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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 PELA MEMÓRIA E PATRIMÔNIO: o Museu Mariano Procópio como espaço cultural e paisagístico em Juiz de Fora /M.G. PORTES, R. (1); LIMA, F. (2); BARBOSA, A. (3) LEÃO, L. (4) 1. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal [email protected] 2. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal [email protected] 3. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal [email protected] 4. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Endereço Postal [email protected] RESUMO O trabalho aborda os resultados de estudos específicos da região que engloba o Museu Mariano Procópio e seus jardins, em Juiz de Fora, incluindo-se leituras sobre o estado de conservação deste conjunto urbano. A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”, hoje composta pelo conjunto da Villa Ferreira Lage, como um Jardim histórico e o edifício do Museu Mariano Procópio, que nos remetem ao final do Século XIX, se colocam como referência cultural para a cidade e a sua região, bem como para o Brasil. Tais estudos subsidiaram a elaboração do “Dossiê do Conjunto Histórico e Paisagístico Mariano Procópio”, como uma das atividades do Núcleo de Pesquisa e Extensão Urbanismo em Minas Gerais, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora Urbanismo.mg/UFJF, em convênio estabelecido com a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. A elaboração deste dossiê constitui ação importante para ampliar a proteção do conjunto, com diretrizes específicas, que se somam às medidas para a salvaguarda, no âmbito da gestão do Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio. O Museu e o seu entorno representam parte significativa da própria imagem do município de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais, além de incluir aspectos relevantes da história da nação. Palavras-chave: Museu Mariano Procópio; Juiz de Fora; Patrimônio Cultural; Jardins Históricos; Minas Gerais. .

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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

PELA MEMÓRIA E PATRIMÔNIO: o Museu Mariano Procópio como espaço cultural e paisagístico em Juiz de Fora /M.G.

PORTES, R. (1); LIMA, F. (2); BARBOSA, A. (3) LEÃO, L. (4)

1. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal [email protected]

2. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal [email protected]

3. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal [email protected]

4. Universidade Federal de Juiz de Fora . Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Endereço Postal [email protected]

RESUMO

O trabalho aborda os resultados de estudos específicos da região que engloba o Museu Mariano Procópio e seus jardins, em Juiz de Fora, incluindo-se leituras sobre o estado de conservação deste conjunto urbano. A antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”, hoje composta pelo conjunto da Villa Ferreira Lage, como um Jardim histórico e o edifício do Museu Mariano Procópio, que nos remetem ao final do Século XIX, se colocam como referência cultural para a cidade e a sua região, bem como para o Brasil. Tais estudos subsidiaram a elaboração do “Dossiê do Conjunto Histórico e Paisagístico Mariano Procópio”, como uma das atividades do Núcleo de Pesquisa e Extensão Urbanismo em Minas Gerais, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora – Urbanismo.mg/UFJF, em convênio estabelecido com a Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. A elaboração deste dossiê constitui ação importante para ampliar a proteção do conjunto, com diretrizes específicas, que se somam às medidas para a salvaguarda, no âmbito da gestão do Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio. O Museu e o seu entorno representam parte significativa da própria imagem do município de Juiz de Fora, no Estado de Minas Gerais, além de incluir aspectos relevantes da história da nação.

Palavras-chave: Museu Mariano Procópio; Juiz de Fora; Patrimônio Cultural; Jardins Históricos; Minas Gerais.

.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

INTRODUÇÃO

O Museu Mariano Procópio (MAPRO) localizado em Juiz de Fora, na região da Zona da Mata

Mineira, em Minas Gerais constitui referência cultural da cidade, compondo em sua formação

um rico acervo vinculado à história do município, bem como à história nacional. Desde a sua

construção até os dias atuais, o conjunto composto por edificações de diferentes épocas,

implantadas em um jardim de grande exuberância, passou por diferentes usos até se

consolidar como Museu, por desígnio de seu fundador, ainda no ano de 1936. Diante do

cenário de transformação contínua da cidade e consequentemente da perda de referenciais,

o MAPRO - antiga "Quinta da Lage", de certo modo, resiste às transformações. Neste arco

temporal, desde o final do Século XIX, muitas modificações interferiram na ambiência do

museu, desde a construção de edifícios altos, a abertura de vias, a demolição de edificações

e conjuntos fabris, dentre outros.

A necessidade de pensar a relevância do Museu de forma integrada, como um conjunto

urbano e paisagístico, com a consideração da questão da paisagem e a reintegração dos

jardins, motivou a cooperação entre a gestão atual do Museu e a Universidade. Assim, foi

definido o projeto intitulado "Pela Memória e Patrimônio em Juiz de Fora/MG: Apoio às

atividades de Conservação e Restauração do Museu Mariano Procópio”. O projeto foi

composto por ações integradas de pesquisa e extensão com levantamentos de campo e em

arquivos, além do estabelecimento de um ciclo de visitas guiadas às obras de restauração,

denominado "Restauro Visitável”.

Vale mencionar, em relação aos processos de gestão e planejamento urbano, que a proteção

do patrimônio cultural e a idéia de sustentabilidade estão intrinsecamente ligados, na

perspectiva de um desenvolvimento urbano que possibilite a reversão do quadro insustentável

inerente às nossas cidades. Assim, conforme diretriz estabelecida na Declaração de Salvador,

em 2007, é imprescindível “[…]Compreender os museus como ferramentas estratégicas para

propor políticas de desenvolvimento sustentável e equitativo entre os países e como

representações da diversidade e pluralidade em cada país ibero-americano; […]”

(DECLARAÇÃO DE SALVADOR, 2007) e, neste sentido, inserir o Museu Mariano Procópio

nas políticas públicas urbanas, visando a manutenção de sua integridade cultural e,

consequentemente, o desenvolvimento urbano qualificado da cidade de Juiz de Fora e região.

Os resultados das ações vinculadas ao projeto mencionado subsidiaram a elaboração do

“Dossiê do Conjunto Histórico e Paisagístico Mariano Procópio”, inicialmente, com abordagem

teórica sobre o conceito de paisagem e paisagem cultural. Em seguida, o entendimento da

memória da ocupação do município, com ênfase na abordagem sobre a história do conjunto

urbano Mariano Procópio e dos bens culturais compreendidos neste, o que se torna relevante

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para uma melhor compreensão da importância deste na formação urbana de Juiz de Fora e,

da importância nacional de seu acervo. Na continuação, analisamos o Conjunto Paisagístico

na atualidade, definindo o seu estado de conservação tendo em vista as modificações

implementadas sobre o mesmo e sobre o seu entorno. Após esta aproximação fundamental

sobre o objeto de estudo, foi elaborada a proposta de gestão do Jardim Histórico do Museu

Mariano Procópio com a delimitação de seus perímetros de abrangência, bem como a

interferência do mesmo em seu entorno imediato. Assim, esta área delimitada de relevante

valor cultural recebe por fim diretrizes gerais visando à manutenção dos seus bens e de sua

paisagem. Por fim, cabe dizer, que o dossiê foi encaminhado ao gestor do Museu e

permanece ainda como um trabalho em construção.

O LEGADO DE MARIANO PROCÓPIO FERREIRA LAGE

O Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, engenheiro e político, natural de

Barbacena/MG, ficou conhecido na história urbana brasileira por construir a primeira estrada

pavimentada do país, a Estrada União e Indústria. Seu legado pode ser vislumbrado até hoje,

pela transmissão de sua rica propriedade e coleções aos seus herdeiros e, posteriormente,

para o município, como também extrapola os limites "patrimoniais", já que foi o responsável

por abrir os horizontes de Juiz de Fora e integrá-la ao comércio, transformando sua

paisgagem de maneira significativa.

No ano de 1853, posteriormente a concessão da implementação do percurso rodoviário da

estrada União Indústria, por D. Pedro II, Mariano Procópio seguiu em viagem durante seis

meses pelos Estados Unidos e pela Europa, onde passou por cidades como Londres, Paris,

Berlin, Rotterdam, Viena, Hannover e, outras; realizando pesquisas de técnicas e materiais

construtivos mais avançados daquele contexto, bem como buscou fixar contatos comerciais

para a Companhia. Cabe destacar que a rede de contato por ele estabelecida, tanto com a

Corte Imperial, como com outras influências europeias foram de grande relevância na

condução de seus negócios e escolhas – a saber, foi chefe da comissão da Delegação

Nacional do Brasil na Exposição Universal de 1867, em Paris, sendo agraciado com uma

medalha de honra. Nesta ocasião expôs no Pavilhão do Brasil a fotografia abaixo, que

retratava seu 'Chateau' às margens da nova estrada União e Indústria. Foi também Diretor

das Docas da Alfândega; Diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II; Presidente do Jóquei

Clube Brasileiro e, outros tantos cargos de expressão na sociedade brasileira da época.

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Vale dizer que, durante sua viagem, Mariano Procópio conheceu a técnica do Macadame

(Técnica criada pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam) já empregada na construção

de estradas nos Estados Unidos; vivenciou a “Belle Époque” que se estendia mundialmente

nos avanços da indústria, dos transportes, das comunicações e, em especial, nas

transformações urbanas, decorrentes da Revolução Industrial, que traziam os ideários

urbanísticos de ordem, beleza e higiene. Através desses e de outros conhecimentos

adquiridos, Mariano se viu motivado e estimulado a empregá-los em sua terra natal, trazendo

as inspirações para a criação da estrada União Indústria e para a construção da “Quinta da

Lage” ou ‘Villa”, hoje conhecida como Conjunto Histórico e Paisagístico do Museu Mariano

Procópio.

A “Villa”, construída pelo Comendador para receber a família imperial de D. Pedro II durante

sua visita à região no contexto da inauguração da Estrada União Indústria, foi projetada pelo

arquiteto alemão Carlos Augusto Gambs, em linguagem renascentista, com implantação

dominante em relação às visadas do entorno. Podemos dizer que esta é rodeada por um

parque, formado por uma grande área verde inteiramente recriada conforme o ideário

paisagístico da época.

Em relação ao "Parque", composto por um lago que permeia os arredores da casa e um

paisagismo ricamente trabalhado, estima-se ter sido projetado pelo paisagista francês

Auguste Marie Franciscque Glaziou, quando na sua estadia na região na segunda metade do

século XIX. Dom Pedro II em sua visita ao 'chateau' de Mariano Procópio, encontrando-se

encantado pelo conjunto, escreve:

Figura 01: Fotografia exibida no Pavilhão do Brasil na Exposição Universal de 1867, por Mariano

Procópio Ferreira Lage. Dizeres acima: "Chateau de Juiz de Fora Situé á l'extrémité de la route União

e Industria Proprieté de Ma. M. P. Ferreira Lage". Fonte: Acervo Documental da Fundação Museu

Mariano Procópio.

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“…É deste aprazível sítio que a arte converteu num brinco igual a qualquer lugar de banhos

da Alemanha, sob o céu recamado de estrelas que porfiam com as inumeráveis luzes, que

cintilam nos jardins e elegantes edifícios, ao som de uma harmoniosa banda de música de

colonos tiroleses que Eu principio a narrar a minha viagem enquanto a lua não sai e Eu

também, para percorrer estes jardins a inglesa, e subir ao alto de um outeiro, onde Lages

acaba a construção da mais “coquette” habitação. Eu estou em outra casa que também lhe

pertence e se acha no meio dos jardins e junto ao outeiro. Esta casa foi arranjada com apurado

gosto e nada lhe falta... Chamam-me para passear pois a lua já subiu (…) (BEDIAGA, 1999).

O relato do então Imperador do Brasil revela não só a beleza encontrada nos jardins, mas

também sua estrita relação estabelecida entre o palacete, construído por Frederico Ferreira

Lage, no qual Dom Pedro II hospedou-se na ocasião de sua visita. Com a estadia da família

imperial à Villa, as construções dos Ferreira Lage se tornaram ainda mais notória. Sua beleza

e imponência virou notícia nos jornais da região, como publicaria “O Jornal do Comércio”, na

edição de Junho de 1869, durante a visita da família imperial para a inauguração da Estrada

União Indústria:

“ (…)Suas Majestades e Alteza alojaram-se no castelo do Sr. Ferreira Lage, espécie de

habitação de fadas, que se ergue no cimo de uma ligeira colina cercada de extensos jardins,

ornados de arvoredos, plantas raras, flores, cascatas, repuxos tanques, cercas de parasitas,

assentos rústicos de caprichosas formas, animais curiosos e variedades de construção de

recreio (…) “ (JORNAL DO COMÉRCIO, 1869).

Outro registro importante foi feito pelo fotógrafo alemão R.H. Klumb, que elaborou um dos

primeiros guia de viagem produzidos no Brasil, em seu diário “Doze Horas em Diligência: Guia

do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”, de 1872:

“ (…) Ha na eminencia á nossa direita um lindo casttelinho, propriedade do finado Sr. Lage,

gracyosa amostra do estylo – renaissance italiano –; este castelo e rodeado de um parque

desenhado, plantado e conservado com um gosto que nos dá ideia do que devia ser o

proprietário: tanques de água límpida, onde nadãobelloscysnes brancos e pretos, ilhas de

bambus, viveiros naturaes onde cantão e gorgeião milhares de pássaros, jardins cheios de

flores as mais curiosas e as mais raras plantas de interesse particular tornão este domínio um

pequeno paraiso terrestre (…) (KLUMB, 1872).

O conjunto herdado pelos filhos de Mariano Procópio abrange atualmente a área que compõe

a paisagem do museu e a área ocupada pela 4ª Região Militar, englobando a Villa, o edifício

construído para comportar o Museu, além da chácara onde a família morava antes da

construção da casa principal. Ao lado dos jardins, Frederico F. Lage construiu um outro

palacete, no entanto, com sua morte precoce aos 39 anos, a família adquiriu um grande

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acúmulo de dívidas, o que resultou na sua venda e, ao consequente desmembramento dos

jardins do atual Museu. A partir de então, em 1912, o palacete passou a pertencer a Estrada

de Ferro Central e, posteriormente, ao Ministério da Guerra que se instalou na 4ª Região

Militar.

Em 23 de Junho de 1921, já com os jardins desmembrados, Alfredo Ferreira Lage inaugurou

no “castelo” principal da Villa o Museu Mariano Procópio, em comemoração ao centenário de

nascimento de seu pai. Alfredo anexou em exposição todo o material que há décadas vinha

colecionando, tanto com suas próprias aquisições como também fruto de doações, contendo

materiais de geologia, mineralogia, paleontologia e zoologia, fazendo dele uma preciosidade

física e cultural.

Na data de 29 de fevereiro de 1936, Alfredo Ferreira Lage anunciou a doação de sua

propriedade e o acervo de peças ímpares em cultura e memória, para o município de Juiz de

Fora, que permanece sobre seu domínio até os dias atuais. Ao longo dos anos o Museu se

tornou um elemento chave na propagação da cultura na região, sendo ponto turístico

obrigatório aos visitantes da cidade e, lugar de encontro e lazer da comunidade local,

cumprindo o desígnio pelo qual Mariano Procópio e seu filho, Alfredo Ferreira Lage, tanto

almejavam.

Ao longo do tempo e após sucessivas gestões que não priorizaram sua boa conservação e,

a própria falta de conhecimento em relação aos procedimentos preconizados em relação à

Figura 02: Montagem de fotos panorâmicas da Villa - Entrada pela passarela que liga à Galeria e sua

Fachada posterior. Detalhe de ambas em processo de Restauração. Fonte: Raquel Portes

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ciência da restauração, observou-se o desenvolvimento de atividades que acabaram

cooperando para a degradação em diversas escalas do Museu Mariano Procópio.

Os jardins que a priori tinham uma função importantíssima e desenvolviam um papel de

protagonistas na história do Museu, com o tempo, passaram a ser vistos apenas como uma

“moldura” das edificações implantadas no topo do terreno. Sua conservação inadequada, sua

atuação como coadjuvante na formação paisagística e a pequena valorização dos mesmos

contribuíram para a perda da unidade, essa, vista como essencial pelo seu projetista, o

paisagista Auguste Marie Franciscque Glaziou. Por fim, cabe dizer que, desde a efetivação

deste conjunto como um bem público, nas primeiras décadas do século XX, tanto em relação

ao conjunto edificado, quanto ao seu entorno imediato composto pelos jardins, foram feitas

ações de restauração, mais ou menos criteriosas. A mais recente, em 2014, que permanece

em andamento, ainda sem previsão da sua conclusão, cujo dossiê aqui relatado contribui, no

sentido da reintegração das propriedades divididas. Vale ressaltar ainda que, esta

reintegração, recupera a intenção do proprietário, no caso o próprio herdeiro Alfredo Ferreira

Lage, de que o uso da propriedade, como um todo, tivesse fins culturais. O indevido uso militar

de uma das propriedades se coloca, assim, como um verdadeiro contra-senso para a cidade,

tendo em vista a singularidade deste conjunto e a sua condição de patrimônio cultural,

protegido no âmbito nacional.

O CONJUNTO HISTÓRICO E PAISAGÍSTICO NA ATUALIDADE

O Conjunto Paisagístico do Museu Mariano Procópio está inserido na malha urbana da cidade

de Juiz de Fora, em uma área de 78.240 metros quadrados, contrastando com o ambiente de

intensa urbanização que o cerca. Em seu entorno encontram-se unidades residenciais,

verticalizadas ou não, como a antiga Estação Ferroviária e o que restou do seu conjunto, a

fábrica Ferreira Guimarães, ou melhor, o que restou deste conjunto fabril, as praças Agassis

e Mariano Procópio e, ainda, a 4ª Brigada de Infantaria Motorizada instalada, nas edificações

e jardins, como continuidade e parte do próprio Museu. Além destas referências, em um dos

lados o Museu tem o curso do Rio Paraibuna, interrompido por via arterial, a Avenida Brasil.

Aberto à visitação pública em 1915, o Museu Mariano Procópio só foi oficialmente inaugurado

no dia 23 de junho de 1921, data coincidente à celebração do centenário de nascimento do

comendador Mariano Procópio Ferreira Lage (1821/1872), como mencionado, o idealizador e

empreendedor da primeira estrada de rodagem macadamizada do Brasil, a “Rodovia União e

Indústria”, ligando Petrópolis a Juiz de Fora.

A ampliação do acervo de Alfredo Ferreira Lage levou à construção de um anexo à “Villa”, o

Edifício Mariano Procópio, inaugurado em 13 de maio de 1922. Estima-se que este anexo

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seja a primeira edificação brasileira construída com finalidade de ser museu, possuindo dentre

suas peculiaridades um lanternim cujo esboço é de Rodolpho Bernardelli.

Outra importante edificação que compunha as propriedades dos Ferreira Lage, era o Palacete

construído por Frederido Lage, inserido em meio aos jardins cuidadosamente projetados,

componto a paisagem daquela gleba. Em 1912, passou a pertencer a Estrada de Ferro

Central e, posteriormente, ao Ministério da Guerra que se instalou na 4ª Região Militar.

O desejo de tornar o Museu patrimônio da comunidade, conforme Alfredo Ferreira Lage havia

anunciado em 1921, foi formalizado em 29 de fevereiro de 1936, com a doação do Museu,

seu acervo e seu parque ao Município. Para o fiel cumprimento da doação, criou-se o

Conselho de Amigos do Museu Mariano Procópio, o qual vem atuando como guardião da

instituição e, é responsável pela indicação do diretor, através de lista tríplice enviada para

escolha do Prefeito Municipal.

O parque do Museu possui, na atualidade, uma variedade de espécies que predominam em

seu ambiente como uma composição vegetal, além da fauna que encanta pelo seu aspecto

singular, desde diversos tipos de aves, insetos, aranhas, borboletas e mamíferos até as

espécies vegetativas, que contemplam rosas, lírios, jasmins do imperador, bambus,

orquídeas, palmeiras, sapucaias, jatobás, braúnas, jacarandás, cedro, jaqueiras, ipês,

jacarés, dentre outras tantas. Já em seu interior o espaço contempla diversos setores. Logo

Figuras 03 e 04: Fotos aéreas de diferentes épocas do Conjunto do Museu e seu entorno. A primeira da

esquerda para direita trata-se de um cartão postal do ano de 1939 e, a segunda, realizada já na década

de 1980. Fonte: Acervo Pessoal de Ramon Brandão e Acervo do Museu Mariano Procópio.

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na face frontal do parque encontra-se um espelho d’água, constituído por 5 ilhas, sendo a ilha

central composta por um bambuzal - que para o paisagista e botânico Auguste Marie

Francisque Glaziou, imitaria um vaso de flores saindo do lago - e habitado por diversas

espécies animais e vegetais.

O CONJUNTO URBANO E PAISAGÍSTICO E O SEU ENTORNO

A área de entorno ao conjunto do Museu é caracterizada por edificações de uso diversificado.

Como mencionado, em um dos lados do conjunto temos o curso do Rio Paraibuna. Do outro

lado, a Estação Ferroviária e os seus anexos, que ainda permanecem, tendo sido demolidos,

recentemente, parte do conjunto ferroviário. Nas outras divisas predomina o uso residencial

uni e multifamiliar, além de usos mistos, ou seja, comercio no pavimento térreo e residência

nos demais pavimentos, em sua grande maioria, como constatado nos mapeamentos de

gabarito e uso realizados. Percebeu-se que grande parte das edificações não possui

afastamento frontal e ressalta-se o equilíbrio entre os gabaritos das edificações, apresentando

entre 2 a 3 pavimentos, fato que contribui de maneira significativa para a preservação da

ambiência da área de estudo. De um dos lados do conjunto, no entanto, foi construída série

de edifícios altos residenciais que interferem na visibilidade do bem cultural.

As vias urbanas da área analisada apresentam uma hierarquia bem definida e de fluxos

intensos. O conjunto é recortado por avenidas de grande porte que alimentam o centro da

cidade e conectam aos bairros mais afastados. Os pedestres circulam em alguns trechos em

passeios acima de 2 metros, sendo em outros trechos larguras menores que 2 metros.

Constata-se também a ausência de passeios e faixas de pedestres, como na travessia da

linha férrea que corta a Avenida dos Andradas, ao lado da Estação Ferroviária Mariano

Procópio, que poderiam orientar e garantir a segurança dos pedestres no acesso ao conjunto

do Museu.

A área em estudo tem sua implantação no bairro de mesmo nome, Mariano Procópio,

homônimo do Museu em questão e a área levantada está inserida na Região de Planejamento

Centro, pela análise física e socioeconômica do Plano Diretor, Lei n° 09811 datada em 27 de

junho de 2000, atualmente em revisão. Essa Região de Planejamento situa-se no Vale do Rio

Paraibuna, em sua parte mais ampla, onde historicamente ocorreram as primeiras ocupações

da cidade.

No perímetro do bairro Mariano Procópio identificam-se 3 regiões de preservação ambiental

– A Mata do Krambeck, o Jardim Histórico tombado do Museu Mariano Procópio e a Mata do

Morro do Imperador - que são cruciais para toda a cidade de Juiz de Fora.

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A região de Planejamento Centro compõe-se de seis áreas de planejamento que englobam

vinte e quatro bairros, os quais são considerados o “coração” de Juiz de Fora. Apresenta

grandes concentrações de população e de atividades, e é marcada pela heterogeneidade

tanto em termos demográficos quanto sob a ótica do nível de renda e de funções.

Especificamente no perímetro do bairro Mariano Procópio, observa-se grandes eixos

estruturadores que cumprem função de corredor de comércio e de tráfego urbano,

apresentando uma ocupação predominantemente residencial com edificações de pequena

volumetria, sobressaindo no tecido urbano do bairro a grande mancha do perímetro

institucional do conjunto do Museu. Apresenta ainda padrões socioeconômicos médios, boa

infraestrutura básica, boa rede pública de ensino e conta com a presença de uso comercial e

industrial.

Um ponto abordado no Plano Diretor Municipal, diz respeito aos instrumentos de revitalização

do “Eixo Paraibuna” que cumpre o papel de estruturador original da ocupação urbana,

consagrada com a implantação histórica do “Caminho Novo” e da rede rodo-ferroviária que o

acompanha. Os estudos do “Eixo Paraibuna” demonstraram a existência de trechos

diferenciados, sendo destacados, de sudeste para noroeste distintos aspectos. Dentre tais

trechos, ressalta-se a importância do trecho 3, que compreende a Praça Agassis, no Bairro

Mariano Procópio até Corredor da Av. Rui Barbosa no bairro Santa Terezinha.

No que diz respeito as “Diretrizes referentes ao desenvolvimento, proteção e recuperação dos

patrimônios ambiental, paisagístico e cultural da cidade”, o Plano Diretor de Juiz de Fora

expõe diretrizes com o intuito de desenvolver, proteger e recuperar os elementos patrimoniais

do município. Em especial, sobre o patrimônio cultural e paisagístico o Plano institui o estímulo

de projetos, incentivos e atividades que visem preservar o patrimônio, como também apoia as

instalações de atividades comerciais e ou, de serviços que possibilitem a preservação do bem

tombado. Além disso, estabelece critérios para o uso dos bens tombados, promove a

desobstrução visual da paisagem e dos conjuntos de elementos de interesse histórico e

arquitetônico e, fomenta a conscientização da população quanto aos valores do patrimônio

cultural e/ou paisagístico do município, através de programas educacionais e de divulgação

nas escolas e pelos meios de comunicação.

O Perímetro em questão é composto por vias de valor ímpar na formação morfológica e

histórica do munícipio como a Avenida Brasil, a Avenida Rio Branco e a Rua Mariano

Procópio. Tratam-se de vias de fluxo intenso e médio, respectivamente. A Avenida Brasil por

exemplo, funciona como via arterial, expressa, para um tráfego rápido e de carga e um outro

lento em função de atividades lindeiras, sobrecarregado pela carência de vias coletoras.

Funciona também como corredor viário de tráfego proveniente da Zona da Mata com destino

ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo. Devido a essas características, são

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predominantes os usos comercial, de serviço e lazer ao longo da via, como revendedoras de

carros, lojas de peças e acessórios, materiais de construção, postos de abastecimento,

supermercados, oficinas mecânicas, clubes de recreação e equipamentos institucionais.

Apresentando-se duplicada neste setor, representa a principal via estruturante do Município,

razão da importância de resguardá-la de forma a cumprir, sem grandes conflitos, o papel que

lhe cabe.

A Rua Mariano Procópio é a via onde se insere o Museu Mariano Procópio, situada na zona

nordeste de Juiz de Fora a mesma desempenha uma função de via local, visto que seu fluxo

de veículos é menos intenso que as vias citadas acima. Desempenha o papel de

direcionadora de fluxo da região central para os bairros.

Os edifícios vinculados à linguagem Eclética ainda presentes no bairro Mariano Procópio, são

exemplares que restam desse momento arquitetônico vivenciado naquela região. Eles nos

fornecem indícios de proprietários de nacionalidade italiana e árabe numa área

predominantemente alemã, em suas origens. Além disso, estão construídos em áreas cujas

imediações passaram por reestruturação urbana, como aterros, seja aquele empreendido por

Carlos Barbosa Leite e Bertoldi, sejam as modificações pelas quais as áreas próximas ao rio

Paraibuna foram submetidas, para reorientação do seu leito.

A formação urbana no bairro, no tocante à sua organização espacial e tipológica, retrata o

momento de expansão econômica e corrida imobiliária vivenciada na época e representam,

portanto, exemplares únicos em Mariano Procópio, que já se fazia evidente no centro

comercial do município. Eles marcam uma nova fase ao coexistirem com as chácaras

remanescentes e as vilas operárias vinculadas à imigração alemã.

As ruas de Mariano Procópio abrigaram variedades étnicas, como as compreendidas no

entorno da Rua da Gratidão, hoje Avenida dos Andradas. Lá funcionaram, em 1898: o Colégio

Americano Granbery, Externato Alemão para o sexo masculino, Escola do Professor Antônio

Ministério, Sociedade Beneficente Brasileira‐Alemã, Prado Juiz de Fora, ponto de recreio,

Correeiro e seleiro, Casa Mineira, etc.

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Algumas ações e acontecimentos relatados aqui, fizeram do bairro Mariano Procópio um

pioneiro no desenvolvimento da então Manchester Mineira, com a construção da Villa Ferreira

Laje em 1861 que posteriormente em 1915 transformou‐se no Museu Mariano Procópio por

intermédio de seu filho Alfredo Ferreira Laje, da fábrica de tecidos dos ingleses ‐ Ferreira

Guimarães ‐, as cervejarias Palermo e José Weiss já mencionadas, o Laticínio Estrela Branca,

a estação da RFFSA, a sede da 4ª Região Militar, e mais fábricas de papel nesse contexto.

Figura 05: Mapa de identificação dos bens de interesse cultural em parte do entorno imediato do Museu

Mariano Procópio. Fonte: Urbanismo.mg/Dossiê Conjunto.

Figuras 06 e 07: Fotos do cruzamento da Rua Mariano Procópio com a Avenida dos Andradas e a

passagem de nível da via férrea; Conjunto Férreo e Estação Mariano Procópio, defronte à entrada do

Parque homônimo. Fonte: Urbanismo.mg/Dossiê Conjunto.

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O CONJUNTO URBANO E PAISAGÍSTICO : A IMPORTÂNCIA DA

PRESERVAÇÃO

O cenário urbano de Juiz de Fora, palco de intensa renovação e sobreposições de tempos

distintos, carece de um olhar voltado para a história e para a manutenção de seus diferentes

momentos desde sua origem até a atualidade, buscando a valorização das referências que

sustentem a autenticidade desta paisagem e de seus elementos constitutivos.

A intensa transformação da região, em especial as novas ocupações que desqualificam o

espaço urbano, fragilizam a sua integridade cultural, tornam vulneráveis as referências deste

espaço e, vêm comprometer o que ainda resta da história contada pelos vestígios materiais

existentes. Neste sentido, as iniciativas e ações para a proteção do patrimônio cultural não

são suficientes para a adequada permanência dos bens de interesse cultural.

Conforme mencionado, anteriormente, a antiga “Quinta do Comendador Mariano Procópio”,

hoje composta pelo complexo da Villa Ferreira Lage, o Jardim histórico do século XIX e o

edifício do Museu Mariano Procópio, representa um importante espaço cultural da cidade de

Juiz de Fora e símbolo da memória histórica e artística do Brasil. Este conjunto tem no seu

acervo, documentação singular que revela parte da cultura do século XIX e princípio do século

XX, selecionadas de modo criterioso por Alfredo Ferreira Lage. Vale dizer que tal acervo

compõe um dos principais registros do período imperial brasileiro, além de conteúdos

específicos da história da formação urbana da cidade de Juiz de Fora.

A dinâmica da transformação das cidades gera perdas de vestígios do passado, com a

substituição de importantes elementos tradicionais por novos referenciais que, muitas vezes,

não permitem o diálogo entre os vários tempos da cidade. Estas alterações não têm agregado

valor às cidades, com as mudanças pensadas mais em termos de quantidade do que de

qualidade em termos arquitetônicos e urbanísticos, aliado ao intenso uso do automóvel em

prejuízo dos pedestres. O que se coloca como desenvolvimento urbano para alguns

representa, na verdade, uma ameaça à integridade das áreas urbanas de interesse de

preservação. Tais áreas configuram-se como conjuntos históricos e paisagísticos e, devem

ser preservadas, conforme ressaltado em cartas patrimoniais e resoluções geradas a partir

de conferências da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultural

(UNESCO) pois, “fazem parte do ambiente cotidiano dos seres humanos em todos os países”,

“constituem a presença viva do passado” e “constituem através das idades os testemunhos

mais tangíveis da riqueza e da diversidade das criações culturais, religiosas e sociais da

humanidade” (CURY, 2000, p. 1). Assim, conforme a recomendação relativa à salvaguarda

dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea, redigida na Conferência Geral

da Unesco, em sua 19ª sessão em Nairóbi, no ano de 1976, considera-se conjunto histórico

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ou tradicional todo agrupamento de construções de espaços, inclusive os sítios arqueológicos

e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto

no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico,

pré-histórico, histórico, estético ou sóciocultural. Entre esses “conjuntos”, que são muito

variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos, as cidades históricas, os

bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais

homogêneos (CURY, 2000, p.3).

A gestão do Conjunto aqui abordado como bem de interesse cultural, revela-se como

importante ação referencial para o município de Juiz de Fora e região e, a conservação do

mesmo ao longo do tempo se coloca como parte essencial para uma adequada permanência

da memória e da identidade do município. Neste sentido, consideramos ainda a participação

da sociedade como fundamental uma vez que, conforme destaca Aloísio Magalhães, “… a

comunidade é a melhor guardiã de seu patrimônio” (MAGALHÃES, A.). Com esta premissa,

vale dizer, em termos de interesse social, “[…] do seio de cada comunidade pode e deve

surgir a voz de alarme e a ação vigilante e preventiva […]” (IPHAN, 1967, p. 9) para a

preservação do patrimônio cultural. Assim, em todo processo, deve ser considerada a

participação efetiva e a colaboração das comunidades como representantes da coletividade

na valorização deste patrimônio.

Finalmente, entendemos como aspecto relevante para a conservação de maneira contínua

do patrimônio elencado, a realização de ações de conhecimento sobre a política de patrimônio

cultural do município, bem como medidas para a educação patrimonial, voltadas para o

conhecimento do conjunto paisagístico, de seus elementos constitutivos e a importância do

mesmo, enquanto marco referencial para a história do município.

O CONJUNTO URBANO E PAISAGÍSTICO : JUSTIFICATIVAS PARA

A REINTEGRAÇÃO DO JARDIM HISTÓRICO

A significativa importância cultural desta área para o município de Juiz de Fora, bem como

para o estado de Minas Gerais foi constatada pelos estudos para a elaboração do dossiê aqui

mencionado. Neste sentido, se coloca a região que engloba o Museu Mariano Procópio e os

seus jardins pensados no contexto da formação da cidade e dos próprios bairros no entorno.

Este conjunto revela um importante papel social evidenciado pelo significado que assume na

paisagem da cidade, fundamental para a manutenção da memória e identidade de sua

população. As diretrizes urbanísticas que incluem a reintegração da área do Jardim Histórico

foram pensadas, considerando a necessidade de levar às gerações futuras esta referência

como suporte de ampla significação social, cultural e urbana.

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O Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio engloba a propriedade original dos Ferreira

Lage, composta pelo Parque, pela antiga Villa, pelo edifício do Museu, incluindo a partir do

exposto aqui, o Palacete construído por Frederico Ferreira Lage e seus jardins (antiga

Chácara hoje ocupada pela 4a. Brigada), possibilitando a reintegração física dos jardins, que

apresentam ainda as feições originais. Ademais, o conjunto incide também sobre a Estação

Ferroviária Mariano Procópio, parte importante da história de seu fundador e de formação da

região, que hoje complementa a paisagem de forma consolidada.

De acordo com Berque (1997), a consciência da paisagem nasce na poesia e na pintura, da

observação e compreensão da própria natureza a qual conduz o modo de agir sobre ela.

Assim ao observar a beleza e a dinâmica da natureza e respeitá-la, há um reflexo na

paisagem, o que significa não haver paisagem sem o sentimento-paisagem. Cada paisagem

desvela uma cultura de conteúdo material e imaterial, de formas visíveis e invisíveis, a

dimensão cultural (FERRIOLO, 2007, p. 44). Esta dimensão caracteriza a paisagem, desde

as construções até o patrimônio intelectual ali mantido. Entre essas paisagens que retêm

valores culturais e patrimoniais e precisam ser protegidas em Juiz de Fora, estão os jardins

da Quinta do Comendador Ferreira Lage, hoje parte dos jardins pertence ao Museu Mariano

Procópio e outra ao exército Brasileiro.

Figura 08: Mapa com a proposta sobre os limites do Jardim Histórico do Museu Mariano Procópio Fonte:

Urbanismo.mg/Dossiê Conjunto.

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Conforme o Prototipus de Catàlog de Paisatge (2006) jardins são percebidos como unidades

de paisagem, o que representa uma porção do território que caracteriza combinações

específicas de componentes sociais e físicos constituídos ao longo da história com dinâmica

própria, atrelados, também, ao sentimento de pertencimento da população com o local. Esses

recortes significativos retêm atributos e valores a serem preservados porque perpetuaram, ao

longo , do tempo, as ações primitivas do homem na paisagem natural, no sítio, com

determinado tipo de constituição física. Segundo Torres (2003), espaços livres como estes

são ainda espaços urbanos ao ar livre, destinado a vários tipos de utilizações como

caminhadas, passeio, descanso, recreação e entretenimento. Um tipo especial desses

espaços são as áreas verdes, cujo diferencial fundamenta-se na introdução da vegetação e

na satisfação de três concepções fundamentais: ecológico-ambiental, estético e lazer

(CAVALHEIRO et al. 1999).

Em documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, que disponibilizam orientações

como as constantes das Cartas Patrimoniais, que dentre outros, são utilizadas como

referenciais para a pesquisa e no direcionamento de ações de conservação sobre o

patrimônio cultural, a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, cultural e natural,

de 1976, que reúne elementos de proteção e preservação, na consideração sobre o

patrimônio cultural define como conjunto:

“… […] Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura,

unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da

história, da arte ou da ciência; Os locais de interesse – Obras do homem, ou obras conjugadas

do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um

valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.”

(UNESCO, 1972, p. 2).

Assim sendo, e reconhecendo sua importância perante a cidade, o Conjunto Histórico e

Paisagístico Mariano Procópio, deve ter os olhares voltados para si, a fim de destacar sua

importância enquanto conjunto, possuidor de uma unidade arquitetônica e integração

paisagística, detentor de um significativo valor cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusões, vale dizer que as diretrizes para a gestão do Jardim Histórico do

Museu Mariano Procópio baseiam-se em critérios para a intervenção em bens culturais

protegidos por tombamento, contidos em documentos e orientações nacionais e

internacionais, que norteiam as ações a serem adotadas. A partir das características da

paisagem urbana, sua relação com os referenciais construídos e as tipologias arquitetônicas

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identificadas no conjunto, as diretrizes têm o objetivo de proporcionar uma efetiva manutenção

da ambiência do patrimônio cultural e, por conseguinte, da memória e da identidade juiz-

forana, considerando também a sua repercussão em termos nacionais.

Em relação às áreas referentes ao Perímetro de Tombamento definido, deve-se preservar

tanto as características formais quanto a distribuição espacial do conjunto arquitetônico

Mariano Procópio, inclusive as relações entre os espaço edificados e livres, uso do solo e

espaço aéreo. Para tanto, as intervenções devem ter o caráter conservativo, e no caso do

conjunto protegido, a possibilidade da restauração, quando necessário, de acordo com os

princípios e critérios no âmbito das teorias, bem como nas normativas em escala municipal e

nacional.

Elencamos nos quadros de edificações de interesse cultural uma diversidade de bens imóveis

que exigem atenção especial quanto a possíveis intervenções e, destacamos aqui que,

grande parte destes devem ser protegidos individualmente, além daquela em conjunto, por

sua especial natureza arquitetônica e histórica para o bairro e município de Juiz de Fora.

Foram definidas diretrizes relativas aos limites do Jardim Historico considerando que as obras

do conjunto devem ter o caráter conservativo, e restaurativo quando de necessidade

administrativa, sendo indispensável a prospecção arqueológica histórica na área tombada

pelo IPHAN conforme portaria, e perímetro descrito para qualquer nova intervenção. No caso

de construção, a nova edificação ou anexo às existentes, deve buscar adequação com o

conjunto, de maneira a minimizar eventuais impactos, físico, ambiental e paisagístico sobre a

área e conjunto tombado.

Ainda, foram definidas diretrizes para a área relativa ao entorno imediato do Jardim Histórico

não sendo permitidas quaisquer intervenções que provoquem a alteração sem critérios do

patrimônio arquitetônico, urbano e paisagístico. Neste sentido, a integridade do sítio protegido

por tombamento dever ser preservada. E esta preservação envolve a ambiência do conjunto

para o qual se prevê a realização de um estudo de cone visual, a partir de diferentes pontos

do Jardim Histórico. Estas diretrizes de intervenção na área de entorno do Conjunto

Arquitetônico e Paisagístico do Museu Mariano Procópio protegido por tombamento pelo

IPHAN, foram definidas considerando os conceitos de vizinhança ou ambiência do bem

tombado.

A elaboração do dossiê se coloca como oportunidade sem igual para a aplicação das teorias

do restauro e da conservação, numa via de mão dupla, da sala de aula para os trabalhos de

campo. O contato direto com as obras de restauração em andamento, as visitas guiadas, os

visitantes internacionais e os eventos paralelos permitiram aproximações que se colocam

como um salto conceitual para o grupo. O trabalho, ainda em fase de revisão e de discussões

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para a sua implementação, segue, consolidado até aqui, neste difícil momento que

atravessamos no país. É o que nos cabe até aqui para a divulgação desta experiência, que

certamente, acreditamos, terá continuidade …

REFERÊNCIAS

BERQUE, Agustín. El Paisaje. Huesca: Arte y naturaleza. Actas del Segundo Curso Huesca, 23-27 setiembre, 1996. Espanha: Diputación de Huesca, 1997.

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JUIZ DE FORA. Processo de Tombamento da Prefeitura de Juiz de Fora: 03650. Ano: 1982. Interessado: IPPLAN. Assunto: Comissão Técnico Cultural – LE I N 6108 de 13-01-82 -Tombamento do Museu e Parque Mariano Procópio.

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