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PERCEPÇÕES SOBRE O ESTADO BRASILEIRO: entendendo a natureza do Estado numa perspectiva contemporânea. Erineuda Ferreira Fernandes de Menezes 1 Resumo Percepções acerca da natureza do Estado com enfoque na política neoliberal vigente, numa perspectiva contemporânea. Nesse contexto, discorre-se sobre o “Estado, sociedade civil e políticas públicas”, busca-se compreendê-los numa perspectiva em autores marxistas. Discorre-se sobre o ajuste brasileiro, e ainda, sobre “O golpe de 1964 e o golpe 2016” onde se evidencia suas correlações. Considera-se que estruturalmente não ocorre avanço social, mas distributivo, levando a ascensão às classes desfavorecidas pela via do consumo, que desencadeia na elite capitalista/conservadora o ódio aos pobres que dentre outros motivos, como o interesse na acumulação do capital, culmina-se no golpe de Estado de 2016. Palavras-chave: Estado brasileiro. Natureza do Estado. Estado contemporâneo. Golpe 2016. Abstract Perceptions about the nature of the State with a focus on the current neoliberal politics, in a contemporary perspective. In this context, the "State, civil society and public policies" is searched, and it is sought to understand them from a perspective of Marxist authors. The Brazilian adjustment is discussed, as well as "The coup of 1964 and the coup 2016", where its correlations are evidenced. It is considered that structurally there is no social but distributive advance, leading to the rise to the disadvantaged classes by the way of consumption, which unleashes in the capitalist / conservative elite hatred of the poor that among other reasons, such as the interest in capital accumulation, In the coup d'état of 2016. Keywords: Brazilian state. Nature of the State. Contemporary state. Blow 2016. 1 Estudante Pos ERINEUDA FERREIRA FERNANDES DE MENEZES (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ)

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PERCEPÇÕES SOBRE O ESTADO BRASILEIRO: entendendo a natureza do Estado numa

perspectiva contemporânea.

Erineuda Ferreira Fernandes de Menezes 1

Resumo

Percepções acerca da natureza do Estado com enfoque na política neoliberal vigente, numa perspectiva contemporânea. Nesse contexto, discorre-se sobre o “Estado, sociedade civil e políticas públicas”, busca-se compreendê-los numa perspectiva em autores marxistas. Discorre-se sobre o ajuste brasileiro, e ainda, sobre “O golpe de 1964 e o golpe 2016” onde se evidencia suas correlações. Considera-se que estruturalmente não ocorre avanço social, mas distributivo, levando a ascensão às classes desfavorecidas pela via do consumo, que desencadeia na elite capitalista/conservadora o ódio aos pobres que dentre outros motivos, como o interesse na acumulação do capital, culmina-se no golpe de Estado de 2016. Palavras-chave: Estado brasileiro. Natureza do Estado. Estado contemporâneo. Golpe 2016.

Abstract Perceptions about the nature of the State with a focus on the current neoliberal politics, in a contemporary perspective. In this context, the "State, civil society and public policies" is searched, and it is sought to understand them from a perspective of Marxist authors. The Brazilian adjustment is discussed, as well as "The coup of 1964 and the coup 2016", where its correlations are evidenced. It is considered that structurally there is no social but distributive advance, leading to the rise to the disadvantaged classes by the way of consumption, which unleashes in the capitalist / conservative elite hatred of the poor that among other reasons, such as the interest in capital accumulation, In the coup d'état of 2016. Keywords: Brazilian state. Nature of the State. Contemporary state. Blow 2016.

1 Estudante Pos ERINEUDA FERREIRA FERNANDES DE MENEZES (UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ)

1 INTRODUÇÃO

A crise brasileira que se intensifica nesses últimos dois anos 2015 e 2016

reforça uma crise do capital rentista-extrativista nos ditames do Estado, do “Estado

Ajustador” 2 como bem coloca Carvalho, (2010, p. 185) “‘Estado Ajustador’: ajusta e ajusta-

se ao padrão de acumulação e formas de valorização do capital”. Nesse sentido, Leda

Paulani (2012, p. 97) comenta: “A economia brasileira é hoje uma economia financeirizada

com um acelerado processo de centralização de capitais e completamente integrada ao

capitalismo rentista dominante.”.

O Estado capitalista e a Sociedade se inserem continuamente em relações de

força; quando ocorrem mudanças no campo das políticas sociais, o Estado tenta assegurar

a velha ordem com contrarreformas, na maioria das vezes, enérgicas e militarizada. Utiliza o

aparelho do Estado para reprimir novas conquistas sociais e até mesmo destitui-las como

ocorre hoje, 2016/2017, no cenário político brasileiro. Isso reverbera no impeachment da

Presidente Dilma, na aprovação da PEC 55, que congela gastos sociais por 20 anos, e, faz

parte das 30 propostas da agenda governamental do Presidente ilegítimo – Michel Temer no

Programa do PMDB: “Ponte para o futuro”. Que se analisa como uma Ponte para o futuro

capitalista, que espolia os direitos sociais em detrimento do acúmulo do capital.

Dessa forma, percebe-se que o Estado em seu interior encarna duas dimensões

de sociedade, a sociedade política/capitalista – a civilização do capital e a sociedade civil3–

a do coletivo que se organiza na força dos movimentos sociais, onde a civilização do capital

gera exclusões, espoliações através das políticas de ajustes e, a sociedade civil organizada

na luta pelos direitos sociais, tensiona o Estado, tenta sobreviver e ampliá-lo4 a partir de

diferentes movimentos sociais.

A proposição desta abordagem sobre o Estado brasileiro em seus diferentes

ciclos do processo de ajuste ao capitalismo financeirizado e o embate com as forças sociais

na busca de seus direitos, justifica-se como relevante, pois busca uma análise crítica das

sociedades, pressupondo tensionamentos para a refundação do Estado.

2 Estado Ajustador: Termo desenvolvido pela Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho, em 1999, para definir o Estado circunscrito na modernidade brasileira diante dos ditames do capital 3 No sentido Gramschiano de Estado ampliado ele sugere duas esferas em seu interior: sociedade civil e sociedade política. Todavia, utiliza-se a expressão citada: “Sociedade política/capitalista x sociedade civil” buscando essa ressignificação para melhor entendimento das classes. Sabe-se também que por sociedade civil deve-se entender que permeiam não somente a “esquerda”, mas também a “direita”. 4 Num sentido Gramschiano como apreendido em aulas da disciplina EPPB.

Dessa forma, buscar entender a natureza do Estado brasileiro numa perspectiva

contemporânea remete-se voltar ao passado para compreender o presente, assim, buscou-

se analisar os ciclos sócio-políticos ou ciclos do “Estado Ajustador” brasileiro num relancear

de olhos pela história, mesmo que rapidamente, dos últimos 25 anos, de 1990 ao primeiro

mês do ano de 2017, analisando com maior profundidade o Golpe de Estado de 2016.

Nesse contexto do golpe, desenvolve-se uma correlação com o Golpe de 1964, período

também, objeto de breve análise neste estudo.

Diante dessas afirmações, pretende-se nesse trabalho responder aos seguintes

questionamentos: O que é o Estado e qual a sua natureza? E, ainda, tendo em vista, o

predomínio da sociedade política/capitalista, a natureza do Estado será sempre como

afirmou Marx, Engel e Lenine5: O Estado é uma máquina destinada a manter a dominação

de uma classe sobre a outra? A sociedade capitalista será sempre a classe dominante? A

dominação entre classes se faz necessária existir?

O objetivo do estudo visa analisar sob a ótica contemporânea o Estado brasileiro

sobre com enfoque na política neoliberal vigente, abarcando os últimos 25 anos. Para tanto,

a metodologia segue o viés metodológico marxista, o método crítico-dialético: “A análise [...]

como processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem

entre Estado e sociedade civil, no âmbito dos conflitos e lutas de classes que envolvem o

processo de produção e reprodução do capitalismo”. (BEHRING & BOSCHETTI, 2006).

Utilizam-se como suporte, pesquisas bibliográficas e notas de aula da disciplina: Estado e

Políticas Públicas no Brasil, da Professora Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho e do

historiador Prof. Dr. Márcio Souza Porto do Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-

Graduação em Avaliação de Políticas Públicas - PPGAP, da Universidade Federal do Ceará

- UFC.

2 ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICAS PÚBLICAS

O acompanhamento do cenário político brasileiro será abordado nas seções

seguintes. Nesta seção, se abordará sobre os conceitos de Estado, de sociedade civil e de

políticas públicas.

2.1 Estado

5 Valdimir Ilitch Lenine (1870-1924): Membro fundador, principal teórico e dirigente do Partido Bolchevique. Dirigiu o partido e os sovietes à tomada de poder na Revolução Russa de 1917. Fundou a Internacional Comunista, identificou o Imperialismo como fase superior do Capitalismo e enfatizou o papel do partido como vanguarda da revolução. Fonte: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1919/07/11_ga.htm

De acordo com Costilla (2010, p. 20), discorrendo sobre poder e políticas

públicas na América Latina, informa: "Para analisar a situação atual precisamos tanto

acompanhar a experiência como refletir teoricamente sobre os conceitos de Estado, de

sociedade civil e de políticas públicas." Dessa forma, entende-se ser imperativo apropriar-se

desses conceitos, primeiramente acompanhando o cenário político brasileiro, a análise do

real, do agora e, ainda, e não menos importante, a análise desse contexto no passado;

segundamente a reflexão teórica do que é, a que se objetiva, qual sua natureza e funções,

do Estado, da sociedade civil e das políticas públicas.

Desta feita, Carvalho (2016, n.p 6 ) teorizando Costilla (2009), coloca que o

problema principal no estudo do Estado é a concepção que se tem dele:

[...] uma concepção coisificada/ cristalizada do estado como um complexo de instituições públicas de poder, repressão, direção, educação e gestão pública de natureza diversa: política/ jurídica/ cultural/ social/ econômica/ administrativa… Um estado apartado da sociedade; separação dirigentes e dirigidos dirigentes/governantes/ burocratas/ propagandistas = “príncipes modernos” , “deuses do olímpo”.

Segundo Coutinho (1994, p. 19) Marx ao longo de suas elucubrações acerca do

Estado conclui que o Estado “[...] é um Estado de classe: não é a encarnação da Razão

universal, mas sim uma entidade particular que, em nome de um suposto interesse geral,

defende os interesses comuns de uma classe particular”. Coutinho (1994, p. 20) comenta

ainda que Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista em 1848, afirmam: “O poder

político do Estado moderno nada mais é do que um comitê para gerir os negócios comuns

de toda a burguesia [...] O poder político é poder organizado de uma classe para a opressão

da outra”.

No mesmo sentido, argui Lenine em conferência sobre o Estado pronunciada na

Universidade Sverdlov em 11 de Julho de 1919, quando comenta que o Estado é uma

máquina que permite a uma classe oprimir outra, máquina destinada a manter, à sujeição de

uma classe, todas as outras que dela dependem. Como se vê:

[...] Quando ocorre um grupo de especial de homens desta classe, dedicados em exclusiva a governarem e que para governarem precisam de um aparelho especial de coerçom para submeterem a vontade de outros pola força — cárceres, grupos especiais de homens, exércitos, etc. —, é quando ocorre o Estado. [...] O Estado é umha máquina para manter a dominaçom de umha classe sobre outra.7

Dessa forma entende-se que o Estado, para Marx, Engels e Lenine fundamenta-

se na sociedade existente e é instrumento de dominação de classe. Hoje em 2017, também

o Estado é controlado pela burguesia, a sociedade capitalista, e serve aos seus interesses.

6 Aula ministrada pela Profa. Alba Carvalho ministrada em power-point, por isso não paginada (n.p). 7 Tradução em Português da Galiza por Joám Castinheira. Publicado pela primeira vez em 18 de Janeiro de 1929, em Pravda, nº 15. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1919/07/11_ga.htm. Acesso

em: 08/02/17.

2.2 Sociedade civil

A sociedade civil em Gramsci, segundo Coutinho (1994) encontra-se como uma

ampliação da teoria do Estado, que sugere duas esferas no interior do Estado: a “sociedade

civil” e a “sociedade politica” (Estado em sentido estrito ou Estado de coerção), essas

esferas são relativamente autônomas e em conjunto formam o Estado ampliado, que

significa “hegemonia escudada pela coerção.” Essas esferas conservam ou transformam

uma determinada formação econômico social. Para Costilla (1999, p. 30) discorrendo sobre

a nova sociedade civil diz que a mesma, é formada por diferentes grupos e classes distintas

que lutam entre si:

[...] a sociedade civil inclui as expressões não estatais de uma sociedade com interesses básicos contraditórios, a maioria dos quais expressos também como interesses políticos diferentes no próprio Estado. Assim, a sociedade civil está formada por distintas classes e grupos sociais em luta entre si, e que disputam a dominação e a hegemonia cultural e política do Estado sobre a própria sociedade civil.

O autor comenta que na América Latina (1999, p. 30): “Nestas expressões da

sociedade civil estão surgindo experiências e projetos de convivência democrática coletiva

que são a base de uma futura reforma do Estado para abrir os espaços da participação

popular frente aos sistemas fechados de representação”. Diz ser importante nos

movimentos dos excluídos, terem a noção que uma sociedade civil não deve ser excludente,

mas sim “uma noção renovada de luta conjunta e nacional para recuperar a influência e a

direção dos trabalhadores no Estado da globalização do capital, uma luta que o transforme

em outro Estado político da nova mundialização progressista”.

2.3 Políticas Públicas

De acordo com Souza (2006, p. 24), informa: “Não existe uma única, nem

melhor, definição sobre o que seja política pública”. Argumenta que definições de políticas

públicas, mesmo as minimalistas, guiam o nosso olhar para o lócus onde os embates em

torno de interesses, preferências e ideias se desenvolvem, isto é, os governos. Para a

autora, mesmo com várias abordagens as definições de políticas públicas assumem, em

geral, uma visão holística do tema. Dessa forma, importa considerar as perspectivas mesmo

que diferentes das instituições e indivíduos suas interações e ideologias.

Nesse sentido Tavares (2001 p. 172) comenta em seu estudo sobre as políticas

sociais no âmbito do ajuste brasileiro: “As mudanças provocadas pelo ajuste podem ser

conjunturais e estruturais. Suas possibilidades de reversão são inversamente proporcionais

à sua capacidade ou poder de destruição”. A autora sinaliza em seu estudo o impacto do

ajuste sobre a política social no Brasil que entra como país retardatário, nas políticas de

ajuste neoliberal, porém assume rapidamente a agenda de “medidas corretivas” do ajuste

imposto pelo Consenso de Washington e começa a integrar “[...] as já conhecidas políticas

ortodoxas no campo econômico com propostas ditas de ‘reforma do Estado’, aliadas a

programas de ‘alívio’ para a pobreza, [...]”.

3 UM OLHAR NO PASSADO (1990 A 2015)

Como bem já colocou Tavares (2001) o ajuste brasileiro começa tardiamente,

porém em dia com a agenda do Consenso de Washington com as medidas corretivas ao

países devedores. Paulani (2012, p. 92) posiciona o ajuste brasileiro no começo de 1990 e

diz: “O Estado brasileiro, pelas mãos de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e depois

Fernando Henrique Cardoso (FHC), abraça conscientemente os dogmas neoliberais e

começa a tomar as providências para alterar essa situação e possibilitar o ingresso ativo do

país na era da financeirização. Assim como também Carvalho (2014 p.10) informando: “[...]

final do século XX e limiar do século XXI, mais precisamente, década de 1990 até 2002 -

Implementação da Agenda do Consenso de Washington, a deflagrar e consolidar o ciclo

brasileiro de ajuste, de forma tardia, intensiva e dependente”.

Carvalho (2014) situa o ajuste em “momentos” e informa que o ajuste ocorre a

partir do Segundo momento8 (1990 até 2002), implementação da agenda do Consenso de

Washington. Collor de Melo, Itamar Franco e “Era FHC”, a viabilizar as politicas neoliberais

de ajuste; no Terceiro momento (2003 a 2010), sob o comando de Lula, com a designada

“virada à esquerda”. Segue à risca a política macroeconômica de ajuste, articulando-a, com

políticas pontuais de enfrentamento à pobreza; no Quarto momento (2011 a 2014) –

(Neodesenvolvimentismo), a sociedade politica conclama as forças do capital e, ao mesmo

tempo, amplia a inserção de segmentos empobrecidos da sociedade pela via do consumo e

do endividamento; no Quinto momento9 (2015 em curso) – Segundo mandato de Dilma

Rousseff, instabilidade econômica, politica e social, ampla difusão midiática. O governo

retoma a ortodoxia das políticas de ajuste, efetivando o que vem sendo denominado “ajuste

à direita”, nos marcos da financeirização dependente, a privilegiar os interesses do capital,

sem quaisquer limites.

Já Reinaldo Gonçalves define a economia brasileira a partir de 1995 em diante

como um Modelo Liberal Periférico – MLP e sua abordagem segue uma linha do realismo

crítico. Em prefácio do seu livro Desenvolvimento às Avessas, Gonçalves (2013, p. 07)

explicita sobre isso:

8 Em seu trabalho Alba Carvalho norteia esses momentos como ampliação do Estado no sentido Gramschiano, e o primeiro momento relata sobre isso, aqui discorremos a partir do segundo momento que é o início do ajuste brasileiro. 9 Quando a Profa. Alba Carvalho publicou esse trabalho o ano de 2015 ainda estava em curso.

Este livro não é recomendado para leitores que procuram otimismo (análise sistematicamente favorável dos fatos, do passado ou do presente, e de perspectivas) e esperança (a crença de que aquilo que se deseja é possível no futuro). Também não envolve pessimismo, desesperança ou indignação. Este esclarecimento inicial e importante, visto que, no Brasil, o otimismo é vício rentável nos espertalhões e o pessimismo a compensação do sofrimento do indignados. A abordagem e o realismo crítico, equidistante do otimismo e do pessimismo.

Segundo Gonçalves (2013, n.p 10 ),há 20 anos o país tem um modelo de

desenvolvimento denominado de Modelo Liberal Periférico – MLP. Conceituando as

características do modelo, diz que o modelo tem como características marcantes:

liberalização, privatização e desregulação; subordinação e vulnerabilidade externa

estrutural; e dominância do capital financeiro e padrões específicos de dominação,

acumulação e distribuição. Sobre o padrão de dominação, acumulação e distribuição,

explicita:

[...] envolve pacto dos grupos dirigentes com os setores dominantes (empreiteiras, bancos, agronegócio e mineradoras) que aumenta a concentração de riqueza e poder. O padrão de acumulação envolve, além de baixas taxas de investimento, o deslocamento da fronteira de produção na direção do setor primário-exportador. Por fim, o padrão de distribuição limita-se à redistribuição incipiente da renda entre os distintos grupos da classe trabalhadora de tal forma que os interesses do grande capital são preservados.

Gonçalves (2013, n.p) diz que a economia no MLP brasileiro é uma trindade

(dominação/acumulação/distribuição) sustentada por um sistema político corrupto e

clientelista, que não se restringe às relações entre grupos dirigentes e setores dominantes.

Envolve sindicatos, entidades estudantis, ONGS, intelectualidade, grupos sociais no campo

da pobreza absoluta e da miséria. Trata-se de um social-liberalismo corrompido pelo

patrimonialismo e garantido pela fragilidade da sociedade civil. Que esta trajetória de

desenvolvimento é marcada, na dimensão econômica pelos seguintes motivos:

[...] por fraco desempenho; crescente vulnerabilidade externa estrutural; transformações estruturais que fragilizam e implicam volta ao passado; e ausência de mudanças ou de reformas que sejam eixos estruturantes do desenvolvimento de longo prazo. Ademais, observam-se o invertebramento da sociedade, a deterioração do ethos, a degradação das instituições e a consolidação do sistema político corrupto e clientelista.

Para o autor, o resultado não poderia ser outro: “crise sistêmica.” Percebe-se

que essa degradação do ethos como informa Gonçalves, o sistema clientelista e corrupto

existente e a junção de um conservadorismo e patrimonialismo garantidos pela fragilidade

da sociedade civil, culminaram no Golpe 2016.

10 Os parágrafos que se seguem não paginados, são recortes de uma entrevista de Reinaldo Gonçalves sobre o MLP à Revista Eletrônica UNISINUS. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/521595-desenvolvimento-as-avessas-e-protestos-populares-entrevista-especial-com-reinaldo-goncalves.

4 O GOLPE DE 1964 & O GOLPE DE 2016 Nesta seção, optou-se por discorrer, sobre as correlações dos Golpes de 1964 e

o atual de 2016. Lembrando que na atual conjuntura assim como em 1964, como informa o

historiador Márcio Porto, esses “movimentos” eram mais conhecido como Revoluções, o

Golpe de 64 não era conhecido como Ditadura militar, hoje já se reconhece como tal, e

ainda, como uma “Ditadura Civil e Militar”. De acordo com Porto (2017)11 Isso ocorre, porque

com o tempo os historiadores e pesquisadores foram tendo acesso às informações da

época. O Serviço Nacional de Informações – SNI, à época coletava informações de grupos,

entidades e de pessoas consideradas subversivas.

Nesta seção, optou-se em elaborar um quadro com as características de cada

golpe 1964 e 2016. Acredita-se ser uma forma prática de elencar as correlações,

similaridades e diferenças dos respectivos golpes.

Quadro 1 – Características dos Golpes 1964 e 2016 CARACTERÍSTICAS DOS GOLPES

*GOLPE DE 1964 **GOLPE DE 2016 OBSERVAÇÕES

Golpe Civil e Militar Golpe Civil e “Legalizado” **Opera-se dentro da ordem institucional-legal vigente.

Campanha de desestabilização do governo João Goulart. Mote: Tendências esquerdistas. Mídia: Propagandas variadas pelo IPES e IBAD 12

Campanha de desestabilização do governo Dilma Rousseff. Mote: Pedaladas Fiscais Mídia: Rede Globo de Televisão e afiliadas

**A utilização das “pedaladas fiscais” eram comuns nos governos brasileiros. Após o Impeachment da Presidente Dilma as Pedaladas foram votadas como permitidas no Brasil.

Pano de fundo: Comunismo Pano de fundo: Ajustes fiscais

Conservadorismo militar: disciplina é fundamental!

Conservadorismo exacerbado contra os pobres, negros e LGBTs.

*Em 1964: Apoiadores: a Direita e marcha de grupos religiosos – Atemorizados com a ameaça do perigo comunista. **Em 2016: os principais apoiadores foram as Igrejas Evangélicas. Ex.: Teologia da prosperidade, Cura gay.

Programa: PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo.

Programa: Ponte para o futuro. **Assim como o PAEG, o programa Ponte para o futuro é um plano de governo do PMDB. * O PAEG criou o 1° Ato Institucional que depôs Jango.

Mecanismos de legitimação e legalização: Atos Institucionais - AI

Mecanismos de legitimação e legalização: Propostas de Emendas a Constituição – PEC

PAEG: Forte influência internacional; escrito em inglês; intervenção norte-americana no país; EUA apoiaram a ditadura (enviaram navio para caso de guerra civil).

PONTE PARA O FUTURO: Expressa interesses estadunidenses em relação a ações desenvolvidas pelo país desde 2003: maior autonomia da política externa brasileira.

**“A relação Sul-Sul e o fortalecimento dos Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia e China) é diferente daquilo que os EUA entendem ser o melhor para a América Latina”. (Marcio Pochmann - Economista e político brasileiro)

Partido executor do golpe: ARENA (Aliança Renovadora Nacional)

Partido executor do golpe: PMDB

Fonte: Elaboração própria.

11 Notas de aula ministrada pelo Prof. Historiador Dr. Márcio Souza Porto, por isso não paginado. 12 IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) e IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática).

O Golpe de 2016 ocorre no Brasil pela sociedade política/capitalista 13 que

imprime o ódio contra os pobres, contra aqueles que são a “minoria”, contra aqueles que

são diferentes. Esta sociedade não respeita o outro, as suas diferenças, o que eles

reconhecem e conclamam são os seus “direitos”, a ânsia e a ganância cada vez maior pelo

capital. Não se pode falar em golpe 2016, sem comentar o programa de governo

peemedebista. Assim, o golpe foi e é um planejamento estratégico (porque ainda está em

curso) disfarçado de “Programa Governamental” com o nome de “Uma ponte para o futuro”

que tem como objetivo a espoliação dos direitos sociais.

No documento, elaborado em 29 de outubro de 2015 pelo PMDB, vê-se

claramente que o que está em jogo são os direitos sociais. A justificativa para o “ajuste

fiscal” (2015, p. 05): “Sem um ajuste de caráter permanente que sinalize um equilíbrio

duradouro das contas públicas, a economia não vai retomar seu crescimento e a crise deve

se agravar ainda mais.” Que nada mais é do que a crise do modelo rentista/extrativista, as

exorbitantes somas que a elite não quer perder e ainda apontam os culpados e o porquê

da crise: “Nos últimos anos é possível dizer que o Governo Federal cometeu excessos, seja

criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores

ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia

certamente estar menos crítica”. Os programas de alívio à pobreza e a abertura de

concursos são considerados excessos. A justificativa para a PEC que já está vigente e

outras emendas constitucionais que virão em favor dos ricos e em detrimentos dos pobres

(2015, p. 05):

“No entanto, a parte mais importante dos desequilíbrios é de natureza estrutural e está relacionada à forma como funciona o Estado brasileiro. Ainda que mudássemos completamente o modo de governar o dia a dia, com comedimento e responsabilidade, mesmo assim o problema fiscal persistiria. Para enfrentá-lo teremos que mudar leis e até mesmo normas constitucionais, sem o que a crise fiscal voltará sempre, e cada vez mais intratável, até chegarmos finalmente a uma espécie de colapso”. (Grifo nosso).

Sobre a previdência (2015, p. 12) consta no documento a idade mínima para

homens e mulheres e uma futura escalada dessas idades tendo em vista a expectativa de

vida do brasileiro: “Preservando os direitos adquiridos e tratando com respeito às

expectativas de quem ainda está no mercado de trabalho e já se aproxima do acesso ao

benefício, é preciso introduzir, mesmo que progressivamente, uma idade mínima que não

seja inferior a 65 anos para os homens e 60 anos para as mulheres, com previsão de nova

escalada futura dependendo dos dados demográficos. Além disso, é indispensável que

13 No sentido de que os que estão à frente na política brasileira é a elite, aqueles que detém o capital e o poder.

se elimine a indexação de qualquer benefício ao valor do salário mínimo”. (Grifo

nosso).

Nesse contexto, Belluzo (2016), economista, professor e consultor editorial da

Carta Capital, discorrendo sobre o Programa, comenta:

“No Brasil, discutimos a Previdência de uma forma totalmente afastada e defasada em relação ao resto do mundo. Não é que o sujeito vai se aposentar com 65 anos, você precisa criar uma renda básica para ele sobreviver por 25 anos. Da maneira que propõe o governo, não pode ser Ponte para o Futuro é ponte para o passado. Não estão enxergando nada e vão agravar a situação social brasileira.” (Luiz

Gonzaga Belluzzo – Economista, Professor e Consultor editorial de CartaCapital).

Hoje em 2017, já está em vigor à idade de 65 anos como idade mínima para

homens e mulheres, conseguirem aposentadoria pela idade e, se quiserem ter

aposentadoria integral terão que possuir 49 anos de contribuição. Difícil situação para os

trabalhadores que contribuem tanto para o país com sua força de trabalho, que nunca é

reconhecido e agora, muito menos, o será. A espoliação aos direitos fica mais evidente na

alínea h, (2015, p. 19) que informa que se deve: “Estabelecer uma agenda de transparência

e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a

análise dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com

resultados piores do que a maioria dos países relevantes”.

Já que o país passa por uma crise, onde o ajuste fiscal se faz necessário,

questiona-se por que então não se corta também nos benefícios dos políticos, nos gastos do

congresso e no dinheiro usado com publicidade do governo? Acredita-se que por uma causa

maior todos devam participar. Percebe-se que cada vez mais a urgência de uma reforma

política, porque um sistema político ditatorial está longe de conceder benesses ao país e de

pensar no coletivo, quiçá de resolver os problemas estruturais. Dessa forma, reforça cada

vez mais a descrença na política, nos partidos e no voto obrigatório especialmente.

Nesse sentido, Reinaldo Gonçalves em seu livro Desenvolvimento às avessas,

cita João Ubaldo Ribeiro comentando sobre questões sociais e políticas, que perfeitamente

se adequa ao pensamento do parágrafo anterior Ribeiro, (2012 apud GONÇALVES 2013 p.

59): “Poupando-nos um retrospecto que não traria nenhuma novidade, o que temos é o que

está aí. Todo mundo sabe como é ruim a situação do Brasil em carga tributária, em saúde,

em educação, em transportes, em segurança pública, em trânsito urbano, em aplicação da

justiça, em saneamento básico e, enfim, em praticamente todas as categorias concebíveis”.

E ainda comentando sobre os partidos políticos, Ribeiro (2012 apud GONÇALVES 2013 p. 59):

Os partidos políticos não são nada, nem em matéria de crenças e princípios, nem de qualquer outra coisa; não há ideais, há interesses. Não são partidos, são bandos ou, sem esticar demais a metáfora, quadrilhas rapineiras, que não pensam nos interesses do País, mas na aquisição de poder e influência geradora de riqueza. Os

homens públicos, dentro ou fora dos parlamentos, em todos os níveis, parecem não conseguir escapar à malha corruptora que abafa o Estado em todas as esferas.

O que importa no governo ilegítimo, como na maioria dos políticos e seus

partidos, são os seus interesses e não o coletivo, dessa forma, as políticas públicas estão

seriamente comprometidas e o povo brasileiro ainda apático não sabe como resolver essa

situação ante a opressão das elites conservadoras. Muito se fala de uma nova esquerda, da

união das esquerdas em detrimento de algo maior, porém o momento ainda não é propício.

O que abrange a realidade de hoje é que se vive um novo colonialismo e conservadorismo

na civilização do capital, essa é a certeza que se tem...

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Estado ocorre um jogo entre classes que é desigual, onde a “Sociedade

política/capitalista” (os políticos que estão no poder e a elite empresarial) controla a partir do

aparelho do Estado a dinâmica da democracia, controlam eleições, o parlamento, o poder

judiciário, etc., e com isso buscam favorecer os seus interesses e os interesses econômicos

de grandes corporações. Dessa forma, acumulam e concentram renda e riquezas – é a

civilização do capital que se torna mais poderosa em relação às outras esferas da sociedade

civil – os mais pobres, e outros tantos atores que são postos à margem dos direitos

econômicos e sociais. Diante do exposto e respondendo aos questionamentos iniciais: O

que é o Estado e qual a sua natureza? E, ainda, tendo em vista, o predomínio da sociedade

política/capitalista, a natureza do Estado será sempre como afirmou Marx, Engel e Lenine: O

Estado é uma máquina destinada a manter a dominação de uma classe sobre a outra? A

sociedade capitalista será sempre a classe dominante? A dominação entre classes se faz

necessária existir?

O que se constata, após investigação que a natureza do Estado é a do estado

de classes, é a natureza do capital, é a natureza do Estado Ajustador. A história tem

confirmado que há sempre o domínio de uma classe sobre a outra e o domínio é sempre o

do capital, todavia, não se percebe necessária à existência da dominação entre classes e

sim uma sociedade sem opressão de classes. Esse pensamento, talvez utópico, se

fundamenta em Gramsci no “Pessimismo da razão e no Otimismo da vontade” e a vontade

de “ter viva a utopia como ‘consciência antecipadora’, que nos faz vislumbrar a construção

de outro mundo possível...” 14

REFERÊNCIAS

14 Citação da Profa. Alba Carvalho, no texto: “Utopia e lutas sociais no Brasil contemporâneo” em 23/09/2016.

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