela é protetora dos mentalmente insanos, dos que sofrem colapsos nervosos, stress, dos epilépticos e é invocada contra o sonambulismo e a insônia. É a padroeira do profissionais que trabalham com a saúde mental, psiquiatras e psicólogos. Em alguns locais é comum orar o Rosário de Santa Dymphna com 18 contas amarelas representando seus poucos anos de vida e duas contas límpidas e transparentes representando sua pureza e no final a sua medalha. Na arte litúrgica da Igreja, ela é representada 1) como uma princesa segurando uma espada, 2) afugentando o demônio com a espada, 3)com São Gerebernus, 4) como uma princesa segurando uma lâmpada, 5)orando enquanto seu pai assassinava Gerebernus, 6) orando numa nuvem cheia de lunáticos presos com correntes de ouro, 7) sendo decapitada pelo pai. Sua festa é celebrada no dia 15 de maio. (Fonte: Cadê Meu Santo, Google, acessado a 28/02/2012)

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ORAÇÃO A SANTA DYMPHNA (1) Ó Senhor nosso Deus que graciosamente nos deu Santa Dymphna como padroeira daqueles aflitos com doenças mentais e desordens nervosas. Ela é assim um símbolo e uma inspiração de caridade aos milhares que buscam sua intercessão e recebem as suas graças milagrosas. Por favor, Senhor meu Deus, através das orações a esta pura e jovem mártir, console e cure todos os sofrimentos do nosso próximo especialmente daquele que pedimos agora( aqui coloque sua prece ao nome do favorecido). Nós imploramos Ó Senhor que ouça as nossas preces a Santa Dymphna em nosso benefício e garanta abrandar seu sofrimento e a cura que tanto desejamos. Nós pedimos através de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sofreu a agonia no Jardim das Oliveiras. Que Assim Seja. ORAÇÃO A SANTA DYMPHNA (2) Para os aflitos mentalmente. Ó Deus, rogamos humildemente a Vós através de sua serva, Santa Dymphna, que selou com o seu sangue o amor que teve por Vós, concedei o alívio aos que sofrem de enfermidades mentais e nervosas, em especial... Mencione o nome da pessoa aqui. Santa Dymphna, ajude os mentalmente afligidos, orai por nós. Glória ao Pai. Que Assim Seja. (Fonte: Cadê Meu Santo, Google, acessado a 28/02/2012)

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Imagine-se com o Rosario de Santa Dympha e comece a caminhar,

caminhar, caminhar...

São 18 contas amarelas, representando uma vida cortada por um pai incestuoso... Em cada conta amarela você vai fazer uma pequena parada e dizer “Querida Santa Dymphna: Violência Sexual Incestuosa na minha casa NÃO!

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A CHEGADA A GHEEL

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Imagine-se, agora, chegando à pequena cidade onde foram encontradas relíquias da Santa, há mais de 7 séculos. Se quiser escolha uma das seguintes orações e faça sua prece.

ORAÇÃO A SANTA DYMPHNA Ó Senhor nosso Deus que graciosamente nos deu Santa Dymphna como padroeira daqueles aflitos com doenças mentais e desordens nervosas. Ela é assim um símbolo e uma inspiração de caridade aos milhares que buscam sua intercessão e recebem as suas graças milagrosas. Por favor, Senhor meu Deus, através das orações a esta pura e jovem mártir, console e cure todos os sofrimentos do nosso próximo especialmente daquele que pedimos agora( aqui coloque sua prece ao nome do favorecido). Nós imploramos Ó Senhor que ouça as nossas preces a Santa Dymphna em nosso benefício e garanta abrandar seu sofrimento e a cura que tanto desejamos. Nós pedimos através de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sofreu a agonia no Jardim das Oliveiras. Que Assim Seja.

ORAÇÃO A SANTA DYMPHNA Para os aflitos mentalmente. Ó Deus, rogamos humildemente a Vós através de sua serva, Santa Dymphna, que selou com o seu sangue o amor que teve por Vós, concedei o alívio aos que sofrem de enfermidades mentais e nervosas, em especial... Mencione o nome da pessoa aqui. Santa Dymphna, ajude os mentalmente afligidos, orai por nós. Glória ao Pai. Que Assim Seja.

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O caminho de volta

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Antes de retornar imagine-se visitando o Hospital que abriga doentes mentais e que foi construído no local onde as relíquias foram achadas. Nele ainda ocorrem curas milagrosas segundo dizem... No caminho de volta você busca aprender melhor o que há de falso ou verdadeiro sobre VDCA de natureza sexual.

Leia com atenção! Pense bem!

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Verdades e Mentiras sobre VDCA de Natureza

Incestuosa

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I. MITO A vitimização sexual é rara.

FATO Pesquisas recentes indicam que 1 em 3 a 4 meninas e 1 em 6 a 10 meninos serão vítimas de abuso sexual até a idade de 18 anos.

II. MITO As crianças menores de 10 anos estão a salvo.

FATO Mais de um terço das notificações envolvem crianças de 5 anos ou menores.

III.

MITO Se as crianças forem ensinadas a evitar “estranhos perigosos”, elas não serão sexualmente vitimizadas.

FATO 85-90% dos agressores são conhecidos da criança. Qualquer adulto ou criança mais velha pode ser um agressor sexual.

IV.

MITO Os agressores são homens velhos violentos, alcoólatras e desempregados. São sexualmente depravados, homossexuais, retardados ou loucos.

FATO Geralmente, os agressores parecem normais, sob vários aspectos. Os crimes sexuais têm sido cometidos em todos os níveis socioeconômicos e em todos os grupos raciais, religiosos e étnicos. Crianças são vitimizadas no campo e na cidade. A maioria dos agressores sexuais são homens heterossexuais e têm acesso a relações sexuais com adultos.

V.

MITO Se uma criança “consente”, é porque deve ter gostado; se ela não diz “não” é porque não é abuso.

FATO Vitimização sexual nunca é culpa ou responsabilidade da criança. O agressor sexual tem inteira responsabilidade pelo crime, qualquer que seja a forma por ele assumida. Muito abuso se dá sem uso da força física.

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VI.

MITO Vitimização sexual costuma ser um único ato violento que envolve conjunção carnal.

FATO A vitimização sexual pode incluir telefonemas obscenos, exposição de genitais ou seios, mostrar a uma criança materiais pornográficos, prática de atos libidinosos (incluindo masturbação), relações (ou tentativas) sexuais orais / anais / vaginais e exploração da crianças através de prostituição e/ou produção de pornografia.

VII.

MITO Se os agressores são detidos e prometem parar, geralmente o fazem.

FATO Os agressores quase nunca procuram um tratamento para parar o abuso voluntariamente; eles podem parar de vitimizar uma dada criança, mas logo podem fazer o mesmo contra outra. A vitimização quase sempre continua de um modo ou de outro, a menos que o agressor esteja em tratamento em alguma instituição especializada.

VIII.

MITO A maioria das crianças esquecerá a vitimização, desde que os adultos não lhes relembrem-na.

FATO Crianças não costumam esquecer. Elas podem tentar ocultar seu sofrimento, sua confusão e seu ódio porque acreditam que os adultos não querem ouvir falar disso. Elas podem interpretar o silêncio adulto como censura ou raiva. É muito importante que a vítima, o agressor e o pai (mãe) não-agressor recebam tratamento terapêutico especializado.

IX.

MITO Crianças só não revelam “o segredo” se tiverem sido ameaçadas com violência.

FATO Crianças podem não falar por medo de violência contra si ou contra alguém que amam. Elas também não contam quando temem censura e temem acarretar ruptura da família.

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X.

MITO Falar sobre “toque” e vitimização sexual fará com que pais e filhos se sintam desconfortáveis em relação ao afeto normal.

FATO Todas as pessoas necessitam contatos físicos. Abuso sexual não deve ser confundido com contato entre um adulto e uma criança que estiverem expressando amor. Contatos sexualmente abusivos são em benefício do agressor, não da criança.

XI. MITO Crianças inventam histórias de vitimização sexual

FATO Crianças raramente inventam histórias de vitimização sexual. Crianças geralmente falam a partir de sua própria experiência e não podem fabricar informação, a menos que tenham sido expostas a ela.

XII. MITO Meu (minha) filho (a) jamais será sexualmente vitimizado.

FATO Todas as crianças são vulneráveis à vitimização sexual devido a sua inocência, confiança nos adultos, tamanho, vontade de agradar e necessidade de afeto.

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Ainda com dúvidas? Então

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Maria Amélia Azevedo INCESTO PAI-FILHA: UM TABU MENOR DE UM

BRASIL MENOR Desenho do Labirinto, em moeda de bronze, encontrada no palácio de CNOSSOS em Creta Tese apresentada ao Instituto de Psicologia da USP, como um dos requisitos à obtenção do título de Livre Docente em Psicologia

S. Paulo – 1991

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CAPÍTULO 6.0 A CONTRA IDEOLOGIA DO ABUSO-VITIMIZAÇÃO: VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES E CRIANÇAS A)– Considerações Preliminares O rompimento do complô de silêncio que cercou tradicionalmente a questão do incesto pai-filha só foi possível na esteira do que poderíamos chamar de escândalo e denúncia. A primeira, mais antiga, porém, mais episódica, consistiu em revelar casuisticamente e, de forma algo sensacionalista, o que a sociedade – especialmente dentro da civilização Ocidental – teimava em ignorar: que o incesto pai-filha apesar de proibido costumava ser praticado de forma corriqueira. A segunda, mais atual e coerente consistiu numa reconceituação do fenômeno a partir de movimentos contra-ideológicos de denúncias da violência contra mulheres e crianças. Ainda que brevemente, vamos recuperar ambas as vertentes.

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B)– A Vertente do escândalo B1 – SADE Esta vertente remota longinquamente ao Marquês de Sade. Sade nasceu em 1740 e morreu em 1814. Sua vida –tristemente famosa como a de um libertino sem limites – desenrolou-se na França da Revolução Francesa, período conturbado de demolição e reconstrução social. Donatien de Sade pertencia a uma família nobre, aparentada da família real francesa. Rejeitado pelos pais, foi criado pela avó e por um tio abade, notoriamente conhecido por manter relações incestuosas com duas amantes, mãe e filha. Casado, contra sua vontade com uma jovem de família rica, a quem iria caracterizar como “demasiadamente pudica e fria”, o jovem Marquês de Sade acabou se envolvendo em episódios sexuais de maus tratos a mulheres, os quais acabaram lhe valendo condenação à morte (à revelia) e, mais tarde, uma pena de 13 anos na prisão, seguida de internação em asilo de loucos. Nos anos em que esteve preso ou internado, o indomável Marquês escreveu intensamente. Além de ter sido o protótipo de um galanteador típico, Sade foi um ácido crítico da sociedade hipócrita da época, o que lhe valeu não poucos aborrecimentos. Sua vida e sua obra foram um permanente desafio ao que a sociedade da época considera mais sagrado e proibido em termos de sexualidade. E é exatamente isto que justifica o interesse que desperta até hoje.

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“Muito embora a imagem popular de Sade seja a de um demônio e o seu nome tenha sido usado para designar um desvio sexual específico, pesquisas recentes e a crítica literária mostram que ele foi um misto fantástico de gênio e neurose. A violência com que ele foi perseguido em seu próprio tempo prova que seus atos e suas obras infringiram os tabus mais sagrados da época, espelhando assim tudo aquilo que se queria negar ou evitar”. (1) Ele próprio assim se define: “voluntarioso, colérico, arrebatado, extremado em tudo, de um desregramento de imaginação quanto aos costumes como igual nunca houve, ateu até o fanatismo, eis em duas palavras como eu sou; e repito: matem-me ou aceitem-me, assim, porque eu jamais mudarei.” Pois foi esse Sade que compôs uma novela, na qual faz uma incursão realmente exemplar pelos caminhos do incesto pai-filha; exemplar na medida em que, ao invés absolver o pai acaba, ao contrário, por culpabilizá-lo. Nesse sentido, seu trabalho é uma forma irreverente e iconoclasta de apresentar a questão incesto pai-filha. Pode-se considerá-la por isso mesmo anti-ideológica na medida em que é uma forma de apresentar a questão na direção oposta à da camuflagem imposta pela ideologia patriarcal do interdito e da negação. De fato, o personagem sadiano se designa claramente culpado e se suicida* “Amigo, eu morro, mas morro oprimido de remorsos... Conte aos que me restam, o meu fim deplorável e os meus crimes, diga-lhes que assim deve morrer o triste escravo das suas paixões, vil bastante, para ter afogado em sua alma o grito do dever e da natureza.” (2)

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É verdade que o processo de sedução de Eugenie, pelo pai, é feito de forma a deixar claro que ela não passou sempre de um objeto de desejo deste – desejo presente ao que parece desde seu nascimento – e, como tal, totalmente submissa a ele. Eugenie é em realidade, uma criatura do pai, já que a modela através de um longo processo de formação tutorial que se mostrou também ser um processo de sedução.** Sedução. É o que fica patente, quando ao completar Eugenie seus catorze anos, Franval lhe pede que se entregue a ele. “Mas que pedido é esse? Acaso não és dono de tudo? Não te pertence tudo o que fizeste e poderá gozar da tua obra? Há contudo os preconceitos dos humanos... Tu nunca mos escondestes. Todavia não quero transpô-los sem o teu consentimento. Não os desprezas como eu?” (2) É verdade, também que não deixou de culpabilizar e responsabilizar Eugenie, “monstro que (Franval) tão bem soube seduzir”. (2) ____________________________________ *Eugenie de Franval é uma novela trágica que relata o relacionamento incestuoso do rico Conde de Franval com a filha Eugenie. Através de um processo que poderia ser definido como de longa sedução, o Conde assume a educação da filha e a convence a entregar-se a ele, o que ocorre quando ela completa 14 anos. Paulatinamente chega a sugerir-lhe que mate a própria mãe o que ela faz, morrendo em seguida. Franval, sabendo da notícia suicida-se também. ** Nesse sentido, a paternagem exercida por Franval retoma a mito de Pigmaleão e tem a ver com o arquétipo do Pai-Criador. “A paternidade começa com a criação...Criar vida é ser pai...Deuses e heróis, em mitos de muitas culturas, exprimiram o desejo de tomar a si o processo de criação. Na lenda escandinava, Imir produziu vida a partir dos sovacos e dos pés, enquanto dormia. Numa história australiana da criação, o grande pai Karora também usa seus sovacos para produzir o mundo inteiro sem a participação de uma mulher. Na lenda grega, Zeus não toma parte na criação do mundo, mas assume de fato o poder de dar à luz a crianças individuais. Atena brotou, plenamente crescida, de sua testa. Seu meio-irmão Dionísio teve um começo apenas um pouco mais convencional: cresceu durante seis meses no ventre de Sêmele, sua mãe, mas quando esta morreu (por ter-se atrevido a contemplar Zeus em sua forma divina), Zeus tomou a criança, costurou-a em sua própria coxa e levou a gravidez ao fim. Pigmalião, um mortal, descobriu um meio de sobrepor-se às limitações do seu corpo masculino: esculpiu em argila sua mulher ideal. Esses e outros mitos semelhantes descrevem o potencial andrógino do poderoso deus masculino, capaz de duplicar, se necessário, a função feminina da gravidez”.(3)

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Todavia, embora não tenha ultrapassado o marco da cultura machista, Sade teve pelo menos um mérito, reconhecido por Simone de Beauvoir. “O mérito de Sade não está apenas em ter gritado bem alto o que cada qual se confessa envergonhadamente. Contra a indiferença escolheu a crueldade(4).” Por isso, talvez, tenha optado por matar todos os seus personagens ao fim de sua novela trágica, reconhecendo a culpa tanto de Franval quanto de Eugenie... B2 – MASSON Cerca de 150 anos depois de Sade, a cidadela dos fiéis discípulos de Freud foi abalada por um escândalo de proporções gigantescas. O psicanalista Jeffrey M. Masson, ao ser nomeado diretor do Arquivo Sigmund Freud em Nova York, se impôs a tarefa de publicar a correspondência entre Freud e Fliess, que se encontrava em poder de Ana Freud, o que acabou sendo concluído em 1985(5). Todavia, sem notificar a filha de Freud, Masson extraiu dessa correspondência uma série de argumentos, através dos quais atacou duramente Freud por ter abandonado sua “teoria da sedução”. Masson mostrou não aceitar as idéias freudianas “de que a agressão sexual das crianças é fruto da própria fantasia destas. Opinava que Freud abandonou sua teoria original, não por “considerações teóricas, ou em virtude de novo material clínico comprobatório, mas porque não teve a suficiente coragem para manter-se nela”.

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Em realidade, Masson supõe que a sedução poderia muito bem ter ocorrido em todos os casos. Mas Freud foi demasiado covarde para manter a representação impopular. O autor acusa Freud de mentira, através da qual haveria granjeado para si, uma série de vantagens pessoais. E se baseia, para isso, em estatísticas segundo as quais a violência em tenra infância “é muito mais frequente do que se pensa; e afeta uma em cada três mulheres da população global”.(6) As argumentações de Masson foram publicadas, em 1984, no livro de sua autoria, intitulado Que te han hecho, pobre niño?* Apesar do enorme escândalo, as repercussões foram relativamente limitadas. O mundo psicanalista prossegue impavidamente na posição assumida por Freud de atribuir a agressão sexual à criança em geral (e o incesto-pai-filha em especial) à fantasia da própria criança. Uma das consequências dessa postura consiste na desconfiança crônica (persistente até hoje) com que se encara as queixas infantis de crianças que se dizem vítimas de agressão sexual dos adultos, parentes ou não. _____________________________________ * Ao qual infelizmente não pude ter acesso.

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B3 – DURRELL Em 1990 faleceu o escritor inglês Lawrence Durrell autor de obras famosas como Quarteto de Alexandria* e Quinteto de Avignon. Essas obras permeadas de amores perversos e até mesmo incestuosos fez até hoje a delícia de um sem números de leitores. Em maio de 1991, muitos desses leitores fiéis foram escandalizados com o depoimento de Bárbara Robson, executora do testamento da filha mais nova de Durrell. Segundo ela, a jovem que recebeu o significativo nome de Sappho-Jane foi seduzida por seu pai quando tinha a mesma idade da heroína de Sade: 14 anos. Para dominá-la, seu pai teria chegado, inclusive a lhe bater. Sappho tentou um casamento que fracassou. Chegou – tal como Eugenie de Franval – a considerar até mesmo a idéia de parricídio o que não se concretizou, porém. Após uma tentativa fracassada de suicídio, em 1º de fevereiro de 1985, aos 33 anos, conseguiu enforcar-se após ter tomado uma “overdose” de comprimidos. Deixou um bilhete amargurado. “Caso meu pai peça para ser enterrado comigo, espero que o pedido seja recusado”. Com pai e filha mortos não há como comprovar a história de incesto. Não há como negar porém a qualidade desgraçada de vida vivida por Sappho-Jane, que se suicidou tal como Lívia, do Quinteto de Avignon. Pode-se porém, inferir que as obras de Durrell trazem a marca desse segredo já que como ele próprio gostava de repetir “um bom escritor, não precisa de biografias. Toda a sua vida está em suas obras”. O bilhete deixado por Sappho-Jane parece ser um testemunho eloquente disso. _____________________________ * Como escreveu Durrell, o Quarteto é um romance em quatro dimensões sendo três partes de espaço e uma de tempo: Justine, Baltazar, Moutolive, Cléa. Desenvolve-se em Alexandria, inspirado, ao que parece na idéia, expressa por Freud, de que “todo ato sexual é um processo que envolve quatro pessoas.”

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B4 – O que o escândalo revela Embora de forma assistemática, os escândalos mencionados a título meramente exemplificativo tiveram e têm o mérito de chamar atenção para o fato de que a transgressão do tabu do incesto pai-filha é uma realidade que não se pode negar. Embora revestida de tons literários, essa violação parece ocorrer, sempre sob a égide do silencio – conseguido por vezes à custa de intimidação da vítima. Essa característica de ocultação fez dessa prática um segredo, talvez o segredo mais bem guardado, no seio da família patriarcal. Mas os escândalos mencionados mostram que se trata de um segredo trágico, de um real pesadelo para a jovem ou criança que dele participa. Suas consequencias podem ser graves e fatais envolvendo suicídio e parricídio. A implicação que se pode tirar desses escândalos é que eles apontam, para a coexistência do tabu incesto pai-filha com sua transgressão através da vigência de uma prática sexual duplamente ordinária: ordinária porque comum, corrente, ao contrário do que se poderia pensar e que pode ocorrer sim, diversamente do que Freud pareceu crer, em famílias “aparentemente respeitáveis”; ordinária porque desqualificadora para transgressor e vítima. Por outra palavras e por caminhos diversos, o escândalo confirma a tese de que o tabu incesto pai-filha é e continua sendo um tabu menor razão porque pode ser violado impunemente, desde que em segredo. Afinal, Molière já ensinara que “pecher n’este pas pêcher qu’avec scandale...” O que o escândalo revela é o incesto pai-filha enquanto incesto real, isto é, enquanto uma transgressão menor que não deixa aliás de ser coerente com a outra acepção que a expressão incesto real teve na história da Humanidade: transgressão institucionalizada permitida para privilegiados...

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C – A vertente da denúncia Foi só a partir dos anos 70 do século XX, que a questão do incesto pai-filha foi descoberta pela 3ª vez e dessa vez não pode mais ser encoberta. Isso ocorre a partir de dois movimentos sociais básicos, ambos ligados à denúncia de violência doméstica contra mulheres e crianças. Desta vez, como salientou Herman, a informação produzida “não pode mais ser suprimida porque começou a chegar à consciência exatamente daquelas que tinham maior necessidade desse conhecimento, ou seja das próprias vítimas”.(7) C1 – Feminismo: o incesto pai-filha como violência contra mulher-criança O feminismo pode ser definido como “um movimento e um conjunto de teorias que tem em vista a libertação da mulher. Esse movimento nasceu nos Estados Unidos e se desenvolveu rapidamente por todos os países industrialmente avançados, entre os anos 1968 e 1977.”(8) Em seu significado mais amplo, o Feminismo se constituiu numa forma radical de denúncia da opressão da mulher, a qual se manifestaria tanto a nível das estruturas como das superestruturas, assumindo modalidades diversas no seio das várias classes sociais. Segundo o Feminismo essa opressão se traduziria de vários modos, entre os quais a discriminação (no trabalho, educação) e a violência seriam formas privilegiadas.

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Tal como se concebe hoje, o Feminismo é uma superação de duas tendências básicas: a tradição feminista liberal e tradição feminista marxista. “Na tradição feminista liberal, o sistema social como uma totalidade não é questionado e as assimetrias e desigualdades sexuais são vistas como fenômenos anti naturais e culturais, produzidos por leis obsoletas, educação discriminatória, mentalidades atrasadas. Centrada, portanto, nas lutas pela igualdade entre os sexos, seus objetivos são a conquista de direitos civis e a eliminação de todas as formas de discriminação sexual, presentes nos âmbitos social, econômico e político.”(9) Já na base da tradição feminista marxista “encontra-se o pensamento clássico para o qual o sistema capitalista seria responsável pela opressão feminina”. (9)

A tentativa de superação dessas duas tendências transparece no significado que o termo libertação adquiriu para o Feminismo contemporâneo, em contraposição ao conceito de emancipação característico dos movimentos do século XIX*.

________________________ * “A luta pela emancipação consistia na exigencia da igualdade (jurídica, política e econômica) com o homem, mas mantinha-se na esfera dos valores masculinos, implicitamente, reconhecidos e aceitos. Com o conceito de libertação prescinde-se da “igualdade” para afirmar a “diferença” da mulher, entendida como assunção histórica da própria alteridade e busca de valores novos para uma completa transformação da sociedade”.(8)

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Em sua trajetória histórica, o Feminismo deparou-se não apenas com a necessidade de denúncia – tão ampla quanto possível – das várias formas de opressão social da mulher quanto de procurar explicar as causas e as origens da opressão feminina. Neste último caso, o Feminismo defrontou-se com duas indagações principais: a opressão viria da necessidade de controlar a sexualidade feminina ou da necessidade de controlar a força de trabalho feminina para fins de acumulação? Essas questões implicaram em temáticas e abordagens próprias: “de um lado aquelas cujo eixo de reflexão está na formulação de uma teoria do Patriarcado, de outro a corrente marxista, cuja principal problemática é a da divisão sexual do trabalho, embora frequentemente tente integrar as duas problemáticas.”(10) A violência contra a mulher – física, sexual ou psicológica, ocorrida especialmente no lar, passou a ser denunciada como estratégia de controle da sexualidade feminina e a ser explicada no contexto da teoria do Patriarcado enquanto ordenação hierárquica sexual, para fins de controle político. Nesse esforço de desvendar as raízes sexuais da violência social contra a mulher as feministas trouxeram à luz muitos temas tabu, muitos temas proibidos entre os quais estupro, espancamento e violência sexual contra crianças. Foi a partir do trabalho de feministas pioneiras nos Estados Unidos, e na França que o tema do incesto pai-filha passou a ser visto como violência sexual doméstica contra a criança e pode enfim passar a ser discutido com maior abertura, ganhando foros de legitimidade científica. No caso dos USA, merecem destaque os nomes de: a) Florence Rush, uma assistente social psiquiatrica, com enorme experiência na área de

abuso sexual infantil. Em 1980 publica o famoso The Best kept secret/Sexual Abuse of Children(11), considerado até hoje como uma discussão competente e humanista sobre a questão do abuso sexual de crianças, examinado tanto na perspectiva histórica quanto na do aqui e agora.

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b) Judith Lewis Herman,uma psiquiatra feminista que publica em 1981 o também famoso Father-Daughter Incest(7). Através de um cuidadoso estudo clínico de vítimas de incesto pai-filha, a autora refuta a posição de que o incesto pai-filha seria sem consequencias para a família e situa a responsabilidade do problema na família incestogênica, dominada por um pai patriarcal.

c) Diana E. H. Russel, professora de Sociologia, que através de um cuidadoso e representativo levantamento empírico demonstrou ser o incesto endêmico na cultura americana.

Os resultados de suas pesquisas foram publicados em 1986 no hoje clássico The Secret Trauma Incest in the lives of Girls and Woman.(12)

No caso da França, deve-se mencionar o nome de:

d) Eva Thomas, ela própria uma “sobrevivente do incesto pai-filha, autora do conhecido A violação do silêncio (13) e diretora de Peau D’âne, revista do S.O.S. Inceste, “locus de escuta e acolhida destinada a ajudar vítimas de abusos sexuais na infância e adolescência.” A partir do trabalho dessas pioneiras, um grande número de estudos e pesquisas foram produzidos sobre a questão do incesto pai-filha, enquanto forma de violência machista contra a mulher-criança. Isso foi possível porque essas pioneiras partiram de uma perspectiva feminista para enfocar a questão do incesto pai-filha. É o que Herman quis significar quando afirmou “não ser possível escrever desapaixonadamente sobre incesto. O assunto está inteiramente imerso não apenas no mito e folclore, mas também na ideologia...Sem uma análise feminista fica-se perdido para explicar porque a realidade do incesto foi suprimida durante tento tempo por profissionais investigadores supostamente responsáveis e porque a discussão do assunto teve que esperar o movimento de liberação das mulheres...”(7)

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C2– “Puerilismo” – o incesto pai-filha como maus tratos contra criança Edward Claparède já profetizara que o século XX seria o “século da criança”. De fato, ao longo dele, testemunhamos o surgimento e afirmação de um movimento que, à falta de melhor nome, designamos de “Puerilismo”, por analogia com o Feminismo. Enquanto este, tem como proposta básica a liberação das mulheres da opressão que as subalterniza, o “Puerilismo” tem como proposta fundamental a promoção e proteção integral de crianças e adolescentes. Os pressupostos desse movimento amplo e multiforme podem ser resumidos na afirmação de que crianças e adolescentes são: sujeitos de direitos pessoas em condição peculiar de desenvolvimento prioridade absoluta • Sujeitos de direitos A criança e o adolescente são sujeitos de direitos, na medida em que têm o direito de ser reconhecidos e respeitados como PESSOA, não podendo, portanto, ser tratados como objeto passivo da intervenção da família, da sociedade e do Estado. • Pessoas em condição peculiar de desenvolvimento Além dos direitos de que gozam os adultos (reconhecidos genericamente como Direitos Humanos), as crianças e os adolescentes gozam de direitos especiais e, portanto, são sempre merecedores de proteção porque: não têm conhecimento pleno de seus direitos; não têm condições de defender sozinhos os seus direitos; não são competentes para satisfazer suas necessidades básicas; não podem responder pelo cumprimento das leis e obrigações de cidadão, em igualdade de condições com os adultos.

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• Prioridade absoluta Crianças e adolescente devem ser considerados prioridade absoluta, seja para receber atendimento, proteção, socorro seja para a formulação e execução de políticas públicas de vários matizes. Embora correndo o risco de supersimplificação, podemos dizer que esse movimento acabou se subdividindo em duas linhas principais: a de defesa dos direitos da criança; a de estudo da criança.

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CAPÍTULO 6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1)HAYS, R.R. – O sexo perigoso – O mito da maldade feminina – R.J. - Biblioteca

Universal Popular, 1968, pg. 262. (2) SADE, MARQUÊS DE – Novelas – São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1961, pg.148,

pg. 97. pg. 139. (3) COLMAN, A. & COLMAN, L. – O pai/Mitologia e Reinterpretação dos Arquétipos –

São Paulo, Cultrix Editora, 1988, pg.39. (4) BEAUVOIR, SIMONE – Deve-se queimar Sade? In Sade, Marquês de - Novelas, São

Paulo, difusão Européia do Livro, 1961, pg. 63. (5) MASSON, J.M. (Ed) – A correspondência completa de Sigmund Freud para Wilhem

Fliess – (1887-1940), Rio de Janeiro, Imago, 1986. (6) MARKUS, G. – Freud, El mistério Del alma - Madrid, Espasa – Calpe, 1990, pg. 156-

157. (7) HERMAN, J.L. – Father-daughter incest – Cambridge Harvard University Press, 1981,

pg. 18, pg. 3, pg. 4. (8) ODORISIO, GINEVRA CONTI – Feminismo – in Bobbio et alii – Dicionário de Política,

Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1986, pg. 486. (9) GOLDBERG, ANETTE – Tudo começou antes de 1975: idéias inspiradas pelo estudo da

gestação de um feminismo “bom para todo o Brasil” in Relações Sociais de Gênero X Relações de Sexo – São Paulo, Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero, 1989, pg. 6, pg. 7.

(10) LOBO, ELISABETH DE SOUZA – Os usos do gênero in Relações Sociais de Gênero X Relações de Sexo São Paulo, Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero, 1989, pg. 77.

(11) RUSH, FLORENCE – The Best kept secret/Sexual Abuse of Children – N. York, McGraw Hill Book Co, 1981.

(12) RUSSELL, DIANA E. H. – The SECRET TRAUMA/Incest in the lines of Girls and Women – N. York, Basic Books Inc. Publ., 1986.

(13) THOMAS, EVA – A violação do silêncio - São Paulo, Martins Fontes, 1988.

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INCESTO Um fenômeno arquetípico Regina Biscaro A vida imita a arte Não há artifício capaz de esconder, aos olhos da câmera, aquilo que existe ou não existe numa alma. (F. W. Murnau)

Diz o ditado que a vida imita a arte. Quem espelha quem, não sabemos. Gostaria apenas de caminhar pelo mundo do cinema e da literatura, para analisar alguns aspectos do tema incesto em alguns filmes e obras literárias.

Começarei então com William Shakespeare, mais precisamente com a obra Hamlet, Príncipe da Dinamarca.

A história de Hamlet foi narrada primeiramente por Saxo Grammaticus no século XIII, que teve como fonte a saga skaane: uma lenda escandinava na qual Feng assassina seu irmão Horwendil e casa-se com Gerutha, a viúva do irmão; sendo depois morto, por sua vez, por Amleth, o filho vingador.

Na história de Shakespeare, Claudius envenena o irmão (pai de Hamlet e rei da Dinamarca) e casa-se com Gertrude, sua cunhada. É através da aparição do espectro do pai, que Hamlet fica sabendo do assassinato, até então ignorado por todos. Na modificação shakesperiana da lenda, o jovem herói esquiva-se de desempenhar o papel do filho vingador. O herói experimenta uma complexidade psíquica diferente do herói da saga primitiva (Shakespeare, 1882: 811-48).

Ernest Jones (1949: 26-148) faz uma análise de fundo psicanalítico da história de Hamlet.

Segundo o autor, a história de Hamlet mostra o ciúme do filho em relação à mãe. O assassinato do marido da mãe seria o assassinato do pai, pois o padrasto seria o desdobramento do próprio pai. O herói teria um grande conflito, que seria o desejo de morte do pai, e a dúvida se deveria ou não punir, em primeira instância, o assassino do próprio pai. Mas também tinha o desejo de assassinar o impostor, até porque este era o marido de sua mãe.

Aponta o autor que o principal tema dessa história é uma descrição altamente elaborada e disfarçada do amor de um rapaz por sua mãe e o consequente ciúme e ódio por seu pai.

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Considero importante podermos divergir dessa visão de Jones pois, por mais íntima que fosse a ligação de Hamlet com sua mãe - e na obra shakespeariana o era - não podemos esquecer que Hamlet pretende vingar o pai por honra a este, ou seja, Hamlet fez, na verdade, uma aliança com o princípio do pai. Hamlet vinga o pai pelo princípio de honra e lealdade de filho, embora o conflito estivesse entre o receio de estar fazendo uma injustiça e a loucura obsessiva de vingança a si mesmo imposta. Esta hipótese não invalida o sentimento de ciúme que certamente sentia pela mãe. Podemos pensar que a lealdade de filho estende-se como lealdade à pátria e, portanto, ao reino da Dinamarca. E, quando falo de aliança com o princípio do pai, quero dizer que faz uma aliança com o princípio da lei. Afinal, havia um rei impostor na pátria, que conseguira o reino através de um regicídio.

Outra obra de Shakespeare (Péricles), relata o incesto concreto entre a princesa de Antióquia e seu pai (Shakespeare, 1882, 977-8). Nesta obra, a princesa é filha e amante do pai, ao mesmo tempo. Essa peça foi encenada em São Paulo, no teatro do SESI, em 1995. O diretor Ulisses Cruz considerou, em sua montagem, a princesa perturbada mentalmente, devido à relação incestuosa. É importante, aqui, pensarmos que se trata de um grande conflito: a vivência ao mesmo tempo amorosa e sensual com a figura do pai. A interdição do incesto o colocaria numa posição de protetor, e não de amante.

Entendo que o provável desejo pelo pai compreende um desejo pelo que é grandioso e poderoso. O desejo pela filha compreende também uma ativação da Anima, como símbolo de renovação. Mas, espera-se que o protetor (pai) possa estabelecer, dentro de nossa cultura, essa interdição.

Outro autor importante a ser lembrado é Edgar Allan Poe. Poe casou-se com a própria prima, Virgínia Clemm, uma moça de frágil silhueta e saúde precária (Poe, 1958: 10).

Um dos contos de Edgar A. Poe chama-se Berenice (Poe, 1981: 14-22). Neste conto, um rapaz chamado Egeu, que apresentava irritabilidade e devaneios mórbidos, propõe casamento à prima, que apresentava crises epilépticas com estados catalépticos posteriores. Berenice, com a doença, vai assumindo cada vez mais um aspecto fantasmagórico. Num dos estados catalépticos, Berenice, considerada morta, é enterrada. Egeu, num dos episódios de devaneios mórbidos, totalmente inconsciente de seu ato, desenterra Berenice, que ainda estava viva, e arranca-lhe os dentes: uma parte de Berenice que doentemente desejava. Parte de Egeu agia sem o seu conhecimento. Egeu amava a morbidez de Berenice.

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Assim como o autor, o personagem casa-se com a própria prima. O casamento entre primos, na nossa cultura, está dentro do incesto. Mas, é interessante perceber aqui que o incesto está subentendido como um retorno ao inconsciente, quando fala das fantasias mórbidas da personagem, e quando cita toda a tragédia sombria no desfecho do conto. O inconsciente como desconhecido e sombrio. O retorno inexorável a ele.

Num outro conto, intitulado Morella (Poe, 1981: 23-9), Poe, que invariavelmente narra em primeira pessoa, nos diz sobre um indivíduo que se casa com a amiga Morella, sem a amar, embora se encante com sua erudição e sabedoria. Conta ser Morella versada nos numerosos escritos místicos, que usualmente são considerados como simples sedimento da primitiva literatura germânica. Morella exercia um estranho fascínio sobre o marido. O marido, oprimido por fantasias sombrias sobre a mulher, deseja secretamente sua morte, ao mesmo tempo em que ela vai adoecendo. Ao morrer, Morella afirma, através de um vaticínio, que morreria, mas a filha que carregava consigo, viveria, e o pai a amaria sem igual, pois Morella estaria viva nela. O que não fora amada em vida o seria em morte.

Morella dá à luz uma menina, pouco antes de morrer. O pai ama então a filha intensamente, ou seja, a filha passa a ser seu único objeto de amor. A filha fenece como a mãe. E ao enterrar a filha, também chamada Morella, o pai não encontra o corpo da mãe.

Aqui, o personagem fica aprisionada na vivência terrível da Anima. Uma vivência aprisionadora e não transformadora. Quando ama a filha há, para o personagem, uma tentativa de transformação e de renovação, mas a vivência logo cai no aspecto sombrio novamente, quando identifica a filha com a esposa morta.

Poe nos traz o lado negro, sombrio e perverso da existência. No último conto, percebemos como o protagonista fica à mercê do vaticínio da esposa e não consegue se desprender da armadilha do próprio inconsciente. Ama a filha como por encantamento. Ama a filha como não amara a esposa. O incesto está subentendido aqui, como forte vivência simbólica e demoníaca, mais precisamente devido às forças sobrenaturais; uma marca dos escritores românticos.

Passemos, agora, a analisar uma escritora que, além de ter chocado a sociedade em vida, o fez também após a morte, com a publicação de seu diário inexpurgado. Falamos de Anaïs Nin, cuja parte de seu diário, que compreende sua vida entre 1932 e 1934, chama-se Incesto. Anaïs fala sobre sua relação com vários homens e mulheres.

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Era amante de vários homens ao mesmo tempo, como Henry Miller, Eduardo Sanchez, Otto Rank (de quem foi analisanda), Antonin Artaud... Foi amante também, por um período, de June, a segunda esposa de Henry Miller.

Mas, o que realmente choca é a descrição de sua relação incestuosa concreta com o pai. Seu pai abandonara a família, quando Anaïs tinha onze anos, para se casar com uma aluna de piano. Anaïs volta a encontrá-lo quando já era adulta. Sempre sentira muito a falta do pai e, ao reencontrá-lo, encanta-se profundamente por ele, e ele por ela. Seu pai tinha uma carreira de D. Juan bem conhecida. A atração é crescente, até que, finalmente, acontece a relação sexual. Anaïs assim a refere no diário:

‘Na noite seguinte, quando ele já tinha os movimentos um pouco mais livres e se deitou sobre mim, foi uma orgia, e ele penetrou-me três ou quatro vezes sem pausas e sem se retirar - a sua nova força, o seu novo desejo e o seu novo jorro chegando como ondas que se seguem umas a outras. Eu mergulhei no Júbilo baço, velado, sem clímax, na neblina das carícias, langores, na excitação contínua, sentindo finalmente, profundamente, uma paixão por este homem, uma paixão baseada em reverência, em admiração. Atingir o meu próprio prazer deixou de me preocupar. Mergulhei na inteireza dele (Nin, 1992: 195)’.

É interessante observarmos que Anaïs necessitava estabelecer uma relação concreta (sexual-sensual) com quase todos os homens que conhecia. Seu primeiro analista, René Allendy, disse-lhe que sempre necessitava de um homem de corpo e alma, e que sua possessividade correspondia ao seu medo de abandono.

Percebe-se no diário que, com o passar do tempo, Anaïs tenta elaborar essas relações em sua vida, mas nunca consegue perceber o aspecto defensivo que as permeava. Acha que nasceu para ser amante e não para ser mãe. Seu feminino, em parte criativo, pois consegue libertar-se dos dogmas e preconceitos de sua época com relação à mulher, é vivido, por outro lado, restritivamente, de maneira defensiva. Ao ficar grávida de Henry Miller, faz um abortamento após seis meses, e a ele se refere:

Eu não conseguiria suportar que ele (Henry Miller) tivesse de proteger mais uma criança e eu ficasse de novo órfã (Nin, 1992: 334).

Escreve também: Por amor a Henry ou à minha vida como mulher, eu matei a criança... Para não ser

abandonada eu matei a criança. (...)

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A natureza dispondo o meu destino como mulher de homem, e não mulher de filhos. A natureza modelando meu corpo somente para a paixão, para o amor do homem (Nin, 1992: 334).

Anaïs chora a morte da filha, mas logo se defende dizendo ter nascido para ser amante e não mãe. Anaïs era filha, eternamente filha; não podia ser mãe. Tinha um desejo compulsivo pela fusão com o outro e, ao mesmo tempo, o terror de ser abandonada. O desejo pelo outro como desejo de ser amada, de crescer e transformar-se. Talvez, por isso, a necessidade da fusão com o outro por algum tempo. Anaïs pôde crescer e libertar-se das amarras do feminino aprisionado de seu tempo, mas, ainda assim, vivia de maneira importante os seus aspectos defensivos.

Gostaria agora de analisar duas peças de Nelson Rodrigues: Álbum de Família e Anjo Negro. Em Álbum de Família (peça escrita em 1945 e apresentada pela primeira vez em 1967 no Rio de Janeiro), temos Jonas (o pai), Senhorinha (a mãe), tia Rute (irmã de Senhorinha), Guilherme, Edmundo, Glória e Nonô (filhos do casal). Temos, teoricamente, segundo as fotos do álbum, uma família que vive uma vida normal, como qualquer outra família. No contexto íntimo das relações, apresenta-se sombriamente equilibrada. Jonas e a esposa vivem uma relação sadomasoquista, pois Jonas, após descobrir que dona Senhorinha tivera um amante há anos atrás, passa a trazer adolescentes em casa e a engravidá-las. Senhorinha aceita tais condições humilhantes como vítima. Rute tem raiva de Senhorinha por ter sido sempre a irmã mais bonita. Ao mesmo tempo, sustenta um secreto amor pelo cunhado. Os filhos vão chegando um a um na casa, pois estavam longe da família. Aí então a tragédia se faz. Nonô é o único filho que vive perto do casal, embora enlouquecera como um animal e vivia despido no mato, próximo à casa. Edmundo, um dos filhos, separa-se da esposa e retorna à casa. Guilherme, o outro filho, deixa o seminário e também retorna a casa. Glória, que estudava num colégio interno, retorna a casa após um incidente amoroso com outra garota. Edmundo é apaixonado pela mãe e mata-se ao saber que a mãe tivera um amante. O amante de fato era o filho Nonô, que, logo após a concretização do ato sexual, enlouquece. Edmundo também havia sido amante da mãe e, com medo da relação, casa-se. Depois, retorna para ficar com a mãe. Guilherme era apaixonado pela irmã Glória, e mata-a para que o pai não a possua. Logo após, mata-se também. A peça faz referência a uma possível castração que Guilherme se inflinge, para não mais pensar com desejo em Glória. Jonas, o pai, tem uma atração irresistível por Glória, e deseja todas as

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mulheres pensando na filha. Quando vê a filha morta, pede à esposa que o mate também. Esta o faz e vai-se com o filho enlouquecido.

Nelson Rodrigues nos mostra uma família na qual impera a endogamia, o incesto, a violência, o chauvinismo e a sedução. Todos estão infelizes mas não conseguem desprender-se da casa e da sedução do pai e da mãe. Vive-se a destruição o tempo todo. Rumam em busca de vida, mas só conseguem achar a violência, o engano e a tragédia. Todo o desejo é vivido na sua concretude. Não há espaço para vivências simbólicas. Ter os filhos como amantes, para a mãe, significava libertar-se do jugo opressivo e da falta de amor do marido. O desejo pelo jovem e, portanto, dos pais em relação aos filhos poderia ser vivido simbolicamente, como a necessidade de transformação daquela estrutura arcaica e estagnante enquanto esposo e esposa.

O desejo pela mãe poderia expressar a necessidade de retorno ao feminino acolhedor. Toda a atenção voltada à Glória, a filha mais jovem, tinha um caráter quase santificado, pois Glória era, principalmente para os homens da família, um certo tipo de Senhora Imaculada.

Em o Anjo Negro (1946), temos, num ambiente totalmente sombrio e preconceituoso: Ismael, que é negro e marido de Virgínia, que é bela e branca. Todos os filhos que nascem, Virgínia mata, pois não quer filhos negros. Virgínia fora doada a Ismael pela própria tia, e sentira-se violentada pelo marido desde a primeira vez. Ao aparecer Elias, irmão de Ismael, cego e branco, Virgínia força o encontro para engravidar dele e ter um filho branco, já que não podia sair de casa e olhar para outros homens. Elias é morto por Ismael, após a descoberta do encontro com Virgínia. Quando nasce Ana Maria, filha de Elias e Virgínia, Ismael a cega com ácido para que seus olhos não possam ver ninguém. Ana Maria cresce e começa a se relacionar apenas com o pai, não somente como filha mas também como mulher. Virgínia, que parecia não gostar de Ismael, fica extremamente enciumada e convence Ismael que devem deixar Ana Maria morrer, e viver apenas um para o outro. E é exatamente isso o que acontece; Ana Maria morre dentro de um caixão de vidro. Vemos, nessa peça, também a endogamia, o incesto, a violência, o preconceito e a destruição. As relações são extremamente simbióticas. Não há crescimento e desenvolvimento, mas sim atrofia e estreitamento. As personagens expõem suas dores, mas são vítimas de suas próprias armadilhas. Ismael tenta desesperadamente ser amado pelo que é: negro. Mas busca o amor pela força e coerção. Encontra em Ana Maria uma

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vivência anímica mas, na sua própria cegueira, não consegue ver o outro e saber dos desejos do outro. Virgínia aproxima-se de Elias numa tentativa de libertação, mas não consegue enxergar o seu próprio desejo. Não pode sair da vivência simbiótica com Ismael. Virgínia não permite a sua transformação e nem a da própria filha. Não só Ana Maria é cega, embora seja a personagem menos defensiva da trama. Todos estão cegos para a possibilidade de amor e transformação.

Passeando pelo mundo da arte cinematográfica, gostaria de falar de dois filmes cujo tema incesto é abordado: Festa de Família e Lavoura Arcaica.

No filme Festa de Família, do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg (1998), temos uma família abastada e aparentemente harmônica. Está tudo preparado para se comemorar o aniversário do pai. O filho mais velho vai fazer o discurso e, no final, surpreende os convidados dizendo que ele e a irmã gêmea (a qual se suicidara) eram, quando criança, frequentemente abusados pelo pai. Diz isso e indica que a mãe sabia, mas nada fazia. Todo o restante do enredo gira em torno dessa confissão, entre a negação e a indignação dos participantes da festa. Descobre-se, posteriormente, que havia uma carta da filha que se suicidou, trazendo toda a dor psicológica referente ao abuso do pai. O pai é rejeitado, quando todos os filhos acreditam finalmente na história. Temos aqui uma idéia de abuso, incesto e falha no papel de pai e mãe protetores.

O filme Lavoura Arcaica é brasileiro e dirigido por Luiz Fernando Carvalho. Foi apresentado no circuito de cinema brasileiro em 2001, e é baseado na obra do escritor Raduan Nassar. O filme conta a história de uma família de origem árabe que mora na zona rural da região sul do Brasil. Eles são agricultores como os seus vizinhos, que fazem parte da colônia árabe. A família citada é composta pelo pai, mãe, três filhos homens e três filhas mulheres. O pai é um patriarca rígido que controla a esposa e os filhos através do medo e das obrigações. Todas as noites, antes do jantar, todos oram e o pai conta uma parábola da bíblia. A mãe é extremamente afetiva e carinhosa. Tem um carinho especial pelo filho André, o qual chama de "meus olhos" e "meu cordeiro". André é o filho homem do meio e é epiléptico. Na mesa, sentam-se ao lado direito do pai o filho mais velho e as duas filhas mais velhas. Ao lado esquerdo sentam-se a mãe, André, Ana (a mais nova das filhas) e o filho menor.

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Todos os que se sentam ao lado direito do pai se submetem totalmente a ele e às suas leis rígidas. Os que se sentam ao lado da mãe são os que, de alguma maneira, vão questionar a lei estabelecida. Vivem dentro de dogmas rígidos de obediência ao pai. Devem ser agricultores como o pai. André, um rapaz extremamente sensível, sente a brutalidade e a frieza do pai e do irmão mais velho. Sente, também, a doçura e o carinho da mãe e das irmãs.

André vai desenvolvendo uma paixão pela irmã Ana, que, durante as festas da colônia, dança com extrema sensualidade. Sua paixão cresce cada vez mais, até que um dia consegue estar concretamente com Ana. Ana sente-se muito culpada e André vai embora de casa. André fica um tempo fora, mas a mãe pede ao filho mais velho que o traga de volta. André retorna e percebe que, para ficar em casa, terá que se submeter sempre às leis do pai.

Ao chegar em casa, encontra o irmão mais novo, que também quer deixar a casa. Faz-se então uma festa, por André ter retornado, e Ana dança sensualmente, num transe enlouquecido, deixando à mostra parte de seu corpo. O filme termina com todos tentando fazer com que Ana pare o espetáculo. O pai enfurece-se e parte para cima de Ana. A mãe, para defender a filha, insurge-se contra o pai e os que porventura podem machucá-la. Ana é morta pelo pai. O final do filme sugere o descontrole, o caos e a tentativa de destruição da rigidez patriarcal. A morte de Ana significa a tentativa de estabelecer novamente essa ordem.

O filme nos dá a ideia, o tempo todo, de que André necessita subverter a ordem, pois essa ordem representa o pai rígido: a ordem inquestionável. Esse filho, que é extremamente sensível, que tem em si a sensualidade da terra, necessita ser livre, para que seu espírito possa viver. Nessa subversão à ordem, e dentro da necessidade de compreensão e afeto e, também, de resposta à sua sensualidade, busca em Ana, a irmã mais sensual, o complemento para sua alma. É interessante observarmos, aqui, que a paixão pela irmã tem a ver com a liberdade do espírito. Tem a ver com o libertar-se do sistema patriarcal rígido do pai. Podemos pensar que, diante do sistema patriarcal rígido, se rebelam as necessidades matriarcais.

Podemos observar, então, passando pela arte, que o tema incesto apresenta-se estampado como um grande tabu. Quando concretizado, nunca está livre de transtornos. Quando vivido simbolicamente, pode estar expressando o grito de uma alma, pode

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estar clamando por amor, reconhecimento e transformação. Mas a vivência pode também cair no lado obscuro e defensivo, trazendo não a liberdade, e sim a estagnação do processo de desenvolvimento da psique.

O incesto apresenta-se, então, como tema arquetípico. Um fenômeno que aparece na mítica e nas formas de arte, que retratam o cotidiano e a vivência humana de maneira geral e que são expressões da psique tal como o propõe Jung.

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Referências Bibliográficas

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• POE, Edgar Allan [1981]. Contos de Terror, de Mistério e de Morte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

• POE, Edgar Allan [1958]. Histórias Extraordinárias. 2ª ed. São Paulo: Cultrix.

• RODRIGUES, Nelson [1993]. Teatro Completo, Rio de Janeiro: Nova Aguillar.

• SHAKESPEARE, Willian [1882]. The Complete works. New York: The American News Company.