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PENSAMENTO BRASILEIRO E TEORIA SOCIAL Notas para uma agenda de pesquisa João Marcelo Maia A área de pensamento social brasileiro é uma das mais longevas na história recente da pesquisa e da pós-graduação em ciências sociais. Como ates- ta a própria regularidade do grupo de trabalho dedicado ao tema na Anpocs, 1 esta é uma linha de investigação que continua a atrair profissionais e pós-graduandos. As razões para tal fascínio não são de todo desconhecidas, e parecem apontar não apenas para a continuidade temática entre o dito “ensaísmo” e a sociologia institucionalizada (Lima, 1999), mas também para a própria economia ar- gumentativa característica da ciência social moder- na praticada no Brasil, ainda às voltas com um uni- verso de clássicos que circundam seu discurso (Melo, 1999). Segundo Gildo Marçal Brandão, a persistência da área estaria relacionada com o cará- ter cíclico das crises do capitalismo brasileiro, que terminam por repor os temas da nossa origem e de nossa condição retardatária. No seu registro, Tudo se passa como se o esforço de “pensar o pensamento” se acendesse nos momentos em que nossa má formação fica mais clara e a na- ção e sua intelectualidade se vêem constrangi- das a refazer espiritualmente o caminho per- corrido antes de embarcar em uma nova aventura – para declinar ou submergir em se- guida (Brandão, 2005, p. 235). A princípio, não haveria nada de singular nessa linha de pesquisa, pois nos fóruns internacionais, tais como os da International Sociological Association, há grupos dedicados à História da sociologia e ao desvendamento das tradições nacionais de teori- zação. Entretanto, no caso brasileiro, essa incessan- te hermenêutica parece guardar sentido especial, RBCS Vol. 24 n o 71 outubro/2009 Artigo recebido em fevereiro/2009 Aprovado em setembro/2009

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PENSAMENTO BRASILEIRO E TEORIA SOCIALNotas para uma agenda de pesquisa

João Marcelo Maia

A área de pensamento social brasileiro é umadas mais longevas na história recente da pesquisa eda pós-graduação em ciências sociais. Como ates-ta a própria regularidade do grupo de trabalhodedicado ao tema na Anpocs,1 esta é uma linha deinvestigação que continua a atrair profissionais epós-graduandos. As razões para tal fascínio nãosão de todo desconhecidas, e parecem apontar nãoapenas para a continuidade temática entre o dito“ensaísmo” e a sociologia institucionalizada (Lima,1999), mas também para a própria economia ar-gumentativa característica da ciência social moder-na praticada no Brasil, ainda às voltas com um uni-verso de clássicos que circundam seu discurso(Melo, 1999). Segundo Gildo Marçal Brandão, apersistência da área estaria relacionada com o cará-ter cíclico das crises do capitalismo brasileiro, que

terminam por repor os temas da nossa origem ede nossa condição retardatária. No seu registro,

Tudo se passa como se o esforço de “pensar opensamento” se acendesse nos momentos emque nossa má formação fica mais clara e a na-ção e sua intelectualidade se vêem constrangi-das a refazer espiritualmente o caminho per-corrido antes de embarcar em uma novaaventura – para declinar ou submergir em se-guida (Brandão, 2005, p. 235).

A princípio, não haveria nada de singular nessalinha de pesquisa, pois nos fóruns internacionais, taiscomo os da International Sociological Association,há grupos dedicados à História da sociologia e aodesvendamento das tradições nacionais de teori-zação. Entretanto, no caso brasileiro, essa incessan-te hermenêutica parece guardar sentido especial,

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Artigo recebido em fevereiro/2009Aprovado em setembro/2009

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descolando-se do simples inventário de matrizesformadoras e assumindo pretensões teóricas maio-res. O campo intitulado “interpretações do Brasil”não reúne apenas profissionais interessados na his-tória do ensaísmo nacional, mas também alguns dosmais produtivos estudiosos interessados na expli-cação da modernidade brasileira, tais como JesséSouza e Luiz Werneck Vianna. Novamente, é Gil-do Brandão que sintetiza essa qualidade do campode estudos:

A reflexão sobre o pensamento político e socialrevelou-se, entretanto, demasiada rebelde paraser tratada como mera pré-história ideológicaa ser abandonada tão logo se tenha acesso àinstitucionalização acadêmica da disciplina cien-tífica. Demonstrou-se, ao contrário, um pressu-posto capaz de ser continuamente reposto peloevolver da ciência institucionalizada – como umíndice da existência de um corpo de problemase soluções intelectuais, de um estoque teórico emetodológico aos quais os autores são obriga-dos a se referir no enfrentamento das novasquestões postas pelo desenvolvimento social,como um afiado instrumento de regulação denosso mercado interno das idéias em suas tro-cas com o mercado mundial (Idem, p. 233).

Há, portanto, bons sinais de que é possível ex-trair um rendimento teórico atual dos estudos depensamento brasileiro, mas esse potencial perma-nece implícito, sem receber justificação metodoló-gica adequada. Afinal, por que teorizar por inter-médio da tradição intelectual nacional? O que areleitura desse conjunto de idéias e ensaios clássicostraz de diferente e singular à área globalmente co-nhecida como social theory? Este artigo sugere comohipótese que o universo denominado pensamentobrasileiro pode ser visto como uma forma de ima-ginação teórica que dialoga tematicamente com opós-colonialismo. Isto é, sustento que o pensamen-to brasileiro pode falar não apenas do Brasil, mastambém sobre dilemas modernos globais a partirde um ponto de vista distinto daquele formuladono mundo europeu e anglo-saxão. Para isso, é ne-cessário apontar tanto afinidades entre os dois cam-pos, como possíveis eixos de discussão que podem

ser explorados teoricamente a partir do exercíciocrítico do pensamento brasileiro. Ao fazê-lo, espe-ro deixar claro que o pós-colonialismo não será tra-tado como um novo campo de conhecimentos ouuma nova moda intelectual produzida nos grandescentros de pesquisa, mas sim como uma posiçãodiscursiva alternativa cujas fundações são múltiplas,contemplando, inclusive, a própria tradição intelec-tual brasileira.

Como se percebe, este artigo adota uma pers-pectiva teórica distinta daquela mais consagrada nocampo geral da história das idéias ou da históriaintelectual. Refiro-me ao contextualismo lingüísticoda chamada Escola de Cambridge. Nas obras deQuentin Skinner (Skinner, 1978; ver também Tully,1988) encontra-se a mais vigorosa defesa de umaleitura dos textos clássicos que busque reconstruir ouniverso comunicativo particular que envolvia seusprodutores, evitando assim a falácia do anacronis-mo e a colonização dos textos com perspectivasque lhes eram alheias. Essa visada historicista produ-ziu um conjunto de procedimentos metodológicosque certamente conduziram a história intelectual aoutro patamar, mas seu conjunto de problemas nãose confunde com o exercício proposto aqui. Afinal,este artigo toma a sério a lição de Jeffrey Alexander(1999) a respeito da natureza discursiva da teoriasocial e do trânsito hermenêutico constante entre asproduções clássicas e os escritos contemporâneos.O recurso à imaginação brasileira não visa recons-truir seu repertório lingüístico específico ou fixarmais precisamente o que seus protagonistas faziamquando escreviam seus textos, mas sim ativar a fa-bulação teórica contemporânea com base em ma-trizes intelectuais normalmente descartadas comopuramente ensaísticas. Nesse sentido, não se tratade negar o programa historicista, mas apenas deressaltar que ele não é a única forma possível deinterpelar os textos clássicos.

Nesse sentido, é importante esclarecer o que seentende aqui por pensamento brasileiro como umaárea de estudos. Refiro-me ao campo intelectualcontemporâneo dedicado a pesquisar o ensaísmonacional, tomando como marco as releituras dessatradição intelectual feitas em âmbito universitário,no contexto de institucionalização acadêmica. Par-te-se do pressuposto de que as pesquisas feitas nessa

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cronologia se alimentam das grandes tradições in-terpretativas geradas nas quatro primeiras décadasdo século XX, mas adotam uma decidida posturareflexiva sobre esse exercício hermenêutico.

O artigo está dividido em três seções. Na pri-meira, apresento as críticas feitas ao eurocentrismona teoria social, com especial referência à discus-são pós-colonial. O objetivo é mostrar como épossível extrair desse corpo de literatura dois gran-des eixos de discussão que, a meu ver, estabelecemalgumas articulações possíveis com as investigaçõesno campo do pensamento brasileiro. Refiro-me aodebate em torno da difícil relação entre Estadonacional e sociedade em países nascidos da expan-são européia e à própria discussão sobre o estatutocolonial da modernidade nesses países. Na segun-da seção, argumento que é possível ler boa partedos debates contemporâneos no campo do pen-samento brasileiro a partir desses dois eixos, fatoque constitui forte evidência da afinidade sustenta-da neste artigo. No primeiro caso, recupero tanto odebate sobre o iberismo no Brasil, como a discus-são sobre ordem pública e ordem privada, mo-mentos em que se produziu significativa reflexãoteórica sobre a articulação entre Estado e socieda-de num contexto diferente do universo europeu emque se geraram as teóricas clássicas sobre esses as-suntos. No segundo, analiso como algumas discus-sões sobre a formação brasileira e suas dualidadesconstitutivas evidenciam um mal-estar da intelec-tualidade nacional com o estatuto geral do moder-no numa região onde este fenômeno não é origi-nário. Para tanto, recupero o debate sobre “as idéiasfora do lugar” e as discussões sobre sertão e litoralno pensamento brasileiro. Finalmente, sustento quea realização mais ampla dessa agenda de diálogopode ajudar a reler a imaginação brasileira clássicapara além de seu universo nacional específico, in-quirindo seus objetos (livros, ensaios, idéias e au-tores) a partir de um lugar discursivo contemporâ-neo. Além disso, argumento também que essediálogo pode contribuir para alargar o campo teó-rico do que se convencionou chamar de pós-colo-nialismo, orientando o olhar para universos intelec-tuais usualmente obliterados. Nesse caso, refiro-meà contribuição do pensamento brasileiro para a teo-rização pós-colonial.

Teoria social e pós-colonialismo

Não é fácil traçar o início da crítica pós-colo-nial, caso não nos limitemos a tratar esse termo comouma grife acadêmica associada apenas a certos gru-pos de intelectuais, como no caso dos SubalternStudies indiano. Afinal, formulações teóricas inova-doras produzidas em países tidos como “periféri-cos” ao mundo europeu e anglo-saxão foram co-muns no pensamento social do século XX, sendopossível citar exemplos que vão do Brasil dos anosde 1950 e 1960 (caso de Guerreiro Ramos e suaredução sociológica) a Malásia do mesmo período(caso de Syed Alatas), passando pelos escritos delibertação nacional do martinicano Franz Fanon.

Comum a todas essas formulações era a per-cepção de que a fabulação teórica nessas geografiasnão-centrais implicava, no mínimo, uma recepçãocrítica de autores e categorias produzidas na litera-tura européia e, no limite, um questionamento dospróprios fundamentos dessa literatura e do seu lu-gar de discurso. Assim, embora o termo “pós-co-lonial” associe-se a um contexto marcado pela emer-gência de novas nações na África e na Ásia, emespecial a partir da segunda metade do século XX,o alcance dessa crítica pode ser estendido para en-globar discursos produzidos em outros contextoshistórico-geográficos nos quais o mal-estar dianteda relação entre “margens” e “centro” estivessepresente e fosse determinante para organizar a re-flexão intelectual. Como argumenta Fernando Co-ronil (2004), a América Latina conheceu diversosmomentos de formulação teórica pós-colonial apartir de autores e obras que não se limitam à his-tória oficial do termo. Isso levou alguns estudiososda região a postularem uma ligação mais profundaentre modernidade e colonialismo, associando-a aopróprio processo de “invenção” das Américas apartir da conquista européia.

Segundo Sérgio Costa (2006), embora fluido ediversificado no seu conteúdo, o chamado pensa-mento pós-colonial era unificado pela percepçãode que as críticas ao eurocentrismo da teoria socialimplicavam o descentramento da mesma e a buscapor novos paradigmas cognitivos – objetivos queCosta acredita serem inalcançáveis no âmbito dasociologia como disciplina. Isto é, para além do

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simples nativismo, esse conjunto intelectual dirige-se para uma discussão mais ampla, partindo dasmargens da experiência moderna para o cerne dateoria social contemporânea. Nesse sentido, realizamum movimento teórico que vai além da simples afir-mação de uma diferença traduzida em termos na-cionais, pois visa recriar os próprios parâmetrosdo discurso. Como veremos na última seção desteartigo, é essa qualidade que acredito poder ser cru-cial para uma incorporação crítica dos estudiososdo pensamento brasileiro.

Creio que a busca por novos paradigmas cog-nitivos pode ser exemplificada por dois temas queconfiguram eixos analíticos relevantes na produçãodita pós-colonial. Refiro-me especificamente aostemas que destaquei na introdução do artigo: a rela-ção entre Estado-nação e sociedade e a dimensãocolonial da modernidade. Para apresentar o primeiroeixo, analisarei brevemente as obras de Partha Chat-terjee e de Mahmood Mamdani. No segundo as-pecto, enfoco as obras de Paul Gilroy e Walter Mig-nolo. A escolha desses autores orienta-se tanto porum critério de representatividade, como pela rique-za e influência de seus escritos, que configuram umaamostra razoável desse vasto e nem sempre coe-rente universo da teoria pós-colonial. Além disso,optei por escolher autores de diversos grupos e es-colas, o que permite uma verificação mais amplados temas, evitando assim uma amostra por de-mais enviesada. Ressalto que a temática escolhidaestá longe de exaurir essa literatura, pois o recorteadotado é analiticamente orientado e visa a estabe-lecer pontos de diálogo e comunicação com outraforma de imaginação social.

Partha Chatterjee é um cientista político india-no associado ao grupo dos Subaltern Studies. Trata-se de um conjunto de trabalhos diversos inspiradospor uma profunda revisão historiográfica feita porintelectuais indianos na primeira metade da décadade 1980, que desafiaram os tradicionais modos deexplicação liberal e marxista a respeito da naturezados conflitos políticos de seu país. Conforme ex-plica Dipesh Chakrabarty (2002), os pesquisadoresdo grupo rejeitavam a associação obrigatória entremodernidade e universalização do capital e da ra-zão abstrata, e afirmavam o protagonismo de gru-pos subalternos – como os camponeses – que se

orientavam por lógicas alternativas ao modelo daação coletiva ocidental. O trabalho de Raja Guha(1983) intitulado “Elementary aspects of peasantinsurgency in colonial India” – tido como centralpara essa tradição – destaca exatamente as formasespecíficas de mobilização camponesa do país, quenão deveriam ser entendidas com recurso à idéiade “pré-política”.

Ao escrever um alentado prefácio a uma coletâ-nea de textos do grupo, Gayatri Spivak (1988) argu-mentou como essa revisão crítica tinha grandes afi-nidades com a filosofia desconstrucionista associadaa Derrida e congêneres. Nesse registro, o em-preendimento promovido pelos pensadores india-nos não atingia apenas os modelos explicativos na-cionais que reduziam práticas, experiências e modosde consciência dos grupos subalternos a esquemasteleológicos ou nacionalistas, mas a própria teoriza-ção produzida no centro do capitalismo. Isto é, aempiria analisada pelo Subaltern Studies promoviauma crítica aos pressupostos conceituais que infor-mavam a ciência política, tais como: a centralidadedo Estado, a dicotomia entre público e privado e aseparação entre sociedade civil e tradições religiosas.

Os trabalhos de Chatterjee (2001, 1993) sobrenação e nacionalismo na história indiana são exem-plares dessa perspectiva. Ao questionar a teleologiaque guia as visões historiográficas ortodoxas sobreo processo de independência em seu país, Chatterjeemostrou como certos conceitos totalizantes oblite-ravam os modos específicos de protesto e articula-ção política dos grupos subalternos na Índia. Isto é,a ciência política que moldava esses estudos subsu-mia os diversos fragmentos da insurgência popularaos limites do que se considerava propriamente“político”, ignorando formas de atividade e de cons-ciência que escapavam à moldura da esfera públicatal como formulada pela ciência social européia. OEstado-nação seria o grande dispositivo adminis-trativo e burocrático que explicaria a continuidadedos conflitos entre colonialismo e subalternos mes-mo num contexto de independência nacional, poisrepresentaria uma forma de domesticação das múlti-plas expressões políticas desses grupos sociais.

A sua leitura da obra Gramsci foi mediada poressa preocupação crítica. Assim, Chatterjee argumen-ta como a concepção européia de sociedade civil

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mostrava-se inadequada para dar conta da dinâmi-ca política dos setores subalternos urbanos na índiamoderna. Utilizando o conceito gramsciano de so-ciedade política, ele sustenta que as formas de pro-testo e associativismo empregadas por esses seto-res envolviam redes ilegais e práticas religiosas queobrigavam o Estado a lógicas políticas não previs-tas ou que escapavam ao figurino cívico tido comosupostamente exemplar.

Os trabalhos de Chatterjee inscrevem-se noprograma de provincianização da teoria metropo-litana descrito por Chakrabarty (2000). Este se re-fere à necessidade de compreender o universo teó-rico da ciência política européia como a traduçãoconceitual de uma História particular, o que tornasua condição universalista um problema de pesqui-sa, e não um ponto de partida indiscutível. Assim, adiscussão de Chatterjee contribui para reabrir esseuniverso teórico a partir do reconhecimento de outrasmatrizes de organização do político, associadas alugares de discurso específico.

A obra do intelectual de Uganda MahmoodMamdani (1996) segue trilha aparentada. No seutrabalho sobre as formas de governo gestadas naexperiência colonial africana, Mamdani analisa oscasos de Uganda e África do Sul para defender quetanto os intelectuais eurocêntricos como os pensa-dores africanistas cometem o mesmo erro: igno-ram a dimensão específica do Estado bifurcadoproduzido nessas sociedades. Segundo o autor, ocolonialismo europeu combinava formas de go-verno direto baseadas nos mecanismos cívicos tra-dicionais com práticas de governo indireto que abri-gavam o direito costumeiro e as soberanias que seacreditavam nativas. Assim, enquanto nas grandescidades e capitais a sociedade civil operava pela lin-guagem dos direitos (combinada, é claro, às barrei-ras raciais), no mundo rural as autoridades nativasganhavam um estatuto funcional de dominação,numa forma de despotismo descentralizado querecriava de forma hierárquica o que se acreditavaser a tradição.

Segundo Mamdani, o Estado bifurcado nãofoi desmontado pelas experiências de libertaçãonacional. Se, de um lado, o exclusivo racial foi com-batido na sociedade civil urbana, de outro, não sedesarmaram as práticas de tribalização que regiam

de forma despótica o mundo rural. Essa configu-ração especificamente política não poderia ser com-preendida com o recurso a narrativas clássicas dateoria social, como aquelas centradas no conceitode “Estado patrimonial” ou no “clientelismo”. Nemo apelo ao fortalecimento da sociedade civil pode-ria desatar o nó que ainda persiste nesses Estadosnacionais. Como se percebe, a análise de Mamdanitambém implica reabrir o universo cognitivo dateoria política, incorporando uma reflexão sobre omundo agrário pós-colonial que o joga para o cen-tro da análise e o toma como empiria privilegiadapara desvendar as formas de dominação política.

Essa abertura cognitiva é encontrada tambémnos trabalhos que buscam equacionar a relação en-tre colonialismo e modernidade, como são os ca-sos de Paul Gilroy e Walter Mignolo, dois autoresde inspirações teóricas bem diversas.

No seu conhecido livro sobre o Atlântico Ne-gro, Paul Gilroy (1993) argumenta que as narrativasculturalistas sobre raça tenderiam a se aprisionar emdiscursos nacionalistas ou essencialistas. Ao susten-tar a hipótese de uma rede flutuante de locais, traje-tos e migrações que poderiam explicar a confor-mação de um conjunto de práticas expressivas,artísticas e políticas originadas pela experiência deescravidão negra, Gilroy procura explicar a emer-gência de uma espécie de contra-modernidade querecusa os limites da teoria central. Isto é, enquantono coração da Europa política e cultura foram pen-sadas como esferas separadas e autônomas, e o su-jeito racional foi abstraído de quaisquer condiçõesparticulares, no chamado Atlântico Negro essas di-mensões foram radicalmente questionadas com baseem uma inscrição periférica no moderno.

Gilroy analisa biografias, músicas, escritas e me-mórias de intelectuais e artistas negros que lhe ser-vem como indícios de uma inversão da clássica ale-goria hegeliana da intersubjetividade nascida dadependência mútua entre senhores e servos. Aoapontar a dimensão utópica, violenta e radical demuitos gestos de liberação desses personagens ne-gros, Gilroy sustenta que é possível localizar umanarrativa moderna, mas que questiona o universalis-mo abstrato da esfera pública burguesa e suas lógi-cas racionalizadoras da ação instrumental. Ao mes-mo tempo, argumenta que esse material empírico

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constituiu uma forma de expressividade que asso-ciava liberdade e auto-invenção pessoal. Nesse re-gistro, o conceito de double consciousness é fundamen-tal, pois traduz essa inscrição ao mesmo tempointerna e externa no mundo moderno.

Além do conteúdo da discussão travada porGilroy, gostaria de chamar atenção para o modocomo o autor a constrói. Ao recuperar trajetórias etextos de intelectuais, escritores e ativistas, Gilroyestá empreendendo um estudo que classificaríamosde pensamento social. Longe de desejar simples-mente incrementar o rol de obras clássicas, ele almejareabrir a discussão teórica sobre a modernidade apartir das margens do mundo. Mais do que umasimples recuperação memorialística de uma tradi-ção esquecida, o Atlântico Negro é um lugar discur-sivo e prático que se dirige para o conjunto da mo-dernidade global.

Pode-se questionar o alcance da fabulação deGilroy, já que ela se orientaria para a delimitaçãode uma geografia civilizatória de tinturas étnicas(o Atlântico Negro). Entretanto, o próprio autorabre a possibilidade de extrapolar essa delimitaçãoao afirmar o potencial transnacional dessa estruturade sentimento. Tudo se passa como se esse outroAtlântico traduzisse um modernismo alternativo ecrítico capaz de evidenciar os limites do universoda democracia liberal e dialogar com outros sujei-tos e grupos.

Já Walter Mignolo opera em outro registro, tí-pico do que se convencionou chamar de de-colonialstudies. Os membros desse coletivo acreditam queos estudos pós-coloniais praticados por intelectuaisdo Sudeste Asiático ignoram as Américas nas suasreflexões sobre a experiência colonial, o que nãolhes permitiria atinar com a profundidade do vínculoentre modernidade e colonialismo. Em seu livrosobre a Renascença, Mignolo (2003) argumenta queos processos de colonização do Novo Mundo de-vem ser entendidos de forma articulada à moder-nidade, pois implicaram a universalização de umaepistemologia européia abstrata e universalizante, quesubsumiu outras práticas de cognição do mundo.Essa epistemologia baseava-se numa concepçãodesincorporada do sujeito cognitivo, tido como umente de razão que conheceria o objeto a partir deum local abstrato e supostamente neutro, o que lhe

conferia poder para classificar e ordenar os Outros“nativos”.

Segundo Mignolo, esse processo transformoudiferenças espaciais em diferenças temporais, pro-duzindo o que ele chama de denial of coevalness. Ana-lisando os mapas produzidos pelos europeus so-bre o Novo Mundo, Mignolo demonstra como ageometrização e a racionalização do espaço ameri-cano teriam transformado esses territórios em geo-grafias locais e periféricas, tidas como receptáculosde uma história européia supostamente universal egeral.

Mas Mignolo também aponta para a persistên-cia de práticas alternativas de cognição do mundonesses territórios, já que o encontro violento entreEuropa e América teria produzido um space-in-between, espécie de fronteira epistemológica quereconhece sua exterioridade e a afirma de formacrítica. Em um artigo escrito com M. Tlostanova(2006), Mignolo e a autora recorrem justamente aoconceito de double consciousness para trabalhar essa fron-teira e para indicar seu potencial teórico-crítico,aproximando-se, portanto, da percepção de Gilroysobre a existência de um espaço crítico produzidopela própria expansão colonial da modernidade.

Assim, pode-se dizer que, por diferentes cami-nhos, Mignolo e Gilroy chegam a uma concepçãocrítica da modernidade, evidenciando sua dimen-são provincial e sua articulação com práticas teóricasque transformaram os sujeitos europeus em sujei-tos universais do conhecimento. Ao mesmo tempo,ambos evidenciam como se constituem espaços denegociação e confronto, fronteiras epistemológicaspor intermédio das quais outros sujeitos afirmammodos de cognição distintos que refletem a exte-rioridade que lhes é constitutiva. Não se trata de veraí um discurso nativista que se acredita puro emrelação ao par modernidade-colonialismo, mas simde localizar uma forma de imaginação teórica quereconhece a relação intrínseca entre os pólos dessacombinação e procura produzir categorias e con-ceitos a partir desse reconhecimento.

Como se vê, os dois eixos temáticos aqui apre-sentados refletem a produtividade contemporâneadas teorias pós-coloniais. Enquanto Chatterjee eMamdani nos levam a repensar o universo da po-lítica tomando por base outras formas de ajuste

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entre Estado e vida social, típicas de lugares nas quaisa linguagem da sociedade civil parece mais limitardo que explicar, Gilroy e Mignolo chamam a aten-ção para o mal-estar que caracteriza o discurso so-bre a modernidade no mundo produzido pelo co-lonialismo europeu e para as possibilidades críticasde pensar a partir desses territórios. Na próximaseção, esses dois temas também organizam boaparte das mais significativas discussões no campodo pensamento brasileiro, a despeito de serem arti-culados de forma diferente.

Pensamento brasileiro e teoria:diálogos críticos

Para efeitos analíticos, tratarei dos seguintesconjuntos de debate: no caso da relação entre Esta-do e sociedade, analisarei o debate sobre o iberis-mo e as discussões sobre ordem pública e privada.Para o caso da reflexão sobre modernidade e colo-nialismo, recupero as discussões sobre “as idéias forado lugar”, lançada por Roberto Schwarz, e sobre odualismo entre sertão e litoral, tema incontornávelpara pesquisadores da área. Esses debates não dãoconta de todo o campo do pensamento brasileiro,mas são os que inspiraram reflexões teóricas maisdensas. O objetivo é mostrar como esses eixos dediscussão podem se articular a alguns resultados teó-ricos da crítica pós-colonial, o que permite postularum bom espaço de discussão para os estudiososdo pensamento social brasileiro.

No primeiro caso, uma referência inaugural dodebate moderno é o livro de Richard Morse (1988)em que o conhecido brasilianista sustenta a positi-vidade da matriz cultural ibérica quando contrapos-ta ao universo liberal anglo-saxão. Ao valorizar asdimensões comunitaristas e holistas daquela, Mor-se iniciou uma conhecida polêmica com SimonSchwartzman nas páginas de Novos Estudos Cebrap.Nesse debate, o iberismo era entendido como umcódigo civilizatório, matriz cultural que abrigava umavisão do social avessa ao ordenamento mercantildas relações sociais e ao desencantamento do mun-do produzido pela racionalização burocrática damodernidade. O método de Morse implicava relera tradição de pensamento político gestada entre os

clássicos espanhóis e portugueses em busca de in-sights teóricos contemporâneos. Essa forma de li-dar com o iberismo como categoria central para oentendimento do Brasil como uma civilização sin-gular no concerto do Ocidente encontraria granderepercussão nos debates subseqüentes.

É o caso da obra de Luiz Werneck Vianna. Aoincorporar a temática gramsciana da revolução passi-va, Vianna busca extrair do ensaísmo clássico nacio-nal categorias e modos de entendimento que elucidema dinâmica civilizatória brasileira à luz de um quadromais amplo, aparentado das grandes linhagens dasociologia história. Assim, seu estudo sobre TavaresBastos e Oliveira Vianna (1997) trabalha os conceitosde americanismo e iberismo não apenas como ob-jetos de uma historiografia das idéias, mas comomodos de articulação entre Estado e sociedade. Ouseja, trata-se de utilizar essas categorias para pensarcaminhos de modernização não-clássicos, sem queisso necessariamente traduza um lamento diante danão coincidência entre as teorias produzidas nomundo europeu e a realidade das margens.

Segundo Werneck Vianna, o iberismo represen-taria, portanto, um andamento no qual o Estadoconheceria grande protagonismo, por vezes mo-vendo-se como ator modernizador numa constan-te dialética entre mundo social e elites burocráticas.Se na fabulação liberal o Estado seria expressãocontratual de interesses e sujeitos delimitados nomundo privado, no caso iberista o moderno seriaproduzido sob influxo criativo do ator estatal. Essavisão de Vianna encontra certa afinidade com tra-balhos pioneiros de José Murilo de Carvalho (1980,1988), nos quais o historiador mineiro apontava paraa constituição de uma ordem estatal semi-autôno-ma diante do mundo dos interesses econômicosdurante o Segundo Reinado.

No caso da obra de Rubem Barboza Filho(2000), outro estudioso do tema, o iberismo é asso-ciado à filosofia política do barroco. Recuperandoa hipótese de Morse acerca da especificidade da tra-dição intelectual e cultural gestada na Ibéria, BarbozaFilho mostra como essa tradição produziu uma lin-guagem política que afirmava tanto a predominânciado público sobre o privado, como uma concepçãoarquitetônica da sociedade. O autor também destacaa dimensão expressiva dessa linguagem, que valoriza

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o código dos sentimentos como mecanismo cen-tral para a produção de subjetividades políticas, afas-tando-se do código dos interesses que organizaria asociedade mercantil-burguesa. Isso implica outraconcepção da relação entre indivíduo e sociedade,não mais pautada pela economia moral do libera-lismo, mas sim pela possibilidade de constante rea-tualização do mundo da tradição.

Como se percebe, as visões de Werneck Vian-na e Barboza Filho sobre o iberismo conduzem auma interpretação da relação entre Estado e socie-dade no Brasil que afirma o lugar singular do paísno Ocidente, sem que isso desemboque num la-mento diante de uma dimensão supostamente pe-riférica e incompleta. Isso é visível no artigo deWerneck Vianna (1999) sobre a recepção de Weberno Brasil, no qual o autor aponta, de forma crítica,como essa poderosa matriz de sociologia políticafoi mobilizada para explicar o “atraso” brasileiro,com farto recurso a conceitos como patrimonialis-mo e estamento.

É justamente esse lugar de discurso que permi-te aos autores incorporarem o iberismo como con-ceito num registro que não implique interpretar oBrasil como simples reprodução da matriz colonial.Afinal, não se trata de reiterar o argumento cultu-ralista da identidade nacional (tal como feito peloensaísmo clássico) para sustentar uma diferençaparticularista iberista, mas apontar linhas de forçaque expliquem as dissonâncias entre Estado esociedade para além do repertório clássico. Ou seja,é como se o iberismo nas Américas fornecesse umachave analítica distinta para uma sociologia políticarenovada e com alcance não limitado ao caso bra-sileiro. Nesse sentido, não implica compreender aHistória brasileira como simples derivação da His-tória de Espanha e Portugal, mas sim reconhecer adimensão dialética desse processo colonial, a partirdo qual se criam condições para uma reflexão teó-rica mais autônoma sobre as dinâmicas entre Esta-do e sociedade.

Essa visada é perceptível também em algunsestudos sobre o pensamento brasileiro que buscamdiscutir a articulação entre público e privado noBrasil, como no caso da obra recente de André Bo-telho. Em seu artigo sobre Oliveira Vianna e o de-bate sobre o baralhamento entre público e privado

no Brasil, Botelho (2007) traça a persistência desseuniverso cognitivo pelo exame de textos associa-dos à ciência social institucionalizada, como os deVitor Nunes Leal, Maria Isaura de Queiroz e MariaSylvia de Carvalho Franco. Ao buscar delimitar ostemas, os métodos e os enquadramentos dessa so-ciologia política “à brasileira”, Botelho sugere queo pensamento social pode ser recursivamente mo-bilizado pela agenda da teoria contemporânea. Elesustenta que essa tradição sociológica incorporavaas geografias do mundo agrário como fundamen-tais para o entendimento das formas de domina-ção numa sociedade como a brasileira. Num mo-vimento semelhante ao empreendido por Mamdani,o autor joga para o centro de sua análise os temasdo universo rural – a violência, o código do sertãoe a errância dos personagens do mundo popular –,que não são lidos como simples resíduos arcaicos,mas sim como ingredientes típicos do processo demodernização no país.

Em trabalho anterior sobre a obra de Ronald deCarvalho, Botelho (2002) explorou a fertilidade daslinguagens culturalistas da imaginação brasileira,destacando a existência de uma epistemologia críti-ca ao liberalismo no pensamento social da PrimeiraRepública. Ao traçar o itinerário intelectual do poe-ta e as distintas formas encontradas por Ronald paradialogar com as tendências do seu tempo, Botelhoevidenciou as vicissitudes do tema nacional numaformação como a brasileira. Em última instância,trata-se de teorizações que podem contribuir parauma crítica do liberalismo realmente existente e deseu enquadramento nas dinâmicas sociais afastadasdo mundo europeu clássico. Como se percebe, osdois eixos de debate – o iberista e a discussão so-bre público e privado realizada por Botelho – mar-cam a necessidade de articular a tradição intelectualbrasileira a outro lugar discursivo contemporâneo,que incorpore categorias e eixos analíticos não ne-cessariamente contemplados pela teoria social pro-duzida nos contextos europeu e anglo-saxão.

Outro debate estruturante do campo do pen-samento brasileiro refere-se às dissonâncias entreNação e modernidade, tendo como eixo o mal-estar diante da suposta inadequação desta últimanum país como o Brasil. Este debate costuma seinspirar por dois caminhos clássicos na área, a saber:

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o problema das “idéias fora de lugar”, consagra-do pela interpretação do crítico paulista RobertoSchwarz, e as discussões em torno da dualidadesertão e litoral, por vezes fraseada como “Brasil real”e “Brasil legal”.

Em seu conhecido ensaio introdutório ao estu-do sobre forma literária e processo social no ro-mance brasileiro, Schwarz (1981) argumenta que aforma romanesca adotada nos Oitocentos brasi-leiros era uma importação européia que ganhavatonalidade diversa no ambiente nacional. Segundoo autor, essa forma particular implicaria um processode composição que incorporava a dinâmica de umasociedade mercantil, baseada na propriedade pri-vada, no trabalho livre e na generalização da mer-cadoria por todas as arenas da vida social. Isto é, oromance clássico tinha um sabor realista crítico quelidava com a aparência da ordem capitalista, tradu-zida numa ideologia liberal que ocultava os nexosfundantes desta ordem.

Ora, no Brasil, sociedade escravista e inseridade forma periférica e dependente no sistema inter-nacional, o liberalismo era uma ideologia de segun-do grau, já que o favor seria o mecanismo estrutu-rante das relações sociais. Num mundo em que oshomens não ajustavam suas condutas de forma ple-na pela lógica impessoal da mercadoria e da racio-nalidade burguesa, eles só poderiam se defrontarcomo pessoas integrais, e não como expressões declasse. O argumento remonta ao clássico livro deMaria Sylvia de Carvalho Franco sobre os homenslivres na ordem escravocrata, em que a autora des-venda a inutilidade da mão-de-obra não escrava esuas formas de ação não orientadas pela lógica im-pessoal da racionalidade econômica. Vale lembrarque isso não impediu a autora de traçar uma dasmais virulentas críticas à tese de Schwarz.

Assim, Schwarz conclui que o liberalismo noBrasil seria experimentado pelos homens como umaidéia fora de lugar, expressão farsesca típica de umasociedade periférica. Mais do que negar essa idéiaem prol de alguma afirmação nativista ou suposta-mente mais autêntica, Schwarz sugere que se devalevar em conta essa articulação particular no trata-mento estético, de forma a melhor evidenciar suascontradições e vicissitudes. Segundo o autor, teriasido este o maior mérito de Machado de Assis.

Como se percebe, a tese de Schwarz apontava paraum mal-estar característico da intelectualidade emespaços como o brasileiro, que experimentavam amodernidade como um processo espúrio, que lheschegava sob o tacão da dependência. Mais ainda,esse mal estar é reconhecido e incorporado dialeti-camente pelo autor, que o traduz como uma vanta-gem relativa do mundo periférico, que poderia vis-lumbrar melhor contradições do liberalismo e docapitalismo existentes no coração do mundo eu-ropeu. Note-se, por exemplo, o elogio feito peloautor ao grande romance russo, que é aproximadoà obra machadiana. Segundo o próprio:

Também na Rússia a modernização se per-dia na imensidão do território e da inércia so-cial, entrava em choque com a instituição servile com seus restos, – choque experimentadocomo inferioridade e vergonha nacional pormuitos, sem prejuízo de dar a outros um crité-rio para medir o desvario do progressivismo edo individualismo que o Ocidente impunha eimpõe ao mundo (Schwarz, 1981, p. 23).

Em outro texto, Schwarz (1997) aprofunda suaargumentação, afastando-se de qualquer programanativista. Ao tratar da denúncia da cópia cultural eda dimensão mimética da cultura letrada brasileira,Schwarz argumenta que os termos do debate esta-riam mal colocados. Supor a possibilidade de seatingir uma essência nacional por uma espécie deredução progressiva do exterior seria não apenasuma quimera, mas uma incapacidade de compreen-der os nexos que ligariam a situação brasileira aomundo. Isto é, o Brasil não seria um Outro singular,que pudesse inventar do nada seu destino, mas umaformação dependente que partilharia laços profun-dos com a dinâmica capitalista global. Ou seja, seumal-estar não seria expressão nativa, mas uma ex-pressão periférica de processos mais amplos.

A princípio, essa versão dependentista do mar-xismo parece esgotar-se numa visão estreita do pro-blema pós-colonial, centrada no conceito de peri-feria. Entretanto, o que importa reter aqui é aafirmação de um lugar discursivo que pensa o mo-derno de forma global e descentrada, sem reduzira periferia a simples receptáculo do centro. Nessa

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visão dialética, a crítica transcende o dualismo e abrenovos espaços de produção teórica, transforman-do a periferia numa geografia crítica, ainda que en-redada na dinâmica mundial. Esse movimento per-mite a Schwarz não reduzir os termos “universal” e“local” a duas entidades singulares e essencializadas.Não à toa, estudiosos contemporâneos do pós-colonialismo vivenciaram uma espécie de redesco-berta da obra de Schwarz, justamente por essas qua-lidades (Brydon, 2001).

A despeito das críticas que recebeu no Brasil, aformulação de Schwarz continua sendo ponto depassagem quase obrigatório nos estudos sobre pen-samento brasileiro, justamente pela sua agudeza nacaracterização da tradução colonial do modernoentre nós. Não por acaso, conecta-se a outros estu-dos clássicos feitos numa tradição intelectual seme-lhante, como os de Antônio Candido (1975) sobrea formação da literatura nacional. Mais recentemente,Bernardo Ricupero (2004, 2008), estudioso do pen-samento político brasileiro, releu essa hipótese noâmbito de um programa de pesquisa que buscadecodificar justamente as linguagens políticas doromantismo brasileiro.

Em seu artigo, Ricupero (2008) recupera a con-tribuição de Schwarz e associa o tema das idéiasfora do lugar ao problema da “formação”, centralna sociologia literária de Antônio Candido. Comesse movimento, Ricupero pretende ressaltar a sin-gularidade da condição periférica e sua traduçãoformal, bem como a possibilidade de se pensar osprocessos históricos dessas sociedades como mo-mentos-chaves para uma teoria crítica do capitalis-mo global. Em outras palavras, é como se a dinâmi-ca de “empréstimo” que marca a vida ideológicaem países como o Brasil produzisse um lugar dis-cursivo mais agudo, capaz de desvelar formas quenão seriam singulares. Como afirma Ricupero, “nes-sa torção, operada na periferia capitalista, se encon-traria a verdade do centro capitalista. Até porquemuito do que é encoberto no centro poderia serrevelado, sem maiores subterfúgios, na periferia”(2008, p. 65).

O trabalho de Jessé Souza (2006), embora dis-tante do debate das idéias fora do lugar, vem bus-cando decodificar essa modernidade periférica apartir de um diálogo entre pensamento brasileiro e

teoria social, a despeito de seu programa intelectualnão se orientar para um questionamento da mo-dernidade central, mas para uma investigação dadesigualdade na periferia. Crítico de interpretaçõesque afirmam uma singularidade cultural brasileira,Souza não busca delimitar um lugar de discurso al-ternativo sobre o moderno em geral, mas sim cons-truir uma teoria crítica da periferia. Segue, portanto,caminho distinto do sugerido neste artigo.

A discussão sobre o aspecto colonial da mo-dernidade tem outra vertente no pensamento bra-sileiro, associada à investigação dos dualismos queteriam marcado a reflexão clássica e moderna bra-sileira. Nesse registro, pares como “Brasil real – Brasillegal” e “sertão-litoral” são investigados como mo-dos típicos de falar do país e de seus desajustes como mundo moderno. Situam-se nessa trilha desdetrabalhos clássicos na área, como o ensaio de Wan-derley Guilherme dos Santos (1967, 1970), até es-tudos mais recentes, como o de Nísia Lima (1999).Neste último, a autora trata essa dualidade comoum modo de cognição do país, já que o sertão quesurge no pensamento brasileiro clássico seria me-nos uma imagem geográfica precisa do que umaforma de falar das vicissitudes das condições histó-rico-sociais do país como um todo. Isto é, haveriauma ambigüidade constitutiva nessa linguagem ser-taneja, sempre oscilante entre o elogio da autentici-dade e a denúncia do atraso.

Entretanto, gostaria de sugerir que essa lingua-gem espacial de dualidades escapa a uma simplesreiteração do nacional como objeto, projetando-secomo uma forma de imaginação social sobre omoderno gerada em condições distintas daquelasque marcaram a experiência européia. Isto é, se noVelho Continente a cidade e seus objetos foram oeixo da imaginação teórica, no caso brasileiro essalinguagem do sertão e da terra configurou-se comoo modo de falar da modernidade neste canto domundo. No registro de Mignolo, pode-se dizer queo sertão seria um space-in-between, fronteira episte-mológica a partir da qual os intelectuais construí-ram um espaço discursivo que combina coloniali-dade, Nação e civilização européia. Esse espaçotorna-se mais evidente em textos de natureza emi-nentemente literária que tomam o mundo do ser-tão como matéria-prima para criação.

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Em trabalhos como o de Willi Bolle (1994-1995) e Heloísa Starling (1999), essa imaginação ser-taneja literária e seu potencial crítico universal sãointerpelados a partir da obra de Guimarães Rosa.Em ambos, a despeito de suas perspectivas distin-tas, a investigação do sertão literário de Rosa é por-ta de entrada para uma reflexão teórica mais amplasobre os descaminhos da modernidade no Brasil,centrada nos temas da violência, da errância dospersonagens do mundo popular e das possibilida-des de vida social numa ordem não garantida pelosvalores cívicos clássicos. Bolle, por exemplo, argu-menta que a ficção de Rosa contribuiu para o pró-prio baralhamento entre rural e urbano, evidencian-do assim que o sertão opera exatamente como esseespaço liminar de discurso, a partir de onde se faz acrítica das formas assumidas pelo moderno no país.

Na sociologia, em meu próprio trabalho (Maia,2008) procurei explorar a proximidade dessa lingua-gem espacial do pensamento brasileiro com outrasformas de imaginação em contextos extra-europeus,em especial as produzidas no caso russo. Meu ob-jetivo é evidenciar o potencial teórico desse lugarde discurso territorialista, que descortina um mun-do de objetos e personagens que não seriam con-templados na fabulação teórica clássica produzidano cenário urbano da Europa oitocentista. Isto é,tratar a terra e o espaço como formas de cogniçãoimplica mostrar que essas categorias não seriamapenas expressões de um determinismo geográfi-co típico de um país marcado pela catequese posi-tivista, mas sim modos de narrar uma experiênciasocial que não se enquadra na linguagem da cidadesociológica (Carvalho, 1994).

Considerações finais

Como procurei mostrar, existe um campo dediálogo amplo entre estudos de pensamento brasi-leiro e teoria pós-colonial, em especial se levarmosem conta os dois eixos temáticos apontados. Essecampo não existe de forma aleatória, mas derivada própria natureza da reflexão sobre o ensaísmobrasileiro, que freqüentemente se aproximou de umaforma específica de teorização que partia exatamentede um diagnóstico a respeito do ajuste difícil entre

o Brasil e o mundo europeu, tido como centro pro-dutor da reflexão moderna (Carvalho, 2006). En-tretanto, ainda resta resolver um possível obstáculopara esse diálogo que, na verdade, constitui umaforte motivação para sua realização. Refiro-me aoestatuto da Nação como objeto de pensamentonesses dois universos teóricos.

É comum entre os estudiosos do pós-colo-nialismo uma visão crítica não apenas a respeito donacionalismo, mas da própria configuração políticados Estados nacionais modernos. Afinal, como ficaevidente na leitura de Chatterjee, esses dispositivostrariam consigo uma narrativa política colonial quesubsumiria outras formas possíveis de comunida-de política ao repertório da teoria clássica sobresoberania e poder. Por outro lado, é a construçãoda Nação o grande tema que mobilizava os pen-sadores clássicos brasileiros e que, de certa manei-ra, ainda parece motivar seus interlocutores con-temporâneos. Não haveria aí uma discrepânciafundamental?

Na verdade, o trabalho intelectual contempo-râneo na área do pensamento brasileiro não se limi-ta a reiterar os termos históricos do debate pretéri-to sobre a nacionalidade. Em todos os trabalhosque apresentei na seção anterior, fica patente a ten-tativa de empreender uma hermenêutica das inter-pretações do Brasil de um modo contemporâneo,que reconheça as contradições do pensamento so-cial. A discussão sobre iberismo, por exemplo, nãotem por objetivo fixar melhor o sentido da identi-dade brasileira, mas entender as dinâmicas intelec-tuais que presidiram nossa formação e inquiri-lasde um ponto de vista atual que abriga outra pro-blemática. No caso de Barboza Filho (2003), porexemplo, sua investigação do iberismo objetiva em-preender um diálogo crítico com a teoria democrá-tica contemporânea, em especial com a formulaçãodeliberativa de Habermas e sua ênfase procedimen-tal e neutra em relação a valores. Nesse registro, oiberismo opera como alternativa teórica que permiteao autor reorganizar o repertório teórico da ciênciapolítica e questionar sua suposta universalidade.

O debate sobre as idéias fora de lugar tambémnão visa fazer uma arqueologia das idéias que deve-riam “estar” no lugar, supostamente matrizes maisautênticas da brasilidade, mas sim localizar as tensões

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e as contradições da modernidade a partir de umespaço onde estas se manifestam de forma maisaguda. Nesse sentido, os estudos de pensamentobrasileiro são atividades intelectuais que partem doespaço fronteiriço apontado por Mignolo. É nessecaminho que Ricupero retoma as formulações deSchwarz a respeito da periferia como lugar crítico,e não como simples derivação do centro ou geo-grafia singular e autárquica. Ou seja, o trabalho crí-tico dirige-se também para as sociedades centrais,o que implica trazer o caso brasileiro para uma dis-cussão global sem necessariamente marcá-lo comouma evidência desviante da norma.

Esse trânsito descentrado produzido a partir deespaços fronteiriços de discurso já foi percebidotambém na produção pós-colonial. Em artigo sobreo tema, o próprio Mignolo (1993) cita a obra deSchwarz como exemplo de crítica teórica que se afinacom questões contemporâneas do pós-colonialismoe evidencia a dimensão produtiva e não derivadada reflexão latino-americana em relação ao cânonecentral. Dessa forma, o pensamento brasileiro temmuito a oferecer à teoria global, pois seu universode imagens, narrativas e modos de cognição sãopeças importantes para a constituição desse lugarde discurso fronteiriço e para seu próprio adensa-mento crítico.

O recente artigo de José Maurício Domingues(2009) sobre o programa pós-colonial latino-ame-ricano, por exemplo, é uma forte evidência de quea crítica à modernidade colonial empreendida porMignolo é por demais unilateral, ao ignorar comoesse fenômeno tem dimensões complexas na Amé-rica Latina, em especial quando visto a partir deuma sociedade como a brasileira. O recurso àsmatrizes da imaginação brasileira a partir desse lu-gar de discurso contemporâneo pode enriqueceresse diálogo, pois a discussão sobre as ambivalên-cias da modernidade, hipótese central para Domin-gues e ponto principal de sua discordância comMignolo, é tema fundador dessa tradição.

A agenda de pesquisas proposta aqui visa exa-tamente fornecer alguns parâmetros sugestivos paraenquadrarmos esse trabalho crítico no pensamen-to brasileiro e reforçarmos sua dimensão teórica.Esse diálogo, caso realizado, pode ampliar o uni-verso de questões direcionadas a objetos já tidos

como gastos e exauridos, além de abrir um espaçocomparativo que descentre nossa própria pretensasingularidade.

Notas

Segundo L. Lippi Oliveira (1999), a origem do grupodata de uma proposta enviada por Mariza Peirano eLuiz Antônio Castro Santos em 1981 à direção daAnpocs. A primeira reunião ocorreu em 1983.

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REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 24 No 70196

PENSAMENTO BRASILEIRO ETEORIA SOCIAL: NOTAS PARAUMA AGENDA DE PESQUISA

João Marcelo Maia

Palavras-chave: Pensamento brasilei-ro; Teoria social; Eurocentrismo; Inte-lectuais; Pós-colonialismo.

O chamado “pensamento social” sempreocupou lugar de relevo no quadro dasciências sociais tais como praticadas noBrasil. Recentemente, as pesquisas nessecampo têm buscado cada vez mais arti-cular suas análises do ensaísmo nacionala preocupações teóricas mais gerais, re-ferentes ao estatuto da modernidade emsociedades não-centrais. Este artigo par-te dessa circunstância intelectual parabuscar dois objetivos: a) justificar maisexplicitamente a necessidade de diálogoentre pensamento brasileiro e teoria so-cial, em especial à luz do pós-colonialismoe das críticas ao eurocentrismo da socio-logia; b) explorar possíveis diálogos en-tre essas áreas tomando como objeto deanálise alguns eixos analíticos comuns aosdois campos.

BRAZILIAN THOUGHT ANDSOCIAL THEORY: NOTESFOR A RESEARCH AGENDA

João Marcelo Maia

Keywords: Brazilian thought; Socialtheory; Eurocentrism; Intellectuals;Post-colonialism.

What we know as “social thought” hasalways played a central role in social sci-ences as it has been practiced in Brazil.Recent researches in this field have beentrying to articulate its analysis of the es-sayist tradition to larger theoretical in-terests, concerning the status of moder-nity in non-central societies. This articledeparts from this intellectual situationin order to achieve two main goals: a) tojustify the need for a dialogue betweenBrazilian thought and social theory, par-ticularly based on postcolonial theoriesand criticism of Eurocentric tradition insociology; b) to explore possible dialoguesbetween these areas through an exam ofanalytical guidelines common to bothfields of research.

PENSÉE BRÉSILIENNE ETTHÉORIE SOCIALE: NOTESPOUR UN AGENDA DERECHERCHE

João Marcelo Maia

Mots-clés: Pensée brésilienne; Théoriesociale; Eurocentrisme; Intellectuels;Postcolonialisme.

La dénommée “pensée sociale” a toujoursoccupé une place de relief dans les scien-ces sociales telles que pratiquées au Bré-sil. Récemment, les recherches dans cedomaine ont tenté de plus en plus d’arti-culer leurs analyses de l’essayisme natio-nal avec les inquiétudes théoriques plusgénérales, liées au statut de la modernitédans des sociétés non-centrales. Cet arti-cle part de cette circonstance intellec-tuelle pour chercher deux objectifs : a)justifier de façon plus explicite le besoinde dialogue entre la pensée brésilienne etla théorie sociale, en particulier à la lu-mière du postcolonialisme et des criti-ques à l’eurocentrisme de la sociologie ;b) explorer les dialogues possibles entreces domaines ayant comme objet d’ana-lyse certains axes analytiques qui leur sontcommuns.

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