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Pedro Montes Pinheiro Segunda Oportunidade Um guia prático para trazer empresas de volta à vida

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Pedro Montes Pinheiro

Segunda Oportunidade

Um guia prático para trazer empresas de volta à vida

Índice

1. Prefácio ............................................................................................ 9

2. Introdução ....................................................................................... 15

3. Génese e Inspiração ...................................................................... 23

4. Intervenientes ................................................................................. 31

5. A Decisão de Recorrer ao PER ................................................. 43

6. Apresentação ao PER e Comunicação aos Credores ......... 69

7. Gestão da Empresa no Âmbito do PER ............................. 103

8. Plano de Revitalização ............................................................ 123

9. A Negociação ............................................................................. 145

10. Votação e Homologação ......................................................... 189

11. O Pós-PER .................................................................................. 203

12. Os Fundos Revitalizar ............................................................. 213

Anexos

A. Legislação Aplicável e Bibliografia ........................... 221 e 222

B. Minuta de declaração escrita de qualquer credor ............ 223

C. Minuta de Petição Inicial ......................................................... 227

D. Lista de elementos a apresentar ............................................. 233

E. Exemplo de Relação de Credores.......................................... 235

F. Exemplo de Relação de Ações e Execuções

contra a Empresa ........................................................................ 236

G. Exemplo de documento explicativo da atividade

desenvolvida e razões para a atual situação ...................... 237

H. Exemplo de Relação de Bens .................................................. 241

I. Exemplo de Mapa de Pessoal ................................................. 242

J. Minuta de ata a deliberar o PER ........................................... 243

K. Minuta de carta para credores ............................................... 247

L. Exemplo de Plano de Recuperação ...................................... 250

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Prefácio

O IMPERATIVO DA ESPERANÇA

O título deste livro exprime de forma muito feliz a motivação essencial do Programa Revitalizar: propor-cionar, em Portugal, uma segunda oportunidade às empresas em situação de crise, mas economicamente viáveis.

Tratava-se, pois, de criar um novo paradigma, uma nova cultura de olhar e tratar a realidade empresarial em Portugal, a começar pelo Estado, e enfrentando muitos preconceitos, resistências e desconfianças. Não deve ser de estranhar que tenha obrigado, por isso, a uma lógica de cooperação interministerial invulgar.

Um dos factos e números que inspirou o nasci-mento do Revitalizar tem um tom de alarme e era este: na última década, estimava-se que menos de 1% das empresas que se apresentaram à insolvência em Portugal se tenham reestruturado e sobrevivido.

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Tantas vezes silenciosa, esta hemorragia representou um prejuízo nacional incalculável. Perderam-se muitas empresas, destruiu-se capacidade produtiva e exporta-dora, empurrando milhares de homens e mulheres com formação e experiência para o desemprego.

O muito que se perdeu foi ainda agravado com os custos que o Estado teve de suportar por cada falên-cia: créditos de impostos por cobrar, dívidas à Segu-rança Social, encargos sociais do desemprego.

Mudar este cenário de perda, em que a insolvência surge como um gigantesco cemitério de empresas, foi o móbil para o lançamento, em fevereiro de 2012, do Programa Revitalizar, cuja conceção e implementação tenho o orgulho de ter liderado.

Uma das suas primeiras e principais peças consis-tiu numa profunda revisão do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em vigor desde 20 de maio de 2012, contemplando desde logo a figura do Processo Especial de Revitalização, inspirado no Chapter 11 americano.

Tínhamos razões mais do que suficientes para agir e fizemos uma reforma cuja pertinência e urgência hoje ninguém discute. Parecia óbvia, mas estava por fazer.

Apesar de algumas barreiras que é preciso ainda vencer, e que também esta obra tem o mérito de iden-tificar, há hoje, em Portugal, uma alternativa credível à insolvência de empresas, que passa pela revitaliza-ção na base de um processo partilhado e negociado, mas célere e devidamente controlado.

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Também o mecanismo de insolvência foi objeto de reforma, no sentido de o transformar num meio que permita a recuperação.

A inovação traz sempre ruturas. O Revitalizar distingue-se também por retirar ao poder político a possibilidade de ingerência, ora invisível ora arbitrá-ria, contra as próprias regras de um Estado de direi-to e de uma economia de mercado, nos destinos das empresas.

O Revitalizar não é um «programa de milhões». Quis afirmar-se por via da inteligência, de soluções.

Com este programa nasceu todo um novo contex-to legal, tributário e financeiro, que proporciona às empresas que atravessam situações de crise, mais ou menos conjunturais, mais ou menos estruturais, solu-ções distintas de revitalização, em ambiente judicial e extrajudicial. E com regras mais simples (se não as complicarmos) e prazos mais curtos (se os respeitar-mos).

Esta é uma reforma que a economia portuguesa necessitava desesperadamente. Um ano depois, são mais de mil as empresas que recorreram ao Revitali-zar, nas suas diversas soluções.

O Revitalizar é também um estímulo ao apare-cimento de fundos público-privados voltados para a recapitalização de empresas, no sentido de apoiar estratégias de crescimento sustentável.

Os fundos Revitalizar, com um músculo financeiro de 220 milhões de euros, são uma verdadeira revolu-ção do capital de risco em Portugal. Elegem as PME

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como destinatárias e têm uma lógica de base regional de aplicação, responsabilizando sociedades gestoras e operando num mix de financiamento com apoio de fundos comunitários do QREN e a participação de sete bancos.

Nas minhas funções de secretário de Estado adjunto da Economia e Desenvolvimento Regional, empenhei-me muito na conceção e dinamização do Revitalizar. Porque ele representa um paradigma de esperança e de justiça para as empresas, para os inves-tidores, para os trabalhadores e para o Estado. E por-que conheço bem, e vivi, a realidade das empresas e o seu importante papel no crescimento económico, na criação de emprego e no desenvolvimento regional.

Se o Revitalizar chegou em boa hora, esta obra também. Aqui, é analisado, esquadrinhado, posto em exame construtivo, adiantando pistas críticas para futuro. Salvar empresas economicamente viáveis é um desígnio nacional. A bem do futuro e da sustentabi-lidade do país económico e social que é Portugal. Há hoje um imperativo de esperança.

António Almeida Henriques

Advogado, deputado à Assembleia da República, Ex-secretário de Estado adjunto da Economia

e Desenvolvimento Regional.

As oportunidades não abundam e raramente as encontramos uma segunda vez.

Luis Buñuel

Aos meus Pais e ao meu irmão por me presentearem com um passado.

Ao Henrique, à Maria e à Mariana por me iluminarem o futuro.

À Ana pela eternidade do presente.Aos meus sócios, Eduardo e Nuno,

sem os quais não haveria uma segunda oportunidade.

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Introdução

Comecemos, desde já, por deixar claro o seguinte: recorrer ao Processo Especial de Revitalização (PER) não é uma opção fácil. É difícil contemplar e medir antecipadamente todos os impactos desta decisão na gestão da empresa e no seu futuro. É impossível asse-gurar a priori o sucesso do processo.

No entanto, o PER é um instrumento poderoso para assegurar a sobrevivência de empresas viáveis mas que vivem um período de contrariedades. No jar-gão do gestor: empresas que atravessam dificuldades financeiras mas que têm viabilidade económica.

Ao instituir este processo, o governo conseguiu, através de uma campanha de sensibilização eficaz, retirar o estigma que estava habitualmente associa-do à insolvência. Com efeito, pese embora ser parte

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integrante do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), o PER é hoje assumido por todos os agentes económicos como um processo negocial conducente à viabilização de uma empresa, sem a car-ga negativa que o processo de insolvência comporta.

Os profissionais mais experientes neste tipo de pro-cessos convergem na opinião de que não há nada que se faça pelo PER que já não se fizesse através do processo de insolvência dito normal, no pressuposto de que neste último seja apresentado um plano de insolvência que preveja a continuidade de exploração da empresa.

A realidade é que o PER foi construído para ser bastante mais simples de utilizar do que o processo de insolvência tradicional que, recorde-se, continua a existir. As características determinantes que contribuí-ram para a maior aceitação do processo pelos agentes económicos são as seguintes:

DESJUDICIALIZAÇÃO

Apesar da intervenção do tribunal e do adminis-trador judicial provisório, caso o processo decorra normalmente, a participação destes agentes resulta muito menos «invasiva» do que na insolvência tra-dicional. O papel do juiz é garantir que o processo é bem conduzido pelo administrador judicial provisó-rio e intervir em caso de reclamações ou de recursos, além, obviamente, da intervenção no início do proces-so e na sua homologação final.

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MANUTENÇÃO DA EMPRESA E DA SUA GESTÃO

Ao contrário do processo de insolvência, em que a partir da sentença declaratória o devedor passa de empresa a massa insolvente, no PER, a empresa man-tém a sua existência enquanto tal. Adicionalmente, a manutenção dos órgãos sociais e da estrutura de gestão permite a continuidade do seu funcionamen-to. Doutro modo, no processo de insolvência, o juiz pode ou não determinar que a administração da mas-sa insolvente seja assegurada pelo devedor, em fun-ção de um conjunto de pressupostos (art. 224.º do CIRE). Caso não o faça, a administração da massa insolvente e, por consequência, todos os negócios da sociedade passam a ser comandados pelo adminis-trador judicial provisório. Convenhamos que, partin-do do princípio de que a gerência ou administração exerceu sempre as suas funções com probidade e a competência que se exige, quem melhor pode assegu-rar a viabilidade da empresa é a sua atual estrutura de gestão.

SIMPLICIDADE

Os procedimentos previstos são claros, trans-parentes e simples para todos os intervenientes. O processo foi montado de forma a permitir um enquadramento simples para que as negociações entre a empresa e os credores possam ocorrer sem complicações. A título de exemplo, refira-se que no

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PER não existe a obrigatoriedade de realizar uma assembleia de credores. Porventura, o legislador reconheceu que, em muitos casos, juntar diversos credores à mesma mesa, com créditos de natureza, montante, garantias e até interesses diferentes, não conduzia a uma resolução harmoniosa do proces-so. As negociações também se processam de forma adaptativa, tendo em conta o devedor, o número, a natureza e o valor dos credores e os respetivos créditos. O próprio plano de revitalização pode ser alterado com relativa facilidade, em função do curso das negociações com os credores, o que promove a agilidade e a obtenção de consensos.

CELERIDADE

O PER é rápido. Se tudo correr dentro da nor-malidade, pode estar concluído em pouco menos de quatro meses. No máximo, poderá estar concluído em pouco mais de cinco meses. O calendário apertado do processo obriga todos os intervenientes a focarem os seus esforços no resultado e no alcance de soluções. Há uma noção clara por parte do devedor e do credor de que esta pode ser a última hipótese de salvação da empresa e, por isso, o compromisso de ambas as par-tes com o PER e o respetivo calendário são, só por si, reveladores da vontade de encontrar consensos. Este fator é fulcral num momento em que a sobrevivên-cia das empresas se mede por decisões tomadas em

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horas, não se compadecendo com longas e penosas maratonas judiciais.

Em novembro de 2012, duas das empresas de que sou administrador viram-se na contingência de recorrer ao PER. Felizmente, foi possível em feve-reiro de 2013 obter homologação pelo juiz para os dois PER, um total de 76 dias para concluir todo o processo.

Confesso que, se não fosse a existência deste pro-cesso, estas empresas estariam neste momento na insolvência, sem grandes perspetivas de viabilização. Com efeito, redes de retalho de vestuário como as nos-sas, dependentes do mercado português e com endi-vidamento significativo, ficaram demasiado expostas e vulneráveis à maior redução do consumo de que há memória em Portugal.

Este livro pretende ilustrar o percurso seguido des-de a tomada de decisão de entrada no PER até à sua resolução. Foi escrito com o intuito de esclarecer os vários passos legais, processuais e negociais para a boa concretização de um processo deste género.

Para melhor compreensão de todas as matérias explicitadas, tentarei ilustrar com exemplos concretos como se desenrolaram os nossos processos e outros que, entretanto, chegaram ao nosso conhecimento.

É um livro prático que espero desmistifique um pou-co o que está traduzido em letra de lei e que clarifique

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algumas informações e opiniões pouco substanciadas que circulam.

Pretende também dar uma visão de como a empre-sa se posiciona perante o processo. Por vezes, a empresa e os credores estão em polos distintos e afas-tados, tornando-se difícil ver a realidade pelos olhos da outra parte. Ficarei satisfeito se este livro também conseguir estreitar pontes entre margens, por vezes, demasiado distantes.

O interesse de ambos, empresa e credores, é salvar a empresa, pois só assim os credores poderão ver satis-feitos os seus créditos. Se o problema for enquadrado desta forma, mais facilmente se chegará a um entendi-mento produtivo e gerador de valor para os dois lados.

No entanto, este livro não pretende ser um manual de gestão, nem de direito, nem de negociação, nem tão-pouco de autoajuda. Para levar a bom porto um processo deste tipo, o gestor terá de ter competências em qualquer uma das três primeiras áreas, aconse-lhando-se sempre que necessário junto de entidades independentes que colaborem em cada uma delas, e possuir uma estrutura física, mental e emocional que evite ter de recorrer à quarta.

Apesar de o PER ter também aplicação a pessoas singulares, este livro apenas se dedica ao tratamento dado a pessoas coletivas. Em todo o caso, o que vale para estas aplica-se, com as necessárias adaptações, às primeiras.

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Não se abordou igualmente o Sistema de Recu-peração de Empresas por Via Extrajudicial (SIRE-VE, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012 de 3 de agosto). É um regime semelhante ao PER, mas cujas especificidades limitam o seu âmbito de aplicação. É um sistema gerido pelo IAPMEI, enquanto o PER é gerido pelo tribunal, num regime em tudo semelhan-te ao anterior PEC – Procedimento Extrajudicial de Conciliação. O recurso ao SIREVE pelas empresas tem sido em número mais reduzido do que ao PER, o que traduz as suas limitações. Em todo o caso, bastará ao leitor uma análise breve da legislação do SIREVE para, à luz do que aqui se diz relativamente ao PER, ficar familiarizado com o seu funcionamento.

O pouco tempo que esta lei ainda tem de vida e a reduzida jurisprudência existente poderão limitar a aplicação prática do que se transmite neste livro. Há coisas que ainda podem mudar, quer na legislação quer na forma como os seus praticantes a interpre-tam. Contudo, as opiniões e os casos relatados são exemplos concretos passados recentemente e, por agora, é a melhor interpretação que se pode apresen-tar para os mesmos.

Este livro destina-se a todos os intervenientes nes-te processo: gestores, juristas, juízes, administradores judiciais, consultores financeiros, credores em geral, etc. Desejo que seja uma leitura útil e que contribua para o alcance do objetivo que todos os atores deste

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processo perseguem: salvar empresas viáveis e dar--lhes uma segunda oportunidade.

GUIA DE LEITURA

As transcrições de artigos legais usadas ao lon-go do texto aparecem em itálico, para facilitar a sua identificação, e o respetivo artigo e número estão entre parêntesis no final da citação.

Quando nada é referido em contrário, as referên-cias ou remissões para artigos específicos da lei cor-responderão ao CIRE.

Em todo o caso, para facilidade de referência, no Anexo A encontrará uma lista de toda a legislação mencionada no livro.

As passagens a negro correspondem à descrição da experiência prática e concreta do autor, seja de casos em que interveio diretamente seja de exemplos que chegaram ao seu conhecimento.

Para reduzir as repetições, que tornariam a leitura mais penosa, utilizaram-se, em alguns casos, sinóni-mos, abreviaturas ou expressões com significados idên-ticos. Encontram-se nestes casos, designadamente:

– Processo Especial de Revitalização, PER, Pro-cesso

– Empresa, Sociedade, Negócio

– Plano de Revitalização, Plano de Recuperação; Plano

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Génese e Inspiração

O processo político que conduziu ao PER e que traçou as suas linhas orientadoras começou, em maio de 2011, com a assinatura do Memorando de Enten-dimento entre o Estado português e o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (conjunta e vulgarmente designados por troika), nos termos do qual foi assumido:

I. Com o objetivo de «melhor facilitar a recu-peração efetiva de empresas viáveis, o Códi-go de Insolvência será alterado até ao fim de novembro de 2011, com assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.» (compromisso 2.17).

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II. O compromisso de que «Princípios gerais de reestruturação voluntária extrajudicial em conformidade com boas práticas internacio-nais serão definidos até ao fim de setembro de 2011.» (compromisso 2.18).

III. «As autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fis-cal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas.» (compromisso 2.19).

IV. «As autoridades lançarão uma campanha para sensibilizar a opinião pública e as partes inte-ressadas sobre os instrumentos de reestrutu-ração disponíveis para o resgate precoce de empresas viáveis através de, por exemplo, for-mação e novos meios de informação.» (com-promisso 2.21).

Foi na senda daqueles compromissos assumidos no Memorando de Entendimento que o governo por-tuguês aprovou a Resolução do Conselho de Minis-tros n.º 43/2011, de 25 de outubro, que prevê um

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conjunto de princípios orientadores da recuperação extrajudicial de devedores.

É desde logo assinalado que esses princípios visam «fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, bem como contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso».

Esse objetivo foi reforçado com a aprovação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012 de 3 de fevereiro, que aprovou o Programa Revitalizar, que constituiu um dos programas de ação do gover-no com a maior abrangência ministerial de sempre. Com efeito, envolveu o Ministério da Economia e do Emprego, que assumiu a liderança do processo, o Ministério das Finanças, o Ministério da Justiça e o Ministério da Solidariedade e da Segurança Social e visou dar uma resposta estratégica global à impor-tância que assume a temática da revitalização do tecido empresarial.

Um dos objetivos prioritários do Programa Revita-lizar foi a execução de mecanismos eficazes de revita-lização de empresas viáveis no domínio da insolvência e da recuperação de empresas.

A lógica de privilegiar um procedimento de cará-ter mais leve e ágil é permitir que a empresa desen-volva a sua atividade num registo mais próximo do normal, permitir que o devedor e os credores mante-nham maior controlo sobre o processo, reduzindo as

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perdas dos segundos, e evitar os efeitos sociais e eco-nómicos negativos que advêm da liquidação de uma empresa, traduzindo-se num procedimento benéfico também para trabalhadores, clientes, fornecedores e investidores.

Foi neste contexto que surgiu a sexta alteração ao CIRE, que visou, por um lado, simplificar formalida-des e procedimentos e, por outro, instituir o designa-do PER.

Conforme resulta da exposição de motivos da pro-posta de lei que deu lugar à Lei 16/2012, de 20 de abril, o principal objetivo desta alteração ao CIRE consiste em reorientar este diploma para a recupera-ção de empresas devedoras, «privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comer-cial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação».

A Lei 16/2012 aditou ao CIRE os artigos 17.º-A a 17.º-I que regulam o PER. Trata-se de um processo urgente inspirado no Chapter 11 norte-americano, traduzindo uma realidade já adotada noutras jurisdi-ções europeias, que visa combater o desaparecimento prematuro de agentes económicos do tecido empresa-rial que, não obstante as dificuldades financeiras que atravessam, sejam economicamente viáveis.

O Chapter 11 da Lei de Falências Americana (Uni-ted States Bankruptcy Code) permite a reorganização

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de uma empresa ao abrigo do respetivo código, assegu-rando a manutenção das suas operações e a proteção contra os seus credores durante o decurso do processo. Distingue-se do Chapter 7 do mesmo código, na medi-da em que ao abrigo deste a empresa interrompe as suas operações, sendo nomeado um trustee (administrador judicial) que se encarrega de vender todos os ativos e distribui os respetivos proventos pelos credores, sendo o valor sobrante, depois de satisfeitos todos os créditos, distribuído pelos acionistas.

O raciocínio subjacente ao Chapter 11 baseou-se na constatação de que, na maioria dos casos, o valor de um negócio é mais elevado se vendido em funcio-namento (going concern) do que o valor de cada uma das partes vendidas separadamente. Assim, será eco-nomicamente mais eficiente permitir que uma empre-sa em dificuldades continue a operar, cancele todas ou parte das suas dívidas e atribuir a propriedade da entidade resultante deste processo aos credores. Des-ta forma, salvam-se empregos, a parte saudável da empresa mantém-se em atividade e os credores aca-bam por ficar com mais dinheiro do que na alterna-tiva da liquidação.

As principais semelhanças entre o Chapter 11 e o PER são as seguintes:

1. A empresa mantém o controlo das suas opera-ções num processo que se designa por debtor in

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possession, em que a gestão assume a posição de fiduciário (fiduciary), com os direitos e os pode-res de gestão, ainda que submetido à supervisão de um tribunal.

2. A empresa fica protegida de litigância, nomea-damente por parte dos credores, através da imposição de uma suspensão automática em todos os processos contra si.

3. A primeira proposta de plano de recuperação (bankruptcy plan) cabe à empresa, que, na maior parte dos casos, tem 120 dias para o pre-parar. É este plano que será subsequentemente votado pelos credores (que dispõem de 60 dias para o fazer).

4. A empresa pode contratar financiamentos em condições mais vantajosas dando prioridade aos novos credores sobre os credores antigos.

5. A responsabilidade última de determinar se o plano de reorganização está de acordo com a lei é do tribunal, mas a sua intervenção durante a pendência do mesmo é diminuta.

Há, obviamente, algumas diferenças. Mas são dife-renças de pormenor (por exemplo, o Chapter 11 man-tém a existência de uma comissão de credores, que o nosso PER descarta). As diferenças mais significativas têm mais que ver com a prática e com a dinâmica de

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relacionamento entre credores e acionistas do que com a forma ou a substância do quadro legal.

No caso do Chapter 11 é normal e comummen-te assumido que, se as dívidas excederem os ativos (configurando uma situação clara de capitais próprios negativos), a reestruturação pode conduzir a que os acionistas deixem de ser proprietários da empresa, assumindo os credores a propriedade do capital da nova empresa que resultar à saída do Chapter 11.

Em Portugal, atendendo ao facto de as estruturas empresariais terem dimensões mais reduzidas, não há tradição de os credores se tornarem acionistas das empresas na sequência de operações de reestruturação. Seria útil e interessante que, com o amadurecimento do PER, começassem a surgir algumas experiências deste tipo. A abertura aos credores a participarem na recapi-talização das empresas, convertendo dívida em capital, seria certamente um reforço da capacidade de regene-ração do tecido empresarial que o PER propiciaria.

É de assinalar que a seleção do Chapter 11 como fonte de inspiração para o nosso PER foi, considera-ções ideológicas à parte, uma excelente decisão.

Com efeito, o Chapter 11 já deu provas nos Estados Unidos de que é um instrumento poderoso na transfor-mação do tecido económico e no seu rejuvenescimento.

O caso, por exemplo, do setor da aviação é para-digmático. Desde 2002, as maiores companhias aéreas americanas já estiveram todas no Chapter 11. Só a

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US Airways foi duas vezes ao Chapter 11 em dois anos (2002-2004)! Este é um setor de atividade tão cróni-co em prejuízos quanto em recursos ao Chapter 11, e todas as empresas têm mantido a atividade sem perturbação significativa.

Tomara que a aplicação do PER em Portugal con-duza a resultados idênticos e contribua para a tão necessária regeneração das empresas que atravessam dificuldades, que eram quase impossíveis de gerir e ultrapassar à luz das antigas regras da insolvência.