pedagogia das competências e trabalho interdisciplinar na escola - ceila

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UNIDADE I Pedagogia das Competncias: o conhecimento, o currculo e a avaliao na Escola. Objetivos especficos: Conceituar e caracterizar a pedagogia das competncias; Identificar os princpios bsicos da pedagogia das competncias; Relacionar a organizao do conhecimento Escolar por competncias; Incorporar a organizao curricular da Escola por competncias; Implementar o processo de avaliao da aprendizagem por competncias.

Contedos: Concepo, conceituao e caracterizao da pedagogia das competncias; Princpios bsicos da pedagogia das competncias; A organizao do conhecimento na pedagogia das competncias; O processo de avaliao e a pedagogia das competncias.

UNIDADE II Pressupostos da organizao do conhecimento e construo dos projetos interdisciplinares na Escola. Objetivos especficos: Diferenciar a organizao do conhecimento disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e transversalmente; Caracterizar os projetos interdisciplinares; Identificar as fases de elaborao dos projetos interdisciplinares; Elaborar projetos interdisciplinares para a Escola.

Contedos: A organizao do conhecimento disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar, transdisciplinar e transversal; Conceituao e caracterizao dos projetos interdisciplinares; Etapas de elaborao dos projetos interdisciplinares;

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Procedimentos metodolgicos de construo dos projetos interdisciplinares na Escola.

UNIDADE I Pedagogia das Competncias: o conhecimento, o currculo e a avaliao na Escola.Esta Unidade ampliar a sua concepo sobre a pedagogia das competncias na conceituao, sistematizao, reflexo dos fundamentos que possibilitam um repensar substancial para a prtica Escolar. Apresentamos nesta unidade, uma concepo centrada, historicamente, numa vertente polticopedaggica que busca a construo de competncias e habilidades para construo relacional com a qualidade que tanto almejamos no processo ensino-aprendizagem da educao. A partir das reflexes que pretendemos que voc realize, nossa inteno apontar que os pressupostos apresentados pela pedagogia das competncias tem um carter de construir a qualidade no processo educativo, que advm entre tantas exigncias, do aprofundamento tico, epistemolgico, social e afetivo no processo educativo. Portanto, venha conosco enveredar pela temtica da pedagogia das competncias. Objetivos Especficos da Unidade Pretendemos nesta Unidade que, com base neste material de estudo e sua prtica educacional, voc seja capaz de: Conceituar e caracterizar a pedagogia das competncias; Identificar os princpios bsicos da pedagogia das competncias; Relacionar a organizao do conhecimento Escolar por competncias; Incorporar a organizao curricular da Escola por competncias; Implementar o processo de avaliao da aprendizagem por competncias. Para iniciarmos esta unidade, convidamos voc a refletir acerca do papel da educao na Escola, pensando no processo ensino-aprendizagem na linha

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tradicional e na crtica da formao do aluno, como o desafio a ser vencido pelos educadores no limiar no sculo XXI. DESAFIO AOS EDUCADORES Um famoso filsofo alemo do sculo passado, Frederico Nietzsche, tece uma crtica radical civilizao ocidental, dizendo que ela educa os homens para desenvolverem apenas o instinto da tartaruga. O que quer dizer isso? A tartaruga o animal que, diante do perigo, da surpresa, recolhe a cabea para dentro de sua casa. Anula, assim, todos os seus sentidos e esconde, tambm na casca, os membros, tentando proteger-se contra o desconhecido. Este o instinto da tartaruga: defender-se, fechar-se ao mundo, recolher-se para dentro de si mesma e, em conseqncia nada ver, nada sentir, nada ouvir, nada ameaar. Formar boas tartarugas parece ter sido o objetivo dos processos educacionais e polticos da educao desenvolvidos no mundo ocidental nos ltimos anos. Temos educado os homens para aprenderem a se defender contra todas as ameaas externas, sendo apenas reativos. Ensinamos o esprito da covardia e do medo. Precisamos assumir o desafio de educar o homem para desenvolver o instinto de guia. A guia o animal que voa acima das montanhas, que desenvolve seus sentidos e habilidades, que agua ouvidos, olhos e competncia para ultrapassar perigos, alando vo acima deles. capaz, tambm, de afiar as suas garras para atacar o inimigo, no momento que julgar mais oportuno. As nossas Escolas tm procurado fazer com que nossas crianas se recolham para dentro de si e percam a agressividade o instinto prprio do homem corajoso, capaz de vencer o perigo que se lhe apresenta. Temos criado, neste pas, uma gerao-tartaruga. Uma gerao medrosa, recolhida para dentro de si. E estamos todos impregnados por esse esprito de tartaruga. No temos coragem para contestar nossos dirigentes, para nos opor s suas propostas e criar solues alternativas. Agimos apenas de maneira reativa, negativa, covarde. Temos ensinado s nossas crianas que os nossos instintos so pecaminosos. A parte mais rica do indivduo, que a sua sensibilidade sua capacidade de amar e de odiar, sua capacidade de se relacionar de maneira ertica com o mundo, tem sido desprezada. Temos ensinado o homem a ser obediente,

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servil, pacfico, incompetente e depositar todas as suas esperanas num poder maior ou no fim das tempestades. Quando ensinaremos aos nossos alunos que eles no precisam se esconder diante das ameaas, porque todos ns temos capacidade de alar vo s alturas, ultrapassando as nuvens carregadas de tempestade e perigo? Temos ensinado s nossas crianas a se arrastar como vermes, e porque se arrastam como vermes, elas se tornam incapazes de reclamar se lhes pisam na cabea. O que desejamos, afinal, desenvolver em ns mesmos e nos jovens? O instinto da tartaruga ou o esprito das guias? RODRIGUES, Neidson. Lies do prncipe e outras lies. 3ed. So Paulo: Cortez, 1984. Agora, depois dessas reflexes iniciais, vamos estudar a pedagogia das competncias. I - A PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS: Viso introdutria O termo competncias atualmente bastante discutido no mbito educacional. Ele aparece, com importncia central, nas novas diretrizes curriculares para os cursos de formao de professores-licenciaturas, nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e na legislao dos diversos nveis de ensino. Mas muita ateno, pois o termo bastante polmico e tem recebido vrios significados. Perrenoud (2000) o define como a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informaes, etc.) para solucionar com pertinncia e eficcia uma srie de situaes. Veja bem, as competncias no so em si conhecimentos, mas mobilizam e colocam em ao conhecimentos e atitudes (saber-ser) e habilidades (saber-fazer) necessrios para a resoluo de situaes-problema. Os novos rumos da educao indicam com clareza uma mudana de viso e, em conseqncia uma mudana de estratgias na prtica pedaggica. Vejamos o que isso quer dizer. Na escola tradicional, a viso da aquisio de contedos, selecionados dos fundamentos das diferentes cincias, tendo um critrio essencialmente acadmico, com grande desvinculao das representaes j trazidas pelo aluno e de seu

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contexto social e poltico. Temos presente na memria um rol de contedos, apresentados em mnimos detalhes, a serem aprendidos de cor pelos alunos, bastando lembrar a cobrana de nomes, datas, frmulas, entre outras exigncias de apenas carter memorstico. Vale lembrar que os meios para alcanar esta viso so de habilidades de memorizao e reproduo em momentos de avaliao; a compreenso entendida, de forma geral, como capacidade de reproduzir a linguagem transmitida. Para demonstrar que esta habilidade a fundamental na escola tradicional s lembrar os questionrios de estudo, a repetio de exerccios. Na escola crtica, a viso da aquisio de competncias por meio do desenvolvimento de habilidades nos domnios cognitivo, afetivo e psicomotor. As mudanas e transformaes sociais e o avano da tecnologia so to rpidos que, possivelmente, no momento da entrada do aluno hoje para o campo profissional, os conhecimentos escolares por ele adquiridos, j estejam ultrapassados. s pensar sobre o que cada um de ns recorda das disciplinas que aprendeu na Escola e da forma como aprendeu. Se a escola se serviu dos contedos naquele momento selecionados, para desenvolver a capacidade de pensar, e as habilidades de observar, relacionar, estruturar, analisar, justificar, sintetizar, correlacionar, inferir, entre outras, ento preparou o aluno nas competncias necessrias para enfrentar as situaesproblema que a vida lhe apresentar. Os contedos se constituem ento em meios e no em fins em si mesmo. Assim, as selecionar os contedos a Escola deve considerar como critrios: a relevncia, a contextualizao e o desenvolvimento dos alunos em cada fase de seu desenvolvimento. No se trata de minimizar o papel dos contedos ou simplesmente abandon-los. Trata-se de verificar se: so relevantes no contexto em que so propostos; sua complexidade adequada ao nvel de desenvolvimento dos alunos; sua introduo respeita a histria do desenvolvimento dos conhecimentos da disciplina ou rea do saber; esto em relao direta ou indireta com o mundo das experincias dos alunos. Com estas caractersticas eles serviro de meio para o desenvolvimento de habilidades e alcance das competncias desejadas.

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- DEFININDO COMPETNCIAS E HABILIDADES: Competncias Usaremos o termo competncia associado a estrutura resultante do desenvolvimento harmnico de um conjunto de habilidades necessrias para o desempenho de uma determinada funo ou atividade, de maneira eficiente, eficaz e criativa, conforme a natureza do trabalho. Na linguagem do dia-a-dia usamos expresses como: Vou procurar um mdico, mas quero que seja competente; ...fulano realmente um engenheiro competente. Nesta linguagem, de a uma competncia profisso: est ser associada a um desempenho mdico, engenheiro.

Perrenoud (2000) afirma que Competncia a capacidade de mobilizar recursos cognitivos para enfrentar uma situao mais complexa. Habilidades De maneira geral, associaremos o termo habilidade ao saber fazer algo especfico. Isto significa que o aluno estar sempre associado a uma ao, ou fsica ou mental, indicadora de uma capacidade adquirida por algum. Assim, identificar, relacionar, correlacionar, aplicar, analisar, sintetizar, avaliar, manipular com destreza so exemplos de habilidades. A abordagem por competncias pe em evidncia um problema antigo da Escola, que a transferncia dos saberes. Em geral, a Escola se preocupou muito mais com os ingredientes curriculares e contedos, e menos em colocar tais elementos em sinergia com situaes complexas (PERRENOUD, 2000). Esta prtica pedaggica centrada nos contedos, est baseada em: professor, articulao; prioriza-se o ensino em detrimento da aprendizagem. conhecimentos disciplinares e fragmentados, na maioria das vezes, concepo de ensino, baseada apenas na atuao passiva do na transmisso de contedos estanques e fragmentados, meramente informativos;

distribudos nas disciplinas no possuidoras de um ncleo comum de

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Entenda que o conhecimento especializado, nesse sentido, torna-se uma forma particular de abstrao que extrai o objeto de seu contexto, colocando em risco a apreenso, pelo aluno, do todo, pois, o parcelamento e a compartimentao dos saberes impedem o aprender do que est tecido junto (MORIN, 2000:45). A prtica pedaggica centrada na formao por competncias est baseada nos seguintes pressupostos: conhecimentos interdisciplinares, articulados com contexto social; concepo de ensino, baseada na atuao interativa entre o professor, o aluno e o conhecimento, distribudos com eixos temticos interligados e articulados entre si. integral. Propor uma organizao do currculo baseada por competncias supe uma mudana radical na ao pedaggica do professor que envolva novas estratgias de ensino, o foco na construo de competncias, a avaliao por competncias e a adoo de um contexto interdisciplinar do ensino. possvel ento associar uma prtica pedaggica centrada em contedos como um paradigma em superao, e, uma prtica pedaggica centrada na formao por competncias com o paradigma em implantao. Observe ento no quadro a seguir as principais caractersticas dos dois paradigmas: Paradigma em Superao Aula expositiva Professor especialista Disciplina isolada Teoria versus prtica Sala de aula Contedo Aprender Avaliao Paradigma em Implantao Problematizao Professor facilitador Interdisciplinaridade Contextualizao Ambiente de formao Competncia Aprender a aprender Acompanhamento valorizao do processo de ensinar e aprender em igualdade de importncia, valorizando a formao dos sujeitos de forma

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Turmas homogneas Registro de notas

Turmas heterogneas Registro de resultados

No processo de elaborao dos currculos os componentes curriculares podem ser organizados, no s por disciplinas, mas, por temas, por projetos ou por competncias que integrem as diversas disciplinas ou reas de conhecimentos. A grande diferena de um currculo organizado por competncias que este no se baseia na organizao tradicional por disciplinas e suas ementas, muito embora, possa se valer das disciplinas de forma pluridisciplinar, interdisciplinar, e transdisciplinar, num contexto de transversalidade de conhecimentos. Voc deve perceber que, portanto, os contedos das diversas disciplinas devem constituir um meio para a construo efetiva das competncias, e no um fim em si. Reflita bem sobre isto. 1.2 CONSTRUINDO A EDUCAO POR COMPETNCIAS A LDB 9394/96, bem como os documentos emitidos pelo Conselho Nacional da Educao e pelo Ministrio de Educao por intermdio dos diferentes segmentos responsveis pela orientao do Ensino Fundamental, Mdio, Superior e Tcnicos parecem indicar que necessrio a construo de caminhos inovadores para a educao. O desenvolvimento de competncias nos alunos a palavra de ordem da educao hoje. Para formar pessoas preparadas para a nova realidade social e do trabalho, preciso enfrentar o desafio de mudar sua postura frente classe, ceder tempo de aula para atividades que integrem diversas disciplinas, e estar disposto a aprender com seus alunos. Portanto, vamos refletir sobre um assunto muito falado no mundo da educao nos dias de hoje: como fazer para entender e pr em prtica esse novo jeito de ensinar, considerando a Pedagogia das Competncias. Faremos um exerccio no qual voc ter que se lembrar das ltimas aulas que voc ministrou: entrou na classe, falou, explicou, deu exemplos e se desdobrou para que a turma entendesse a matria. Alguns at levantaram a mo para fazer uma ou outra pergunta, mas, no geral, todos ficaram quietos, "prestando ateno". Ser que eles estavam realmente interessados? Depende. consenso entre os tericos da

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educao que o aluno s interioriza o que voc ensina se estiver, de alguma forma, ligado ao contedo por um desafio, uma curiosidade, uma motivao. Ou se perceber a importncia e a aplicao dos conceitos, princpios ou assuntos que esto sendo estudados. Essa aplicao, esse relacionar a situaes do mundo cotidiano, da realidade, diz respeito a contextualizao. A contextualizao uma das bases da Pedagogia das Competncias. O objetivo dessa abordagem ensinar aos alunos o que eles precisam aprender para ser sujeitos crticos e pensantes, que saibam analisar, decidir, planejar, expor suas idias e ouvir as dos outros, que possam ter uma participao ativa sobre a sociedade em que vivem. Uma concepo que na grande maioria das Escolas ainda est por ser decifrada, pois quando se trata de aplic-las em aulas, sobram dvidas e falta quem possa solucion-las. Devemos perceber que no h uma receita simples para aprender a ensinar dentro dessa nova concepo. necessrio entendermos que ela surgiu quando da Conferncia de Educao de 1990 em Jomtien, na Tailndia onde foi elaborada a Declarao Mundial sobre Educao para Todos onde os processos educativos estavam calcados no ensino cartorial. Ou seja, um agrupamento de assuntos para memorizar ou exerccios para praticar exausto, concluindo-se ento, que havia necessidade de mudanas significativas a serem efetivadas. Ficou claro que reformar a educao era uma prioridade mundial e as competncias seriam o nico caminho para oferecer, de fato, uma educao para todos, diz Moretto (2000). Tudo havia mudado: a sociedade, o mercado de trabalho, as relaes humanas... s a educao continuava a mesma. O contexto social de pocas passadas vinha validando como correta formao baseada nos procedimentos memorsticos, o que precisou ser revisto, pois a sociedade tem hoje outras prioridades e exigncias, em que a ao tornou-se o elemento chave. O ato de simplesmente dar o contedo e esperar que ele seja reproduzido, no forma o indivduo desejado pelo mercado de trabalho e pela sociedade. Vale destacar, que de acordo com Kuenzer (2000) o desenvolvimento de competncias deve propiciar formao flexvel de modo a atender as demandas de um mercado em movimento, em substituio formao conteudista pouco dinmica para um mercado relativamente estvel, ou seja, o papel da Escola no formar para o mundo do trabalho, todavia no pode ignorar o mundo do trabalho.

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Quem no estiver preparado para o trabalho conceitual e criativo pode estar fadado excluso social, atravs do desemprego. A escola no mais o lugar onde uma gerao passa para outra um acervo de conhecimentos. Ela agora tem outro papel: o espao onde as relaes humanas so moldadas. Portanto, deve ser usada para aprimorar valores e atitudes, alm de capacitar o indivduo na busca de informaes, onde quer que elas estejam, para us-las no seu cotidiano. Afinal, o que so ento essas competncias? E como desenvolv-las? O dicionrio Aurlio define essa palavra como "qualidades de quem capaz de apreciar e resolver certos assuntos". Ela significa ainda habilidade, aptido, idoneidade. Muitos conceitos esto presentes nessa definio: competente aquele que julga, avalia e pondera; acha a soluo e decide, depois de examinar e discutir determinada situao, de forma conveniente e adequada. ainda quem tem capacidade resultante de conhecimentos adquiridos. As competncias em educao so a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos como saberes, habilidades e informaes para solucionar com pertinncia e eficcia uma srie de situaes, ou seja, a noo de competncia tem mltiplos sentidos e tambm diz respeito a capacidade de agir eficazmente em um tipo determinado de situao, capacidade de que se apoia em conhecimentos mas no se reduz a eles. Para enfrentar da melhor maneira possvel uma situao, devemos em geral colocar em jogo e em sinergia vrios recursos cognitivos complementares, entre os quais os conhecimentos. Vejamos alguns exemplos para elucidar essa questo: Decidir seu caminho em uma cidade desconhecida requer as capacidades de ler um mapa, localizar-se e pedir informaes. E tambm diversos saberes, como ter noo de escala, elementos da topografia ou referncias geogrficas. Saber votar conforme seus interesses mobilizam as capacidades de se informar e preencher a cdula, bem como os seguintes saberes: conhecimento de instituies polticas, do processo de eleio, de candidatos, de partidos, dos programas de governo, das idias democrticas etc. Voc pode perceber que esses so exemplos simples. Outras necessidades esto ligadas a contextos culturais, profissionais e condies sociais, pois os seres

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humanos no vivem todas as mesmas situaes e assim, as competncias devem estar adaptadas a seu mundo. Veja bem, viver na selva das cidades exige dominar algumas delas; na floresta virgem, outras. Da mesma forma, podemos constatar que de acorde com as condies materiais, culturais e de vida dos indivduos, sero necessrios de desenvolvimento de competncias especficas para resolver os problemas que se apresentam. Para compreendermos de forma bastante clara os conceitos propostos, apresentaremos algumas situaes que podem nos ajudar a clarificar o assunto. SITUAO I: Professor de Qumica em laboratrio Ser um bom professor de Qumica em laboratrio a competncia que se espera do profissional que se prope a ensinar Qumica num contexto especfico, o laboratrio. Esta competncia ser o resultado de um conjunto de habilidades que ele desenvolveu para esta funo, tais como: habilidade motora fina de manipular instrumentos, domnio dos conceitos de Qumica; identificao segura dos elementos fundamentais utilizados em laboratrio; aplicao imediata de aes de segurana em caso de acidente com substncias qumicas; domnio de tcnicas nos processos de experimentao, entre outras habilidades. Para este professor a eloqncia no falar, a identificao imediata da voz de diferentes cantores, a utilizao segura de um bisturi, a identificao de componentes eletrnicos de um circuito de TV, no so habilidades que caracterizam a funo de professor de Qumica em laboratrio. Ele pode at t-las, mas caracterizaro outras competncias do indivduo. De forma anloga, poderamos estudar competncias e habilidades associadas a professores de Portugus ou Histria ou Artes. Parece claro que so diferentes competncias, embora algumas habilidades possam ser comuns. De um pintor se exige a habilidade de controle motor para o uso do pincel. Do mdico cirurgio tambm se exige uma habilidade de controle motor fino para o uso do bisturi. Mas o mdico no pintor e nem o pintor mdico porque no s esta habilidade que define cada uma das competncias/funes. Faz-se necessrio que voc entenda que, segundo as diretrizes governamentais, podemos dizer que de um aluno se espera que desenvolva grupos de habilidades capazes de dar-lhe cinco grandes competncias:

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1. Domnio de linguagem; 2. Compreenso de fenmenos; 3. Construo de argumentaes; 4. Solues de problemas; 5. Elaborao de propostas. Para cada uma destas competncias preciso considerar dois enfoques. O primeiro a identificao do grupo de habilidades que estruturam harmonicamente a competncia. O segundo o conjunto de saberes j construdos socialmente que serviro de meio para o desenvolvimento das habilidades em foco. Em nossas reflexes temos visto que como a escola tradicional ps o foco de sua atividade na aquisio de contedos, bastando a definio dos mesmos para que sua misso estivesse cumprida. No novo contexto, a escola passa a ter mais dois novos enfoques alm da opo por conjunto de saberes. A definio das competncias que se quer alcanar e das habilidades que as compem. No intuito de tornar mais clara a argumentao, apresentaremos alguns exemplos: Exemplo 1: REA DO SABER: Matemtica HABILIDADES: Identificar corretamente os smbolos da linguagem matemtica; Demonstrar compreenso dos conceitos bsicos utilizados em matemtica; Estabelecer relaes significativas entre os vrios conceitos da matemtica, buscando a construo de uma estrutura conceptual coerente; Relacionar a linguagem da matemtica com a de outras reas do saber, como a Lngua Portuguesa ou a linguagem das artes; Analisar em situaes de relaes entre quantidades, as relaes matemticas estabelecidas e a linguagem utilizada para indicar estas relaes; Resolver estudadas; Analisar situaes-problema envolvendo relaes entre quantidades e argumentar adequadamente demonstrando compreenso; problemas simples utilizando-se das relaes matemticas

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Aplicar corretamente as relaes matemticas estudadas em situaes do dia-a-dia envolvendo quantificao;

Exemplo 2: REA DO SABER: Cincias da natureza. HABILIDADES: O que importa salientar, que uma mesma competncia, domnio de linguagem por exemplo, pode exigir habilidades distintas, em funo dos contedos especficos da disciplina, das metodologias na construo do conhecimento da mesma, e do tipo de raciocnio que se exige do aluno para a produo de conhecimentos especficos. Assim, para a competncia dominar a linguagem em cincias da natureza so exigidas habilidades como: apresentar aguado esprito de observao, no momento do contato com algum fenmeno; formular hipteses explicativas dos fenmenos da natureza, usando linguagem clara e precisa; identificar variveis pertinentes a certa situao problema e outras no pertinentes. (Assim, por exemplo, no estudo da queda de corpos para verificao da relao entre massa e acelerao de queda de um corpo, a cor do corpo, seu sabor, seu odor, a quem pertence, so variveis no pertinentes ao estudo da queda do corpo. Agora, a forma com que a massa se apresenta j fundamental, pois poder haver foras que, devido forma, mascarem as verdadeiras relaes entre massa, velocidade e acelerao de queda do corpo.) Exemplo 3: REA DO SABER: Fsica (mecnica) HABILIDADES: Demonstrar compreenso dos principais conceitos relacionados velocidade, acelerao, fora, quantidade de movimento e energia mecnica; Identificar as relaes expressas por meio de expresses matemticas e por grficos;

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Estabelecer relaes entre os princpios de massa, da inrcia e da ao e reao; Aplicar o princpio de massa com preciso em situaes de simulao de interao entre corpos; Analisar fenmenos naturais, identificando neles as variveis estudadas na Mecnica Newtoniana e estabelecendo relaes coerentes entre elas, segundo as teorias da Mecnica Clssica; Relacionar o princpio da inrcia com o princpio de massa, identificando no estudo dos movimentos dos corpos, as aplicaes destes princpios; Identificar os fundamentos da Gravitao Universal em situaes propostas para analisar e estabelecer relaes de pouca complexidade entre fenmenos observados, cuja explicao esteja relacionada esta Lei; Resolver problemas simples que expressem as relaes matemticas da Gravitao Universal; Identificar fenmenos cuja, explicao esteja ligada ao princpio do equilbrio dos slidos e dos lquidos, demonstrando compreenso das condies de equilbrio; Resolver fsica e matematicamente situaes-problemas que envolvam equilbrio de corpos slidos; Identificar e explicar fenmenos relacionados de forma simples dinmica das rotaes.

Exemplo 4: REA DO SABER: Histria HABILIDADES: Criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produo; Produzir textos analticos e interpretativos sobre os processos histricos, a partir das categorias e procedimentos prprios do discurso historiogrfico; Relativizar as diversas concepes de tempo e as diversas formas de periodizao do tempo cronolgico, reconhecendo-as como construes culturais e histricas;

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Estabelecer

relaes

entre

continuidade/permanncia

e

ruptura/transformao nos processos histricos; Construir a identidade pessoal e social na dimenso histrica, a partir do reconhecimento do papel do indivduo nos processos histricos simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos; Atuar sobre os processos de construo da memria social, partindo da crtica dos diversos lugares de memria socialmente institudos; Situar as diversas produes da cultura as linguagens, as artes, a filosofia, a religio, as cincias, as tecnologias e outras manifestaes sociais nos contextos histricos de sua constituio e significao; Situar os momentos histricos nos diversos ritmos da durao e nas relaes de sucesso e/ou de simultaneidade; Comparar problemticas atuais e de outros momentos histricos; Posicionar-se diante de fatos presentes a partir da interpretao de suas relaes com o passado. Exemplo 5: REA DO SABER: Geografia HABILIDADES: Ler, analisar e interpretar os cdigos especficos da Geografia (mapas, grficos, tabelas etc.), considerando-os como elementos de representao de fatos e fenmenos espaciais e/ou espacializados; Reconhecer e aplicar o uso das escalas cartogrficas e geogrficas, como formas de organizar e conhecer a localizao, distribuio e freqncia dos fenmenos naturais e humanos; Reconhecer os fenmenos espaciais a partir da seleo, comparao e interpretao, identificando as singularidades ou generalidades de cada lugar, paisagem ou territrio; Selecionar e elaborar esquemas de investigao que desenvolvam a observao dos processos de formao e transformao dos territrios, tendo em vista as relaes de trabalho, a incorporao de tcnicas e tecnologias e o estabelecimento de redes sociais; Analisar e comparar, interdisciplinarmente, as relaes entre preservao e degradao da vida no planeta, tendo em vista o conhecimento da sua

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dinmica

e

a

mundializao

dos

fenmenos

culturais,

econmicos,

tecnolgicos e polticos que incidem sobre a natureza, nas diferentes escalas local, regional, nacional e global; Reconhecer na aparncia das formas visveis e concretas do espao geogrfico atual a sua essncia, ou seja, os processos histricos, construdos em diferentes tempos, e os processos contemporneos, conjunto de prticas dos diferentes agentes, que resultam em profundas mudanas na organizao e no contedo do espao; Compreender e aplicar no cotidiano os conceitos bsicos da Geografia; Identificar, analisar e avaliar o impacto das transformaes naturais, sociais, econmicas, culturais e polticas no seu lugar-mundo, comparando, analisando e sintetizando a densidade das relaes e transformaes que tornam concreta e vivida a realidade. Esta viso dos novos rumos da educao tem grandes conseqncias para os atores dos processos de ensino e de aprendizagem. Ao planejar suas aulas o professor no pe o foco de sua atividade nos contedos dos programas, mas nas habilidades que dever desenvolver, em busca do alcance de competncias perfeitamente definidas. Para alcanar seus objetivos, seleciona os saberes curriculares e programa atividades didtico-pedaggicas a partir dos mesmos. Do aluno se espera um novo envolvimento em busca do aprender a aprender. Utilizando contedos especficos propostos, o aluno ir em busca do desenvolvimento de grandes habilidades, ligadas a seus interesses, suas tendncias e as exigncias de seu contexto social. 1.3 A INTERAO ENTRE O CONHECIMENTO E AS COMPETNCIAS: O Ministrio da Educao no foi conclusivo quando elaborou os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNS), mas indicou diversas capacidades que devem ser trabalhadas ao longo do Ensino Mdio, sem enquadr-las de forma linear, porque o conhecimento deve ser visto como uma rede de relaes, na qual o educador ajuda os jovens a fazer as conexes necessrias. Dessa forma, a primeira dvida que surge diz respeito aos contedos, pois trata-se de trabalhar as informaes de forma diferente, dando-lhes significado. o

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que se chama de ensino contextualizado, em que o conhecimento abordado de forma concreta, levando em considerao os contedos j trabalhados anteriormente pelos sujeitos. Por exemplo, uma coisa voc explicar no quadro o que fotossntese. Outra comparar a qualidade do ar de um bairro industrial com a de outro cheio de praas e reas verdes. Eis a uma aula que pode extrapolar os saberes das Cincias Naturais e se estender para a discusso de cidadania. Assim, possvel desenvolver a observao, a comparao e a anlise. E, de quebra, ensinar fotossntese, (e outros assuntos) Ocorre que o tempo um parceiro cruel, todos vo argumentar. Com certeza. Um tema como esse no se esgota em uma aula. E o que fazer se ele estiver no ltimo captulo do livro didtico? Entenda que, o bom profissional elege no incio do ano o que vai trabalhar, levando em conta a necessidade da turma, no a numerao dos captulos. nessa escolha que entra o conceito de situaes-problema, nas quais o contedo apenas um dos elementos a ser levados em conta na hora de abordar qualquer contedo. A motivao criada a partir da gerao de conflitos. Resolver um desafio estimula a classe, destaca Fini (apud INEP, 1997). Portanto, mais importante que o aluno saiba lidar com a informao do que simplesmente ret-la. Depois de lanada uma tarefa em que todos se envolvam, at uma aula expositiva pode ter lugar. Nesse caso, ela estar inserida na resoluo de um problema concreto e a teoria ganhar uma finalidade aplicvel. Trabalhar assim, significa o fim do contedo pelo contedo explica Fini (ibidem), pois ser necessrio que se estabelea uma relao entre o conhecimento e a significao dele. Com isso, cria-se outra questo: como agir, uma vez que a natureza e a sociedade no so divididas por disciplinas? Se o objetivo estudar uma situao real, do cotidiano, ento o conhecimento tambm no pode estar separado. Nesse contexto, a interdisciplinaridade ganha sentido. Por isso, ela um dos maiores desafios da educao contempornea. Voltando ao exemplo das cidades poludas, os professores de Geografia e Histria podem abordar o uso e a ocupao do solo atravs do tempo; enquanto o de Biologia aborda os problemas que o ar e a gua poludos trazem sade e da importncia das reas verdes; o de Qumica discorre sobre tecnologias de recuperao de mananciais contaminados. E assim por diante.

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Se os saberes devem se articular para atender a complexidade da situao problema, ento os especialistas das diversas disciplinas tambm precisam sentar juntos para definir suas aulas? Sim. "Sem planejamento ningum vai a lugar nenhum", resume Smole. Para ela, o primeiro passo repensar o projeto pedaggico, com o plano e a ao da Escola voltados verdadeiramente para a formao de indivduos independentes e crticos. Sem perder de vista as necessidades do meio em que o aluno vive. 1.4 O CURRCULO ORGANIZADO POR COMPETNCIAS Primeiramente, necessrio que voc compreenda que o currculo organizado por competncias tem a inteno de ser o processo pelo qual se trabalha, e se produz as relaes do cotidiano na Escola, ou seja, como artefato cultural, medida que traduz valores, pensamentos e perspectivas de uma determinada poca ou sociedade. Podemos nos basear em Apple e Giroux que trazem elementos importantes para uma perspectiva dinmico-dialgica da construo do pensamento curricular por competncias. Giroux (1992), prope uma pedagogia radical, a partir da teoria da resistncia na relao entre professores e alunos. Para ele resistncia deve ter uma funo reveladora, que contenha uma crtica da dominao e fornea oportunidades tericas para a auto-reflexo e para a luta no interesse da autoemancipao social. Perceba que nessa perspectiva de currculo organizado por competncias, busca-se a construo da conscincia crtica na realizao da emancipao e humanizao do homem. O currculo nesta perspectiva , pois, uma construo cotidiana e social, onde as formulaes em longa escala so muito difceis, investindo-se nas construes a partir da sala de aula. preciso superar a idia de que o conhecimento formal uma mera simplificao do conhecimento cientfico, pois necessrio atentar para as construes na sala de aula. Sendo assim, bom perceber uma outra questo fundamental que se pe, a do confronto dos diferentes saberes na esfera curricular, visto que o processo de construo do conhecimento precisa necessariamente passar pela discusso sobre o que substantivo nesse conhecimento.

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Por isso, hoje percebemos que as prticas pedaggicas presentes na educao formal, de modo geral, demonstram que o saber cientfico considerado um saber superior, o nico que possuiria o poder de fornecer respostas s necessidades humanas. O saber do senso comum, definido como forma de expresso do saber popular, como a maneira que as camadas populares tm de conceber e interpretar o mundo. Toda produo de significado constitui um saber, contudo nem todos esses saberes so cientficos, o que, na maioria das vezes, no vem sendo considerado pela Escola. Lopes (2002), afirma que o conhecimento comum, como todo obstculo epistemolgico, nunca definitivamente suplantado, uma vez que o processo de ruptura permanente, isto , conhecemos sempre contra um conhecimento anterior, produzindo atos epistemolgicos capazes de superar os obstculos ao desenvolvimento do conhecimento. Sendo assim, o senso comum se constitui do conjunto de saberes capazes de orientar os seres no mundo indistintamente, sejam eles sujeitos dominantes ou dominados. Porm, tende a ser manipulado em favor de grupos e classes hegemnicas, cumprindo a funo de manuteno da ordem estabelecida. J o saber popular, fruto da produo de significados das camadas populares da sociedade, ou seja, as classes dominadas do ponto de vista econmico e cultural. Pode ser considerado como um saber cotidiano do ponto de vista desse grupo, mas no cotidiano em relao sociedade como um todo. Assim, o senso comum aponta para a universalidade e para a uniformidade, e o saber popular aponta para a especificidade e para a diversidade. Certamente voc percebeu que a relao entre o currculo organizado por competncias e os diferentes saberes deve passar pela incluso dos saberes populares no currculo, permitindo seu dilogo com os saberes cientficos, em processo de mtuo questionamento, bem como de crtica do senso comum, onde:O enfoque de como o currculo Escolar pode inter-relacionar saberes populares e saberes cientficos na construo de um saber que no os descaracterize e contribua efetivamente para a construo de um conhecimento com a melhor compreenso e transformao do mundo. (LOPES, 2002:21)

Fazendo uma retrospectiva das idias at aqui desenvolvidas, pode-se certamente perceber o quanto fundamental a relao entre a organizao

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curricular por competncias e a construo do conhecimento que no pode ser refletida, sem que com isso se analise as diferentes posies em relao ao currculo por competncias. O campo do currculo um campo de contestao no que posies divergentes tentam fazer prevalecer sua viso de processo pedaggico, em conformidade com seus valores, o que se refletir em todo processo de ensino e aprendizagem nas diferentes salas de aulas. necessrio que a Escola, efetive um currculo baseado na perspectiva das competncias, apontando para a construo do conhecimento, em que a criatividade dos professores e dos alunos possa produzir um conhecimento emergente da cultura e da realidade em que se estiver inserido. Temos que concordar com as afirmaes de Nelli Silva, quando diz que:O conhecimento um processo e alcanado pelo dilogo. O professor deveria ensinar a perguntar dentro da cotidianidade, pois este o caminho do conhecimento. A construo de um currculo crtico com sua busca da concreticidade encontra resposta na cotidianidade do aluno, na cultura de que portador, como um caminho para a construo do conhecimento que seja transformador da realidade. (1990:17)

Certamente, esta tomada de atitude crtica do educador frente ao processo educacional, nos remeter a necessidade de construo da competncia do educador pela sua formao permanente, como condio primordial para alcanarmos a construo do currculo crtico. Para a Pedagogia das Competncias a prtica pedaggica conseqente, se encontra na dimenso da relao entre o processo educativo e a cultura, pois a cultura o contedo substancial da educao, sua fonte e sua justificao ltima. Segundo Forquin (1993), a educao no nada fora da cultura e sem ela, mas, reciprocamente, dir-se- que pela e na educao que a cultura se transmite e se perpetua, onde toda reflexo sobre uma, desemboca imediatamente na considerao da outra. Como voc pode acompanhar at agora, a cultura tem um papel fundamental, e no se pode negar a contribuio da cultura popular no processo educativo, e por conseqncia, no currculo. Uma proposta curricular deve comportar sempre um projeto social e cultural, uma viso do tipo de sociedade e de pessoa que se pretende formar.

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A educao Escolar uma atividade de natureza social, com uma funo socializadora, em que o currculo no pode ser encarado apenas como uma questo tcnica e de disciplinas, margem do contexto social no qual o processo educativo est inserido, portanto esta a proposta de concepo curricular da pedagogia das competncias na prtica educativa. Falar em currculo por competncias tambm evoca a necessidade de discutir um pouco a noo de competncia profissional, entendida como a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ao, conhecimentos e habilidades, valores e atitudes necessrios para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza da prtica profissional. Nesta perspectiva necessrio colocar em evidncia alguns princpios que definem a identidade e a especificidade do desenvolvimento de competncias profissionais. Alguns desses princpios so: flexibilidade; interdisciplinaridade e contextualizao na organizao curricular; identidade dos perfis profissionais de concluso; atualizao permanente dos cursos e seus currculos; autonomia da Escola em seu projeto pedaggico.

Baseado nas competncias que o professor deve desenvolver no processo dos alunos, a aprendizagem passa a ser orientada para a ao e a avaliao das competncias baseia-se em resultados observveis da formao profissional. Ao ensino mdio, cabe a formao das competncias mais gerais e ao ensino profissional, a formao das competncias mais especficas. As competncias agem traduzindo determinado contedo em uma habilidade. Por isso, o controle da formao nas competncias , freqentemente, exercido por meio dos resultados obtidos (via indicadores de desempenho), e no por intermdio de conhecimentos e atributos culturais adquiridos na socializao profissional. Essa relao com o exerccio profissional no acontece apenas na educao especificamente profissional, mas tambm na formao geral, como no caso do ensino mdio brasileiro. No caso do ensino mdio, o Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) vem atuando significativamente sobre as Escolas oferecendo padres de condutas a serem cumpridos com base no modelo de competncias.

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A implantao deste modelo sempre justificada com base nas mudanas no mundo do trabalho que exigem um novo indivduo trabalhador. Esta rapidez com que as mudanas sociais se processam e alteram nossa vida cotidiana impe um padro mais elevado para a Escolaridade bsica, e o projeto pedaggico da Escola deve objetivar o desenvolvimento de competncia com as quais os alunos possam assimilar informaes e utiliza-las em contextos adequados, interpretando cdigos e linguagens e servindo-se dos conhecimentos adquiridos para a tomada de decises autnomas e socialmente relevantes. Vejamos profissional: Conjunto de tarefas a competncia vista como um conjunto de tarefas independentes, e que se apresentam bem detalhadas, no havendo interesse pelas relaes que existem entre elas. A competncia analisada pela observao direta do desempenho; Conjunto de atributos mostram os atributos gerais indispensveis para o desempenho efetivo de profissionais, considerados excelentes, e que so subjacentes s competncias, ou seja, conhecimentos, prticas e atitudes. Neste conjunto desconsidera-se, porm, o contexto em que as competncias so aplicadas; Conjunto estruturado holstico e integrado combina a perspectiva de um conjunto de atributos com o contexto. A competncia relacional, uma combinao complexa de atributos (conhecimentos, atitudes, valores e habilidades) necessrios para o desempenho profissional em situaes especficas. Desta maneira, necessrio que a anlise pedaggica destas atividades desvele possibilidades de um currculo que, alm do saber fazer, insira as dimenses dos saberes e de um saber agir responsvel, tcnico e atitudinalmente. possvel que, ao ler o j foi discutido at aqui, voc j esteja se questionando que no se trata de maquiar o processo em prol de uma exigncia de reforma curricular, nem tampouco, mudar apenas a redao do Projeto Pedaggico, colocando, conforme cita Perrenoud (2000) onde se lia: ensinar o teorema de Pitgoras, agora ir se ler: servir-se do teorema de Pitgoras para resolver problemas de geometria. alguns princpios de competncias necessrios prtica

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Observe a figura 1 a seguir apresentada e considere que a organizao de um currculo por competncias parte da anlise de situaes-problema, das aes que uma situao real exige.

Figura 1: Seqncia pedaggica na formao por competncias:

Problematizao

Situao Real

Habilidades

Competncias

Bases tecnolgicas Bases cientficas Bases instrumentais

Disciplinas Projetos Problemas

Ento pense bem, uma reformulao curricular por competncias implica, portanto, em um desenho curricular que ultrapasse programas ainda tradicionais em sua prxis, que apenas utilizam um verbo de ao no incio da descrio dos contedos disciplinares para indicar uma suposta mudana. Conforme demonstramos na figura, para desenvolver competncias necessrio trabalhar por problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, complet-los. Vamos continuar a nossa linha de pensamento! Ento pense bem. Para garantir o sentido e o significado da aprendizagem Escolar essencial que a Escola, no s tenha a pretenso de ensinar, mas tambm, se preocupe em promover a transposio desses conhecimentos, sendo necessrio que estes sejam significativos e contextualizados. Tal processo implica a criao de novos contextos de aprendizagem, especificamente, aqueles em que o

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aprendiz exerce papel ativo. Segundo Perrenoud (2000) os alunos no desenvolvero competncias se os professores, no se perceberem como organizadores de situaes didticas e de atividades que tm sentido para os seus alunos, envolvendo-os, e, ao mesmo tempo, gerando aprendizagens fundamentais. Consideraremos, aqui, que as mudanas propostas na atualidade para as diversas modalidades de ensino no so meramente a criao de novos rtulos e/ou neologismos. Morin (2000:33), afirma que:Para que haja um progresso de base no sculo XXI, os homens e as mulheres no podem ser brinquedos inconscientes no s de suas prprias idias, mas das prprias mentiras. O dever da educao de armar cada um para o combate vital para a lucidez.

, nesse sentido, que um currculo centrado na formao de competncias aponta antes de um confronto com outros modelos e teorias pedaggicas para a discusso e reflexo sobre concepes didtico-metodolgicas e posturas pedaggicas de uma prtica Escolar j em evidncia e muitas vezes caduca. 1.5 O PROCESSO DE APRENDIZAGEM BASEADO POR COMPETNCIAS A construo do conhecimento por competncias considera que os alunos apreendem o conhecimento em virtude de um processo que pessoal, mas tambm, coletivo. Aprender eqivale elaborar uma representao do contedo objeto de estudo em questo. Essa representao no se realiza numa mente em branco. O sujeito tem um mundo cultural internalizado ao longo de sua trajetria de vida social. O professor e o aluno so agentes interativos, com eles mesmos, com os outros e com o prprio conhecimento, o que est representado graficamente na figura 02 abaixo:C (conhecimento)

A (aluno) A ( aluno)

P (professor)

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H um movimento interativo entre os sujeitos - professor e alunos, na apreenso do conhecimento. Para que voc perceba a importncia do que estamos afirmando, buscamos a teoria de Vygotsky (1991), que postula que construir conhecimentos implica uma ao partilhada, j que atravs dos outros que as relaes entre sujeito e objeto de conhecimento so estabelecidas. Redimensiona o valor das interaes sociais entre os alunos e o professor e entre os prprios alunos, no contexto das instituies educativas, passando a ser entendidas como condio necessria para a produo dos conhecimentos por parte dos alunos, em particular aquelas que permitem o dilogo; a cooperao e troca de informaes mtuas; o confronto de pontos de vistas divergentes implicados na diviso de tarefas, onde cada um tem uma responsabilidade que, somada, resultar no alcance de um objetivo comum. Voc percebe que o papel do professor no de somente permitir que tais condies ocorram, mas tambm, de promov-las no cotidiano da sala de aula, sendo parte interativa desse processo. O professor incentiva os alunos a encontrarem suas prprias respostas diante da problematizao do conhecimento. O passeio solitrio do aluno reverte-se para o entendimento coletivo tanto na dimenso do processo de construo da aprendizagem quanto na dimenso do produto do mesmo. Dessa maneira, a heterogeneidade, caracterstica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindvel para as interaes na sala de aula. Para a pedagogia das competncias, os diferentes ritmos; comportamentos; experincias; trajetrias pessoais, contexto familiares, valores e nveis de conhecimento de cada aluno e, tambm do professor, imprimem ao cotidiano Escolar a possibilidade de troca de repertrios, de viso de mundo, confrontos, ajuda mtua e conseqente ampliao das capacidades individuais. Voc deve ter compreendido que ao aprender, o que muda no apenas a quantidade de informao que o sujeito possui sobre um determinado tema, mas tambm, sua competncia em relao ao conhecimento; a qualidade do conhecimento que j possui alterada, e as possibilidades pessoais de continuar aprendendo so ampliadas. Nesse sentido, importante entender, que a relao entre o desenvolvimento do aluno e a aprendizagem que ele esta gerando fundamental. O

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ensino entendido como um conjunto de possibilidades no processo de construo do conhecimento e na elaborao do prprio desenvolvimento. Para Vygotsky, o aprendizado um aspecto necessrio e universal do processo de desenvolvimento das funes psicolgicas culturalmente organizadas e especificamente humanas. (1991:01) necessrio, que voc reflita sobre como as relaes entre os sujeitos e o conhecimento, so estabelecidas. Em primeiro lugar, no h espao para a efetivao de relaes arbitrrias, tanto no campo interpessoal, como no trato com o conhecimento que ser re-elaborado. As relaes precisam ser pertinentes e valiosas, tanto cultural, como pessoal, desencadeando um processo de interligao da dimenso pessoal com o que se pretende aprender, permitindo a construo de uma representao individual do conhecimento social. Na viso de Vygotsky (1991), o processo interpessoal transformado em processo intra-pessoal, em que as funes do desenvolvimento aparecem duas vezes: primeiro, entre as pessoas, e depois no interior dos sujeitos. Tudo que est no campo coletivo, ser internalizado e particularizado pelo indivduo, para que possa retornar ao mundo social j modificado. Esse processo de recriao da cultura por parte de cada um de seus membros base do processo histrico, sempre em transformao das sociedades humanas. Em segundo lugar, as atividades intelectuais, afetivas e sociais desencadeadas no processo de aprendizagem so estimuladas pela atividade didtica desenvolvidas pelo professor, construindo o contexto para que o conjunto desses aspectos ocorra em um determinado nvel e fazendo com que sejam alcanados os objetivos educacionais, e o desenvolvimento de competncias e habilidades. Assim, voc j deve ter percebido que a funo do processo educativo no pode ser apenas o de apropriao de conhecimentos, transformados em contedos de ensino, e sim o de desenvolver competncias e habilidades verdadeiramente humanas, levando o sujeito a compreender, refletir e intervir no mundo e com o mundo no qual est inserido como ser social. Voc deve concordar, que a perspectiva da aprendizagem como construo do conhecimento por competncias na Escola no que tange ao objeto de aprendizagem do aluno constitui-se de conhecimentos de natureza cultural, em que

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o ensino deva ser objeto de planejamento e orientao por parte do professor, o que proporcionar a atividade social e culturalmente mediada do aluno. Vygotsky, diz que o professor desempenha o papel do outro social com o qual o aluno ter possibilidades de desenvolvimentos que no teria sozinho, muito em funo de que o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrs do processo de aprendizado. (1991:10) Precisamos repensar urgentemente, que o aluno para construir conhecimentos, para aprender, precisa utilizar instrumentos que so, por sua vez, culturais e saberes relevantes da cultura. Esses conhecimentos j existem antes que os alunos iniciem seu processo de construo da aprendizagem, e so de natureza simblica, exprimindo-se por meio de smbolos e signos verbais, numricos, textuais, etc., o que permite a ao compartilhada dos que pertencem ao grupo scio - cultural e que seu significado seja conhecido e compartilhado. O papel do signo explicado por Vygotsky (1991) assim: a inveno e uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicolgico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) anloga inveno e uso de instrumentos, s que agora no campo psicolgico. Sendo assim, perceba que a cultura d significado atividade humana, no dependendo apenas da existncia de signos e smbolos e seus referentes, mas da possibilidade de algum capaz de interpret-los. O aluno precisa do auxlio dos outros que colaborem no processo de representao ou atribuio de significados. A interveno daqueles que esto culturalmente mais preparados permite que os alunos construam as representaes fundamentais da cultura, em um nvel de significado que lhes proporcionem a capacidade de viver em sociedade. Voc deve saber que o conhecimento, baseado no desenvolvimento de competncias, selecionado pela Escola no deve levar somente em considerao o carter cientfico, como tambm o aspecto scio-cultural de produtos representativos da cultura em uma sociedade concreta, viva e vivenciada por sujeitos histricos. Isto necessrio para que os conhecimentos selecionados de forma no arbitrria tenham alm do valor individual - particular, a dimenso valorativa sciocultural, sem com isso, invalidar a possibilidade dos alunos estabelecerem outras relaes mais particulares, ou menos representativas da cultura do grupo. Pense nisso, pois se faz necessrio assegurar no processo de construo do conhecimento, que os alunos tenham contato com os saberes, orientando as

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relaes estabelecidas e o grau em que se estabelecem, a fim de que os alunos adquiram capacidades necessrias para atuar no contexto social, dominando, assim, os diferentes sistemas e cdigos culturais. Veja que, no se trata unicamente de entender que a atividade humana est permeada de instrumentos culturais, mas que a utilizao deles transforma a prpria atividade e permite que os sujeitos exeram progressivamente um domnio consciente e voluntrio sobre ela. O professor no pode perder de vista que o conhecimento do aluno sobre um determinado tema possibilita estabelecer relaes substantivas, permitindo tambm atribuir significados ao novo contedo, o que no ocorre de forma perene, pois os conhecimentos que os sujeitos j possuem, atuam conferindo a informao diferentes graus de significados, o que no construdo de uma vez por todas, sendo objeto contnuo de reformulaes e posterior aprofundamento. Sendo assim, voc deve ver que os conhecimentos anteriormente construdos no so obstculos para a aprendizagem, mas requisitos indispensveis para ela. A compreenso da realidade um processo gradual, que se desenvolve paralelamente ao enriquecimento desses conhecimentos prvios. Por isso, h necessidade por parte do professor de saber quais os conhecimentos que o aluno j domina, mas tambm de compreender o ponto de vista dos mesmos, explorando ao mximo as conexes que mantm entre si e em relao nova informao objeto da aprendizagem. Voc notou que, o processo de construo do conhecimento baseado na pedagogia das competncias complexo e precisa ser vivenciado como um trabalho coletivo, em que o professor consciente de que o conhecimento uma construo, oportunizar o contato cultural para os alunos, visto que a cultura quem faz do sujeito o que ele , pois, ao apropriar-se dela, revitaliza-a criticamente e contribui para sua renovao, construindo assim, a sua identidade. necessrio, agora, que voc reflita e exercite um pouco sobre o que foi tratado at aqui. Para tanto, preciso que voc trabalhe na atividade que lhe propomos a seguir: 1.6 AVALIAO NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS De nada adianta trabalhar ao longo do ano letivo dessa maneira se a

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avaliao no muda. Mas, como avaliar competncias? Mais uma vez, Perrenoud (2000) nos mostra um caminho para uma avaliao eficiente: 1) A tarefa e suas exigncias precisam ser conhecidas antes de inici-la; 2) Deve-se incluir apenas tarefas contextualizadas; 3) No pode haver nenhum constrangimento de tempo fixo; 4) necessrio exigir uma certa forma de colaborao entre os pares; 5) O professor tem de levar em considerao as estratgias cognitivas e metacognitivas utilizadas pelos estudantes; 6) Ela deve contribuir para que os estudantes desenvolvam ainda mais suas capacidades; 7) A correo precisa levar em conta apenas os erros de fundo na tica da construo de competncias. Ou seja, o trabalho precisa tornar-se mais sensvel do que tcnico. A nota, to esperada e temida pelo aluno, passa a ser resultado de muitos fatores, no apenas de uma prova, uma redao ou qualquer outra atividade avaliativa. Ficou assustado com o tamanho do desafio? Todos sabem que, na prtica, as mudanas ainda vo consumir muito tempo para serem bem assimiladas. Acredite: esse novo jeito de ensinar, que oportuniza a todos os alunos aprenderem, ser "a" referncia em educao e, mais cedo ou mais tarde, servir para diferenciar os melhores profissionais e as Escolas que merecem destaque. Avanaremos agora um pouco mais, para dizer a voc que quando olhamos para a Escola hoje, podemos encontrar prticas de manuteno do paradigma hegemnico e prticas inovadoras como apontadas pela pedagogia das competncias, que anuncia novas possibilidades. H sinais que indicam a tentativa da Escola se repensar e se reconstruir, com a finalidade de escapar dos limites da excluso e construir um processo ensino/aprendizagem que incorpore o conhecimento em sua multidimensionalidade, como j discutimos anteriormente no item III desta unidade. Agora passaremos a identificar alguns elementos que esto diretamente relacionados avaliao por competncias. A compreenso do conhecimento como parcial, relativo e provisrio coloca no centro da discusso a diversidade e explicita a heterogeneidade como um dos elementos fundamentais para a compreenso do processo de construo de conhecimentos e dos resultados alcanados. Melhor

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seria dizer, dos processos de construo de conhecimentos, o que desvela a face excludente da prtica que s valoriza e aceita uma entre as diversas possibilidades existentes. Como j vimos, a sala de aula um espao plural. As atividades desenvolvidas em seu cotidiano esto permeadas pelas experincias mltiplas que os diversos sujeitos trazem, portanto devem ser criadas condies para sua interpretao e para que todos possam se apropriar das interpretaes e conhecimentos que lhes sejam necessrios. No suficiente perguntar por que alguns alunos aprendem enquanto outros no; h que se indagar sobre a dinmica que favorece aprendizagem de cada um e que mecanismos esto sendo utilizados pelos alunos para responder s questes colocadas. Voc deve concordar que, o professor precisa se apropriar da compreenso de seu aluno. Esta se torna a questo central do processo de avaliao por competncias, diferenciando a avaliao da verificao dos contedos, pois a resposta diferente da esperada no significa ausncia de conhecimentos, pode ser uma soluo criativa a partir da utilizao dos instrumentos que o sujeito possui, caracterizando assim, o desenvolvimento de competncias a compreenso do conhecimento, do que do contedo em si. A partir desta compreenso voc deve estar interrogando o conceito de erro dominante na Escola. Este conceito representa um marco na configurao da avaliao como um processo seletivo, portanto entendemos que ele fundamental para a redefinio da prtica avaliativa baseada no desenvolvimento das competncias. A distino entre respostas certas e erradas est organizada desde a perspectiva do professor, que define sua classificao como saber ou no saber, moldando a vida Escolar de seus alunos. Voc deve perceber que nesta viso, quando o aluno responde da maneira esperada, ou seja, reproduz o que foi ensinado, acerta, o que avaliado como demonstrao de saber. Por oposio, quando a resposta dada se diferencia do padro, o aluno erra e sua resposta classificada como no saber. O acerto valorizado e se nega, ou tenta-se ocultar, o erro, estabelecendo uma falsa dicotomia entre saber e no saber. A concepo hegemnica de erro, que sublinha e absolutiza sua face negativa, um obstculo para a incorporao das mltiplas interpretaes no processo de avaliao. O impedimento para que a voz do outro seja produzida,

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escutada e valorizada positivamente na ao pedaggica um dos indcios que nos ajuda a desvelar a participao da tenso incluso/excluso social nos mecanismos Escolares. Na busca da resposta certa, deixa de ter importncia s caractersticas da pergunta feita e os meios usados para se responder corretamente. Tampouco so indagadas as caractersticas da aprendizagem realizada: o aluno pode estar simplesmente repetindo o que j sabe, pode ter memorizado os elementos que permitem dar a resposta correta, ou pode haver aprendido a responder de acordo com as expectativas do professor, negando assim a concepo interativa to evidenciada na pedagogia das competncias. Voc percebe que nenhuma destas explicaes para o acerto garantem a compreenso, a assimilao e a aplicao dos conhecimentos. A aprendizagem mecnica pode permitir a resposta correta, mas no atua no sentido de favorecer a organizao do conhecimento e sua interao na configurao de um pensamento independente, crtico e criativo, como j foi evidenciado anteriormente. Afirmamos que a concepo de avaliao da pedagogia das competncias se coloca contra a dicotomia erro/acerto, quando afirma que a aprendizagem s adquire sentido dentro da perspectiva do conhecimento como verdadeiro, absoluto e imutvel. Aponta que quando se abandona modelos rgidos que devem ser alcanados, o erro, como elemento negativo, deixa de existir, pois cada resposta dada pode ser aprofundada, discutida, ampliada, o que no a caracteriza como errada. Voc percebe que o erro, na perspectiva das competncias, um importante elemento para a percepo da diversidade de lgicas e de conhecimentos que circula no contexto escolar e se mescla nas respostas dos alunos. Neste sentido, o erro revela que o saber e o no saber dialogam no processo de construo de conhecimentos e na elaborao das respostas. O erro oferece pistas importantes, indica caminhos percorridos pelos alunos e nem sempre percebidos pelo professor, e devem ser considerados e explorados para que se possa trabalhar no sentido de uma verdadeira ampliao coletiva dos conhecimentos. Veja, para a avaliao na perspectiva das competncias, a diferena entre os sujeitos sinal de potncia, no de deficincia. Perceba bem. A diversidade uma fonte de riqueza para o trabalho pedaggico desenvolvido na sala de aula, pois estimula que o novo se manifeste e seja desenvolvido. A resposta errada do aluno

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revela seu ainda no saber, como bem nos lembrou Vygotsky (1991), portanto faz uma sntese dos conhecimentos j consolidados e revela novos conhecimentos que so necessrios e possveis. O desconhecimento o que ele precisa aprender, indica aprendizagens potenciais e no o que definitivamente no sabem. Como se v, a articulao teoria/prtica essencial para a construo desta viso positiva do erro para estudar seu movimento de reconstruo de conhecimentos sobre a prtica da avaliao dos alunos em processo de Escolarizao. necessrio direcionar o olhar para as respostas destes, buscando abandonar a perspectiva da classificao, o objetivo, portanto, ser de identificar a relao dinmica entre saber e no saber implcitas nas respostas, retirando desta anlise informaes relevantes para o processo ensino/aprendizagem. Entendeu a importncia? Realmente preciso indagar os conhecimentos presentes nas respostas erradas e os desconhecimentos existentes nas respostas certas, o que os alunos revelam saber e no saber e o ainda no saber, como sntese provisria do momento analisado. Este processo nos trar fatos concretos que ajudaro na redefinio do conceito de erro e fortalecero a necessidade de reconstruir o processo de avaliao. Neste movimento de reflexo sobre a prtica, especialmente no que diz respeito noo de erro, o conceito de zona de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991) deu uma grande contribuio para a anlise das respostas dadas pelos alunos. A idia de que fundamental perceber o processo de aprendizagem/desenvolvimento de forma prospectiva dando especial ateno aos processos em desenvolvimento, e no s ao j consolidado, assim como a nfase na natureza coletiva, compartilhada, do processo de construo de conhecimentos fortalecia a necessidade de indagar a relao saber/no saber estabelecida nas prticas Escolares e possibilitava novos olhares para a dinmica pedaggica. Perceba a relevncia da discusso acerca do conceito de zona de desenvolvimento proximal. Esta fornece pistas para que se possa ensaiar um processo de avaliao que no tenha como referncia central a positividade ou negatividade da resposta fornecida pelo aluno. Na prtica este conceito ressalta a multidimensionalidade e a solidariedade do processo ensino/aprendizagem, coloca em dilogo, a teoria e a prtica e imprime mudanas no repertrio de possibilidades de interpretao. Criando novas bases para a atuao docente. Para a pedagogia das competncias vale ressaltar, que tanto as respostas

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classificadas como saber, como as rotuladas de no saber so frutos de ensinos/aprendizagens diversos que detonam processos de desenvolvimento interior. O que voc acha da tentativa de abandono dos modelos rgidos de classificao dos alunos e a busca de um novo conceito de erro mais favorvel dinmica de aprendizagem do aluno? No se esquea que isto representa aspectos significativos para que se possa criar um movimento de indagao do processo de construo do conhecimento que estimule a anlise coletiva e a possibilidade de compartilhar questes e de construir respostas. Este processo de reflexo sobre a ao, permeado pelo dilogo entre teoria e prtica introduz, a possibilidade de experimentarmos a prtica de avaliao como uma investigao do processo de construo de conhecimentos do aluno como participante de um processo coletivo. O desconhecimento, o erro, o ainda no saber passaram a ser percebidos como objetos de interrogao, representando possibilidades de ampliao dos conhecimentos j consolidados. O mesmo vale para o processo vivenciado pelos professores. Que desenvolvendo um processo coletivo de reflexo encontram lugar para suas dvidas, seus dilemas, seus desconhecimentos e para a construo coletiva de novos conhecimentos. Seu no saber deixa de ser vivido como incompetncia, sendo assumido como ainda no saber, fonte de novas e mais profundas aprendizagens. Um dos aspectos centrais do conceito usado a nfase no movimento solidrio e coletivo. Como voc deve estar percebendo a nfase do processo avaliativo est sendo posta na busca do que o aluno pode vir a saber, anunciando uma possibilidade concreta de reconstruo do paradigma terico da avaliao. A compreenso do processo de construo de conhecimentos como, necessariamente, dialgico e compartilhado se estende ao processo de avaliao na perspectiva das competncias. Agora vamos pensar que estas mudanas nos indicam uma possibilidade de ruptura com a viso classificatria da avaliao - que se fundamenta no consolidado, na comparao da resposta dada a um padro certo ou admissvel e anunciam uma perspectiva de avaliao como parte do processo de construo de conhecimentos. Portanto, ao elaborar as estratgias para o alcance da aprendizagem por competncias, atente para os seguintes princpios:

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Fundamenta-se no prospectivo, no vir a ser, sem modelos

fechados previamente definidos, pois no h a preocupao de rotular as respostas como erro ou acerto; O eixo central da avaliao deslocado da classificao das respostas, tendo como eixo perspectiva do acerto, para a indagao do conhecimento existente e em construo; A avaliao perde a perspectiva unidimensional. Abre-se a possibilidade da prtica pedaggica convidar os alunos, assim como os professores, para trazer para a sala de aula seus conhecimentos e desconhecimentos, em sua multiplicidade e complexidade; movimento os A interrogao provoca a interlocuo e proporciona conhecimentos j consolidados e exercita novos meios para que sejam desenvolvidas solues criativas. Coloca em conhecimentos, pois a indagao parte do suposto de que h mais informaes do que aquelas que o sujeito apreende imediatamente; indcios A indagao revela o que o aluno ainda no sabe, expe os obstculos encontrados no processo sobre

ensino/aprendizagem e as estratgias usadas para tentar super-los. No devemos esquecer que o movimento de indagao do processo dos alunos estimula indagao do processo docente, se estabelece uma relao recproca entre alunos e professores, de modo que um colabora com o processo de construo de conhecimentos do outro. A avaliao assim, se converte em um processo de aprendizagem para o professor e a sala de aula se torna um ambiente interativo onde se busca a superao e no a negao do saber j construdo por cada um e por todo o grupo. Perceba que, investigando o processo do aluno os professores estabelecem um processo de reflexo sobre sua prtica. Os professores iro se percebendo como investigadores de sua prpria prtica, portanto, profissionais que possuem conhecimentos sobre sua prtica, que refletem sobre ela enquanto prtica social, e so capazes de produzir novos conhecimentos. A compreenso da avaliao como uma prtica investigativa marca a possibilidade de uma prtica pedaggica comprometida com a incluso, com a pluralidade, com o respeito s diferenas, com a construo coletiva. Atende s

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necessidades postas pela Escola como um territrio hbrido, marcado pela multiplicidade de vozes e coloca o dilogo no centro do processo ensino/aprendizagem. Muda a interpretao unvoca, de natureza excludente, por uma orientao dialgica, que implica em incluso e multiplicidade. Assume a ambigidade que caracteriza o processo de avaliao enquanto atividade impregnada pelos valores sociais e incorpora esta ambigidade como um sinal de que os resultados e as anlises devem ser relativizadas e continuamente interrogadas. A avaliao como prtica de investigao se revela um instrumento importante para a prtica dos professores na perspectiva das competncias que, comprometidos com a construo de uma Escola democrtica, se encontram freqentemente diante de dilemas para os quais nem sempre tm a resposta certa. Professores que necessitam se capacitar, cada dia mais, como investigadores de sua prpria prtica para conseguir encontrar respostas possveis e respostas adequadas. Sem dvida, o convite mudana desafiador e atrativo. feito atravs de palavras e conceitos estimulantes: dilogo, interao, diversidade, subjetividade, cenrios, territrios, subjetividade, polissemia, polifonia. Palavras que parecem arejar a prtica pedaggica, trazendo novidades para um contexto que parece haver se habituado monotonia do discurso unvoco. Palavras que anunciam um novo ritmo para uma escola considerada por muitos parada no tempo... Neste quadro, a avaliao como prtica investigativa construda com o objetivo de desenvolver competncias, um desafio, mas tambm uma alternativa para a consolidao da sala de aula como um espao potente de construo de conhecimentos. 1.7 QUAIS COMPETNCIAS DOCENTES PARA UMA PRTICA DOCENTE BASEADA NA PEDAGOGIA DAS COMPETNCIAS? Chegou a hora de pensarmos sobre alguns pontos necessrios prtica docente baseada na pedagogia por competncias. Para que a organizao do processo educativo nesta perspectiva se efetive, promovendo o desenvolvimento de competncias no aluno, necessrio que o professor atente para as competncias de referncia apontadas por Perrenoud (2000).

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Competncias de referncia 1- Organizar e dirigir situaes de aprendizagem. 2. Administrar a progresso das aprendizagens. 3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciao. 4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho.

Competncias mais especficas a serem trabalhadas (exemplos) Conhecer, para determinada disciplina, os contedos a serem Trabalhar a partir das representaes dos alunos; Trabalhar a partir dos erros e dos obstculos aprendizagem; Construir e planejar dispositivos e seqncias didticas; Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de

ensinados e sua traduo em objetivos de aprendizagem;

conhecimento. Conceber e administrar situaes problema ajustadas ao nvel e s possibilidades dos alunos; Adquirir uma viso longitudinal dos objetivos do ensino; Estabelecer laos com as teorias subjacentes s atividades de aprendizagem; Observar e avaliar os alunos em situaes de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa; Fazer balanos peridicos de competncias e tomar decises de progresso; Administrar a heterogeneidade no mbito de uma turma; Abrir, ampliar a gesto de classe para um espao mais vasto; Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades; Desenvolver a cooperao entre os alunos e certas formas simples de ensino mtuo. Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relao com o saber, o sentido do trabalho Escolar e desenvolver na criana a capacidade de auto-avaliao; Instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou de Escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contatos; Oferecer atividades opcionais de formao; Favorecer a definio de um projeto pessoal do aluno. Elaborar um projeto de equipe, representaes comuns; Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reunies; Formar e renovar uma equipe pedaggica; Enfrentar e analisar em conjunto situaes complexas, prticas e

5. Trabalhar em equipe.

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problemas profissionais; 6. Participar da administrao da Escola. 7. Informar e envolver os pais. 8. Utilizar novas tecnologias. 9. Enfrentar os deveres e os dilemas ticos da profisso. 10. Administrar sua prpria formao contnua. Administrar crises ou conflitos interpessoais. Elaborar, negociar um projeto da instituio; Administrar os recursos da Escola; Coordenar, dirigir uma Escola com todos os seus parceiros; Organizar e fazer evoluir, no mbito da Escola, a participao dos alunos. Dirigir reunies de informao e de debate; Fazer entrevistas; Envolver os pais na construo de saberes. Utilizar editores de textos; Explorar as potencialidades didticas dos programas em relao aos objetivos de ensino; Comunicar-se distncia por meio da telemtica; Utilizar as ferramentas da multimdia no ensino. Prevenir a violncia na Escola e fora dela; Lutar os preconceitos e as discriminaes sexuais, tnicas e sociais; Participar da criao de regras de vida comum referentes disciplina na Escola, s sanes e apreciao da conduta; Analisar a relao pedaggica, a autoridade, a comunicao em aula; Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justia. Saber explicitar as prprias prticas; Estabelecer seu prprio balano de competncias e seu programa pessoal de formao contnua; Negociar um projeto de formao comum com os colegas (equipe, Escola, rede); Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo; Acolher a formao dos colegas e participar dela.

Agora gostaramos que voc lesse a entrevista a seguir, que foi publicada na Revista Nova Escola setembro 2000. Na entrevista Perrenoud, autor do livro Dez Novas Competncias para Ensinar (ArtMed, 2000). Ao ler tente relacionar ao contedo que estudamos nesta unidade.

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De onde vem a idia de competncia na educao? Perrenoud: A abordagem por competncias uma maneira de levar a srio um problema antigo, o de transferir conhecimentos. Em geral, a Escola se preocupa mais com ingredientes de certas competncias e menos em coloc-las em sinergia nas situaes complexas. Durante a Escolaridade bsica, aprende-se a ler, escrever, contar, mas tambm a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e dzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos disciplinares, como Matemtica, Histria, Cincias, Geografia etc. Mas a Escola no tem a preocupao de ligar esses recursos a situaes da vida. Quando se pergunta por que se ensina isso ou aquilo, a justificativa geralmente baseada nas exigncias da seqncia do curso: ensina-se a contar para resolver problemas; aprende-se gramtica para redigir um texto. Quando se faz referncia vida, apresenta-se um lado muito global: aprende-se para se tornar um cidado, para se virar na vida, ter um bom trabalho, cuidar da sade. A transferncia e a mobilizao das capacidades e dos conhecimentos no caem do cu. preciso trabalh-las e trein-las, e isso exige tempo, etapas didticas e situaes apropriadas, que hoje no existem. Ou seja, a Escola no prepara o aluno para usar o conhecimento no seu dia-adia? Perrenoud: Exatamente. Os alunos acumulam saberes, passam nos exames, mas no conseguem mobilizar o que aprenderam em situaes reais, no trabalho e fora dele (em famlia, na cidade, no lazer etc.). Isso grave para aqueles que freqentam aulas somente por alguns anos. A Escola bsica no deve ser uma preparao para estudos longos. Deve-se enxerg-la como uma preparao de todos para a vida. Formulando-se mais explicitamente os objetivos da formao em termos de competncias, lutamos abertamente contra a tentao da Escola de ensinar por ensinar, de marginalizar as referncias s situaes da vida e de no reservar tempo para treinar a mobilizao dos saberes para situaes complexas.

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Quais as competncias que os alunos devem ter adquirido ao terminar a Escolarizao? Perrenoud: Essa uma escolha da sociedade, que deve ser baseada em um conhecimento amplo e atualizado das prticas sociais. No basta nomear uma comisso de redao para se elaborar um conjunto de competncias. Certos pases contentaram-se em reformular os programas tradicionais, colocando um verbo de ao na frente dos saberes disciplinares. Onde se lia "ensinar o teorema de Pitgoras", agora l-se "servir-se do teorema de Pitgoras para resolver problemas de geometria". Isso maquiagem. A descrio de competncias deve partir da anlise de situaes, da ao, e disso derivar conhecimentos. Os pases que querem ir rpido demais se lanam na elaborao de programas sem dedicar tempo observao das prticas sociais, sem identificar situaes com as quais as pessoas so e sero verdadeiramente confrontadas. O que sabemos das competncias que precisam um desempregado, um imigrante, um portador de deficincia, uma me solteira, um jovem da periferia? Se o sistema educativo no perder tempo reconstruindo a transposio didtica (a transformao de um conhecimento cientfico em conhecimento Escolar), no questionar as finalidades da Escola e se contentar em verter antigos contedos dentro de um novo recipiente. Sob a capa de competncias, d-se nfase a capacidades sem contexto. Resultado: conserva-se o essencial dos saberes necessrios aos estudos longos e os lobbies disciplinares ficam satisfeitos. O que preciso fazer para que a formao geral acompanhe os objetivos da profissional em termos de competncia? Perrenoud: Eu tentei um exerccio para identificar os saberes fundamentais para a autonomia das pessoas. Cheguei a oito grandes categorias: saber identificar, avaliar e valorizar suas possibilidades, seus direitos, seus limites e suas necessidades; saber formar e conduzir projetos e desenvolver estratgias, individualmente ou em grupo; saber analisar situaes, relaes e campos de fora de forma sistmica; saber cooperar, agir em sinergia, participar de uma atividade coletiva e partilhar liderana; saber construir e estimular organizaes e sistemas de ao coletiva do

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tipo democrtico; saber gerenciar e superar conflitos; saber conviver com regras, servir-se delas e elabor-las; saber construir normas negociadas de convivncia que superem as diferenas culturais. Em cada uma dessas grandes categorias, preciso ainda especificar concretamente os grupos de situaes. Por exemplo: saber desenvolver estratgias para manter o emprego em situaes de reestruturao de uma empresa. A formulao de competncias afasta-se, ento, das abstraes ideologicamente neutras. De pronto, a unanimidade est ameaada, e reaparece a idia de que os objetivos da Escolaridade dependem de uma escolha da sociedade. Nesse contexto, quais so as mudanas no papel do professor? Perrenoud: intil exigir esforos sobre-humanos dos professores se o sistema educativo apenas adota a linguagem das competncias, sem mudar nada de fundamental. O melhor indcio de uma mudana profunda a diminuio do peso dos contedos disciplinares e uma avaliao formativa e certificativa, orientada claramente para as competncias. As competncias no do as costas para os saberes, mas no se pode pretender desenvolv-las sem dedicar o tempo necessrio para coloc-las em prtica. No basta juntar uma situao de transferncia no final de cada captulo de um curso convencional. Para o sistema mudar, preciso reformular seus programas em termos de desenvolvimento de competncias verdadeiras, liberar disciplinas, introduzir os ciclos de aprendizagem plurianuais ao longo do curso, chamar para a cooperao profissional e convidar o professor para uma pedagogia diferenciada, mudando, ento, sua representao e sua prtica. O que o professor deve fazer para modificar sua prtica? Perrenoud: Para desenvolver competncias preciso, antes de tudo, trabalhar por resoluo de problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, complet-los. Isso pressupe uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar o curso o cerne da profisso. Ensinar, hoje, deveria ser conceber, encaixar e regular situaes de aprendizagem, seguindo os princpios pedaggicos ativos

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construtivistas. Para os adeptos dessa viso interativa da aprendizagem, trabalhar no desenvolvimento de competncias no uma ruptura. O obstculo est mais em cima: como levar os professores, habituados a cumprir rotinas, a repensar sua profisso? Eles no desenvolvero competncias se no se perceberem como organizadores de situaes didticas e de atividades que tenham sentido para os alunos, envolvendo-os e, ao mesmo tempo, gerando aprendizagens fundamentais. Quais so as qualidades profissionais que o professor deve ter para ajudar os alunos a desenvolver competncias? Perrenoud: Antes de ter competncias tcnicas, ele deveria ser capaz de identificar e de valorizar suas prprias competncias, dentro de sua profisso e de outras prticas sociais. Isso exige um trabalho sobre sua relao com o saber. Muitas vezes, o professor algum que ama o saber pelo saber, que bem sucedido na Escola, que tem uma identidade disciplinar forte desde o Ensino Mdio. Ora, os alunos no so e no querem ser como ele. O professor deve, ento, se colocar no lugar desses alunos. A ele comear a procurar meios de interessar sua turma pelo saber no como algo em si mesmo, mas como ferramentas para compreender o mundo e agir sobre ele. O principal recurso do professor a postura reflexiva, sua capacidade de observar, de regular, de inovar, de aprender com os outros, com os alunos, com a experincia. Mas, com certeza, existem capacidades mais precisas. Como o professor deve empregar as disciplinas dentro desse conceito? Perrenoud: No se trata de renunciar s disciplinas, que so os campos do saber, estruturados e estruturantes. No Ensino Fundamental, preciso preservar a polivalncia dos professores, no "secundarizar" a Escola bsica. No Ensino Mdio, pode-se desejar a no compartimentalizao precoce e estanque, com professores menos especializados, menos fechados dentro de uma s rea, dizendo ignorar as outras. importante ainda no dedicar todo o tempo Escolar s disciplinas, deixando espaos para as encruzilhadas interdisciplinares e as atividades de integrao.

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Como deve ser a avaliao em uma Escola orientada para o desenvolvimento de competncias? Perrenoud: Ningum formar competncias na Escolaridade bsica se no forem exigidas competncias no momento da certificao. A avaliao o que realmente conta. preciso avaliar seriamente as competncias, mas isso no pode ser feito com testes escritos. So essenciais os problemas complexos e as tarefas contextualizadas, dentro de uma srie de condies. Em quanto tempo possvel perceber resultados dessas mudanas no sistema de ensino? Perrenoud: Antes de avaliar as mudanas melhor coloc-las em operao. Isso levar anos, se for um trabalho srio. Pior acreditar que as prticas de ensino e aprendizagem mudam por decreto. As mudanas exigidas passaro por uma espcie de revoluo cultural, que ser vivida pelos professores, depois pelos alunos e seus pais. Quando as prticas forem alteradas em larga escala, a mudana exigir ainda anos para dar frutos visveis, pois ser preciso esperar que mais de uma gerao de estudantes tenha passado por todos os ciclos. Enquanto se espera, melhor implementar e acompanhar as mudanas do que procurar provas prematuras de sucesso. O que uma reforma dessa natureza pode fazer por um pas como o Brasil? Perrenoud: Seu pas confronta-se com o desafio de Escolarizao de crianas e adolescentes e de formao de professores qualificados em todas as regies. H tambm a questo da reprovao e da evaso. A abordagem por competncias no vai resolver esses problemas num passe de mgica. Entretanto, no vamos negligenciar trs suportes dessa abordagem, caso ela atenda suas ambies. Ela pode aumentar o sentido de trabalho Escolar e modificar a relao com o saber dos alunos em dificuldade; favorecer as aproximaes construtivistas, a avaliao formativa, a pedagogia diferenciada, que vai facilitar a assimilao ativa dos saberes; colocar os professores em movimento, incitando-os a falar de pedagogia e a cooperar no quadro de equipes ou de projetos do estabelecimento Escolar. Por

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isso, sensato integrar desde j as abordagens por competncias formao inicial e contnua e identidade profissional dos professores. No nos esqueamos de que, no final das contas, o objetivo principal democratizar o acesso ao saber e s competncias. Todo o resto apenas um meio de atingir esse objetivo. Chegamos ao final da Unidade I. Nossa expectativa que voc tenha conseguido alcanar os objetivos que propunha esta Unidade. LEITURAS RECOMENDADAS

As questes discutidas na Unidade I constituem o ponto de partida dos estudos sobre a Pedagogia das Competncias: o conhecimento, o currculo e a avaliao na Escola. Assim, necessrio que voc amplie os saberes sobre o tema. Para isso, fazemos duas indicaes de leituras que lhe possibilitaro o aprofundamento no estudo: a) RAMOS, Marise Nogueira. A Pedagogia das competncias: autonomia ou adaptao? So Paulo, Cortez, 2001. Este um livro que servir de base para uma profunda anlise crtica ao iderio pedaggico das reformas educativas dominantes no Brasil e na Amrica Latina que permeiam os diferentes nveis de ensino e, especialmente, o mbito da educao tcnico-profissional. Uma obra obrigatria como referncia para professores do ensino fundamental, mdio e superior e mais do que isso, voc encontrar, tambm, os elementos bsicos que fundamentam propostas educativas alternativas para uma sociedade efetivamente democrtica e solidria. b) PCN. Parmetros Curriculares Nacionais. Ensino Mdio. MEC, 1997. importante a leitura dos PCNS para que voc considere a identificao que estes Parmetros cumprem de difundir os princpios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias. Por isso, desejamos que estes influenciem positivamente na sua prtica docente, como esperamos que, com base nessa prtica e no processo de aprendizagem dos alunos, rev-los e aperfeio-los.

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REFERNCIAS COLL, Csar et al. O Construtivismo na sala de aula. So Paulo: tica, 1996. ESTEBAN, M. T. Uma avaliao de outra qualidade. Revista Presena Pedaggica n 8, maro de 1996. FREITAS, M. T. Vygotsky & Bakhtin. So Paulo: tica, 1994. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e Cultura: as bases sociais e epistemolgicas do conhecimento Escolar. Trad. Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Mdicas,1993. GIROUX, Henry. Escola Crtica e Poltica Cultural. 3ed. So Paulo: Cortez, 1992. HOFFMANN, J.. Avaliao Mediadora: Uma Prtica em Construo. UFRS, Porto: Alegre, 1993. INEP, Evoluo da educao bsica no Brasil, Braslia: MEC/INEP, 1997. LUCKESI, Cipriano. Avaliao de Aprendizagem Escolar. So Paulo: Cortez, 1995. LOPES, Alice Casimiro & MACEDO, Elizabeth (orgs.). Currculo: debates contemporneos. So Paulo: Cortez,2002. MORETTO, Vasco Pedro. Construtivismo a produo do conhecimento em aula. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessrios educao do futuro. So Paulo: Cortez, 2000. NOVOA, A. et al. Os Professores e a sua Formao. Lisboa: D. Quixote,1992. PCN. Parmetros Curriculares Nacionais. Documento Introdutrio. MEC, 1997.

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PERRENOUD, et al. Avaliao Formativa num Ensino Diferenciado. Coimbra: Almedina,1986. ________________.Prticas Pedaggicas Profisso Docente e Formao. Lisboa: D.Quixote,1993. ________________. Dez novas competncias para ensinar. So Paulo: Artmed, 2000. PIMENTEL, M. G. O Professor em Construo. So Paulo: Papirus, 1993. SANTOS, B.S. Introduo a uma cincia ps-moderna. Porto: Afrontamento, 1993. SILVA, Terezinha Maria Nelli. A construo do currculo na sala de aula: o professor como pesquisador. So Paulo: EPU, 1990. VYGOSTKY, L.S. A formao social da mente. So Paulo: Martins Fontes, 1991.

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UNIDADE II Pressupostos da Organizao do Conhecimento nos Projetos InterdisciplinaresEsta unidade ampliar a sua concepo sobre os pressupostos da organizao do conhecimento nos projetos interdisciplinares. Daremos um novo passo, em busca da gnese do conhecimento que est vinculado totalidade, uma vez que advm do enfrentamento de alguma situao concreta, de algum problema da realidade, para o qual se busca dar conta em suas mltiplas relaes. Portanto, venha conosco interagir na construo de um conhecimento que possibilite a mudana das prticas pedaggicas Escolares. Objetivos Especficos da Unidade Pretendemos nesta Unidade que, com base em sua prtica educacional e no estudo do material, voc seja capaz de: 1) Diferenciar a organizao do conhecimento disciplinar, multidisci